Escola: espaço de responsabilidade social

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Escola: espaço de responsabilidade social
Roselane Zordan Costella1
Resumo: A escola compreende um papel fundamental na construção de um ser mais reflexivo e ativo
perante os acontecimentos do mundo. Os professores, composição importante deste processo
necessitam enxergar o lugar escola como um momento de aprendizagem constante, encontrando no
aluno as possibilidades de rever suas metodologias de ação. Os alunos, passantes por estes eventos
proporcionados pela escola necessitam ser acompanhados como elementos inspiradores para a
construção de currículos identitários e voltados para uma ação e reação flexível e representativa
culturalmente. O ensino precisa ser voltado para o aluno, tendo ele como fruto composto por
diferentes possibilidades e não somente e unicamente para o conteúdo trabalhado de forma
insistente, muitas vezes, sem consequências mais significativas para quem aprende. Para que haja
significado nas relações escolares é indispensável que os alunos desenvolvam competências. O
desenvolvimento de competências está relacionado às diferentes possibilidades de aprendizagem
diante de um mesmo conhecimento tendo consciência da ação provocada pela aprendizagem,
desenvolver competências não é simplesmente saber ou fazer, mas sim, compreender como se
aprende e como se faz. As possibilidades de ações sobre as situações novas só são pertinentes no
momento em que os alunos sabem como agir porque reconhecem no processo de aprendizagem os
elementos que permitiram a ação utilizando referenciais conquistados, conscientemente, durante o
ato de aprender. A escola assim é um lugar de complexidades e não de simplificações, é um lugar
globalizado que deve fazer com que o professor se desvencilhe de gavetas disciplinares para
desenvolver um saber mais integrado e significativo.
Palavras-chave: Escola. Ensino. Aprendizagem. Competências.
Abstract: The school comprises a key role in building a more reflective and active human before the
events of the world. Teachers, a important composition of this process, need to see the school as a
place of constant learning, finding in the students ways of reviewing his methods of action. Students,
patrons of these events provided by the school need to be monitored as inspirational elements for the
embodied curricula construction and facing an action and reaction flexible and culturally
representative. The teaching needs to be focused for the student, and he made as a result of different
possibilities, not only for the content worked so insistent, many times without the most significant
consequences for the learner. In order to have meaningful relationships in school is essential that
students develop skills. Skills development is related to the different learning opportunities on the
same knowledge being aware of the action caused by the learning, skills development is not simply
know or do, but to understand how we learn and how. Action's possibilities on the new situations are
only relevant at the time that students know how to act because they recognize the process of learning
the elements that allowed the action using benchmarks achieved, knowingly, during the act of
learning. The school is just a place of complexity and not of simplifications, is a globalization place that
should make the teacher free from disciplinary drawers to develop a more integrated and meaningful.
Keywords: School. Teaching. Learning. Skills.
A organização de uma escola está vinculada a um conjunto de acontecimentos
voltados para o ensino e para a aprendizagem. Esses eventos são criados e
recriados sobre processos e sobre preocupações constantes com a formação do
1
Licenciada em Geografia. Especialista em Ciências da Terra. Mestre em Geociência – Linha de
pesquisa Ensino. Doutora em Geociências - Linha de pesquisa Ensino. Professora adjunta da
Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação, Departamento de Ensino e
Currículo.
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aluno. Quando pensamos em formação não pensamos em um produto seriado,
padronizado e tatuado com um logotipo que reflete as cores ou os símbolos das
escolas onde esse aluno estudou.
O ensino não padroniza a aprendizagem, mas sim diversifica, redescobre, facilita a
recriação. Ensinar é respeitar o que o ser humano tem de mais valioso que é a sua
autonomia sobre a vida. A aprendizagem oportuniza o conhecimento, o
conhecimento é capaz de libertar e a liberdade é pressuposto fundamental para que
o ser humano resolva os problemas que possam aparecer de forma identitária,
própria e consciente.
O cenário compreendido pelos alunos, nem sempre é o cenário criado e pretendido
pelo professor, são os mesmos atuantes, porém existem distâncias entre quem
ensina e quem aprende. Aprender e ensinar são processos que exigem
cumplicidade. A cumplicidade requer colocar-se no lugar de, para entender o que o
outro possa estar sentido ou o que possa estar lhe faltando. Ensinar requer cuidado
e acompanhamento, pois aprender é um processo complexo e distinto. Nem sempre
o professor ensina a quem precisa aprender; muitas vezes, o professor ensina a ele
mesmo, repetindo constantemente o que sabe, para garantir que tudo o que sabe foi
“passado”, sem se dar conta de que o aluno não é uma recipiente por onde passam
conteúdos, não é um depósito onde se amontoam informações.
Conforme CANDAU (2008, p.14) “[...] as escolas estão cada vez mais desafiadas a
enfrentar os problemas decorrentes das diferenças e da pluralidade cultural, étnica,
social religiosa, etc., dos seus sujeitos e atores”.
A escola não reflete os saberes do mundo, quando pensamos em refletir, pensamos
em cópia de forma original, com seus detalhes e cuidados. A escola relê os saberes
do mundo e a partir dessa releitura desenvolve processos de aprendizagem e de
ensino. Assim os alunos que por ela passam carregam essas releituras, e se são
releituras, são passíveis às suspeitas, são inacabados ou não compreendem
verdades prontas.
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Se, como cita Candau (2008), o desafio será cada vez maior em função das
pluralidades, a escola deve pensar e repensar as suas práticas, deve em primeiro
lugar entender que seu conteúdo depende da sua forma, ou seja, o conteúdo
trabalhado não reflete à realidade posta, mas as realidades compostas pelos
diferentes atores que as desenvolvem. Se houver a compreensão que os currículos
compostos de historicidade e diversidade reinteram os processos de aprendizagem,
haverá a compreensão de que ensinar não depende só de quem ensina, mas muito
mais de quem aprende. Assim, cabe repetir o que muitos textos colocam como frase
de impacto, ensinar requer antes de qualquer coisa aprender a aprender e aprender
a ensinar. A maior habilidade que um professor deve ter para tornar o seu aluno
competente em ter consciência do seu aprendizado é a habilidade de aprender a
aprender.
O contexto da escola não pode ser impermeável aos acontecimentos do lugar onde
a escola está inserida. O lugar, entendido como continuidade identitária sempre vai
compor rascunhos de planejamentos. Os professores, muitas vezes, são originários
de outros lugares e compreendem a escola como alheia a seus sentimentos. Os
alunos plurais e complexos tornam a escola mais distante ainda do seu real papel,
assim para definir um currículo escolar precisa-se definir o conjunto de lugares e
tornar a construção de um currículo um composto flexível, complexo, com várias
aberturas e sentimentos.
A análise conjuntural e não estrutural de uma escola se faz necessária para
entendermos o significado da mesma, tanto para quem aprende, como para quem
ensina. O professor não faz concurso para uma escola pública, ele faz concurso
para escolas públicas. O professor não é formado para desenvolver o seu trabalho
em uma escola de ensino privado, ele é formado para trabalhar em qualquer escola
privada. Assim, cabe ao professor durante o seu curso superior desenvolver
competências que estão além dos seus conteúdos específicos, cabe ao professor
desenvolver competências de reconhecimento de processos de aprendizagem.
Quem entende de processos certamente entende de escolas, independente da sua
metodologia ou origem.
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Diante das infinitas realidades postadas nas escolas o professor bravamente tenta
vencer os seus conteúdos postados nas universidades distantes. O conteúdo é
diferente do processo de aprendizagem. O conteúdo veicula os processos, está a
serviço desses processos. Quando se ensina verbos, por exemplo, cuja finalidade
maior é a competência comunicativa, perde-se o sentido desse processo, quando
trabalhado da mesma forma em diferentes realidades.
Para que servem os verbos repetidos inúmeras vezes nas aulas de Língua
Portuguesa para aquele aluno que sonha e poderá chegar a ser um grande juiz ou
desembargador. Ao mesmo tempo, qual é a finalidade de repetir essas conjugações
para aquele aluno, cujo sonho é pegar o seu diploma do curso noturno da educação
básica para procurar um emprego que, com muita sorte, terá como remuneração um
salário mínimo.
Não está em discussão a validade do conteúdo verbos, o que está em discussão
são os processos diferenciados deste conhecimento diante da infiltração dos
componentes da realidade dos alunos e das escolas quanto a capacidade de
ensinar. Se o professor olhar nos olhos dos seus alunos, certamente saberá como
ensinar, pois entenderá o porquê daquilo que está ensinando.
Os conteúdos, como no exemplo anterior os verbos, apresentam significados
diferentes em diferentes contextos. Devemos sim ensinar pensando em esgotar
possibilidades de entendimentos, mas devemos também partir para este ensino
levando não somente o aluno e o conteúdo, mas o que não é observável no
momento, as intencionalidades e as experiências. Teremos, enquanto educadores,
mais chance de tornar o aluno noturno, trabalhador e fora de sua idade regular de
estudo um desembargador ensinando a partir de suas vivências, do que se
ensinássemos a partir das exigências desta ambição. Em outras palavras, o ensinar
com significado conduz a caminhos mais longos que o ensinar para um fim
padronizado e previamente estipulado.
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Conforme BECKER (2001, p. 47), “O processo do conhecimento está restrito ao que
o sujeito pode retirar, isto é, assimilar, dos observáveis e dos não observáveis, num
determinado momento”.
Numa ocasião, ouvindo um discurso de formatura eu fiquei chocada com um
conjunto de palavras vindas de um adolescente que terminava a 8ª série do Ensino
Fundamental. Numa cerimônia simples de fechamento de etapa, entendida como
formatura a aluna, oradora das turmas assim se manifestou: “Um dia, próximo ao dia
dos pais, a minha professora de artes entregou aos alunos um modelo de cinzeiro
que deveria ser construído de argila, para presentear os pais em seu dia. Mesmo
quem não tivesse pai deveria fazer, pois seu objetivo era avaliar a motricidade ao
desenvolver o seu trabalho. Eu disse a ela que meu pai não fumava e ela me
respondeu que isso não tinha importância, ele poria na sala para as visitas que
fumassem ou certamente daria de presente a algum tio ou a um avô. Terminando o
ensino fundamental, aprendi com essa professora a forma de como não ensinar.
Digo a todos que não podemos mais fazer cinzeiros para pais que não fumam,
devemos largar os modelos e criar nossas próprias ações.”
Quando, nesse texto, é feita a análise sobre o que e por que ensinamos, estamos
nos referindo simbolicamente ao cinzeiro. O conteúdo cinzeiro não foi o ideal para o
desenvolvimento da habilidade da motricidade final ali pretendida. Com o conteúdo
cinzeiro, se fosse mesclado com o conteúdo processos de aprendizagem, os alunos
certamente desenvolveriam a motricidade fina conjugando outras habilidades e
desenvolvendo a competência criativa.
Sempre carreguei comigo as palavras desta aluna com a intenção de transformá-las
em ação. Esta escola desenvolveu uma competência marcante que foi o poder de se
comunicar a partir da leitura ausente. Ela, certamente trouxe da escola, e não deste
professor em particular, a autonomia da leitura dos acontecimentos. Ela leu o
significado do cinzeiro e foi tal a sua competência que o transformou em texto,
textualizado para repudiar ações isoladas que poderiam ter passado no anonimato.
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O desenvolvimento dessas e de outras competências indispensáveis na vida dos
alunos são de responsabilidade da escola. A referência escola colocada aqui de
forma insistente tem a haver com o lugar escola, um campo de energia que
transforma maneiras de pensar e de agir dos sujeitos que passam por ela. Estar
numa escola pressupõe oportunidades para aprender a pensar, a representar e
acima de tudo a compreender os acontecimentos do mundo. O professor está na
escola para aprender e para ensinar, ensinar de forma incansável, ensinar de forma
responsável. O aluno é sempre aluno, e assim sempre tem o que aprender. Cada
minuto de aula precisa ser valioso, precisamos tornar a sala de aula um campo de
tensão e de ação.
O processo de aprendizagem é contraditório e por isso é tenso. A contradição tem
origem nos infinitos desafios que os professores propõem a seus alunos. Desafiar é
despertar a vontade do novo, é partir de momentos de aprendizagem capazes de
oportunizar outros momentos cada vez mais significativos. Quando o aluno passa
por momentos valiosos de aprendizagem ele desenvolve a potencialidade de
aprender a aprender constantemente. Em muitos momentos de nossas vidas
enxergamos pessoas que constantemente estão aprendendo e têm vontade de
aprender, perguntam, refletem as respostas e reelaboram por si o conhecimento
sem ajuda de um ensino formal. Essas pessoas agem desta forma porque
aprenderam a aprender.
Numa ocasião, numa viagem a Natal, capital do Rio Grande do Norte, estado do
Nordeste brasileiro, num passeio pelas ruas dessa capital, dentro de um microônibus com alguns turistas, todos na maioridade e todos estando nesse local pela
primeira vez, dediquei a atenção às pessoas que estavam presentes no passeio.
Alguns com um fone de ouvido olhavam as construções, os monumentos e as
belezas naturais como se fosse tudo a mesma coisa ou velhos conhecidos. Outros
observavam no vazio, ouvindo as explicações de quem os conduzia como se
estivessem ouvindo um discurso de uma autoridade em um palanque, sem
oportunidade de perguntar o porquê daquela fala decorada. Outros, atentos,
perguntavam aquilo que o condutor jamais teria pensado em falar. Perguntavam o
ausente, o escondido entre os prédios, monumentos e belezas. As perguntas
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deixavam próximas e relacionadas às belezas naturais aos monumentos, os prédios
às políticas públicas e assim a viagem seguia.
Por muitas vezes me perguntei o porquê de tanta diferença entre as pessoas que
estavam ali pelo mesmo motivo, passear e conhecer uma cidade de características
alheias as da sua cidade de origem. Uns instigados a saber, preocupados com as
relações, estabelecendo um caminho próprio de aprendizagem. Outros satisfeitos
com o discurso memorizado e outros, ainda, fechados em si mesmos numa
permanente acomodação. Questionei-me constantemente que relação teria a escola
com as diferentes posturas assumidas pelas pessoas; de que forma pode
desenvolver potencialidades para que as pessoas sintam o prazer em aprender , ou
melhor, que desenvolvam a capacidade de aprender a aprender.
Quando Morin trabalha em seus textos a capacidade ou incapacidade de juntar os
diferentes conhecimentos para interagir com o meio de forma consciente ou para
resolver problemas que possam aparecer, ele retoma o fato de que a redução ou a
simplificação ameaçam o desenvolvimento de seres pensantes e reflexivos. “A
incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à atrofiada
disposição mental natural de contextualizar e de globalizar.” (MORIN, 2011, p.39).
Referenciando o pensamento de Morin (2011) em relação à situação do microônibus anteriormente descrita, me deporto à capacidade que os indivíduos possuem
em mobilizarem elementos suficientes em suas formas de pensar que os conduzam
ao desejo de aprender ou de interagir com as aprendizagens já construídas . O que
ocorre nas estruturas de pensamento dessas pessoas para que umas se tornem
receptivas aos novos conhecimentos e experiências de aprendizagem e outras não.
A incapacidade de organizar um saber disperso perpassa pela incapacidade de
organizar uma boa pergunta, de organizar mentalmente um bom questionamento.
Perguntar é muito mais difícil que responder. Perguntar exige uma relação de
capacidades e interdisciplinaridades que muitas vezes o cotidiano de uma sala de
aula inibe e não permite que se desenvolva.
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Os alunos dos anos iniciais e da educação infantil perguntam muito, parecem
esponjas que precisam ser preenchidas até transbordar. Perguntam sem medo,
perguntam o óbvio e o impossível de responder. Diante de uma turma de 1º ano dos
anos iniciais fui surpreendida por um conjunto de perguntas que nem eu mesma
tinha na minha vida me perguntado, perguntas do tipo:
 “De onde vem a água do coco?”
 “Quando a água quebra?”
 “Por que as formigas não se perdem?”
 “Por que a água limpa a mão e não suja de água?”
Esse conjunto de porquês vai se esvaindo conforme os anos vão passando, não
acredito que a ausência dos porquês esteja relacionada somente às fases ou idades
dos seres humanos, acredito que muito destas ausências estejam na incapacidade
dos professores de permitirem muito mais as respostas que as perguntas em seus
cotidianos escolares. Penso que é muito mais fácil contar que responder. O ser
humano é educado nas escolas para responder o que lhe é solicitado
constantemente, desde os instrumentos avaliativos até os cotidianos de aula. Se não
permitimos a pergunta porque despejamos o que sabemos, sem deixar espaço para
ouvir o que o aluno quer saber sobre isso, estamos matando literalmente a vontade
de aprender. Perguntar é uma competência fundamental, construída nas escolas
junto aos professores, perguntar é um exercício de cidadania, é um composto de
junção das diferentes capacidades que precisamos desenvolver.
Tecendo uma relação entre a capacidade de saber perguntar com a vontade de
aprender, trazendo novamente o exemplo do conjunto de turistas, pode-se pensar
que as diferentes escolas e professores pelas quais estas pessoas passaram podem
sim ter influenciado a vontade ou não em querer ou saber aprender. Assim, pode-se
também referenciar a responsabilidade da escola em pensar em seus conteúdos de
forma diferente, ou seja, de aproveitá-los não como um fim de processo, se os venço
mudo de ano, se não os venço o ano muda e o aluno fica. Os conteúdos de uma
escola existem para que sobre eles se desenvolvam as capacidades de junção, de
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organização de suas diferentes manifestações, de entendimento e principalmente de
significado.
Vejo na escola essa responsabilidade, a de acompanhar eternamente quem por ela
passa. É comum ouvirmos de pais as palavras que soam numa mescla de Angústia
e preocupação quando dizem “os filhos são para toda vida”, pois penso que alunos
são para toda vida, mesmo que, diferente dos filhos possamos nunca mais vê-los.
Não podemos enquanto professores chamar nossos antigos alunos, hoje já
profissionais de diferentes áreas, para estarem novamente em nossos bancos
escolares, para reparar erros ou aparar arestas que deveríamos ter feito no
momento em que eram nossos alunos, para que eles sejam seres mais instigantes e
tenham vontade de saber ou ainda tenham consciência do que aprendem. Não
podemos emitir receituários de remédios, como numa realidade de consulta médica
e solicitar que voltem se o remédio não fez efeito. Somos profissionais que não
podemos nos dar ao luxo do erro ou do equívoco.
Essa reflexão faz com que reorganizemos nossos pensamentos diante do conjunto,
JUNTO, que compõe a escola como lugar de significado, o professor como um
conhecedor de processos bem mais do que conhecedor de conteúdos, os alunos
como resultado de um conjunto de possibilidades, como esponjas e o conteúdo
como um veiculador de competências. Assim o professor precisa ser um conhecedor
dos processos de aprendizagem. Para que tenhamos um conhecedor de processos
precisamos ter na figura do professor um eterno pesquisador.
O professor que não pesquisa, igualmente, não toma consciência das suas
ações, pois também é um reprodutor. Esse professor-reprodutor, oposto do
professor pesquisador, exerce uma docência que tenta se impor ao
pensamento do aluno. (MARQUES, 2007, p. 70)
O professor, muitas vezes, mergulhado em sua prepotência conteudista esquece
que o seu principal papel não é instruir, ou seja, não é exercer de forma mecânica
um conjunto de dicas, espaçadas uniformemente. O instrutor divide o que precisa
“dar” em aulas milimetricamente pensadas, sabe exatamente que antes vem a
explicação, depois o exercício e depois a correção. Quando utiliza a fórmula,
primeiro mostra a fórmula, depois a reproduz na resolução de exercícios básicos,
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aumentando a sua complexidade conforme o aluno aprende. O instrutor ensina a
multiplicação ou adição nos anos iniciais postando o modelo do cálculo e repetindo
vagarosamente parte por parte para poder resolver o que é solicitado como: ”arme e
efetue as operações”.
Diferente de instruir, o professor não parte da explicação do conteúdo, mas da
explicação do aluno, não parte igualmente da dificuldade da fórmula, mas da
dificuldade do aluno. O professor enxerga no aluno as possibilidades de ensinar e
não no conteúdo, o conteúdo é visto pelo professor como possibilidades de
desenvolver potencialidades e não a potencialidade em si. O professor não respeita
linearidade, respeita a complexidade exigida pelo aluno, o professor não facilita e
nem dá, ele complica e cobra.
Ser professor não é ser amigo do aluno, assim como os pais não são amigos dos
filhos. Professores e pais pontuam necessidades, ficam atentos a cada movimento,
exigem criações e recriações. Professores e pais não relaxam como amigos, não
confidenciam tudo porque sabem que muitas das confidências ferem e serão
repreendidas. O bom professor na relação com seus alunos é aquele que fala como
professor e não como adolescente, que age como adulto e não como adolescente,
mas que é ouvido, respeitado e figurado como um exemplo de humildade, porque
sabe aprender, ao mesmo tempo em que de sabedoria, porque sabe ensinar.
Como este professor se constitui? Pela experiência ou pelos saberes acadêmico?
A academia, muitas vezes, não dá conta desta formação e a experiência, diante da
complexidade, demora muito a se efetivar. Assim demoramos muito para ter um
professor que ao mesmo tempo entenda a razão epistêmica da sua ciência, os
conteúdos que preenchem esta razão epistêmica e que entenda da importância da
escola principalmente como uma representação do aluno e não somente dos
diferentes componentes curriculares que a compõe.
Para que o professor dê conta dessas possibilidades precisa, inicialmente,
reconhecer no conteúdo trabalhado, o que ele domina num primeiro plano, o
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significado e o poder que o mesmo tem para o desenvolvimento das competências
pretendidas. A comunicação entre o professor, o aluno e o lugar escola está
vinculada ao comprometimento do professor em veicular pelo conteúdo o
desenvolvimento daquilo que não será perdido, esquecido ou banalizado, ou seja, o
desenvolvimento de competências.
Entende-se por competência na educação um momento ou uma totalidade em que o
aluno atinge quando consegue tomar consciência de como aprendeu. Se um aluno,
por exemplo, ao estudar o corpo humano compreender que processos utilizou para
entender o sistema circulatório, ele, certamente utilizará estes mesmos processos
para compreender o sistema digestor ou ainda outros conceitos ou sistemas de
outros campos do conhecimento.
Na matemática, por exemplo, o aluno não é competente em calcular, porque calcula,
ele é competente se souber explicar como decompôs ou compôs aqueles números
para poder calcular. Por isso, matematicamente falando, o aluno terá maiores
possibilidades de ser competência se, ao resolver um problema matemático ele
consiga aprender um cálculo, ao contrário de que muitos pensam que o problema
deva ser trabalhado após o entendimento do cálculo, pois assim o aluno aplica o
cálculo na resolução do problema.
A competência não significa a aplicabilidade do conhecimento, ela é muito mais
intensa e tensa do que isso, o desenvolvimento de competências significa ter
consciência de como e por que os fatos assim estão aplicados. Numa ocasião,
solicitei que os alunos respondessem uma questão de localização no mapa, a
pergunta foi esta: Onde fica o Uruguai em relação ao Brasil, neste mapa? Todos aos
alunos da 1ª série do ensino médio acertaram a questão. No momento em que
perguntei: Como você sabe que o Uruguai se localiza nesta orientação? Todos aos
alunos erraram. Assim eles tinham a prática, na prática do ativismo solicitado eles
acertaram, mas não reconheciam os processos que os levaram a isso.
O questionamento, em relação a como se chegou a esta ou aquela conclusão faz
com que o aluno trave uma batalha com ele mesmo, ou seja, que ele pense como
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ele conseguiu aquela resposta, em outras palavras ele competiu com ele mesmo e
essa competição é a mais árdua porque requer reflexão e não praticidade, esta
batalha requer objetivação do pensamento, ela é anterior ao conceito construído. No
momento em que esse aluno for levado a resolver outro problema de localização ele
não vai utilizar a experiência de sucesso que foi saber onde está o Uruguai em
relação ao Brasil, mas utilizará os argumentos que teve que criar e recriar para dizer
como conseguiu essa resposta para efetivamente encontrar inúmeras outras
resposta. O conteúdo é indispensável para o desenvolvimento de competências, é
por meio dele que o professor consegue verificar os elementos ausentes que
poderão definir as práticas significativas.
Conforme ZABALA (2010, p.11), “A competência e os conhecimentos não são
antagônicos, pois qualquer atuação competente sempre representa a utilização de
conhecimentos inter-relacionados às habilidades e às atitudes”.
A escola, como espaço de responsabilidade social, tem como parâmetro de ação a
interpretação e o desenvolvimento de competências ou capacidades ou ainda de
complexas reações reflexivas. Essas capacidades que vão além dos conteúdos
significam a escola como um momento de acontecimentos inesquecíveis e
necessários. Nela se aprende sim capacidades ou competências atitudinais, ou seja,
reflexões sobre a atuação contínua na sociedade, a posição e a reflexão da
cidadania.
Ao voltarmos ao aluno, professor e escola como elementos que estruturam e
reestruturam
pensamentos,
devemos pensar um
lugar de acontecimentos
interdisciplinares, compreendidos pelas ações conjuntas que estes acontecimentos
deverão gerar no evento aprendizagem. O professor, fruto de universidades
disciplinares, compostas por gavetas, precisa dar conta de um ensino inteligente e
conjugado diante dos seus alunos. O professor aprende de uma forma e precisa
ensinar de outra, esta realidade é que o torna “inexperiente”.
Com Morin (2011), percebe-se a preocupação das possibilidades de ensino que nos
leva a atrofia pelo viés da compartimentação:
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Como nossa educação nos ensinou a separar, compartimentar, a isolar e
não a unir os conhecimentos, o conjunto dele constitui um quebra-cabeças
ininteligível. As interações, as retroações, os contextos e as complexidades
que se encontram na man’s land entre as disciplinas tornam-se invisíveis. A
incapacidade de organizar o saber disperso e compartimentado conduz à
atrofia da disposição mental natural de contextualizar e de globalizar.
MORIN (2011, p. 39).
A
discussão
aqui
tecida,
permeada
por
diferentes
nós
que
demandam
entendimentos referentes à responsabilidade que temos diante dos processos de
ensino e aprendizagem, pretende abrir novas discussões que devolvam, se possível
e se necessário à escola o poder de representar composições da sociedade e de
permitir pensamentos mais complexos e significativos.
O conteúdo trabalhado em quantidades, muitas vezes, superiores ao tempo de
reflexão não representa o verdadeiro papel social da escola e escraviza professores
e alunos num contexto de passar e repassar, num jogo sem regras e sem ações
reflexivas. O verdadeiro núcleo comum de uma escola não deverá ser os conteúdos
padronizados, mas o pensamento de entender a escola e os alunos enquanto
componentes destes conteúdos de forma identitária.
Teremos, certamente, uma escola melhor quando os seus componentes entenderem
que o conteúdo por ela trabalhado não é o de ciências, matemática ou de
linguagens, o conteúdo por ela trabalhado é o aluno e seu poder de resolver
diferentes problemas da vida pela sua capacidade de pensar sobre e entender
como. A maior dignidade que podemos devolver a nossos alunos é o seu poder
íntimo de ação e reflexão, é a sua vontade de saber e o seu entendimento de saber
o que fazer com que aprendeu.
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Petrópolis: Vozes, 2005.
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