Economia Solidária, Extrativismo e Desenvolvimento no sul da

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Economia Solidária, Extrativismo e Desenvolvimento no sul da
Amazônia Brasileira.
Luciane Maria da Silva
Economista, Mestre em Ciências Florestais e Ambientais, Professora Assistente do
Curso de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Amazonas – UEA e
Doutoranda no Curso de Ciências de Florestas Tropicias do INPA – Instituto Nacional
de Pesquisas na Amazônia.
E-mail: [email protected]; [email protected]
Paulo de Tarso Barbosa Sampaio
Engenheiro Florestal, Doutor em Engenharia Florestal, Pesquisador do INPA –
Instituto Nacional de Pesquisas na Amazônia.
E-mail: [email protected]
RESUMO
O presente artigo propõe uma discussão concernente à importância e atuação
da Economia Solidária no sul da Amazônia brasileira. A porção brasileira da
Amazônia recebe a denominção de Amazônia Legal, cujo conceito é de
natureza, sobretudo, geoeconômica instituída pela Legislação para fins de
planejamento territorial e de desenvolvimento regional. Essa área abrange os
estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e
parte dos Estados do Maranhão e Mato Grosso. Inserido nessa porção, o
município de Manicoré situa-se na porção sul do Estado do Amazonas e limitase com os municípios de Novo Aripuanã, Apuí, Humaitá, Tapauá, Beruri, Borba
e
com os
Estados
eminentemente
rural,
de Rondônia
um
dos
e Mato
desafios
Grosso. Com população
enfrentados
na
economia
é
compatibilizar sua eficiência produtiva com os interesses da sustentabilidade
socioambiental do local. As condições de logísticas nessa região limitam a
produção extrativa e esse ainda mercado precisa internalizar o valor da floresta
e a forma como o processo produtivo nela se realiza. Ou seja, a produção
necessita pensar o econômico e condições sociais capazes de promover autosustentação e autonomia da população e ao mesmo tempo a conservação do
patrimônio florestal. Economia e mercado precisam alinhar sustentabilidade e
alternativas de viabilidade mercadológica que, quando apoiadas na economia
solidária, mostram-se excelentes ferramentas de apoio às comunidades na
geração de emprego e renda.
Palavras-chave: Produtos florestais não-madeireiros; emprego e renda;
associativismo; socioeconomia.
1
Introdução
O tema proposto busca uma relação do desenvolvimento de uma
economia aliada ao movimento social participativo, nela os principais
envolvidos são os empreendimentos econômicos solidários. Em Manicoré, no
Amazonas,
um dos
principais
desafios enfrentados
pelos
produtores
agroextrativistas é compatibilizar sua eficiência produtiva com os interesses da
sustentabilidade socioambiental do local. E, analisando a estrutura do mercado,
bem como o perfil socioeconômico dos agentes envolvidos na produção e
comercialização dos produtos do setor agroextrativista na cidade de Manicoré
foi possível identificar as dificuldades do setor, bem como o papel da economia
solidária e seus reflexos no desenvolvimento regional.
Na Amazônia, por conta da dinâmica florestal, a economia e o mercado
precisam caminhar alinhados com a sustentabilidade. Sob essas condições,
alternativas de viabilidade mercadológica quando apoiadas na economia
solidária mostram-se excelente ferramenta de geração de emprego e renda. A
produção agroextrativista, geralmente em condições de logísticas que limitam o
mercado desses produtos na Amazônia brasileira, inclui os valores da floresta e
a forma como o processo produtivo nela se realiza. Ou seja, os indicadores
produtivos necessitam incorporar a superação das condições sociais e do
desenvolvimento capazes de promover auto-sustentação e autonomia da
população e ao mesmo tempo a conservação do patrimônio florestal.
O desenvolvimento local integrado e sustentável surge como estratégia
a ser utilizada pelos agroextrativistas e possibilita a ativação de potencialidades
locais, a participação da população na atividade produtiva e a articulação de
ações que visam à sustentabilidade do processo produtivo desde a floresta até
o consumidor final.
A noção de economia solidária coloca a questão de um novo
relacionamento entre economia e sociedade na região. Isso, em função da
dimensão histórica desse fenômeno que se assentaram nas relações
produtivas gerado pelo desenvolvimento econômico sustentável e com base
em diferentes concepções dentro das ciências de gestão.
O trabalho de organização social das comunidades do rio Madeira, em
Manicoré, começou na década de 1990, nessa época a realidade social e
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econômica de parcela significativa da população era de pobreza extrema. A
pessoas viviam sob as figuras dos patrões e coronéis de barranco,
personagens de grande influência e poder político local, que se diziam
arrendatários de terra, donos dos castanhais e seringais. Por isso, obrigavam a
população ribeirinha a pagar-lhes uma renda, referente a parte dos produtos
retirados da floresta que deveria ser repassada pelas famílias a patrões e
coronéis de barranco em troca do direito de permanecer no local. Os valores
variavam de 30 a 50% da produção, deixando os castanheiros sedmpre
vinculados a eles (IEB, 2012).
Portanto, admitir a possibilidade de uma outra forma de regulação da
sociedade através da idéia de economia solidária, significava reconhecer uma
outra possibilidade de sustentação das formas de vida dos indivíduos em
sociedade, não-centrada nas esferas do poder político e do mercado.
Na atualidade, a livre produção agroextrativista nessa porção do sul da
Amazônia brasileira ainda enfrentam defasagens na escala de produção;
reduzido número de cooperativas; presença de produtos importados; baixo
valor agregado; não há conformidade nem tabelas de preços; produtores com
déficit de formação e necessidade de maior investimento no setor. Variáveis
que acabam restringindo o processo de crescimento e de desenvolvimento das
comunidades do local que precisam de novas alternativas de mercado para
suas realidades. A economia solidária propicia ao agroextrativismo local uma
oportunidade de gerar emprego e renda, orientada pelas experiências coletivas
para criar escala produtiva para otimização de ganhos financeiros das
comunidades.
A população de Manicoré conjuga atividades da lavoura
de
subsistência, criação de animais, pesca e extrativismo de produtos florestais
não-madeireiros. Na atividade agrícola destacam-se as roças de mandioca
para a produção de farinha, principal produto de subistência, de melancia,
sendo o município o maior produtor do Amazonas, e de banana. No
extrativismo, a pesca e a coleta de produtos como a castanha-do-Brasil e o
óleo de copaíba, por conta de sua expressão mercadológica.
Quando as iniciativas de economia social passaram a estar presentes no
processo produtivos das comunidades tradicionais de Manicoré, a denominada
economia solidária propiciou que as associações e cooperativas locais
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pudessem suprir as demandas das classes mais desfavorecidas com
alternativas econômicas de emprego e renda com bases morais e éticas
assentadas numa produção extrativa sustentável social e ambientalmente.
Embora, para se continuar tendo acesso aos bens e serviços que a
floresta fornecem é preciso mantê-los sempre acessíveis; por isso ser
imprescindível a manutenção da floresta. Partimos do pressuposto que a forma
para essa manutenção nasce do desenvolvimento econômico local.
A forma mais conhecida pela sociedade atualmente para este
desenvolvimento econômico em relação à floresta é através dos recursos
madeireiros (SANTOS et al,, 2003). O bem florestal mais visível no cotidiano
das pessoas é a madeira. A importância destes produtos e de sua fonte é
inegável. Porém, em algumas áreas de florestas deve-se considerar outras
linhas de produtos retirados da floresta: a exemplo da água que é consumida,
dos componentes para usos medicinais, fibras, corantes, óleos, alimentos,
gomas, ceras, entre outros. Apesar de apresentar maior rentabilidade entre os
produtos florestais e, mesmo em relação a outras atividades produtivas, não
apenas a madeira deve cumprir a responsabilidade da manutenção dos
ecossistemas florestais.
Os PFNM já estão presentes em pequenos nichos de mercado, o
conhecimento real de sua eficiência econômica ainda não foi demonstrada de
fato. Sua potencialidade é conhecida e até discutida. A produção, quase
sempre artesanal e em pequena escala, não impede que seu alcance seja mais
amplo e rentável para os produtores, normalmente extrativistas.
O extrativismo, que consiste no processo pelo qual o homem faz a coleta
e produtos originários de recursos florestais nativos, promovendo sua contínua
extração (Homma, 2012). O extrativismo dos produtos florestais nãomadeireiros (PFNM) além de sua presença histórica na produção local de
Manicoré, têm uma grande diversidade no que tange seu valor de uso, algumas
cadeias produtivas atingem não só as comunidades das áreas de extração
como a população urbana das grandes cidades, incluindo até as de outros
países. Mesmo assim, pouco se conhece sobre os padrões de comercialização
e produção, pois as informações analisadas são obtidas de forma indireta,
rudimentar e realizadas principalmente por fontes distantes dos extrativistas
das comunidades locais.
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Num contexto de diversidade de opiniões sobre sua eficiência
econômica, alguns autores acreditam que não seria sustentável a forma de
extração dos PFNM, caso fosse necessário suprir o mercado consumidor com
uma produção em larga escala. E com a visibilidade que estão atingindo,
faltariam investimentos em estudos e técnicas que tornem os métodos de
extração sustentáveis. A oferta e da demanda do extrativismo estão vinculadas
às necessidades reais das populações locais e da capacidade resiliente da
floresta. O aspecto mercantil embora não seja descartado, convive com outras
formas de economia que valorizam as relações não-mercantis e nãomonetárias de modo que agregue ganhos sociais com a manutenção da
floresta.
Este estudo apresenta a estrutura do do setor produtivo agroextrativista
na cidade de Manicoré, que nos últimos anos passou por uma série de
transformações para a adoção do cooperativismo e das boas práticas de
manejo nas atividades produtivas.
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Material e métodos
A área de estudo corresponde ao município de Manicoré, região do
Médio rio Madeira, porção sudeste do Estado do Amazonas. Manicoré limita-se
com os municípios amazonenses de Novo Aripuanã, Apuí, Humaitá, Tapauá,
Beruri, Borba e com os Estados de Rondônia e Mato Grosso.
Este trabalho propõe uma discussão concernente à importância e
atuação da Economia Solidária no sul da Amazônia brasileira. A porção
brasileira da Amazônia recebe a denominção de Amazônia Legal, cujo conceito
é de natureza, sobretudo, geoeconômica instituída pela Legislação para fins de
planejamento territorial e de desenvolvimento regional. Essa área abrange os
estados do Acre, Amapá, Amazonas, Pará, Rondônia, Roraima, Tocantins e
parte dos Estados do Maranhão e Mato Grosso. Os dados deste estudo foram
estruturados a partir do levantamento histórico das organizações sociais
produtivas
do
município
e
consulta
aos
produtores
agroextrativistas,
documentos e relatórios institucionais.
Figura 1 – Mapa de Localização do Município de Manicoré, Amazonas, Brasil.
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Município
Significado
Localização
Área
População
Economia
Manicoré
Tupi – filho ou filha da Deusa
À margem direita do rio Madeira, na
mesorregião do Madeira, distante 419
km, por via fluvial, da capital Manaus.
48.28,66 km2
47.011 habitantes
Essencialmente agrícola, destacando
a produção de mandioca, banana,
melancia, cacau, maracujá e milho.
No extrativismo tem-se o açaí, o óleo
de copaíba, a castanha-do-brasil e a
borracha.
Fonte: IBGE, 2011.
Figura 2 – Mapa de Localização das Comunidades Agroextrativistas do Município de Manicoré,
Amazonas, Brasil.
Fonte: IDAM, 2012.
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Extrativismo, economia solidária e desenvolvimento
O movimento histórico da região de Manicoré, na calha do rio Madeira,
propiciou a criação de diversas associações nas diferentes comunidades ao
longo do rio.
8
Fonte: IEB, 2012.
Com população eminentemente rural e florestal, um dos desafios
enfrentados
na
economia
do
município
de
Manicoré
esbarra
na
compatibilização de sua eficiência produtiva aos interesses da sustentabilidade
socioambiental do local. Ademais, as condições de logísticas na região limitam
o escoamento da produção não só extrativa como de todos os outros produtos
agrícolas e industriais. Ainda nesse contexto, o mercado precisa também
internalizar o valor da floresta e a forma como o processo produtivo nela se
realiza. Ou seja, a produção necessita pensar o econômico e condições sociais
capazes de promover auto-sustentação e autonomia da população e ao mesmo
tempo a conservação do patrimônio florestal.
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Economia e mercado na região precisam alinhar sustentabilidade e
alternativas de viabilidade mercadológica que, quando apoiadas na economia
solidária, mostram-se excelentes ferramentas de apoio às comunidades na
geração de emprego e renda.
Assim, a Cooperativa Verde de Manicoré, a COVEMA, atualmente
compartilha os ganhos da produção com aproximadamente 486 extrativistas
cooperados, que estão distribuídos em 55 áreas de referências de coleta de
produtos florestais não-madeireiros; dentre os quais estão projetos de
assentamentos extrativistas – PAEs; comunidades ribeirinhas; Reserva de
Desenvolvimento Sustentável – RDS; Reservas Extrativistas – RESEXs;
comunidades indígenas, entre outros.
Antes de apresentar as relações da economia solidária na atividade
extrativa da COVEMA, vale entender o processo produtivo como utilizador
direto dos fatores de produção, sob a combinação dos fatores disponíveis. Os
fatores de produção também são chamados recursos de produção da
economia, sendo constituídos pelo capital, recursos naturais, trabalho (recursos
humanos) e inovações tecnológicas.
O fator capital (K), tem uma importância preponderante no processo de
produção da cooperativa agroextrativista em Manicoré no que tange ao fato de
ser um facilitador deste processo permitindo escala produtiva, além de
contribuir para o aumento da produtividade do trabalho. O fator recursos
naturais (RN) engloba todos os recursos provenientes da natureza utilizados na
produção. A cooperativa se utiliza das reservas naturais da castanha-do-brasil
e do óleo de copaíba, produtos extrativos que encontram-se na base de todo o
processo de produção. Além do fornecimento de matéria-prima, o processo
produtivo agora visualiza a capacidade de suporte da ecologia das espécies e
dos ecossistemas. Essas práticas sustentáveis permitem que a castanha
produzida tenha a certificação orgânica. Quanto ao fator trabalho (T),
conhecido como a presença direta do elemento humano no processo de
produção, ou como a base demográfica da atividade econômica, a cooperativa
é a segunda fonte de empregos diretos no município, depois da prefeitura
municipal. Antes, com a quebra manual, eram mulheres com emprego e renda.
Agora, esse contingente foi reorientado para a seleção e empacotamento por
conta da quebra mecanizada. O fator inovações tecnológicas (S) também
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conhecido como capacidade tecnológica, o processo de produção passou por
mudanças com investimentos em tecnologias que impactou a produtividade
marginal do fatores.
A cooperativa dos extrativistas optou em produzir produtos que não
degradam o meio ambiente e contribui para o desenvolvimento social e
econômico das comunidades florestais. Por isso, a castanha beneficiada tem
selo de certificação orgânica da produção e a extração do óleo de copaíba
ocorre com o monitoramento da atividade.
A marcas da economia solidária está na forma de produção, no consumo
e na distribuição da riqueza, centrada na valorização do extrativista e não do
capital. A base associativista e cooperativista ocorre com gestão exclusiva dos
próprios extrativistas que controlam, planejam, definem negócios e todo
processo produtivo.
Assim como a perspectiva da economia solidária, o sistema cooperativo
extrativista em Manicoré possui uma finalidade multidimensional, isto é,
envolve a dimensão social, econômica, política, ecológica e cultural. Gera
trabalho e renda, projetando uma perspectiva de construção de vida para as
comunidades de modo socialmente justo e sustentável.
Considerações Finais
Neste trabalho pretendemos mostrar que a economia solidária na
Amazônia brasileira pode transpor a idéia de economia de mercado como fonte
única de riqueza e, viabilizar uma alternativa sustentável de produção, geração
de emprego e renda. Podemos enxergar o meio ambiente, aqui a floresta e as
atividades humanas como uma complementaridade, ao mesmo tempo
consumindo riquezas naturais e mantendo a possibilidade do acesso à elas no
futuro.
Nesta maneira de olhar a economia deixa a limitação exclusiva de
mercado como gerador de crescimento e desenvolvimento econômico. No
cooperativismo
popular
em Manicoré
são
os
próprios
extratores
os
responsáveis pelas tomadas de decisão da cooperativa. Embora com pouco
conhecimento técnico e baixa escolaridade, a instituição segue com
castanheiros, seringueiros e outros extrativistas na liderança administrativa do
empreendimento.
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Referências Bibliográficas
Almeida, A. W.; Soares, A. P.; Oliveira, M. J. B. Nova cartografia social da
Amazônia: comunidades tradicionais de... histórias de lutas e conquistas,
Manicoré-AM. Manaus: Projeto Nova Cartografia social da Amazônia. UEA,
2010.
Homma, A. K. Amazônia: meio ambiente e desenvolvimento agrícola, Distrito
Federal, Embrapa-SPI, Belém: Embrapa-CPATU, 1998. 412p.
Homma, A. K. Extrativismo na Amazônia brasileira. Embrapa-SPI, Belém:
Embrapa-CPATU, 2012.
www.ibge.gov.br, acesso em 21.11.2011.
IDAM – Instituto de Desenvolvimento Rural do Amazonas. Relatórios. 2011.
IEB – Instituto de Educação do Brasil. 2012.
Silva, C. E. (org). Contextualização Amazônica. Manaus, AM: EDUA, 2010.
Singer. P. Introdução à economia solidária. São Paulo: Fundação Perseu
Abramo, 2002.
Benchimol, S. Zênite ecológico e Nadir econômico-social – análises e
propostas para o desenvolvimento sustentável da Amazônia. Manaus: Editora
Valer, 2001.
IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística. Disponível em:
Agradecimentos
Às Cooperativas, aos Produtores e Comerciantes Agroextrativistas de
Manicoré, ao Instituto de Pesquisas da Amazônia – INPA, aos acadêmicos do
curso de Ciências Econômicas da Universidade do Estado do Amazonas –
Núcleo de Estudos Superiores de Manicoré, à professora Suelda de Paula
Souza, Gerente do Núcleo UEA-Manicoré, no Amazonas- Brasil.
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