A Clínica Psicanalítica Lacaniana e seus efeitos no ser que fala.

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A Clínica Psicanalítica Lacaniana e seus efeitos no ser que fala.
A clínica psicanalítica Lacaniana e seus efeitos no ser que fala
Cláudia Comar
A psicanálise surge, em Freud, como forma de escutar, muito mais do que de interpretar,
pois isso se dá devido ao fato de a escuta presentificar-se.
O psicanalista certamente dirige o tratamento, porém não deve de modo algum dirigir o
paciente. O analista convida o analisante a falar livremente o que lhe vier à cabeça,
presentificando-se com sua escuta, não rígida e nem regida, a não ser pelos não-ditos que
implicitamente aparecem nos ditos do paciente, que sempre se esforçará para que seus
conteúdos inconscientes se manifestem. Digo que o paciente se esforçará pois, no caso de
escapar algo importante à escuta flutuante do analista, este o trará novamente, e se for
preciso inúmeras vezes, pois o paciente através da análise demanda o saber.
Da relação analítica resultará um preço que vai ser pago não só pelo analisante, que paga
por sua consulta para saber dele próprio, mas também pelo analista, que vai se dispor de
seu lugar tão precioso de “mestre do saber”, para ocupar um lugar desconhecido, em que o
analisante o colocará pela transferência instalada. Esta será o veículo propulsor da análise,
mesmo quando surge como resistência. Instalada a transferência, o analista pode
autorizar-se a interpretar.
Não podemos também deixar de falar da contratransferência, transferência relacionada ao
analista que, como ser humano, é também dotado de valores e juízos, assim como o
analisando. Mas, tais valores e juízos não cabem em uma análise que não seja a sua
própria, daí a necessidade sobre a qual Freud nos advertiu: a de que nós, analistas,
fizéssemos nossas próprias análises.
Os sentimentos do ser do analista não têm um lugar possível dentro dessa posição que ele
ocupa como analista. Ele deve ouvir sem preconceitos e devolver essa escuta com
questionamentos, marcações, interpretações, bem como interrupções, e não com juízo de
valores.
O analista, diferentemente do que pensam dele, deve-se colocar em análise como falta-aser e não como ser, pois assim sendo criará condições para que o analisante busque o
saber em si próprio, girando assim esse discurso de mestre, de Grande Outro, posição que
muitas, e não poucas vezes, é atribuída ao analista. Assim sendo, o sujeito, o analisante,
pode imputar ao analista um ser (ser que está alhures), tornando possível uma
interpretação consistente por parte do analista, causando o paciente a querer saber, a se
implicar em sua análise, saindo das prolongadas queixas e lamurias.
O analisante, então, busca encontrar seus significantes inconscientes na presença do
analista. Esse se presentifica com sua escuta e assim pode, sob transferência, responder
com questões à demanda do sujeito neurótico, que busca justificar sua existência através
de ser ou de ter o falo. A busca pelos objetos perdidos - o seio, o excremento, o falo ditam do sujeito o – ou o + que pensa ser. Tais objetos compõem uma fantasia
fundamental que procura dar conta da castração, que resultou para o sujeito da renúncia
ao amor do pai ou da mãe. Então, para se haver com isso, o sujeito busca inventar uma
história, para assim satisfazer suas necessidades que são reduzidas a valores de troca, ou
seja: “eu me dou ao outro” (histérica) ou “dou coisas minhas ao outro” (obsessivo), nos dois
casos visando que o Outro me ame e eu exista.
O sujeito convidado a falar em análise não diz logo a verdade, pois muitas vezes não tem
consciência desta, ou seja, do real, esse sujeito tenta com seu discurso dizer o indizível e é
para além dos ditos que deve se orientar a escuta analítica, onde ouvir não força o analista
a compreender, mas sem dúvida o possibilita a intervir até mesmo com o seu silêncio,
ocasionado através deste frustrações, faltas que são oportunas ao processo analítico, daí a
famosa frase de Lacan “Tem horas que o morto é o analista.”
Porém, tem horas que este se coloca bem vivo, marcando, interpretando de forma
consistente para que, a posteriore, possibilite ao sujeito que ele saia das repetições não
elaboradas, para uma possível tradução elaborada de um saber, saber este de que o sujeito
neurótico padece, sofre, por uma paixão infantil que persiste a partir da lei, fazendo com
que o sujeito pense poder encontrar os rastros para ter o que acha que já teve um dia e
perdeu.
Então, para que uma interpretação analítica se estabeleça, esta deve visar atingir o real, real
do ser de gozo do sujeito, a fim de pretender rearranjar a solução fantasmática do sujeito,
permitindo assim um enodamento diferente, já que o fantasma criado encobre o resto do
traço de perversão que cada sujeito traz, tendo este se constituído como estratégia voltada
para garantir o amor do Outro, permitindo recuperá-la diante da interpretação analítica
fragmentos de gozo, já que o fantasma sustenta o desejo na direção do gozo em falta.
O fantasma fundamental responde à interpretação que o sujeito faz do desejo do Outro,
através da falta de significante deste. Quando o fantasma falha, aparece o sintoma que de
alguma forma irá representar uma falta, no desejo do Outro. O fantasma é uma cena que
cria um lugar que o sujeito irá ocupar para dar conta de dar resposta onde faltou resposta,
para saber o que o Outro quer dele, o que ele tem que dar ao Outro para se garantir, para
vir a ser, para ter um lugar, um lugar no desejo do Outro. O fantasma tem uma dimensão
imaginária propriamente, e quando este manca, cria-se um sintoma que tem dimensão
simbólica, podendo dizer que por vezes o fantasma determina o sintoma, onde dado um
sintoma pode-se encontrar o fantasma que o determinou. O fantasma é indizível e
permanece já o sintoma pode desaparecer sabendo que outro sintoma poderá vir a se
constituir.
A análise visa a travessia da fantasia fundamental, e o que é recalcado pelo sujeito aparece
como uma representação do trauma e não necessariamente como um fato real em si.
Daí entendo que, para uma interpretação analítica se consumar, esta independe de fatos
reais para se basear, pois para se chegar a este real indizível devemos nos atentar a
entender as manobras que o sujeito criou para se haver com isso, e isso, isso sim nos
contará de nosso paciente.
“O paciente em análise, tem a chance de transformar o tempo passado, no tempo que
resta.” (Fingerman, Dominique).
O tempo vivido pelo sujeito até então, não é perdido, é encontrado, um tempo que não
passa, e não cessa de se inscrever, onde os traços mnêmicos da vida do analisante, que
aparecem por associações livres nas sessões, permitem a este reconstruções de cenas
cotidianas, ou seja, poder vê-las com outros olhos através de metáforas a se decifrarem.
Uma análise deve conduzir o sujeito a outro tempo.
Em Lacan a sessão pode ser curta ou longa, sendo a finalidade da sessão curta a criação de
um dispositivo para que o real toque o real, sendo cada sessão um empurrão para a
associação e o encontro com o real do fim de analise, onde a dimensão temporal de uma
analise é igual à dimensão temporal da angústia do paciente em relação aos seus traumas,
que traz uma descontinuidade, uma ruptura temporal, tem-se um antes e um depois e a
assombrosa perspectiva da morte, que assola a todos nós, seres humanos, onde um tempo
é necessário para se tomar decisões e, assim sendo, chegar a um possível final de analise.
O pacientes quando chegam em nossos consultórios se encontram fixados num gozo
traumático que exclui o tempo, por uma cena que fugiu, fugiu da consciência, e foi
recalcada, guardada inconscientemente, por isso o analisante não tem acesso a ela e
portanto não sabe como achá-la. Consequentemente, sofre com suas incessantes
pulsações, efeitos sintomáticos e muitas vezes devassadores que não sabe decifrar. Então,
muitas vezes, busca formas de tamponar as faltas e os vazios que experimenta como o
humano que é, criando várias artimanhas para excluir ou reprimir sentimentos e sensações
que desconhece.
No caso de procurar uma analista, busca saber disso, disso que se apresenta como enigma
a ser desvendado, disso que ele deseja e não sabe. Mas, por desejar, muitas vezes foge,
como ocorre na histeria: para não deixar de desejar, se evita o encontro, se desencontra,
não se faz presente na hora certa do desejo, para continuar desejando. Na verdade, o
neurótico quer parar o tempo, adiar a decisão, acelerando ou atrasando, correndo contra o
tempo, sendo e vivendo um eterno vir a ser, alienado. Em um processo analítico, não é o
que vem depois que é modificado, é tudo que estava antes também.
REFERENCIAS BIBLIOGRAFICAS:
FREUD, S. (1913). Sobre o início do tratamento. (Novas recomendações sobre a técnica da
psicanálise I). In: FREUD, S. Edição Standard Brasileira das Obras Psicológicas Completas de
Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1996. v. XII. Pp. 139-158.
LACAN, J. (1958). A direção do tratamento e os princípios de seu poder. In: LACAN, J.
Escritos. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 1998. Pp. 591-652.
Miller, J.A. (1984). Percurso de Lacan: uma introdução. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed. 2002.
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