UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Silvia Thais De Poli A COMUNICAÇÃO PERSUASIVA DO JINGLE POLÍTICO: UM ESTUDO SOBRE A ESTRUTURA E OS EFEITOS DAS CANÇÕES ELEITORAIS CURITIBA 2008 Silvia Thais De Poli A COMUNICAÇÃO PERSUASIVA DO JINGLE POLÍTICO: UM ESTUDO SOBRE A ESTRUTURA E OS EFEITOS DAS CANÇÕES ELEITORAIS Dissertação apresentada ao Programa de PósGraduação Stricto Sensu - Mestrado em Comunicação e Linguagens da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do título de mestre. ORIENTADOR: Prof. Drº Álvaro Nunes Larangeira CURITIBA 2008 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Biblioteca “Sydnei Antonio Rangel Santos” Universidade Tuiuti do Paraná D278 De Poli, Silvia Thais A comunicação persuasiva do jingle político: um estudo sobre a estrutura e os efeitos das canções eleitorais / Silvia Thais De Poli; orientador Álvaro Nunes Larangeira. –- 2008. 133 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Tuiuti do Paraná, Curitiba, 2008. 1. Comunicação e linguagens. 2. Comunicação persuasiva. 3. Jingle político. 4. Política. 5. Rádio. 6. Publicidade eleitoral. I. Dissertação (Mestrado) – Programa do Mestrado em Comunicação e Linguagens. I I. Título. CDD – 001.51 Dedico questo lavoro a mio padre, Fulvio, l'italiano di più brasiliano che conosco, proprietario di un gentile cuore, mio consulente e persona più importante nella mia vita. Dedico este trabalho à minha mãe, Rose, dona das teorias mais incríveis sobre os assuntos mais improváveis do mundo. Sua risada e seu abraço melhoram minha vida. Amo você, eternamente. Dedico este trabalho ao meu namorado Juliano. Sempre paciente, seu amor é inabalável. Sua presença me fortalece e sou grata pela sua fé constante em mim. AGRADECIMENTO Agradeço, sobretudo, a Deus e aos anjos que me acompanham nesta vida. Sempre presentes, vocês são fundamentais para mim. Agradeço aos meus pais, Fulvio e Rose De Poli, que me apoiaram com muito amor e paciência nesses anos. Vocês são exemplos de vida, de respeito, de cooperação e de sucesso a serem seguidos. Espelho-me em vocês para seguir a diante. Os amarei eternamente. Aos meus irmãos amados, Ricardo, Eduardo e Alice, que mesmo distante sempre encorajaram e incentivaram meu progresso. Agradeço também ao meu irmão, Alberto. Sua crença em mim é algo admirável. Sou grata a você e à Anna pelo apoio intelectual e por me ajudar a enxergar a vida de outra forma. Amo vocês. Agradeço ao meu namorado Juliano, que sempre que possível esteve presente. Admiro sua postura sincera e sua vontade de estar sempre evoluindo. Aprendi mais com você do que você comigo. Por fim, agradeço a Álvaro Nunes Larangeira, pela orientação. O desenvolvimento de uma dissertação decorre de um processo solitário de pesquisa e escrita, porém, agradeço a todas as pessoas que por algum motivo passaram pelo meu caminho nesta jornada. RESUMO A presente pesquisa busca compreender teoricamente o jingle como instrumento persuasivo da comunicação política. Para tanto, desenvolve uma discussão teórica relativa ao jingle político e analisa a estrutura da melodia e os significados permeados na letra de quatro jingle políticos do século passado. Busca-se compreender teoricamente o jingle como instrumento persuasivo da Comunicação Política e, por meio de análises estruturais, semânticas e do contexto histórico da campanha eleitoral, os motivos que fundamentam a construção específica dos jingles em questão. Para tanto, a metodologia ocorreu em duas frentes. Na primeira fase, discutiu-se sobre a interdisciplinaridade entre Comunicação, Política e Rádio; seqüencialmente, sobre o jingle, sua implementação e sobre suas características, leis e técnicas que o define. Na segunda fase, o foco se deu na análise estrutural fundamentada na teoria musical, semântica da palavra e com base no levantamento dos contextos históricos. O corpus sonoro dessa pesquisa conta com quatro jingles políticos referentes a três campanhas eleitorais do século XX no Brasil, especificamente, dos políticos Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor. O referencial teórico se fundamenta em estudos sobre comunicação persuasiva, história e implantação do rádio e do jingle; sobre teoria musical e estudo semântico das palavras em destaque na canção. Como resultado, descobriu-se que o jingle é uma poderosa ferramenta persuasiva e deve ser utilizado pela comunicação política em campanhas eleitorais, pelas suas próprias características e pelo histórico de ação da música na sociedade. Palavras-chave: Comunicação, política, rádio, jingle, publicidade eleitoral. ABSTRACT This research seeks to understand the theory jingle persuasive as a tool of political communication. To this end, develops a theoretical discussion on the political jingle and analyzes the structure of melody and the meanings in the letter from four political jingle of the last century. Search to understand the theory jingle as a tool for Communication Policy persuasive and, through structural analysis, semantic and historical context of the election campaign, reasons for the construction of specific jingles in question. For this, the methodology took place on two fronts. In the first phase, a discussion on the communication between interdisciplinary, Politics and Radio; sequentially, on the jingle, its implementation and on their characteristics, laws and techniques that define. In the second phase, the focus has been on structural analysis based on music theory, semantics of the word, and based on survey of historical contexts. The sound of that body search has four political jingles for three election campaigns of the twentieth century in Brazil, specifically, of political Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Luiz Inácio Lula da Silva and Fernando Collor. The reference is based on theoretical studies on persuasive communication, history and deployment of radio and jingle; about music theory and study of semantic words highlighted in song. As a result, discovered that jingle is a persuasive and powerful tool to be used for communication policy in election campaigns, by its own characteristics and history of action of music in society. . Key-words: Communication, politics, radio, jingle, election advertising. RIASSUNTO La presente ricerca si cerca di capire teoricamente il jingle come strumento persuasivo di Comunicazione Politica. Adesso svolge una discussione teorica riguardante il jingle politico ed analizza la struttura della melodia ed i significati permeati dentro le parole di quattro jingles politici del secolo scorso. Cerca di capire il jingle e, tramite delle analisi strutturali, semantiche e del contesto storico della campagna elettorale, i motivi che sostengono la costruzione specifica dei jingles in questione. A tale scopo, la metodologia è successa in due fronti. Nella prima fase, si è discusso sull’interdisciplinarità tra Comunicazione, Politica e Radio; in seguito, sul jingle, la sua implementazione e sulle sue caratteristiche, leggi e tecniche che lo definiscono. Nella seconda fase, il punto centrale è stato l’analisi strutturale fondata sulla teoria musicale, semantica della parola ed in base alla ricerca dei contesti storici. Il “corpus” sonoro di questa indagine è composto da quattro jingles politici riguardanti tre campagne elettorali del XX secolo in Brasile, specificamente, dei politici Getúlio Vargas, Jânio Quadros, Luiz Inácio Lula da Silva e Fernando Collor. Il punto di riferimento teorico si fonda sugli studi della comunicazione persuasiva, Storia e impianto della radio e del jingle; sulla teoria musicale e sullo studio semantico delle parole enfatizzate nella canzone. Come risultato, si è scoperto che il jingle è un forte strumento persuasivo e deve venir utilizzato dalla Comunicazione Politica in campagne elettorali, a causa delle sue proprie caratteristiche e della storia dell’azione della musica sulla società. Parole chiavi: Comunicazione, politica, radio, jingle, pubblicità elettorale. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO......................................................................................................11 2 COMUNICAÇÃO, RÁDIO E POLÍTICA.................................................................15 2.1 AÇÃO POLÍTICA NA ESFERA COMUNICACIONAL......................................16 2.1.1 Publicidade Eleitoral........................................................................................20 2.1.2 O Jingle Político: Teorias, Leis e Técnicas......................................................22 2.2 RÁDIO E POLÍTICA.........................................................................................25 2.2.1 Rádio como instrumento da comunicação política.........................................25 2.2.2 O Jingle comercial e eleitoral na implementação do rádio no Brasil...............28 3 A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DA COMUNICAÇÃO POLÍTICA..................40 3.1 A RELAÇÃO ENTRE MÚSICA E COMUNICAÇÃO POLÍTICA............................40 3.2 ASPECTOS DA MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL E INDIVIDUAL...............................................................................................................41 3.2.1 Função antropológica........................................................................................43 3.2.2 Função social....................................................................................................48 3.2.3 Função emocional.............................................................................................51 3.2.3.1 Emoção, Prazer e Êxtase...............................................................................53 3.2.3.2 Personalidade Individual................................................................................56 3.3 AÇÃO SINESTÉSICA E TEORIA DOS AFETOS.................................................59 4 EFEITOS COMUNICATIVOS DO JINGLE POLÍTICO: DO CONTEXTO HISTÓRICO ELEITORAL À COMPREENSÃO DA ESTRUTURA DA CANÇÃO.....67 4.1 AMOSTRA: COLETA E SELEÇÃO DO MATERIAL FONOGRÁFICO ................67 4.1.1. Critérios de escolha..........................................................................................67 4.2 DEFINIÇÃO DOS PROCEDIMENTOS DE ANÁLISE DOS JINGLES POLITICOS................................................................................................................68 4.3 ANÁLISE DAS PEÇAS: DO CONTEXTO HISTÓRICO ELEITORAL À COMPREENSÃO DA ESTRUTURA DO JINGLE POLÍTICO....................................69 4.3.1 O antigo retrato de Getúlio Vargas....................................................................70 4.3.1.1 Análise da partitura do jingle “Retrato do Velho”............................................74 4.3.1.1.1Análise dos períodos 1,2 e 3........................................................................74 4.3.1.1.2 Análise dos períodos 4, 5 e 6......................................................................75 4.3.1.1.3 Análise dos períodos 7, 8 e 9......................................................................76 4.3.1.1.4 Análise dos períodos 10, 11 e 12................................................................77 4.3.1.1.5 Análise dos períodos 13, 14 e 15................................................................78 4.3.1.1.6 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Retrato do velho”......79 4.3.2 A vassoura de Jânio Quadros...........................................................................79 4.3.2.1 Análise da partitura do jingle “Varre, Varre, Vassourinha”.............................82 4.3.2.1 Análise dos períodos 1,2 e 3..........................................................................82 4.3.2.2 Análise dos períodos 4,5 e 6..........................................................................83 4.3.2.3 Análise dos períodos 7,8 e 9..........................................................................84 4.3.2.4 Análise dos períodos 10,11 e 12....................................................................85 4.3.2.5 Análise dos períodos 13,14 e 15....................................................................86 4.3.2.6 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Varre, Varre, Vassourinha”..............................................................................................................86 4.3.3 A estrela de Lula................................................................................................87 4.3.3.1 Análise da partitura do jingle “Sem medo de ser feliz”...................................90 4.3.3.1.1 Análise dos períodos 1,2 e 3.......................................................................90 4.3.3.1.2 Análise dos períodos 4, 5 e 6......................................................................91 4.3.3.1.3 Análise dos períodos 7, 8 e 9......................................................................92 4.3.3.1.4 Análise dos períodos 10, 11 e 12................................................................93 4.3.3.1.5 Análise dos períodos 13, 14 e 15................................................................94 4.3.3.1.6 Análise dos períodos 16, 17 e 18................................................................95 4.3.3.1.7 Análise dos períodos 19, 20 e 21................................................................96 4.3.3.1.8 Análise dos períodos 22, 23 e 24................................................................97 4.3.3.1.9 Análise dos períodos 25, 26 e 27................................................................98 4.3.3.1.10 Análise dos períodos 28, 29 e 30..............................................................98 4.3.3.1.11 Análise dos períodos 31, 32 e 33..............................................................99 4.3.3.1.12 Análise dos períodos 34, 35 e 36............................................................100 4.3.3.1.13 Análise dos períodos 37 e 38..................................................................100 4.3.3.1.14 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Sem medo de ser feliz”..........................................................................................................................101 4.3.4 O jingle meteórico de Fernando Collor............................................................100 4.3.4.1 Análise da partitura do jingle político “Collorir de novo”...............................105 4.3.4.1.1 Análise dos períodos 1,2 e 3.....................................................................105 4.3.4.1.2 Análise dos períodos 4,5, 6 e 7.................................................................106 4.3.4.1.3 Análise dos períodos 8,9,10 e 11..............................................................107 4.3.4.1.4 Análise dos períodos 12,13,14 e 15..........................................................107 4.3.4.1.5 Análise dos períodos 16,17, 18 e 19.........................................................108 4.3.4.1.6 Análise dos períodos 20,21, 22 e 23.........................................................109 4.3.4.1.7 Análise dos períodos 24, 25, 26 e 27........................................................109 4.3.4.1.8 Análise dos períodos 28,29, 30, 31 e 32...................................................110 4.3.4.1.9 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Collorir de novo”.....110 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................112 REFERÊNCIAS........................................................................................................117 ANEXO 1..................................................................................................................123 ANEXO 2..................................................................................................................125 ANEXO 3..................................................................................................................127 ANEXO 4..................................................................................................................130 ANEXO 5..................................................................................................................132 1 INTRODUÇÃO A proposta para esta dissertação intitulada “A Comunicação Persuasiva do Jingle Político: um estudo sobre a estrutura e os efeitos das canções eleitorais” é compreender teoricamente o jingle e seu uso como um instrumento persuasivo da Comunicação Política. Além disso, procurar-se-á analisar estruturalmente sua composição – melodia e letra – e os significados transmitidos pela canção. Para tanto, será desenvolvida uma discussão teórica nos domínios da Comunicação, da Política e do Rádio, principal meio de divulgação das peças publicitárias, com intenção de compreender o processo interdisciplinar que ocorre em conseqüência dessa junção. Para compreensão da ação do jingle na sociedade, recorre-se ao estudo da música e sua influência na ação coletiva e individual, fundamentado em áreas como antropologia, sociologia e psicologia. Para a análise estrutural e dos significados das canções, foram selecionados quatro jingles políticos: de Getúlio Vargas da campanha de 1950, de Jânio Quadros, da campanha de 1960, de Luiz Inácio Lula da Silva e de Fernando Collor de Mello, ambos da campanha de 1989. Este estudo procurará compreender teoricamente o motivo pelo qual a Comunicação Política utiliza o jingle como ferramenta nas campanhas eleitorais. Além disso, buscar-se-á, por meio da análise da estrutura da canção, descobrir os significados políticos permeados na construção entre melodia e letra. Com isso, o segundo capítulo inicia-se com uma discussão teórica sobre a relação entre Comunicação e Política, e de que forma este processo ocorre na sociedade, principalmente nas campanhas eleitorais. A ação política, presente em uma sociedade moderna de democracia de massa, não atinge seu público sem a mediação comunicativa e seu suporte, ou seja, os meios de comunicação. Dessa forma, é necessário que a política se adapte às regras e formatações derivadas da mídia. Em campanhas eleitorais é preciso levar à população o ânimo necessário para o convencimento da importância de se intervir no processo político e isso ocorre por meio da persuasão. Também é apresentado o conceito de publicidade eleitoral e sua atuação na Comunicação Política, já que é nessa esfera que as peças publicitárias encontram uma forma de atingir o cidadão. A publicidade é um processo de comunicação persuasiva que, pelos meios massivos, divulga um produto com objetivo de informar e influir na decisão do consumidor. Na década de 1950, o jingle político integrava a publicidade eleitoral, assumindo uma função de comunicação política persuasiva transmitida pelo rádio. Portanto, a compreensão de sua totalidade se faz necessária, já que o jingle político é uma peça publicitária voltada para fins políticos que encontra na ação comunicativa eleitoral seu meio de difusão. Para entender o jingle é necessário averiguar seus aspectos, características, leis e técnicas. O jingle é uma peça com características publicitárias que reforça as virtudes e diretrizes políticas dos candidatos nas campanhas eleitorais. Sintetiza a imagem do político, pontos fortes e propostas, ao oferecer uma linguagem direta e emotiva, reforçando no eleitor uma idéia-chave sobre o conceito da candidatura. Uma das formas de difusão do jingle é o rádio. Em um segundo momento deste segundo capítulo é realizada uma discussão sobre a relação entre o meio radiofônico e seu uso político. Também são estudados a implementação do rádio no Brasil e o surgimento do jingle comercial e político na programação radiofônica. No terceiro capítulo desta pesquisa é analisada a relação entre música e comunicação política. É preciso entender o jingle político como uma música com características próprias da publicidade eleitoral, e por isso, torna-se imprescindível a compreensão da relação que se estabelece entre a música e seu uso pela Comunicação. Isso ocorre no momento em que a utilização da música se torna fator decisório para se alcançar os objetivos propostos pela Comunicação Política. A discussão prossegue no estudo sobre a função da música na construção da identidade individual e coletiva. Para que ocorram campanhas eleitorais a Comunicação Política precisa convencer o indivíduo da importância de seu voto para a construção de uma democracia. Para isso, são utilizadas ferramentas persuasivas que atuem no coletivo e no individual, transmitindo as informações necessárias para que ocorra a disputa eleitoral. A música demonstra sua utilidade neste cenário ao alcançar uma coerência comportamental de um grande número de pessoas, fazendo com que sejam induzidas a um mesmo comportamento social. Partindo de uma breve compreensão em áreas como a antropologia, sociologia e psicologia, procurar-se-á compreender a função da música em contextos coletivos, como um reflexo do que ocorre nas campanhas eleitorais com a divulgação pelo rádio. Individualmente, a música permite que seja realizada uma ação de satisfação que proporcione a emoção, sendo essa a razão pela qual se participa de atividades musicais. Sendo assim, a resposta emotiva gerada pela música desempenha um papel decisivo na forma de pensar e agir, já que ela é a guia dos pensamentos e atos do indivíduo, trabalhando como uma válvula que regula informações na corrente nervosa e no corpo. A isso se chama sinestesia. Para que a música do jingle aja sinestesicamente no eleitor, provocando uma resposta emocional que o leve à ação – ou seja, ao voto – , é necessário que a composição melódica seja formatada especificamente para seu público-alvo. Com isso, dirige-se ao quarto e último capítulo: a análise da melodia e da letra dos quatro jingles políticos apresentados anteriormente. O levantamento das peças foi realizado a partir do site do jornalista Franklin Martins e do site do jornal O Globo, especial Eleições. Metodologicamente, a análise foi realizada em duas frentes: uma específica para a letra (fundamentada no contexto histórico) e outra para a melodia (por meio da teoria musical). Para compreensão da letra, foram destacadas de cada pauta as palavras mais relevantes a partir do histórico de cada político e posteriormente, feita uma análise semântica. As relações entre o significado da palavra e o contexto histórico foram comparadas e descritas em cada item analisado. Para compreender a melodia, era necessária uma forma de análise que permitisse ‘enxergar’ a estrutura e a construção das peças em seu sentido musical. Assim, a pauta musical se apresenta como a melhor forma de se reconhecer o desenvolvimento melódico em uma canção. O estudo desse corpus sonoro se fundamenta na importância da relação entre melodia e letra e os significados transmitidos a partir dessa junção, que irão influir na decisão do eleitor em uma campanha eleitoral. Dessa forma, buscar-se-á teoricamente explicar o uso do jingle pela comunicação política e, por meio da análise estrutural da peça, reconhecer significados transmitidos pela junção entre melodia e letra. 2 COMUNICAÇÃO, RÁDIO E POLÍTICA Parte-se do pressuposto de que a presença constante da comunicação na sociedade contemporânea caracteriza-se por possibilitar um novo tipo de sociabilidade, de forma que a vivência social já não é mais a convivência em espaços geograficamente compartilhados. A mídia, neste caso radiofônica, inaugurou uma nova sociabilidade na relação entre Comunicação e Política no campo social. A política é dependente de um intermediário entre seu lugar de atuação e o cidadão a quem se pretende atingir, e é justamente neste ponto que reside o encontro entre o campo midiático e o político. Os homens que se pretendem públicos buscam se moldar à linguagem dos meios de comunicação que lhes darão visibilidade. Entre os meios de comunicação utilizados para estes fins, o Rádio esteve amplamente presente na ação política, seja para a veiculação de canções e sátiras de políticos ou propriamente para fins publicitários. Após sua implantação na década de 1920, era questão de sobrevivência para as emissoras a inserção de anúncios em sua programação. Com a resposta positiva dos ouvintes aos jingles comerciais nas décadas de 1930 e 1940, a política se apoderou das características desse formato publicitário e inaugurou uma ferramenta própria para seu uso: o jingle político. A proposta para este capítulo é realizar uma discussão teórica entre os três campos de conhecimento necessários para a compreensão desta pesquisa: Comunicação, Política e Radiodifusão. Primeiramente buscar-se-á compreender a relação entre Comunicação e Política e o processo interdisciplinar que ocorre na sociedade em conseqüência dessa junção, seguido pela discussão referente à publicidade eleitoral e o objeto em questão, o jingle político. Este será analisado a partir de suas características, técnicas e leis, que o tornam um instrumento indispensável para a Comunicação Política. Posteriormente, será realizado um levantamento da influência do Rádio no contexto político mundial seguido por um histórico sobre o surgimento do jingle comercial e político aliado à implementação do meio radiofônico no Brasil. 2.1 Ação política na esfera comunicacional Atualmente, existe um consenso entre os pesquisadores em comunicação política de que nas diversas formas de regimes políticos, especialmente as democráticas, o papel da comunicação na política tem sido de extrema importância. Procura-se aqui estabelecer uma discussão teórica sobre a relação entre Comunicação e Política, com intuito de compreender como se dá este processo interdisciplinar na sociedade, principalmente nos processos de disputa de poder, ou seja, em campanhas eleitorais. Em uma sociedade moderna, com o advento da democracia de massa, a política, seja como discurso, estratégia ou ação, não se realiza de forma eficaz sem a mediação comunicativa e seu suporte, que são os meios de comunicação (MATOS, 1999, p. 13). Mediação essa que evolui de um instrumento para veiculação de mensagens de caráter persuasivo ao estágio atual, em que a mídia é parte constitutiva do processo político. Dessa forma, é por meio das mídias que se pode criar uma teia de reconhecimento das ações, sujeitos e instituições políticas e reforçar idéias, temas e movimentos a eles veiculados. As transformações tecnológicas e a realidade sociopolítica consolidam os meios de comunicação como instituição multimídia, levando os participantes do sistema político a redefinir suas políticas e estratégias comunicativas, buscando o máximo de eficácia em seu uso. (ANTONIUTI, 2004, p. 10) Sendo assim, tanto no nível do intercâmbio político quanto no do simbólico, o funcionamento do sistema político nas democracias na sociedade moderna está cada vez mais determinado pela mídia, e com isso a emergência de se tornar as coisas públicas está cada vez mais aprisionada e sob controle da mídia. (MATOS, 1999, p. 17). Antonio Rubim observa que a questão derivada da adequação da política às regras e à gramática da mídia é inevitável, ao afirmar que: Ao aceitar a premissa de incorporação da comunicação como componente e momento da política contemporânea, uma vez que a mídia monopoliza tendencialmente a enunciação política, pode-se considerar que a política para incorporar a comunicação (mediática) deve resignar-se às regras e formatações derivadas da mídia, posto que isso não só facilita sua realização, como até se torna inevitável (RUBIM, 1994, p.46). Partindo dessa perspectiva, entende-se que uma campanha eleitoral é um fenômeno de Comunicação e deve ser vista como um foro comunicativo, como uma ocasião excepcional durante a qual o diálogo democrático é intensificado. Segundo Cotteret (apud GOMES, 2008, p. 03), nas sociedades em desenvolvimento, a eleição tem uma ação paradoxalmente democrática, sendo comprovado que os procedimentos eletivos favorecem a integração social e política dos indivíduos e dos grupos que nela se envolvem, significando que a eleição é um meio de educação cívica. Segundo Gomes (2004, p. 16): As campanhas eleitorais, pelo tempo que duram e pela maneira como são conduzidas, tornam-se os elementos mais importantes na decisão de voto, principalmente para a classe sociocultural menos privilegiada, que é maioria em nosso país. Nas sociedades em vias de desenvolvimento, a eleição tem um alcance de consolidação democrática e os procedimentos eleitorais favorecem a integração social e política dos indivíduos e dos grupos: a eleição realmente funciona como meio de educação cívica. A comunicação política está presente em uma área interdisciplinar, de forma que incide no lugar que os meios de comunicação têm no estudo do comportamento político. Segundo Gomes (2008, p. 04), “a comunicação política incide nos processos de comunicação de massa e seu impacto sobre o comportamento político”. Dessa forma, tem-se um processo comunicativo gerado por um acontecimento político, o processo eleitoral, que pode ser inserido no modelo clássico de comunicação: emissor, mensagem, canal, receptor, feedback - segundo o gráfico de Gomes (2004, p. 63): Figura 1 – Processo comunicativo fundamentado no processo eleitoral. (GOMES, 2004, p. 63) O emissor é o partido político, o candidato, a coligação ou o comitê; a mensagem é constituída pela proposta do programa eleitoral em qualquer de suas manifestações, ou outros elementos comunicativos importantes que formam parte da campanha; o canal são os meios que podem ser utilizados para divulgar as mensagens; o receptor é o conjunto de eleitores – podendo-se dividir em voto obrigatório e facultativo -; e, por fim, o feedback, que representa os resultados das eleições. (GOMES, 2004, p. 63) Assim, para que haja participação efetiva e real do cidadão, é preciso levar à população o ânimo necessário para o convencimento de se intervir no processo e, segundo Gomes (2008, p. 03), isso ocorre por meio de dois gêneros da comunicação: a informação e a persuasão. A informação se apresenta como meio de difusão de massa em uma campanha eleitoral, já que de outra maneira, as propostas e os candidatos não estariam ao alcance dos eleitores. Dessa forma, as campanhas eleitorais cumprem um importante papel de informar, seja durante o processo eleitoral ou em todo o sistema político. (GOMES, 2004, p. 19) Para a autora (GOMES, 2004, p. 20), existem duas funções do uso da informação nas campanhas eleitorais, e dessas, destaca-se uma em especial, a relativa às “Funções de comunicação política”. No Brasil, as campanhas eleitorais são um meio de comunicação de uma direção e com intenção de persuadir, usando técnicas inspiradas na publicidade comercial e não tanto no uso da informação. A publicidade é essencialmente um processo comunicativo e requer o uso de meios de difusão de massa que transmitem mensagens simultâneas a um grande número de pessoas. Para Gomes (2003, p. 45), é um “processo de comunicação persuasiva, de caráter impessoal e controlado que, através dos meios massivos, dá a conhecer um produto ou serviço, com objetivo de informar e influir na sua aceitação”. A persuasão é o elo que transita entre a interdisciplinaridade da comunicação política; em sentido vulgar, é o ato de convencer outros com razões sobre qualquer questão. Segundo Roiz (1996, p. 06): Persuasão é o intento de convencer com razões e argumentos, a alguém a fim de que acredite ou faça algo (afetando no nível psicossocial das atitudes e valores), ou realize uma ação (compre, vote, assista a um comício, ou modifique suas atitudes sobre algum aspecto da realidade: produto comercial, idéias políticas ou religiosas). Na política, a persuasão em forma de propaganda está presente desde o início das relações de poder entre governantes e governados. Entre os exemplos apresentados por Gomes (2008, p. 05), destacam-se os conflitos do último século como o Comunismo, o Nazismo, o Fascismo, a Guerra Fria, entre outros tantos. Para a autora (2008, p. 06), esses foram movimentos políticos “que se criaram apoiados em estratégias planejadas, que contaram com as práticas persuasivas nas suas diversas formas, como a música [...]”. Segundo Pross (1983, p.98), a persuasão é: um processo transacional composto de uma classificação, uma seleção e um compartilhar cognitivo de símbolos, de forma que se ajuda a outro a deduzir, de sua própria experiência, um significado ou uma resposta similar àquela que a fonte tem a intenção de dar. Por ser fenômeno comunicativo, a persuasão é inerente ao homem desde o momento em que ele existe como tal, no entanto, a propaganda só existe em um meio social complexo, sendo inerente à organização estatal. Para Gomes (2008, p. 06), tanto a relação entre Estado e propaganda quanto de publicidade e mercado são dependentes. Em ambos os casos a persuasão não atua somente sobre a mente dos indivíduos, mas sobre seu coração e sobre suas emoções. Sendo assim, a linguagem não é somente um meio de comunicação, mas sim um instrumento destinado a influenciar os homens por meio de persuasão. Portanto, nas mensagens publicitárias, a informação é convertida em argumento de persuasão, e a comunicação persuasiva se caracteriza por ser “persuasão deliberada, orientada a conseguir determinados efeitos, utilizando técnicas de comunicação psicológicas, de certas formas, coercitivas”. (GOMES, 2003, p. 35) Para a autora (GOMES, 2003, p. 35), pela própria natureza sociocomunicacional da persuasão, para se alcançar os objetivos desejados, ela recolhe e instrumentaliza um conjunto de regras, técnicas e procedimentos de diferentes origens em especial “psicológicos, psicossociais, sociológicos, lingüísticos, e semânticos, que vêm sendo experimentados” na criação de mensagens de campanhas persuasivas, no âmbito comercial, institucional e ideológico. Dessa forma, conclui-se que a comunicação política é uma forma de comunicação persuasiva e tem por intenção influenciar atitudes e busca reforçar ou modificar o comportamento político dos indivíduos. 2.1.1 Publicidade eleitoral Diferentemente do conceito de Propaganda, que provém de Propaganda Fidae ou propagação da fé, que simbolizou a campanha realizada pela Igreja Católica no século XVI e que atualmente se aplica ao conjunto de regras e técnicas empregadas para propagar idéias, o conceito de Publicidade se refere ao conjunto de regras e técnicas empregadas para divulgar produtos e serviços. É um fenômeno do século XX, posterior à revolução industrial e ligado à sociedade de consumo (GOMES, 2004, p. 53). O termo mais apropriado quando se trata do lançamento e manutenção de políticos (pessoas físicas e não as idéias que sustentam) caracterizados pelo uso da comunicação persuasiva nos meios de comunicação é publicidade eleitoral. Na concepção de Gomes (2004, p.54), a publicidade eleitoral qualifica os esforços de comunicação persuasiva destinada a arrecadar votos, utilizando para isso as técnicas que permitam ao indivíduo assimilar e reconhecer códigos e um tipo de linguagem de comunicação diferenciado do conteúdo dos meios. Com isso, as campanhas publicitárias eleitorais estão presentes no processo comunicativo gerado pelo acontecimento político e simbolizam um conjunto de ações comunicativas, desenvolvidas durante um período de tempo estabelecido com a intenção de atingir determinados objetivos eleitorais em favor de uma organização política, representada pelos seus candidatos (GOMES, 2004, p. 60): A campanha publicitária eleitoral é um conjunto de técnicas específicas e meios de comunicação social que têm como objetivo dar a conhecer um programa eleitoral, perfil de um candidato, ou uma série de vantagens de um partido político, com o fim de convencer ideologicamente e captar o voto de um eleitorado, num mercado político, ou seja, planejar, criar, produzir e veicular peça com mensagens que vão influir nas atitudes e nas condutas dos eleitores, visando que se vote em um determinado partido político ou candidato de um partido a cargo público. No entanto, a introdução do elemento persuasão na publicidade, tanto comercial quanto eleitoral, não deve tirar dela (da campanha publicitária eleitoral) sua referência na comunicação, já que a informação transmitida pelos meios de comunicação de massa só ajuda a cumprir o objetivo maior da comunicação publicitária que é de exercer uma influência sobre o cidadão para que ele assuma uma posição frente à mensagem que recebe. Esse posicionamento deve significar uma mudança em seu comportamento, seja pela adesão a um partido ou a um candidato (GOMES, 2004, p. 65). Dessa forma, pode-se entender que a Comunicação é um intercâmbio de mensagens entre dois sistemas de interação que afeta diretamente a relação entre o interlocutor e o receptor, ao ponto em que a Publicidade, como processo comunicativo, fica condensada em uma mensagem que desempenha o papel de intermediário comunicacional entre o político e o eleitor. As tarefas desse intermediário são: apresentação da informação sobre o candidato, o suficiente para despertar o interesse dos destinatários; realizar exaltação dos benefícios que o destinatário vai receber se votar no candidato em questão; e, por fim, modificar ou ajustar o comportamento de voto do indivíduo a quem se dirige. (GOMES, 2004, p. 66) Exemplo clássico desse processo comunicativo ocorreu no Brasil no início da década de 1950, quando o jingle político integrou a publicidade eleitoral dos candidatos e assumiu uma função de comunicação persuasiva de caráter impessoal sendo transmitido pelo principal meio massivo da época, o rádio. Com os meios de comunicação de massa era possível atingir uma grande quantidade de público, iniciando uma preocupação comportamental do público diante das informações. Segundo Martino (2007, p. 39), o primeiro resultado disso foi a formação da ‘opinião pública’ imediata. Em termos práticos, sustenta o autor que pela primeira vez era possível transmitir “opiniões, gostos e idéias a longa distância para uma massa de espectadores anônimos e desprovidos de quaisquer meios de estabelecer um diálogo imediato com a fonte emissora”. Dessa forma, a falta de diálogo imediato entre interlocutor e receptor se torna o principal fator da comunicação de massa o que resulta na utilização da mídia como um importante instrumento da ação política. 2.1.2 O Jingle Político: Teorias, Leis e Técnicas Os jingles são peças cantadas e contêm não só as informações necessárias, como também, o clima e a emoção objetivada. Para Sampaio (1999, p. 235), são peças de apoio de campanhas, mas não é raro que toda a campanha seja derivada a partir de um jingle. Para o autor, a grande vantagem dessa peça publicitária é seu expressivo poder de “recall”, ou aquilo que chamam de chiclete de orelha, de forma que as pessoas ouvem e não esquecem. Um dos objetivos gerais do jingle é facilitar a memorização, sendo que sua força está relacionada ao grau simultâneo de persuasão decantatória (ao exaltar em cantos e versos seu tema principal) e figurativa. O músico procura ligar fantasia e realidade, aliado à capacidade de sedução e persuasão em uma música completa e principalmente rápida (SAMPAIO, 1999, p. 79). O criador do jingle é necessariamente um músico, pois a concepção da peça, o arranjo instrumental, vocal, a regência da música e dos cantores é um trabalho exclusivo dos profissionais deste universo. A letra, no entanto, pode ser feita por um redator da agência de publicidade ou outra pessoa. O jingle pode ser entendido como um elemento que reforça as virtudes e principais diretrizes políticas dos candidatos. Nunes (2000, p. 83-89), ao estudar a linguagem radiofônica em campanhas eleitorais, desenvolve uma caracterização composta por: emocionalidade, fala reiterativa, conversa fixadora e imagem da marca. O jingle político comporta essas características, visto que é usado como um elemento que sintetiza a imagem do candidato, suas virtudes, seus pontos fortes e suas propostas, além de oferecer uma linguagem franca e emotiva, que reforça esses pontos buscando fixar no eleitor uma idéia-chave sobre a candidatura. O avanço da técnica no começo do século XX causou mudanças no cotidiano político de forma que o rádio pedia uma linguagem para garantir sua eficácia na ação política. O jingle foi uma ferramenta que obedeceu a essa necessidade pelas suas próprias características, como afirma Scatena (apud SIMÕES, 1990, p. 191): Jingle deve conter muita pouca coisa. Normalmente, destaca-se o nome do produto e procura-se repetir esse nome o maior número de vezes possível. Um jingle tem tanto mais possibilidades de pegar quanto menos texto tiver de locutor. [...] A grande força do jingle, portanto, é a memorização do nome e das qualidades do produto. [...] A mensagem do jingle deve e pode ser completa. O jingle pode despertar o desejo e levar à ação. [...] O jingle antes de tudo deve ser claro. A melodia deve ser simples, intuitiva, de fácil memorização.A letra deve ser direta, objetiva. Não se deve usar de modo algum a ordem indireta. A melodia associa-se ao produto. É dele, não lembra outra coisa senão aquele produto. [sic] Com a aprovação do Código Brasileiro de Radiodifusão em 1946, estabeleceu-se que cada peça publicitária teria a duração máxima de 120 segundos e era obrigatório um intervalo de 2,5 minutos entre a irradiação de duas mensagens. No caso do jingle político, sua duração varia conforme o candidato, mas permanece entre 30 e 60 segundos. (MELO et all, 2006, p.02) Apesar de os jingles possuírem uma duração comum, a publicidade eleitoral não obedece a um campo restrito de idéias, permitindo novas variações e adaptações à medida do necessário. Algumas características próprias do jingle político permanecem sem alterações significativas desde seu início na década de 1950 e devem ser vistas e entendidas como base fundamental para se obter um jingle de sucesso. Essas características são denominadas por Sant’ Anna (2002) e Torres (1959) como Leis e Técnicas da publicidade eleitoral. Entre as diversas leis apresentadas pelos dois autores1, quatro se destacam como necessárias para compreensão da totalidade do jingle: Lei da Orquestração, da Transfusão, da Unanimidade e de Contágio e, por fim, Lei da Causalidade Afetiva. Segundo as concepções de Sant’ Anna (2002) e Torres (1959), a primeira condição para uma boa peça publicitária está na repetição do tema principal identificado no jingle político pelos versos curtos e repetitivos. A Lei da Orquestração para Sant’ Anna (2002, p. 60) baseia-se na idéia de que “as massas não se lembrarão das idéias mais simples a menos que sejam repetidas centenas de vezes”, principalmente se for apresentada sob vários aspectos. Outro ponto desta Lei é sua qualidade fundamental de permanência do tema aliado à variedade de apresentação, como, por exemplo, a divulgação da peça em diversos meios de comunicação. A Lei da Transfusão fundamenta os casos em que existe a ação da publicidade sobre uma questão preexistente, uma mitologia nacional. A idéia básica é apresentar por meio de associações sentimentais e recursos primitivos o programa proposto para a população. A melodia é um poderoso instrumento para auxiliar na associação sentimental já que retoma da educação musical seus preceitos para o sucesso. A Lei da Unanimidade e Contágio é um reflexo das conseqüências de manifestações públicas e desfiles de massa quando se cria uma impressão de unidade entre a população. No caso do jingle, sua função, entre outras que serão vistas na seqüência desta pesquisa, é difundir um sentimento de união entre a massa por meio da canção. Conforme Torres (1959, p. 32), o jingle se move no terreno da afetividade, provocando emoções e gerando sua expansão. Para o autor, “qualquer fato que provoca a emoção e possibilita a propagação de sentimentos até criar um estado passional agudo e generalizado” deve ser utilizado pela publicidade eleitoral, sendo essa a base da Lei de Causalidade Afetiva. 1 Além das Leis e Técnicas da publicidade eleitoral citada no parágrafo, Sant’ Anna (2002) e Torres (1959) acrescentam a Lei de Simplificação e do Inimigo Íntimo e a Lei da Desfiguração e Ampliação. Torres ainda cita a Lei da Repetição, da Variação Temática, do Contraste, da Reivindicação e a Contrapropaganda. Para o caso específico dos jingles políticos, essas Leis não possuem as características apropriadas para seu uso. Diz ainda que todas as Leis vistas se resumem num só objetivo: emocionar. O jingle político, como esta pesquisa se propõe a estudar, provoca emoção contagiando o eleitor na busca pelo voto. Segundo a visão de Sant’ Anna (2002, p.46), a publicidade eleitoral consegue captar o devaneio de cada pessoa em relação às origens, ao futuro, aos sonhos da infância e desejos de felicidade. Dessa forma, o jingle visa a concordar com as propostas ideológicopartidárias de cada candidato, fazendo transparecer a ética ao tempo em que conduz o eleitor a uma certeza positiva e absoluta da sua capacidade administrativa. De acordo com Lemos (2004, p. 63), esse é o motivo para que construções musicais específicas sejam feitas na criação do jingle político, atuando com o propósito de identificar o conceito e a idéia do candidato que se busca transmitir em uma campanha. 2.2 RÁDIO E POLÍTICA 2.2.1 O Rádio como instrumento da comunicação política A ligação entre rádio e política surgiu com Marconi, em 1899, quando o cientista conseguiu realizar a primeira ligação por telegrafia sem fio entre a França e a Inglaterra, cobrindo uma distância de quarenta e seis quilômetros. O novo invento se destinou a desempenhar funções militares ao facilitar a coesão das ligações e das operações navais, além de transmitir informações entre militares em campanha, reforçando a segurança e acelerando a chegada de socorro em casos de baixa, naufrágio ou catástrofe. (NUNES, 2000, p. 38) Foi, porém, durante a Primeira Guerra mundial (1914-1918) que o rádio consolidou seu papel de peça fundamental para a estratégia militar, convertendo-se em uma arma com funções de transmissão de ordens e de informações; de escuta da comunicação inimiga desemboscando a tempo suas posições; decifrando estratégias de ataque, além de cooperar com o deslocamento das tropas nos campos de batalha. Segundo Rodrigues (1990, p. 176) A partir da Torre Eiffel estabelecem-se redes de ligação com a Grã-Bretanha, a Rússia, a Sérvia e Bucareste. Equipam-se os aviões, os automóveis e os tanques com postos de escutas e de emissão. Os melhores cientistas da época trabalharam na torre Eifell na equipe de G. Ferrié e em Lyon. Um extraordinário incremento viria a ser dado à investigação e à indústria radioelétrica, incremento que prosseguirá, aliás, depois da guerra, com o concurso tanto das empresas do Estado como das empresas privadas. No decorrer do período entre as duas guerras, todos os países europeus tinham descoberto a importância do rádio para a estratégia bélica e procuravam utilizá-la no desenvolvimento das suas relações internacionais. Uma nova dimensão radiofônica internacional só seria experimentada no conflito mundial de 1939-1945. (RODRIGUES, 1990, p. 176) Desde sua consolidação nos anos 1930 e 1940, o rádio tem sido utilizado de diferentes formas pelo Estado (HAUSSEN, 1995, p. 01): por meio de guerras e lutas de independência e resistência; por partidos políticos e sindicatos; e por movimentos sociais, religiosos e ecológicos. No entanto, o primeiro país a utilizar o rádio para fins políticos foram os Estados Unidos. Segundo Nunes (2000, p. 40), “a presidência de Franklin Delano Roosevelt, de 1933 até 1945, cuja duração não teve, por conseguinte, paralelo na história americana, foi um principado radiofundido”. Conforme a autora (NUNES, 2000, p. 40), foi graças ao rádio que o presidente norte-americano projetou seu carisma e afirmou sua ascensão sobre a nação, já que quando Roosevelt se tornou presidente em 1932, o número de casas que possuíam o aparelho de rádio chegava a oitocentos mil. Para Schwatzenberg (apud NUNES, 2000, p. 40), o presidente Roosevelt reconheceu no rádio um poderoso instrumento para conquistar a opinião pública “pela possibilidade de estabelecer com ela uma comunicação direta e de passar por cima da legislatura do Estado e da imprensa escrita”. Porém, foi a Alemanha nazista que realmente utilizou o rádio como instrumento de comunicação persuasiva plena, ao transmitir por meio comunicacional a propaganda política e a publicidade eleitoral. Hitler utilizou o rádio como principal instrumento de divulgação da sua ideologia junto à população. O líder conhecia bem as características do rádio e reabilitou a palavra oral que reinava soberana na Antiguidade, significando um retorno às origens apontando para uma “regressão da comunicação política”. (NUNES, 2000, p.57). A utilização perversa e perigosa que a comunicação política radiofônica adquiriu na Alemanha nazista foi estudada por Adorno e Horkheimer (1978: 196), que enfatizam: [...] o rádio se torna a boca universal do Führer; e a sua voz, nos alto-falantes das estradas, vai além do ulular das sirenes anunciadoras de pânico, do qual a propaganda moderna dificilmente pode-se distinguir. Mesmo os nazistas sabiam que o rádio dava forma à sua causa, como a imprensa dera à causa da Reforma. O carisma metafísico do líder inventado pela sociologia religiosa se revelou, enfim, como a simples onipresença dos seus discursos no rádio, diabólica paródia da onipresença do espírito divino. O fato desmedido de o discurso penetrar em toda parte, substitui o seu conteúdo [...]. Nenhum dos ouvintes está mais em condições de conceber o seu verdadeiro contexto, enquanto os discursos do Führer já por si é mentira. Pôr a palavra como absoluta, o falso mandamento, é a tendência imanente do rádio. A recomendação torna-se ordem. O surgimento da radiodifusão na América Latina se deu na década de 1920, não pela sua relação com os governos da época e sim pelo avanço das pesquisas tecnológicas que vinham sendo realizadas desde o século anterior (NUNES, 2000, p. 51). No Brasil, a implementação do rádio foi destinada inicialmente aos objetivos educacionais. Contudo, na década de 1930 tornou-se uma importante ferramenta para o contexto político que surgia. O primeiro político a utilizar o rádio como ferramenta da comunicação política no Brasil foi Getúlio Vargas. A partir do Estado Novo, instaurado em 1937, Vargas elevou o número de emissoras em todo o país investindo na organização da propaganda governamental. Com isso, passou a controlar as informações que circulavam no país e, assim, consolidou sua imagem de estadista após a Revolução Constitucionalista de 1930 perante a população. (NUNES, 2000, p. 59) Segundo Nunes (2000, p. 57), o rádio constitui um instrumento de repersonalização do poder e ao restituir a palavra e à voz do dirigente corre-se o risco de permitir o reaparecimento das mais diversas atitudes afetivas relacionadas a esse poder. Assim, o rádio pode despertar no ouvinte sentimentos de atração e repulsão, simpatia ou antipatia por meio do contato, mesmo que ilusório, estabelecido com o líder. Outro ponto descrito pela autora é a intervenção puramente oral oferecida pelo rádio. Por oferecer um conteúdo mais acessível, ou seja, em prática mais pobre que o meio impresso, dirige-se à sensibilidade do ouvinte e não à razão e seu senso crítico. Com isso, o rádio estabelece uma ilusão de proximidade entre o interlocutor e o receptor quando a voz daquele se torna familiar. A partir daí o interlocutor cativa o ouvinte, sugerindo idéias e finalmente o convencendo. No entanto, para que o discurso político convença e estabeleça condições de adesão, é necessário que haja uma sintonia entre o interlocutor e o receptor. Sendo assim, “se o político souber captar e atender às expectativas do ouvinte através de seu discurso, ele terá chance de convencer, de levar o ouvinte a aderir as idéias e o projeto político que defende” (NUNES, 2000, p.59). 2.2.2 O Jingle comercial e eleitoral na implementação do rádio no Brasil A evolução do jingle acompanhou a implementação e desenvolvimento do meio radiofônico brasileiro, tanto em aparato tecnológico quanto em foco comercial. Historicamente, foi a partir de vendedores ambulantes que ao entoarem seus pregões esboçavam os primeiros slogans e jingles. “Às 14 horas cerrava-se o expediente das repartições e tinham início os pregões de peixeiros, funileiros, garrafeiros e vendedores ambulantes de guarda-chuvas” (DEBRET apud SIMÕES, 1990, p. 171). Para Tinhorão (1981, p. 15), a idéia de usar frases musicais para atrair compradores iniciou no século XIX por vendedores de rua que usavam esse mesmo esquema ao gritar suas mensagens sob forma de pregão. Um exemplo no ano de 1857 que se tornou conhecido foi o de um vendedor que oferecia um refresco à base de gengibre, limão e água. Gritava ele: “Gengibirra / quando abre / logo espirra”. De acordo com Simões (1990, p. 172), a propaganda comercial musicada apareceu no Brasil no final do século XIX e era gravada, editada e distribuída gratuitamente, como por exemplo uma propaganda composta em louvor a um medicamento para a digestão, no ano de 1882. Segundo concepções de Queiroz (a) (2007, p. 06), as canções referentes a personagens políticos existentes no início do século não devem ser entendidas como jingles políticos, e sim como músicas cuja função variava entre enaltecer, glorificar, criticar e até ridicularizar o ator político. Um exemplo é a marchinha “Ai Filomena”, da campanha do ano de 1914, dedicada ao candidato à reeleição presidencial Marechal Hermes da Fonseca, conhecido como ‘seu Dudu’ e com fama de ser agourento. A música começou a ser tocada às vésperas das eleições no Rio de Janeiro espalhando-se por todo o país e continha o seguinte estribilho (LEMOS, 2004, p. 66): Se o Dudu sai a cavalo O cavalo logo empaca Só começa a andar Ao ouvir o corta-jaca Ai Filomena, se eu fosse como tu Tirava a urucubaca da careca do Dudu No Brasil, a primeira transmissão de voz que antecedeu ao rádio foi realizada por Roberto Landell de Moura, padre gaúcho que em 1982 efetuou uma demonstração pública de seu invento. Landell transmitiu a voz humana através de um transmissor de ondas que utilizava um microfone eletromecânico que recolhia as ondas sonoras através de uma câmara de ressonância onde um diafragma metálico abria e fechava o circuito do primário de uma bobina de Ruhmkorff e induzia no secundário dessa bobina uma alta tensão que era irradiada ou através de uma antena ou de duas esferas centelhadoras. Após Landell, em 1919, experiências radiofônicas foram realizadas em Recife, e no dia 06 de abril, foi inaugurada a Rádio Clube de Pernambuco que utilizava um transmissor importado da França para seus experimentos. Oficialmente, a primeira transmissão radiofônica ocorreu no ano de 1922 em comemoração ao Centenário da Independência, por meio de um transmissor instalado no alto do Corcovado, de forma que alguns componentes da sociedade carioca puderam ouvir em casa o discurso do presidente Epitácio Pessoa. (ORTRIWANO, 1985. p.13) Segundo Nunes (2000, p. 53), o rádio apareceria no Brasil pouco antes do segundo surto industrial, coincidindo com o início da expansão da sociedade de consumo. Para a autora, o surgimento da radiodifusão ocorrida na década de 1920 foi marcado pelo projeto de Roquette-Pinto de “educar as massas” integrando a população por meio do rádio. Fundada por Roquette-Pinto, em abril de 1923, a Rádio Sociedade do Rio de Janeiro seria a primeira emissora brasileira. Ortriwano (1985, p. 14) e Nunes (2000, p. 53) afirmam que o rádio brasileiro nasceu de uma iniciativa de intelectuais e cientistas cuja finalidade era basicamente cultural, educativa e altruística. Quem podia mandava buscar no exterior os aparelhos receptores, na época muito caros. Com isso, o rádio nascia como um meio de comunicação que atingia a elite e não a massa. Ouvia-se ópera com discos emprestados pelos ouvintes, poesia, concertos, palestras culturais, entre outras atividades. Apesar de Roquette-Pinto estar convencido “desde o início, de que o rádio se transformaria num meio de comunicação de massa”, inicialmente, ele foi destinado a um grupo seleto de pessoas (ORTRIWANO, 1985, p. 14): As condições sob as quais operava a Rádio Sociedade eram, na verdade, comuns às emissoras de então que, num primeiro momento, funcionaram mais como associações ou clubes seletos, onde ao ouvinte cabia também função de programador musical. [ ... ] Com base nesses dados, torna-se evidente o papel do rádio naquela que podemos considerar a sua primeira fase no Brasil: um meio de comunicação voltado principalmente para a transmissão da educação e cultura. Em razão da pré-determinação consensual quanto à vocação do veículo, uma parte das emissoras brasileiras evoluiu nessa direção também durante as décadas seguintes à de 1920, quando a tendência para o rádio comercial começa a ascender no país. A marcha intitulada “Seu Julinho Vem”, composta em 1930 para a campanha de Júlio Prestes à presidência da república, foi a primeira canção política cujas características se aproximam do gênero jingle. Segundo Martins a marchinha é quase uma peça da campanha de Prestes, candidato a presidente da República. Fez sucesso no carnaval de 1929 e cantada em uma revista teatral em abril do mesmo ano. “Seu Toninho” é Antonio Carlos de Andrade, governador de Minas Gerais (citado como terra do leite grosso) que se recusava a aceitar a indicação de “Seu Julinho”, de São Paulo, rompendo com a política do café-com-leite - um mandato no Palácio do Catete para a elite paulista, outro para elite mineira -, que vigorou durante quase toda a República Velha. A referência ao Rio de Janeiro se deve por ser a capital do país. Ó Seu Toninho Da terra do leite grosso Bota cerca no caminho Que o paulista é um colosso Puxa a garrucha Finca o pé firme na estrada Se começa o puxa-puxa Faz do seu leite coalhada Seu Julinho vem, Seu Julinho vem Se o mineiro lá de cima descuidar Seu Julinho vem, Seu Julinho vem Vem, mas custa, muita gente há de chorar Ó Seu Julinho, tua terra é do café Fique lá sossegadinho Creia em Deus e tenha fé Pois o mineiro Não conhece a malandragem Cá no Rio de Janeiro Ele não leva vantagem Posteriormente, os ideais educativos surgidos com a implementação do rádio seriam substituídos e o sistema radiofônico se expandiria como um veículo predominantemente comercial, atribuindo-se ao rádio um papel importante na ampliação do mercado de consumo no início da década de 1930. (Nunes, 2000, p. 54) A publicidade foi permitida por intermédio do Decreto nº 21.111, de 1º de março de 1932 que regulamentou o Decreto nº 20.047, de 27 de maio de 1931, sendo este o primeiro diploma legal sobre a radiodifusão desde a implementação do rádio no país. Segundo Ortriwano (1985, p. 15), o governo demonstrou, com edições de leis específicas, que se preocupava com o meio que definia como ‘serviço de interesse nacional e de finalidade educativa’, “regulamentando o seu funcionamento e passando a imaginar maneiras de proporcionar bases econômicas mais sólidas”. Com o advento da publicidade, as emissoras se organizaram como empresas para disputar o mercado publicitário e a competição ocorreu em três facetas (ORTRIWANO, 1985, p.15): influenciando no desenvolvimento técnico, no status da emissora e em sua popularidade. Dessa forma, a preocupação educativa foi deixada de lado e em seu lugar, interesses mercantis começaram a surgir. Com o advento do rádio, a propaganda passa a manifestar-se em cinco diferentes formas, conforme descrito por Simões (1990, p. 174): a improvisação da mensagem pelo próprio locutor, como sua forma mais rudimentar; a simples leitura dos textos preparados para a mídia impressa sem quaisquer adaptações à linguagem do meio; forma mais profissionalizada com a introdução de textos especiais pré-elaborados por um redator e que eram lidos pelos locutores das emissoras; o texto de locução gravado, isto é, o spot, e finalmente, a mensagem musicada simbolizada pelo jingle. Canções políticas eram criadas e os políticos se tornavam a cada dia mais propensos a sua utilização. Eles se tornavam fãs incondicionais das canções compostas especialmente para atingir seus eleitores como uma forma de guerrilha. Como, por exemplo, a sátira critica ao governo de Washington Luiz, que tinha como bandeira a abertura de estradas. Sua fama não era positiva em decorrência de uma crise financeira que se anunciava em seu governo (LEMOS, 2004, p. 67): “Ele é paulista (é sim senhor) Falsificado (é sim senhor) Dá pra farrista (dá sim senhor) Matriculado (é sim senhor) Ele é estradeiro? (é sim senhor) Habilitado? (é sim senhor) Mas o Cruzeiro? (é sim senhor) Ovo gorado? (é sim senhor) As mudanças ocorridas a partir da Revolução de 1930 – em que a indústria e o comércio passaram a buscar formas de colocar seus produtos no mercado interno, aliado às mudanças ocorridas na estrutura administrativa federal com a centralização do poder por Getúlio Vargas – cooperaram para a expansão da radiodifusão, já que o rádio se mostrou um meio eficaz para se estimular o consumo. Empresários começaram a perceber que o rádio era um veículo eficiente para divulgar seus produtos, devido em grande parte à quantidade elevada de analfabetos (ORTRIWANO, 1985, p. 15-16). Em sua primeira fase, o rádio comercial não possuía uma estrutura burocrática organizada; os primeiros profissionais faziam de tudo, desde produzirem programas até revender intervalos para anunciantes. Em um segundo momento, o rádio mudou e se estruturou como empresa, investindo e contratando artistas e produtores. Segundo Costella (1978, p. 181): A linguagem radiofônica, aos poucos, vai sendo aprendida. Mais coloquial, mais direta, de entendimento fácil, começa a invadir todas as emissões... Os programadores passam a ter horário certo e a programação, como um todo, é distribuída de modo racional no tempo. No início dos anos 1930, o rádio já veiculava publicidade eleitoral, e em determinados episódios, como a Revolução Constitucionalista de 1932 em São Paulo, conclamou o povo em favor da causa política com César Ladeira atingindo fama nacional como locutor oficial da Revolução, na Rádio Record. A Rádio Record foi a primeira a incluir na sua programação a propaganda política, ao trazer políticos ao microfone para “palestras instrutivas”, como afirmava seu proprietário Paulo Machado de Carvalho. Depois, a rádio organizaria a propaganda da Revolução Constitucionalista em uma cadeia de emissoras paulistas e, em 1934, torna-se agente da reviravolta que se operaria na programação das emissoras. (ORTRIWANO, 1985, p. 17) O processo de industrialização marcou a década de 1930 e fatores como a necessidade de formação profissional e a elaboração de material e recursos para uma nova linguagem radiofônica se apresentavam como uma problemática a ser resolvida. O avanço do rádio era evidente, especialmente como veículo condutor de mensagens comerciais. Sendo assim, surge no Rio de Janeiro a primeira empresa especializada em controlar e auditar os anúncios irradiados: a Rádio Controladora. Assim, o rádio inicia seu caminho ao definir sua linha de atuação e seu papel cada vez mais importante na sociedade brasileira tanto em questão política quanto comercial. Do ponto de vista econômico, o rádio passou a receber investimentos publicitários que acabaram resultando em um fortalecimento no setor das agências publicitárias. (ORTRIWANO, 1985, p. 19) O impacto do rádio sobre a sociedade brasileira a partir de meados da década de 30 foi muito mais profundo do que aquele que a televisão viria a produzir trinta anos depois. De certa forma, o jornalismo impresso, ainda erudito, tinha apenas relativa eficácia (a grande maioria da população nacional era analfabeta). O rádio comercial e a popularização do veículo implicaram a criação de um elo entre o indivíduo e a coletividade, mostrando-se capaz não apenas de vender produtos e ditar 'modas', como também de mobilizar massas, levando-as a uma participação ativa na vida nacional. [...] As classes médias urbanas (principal público ouvinte do rádio) passariam a se considerar parte integrante do universo simbólico representado pela nação. Pelo rádio, o indivíduo encontra a nação, de forma idílica: não a nação ela própria, mas a imagem que dela se está formando. Um exemplo de programa radiofônico que vendeu produtos, ditou moda e mobilizou a massa foi o Programa Casé, criado por Ademar Casé. Com estréia em 14 de fevereiro de 1932, pela Rádio Phillips, o nome foi um acaso inventado pouco antes do programa começar. “Poucos minutos antes de o programa ir ao ar é que o diretor [Dr. Augusto Vitoriano Borges] descobriu que o programa não tinha nome. Casé só então se deu conta de que havia se esquecido desse ‘pequeno’ detalhe. Coube ao Dr. Augusto, no improviso, criar um”. (CASÉ, 1995, p. 35) O mérito do programa Casé se deve pelo próprio Ademar Casé, figura principal do programa, que buscava assim como Roquette-Pinto, um amadurecimento para o rádio com a criação de uma linguagem específica, além da constante preocupação com o ouvinte e com a programação, levando ao ar o que havia de melhor na música popular e erudita. (CASÉ, 1995, p. 62) Mesmo com o sucesso, o retorno financeiro não era suficiente para manter o Programa e Casé decidiu terminar as transmissões depois do décimo quinto programa. Segundo Casé (1995, p. 47), no dia seguinte ao comunicado de que o programa não seria mais transmitido, ocorreram duas vendas de anúncios para serem divulgados, o necessário para continuar com as transmissões. Para o autor (CASÉ, 1995, p. 47), “algumas das principais inovações do Programa Casé foram justamente nessa área: a venda de horários e a criação de comerciais diferentes a cada programa, não importando qual fosse o produto”. Casé se transformou em um dos principais nomes da publicidade radiofonizada, sendo isso uma revolução em um meio que começou apenas anunciando as gravadoras que cediam os discos utilizados nas transmissões. (CASÉ, 1995, p. 47) Na concepção de Tinhorão, foi Casé que impulsionou a produção dos jingles no rádio, “antes mesmo que o jingle chegasse a se institucionalizar, no entanto, a primeira geração de profissionais de rádio ia realizar no Programa Casé, uma experiência nunca mais retomada posteriormente: o anúncio cantado de improviso”. (apud SIMÕES, 1990, p. 177-8) Composto em 1932, por Antonio Gabriel Nássara, o primeiro jingle comercial brasileiro divulgava o Pão Bragança, eternizado na voz de Luis Borba. “Oh! Padeiro desta rua/ Tenha sempre na lembrança/ Não me traga outro pão/ Que não seja o pão Bragança/ Pão inimigo da fome/ Fome, inimiga do pão/ Enquanto os dois não se matam/ A gente fica na mão/ Oh! Padeiro desta rua/ Tenha firme na lembrança/ Não me traga outro pão/ Que não seja o pão Bragança/ De noite quando me deito/ E faço minha oração/ Peço com todo respeito/ Que não me falte o pão”. Segundo Simões (1990, p. 177), “o surgimento do Programa Casé favoreceu sobremaneira o jingle. O programa tinha em seu cast, como redatores, uma espécie de letristas [...] e outra similar de compositores [...]. Casé agenciava anúncios e depois incumbia sua equipe de desenvolver as mensagens”. Constatou-se a viabilidade econômica do rádio, sendo que toda vez que era necessário vender um produto, o melhor caminho seria o rádio, já que no final da década de 1930 a publicidade radiofônica era eficiente e barata. Na década de 1940, o processo de evolução dos jingles contou com a presença da cantora e atriz Carmem Miranda, já que ela influenciava algumas composições de fonogramas publicitários. A popularidade do meio radiofônico proporcionou uma evolução em relação à composição musical e na letra. Com o aparecimento de empresas multinacionais no Brasil, havia uma forte concorrência para se divulgar de forma apropriada para o mercado interno os produtos a serem consumidos. O rádio era a melhor forma para se alcançar o público, e o jingle a melhor forma de vender o produto. A evolução do rádio atingiu seu apogeu na década de 1940, destacando-se como a mais importante mass mídia da época atraindo verbas publicitárias. Isso fez com que peças como o spot e o jingle fossem desenvolvidos com uma maior profissionalização pelas agências, resultando em uma disputa dos anunciantes pelo patrocínio dos programas. No entanto, muitos dos jingles desse período eram “meros aproveitamentos” de músicas já consagradas no rádio. (SIMÕES, 1990, p. 178) Diferentemente dos dias atuais, em que os preços dos jingles são computados pela sua duração, na década de 1940 comprava-se o tempo por dúzias de jingles, não importando o tempo. Segundo Scatena (apud SIMÕES, 1990, p. 181), “depois de toda a cantoria, vinha mais um texto quilométrico que perfazia 60 segundos ou mais.” O ano de 1941 se destacaria pelo surgimento do programa de rádio – jornalismo “Repórter Esso” pela Rádio Nacional. Idealizado pela McCann-Erickson com base em noticiário fornecido pela United Press Internacional – UPI, teve seu auge em 1945, quando o mundo vivia na euforia com o final da Segunda Guerra e o rádio ainda era o melhor canal de informação à disposição da população, nos quesitos rapidez e abrangência. A “época de ouro” do rádio começou a declinar com o surgimento da televisão no Brasil, no início da década de 1950. Quando surge, busca no rádio seus primeiros profissionais, imita seus quadros e carrega boa parte da publicidade. Com isso, o rádio buscou uma nova linguagem, mais econômica. As principais características deste período foram “os programas de utilidade pública e a ampliação do rádio vitrolão” que tocava apenas música. (NUNES, 2000, p.61) O jingle político, como se conhece atualmente, surgiu na década de 1950, após anos de música política espontânea e satírica. Segundo Martins (a) (2003), aquilo que antes era de predomínio do samba e da marchinha se moldava agora com novas características e com novos ritmos. Entre as campanhas eleitorais mais famosas estão as de Getúlio Vargas que utilizou o jingle político como tática para angariar a simpatia e o voto dos brasileiros; e a de Jânio Quadros que com seu jingle criou sua marca registrada, utilizada em várias campanhas eleitorais, como por exemplo, na prefeitura de São Paulo, em 1985. Políticos que utilizaram o jingle foram Adhemar de Barros, Plínio Salgado, Lomanto Jr, entre outros. (SIMÕES, 1990, p.191) Hinos, marchas, sambas e músicas carnavalescas predominaram entre os gêneros musicais mais utilizados pelos jingles políticos das décadas de 1930 a 1960. Depois da redemocratização, eleições diretas voltaram a ocorrer e o jingle político voltou a fazer parte da divulgação do candidato. Neste período, o radiojornalismo ganha impulso e um novo tipo de programação destinada a notícias mostra-se revolucionária. Ortriwano (1985, p. 22) relata que em 1954 a Rádio Bandeirantes fez-se “pioneira no sistema intensivo de noticiário em que as notícias com um minuto de duração entravam a cada quinze minutos e, nas horas cheias, em boletins de três minutos.” A década de 1960 marcou a história do rádio por duas razões: primeiramente, começam a operar as primeiras emissoras em freqüência modulada – FM – que posteriormente seriam responsáveis pela ebulição do meio radiofônico novamente; e em segundo, porque há um retorno do rádio à cena política durante os acontecimentos que marcariam o cenário nacional: o golpe militar de 1964 e a destituição de João Goulart da presidência da república. Como afirma Nunes (2000, p. 61), o rádio foi o responsável pela divulgação de um discurso de resistência do movimento popular conhecido como ‘cadeia da legalidade’ coordenada por Leonel Brizola a partir do Rio Grande do Sul, e que convocava a população a defender a democracia e o presidente eleito. Contudo, o perfil do rádio se modificaria na década de 1970 com a expansão das rádios FM e pela censura imposta pelo autoritarismo vigente. O meio radiofônico tornou-se um veículo basicamente destinado ao entretenimento e ao lucrativo negócio musical, coordenado pelas gravadoras nacionais e internacionais. (NUNES, 2000, p. 61) A música estrangeira, especialmente o som eletrônico, acabou influenciando não só os jingles como também as trilhas sonoras dos comerciais veiculados na televisão. Para Simões (1990, p. 198), nessa época, os sintetizadores e as trilhas prontas invadem a propaganda. A especialização com segmentação de mercado era a tendência nos anos 70, de forma que as emissoras passaram a ter como público-alvo determinadas faixas socioeconômico-culturais, buscando se dirigir a elas com uma nova linguagem, nos padrões das classes que desejavam atingir nos mercados. (ORTRIWANO, 1985, p. 27) Na década de 1990, com o desenvolvimento tecnológico e a inserção de aparelhos digitais multiuso no cotidiano, acredita-se que o futuro do rádio esteja na área digital. Segundo Magnoni (1999, p. 46), o futuro do meio radiofônico está na era digital ou corre o risco de perder seus ouvintes em um mercado que tem como base a tecnologia de ponta e oferece mais qualidade de recepção aos consumidores. A partir da década de 1990, o marketing político surge mais aperfeiçoado na esfera comunicacional como uma proposta composta de diversas ferramentas destinadas à conquista do sucesso pelo candidato nas eleições. Mesmo com o advento da televisão, o jingle político continua a ser um instrumento estratégico para a comunicação política de um candidato, sendo divulgado no rádio e em carros de som pelas cidades. Segundo Ortriwano (1985, p. 28), o desenvolvimento do rádio no Brasil se deu paralelamente ao processo de desenvolvimento do próprio país. Há uma “dependência dos centros de desenvolvimento do sistema econômico vigente no país, uma vez que o rádio – falando de emissoras comerciais – vive exclusivamente do faturamento originado pela publicidade”. Dessa forma, o rádio cresceu quando a publicidade precisou dele, definhou quando foi para outros meios de comunicação como a televisão e agora se recupera porque o sistema mercantil pressente que seu uso voltou a ser importante para alcançar o mercado consumidor. Segundo Motta (1979, p. 23), o que rege a expansão do rádio não são os interesses e necessidades da população, mas de certa forma, a ganância comercial. 3 A MÚSICA COMO INSTRUMENTO DA COMUNICAÇÃO POLÍTICA 3.1 A relação entre música e comunicação política A atividade comunicacional se torna política em virtude das conseqüências reais e potenciais que ela ocasiona para o funcionamento do sistema político, já que quase todo comportamento político decorre de algum tipo de comunicação. (FAGEN, 1971, p. 68). A música entra nesta relação a partir de seu uso e de suas funções no campo político-ideológico. Como uma forma de comunicação, a música atua como elemento de distinção e identidade, além de servir como ferramenta nos processos de dominação ideológica e como motivação para ações que visam à transformação da sociedade. Destarte, é visualizando as contradições internas e externas de uma sociedade que se entende a utilização da música no seu sentido político, tanto por parte de setores hegemônicos quanto por parte daqueles que se opõem. Apesar de ter sido concebida na sua maioria como expressão de arte no pensamento euro-ocidental, ficando restrita ao campo estético, a música sempre se vinculou às variadas práticas e atividades da sociedade ocidental. Assim, a música esteve presente em atividades religiosas, momentos solenes, de exaltação coletiva entre outros, além de servir de demarcação identitária de pessoas, grupos e povos. Entende-se dessa forma que a utilização de música de conteúdo político cria um cenário fértil de preferências e visões de grupos e classes, criando assim identidade e coesão social. A relação entre música e política pode ser visualizada seguindo duas vertentes básicas: 1ª- nos movimentos políticos organizados na forma de programas partidários; 2ª- como resultado perceptivo da sociedade, porém difuso em relação ao grau de profundidade e outras vezes pela consciência política da realidade por meio de ações desveladoras dadas por meio de linguagens dissimuladas – geralmente na cultura popular e em sociedades dominadas de forma repressiva. (IKEDA, 2001, p. 06) Pela sua natureza polissêmica, a música varia a cada contexto e época, porém mantém sua característica de produção de sentidos simbólicos de forma bastante dinâmica tanto é que está presente em momentos importantes na maioria das sociedades. A relação entre música e comunicação política se estabelece no momento em que as funções e usos da música se tornam fatores importantes e decisivos para se alcançar os objetivos traçados pela comunicação política. Em contrapartida, a política exige de seus candidatos um sério investimento em comunicação (estratégias, dispositivos e instrumentos de campanhas), já que a comunicação política tem por objetivo comunicar idéias e propostas com intuito de persuadir, argumentar e emocionar mobilizando o indivíduo a favor de um ideal. Portanto, quando uma área do conhecimento humano como da música, por meio de suas atribuições é capaz de cooperar para que objetivos sejam alcançados por outra área do conhecimento como a comunicação política, torna-se necessário analisar de que forma é feita essa ligação, esse cruzamento. Ao se adaptar a cada situação e evento, a música estabelece significados importantes que serão sentidos e incorporados pelo imaginário coletivo. No caso deste trabalho, o jingle político se transforma em uma ferramenta poderosa para a comunicação política e nos casos analisados a seguir se tornaram tão populares que mesmo após décadas ainda são lembrados, estudados e ouvidos. (IKEDA, 2001, p. 08) 3.2 ASPECTOS DA MÚSICA NA CONSTRUÇÃO DA IDENTIDADE SOCIAL E INDIVIDUAL Para compreender a música como construtora da identidade social e individual, faz-se necessário partir de uma abordagem multidisciplinar da atividade musical. Para tanto, neste capítulo, será feita uma breve reflexão teórica nos domínios da antropologia, psicologia social e emocional, levando em consideração a importância desses estudos no campo dos contextos sociais, culturais e educativos, nos quais ocorrem manifestações do pensamento e comportamento musical. Segundo Leining (1977, p. 18) a música é uma arte, e sua significação e função pertencem ao domínio da estética filosófica. Para a autora, a significação de estética deve ser entendida como “ciência que se dedica à descrição e explicação das artes, dos fenômenos artísticos e da experiência estética e inclui a psicologia, sociologia, etnologia e os aspectos vinculados essencialmente”. Com isso, compreende-se a estética filosófica como um dos melhores recursos para entender a adaptação do homem em seu meio, já que é necessário para o ser humano se expressar e participar de experiências sociais. A música entra neste contexto como a mais popular de todas as artes e com o poder de influenciar no desenvolvimento de uma personalidade individual e social. (LEINING, 1977, p. 19) De acordo com Roederer (2002, p. 267), na forma de experiência estética, a música demonstra ser um meio de alcançar uma coerência comportamental em um grande grupo de pessoas. Segundo o autor, em um passado distante, essa função social da música teve seu valor de sobrevivência, já que o ambiente humano “cada vez mais complexo demandava ações coletivas coerentes por parte de grandes grupos da sociedade humana”. Mais do que um fenômeno social destinado a manter as funções tradicionais em diferentes sociedades, no que diz respeito à evolução da espécie, a música exerce um papel fundamental criando cenários para os relacionamentos humanos. Conforme Merriam (1964, p. 11) a música é definida como um meio de interação social produzida por especialistas – produtores – destinada a outras pessoas – receptores. Dessa forma, o fazer musical é entendido como um comportamento aprendido, por meio do qual sons são organizados, possibilitando uma forma simbólica de comunicação na inter-relação entre indivíduo e grupo. Para o autor, a música é um fenômeno humano capaz de existir apenas quando há interação social, isso porque ela atua tanto sobre o comportamento individual quanto social. Consoante Ilari (2006, p. 192), existe um certo consenso de que a “atração interpessoal constitui um dos componentes do desenvolvimento das relações entre os indivíduos (...) e pode ser definida como uma experiência que leva os indivíduos a relatarem uma conexão especial com os outros”. Características como atitudes, crenças e valores comuns ajudam na atração, já que ela se define como um processo dual que envolve as atitudes, os valores e as crenças pessoais do outro. Essas características são determinadas por diversos fatores, inclusive o contexto social e a cultura, tendo a música participação importante nessa formação social. A atração interpessoal gerada pela música faz com que pessoas inseridas em um mesmo contexto sejam induzidas a um mesmo comportamento social, já que (ILARI, 2006, p.193): As formas de utilização e apreciação da música variam de acordo com uma combinação de crenças pessoais e objetivos de excitação, entrelaçados àqueles do grupo social ao qual pertencemos. Além disso, o senso de ‘música apropriada’ depende de fatores culturais e situacionais, uma vez que as respostas, as percepções e os usos da música são comportamentos aprendidos e previamente determinados por membros de um grupo social. E é justamente esse grupo social que acaba definindo as preferências e os gostos musicais de toda uma sociedade, sabendo previamente que a música influencia no aumento ou na diminuição do estado de excitação dos ouvintes e com isso promove a aproximação desses indivíduos. (CROZIER apud ILARI, 2006, p. 197) Merriam (1964, p. 19) afirma que para se compreender a música como produto e estrutura construídos é necessário começar a entender conceitos culturais responsáveis pela produção destas estruturas. Dessa forma, partindo de uma análise antropológica das funções da música em contextos socioculturais, buscar-se-á encontrar aspectos que expliquem a importância da utilização da música em eventos sociais, como por exemplo, em campanhas políticas. Posteriormente, serão estudadas duas funções da música: social e emocional. Com isso, ter-se-á um panorama das funções exercidas pela música em diversas áreas do conhecimento e sua influência em relação aos indivíduos inseridos nos contextos sociais. 3.2.2 Função antropológica Ao se aprofundar o estudo sobre música, depara-se antropologicamente com duas referências distintas apresentadas por Merriam (1964, p. 27); uma relativa aos “usos”, e outra sobre as “funções” da música no campo social e cultural. Para o autor (1964, p. 47), o conceito de “uso” refere-se às situações nas quais a música é empregada na ação humana em conjunto com outras atividades – religião, dança, entre outros – e ocasiona uma pesquisa maior em diversos aspectos das relações e culturas de um povo: Quando falamos do “uso” de música, nos referimos aos meios em que música é empregada na sociedade humana, na prática ou no exercício habitual de suas atividades – sozinha ou em conjuntura com outras atividades. A música […] é usada em certas situações e torna-se parte delas, mas pode ou não ter uma função mais profunda […] Segundo informações, sugere-se que em termos de “usos” a música está presente em todos os aspectos da sociedade, incluindo religião, drama, dança, organização social, economia, estrutura política entre outros aspectos. [tradução livre] Herskovits (apud MERRIAM, 1964, p. 238) salienta que os “usos” da música na sociedade estão divididos em cinco categorias. A primeira, ‘Cultura Material’, está subdividida em outras duas partes: ‘Tecnologia e Economia’, associada às diversas atividades musicais relacionadas com economia e com o desenvolvimento da tecnologia, como por exemplo, a Indústria Cultural. A segunda categoria de usos da música é denominada ‘Instituições Sociais’ e engloba ‘organização social’, ‘Educação e estrutura Política’. Para o autor, estas seriam músicas específicas para cada passo no desenvolvimento do ser humano, por exemplo, as canções de ninar, as músicas de brincadeiras infantis, canções voltadas para adolescentes, músicas para casamentos, entre outras. (MERRIAM, 1964, p. 238) A terceira categoria de Herskovits (apud MERRIAM, 1964, p. 239) compete ao “homem e ao Universo” e é dividida em duas partes, ‘Sistemas de Crença’ e ‘O Controle do Poder’. Segundo o autor, crenças religiosas são geralmente expressadas por meio de músicas e com isso são feitas rezas cantadas e música para ‘louvar o divino’. Em relação ao “controle do Poder”, Herskovits acredita que sejam músicas (mágicas) para curar doenças, invocar espíritos, bruxas, fenômenos sobre-humanos ou outra atividade que requeira uma assistência sobrenatural. A quarta categoria é ‘Estética’, dividida em ‘Gráfica e Artes Plásticas’, ‘Folclore e Música’ (relacionada à dança). A última categoria de Herskovits (apud MERRIAM, 1964, p. 240) é a ‘Linguagem’. Para o autor, não existe outra forma de arte mais influente sobre o ser humano do que a música. Em relação às “funções” da música, seus objetivos referem-se a sua utilização, ao seu propósito, envolvendo objetivos específicos (MERRIAM, 1964, p. 220): O estudo das “funções” da música na sociedade está em um nível diferenciado da pesquisa que envolve questões referentes aos “usos”, pois se concentra a questões mais profundas. Foi sugerida que uma das funções primárias da música é a de cooperar na integração da sociedade, como um processo de interesse contínuo na vida humana; outra sugestão é de que a música é um meio de liberação de tensão psicológica. [tradução livre] Segundo Queiroz (b) (2002, p. 132), é observando o uso da música em seu contexto que se torna possível aumentar o conhecimento “real” de uma manifestação. Em contrapartida, avaliar as suas funções pode ocasionar uma compreensão profunda do significado do fenômeno usado. Com isso, ressalta Merriam (1964, p. 209), os dois conceitos são complementares e aplicados na sociedade de forma conjunta. No entanto, para este estudo, uma compreensão mais profunda por meio de análise das funções da música se apresenta como melhor opção para compreender sua influência social. Para se iniciar um estudo efetivo da “função” da música, recorre-se a um dos conceitos gerais formulados por Nadel (1951, p. 45) que estipula como propriedade da música, um propósito definido, ao passo que sem ela não seria possível uma ação efetiva. Ou seja, inserida em contextos socioculturais, uma das funções da música seria a de exercer efetivamente o papel de meio pelo qual se efetuam as necessidades de uma determinada situação; em outras palavras, a música inserida neste contexto deve responder a um propósito objetivamente definido, ou seja, uma função com propósito. Partindo do princípio de função musical com um propósito, Merriam (1964, p. 87) propôs dez funções da música no contexto cultural e afirmou que estas funções são as mesmas na maioria das culturas e sociedades e que todas existem motivadas por um propósito. São elas: prazer estético; expressão emocional; entretenimento; comunicação; representação simbólica; reação física; conformidade para normas sociais; validação de instituições sociais e rituais religiosos; contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura; contribuição para a integração da sociedade. Cada uma dessas dez funções apresenta um propósito definido dentro da sociedade. Sua importância se deve a partir do estudo que se pretende desenvolver. Para este estudo em questão, relativo a Jingles Políticos como instrumento de Comunicação Política, considera-se que dentre as dez funções, oito se destacam pela importância que desempenham: expressão emocional, entretenimento, comunicação, representação simbólica, conformidade para normas sociais, validação de instituições sociais e rituais religiosos, contribuição para a continuidade e estabilidade da cultura e contribuição para a integração da sociedade. Inserida em um contexto político sociocultural, a música opera como um mecanismo de ‘liberação de emoção’ em relação a um determinado grupo de pessoas de forma conjunta. Outra característica específica relativa à função da música juntamente com a emoção é a de permitir que uma variedade de expressões, idéias e pensamentos, sejam liberados a fim de – possivelmente – resolver conflitos sociais. Para Merriam (1964, p. 89), exemplos de músicas relacionadas com emoção são as de protestos sociais – como forma de expressão em conseqüência da ‘falta de liberdade’ para se manifestar –, outro exemplo são músicas pacificadoras – destinadas a estabilizar conflitos pessoais ou em um grande grupo –, e, por fim, músicas recreativas para minimizar conflitos que não diminuíram com os exemplos anteriores. Em relação à música e ‘Entretenimento’, Merriam (1964, p. 93) afirma que toda sociedade necessita dessa função para se combinar com outras funções, como, por exemplo, relativa à emoção ou à que envolva necessidades de Mercado e de Comércio. A função da música como ‘Comunicação’ reside em um problema de não se saber exatamente o que, de quem e para quem é destinada a informação transmitida pela letra musical e pela melodia. Para Merriam (1964, p. 223), a música não é uma linguagem universal, mas representa a cultura local de onde foi escrita. Inclusive, a função emocional da música só terá fundamento para as pessoas que se identifiquem com o idioma das canções. A função de ‘conformidade com as normas sociais’ é possivelmente a que mais se encaixa nesse estudo sobre Jingles Políticos. Para Merriam, músicas destinadas a exercer um controle social são importantes porque de forma indireta ‘aconselham’ o público a repetir um comportamento adequado ou esperado por aqueles que fazem a música. No caso dos jingles, o eleitor é constantemente aconselhado a enxergar determinada situação de uma maneira, ou a reconhecer o candidato de certa forma ou mesmo a de se ‘sentir’ pertencente a um determinado grupo de pessoas. Em decorrência da função da conformidade das normas sociais, surge a função de ‘contribuição com a continuidade e estabilidade da cultura’. A partir de todas as funções vistas até agora, pode-se entender que uma das funções da música inserida no contexto político sociocultural é a de estabilizar e dar continuidade à cultura vigente, e conseqüentemente, entre todas as funções a principal é a de ‘contribuição e integração da sociedade’. Essa é a função final da música, seja ela de caráter emocional, comunicacional, entretenimento, entre outros. Ela parte do princípio de união do grupo por meio da música, constituindo dessa forma a sociedade. Pode-se concluir que a partir de uma análise antropológica, a música se apresenta inserida na sociedade de duas formas distintas: uma ao se referir a ‘usos’ e outra que se refere a ‘funções’. Para compreender de forma significativa a presença da música nos contextos socioculturais, as dez funções estipuladas por Merriam (1964) clareiam esta pesquisa. Segundo uma visão antropológica das funções da música, é a partir de sua inserção nos contextos socioculturais que se reforçam as normas sociais pretendidas, integrando a sociedade a favor dos ideais estipulados por um determinado grupo. Por meio da Comunicação e do Entretenimento, expressões emocionais são transmitidas contribuindo para a continuação da representação simbólica de um candidato. De forma mais específica ao estudo sobre jingles políticos, as funções de Merriam foram reinterpretadas por Hargreaves e North (1997), que propõem duas funções psicológicas principais para o indivíduo: social e emocional. 3.2.2. Função social Segundo Max Weber (1995, p. 01), toda ação social está sujeita a uma dinâmica própria de cunho cultural. Com isso, manifestações culturais passam a ser vistas como encenação de determinada prática social e além dos aspectos simbólicos e dos teores comunicativos, dá-se importância ao processo cultural incluindo seus parâmetros de contexto, forma e gêneros. A atividade musical – integrante de uma cultura – é vivida no contexto social e histórico, em uma dimensão coletiva em que recebe significações que são partilhadas socialmente e sentidos que são tecidos a partir dos significados compartilhados. Partindo do pressuposto de que a música se constrói pela ação do sujeito em relação direta com o seu contexto histórico-cultural, entendemos o sujeito como constituído e constituinte do contexto ao qual está inserido (WAZLAWICK et al, 2007, p. 103). Como afirma Zanella (1999, p. 153), “todo indivíduo enquanto ser social insere-se, desde o momento em que nasce, em um contexto cultural, apropriando-se dele e modificando-o ativamente, ao mesmo tempo em que por ele é modificado”. Partindo deste princípio, as manifestações culturais são derivadas dessa atividade humana de apropriação e modificação do contexto social, assim como as características do próprio sujeito, que são constituídas de forma social e histórica. Com isso, as atividades culturais contribuem para a constituição do sujeito configurando em uma dinâmica entre contextos sociais, linguagem, cultura, atividade, emoção, sentimentos e o próprio sujeito. Essa é a definição do primeiro domínio estipulado por Hargreave e North (1999, p. 75), relativo à função social da música: o desenvolvimento da identidade social. Por meio da atividade musical o indivíduo desenvolve uma consciência relativa a si próprio e ao seu ambiente, permitindo que haja uma interação entre seus semelhantes. Assim, passa-se para o segundo domínio estipulado pelos autores: o estabelecimento de relações interpessoais. Nesta perspectiva, salienta Wazlawick (2007, p. 110), é preciso atentar para os aspectos “que permitem compreender que a música tem significado para cada pessoa na medida em que se vincula à experiência vivida, passada ou presente, [...] quando proporciona articular o vivido junto aos sentimentos e emoções à própria música”. Em relação à função social do significado musical, Martin (1995, p. 57) salienta que os significados da música “não são nem inerentes nem reconhecidos intuitivamente, mas emergem e tornam-se estabelecidos como uma conseqüência das atividades de grupos de pessoas e contextos culturais particulares”. Portanto, as pessoas, em grupos, em relações – de acordo com os contextos históricos, pessoais e culturais – atribuem e constroem significados a partir de suas vivências e experiências. Segundo Martin (1995, p. 59), “são os sujeitos, como os seres humanos criadores e sociais, que dotam as coisas – e neste caso, também os sons e a música – de significados, em um processo no qual a construção da realidade acontece nos níveis coletivo e individual”. A música, dessa forma, carrega um significado social tanto por estar em relação com o contexto social quanto em possibilitar aos sujeitos a construção de múltiplos sentidos singulares e coletivos. Segundo Maheirie (2003, p. 150): O sentido da música (...) é sempre permeado pela afetividade. Em primeiro lugar, percebemos sua sonoridade, depois degradamos um saber anterior que tenha uma relação com os elementos percebidos deste som para, em seguida, transformarmos este saber e constituirmos um sentido àquela música. Posteriormente, estabelecemos, de forma singular, um significado para a música, compactuando ou não com seu significado coletivo. As características daquela sonoridade surgem como um complexo representativo que aparece determinado pela consciência afetiva, a qual, por sua vez, lhes dá nova significação. Essa consciência afetiva pode ser entendida como as emoções e os sentimentos do indivíduo, que interagem na atividade humana (juntamente com o pensar e agir) configurando na “construção dos significados singulares da música, de acordo com a sua própria reflexão acerca de si e de suas experiências”. (Wazlawick, 2007, p. 110) Para Wazlawick (2007, p. 111), a música, ao despertar a afetividade, constrói a forma como o sujeito significa o mundo que o cerca. Ou seja: É de modo emocionado que o sujeito constrói os significados da música, em sua vivência, a partir de seus sentidos, objetivando sua subjetividade, tornando-a ‘audível’ para ele e para os outros. Os significados e sentidos ressoam nas vivências do sujeito e são construídos na sua relação com a música. Estes significados partem das vivências afetivas do sujeito, demonstrando a utilização viva da música, uma vez que mudam, desconstroem-se e são recriados, porque também são constituídos pelos sentidos, ligados ao uso da música de modo idiossincrático e em relação. O terceiro e último domínio estipulado por Hargreaves e North (1999) relativo à função social da música em contextos culturais é a regulamentação do humor. Consoante Crozier (1999, p. 74), a música contribui na influência social em virtude de sua capacidade de induzir afeto. Sua importância se deve aos processos determinados na relação entre música e afeto como tomada de decisão, formação de uma primeira impressão, formação de julgamentos relativos a membros de um mesmo grupo, mensagens persuasivas, entre outros. No que refere à regulamentação do humor e dos estados emocionais, Bruner (apud CROZIER, 1999, p. 75) acredita que diferentes tipos de músicas induzem a diferentes tipos de humor, dependendo da contextualização social em que o indivíduo se encontra no momento. Segundo pesquisas realizadas pelo autor pode ser constatado que (apud CROIZER,1999, p. 75): A excitação é produzida por músicas que possuem modulação alta e rápida, com uma entonação média, ritmo desigual, harmonia dissonante e volume alto. A sensação de tranqüilidade é produzida por músicas que possuem modulação alta, ritmo fluente, entonação média, harmonia consoante e volume ‘calmo’. Felicidade é induzida a partir de modulação alta, com alta modulação, com um ritmo fluente, harmonia consoante e volume médio. Música séria é composta de modulação alta, com entonação baixa e monódica, ritmo lento, harmonia consoante e volume médio. A tristeza é produzida em modulação baixa, baixo tempo, entonação monódica, com ritmo fixo e harmonia dissonante. Crozier (1999, p. 77), salienta que a regulamentação do humor é apenas mais uma ferramenta utilizada com o propósito de induzir o afeto. Para o autor, é com o ritmo e o tempo que se estimula o ouvinte, provocando a regulamentação do humor e influenciando o seu comportamento. A partir dos três domínios estipulados por Hargreaves e North (1999), é possível compreender que inserida no contexto social, a música ajuda na formação da identidade do indivíduo, assim como no desenvolvimento das suas relações interpessoais. No que se refere à regulamentação do humor, é pela da indução de afeto que se modifica o comportamento de um grupo de pessoas. 3.2.3 Função emocional Por ser uma forma de comportamento humano, a música tem a capacidade de exercer uma influência única e poderosa sobre o indivíduo. Seja qual for o seu propósito – de alegria, tristeza, exaltação cívica, recolhimento, religioso –, a música se relaciona com o seu criador, o homem, de forma mágica. Segundo Ingeñieros (apud LEINING, 1977, p. 21), nascida da mente e das emoções do homem, a música “não cria coisa alguma, mas sim intensifica como se fosse um ressoador que reforçasse, em cada indivíduo, aquilo que já existe nele”. E conclui que a música pode tanto despertar o mais nobre sentimento, alterar o humor, acalmar e modificar a conduta, entre outros, como induzir a estados hipnóticos. Assim como foi exposta anteriormente (MERRIAM, 1964) com o poder de intensificar o sentimento no indivíduo, a música evoluiu inicialmente para fortalecer laços entre a comunidade e como forma de resolver conflitos. Para Jourdain (1998, p. 389), da mesma forma que os seres humanos desenvolveram a linguagem – com uma modulação para cada palavra – é inevitável que expressões formais de emoção, aos poucos, fossem fundindo-se em algo semelhante a uma melodia, de forma que “se a música surgiu para fortalecer laços sociais e resolver conflitos, ela deve sua existência às emoções. Porque é exercitando ou aplacando emoções que se estabelece relação com outros seres humanos. De alguma forma, a música corporifica emoção”. Dessa forma, a emoção pode ser considerada a característica mais comum encontrada na atividade musical, sendo esta definida por um processo de transmissão de uma espécie de ‘sentido’ para uma outra pessoa, mesmo que em um primeiro momento, opiniões diversas não saibam exatamente quem está e o que está sendo transmitido pela música. (JUSLIN, 2005, p. 32) De acordo com Johnson-Laird, “comunicação” significa uma mensagem a ser transmitida, mais especificamente, uma criação interna de representações de determinados aspectos do mundo, adicionados a estados emocionais, carregados de intenção comportamental transmitidos pelo conteúdo da representação. (apud JUSLIN, 2005, p. 32) Aplicado à música, a comunicação leva a outro fator: a expressão musical. Segundo Juslin (2005, p. 35) o domínio da expressão depende da mente do ouvinte, ou seja, da sua resposta psicológica na relação entre as propriedades objetivas da música e as propriedades subjetivas da expressão. Essa expressão é composta de diversos fatores complexos, geralmente de situações vivenciadas cotidianamente, e para o autor é essa expressão musical que provoca emoção no ouvinte. O conceito de emoção diversifica de autor para autor, porém, para este estudo, será utilizada a abordagem de Jourdain (1998) e de Leining (1977) na análise na relação entre música, emoção e indivíduo. Conforme Jourdain (1998, p.393), atualmente a emoção é vista como um elemento decisivo para o raciocínio, noção que desafia as antigas idéias de emoção como algo “irracional” e se baseia na “teoria da discrepância”, que o autor define da seguinte maneira: Você estende a mão para pegar uma nota de dez dólares em sua carteira primeiro prevendo sua existência e, depois, movendo a mão em sua direção. Mas as previsões nem sempre se realizam. Talvez você verifique que a nota de dez dólares não está lá e fique aborrecido, ou mesmo furioso. Ou pode descobrir que tem muito mais dinheiro do que pensava e ficará satisfeito ou até exultante. O estado neutro no qual você acha a prevista nota de dez dólares não causa nenhuma reação particular e é um simples exemplo de motivação satisfeita. Mas os outros dois casos provocam uma forte reação, porque houve uma acentuada discrepância entre a previsão e a realidade. Infere-se da citação do autor que a “emoção” é um caso especial de motivação, no sentido em que se realiza planos prevendo os resultados e buscando satisfazer as previsões. Acredita-se que essas discrepâncias sejam a base da emoção, especialmente na música – já que ela cria previsões e depois as satisfaz – ao mesmo tempo em que se empenha para violar expectativas criadas para si. Leining (1977, p. 22) entende que emoção seja “reações dinâmicas a certas experiências que necessitam de uma saída para que se possa haver um equilíbrio”, já que a possível inibição ou a repressão está entre os fatores de desordens mentais. Para a autora, a música satisfaz as necessidades de equilíbrio por meio de expressão, trazendo à consciência emoções profundamente assentadas, proporcionando dessa forma uma via de descarga emocional. E é justamente por meio desse efeito catártico que surge a possibilidade de devolver ao homem o seu estado harmonioso, ajudando a explorar seu inconsciente mediante um processo psicológico profundo, extraindo dessa forma, experiências subjetivas e estabelecendo um equilíbrio pessoal. Para os autores, a música permite que seja realizada uma ação de satisfação que proporcione a emoção – seja criando previsões e depois a satisfazendo, seja por reações a certas experiências com a intenção de buscar o equilíbrio pessoal. Partindo do conceito de emoção, Sloboda (1991, p. 01) afirma que a capacidade de suscitar emoções é a razão pelo qual se participa de atividades musicais, como ouvir, cantar, tocar ou mesmo conduzir/dirigir. Para o autor, se os fatores emocionais são fundamentais para a existência da música, a questão principal para a investigação psicológica em música é o modo como a música é capaz de influenciar pessoas. Para que se possa investigar de que forma a música é capaz de influenciar as pessoas, partir-se-á de uma concepção inicial sobre a relação entre os aliados ‘emoção, prazer e êxtase’ de Jourdain, seguindo-se com uma análise mais profunda do indivíduo – e sua relação com a música – com as concepções sobre ‘personalidade’ de Leining e os aspectos psicológicos capazes de influenciar o comportamento do indivíduo. 3.2.3.1 Emoção, Prazer e Êxtase Assim como foi apresentado no início desta discussão, reage-se aos fatos diários a partir do entendimento da ‘Teoria da Discrepância’, buscando satisfazer previsões ao tempo em que procura se surpreender com o inesperado. Para Jourdain (1998, p. 392), essas discrepâncias são a base da emoção, já que para o ser humano não existe uma ‘emoção neutra’, sendo as emoções negativas ou positivas. São negativas quando a experiência não corresponde à previsão, ao inverso que ocorrem emoções positivas quando a experiência supera a previsão. A partir destes princípios, a música gera emoção no momento em que ela cria previsões e depois as satisfaz (JOURDAIN, 1998, p. 393): Quando a música se empenha em violar expectativas que ela própria cria, nós a chamamos de ‘expressiva’. Os músicos sopram ‘sentimentos’ numa peça introduzindo minúsculos desvios no timing e na altura. E os compositores introduzem expressão em suas composições violando intencionalmente as previsões que criaram. Partindo a emoção gerada pela discrepância, chega-se ao prazer que ela proporciona. É necessário ter consciência de que de uma forma ou outra - todos buscam prazer em algum tipo de música, rejeitando a música que não o proporciona. Uma forma de se entender o prazer de qualquer tipo é por meio da satisfação das previsões. Quando previsões na música são cumpridas, experimenta-se o prazer. Quando uma composição desperta previsões ‘fortes’, de longo alcance, um intenso prazer acompanha a sua realização. Em comparação, quando há fracas antecipações geradas por uma composição simples, dificilmente chega-se a comover o ouvinte. Segundo Jourdain (1998, p. 401), o que é mais contraditório é que o prazer mais profundo de uma música vem de desvios do esperado: Dissonâncias, sincopações, torceduras no contorno melódico, repentinos estrondos e silêncios. Não é contraditório? Não, se os desvios servem para estabelecer uma resolução ainda mais forte. [...] Música bem escrita não se apressa nem um pouco em satisfazer previsões. Ela arrelia, instigando, repetidamente, uma previsão e sugerindo sua satisfação, algumas vezes precipitando-se em direção a uma resolução, mas recuando, depois com uma falsa cadência. Quando, afinal, ela se entrega, são postos em ação, ao mesmo tempo, todos os recursos da harmonia e do ritmo, do timbre e da dinâmica. A arte de escrever esse tipo de música não consiste tanto em elaborar resoluções, mas sim em incrementar as previsões até níveis extraordinários. Acredita-se que essas previsões tenham originalmente surgido de regras da Gestalt2 e de um vocabulário de dispositivos melódicos adquiridos culturalmente. No entanto, essas previsões são aprendidas quando se leva a música para as próprias situações da vida, fazendo dela o que quiser, tanto positivamente quanto negativamente. Ou seja, o significado “real” que se sente não está na música como tal, mas em nossas reações ao mundo, reações que são carregadas sempre conosco. A música neste ponto serve para aperfeiçoar essas reações, tornando-as belas. Com isso, a música confere “dignidade a experiências que, com freqüência, estão longe de serem dignas. E, conferindo prazer até mesmo a emoções negativas, a música serve para justificar sofrimentos grandes e pequenos, garantindo-nos que tudo não foi a troco de nada”. (JOURDAIN, 1998, p. 405) O êxtase, por sua vez, pode ser entendido como a forma mais extrema de prazer ocorrendo de forma interna no indivíduo. A música, por ser a arte mais imediata de todas, pode ser considerada como a mais extasiante, além disso, “quando estamos mergulhados na música precisamos fazer um esforço para resistir à sua influência. É como se algum ‘outro’ entrasse não apenas em nossos corpos, mas também em nossas intenções, tomando conta de nós”. (JOURDAIN, 1998, p. 405) Na fase de êxtase, a música atinge o sistema nervoso fazendo com que o cérebro gere uma torrente de antecipações (previsões na fase de ‘prazer’) por intermédio das quais entende-se a melodia, a harmonia, ritmo e forma. Por meio dessas antecipações, a música busca atingir níveis profundos de intenção com o objetivo de dominar o indivíduo. 2 A Psicologia da Gestalt é uma das tendências teóricas mais coerentes e coesas da história da Psicologia. Por ser um termo em alemão de difícil tradução para o português, o termo mais próximo seria forma ou configuração. A Gestalt encontra em fenômenos como da percepção as condições necessárias para a compreensão do comportamento humano e a maneira como são percebidos determinados estímulos que influenciam diretamente o comportamento individual 3.2.3.2 Personalidade Individual A personalidade é composta de caracteres resultantes da integração dos fatores psicológicos como inteligência, afetividade, impulsividade e vontade, e fatores biológicos como a fisiologia e a morfologia, que diferenciam cada indivíduo. Para a psicologia atual, o conceito de personalidade é visto como uma unidade de interpenetração dos elementos que a compõem, não apenas de simples somatória entre eles, visto que as características se influenciam reciprocamente, reagindo umas sobre as outras. (LEINING, 1977) Segundo Leining (1977, p. 20), há três ângulos pelos quais a personalidade individual deve ser apreciada: pelo Temperamento – essência inata (id); pelo Caráter – demonstração de temperamento pela conduta (ego); e a Inteligência – característica repressiva no indivíduo (superego): Três são os ângulos pelos quais a personalidade poderá ser apreciada: Temperamento, com seu substratum, sua essência inata, genotípica, instintiva, impulsiva, o id dos psicanalistas; Caráter, que é a manifestação do temperamento na conduta, o comportamento da personalidade em contacto com o meio, sua adaptação ou desajustamento. O caráter exerce uma ação modificadora sobre as tendências impulsivas, na sua busca de adaptação que pode fracassar num desajustamento. É o ego dos freudianos; Inteligência, que além de ser freio intelectual dos impulsos (função repressiva) tem ainda a missão de ajustar a personalidade ante situações novas a fim de evitar conflitos de ordem afetiva. O caráter é o complexo conjunto formado pelos instintos, sentimentos, paixões, impulsos e inibições que exteriorizam ou não os seus propósitos, os atos mais geralmente nas atitudes positivas ou negativas. Embora apresente um certo grau de estabilidade o caráter não é necessariamente inato, irredutível. Para Freud (apud Leining, 1977, p. 22), um dos mais importantes princípios da psicanálise é o da tripartição da personalidade adulta. Segundo ele, a individualidade adulta é uma síntese circunstancial e mutável de três forças. A primeira força diz respeito àquilo que “provém diretamente do fundo orgânico e que se apresenta em forma de pulsos ou tendências primárias de reações e obediências” a duas outras classes de instintos: “os de natureza destrutiva, chamados instintos tânicos ou instintos de morte; e os instintos criadores ou vitais”. Essas forças se constituem na “essência mais profunda da atividade pessoal; o seu conjunto integra a parte a que os freudianos dão o nome de ID”. (LEINING, 1977, p. 23) Segundo Leining (Idem), “quando a música atua sobre o ID, poderá despertar ou expressar instintos primitivos e ajudar a sua manifestação, principalmente se ela for de predominância rítmica, sem limite de forma e repetitiva”. A segunda força que Freud distingue como núcleo energético é o Ego, cuja derivação surge de experiências e da educação como conseqüência de um processo corretivo e modelador (apud LEINING, 1977, p. 23): Esse nível de personalidade diz respeito ao caráter, que vem a ser a manifestação do temperamento, na conduta, no comportamento ou no desajustamento. O caráter exerce uma ação modificadora sobre as tendências impulsivas, enquanto busca a sua adaptação que pode também, fracassar num desajustamento. Nesse nível, a música pode auxiliar a afirmação do Eu, contribuindo para a formação de um caráter sadio. É na escola que a música melhor desempenha essa função de formação de caráter por meio do desenvolvimento de valores como o senso de responsabilidade, pontualidade, coesão, disciplina, interação social, amor à Pátria e às tradições. A terceira e última força da personalidade é o Superego, considerado como a consciência do homem e responsável em ditar ao Ego o que ele deve ou não fazer. Para Leining (1977, p. 24): Enquanto o Id é afetado pela música num nível biológico, instinto, o Superego o é, no mais alto nível cultural e social. [...] No nível do Superego a música atua como meio de sublimar as emoções, satisfazer o desejo de perfeição através de experiências estéticas e espirituais muito nobres. Depreende-se, pois, que a música pode expressar toda gama de experiências do homem pela sua relação com os três níveis de personalidade. Com isso, é possível entender que as emoções são produtos de todo o estado psíquico e das funções psicofísicas do indivíduo e por ser um ato primário, terá uma resposta quase automática dos centros afetados por um estímulo sonoro. No entanto, não é um ato estático. Para que ocorra, é necessário que o estímulo seja mais demorado e que as respostas sejam organizadas em formas artísticas. A descarga emocional é algo que o homem compartilha com os animais, porém, ao homem é dada a faculdade de organizar suas reações, selecionando os meios para exteriorizá-las. É por meio do desenvolvimento de um ato expressivo – não espontâneo nem automático – que a emoção opera como um imã que extrai o material apropriado, devido a uma afinidade emocional experimentada como o estado de ânimo que está em processo. Para Leining (1977, p. 25), a reação afetiva referente à música depende de fatores como a vivência, valores e inclinações, já que é pelos valores adquiridos e pela interação social que se responde emotivamente à música: O papel da emoção não seria tanto o de estar presente na experiência musical, mas sim como o de selecionar o material e as formas. A reação afetiva frente à música, depende também, de outros fatores; para que se produza é preciso que a vivência estética tenha plena ressonância no âmago da personalidade. Entra aí, em jogo, todo um sistema ou complexo de valores, apetências e inclinações, que em resumo pode-se dizer que é o que constitui a estrutura de nosso ser. Como esses valores são impostos ao homem pela sua formação espiritual, pela sociedade em que vive e pela atmosfera cultural em que se move, os sentimentos, suscitados pela música dependerão, em alto grau, não só de suas condições pessoais, mas também das respostas a impulsos de caráter social coletivo, os quais estão determinados, como já foi dito, não só pelo seu nível cultural, como também pelo ambiente e meio social em que vive. A formação da personalidade de um indivíduo inicia-se a partir de sua inserção no contexto sociocultural, influenciando e sendo influenciado por seu meio. Desde a infância, o indivíduo aprende valores que serão decisivos para a formação do seu caráter e gosto pessoal. Aprende a prever situações permitindo que se prepare para as conseqüências. Isso acaba condicionando o indivíduo a assimilar a possibilidade de se obter ‘prazer’ partindo da satisfação das previsões. A partir desse pressuposto, a música está presente no contexto social, influenciando os valores do indivíduo. Os gostos musicais da fase jovem-adulta do indivíduo geralmente definem os gostos culturais que serão apreciados pelo resto da sua vida e justamente ocorrem neste momento, pois é quando está sendo definido o caráter de alguém. A partir de derivações de experiências e da educação, o indivíduo modela seu temperamento e conduta em relação à vida. Dessa forma, pode-se concluir que a reação afetiva derivada de uma música dependerá da formação do caráter do indivíduo, tanto pessoal quanto interpessoal e da satisfação das previsões formuladas por ele. 3.3 AÇÃO SINESTÉSICA E TEORIA DOS AFETOS Partindo de uma breve abordagem multidisciplinar com fundamentos em áreas diferentes do conhecimento humano como a antropologia, psicologia e sociologia, foi possível compreender que a música se apresenta como construtora da identidade social e individual, influenciando nossas emoções. Através da experiência musical se educa a forma de ouvir e de se relacionar com outros indivíduos, além de influenciar contextos sociais e a criação de uma identidade social e individual. No entanto, para compreender de que forma isso ocorre no indivíduo, recorrese ao estudo da sinestesia como parte fundamental deste processo político, uma vez que suas características e áreas de estudo envolvidas se apresentam como uma forma possível para explicar a relação entre jingle político/ música e emoção/ persuasão eleitoral. Suas implicações se referem diretamente aos aspectos da percepção, das relações entre razão e emoção, à natureza da realidade, da questão da natureza da consciência e de como as informações são inferidas pela percepção e outras estruturas cognitivas, resultando em uma “imagem consciente” mais ou menos coerente da realidade. (BASBAUM, 2002, p. 12) A partir do entendimento sobre sinestesia, apresenta-se a tabela-chave que demonstra a classificação do intervalo melódico e os seus respectivos sinônimos nos sentimentos humanos. A análise melódica dos jingles políticos será feita com base nessa tabela. Dessa forma, busca-se apresentar o fenômeno sinestesia assim como suas implicações no que concerne à música. Por último será apresentado o conceito de Teoria dos Afetos e de sua importância na composição melódica. Para Becker (2005, p. 68), a sinestesia é um dos mais importantes aspectos da performance musical e combinado a um propósito (religioso, político, artístico) contribui para estados avançados de emoção. Para a autora, a ‘felicidade’ é a emoção mais freqüente resultante do processo sinestésico. Isso porque, sente-se melhor quando se é musicalmente estimulado e excitado, sendo a sinestesia uma das melhores formas para se chegar a um estado alterado de consciência. A origem da palavra é grega e significa a reunião de múltiplas sensações (sin + aisthesis). Desde o princípio, seu conceito se fundamentou na inter-relação de todos os sentidos, com a estimulação de um órgão sensitivo pela estimulação de um outro. Para Basbaum (2002, p.19), trata-se se uma experiência de caráter pessoal, subjetiva, de forma que o indivíduo tem uma sensação vinculada a um determinado sentido, provocado por um estímulo dirigido a um sentido diverso. O conceito pitagórico da “Música das Esferas” foi a primeira aproximação da idéia de sinestesia na cultura ocidental, de forma que Moritz (1986, p. 297) expôs a relação entre sinestesia e “Música das Esferas” da seguinte maneira: Pitágoras considerava que a música das esferas implicava fusão cósmica: o universo incorpora uma harmonia geométrica divina que é refletida em todos os fenômenos naturais, tanto no microcosmo quanto no macrocosmo. As harmonias das órbitas celestes são paralelas à aparente irregularidade das formas de vida na Terra. As bases destas correspondências são vibrações matematicamente precisas, que se manifestam como luz, som, fragrâncias e outros estímulos sensuais. A fusão das percepções destes ‘inputs’ sensoriais aparentemente diversos constitui a sinestesia, que Pitágoras considerava o maior dos dons filosóficos e das conquistas espirituais, porque finalmente conciliava o mundo ilusório quotidiano com o mundo autêntico dos conceitos abstratos, duradouros e universais. Conhecido pela medicina há 300 anos, foi estudado por diversos cientistas, artistas e pensadores como Aristóteles, Ptolomeu e Leonardo Da Vinci. Historicamente, no período entre 1860 e 1930, a sinestesia atraiu a atenção na arte, na música, na literatura, na lingüística, na filosofia natural e na teosofia. É como se o fenômeno tivesse sido finalmente descoberto. Entretanto, após 1930, o tema ‘desaparece’ da agenda de pesquisa científica: Surpreendentemente, a sinestesia tem sido conhecida pela medicina por cerca de 300 anos. Após um pico de interesse entre 1860 e 1930, foi esquecida, permanecendo inexplicada não por falta de tentativas, mas simplesmente porque a psicologia e a neurologia eram ciências prematuras. A teoria psicológica estava amarrada em associações, e os conceitos do tecido nervoso eram ainda insignificantes. Justamente quando os conceitos tornaram-se reconhecidamente moderno, o behaviourismo apareceu com restrições tão draconianas que mesmo o reconhecimento da existência de uma vida interior foi tabu por um longo período. (CYTOWIC, 1997, p. 20) Para Grossenbacher (1997, p. 68), embora existisse um certo ceticismo em relação à realidade ou não do fenômeno sinestesia, dado seu caráter subjetivo, no mesmo período outros fenômenos psiquiátricos considerados “legítimos” – como alucinações e ilusões – foram trabalhados sobre dados obtidos de relatos subjetivos. A partir da década de 1970, o estudo sobre o fenômeno voltou a fazer parte da agenda acadêmica devido a um novo ponto de vista fundamentado no estudo da neurologia, cognição e percepção. Especificamente, a sinestesia do final do século passado enfatizava a primazia da emoção sobre a razão, sendo que esse novo conceito implicava mudanças em diversos campos do comportamento humano. A principal mudança do novo conceito era a revisão relativa ao conceito de emoção. Por séculos a emoção foi vista como algo primitivo e a razão como algo superior e desenvolvida. Para Cytowic (1993, p. 29), a emoção tem sua própria lógica e deve ser entendida por seus próprios termos. Por meio de um estímulo sensorial é possível que ela modifique o metabolismo cerebral. Segundo Cytowic (1997, p. 30), a emoção desempenha um papel decisivo na forma em como se age ou se pensa sendo a consciência um “tipo de emoção”. A organização do cérebro leva em conta o volume de transmissão e de sistemas distribuídos se concretizando em uma dinâmica não-linear. Neste aspecto, a emoção se apresenta como a principal força que guia os pensamentos e atos, trabalhando como uma válvula regulando as informações que interagem com a corrente nervosa e conseqüentemente com o corpo. Contudo, a sinestesia não é feita apenas de emoção já que a memória participa como peça fundamental neste fenômeno. Neste caso, é a capacidade de relembrar estímulos sonoros apreendidos no passado sendo entendida como um ‘processo criativo’ atuante no metabolismo cerebral. No momento em que a memória é acionada por meio da audição de uma música, há um reconhecimento de estímulos e significados apreendidos ao longo da vida. Compreende-se que a emoção gerada pela audição musical, que por sua vez manifesta-se por um esquema de reações que ocorrem nos tecidos nervosos e faz parte da fonte física da emoção, promove respostas fisiológicas e psicológicas ao ouvinte. Segundo Sekeff (2007, p. 61): o som, fenômeno físico/acústico, matéria da música, afeta o sistema nervoso autônomo, base da reação emocional, e as respostas fisiológicas que suscita são diretamente ligadas às vibrações sonoras, ao passo que as reações psicológicas são diretamente ligadas às relações sonoras, facultando associação, evocação e integração de experiências. Para que isso seja possível, todavia, a música deve apresentar uma característica importante, a indução. Em razão de seus elementos constitutivos – como ritmo, melodia, harmonia e timbre – a música é capaz de induzir atividades motoras, afetivas e intelectuais. Além disso, com seus parâmetros formadores – duração, altura, densidade, intensidade e textura – induz movimentos sintáticos e relacionais, cooperando para que o receptor responda afetiva, intelectual e corporalmente a esses elementos. Sendo assim, no exercício da escuta, quando se ouve o discurso musical, ouve-se também a nós mesmos em razão da “lacunosidade de um jogo que, mesmo organicamente elaborado, é marcado por características psicológicas de indução”. (SEKEFF, 2007, p. 26) Para a autora (2007, p.32), o conceito de indução se encaixa na qualidade de comunicação que a música promove ao interligar o nosso sistema psicomotor resultando na expressão emocional. Isso significa dizer que: Os movimentos musicais têm analogia com movimentos afetivos, com sentimento; sabendo que a música mexe com nosso tempo, espaço e movimento psíquicos, e que estimulando essa dimensão afetiva ela acaba por facultar associação, evocação e integração de experiências, entendese quão rica é sua natureza psicológica. Composta de combinações de sons que adquirem uma lógica intelectual e uma significação psicológica, a música acaba por determinar uma ação direta sobre o ouvinte. Isso a torna capaz de induzir movimentos e de associar a estados psíquicos nos quais o espaço e tempo desaparecem envolvendo em um efeito direto sobre o ouvinte, como por exemplo, o êxtase. Segundo Miner (apud FRAISSE, 1976, p. 70): “La impresión de ritmo o la sensación (feeling) de grupo en conexión con una serie de estimulos nace de la presencia comcomitante en la conciencia de una onda de sensaciones cinestésicas debida ora a un movimiento, ora a una tensión de los músculos”. A palavra-chave da relação entre sinestesia, música e emoção é indução. Para que a música aja sinestesicamente no ouvinte provocando uma resposta emocional que o leve à ação é necessário que o compositor busque determinados sons para formatar uma melodia específica para o seu público-alvo. Segundo Schafer (1986, p. 30), “a sucessão particular de sons que o compositor escolhe – sua tessitura, dinâmica, instrumentação – tudo isso dá um certo caráter à melodia e, por sua vez, obtém uma certa resposta emocional do ouvinte”. O que faz diferença na composição é a intenção do compositor e de que forma ele consegue induzir seu público por meio dos sons. As discussões a respeito do que a música é capaz de expressar iniciaram no século XVII a partir da Teoria dos Afetos. Surgida no auge do período Barroco, esta teoria definiu as regras a serem utilizadas para a composição vocal, influindo nas técnicas de composição das óperas deste período. Conceitualmente, a música era considerada uma arte imitativa e o objeto de imitação eram as emoções ou na termologia da época, os afetos. Esse conceito era fundamentado nas idéias psicológicas de Descartes, expressas em sua obra de 1649 “Paixões da alma”, de forma que a emoção era concebida não como um fluxo contínuo ou um estado de espírito subjetivo e variável, mas sim como um fenômeno objetivo, compacto e homogêneo. Dessa forma, a música que retratava determinada emoção deveria ter estas mesmas características. O teórico que criou a Teoria dos Afetos foi o compositor Johann Mattheson (1681-1764) com sua obra “O Perfeito Mestre da Capela”. Publicada em 1739, baseava-se na suposta analogia entre música e a palavra, estabelecendo uma série de convenções melódicas das quais destaca-se aquela que imita a cada ária e expressão de um único sentimento, seja ele de alegria, tristeza, ciúme ou raiva. Para Mattheson (apud Mersiovsky, 2003) a finalidade da música constitui-se em despertar e acalmar os afetos. Para sua descrição seriam usadas figuras retórico-musicais, tais como: intervalos, ritmos, andamentos, dinâmicas, características das tonalidades, ornamentos e outras, comprovadamente portadoras dos afetos propagados nos séculos XVII e XVIII. A doutrina dos afetos exige a presença do afeto em si como conteúdo na peça musical, sendo eles expressões gerais, separados entre alegres ou tristes. Em oposição ao conceito de Mattheson, Hanslick (1989, p. 35) afirma que seria necessário comprovar a capacidade da música em representar um sentimento determinado. O autor considera que não, “já que a precisão dos sentimentos não pode ser dissociada de representações concretas e de conceitos, e estes se encontram fora do domínio da música”. Para o autor (apud HANSLICK, 1989, p.35), a música seria, no entanto, capaz de representar idéias que se relacionam de imediato com variações acústicas de movimento, de subida e descida, de acelerar e retardar entre outras. Com isso, o compositor expressaria apenas idéias puramente musicais, de forma dinâmica e delimitada, sem que a música pudesse ser considerada uma forma de linguagem. Apesar das observações de Hanslick, Schafer acredita que o compositor usa valores básicos na construção da composição e que esses valores produzem significado para o ouvinte. Para Schafer (1986, p.45): O compositor usa valores básicos para criar uma composição com um caráter específico. Esses valores têm o poder de afetar o ouvinte de maneiras diferentes. O papel do compositor é usar esses materiais para produzir algo com significado e movimento. Às vezes um compositor escolhe se restringir a alguns desses valores básicos. Outro autor que divide da mesma opinião com Schafer é Guiraud-Caladou (apud Schaffer, p. 67). Para ele, a música não se reduz apenas à forma, revelando algo que se elabora para o ouvinte no momento da audição, traduzindo “o ambiente sociocultural do compositor e o sentimento vivenciado por cada um”. Neste aspecto, a influência da cultura e do social se faz sentir, não só no compositor, mas também na forma em que cada ouvinte decodifica e atribui sentido à música. Sendo assim, a importância da influência cultural e social na composição musical reflete diretamente no ouvinte. Ao utilizar determinados valores básicos – assim denominados por Schafer – o compositor transmite por meio da linguagem musical valores e busca com a composição, respostas emocionais dos ouvintes. Com o propósito de analisar a estrutura da melodia e sua junção com a letra do jingle político, apresenta-se abaixo a tabela a ser utilizada como base teórica para os objetivos desta pesquisa. Formatadas no século XVI por Mattheson, as relações entre contornos melódicos e sentimentos humanos tiveram uma pequena modificação a partir da inovação dos instrumentos musicais e do avanço da própria música. No entanto, essas modificações não chegam a alterar de forma substancial a tabela atual. Descrito por Ansaldi (1999, p. 120), o intervalo melódico e seu sinônimo nos sentimentos humanos segundo a classificação em ordem: interpretação sensorial, afetividade e racionalidade. Também está inserida na tabela a interpretação visual que será trabalhada no próximo capítulo. INTERPRETAÇÃO VISUAL DO INTERVALO 0 - Não possui intervalo entre sons; 1 - A distância entre um semitom entre os sons; 2 – A distância de dois semitons entre os sons; 3 – A distância de três semitons entre os sons; 4 - A distância de quatro semitons entre os sons; 5 - A distância de cinco semitons entre os sons 6 – A distância de seis semitons entre os sons; 7 – A distância de sete semitons entre os sons; 8 – A distância de oito semitons entre os sons; 9 - A distância de nove semitons entre os sons; 10 - A distância de dez semitons entre os sons; 11 – A distância de onze semitons entre os sons; 12 – A distância de doze semitons entre os sons; AFETIVIDADE RACIONALIDADE Vontade Insistência Medo Timidez Desejo Pergunta Tristeza Lamentação Alegria Esperança Forte Afirmação Raiva/Desdém Reivindicação Amor Certeza Dor/Castigo Preocupação Expansão Satisfação Exaltação Lírico Maldade Orgulho Coragem Heroísmo (Tradução de Silvia Thais De Poli) Aprende-se desde a infância a reconhecer a música como linguagem e seu sinônimo nas emoções humanas. A partir do momento em que se relacionam situações a tons musicais somos influenciados pelas escolhas nas composições melódicas. Com o poder de induzir por meio da composição, o compositor transmite sua mensagem ao ouvinte que interpreta conforme sua bagagem histórica. Na interpretação, a escala de tons determinada pelo artista atua de forma sinestésica na percepção cooperando para uma resposta emocional à melodia. Por meio de estudos recentes, a emoção deixa de ser vista como algo irracional e assume um papel importante de função racional e determinante em todo o processo de escolha pessoal. Pela da indução musical o corpo responde à música assim como o cérebro responde sinestesicamente à melodia. Com formatação no século XVIII, a Teoria dos Afetos de Mattheson sugere uma analogia entre música e palavra, estabelecendo uma série de convenções melódicas imitando expressões de um sentimento. Apesar das críticas em relação à Teoria, é inconcebível pensar que não exista uma intenção específica do compositor na hora de escrever sua melodia. E que ao compor a música, não exista nenhuma intenção de provocar o ouvinte de alguma forma. Ao escutar o jingle político é necessário que o ouvinte corresponda de alguma forma, se não, a música terá sido escrita em vão. Ao emocionar o ouvinte, o jingle político cumpre sua função de instrumento persuasivo, atingindo o eleitor de forma única e especial, caracterizando a comunicação política3. É por isso que o jingle político continua a ser utilizado nas campanhas eleitorais apesar do avanço tecnológico que se presencia atualmente, como a utilização da televisão e Internet. O passo seguinte será analisar quatro jingles políticos de quatro candidatos à presidência – “Retrato do Velho” de 1950 de Getúlio Vargas, "Varre, Varre, Vassourinha” de Jânio Quadros, “Sem medo de ser feliz” de Luiz Inácio Lula da Silva e “Collorir de novo” de Fernando Collor, com o objetivo de analisar a estrutura melódica e a semântica com base no contexto histórico de cada político. 3 Na visão de Marcondes Filho, os conceitos de Comunicação e Política são interdependentes. Para o autor, “o processo político não pode prescindir da ação dos Meios de Comunicação de Massa; [ao ponto em que] as formas de comunicação massificada remetem necessariamente a um discurso político”. Cada vez mais, essas duas esferas vão se interpenetrando no cenário midiático. (MARCONDES FILHO, 1988, p.15) 4 EFEITOS COMUNICATIVOS DO JINGLE POLÍTICO: DO CONTEXTO HISTÓRICO ELEITORAL À COMPREENSÃO DA ESTRUTURA DA CANÇÃO 4.1 Amostra: coleta e seleção do material fonográfico O corpus sonoro desta pesquisa compõe quatro jingles políticos veiculados no rádio brasileiro durante três campanhas eleitorais nacionais ocorridas no século passado. O primeiro jingle analisado será o “Retrato do Velho” do então candidato à presidência da República Getúlio Vargas, para a campanha de 1950. O segundo jingle político definido para análise será “Varre, Varre, Vassourinha” decorrente da campanha de 1960 de Jânio Quadros. O terceiro jingle analisado será do candidato Luiz Inácio Lula da Silva com a peça “Sem medo de ser feliz” e o quarto de seu oponente Fernando Collor com o jingle “Collorir de novo”, ambos na campanha de 1989. Essas quatro peças foram selecionadas por representarem modelos de sucesso em uma campanha política. Em três casos – Vargas, Jânio e Collor – o candidato se consagrou vitorioso. No quarto caso – Lula – apesar de ter perdido as eleições em 1989, o refrão do jingle em questão foi retomado em outras campanhas do candidato, inclusive no jingle da campanha de 2002 quando Lula conquistou a presidência. Utilizado como um instrumento da Comunicação Política, o jingle político atua como uma peça estratégica na busca da vitória pelo candidato. Ao trabalhar como ponte de ligação entre candidato e eleitor, o jingle atua como um meio necessário para que seja efetivada a persuasão na comunicação política. 4.1.1 Critérios de escolha Partiu-se do conhecimento histórico sobre campanhas eleitorais brasileiras para escolher os jingles políticos que atingiram o objetivo de criar uma relação com a população, significando, dessa forma, uma ação comunicacional de sucesso. As peças selecionadas serão analisadas a partir do histórico do candidato, destacando a publicidade eleitoral desenvolvida. Também será analisado o jingle político como ferramenta de Comunicação, no sentido de aprofundar o conhecimento sobre a estrutura da peça. Com isso, busca-se encontrar na análise da estrutura do jingle político – compreendendo música e letra – elementos que favoreceram a vitória do candidato na eleição. 4.2 Definição dos procedimentos de análise dos jingles políticos selecionados A metodologia usada neste trabalho para analisar a estrutura dos jingles políticos em relação à letra e música tem como base de referência a compreensão da teoria musical, levantamento histórico do candidato e semântica. A primeira referência foi necessária para que fosse possível ‘enxergar’ a estrutura e a construção das peças em seu sentido musical. Para analisar a estrutura do jingle tornou-se necessário encontrar uma forma de visualizar a peça musical, sendo a partitura a melhor forma de reconhecer o desenvolvimento da melodia em conjunção à letra. Para que fosse possível compreender a letra da peça, um breve levantamento histórico do perfil do candidato na campanha em questão foi realizado e comparado com o desenvolvimento musical. Além disso, foi realizado um estudo semântico das palavras consideradas como destaque na canção em relação ao contexto histórico. Os trabalhos de observação, análise e interpretação da estrutura dos jingles implicaram procedimentos sistemáticos e etapas metódicas básicas, como se segue: 1º) Enumeração da tabela da Teoria dos Afetos; Com base nas relações dos movimentos entre as notas, conceito definido pela teoria musical como valores básicos – podendo ser de um, dois ou mais semitons – é possível visualizar na tabela descrita por Ansaldi (1999) o respectivo significado de uma nota. Se o compasso significa raiva ou alegria, será a movimentação entre as notas que poderá demonstrar isso. Para tanto, o primeiro passo na análise foi enumerar os intervalos na tabela da Teoria dos Afetos, iniciando no 0 (zero) para representar o movimento da nota que não possui intervalo entre os sons chegando ao número 12, representando a distância de 12 (doze) semitons entre os sons. 2) Divisão e enumeração das pautas; Seqüencialmente os períodos das pautas foram divididos e os movimentos entre as notas foram enumerados conforme a referência na tabela da Teoria dos Afetos. Por exemplo, entre o Mi e o Fá existe um semitom, portanto, representa o número 1 (um) na tabela. Outro exemplo: entre o Fá e o Lá existem quatro semitons – contando as teclas pretas e brancas presentes nas notas – representando o número 4 (quatro) na tabela. 3) Relacionar número e tabela; O terceiro passo foi reconhecer o que cada número na pauta significa na tabela. Por exemplo, o número cinco na tabela representa racionalmente o sentimento de “afirmação” e emotivamente “forte”. Os números que mais se repetem em cada período são os que se destacam na análise. 4) Análise; Após ter-se enumerado os movimentos conforme significação fundamentada na tabela da Teoria dos Afetos nas pautas divididas por períodos, partiu-se para a análise da melodia e da letra que se segue. 5) Interpretação; Por fim, buscou-se interpretar os dados obtidos nos processos anteriores e juntamente com o período histórico descrito, à interpretação da utilização do jingle como instrumento da Comunicação Política. 4.3 Análise das peças: do contexto histórico eleitoral à compreensão da estrutura do jingle político 4.3.1 O antigo retrato de Getúlio Vargas. Getúlio Vargas subiu no poder em outubro de 1930 e lá permaneceu por quinze anos, sucessivamente. Foi chefe de um governo provisório, presidente eleito pelo voto indireto e ditador. Deposto em 1945, voltaria à presidência pelo voto popular em 1950, não chegando a completar o mandato por se suicidar em 1954. Para entender o jingle da campanha de 1950 é necessário retomar as principais ações políticas do governo voltadas para a população nesses quinze anos, e que, posteriormente, seriam retomadas na letra e na música da campanha de 50. Com Vargas em 1930, um novo tipo de Estado surgiu e entre os elementos que o diferenciavam da situação oligárquica anterior, Fausto (2000, p. 327) destaca três em especial: 1. em relação à atuação econômica (voltada para promover a industrialização); 2. sobre a atuação social (oferecendo certa proteção aos trabalhadores urbanos, incorporando-os a uma aliança de classes promovida pelo poder estatal); 3. sobre o papel atribuído às Forças Armadas, em especial ao Exército (como suporte para a criação de uma indústria de base e como garantia da ordem interna). A política trabalhista foi um dos aspectos mais coerentes do governo Vargas, apresentando-se como inovadora em relação ao período anterior. Durante os quinze anos de governo, essa política passou por diversas fases, mas teve como objetivos principais reprimir os esforços organizatórios da classe trabalhadora urbana fora do controle do Estado e trazê-la para o apoio difuso do governo (FAUSTO, 2000, p. 335): No que diz respeito ao primeiro objetivo, a repressão se abateu sobre partidos e organizações de esquerda [...] e se tornou mais sistemática do que a existente na Primeira República. A situação de inquietação social contribuiu para isso. Quanto ao segundo objetivo, lembremos que a esporádica atenção ao problema da classe trabalhadora urbana na década de 1920 deu lugar, no período getulista, a uma política governamental específica. Isso se anunciou desde novembro de 1930, quando foi criado o Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio. Dessa forma, seguiram-se leis de proteção ao trabalhador, de enquadramento dos sindicatos pelo Estado, além da criação de órgãos para arbitrar conflitos entre patrões e operários, chamadas Juntas de Conciliação e Julgamento. Entre as leis de proteção ao trabalhador estavam: a regulamentação do trabalho das mulheres e dos menores, concessão de férias e o limite de oito horas da jornada de trabalho. (FAUSTO, 2000, p. 335) Estabelecido pelo Decreto de nº 19.770 de 19 de março de 1931 os sindicatos eram definidos como órgãos consultivos e de colaboração com o poder público. Adotou-se o princípio da unidade sindical, ou seja, do reconhecimento pelo Estado de um único sindicato por categoria profissional. Segundo Fausto (2000, p. 335), o governo se atribuiu ao papel de controle da vida sindical, determinando quais funcionários do ministério assistiriam às assembléias dos sindicatos. Era necessário o reconhecimento ministerial para que o sindicato fosse legalizado. Em 1934, o Decreto foi substituído pelo de nº 24.694 em que consistia na adoção do princípio da pluralidade sindical, que na prática não funcionou e foi retirado da legislação em 1939. A partir da instauração do Estado Novo em novembro de 1937, a política trabalhista adicionou um novo aspecto à sua caracterização: a criação da imagem de Vargas como protetor dos trabalhadores. Foi dada continuidade às práticas que foram instauradas na década de 1930, sistematizando as leis com base na Carta Del Lavoro, vigente na Itália fascista. A Carta voltou a adotar o princípio da unidade sindical e a greve patronal foi proibida. Em maio de 1939, o governo organizou a Justiça do Trabalho com a finalidade de decidir questões trabalhistas. Além disso, sistematizou e ampliou a legislação trabalhista com a Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) em junho de 1943. A construção da imagem de Vargas como protetor dos trabalhadores ganhou forma pelo recurso a várias cerimônias e empregos intensivos de comunicação. (FAUSTO, 2000, p. 375) Dentre as diversas comemorações realizadas pelo governo, destaca-se as de 1º de maio, realizadas a partir de 1939 no Estádio Vasco da Gama, em São Januário – o maior estádio do Rio de Janeiro na época. Nesses encontros – que reunia uma grande massa de operários além do povo em geral, Getúlio iniciava seu discurso com o famoso “Trabalhadores do Brasil” e geralmente anunciava alguma medida aguardada de alcance social. Assim, durante o Estado Novo, surge o interesse da administração política em discutir a questão da propaganda oficial e de sua aplicação na divulgação dos serviços públicos. Percebe-se, então, a necessidade de criar repartições e órgãos que divulguem os ideais do regime por meio de publicidade e de propaganda, buscando inclusive induzir um comportamento predeterminado na população de apoio ao presidente. (AMARAL, 2002, p. 03) A partir de 1942, o novo ministro do Trabalho, Alexandre Marcondes Filho, começou a utilizar o rádio como instrumento de aproximação entre governo e os trabalhadores, fazendo palestras semanais na “Hora do Brasil” com boa audiência. Marcondes Filho contava a história das leis sociais, apresentava casos concretos e, às vezes, dirigia-se a grupos determinados: aposentados, mulheres, migrantes, operários, etc. (FAUSTO, 2000, p. 375) O governo utilizou os meios de comunicação para atingir suas metas de promoção criando o Departamento de Propaganda e o Departamento da Cultura, antecessor do Departamento de Imprensa e Propaganda, criado em 1939. O DIP contava com cinco divisões: Imprensa, Cinema, Teatro, Rádio Turismo e Divulgação – no entanto, a divisão de Imprensa cumpriu as expectativas mais do que o esperado pelo governo. Entre os diversos controles realizados pelo governo na esfera da Imprensa – como, por exemplo, interditar jornais que tivessem uma linha mais democrática ou censurando por telefone certas matérias contrárias ao regime – a fotografia sofreu grande influência do DIP. Para o Estado, a fotografia se tornou uma ferramenta de grande impacto na mídia impressa, com o objetivo de retratar Vargas em acontecimentos verídicos sempre sorrindo, criando uma relação de intimidade com o público (AMARAL, 2002, p. 04): A intenção das fotos publicitárias era veicular fotografias de Vargas sempre sorrindo, exemplo de um poder criativo de persuasão, estabelecendo relações, criando afinidades, produzindo a sensação de carisma e sentimentos. E através de um sorriso “puro”, fazia com que o líder tivesse em suas mãos um trunfo de aproximação junto à massa, mantendo sua popularidade. A fotografia passou a ter a mesma importância do que as notícias enviadas pelo DIP de publicação obrigatória na Imprensa. Segundo Amaral (2002, p. 04), a revista “Brasil Reportagem” foi responsável pela propaganda visual de Vargas, por meio de publicações sobre as atividades nacionais do regime juntamente com um vasto material fotográfico. A revista também editava álbuns, cartazes, entre outros materiais impressos. A onipresença de Vargas estava em diversos locais através de seu retrato. Com uma superexposição de fotografias em escolas, fábricas, livros, revistas, selos, moedas e placas, o presidente construiu uma aura de líder presente, acessível e detentor do poder de resolver qualquer problema que surgisse, assim como a figura de herói que vimos anteriormente. Para Nascimento (2004, p. 30), não existe uma ideologia getulista, pois não se sabe ao certo o que o presidente pensava. Entretanto, é inegável que a divulgação midiática constante do Estado construiu o mito varguista baseada em imagens. A sombra desse mito retornaria pelo voto popular cinco anos depois, com os apoios mútuos de diversos partidos e de propaganda política. Sem o apoio total dos meios de comunicação de massa, Vargas enfrentou seus concorrentes com “caminhões equipados com alto-falantes e volantes impressos”. Entre as formas de divulgação, o jingle político “Retrato do Velho” se tornou o mais emblemático. (SKIDMORE, 1985, p. 108) Segundo Mugnaini Júnior (2004), a marchinha de 1950 de Haroldo Lobo e Marino Pinto foi provavelmente o maior sucesso de propaganda de toda a era Vargas, com a alusão de retomar o retrato do presidente e todo o sentimento de união e liderança promovido cinco anos antes. Vargas foi um pioneiro na percepção dos ideais publicitários e valeu-se das circunstâncias da época operando tecnicamente para manter o poder e se manter na liderança. Seu nome continua sendo lembrado como de um político hábil, conhecedor do seu ofício e um criador de ilusões que permanecem presentes no imaginário do povo brasileiro. Para Fausto (2000, p. 375), foi com a ajuda desses elementos que Vargas constituiu a sua figura simbólica como dirigente e guia dos brasileiros, em especial dos trabalhadores, como amigo e pai, semelhante na escalada social ao chefe da família. Nesse papel de guia e pai, doava benefícios à população e dela esperava fidelidade e apoio. Para o autor, esses benefícios não eram fantasia e graças a fatores sociais e à eficácia da construção simbólica, Vargas formatou um perfil pelo qual seria reconhecido historicamente. Os conceitos musicais utilizados nesta análise e nas demais que se seguem são, a partitura e a pauta. A pauta, na área musical, é definida como um sistema de uma ou mais linhas (neste caso, cinco), horizontais, paralelas e eqüidistantes, sobre as quais se escrevem as notas musicais. Já a partitura se define como a disposição gráfica de todas as partes vocais e instrumentais de uma composição, permitindo que seja feita sua leitura simultânea. As partituras deste jingle e dos outros analisados estão em anexo. Para obter uma maior clareza no entendimento da análise, define-se como período cada intervalo na pauta que seja separado com um traço vertical. 4.3.1.1 Análise da partitura do jingle “Retrato do Velho” 4.3.1.1.1 Análise dos períodos 1,2 e 3. O jingle de Vargas inicia-se com uma seqüência de zero e outra seqüência de dois. Com base na tabela da Teoria dos Afetos, esses dois números significam respectivamente vontade e insistência, e desejo e pergunta. Nesta primeira pauta, que engloba os três períodos, esses são os números mais evidentes para a análise sendo o terceiro período uma repetição do primeiro. Outros números nesses três períodos são um e três, com significados de medo e timidez, e tristeza e lamentação. Melodicamente, a movimentação das notas reflete um gênero conhecido como marcha, típico de músicas carnavalescas. Sonoramente, induz a um aspecto de insistência pela repetição de notas. Em relação à letra nesta primeira pauta, destacam-se três palavras: Bota, velho e retrato. O verbo botar está conjugado no Imperativo Afirmativo da segunda pessoa do singular, “bota tu” e apesar de ser uma palavra de uso coloquial, representa uma ação imperativa de uma pessoa sob outra. É uma forma camuflada (pela sua forma coloquial) de exigir que se cumpra uma ordem. (FERREIRA, 1993, p. 81) O uso do adjetivo velho, segundo Ferreira (1993, p. 561), significa “tratamento de intimidade, de camaradagem, dado mesmo a quem não seja velho; velhinho”. É um adjetivo que casa perfeitamente com o perfil criado para Vargas durante os anos do Estado Novo, de líder que estava presente para a população, por meio das fotografias. Assim como foi exposto no contexto histórico, as fotos mostravam Vargas sempre sorrindo, sendo este um exemplo de persuasão em que se criam relações de intimidade e afinidade provocando carisma e resposta emocional do eleitor. A insistência melódica e a linguagem coloquial marcam esta primeira pauta musical, sendo repetida outras vezes durante a execução do jingle. 4.3.1.1.2 Análise dos períodos 4, 5 e 6. Dando seqüência à pauta iniciada no período acima, o quarto período é uma repetição de notas e letras do período número dois. Os números que se destacam são o zero e dois, representando insistência e vontade, e desejo e pergunta. Passando para o quinto e sexto períodos, o número que se destaca é o dois, repetindo os anteriores. No quinto período outros números também aparecem como o um, três e oito. Os significados são: medo e timidez; tristeza e lamentação e castigo e preocupação. No sexto período os outros números que se apresentam são: quatro, três, um, cinco e zero. Respectivamente, alegria e esperança; tristeza e lamentação; medo e timidez; forte e afirmação; e insistência e vontade. Apesar de repetir parte das notas dos períodos anteriores, nesta pauta há modificações importantes nos períodos cinco e seis. Novamente aspectos como insistência e desejo compõem a pauta, todavia, aspectos como alegria, afirmação e vontade surgem. No entanto, é a letra que se destaca, com as palavras: sorriso, velho e trabalhar. O fato de Vargas ter sido um ditador que perseguiu, prendeu, torturou, forçou ao exílio intelectuais e políticos (de esquerda e liberais) parece ser incompatível com a letra que afirma que seu sorriso leva alguém a fazer algo. Sua política populista e sua máquina publicitária divulgavam a figura de um líder, que, mesmo ditador, era “camarada” e cuja felicidade (associada ao sorriso) revelava conseqüências positivas para outros. Essa conseqüência positiva era o trabalho. Como foi visto brevemente na história de seu governo, desde 1930 e com sistematizações no Estado Novo, Vargas inovou com a política trabalhista beneficiando trabalhadores de diversas categorias. Seu maior triunfo político foi a CLT e com isso a fidelidade da massa trabalhadora brasileira. 4.3.1.1.3 Análise dos períodos 7, 8 e 9. Os dois primeiros períodos – sete e oito - desta pauta são repetições dos períodos cinco e seis analisados anteriormente e o número que mais se destaca no nono período é o número quatro, com a presença dos números cinco, dois e um. Uma característica deste jingle é o reforço musical e da letra que ocorre em toda a peça publicitária. A melodia continua constante com a do período anterior com o destaque para os números dois e zero. A letra modifica no terceiro período, reutilizando o verbo botar, desta vez conjugada na primeira pessoa do singular, botei. Outra característica deste jingle é a utilização de uma linguagem que se destaca pelo regionalismo. Conjugações na segunda pessoa do singular e do plural (tu e vós) são mais usualmente utilizadas no estado do Rio Grande do Sul. A utilização desta linguagem é propícia já que Vargas era da cidade gaúcha de São Borja, o que reforça seu perfil. O pronome pessoal da segunda pessoa do singular tu é utilizado com intuito de criar uma situação mais coloquial e íntima, assim como a utilização do adjetivo velho. 4.3.1.1.4 Análise dos períodos 10, 11 e 12. Neste décimo período, não há uma nota que se destaque, porém, todas possuem um significado positivo. Em seqüência, os números deste período: cinco, zero, dois, quatro e nove, significando respectivamente afirmação e forte; insistência e vontade; desejo e pergunta; alegria e esperança; e expansão e satisfação. No décimo primeiro, o número que se destaca é o três significando tristeza e lamentação. No entanto, no décimo segundo período o número em destaque é o zero, retornando o caráter de insistência presente no período décimo e anterior a ele. Melodicamente, essa pauta é significativa pois apresenta movimentos positivos em toda a sua evolução. Na letra se destaca o verbo enfeitar (FERREIRA, 1993, p. 208), que se refere a adornar, embelezar, ornamentar. Novamente, retomase a idéia de que a letra sugere que se enfeite a figura de um ditador com perfil de guia e pai da população. 4.3.1.1.5 Análise dos períodos 13, 14 e 15. Os últimos períodos repetem a melodia dos períodos cinco e seis com a diferença apenas na letra. Assim como já foi visto, o número em destaque é dois em ambos os períodos. Outros números significativos: zero, quatro e cinco, respectivamente, insistência e vontade; alegria e esperança; e afirmação e forte. Como na pauta anterior, a melodia possui movimentos de características positivas com destaque para o número dois que significa vontade e insistência. A letra se assemelha à da pauta com os períodos quatro, cinco e seis, modificando apenas o final da frase. Ao invés do verbo trabalhar, substitui por animar. Desse modo, como no período em que leva à melhoria do trabalho por conta das ações de Vargas, este período remete à animação da população em relação às festividades e desfiles promovidos pelo Estado Novo. Além dessas comemorações, o Estado Novo promovia a produção de músicas enaltecendo a figura de Getúlio e o governo em questão. Apesar de passar pela censura do governo, as músicas eram tocadas nas rádios e nas festividades. No caso das comemorações em datas especiais, Vargas sempre iniciava seu discurso da mesma forma, dirigindo-se para os trabalhadores do Brasil e enumerava os feitos do governo em prol da classe trabalhadora. 4.3.1.1.6 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Retrato do velho”. O jingle “Retrato do velho” é a peça eleitoral que mais se aproxima das características estudadas neste trabalho referente a teorias, leis e técnicas do jingle. Como foi estudado em capítulos anteriores, o jingle é um elemento que reforça as virtudes, diretrizes políticas e propostas do candidato, além de relacionar a persuasão decantatória com a sedução musical, formatando em uma peça toda a informação necessária. Neste caso, destacam-se os versos curtos e repetitivos, assim como o uso de uma mitologia nacional – a figura construída em quinze anos de governo – além de evocar a emoção contida na música com o gênero marchinha. Na letra do jingle se destacam referências ao trabalho, à animação, além da linguagem coloquial e do regionalismo do candidato. Foi fundamentada em aspectos históricos e publicitários desenvolvidos no governo anterior e apesar de ter sido uma ditadura com prisões, perseguições e torturas, o jingle associa a melodia a uma marcha de carnaval e a letra a uma continuidade dos benefícios criados no governo anterior. O gênero desta canção é a marcha rápida, comumente utilizada em festividades carnavalescas. Interpreta-se a utilização deste gênero pelo jingle pela associação de seu significado de alegria e comemoração à felicidade gerada pelo retorno de Vargas à cena política nacional. 4.3.2 A vassoura de Jânio Quadros Em 1960 Jânio Quadros venceu as eleições presidencias com quase 50% dos votos. Na concepção de Skidmore (1985, p. 123), Jânio representava um corpo estranho na política nacional, não por ser declaradamente antigetulista, mas por ter sido capaz de transcender as linhas de um conflito que iniciara no segundo mandato do presidente Vargas e se intensificou após a saída de Juscelino Kubitschek da presidência. O autor acredita que isso só foi possível devido à sua bandeira eleitoral carismática. Jânio não possuía um programa político definido, porém, criticava a corrupção do governo de Juscelino e a desordem financeira. Ele atraía o povo com uma figura popularesca e ameaçadora, que prometia castigo implacável aos ”beneficiários de negociatas e de qualquer tipo de corrupção”. (FAUSTO, 2000, p. 436) Essa corrupção à qual Jânio se referia tratava das dificuldades do governo anterior, com problemas nas áreas do comércio exterior e das finanças. Para Fausto (2000, p. 432): Os gastos governamentais para sustentar o programa de industrialização e a construção de Brasília e um sério declínio em termos de intercâmbio com o exterior resultaram em crescentes déficits do orçamento federal. Ou seja, o governo gastava mais do que arrecadava. O déficit passou de menos de 1% do PIB em 1954 e 1955 para 2% em 1956 e 4% em 1957. Essa situação vinha acompanhada de um avanço na inflação, atingindo seu nível mais alto em 1959 com uma variação de 39,5%. Isso ocorreu por algumas razões: os gastos governamentais com a construção de Brasília; gastos despendidos para atender a aumentos salariais dos setores de funcionalismo (aprovados pelo Congresso); a queda do intercâmbio; a compra de café por meio de emissão de papel-moeda para sustentar os preços em declínio e o crédito fácil concedido ao setor privado. (FAUSTO, 2000, p. 432) Questões como estas desagradavam a população, que acreditava que o governo JK era corrupto. Foi a partir deste quadro político que Jânio emergiu para a disputa presidencial. Desde o início da campanha, o favoritismo de Quadros era evidente. Ele possuía um perfil de antipolítico honesto, capaz de oferecer uma transformação radical em relação aos antigos padrões e estilos políticos, com capacidade de se adaptar às necessidades de um país urbano e moderno. Foi com essa imagem que se tornou vereador, prefeito e, em 1953, governador do estado de São Paulo. Nesse tempo, Jânio adquiriu fama como administrador eficiente, dinâmico e honesto. Ao mesmo tempo, apresentava-se como um líder carismático à classe trabalhadora, interessado em estender os benefícios econômicos às classes de baixa renda. Segundo Skidmore (1985, p. 232), “em 1959, Quadros surgia como uma figura legendária do novo Brasil que era São Paulo: o político que conseguia dirigir eficientemente o governo de uma economia em rápida expansão, conciliando os conflitos sociais decorrentes da mesma”. Foi nessa época que a vassoura surgiu como símbolo de sua campanha. A proposta era varrer a ineficiência burocrática e a injustiça social deixadas pelo governo JK, pela força de sua personalidade carismática. Não apenas símbolo da campanha eleitoral, a vassoura se tornou um sinal da identidade nacional. Jânio refletia os anseios da população e utilizou o rádio como principal meio de comunicação para divulgar as propostas para os eleitores. Segundo Fausto (2001, p. 437), pela “primeira vez um presidente tomou posse em Brasília, encarnando as esperanças do futuro”. Porém, em menos de sete meses as esperanças seriam desfeitas com a renúncia de Quadros. Segundo Beltrão (1967, p. 18), a oposição entre Estado e Nação – entre elites dirigentes e massa operária urbana – demonstra claramente um sinal de falta de identidade nacional. Para o autor, a busca pelo conceito de identidade é necessária para estabelecer uma rota política capaz de facilitar uma evolução econômica estabelecida. É possível que o sucesso de Jânio Quadros tenha sido em decorrência dessa unidade conquistada por meio da publicidade eleitoral divulgada nos meios de comunicação e que apresentava o político como um aglutinador dos ideais populares. Na visão de Grossi (2001, p. 3-4): Jânio tinha a ânsia de se tornar igual ao povo e para isso usava de toda a sua sensibilidade. Exatamente para atingir esse objetivo nos parece que Jânio promovia fatos políticos e ações exacerbadas, recebendo a pecha atribuída por sociólogos de um populismo extremado. Jânio buscava ser o mais humilde e ao mesmo tempo o mais culto dos homens e para isso fazia uso da propaganda e dos meios de comunicação. É importante ressaltar, no entanto, que o símbolo da vassoura só atingiu expressividade nacional porque Jânio Quadros tinha a capacidade e habilidade de promover o processo comunicacional e dar sustentação ao símbolo. (GROSSI, 2001, p. 08) A publicidade janista contava com dois estilos: peças publicitárias de caráter oficial apresentavam Jânio em uma postura mais séria, com estilo tradicional, com cabelo penteado e roupas alinhadas. O outro estilo demonstrava o candidato carregado de traços regionais, incorporando costumes de diversas regiões do país. O jingle político da campanha presidencial “Varre, Varre, Vassourinha” incorporou a postura mais séria e tradicional das peças oficiais. Segundo Martins (2003) (a), este (Varre, Varre, Vassourinha) é provavelmente o jingle de maior sucesso da história do país. Entre todas as formas de publicidade eleitoral utilizada por Jânio Quadros, a vassoura e seu simbolismo de união por uma mesma causa foi a mais eficaz para atingir as classes populares e a elite brasileira. Seu êxito se deu graças às habilidades de Jânio em maximizar seus efeitos pelos meios de comunicação e da comunicação interpessoal, sendo a vassoura possivelmente um dos maiores símbolos da propaganda política concebidos no país. (GROSSI, 2001, p. 10) Quando eleito, Jânio ocupou-se de assuntos desproporcionais à importância do cargo que ocupava, como, por exemplo, a proibição do lança-perfume, do biquíni e das brigas de galo. Já às medidas mais sérias, combinou iniciativas simpáticas à esquerda e aos conservadores, desagradando a ambos. No âmbito financeiro, anunciou um plano para enfrentar os problemas herdados por Juscelino. Era um pacote ortodoxo de estabilização envolvendo forte desvalorização cambial, contenção dos gastos públicos e da expansão monetária. Porém, em 1961, Jânio começou a “afrouxar as medidas de contenção financeira, mas não chegou a pôr em prática uma possível mudança”. Em agosto do mesmo ano, renunciou ao cargo (FAUSTO, 2000, p. 439-40). 4.3.2.1 Análise da partitura do jingle “Varre, Vare, Vassourinha”. 4.3.2.1 Análise dos períodos 1,2 e 3. Entre os diversos números das notas nesta primeira pauta, o número dois se repete oito vezes, indicando desde o início um referencial significativo do sentimento de desejo e de pergunta que permeia todo o jingle. Entre os outros números presentes nestes três períodos estão o um, o oito e o três que representam sentimentos negativos como timidez, preocupação e lamentação. Entretanto, o número quatro surge como esperança entre os negativos. Apesar dos números variados, o número dois se sobrepõe como principal neste começo de música. Essa parte não contém letra pois é o início do jingle. 4.3.2.2 Análise dos períodos 4,5 e 6. O início do refrão musical apresenta uma seqüência interessante de notas musicais. Também conhecido como ‘uníssono’ (ANSALDI, 1999, p. 121), significa a repetição da mesma nota e está representado na tabela pelo sentimento de insistência e vontade. O número em questão é o zero e se repete durante os períodos cinco e seis, juntamente com o tema principal da campanha de 1960. A seqüência em uníssono reforça a idéia de repetição e insistência, características do jingle político. Outros números que também participam desses períodos são o dois, o oito e o um significando, respectivamente, desejo/pergunta, preocupação e medo/ timidez. A letra inicia fazendo uma alusão ao símbolo da campanha de Jânio, a vassoura, especificamente, ao ato de varrer. Conjugada no Presente do Indicativo pela terceira pessoa do singular – Ele varre – significa limpar, clarear, fazer desaparecer, tornar claro, entre outros. (FERREIRA, 1993, p.560) Neste sentido, entende-se que Jânio Quadros (por meio do prenome, Ele) irá varrer imediatamente (conjugação no Presente do Indicativo) algo que a música ainda não explicitou. A conjunção com a característica de insistência da melodia revela a tentativa de reforçar na música a situação apresentada pela letra – o reforço da ação imediata de Jânio em relação a algo que será apresentado na seqüência da música. 4.3.2.3 Análise dos períodos 7,8 e 9. O número de ligação entre o período seis e sete é o número quatro que repete apenas uma vez nesta pauta. O número que se destaca neste período é o dois e o cinco com significados de desejo e pergunta, e de afirmação e forte, respectivamente. Outros números presentes nesta pauta são zero e três, que especificam insistência e lamentação. Na continuação do refrão iniciado acima, descobre-se o que Jânio irá limpar, fazer desaparecer e clarear imediatamente por meio de suas ações: a bandalheira. O significado deste substantivo é (FERREIRA, 1993, p. 64): ação ou atitude própria de bandalho, pouca-vergonha e patifaria. Analisando mais profundamente o significado deste substantivo, entende-se como bandalho um “indivíduo sem dignidade nem brio; patife”. O substantivo pouca-vergonha é entendido como falta de vergonha ou ato vergonhoso e imoral. E patifaria como ato de patife, ou seja, desavergonhado, descarado e insolente. Como foi estudado no contexto histórico, Jânio se referia neste refrão à situação deixada pelo governo JK, acusado de corrupção por gastos indevidos. A crítica não ocorre só em relação ao contexto histórico, mas também, como pôde ser entendido pela compreensão sobre o significado de ‘bandalheira’, Jânio se referia à figura de Juscelino. 4.3.2.4 Análise dos períodos 10,11 e 12. Este período conta com diversos movimentos de notas repetidas sendo o número dois o que mais se repete. No entanto, o número três significando tristeza e lamentação e o um significando medo e timidez também se repetem algumas vezes. Assim como no período anterior, o número em destaque é o dois que significa desejo e pergunta. Seqüencialmente ao texto apresentado nas pautas anteriores, neste, fala-se do povo e das conseqüências da bandalheira ocorrida no governo anterior, ou seja, do sofrimento surgido com a corrupção. As palavras que se destacam são: povo, cansado e sofrer. O substantivo povo refere-se ao conjunto de indivíduos que falam a mesma língua, têm costumes e hábitos idênticos, afinidade de interesses, uma história e tradições comuns. Cansado significa aborrecido, fatigado, e sofrer, verbo conjugado na terceira pessoal do singular no Infinitivo Pessoal, remete a ser atormentado. (FERREIRA, 1993, p. 435/98) Nesta pauta, a letra apresenta o povo como uma vítima da ação errônea do governo JK e afirma, com uma certeza absoluta do que está pronunciando, que ele (o povo) está aborrecido e fatigado por isso. Melodicamente, os períodos são variados com destaque para movimentações que refletem insistência e vontade. Assim como os anteriores, esses aspectos atuam com o objetivo de reforçar o significado da letra, pelos próprios princípios do jingle de simplicidade e repetição melódica. 4.3.2.5 Análise dos períodos 13,14 e 15. Nesta última pauta há novamente uma variada composição de movimentos musicais. Três números se destacam: zero, um e dois. Segundo a tabela, seus significados são: insistência e vontade; medo e timidez; e desejo e pergunta. Consoante a segunda pauta analisada em que o refrão está em uníssono, o nome de Jânio Quadros também se apresenta aqui em uníssono revelando uma insistência da música com o nome do candidato. Ligado ao nome, a palavra esperança aparece como um atributo da figura de Quadros, em contraposição à situação de vítima do povo abandonado. Este substantivo feminino significa o ato de se esperar o que se deseja, ter fé e confiança em conseguir o que se deseja, entre outros. (FERREIRA, 1993, p. 225) Para Fausto (2001, p. 437), pela primeira vez um presidente encarnava as “esperanças de futuro” do país. O reforço do uníssono no nome de Jânio se une ao substantivo esperança por meio de uma forma de ligação, o verbo ser conjugado no Presente Indicativo na terceira pessoal do singular: é. Ele liga o atributo ao sujeito da frase, no caso, a esperança ao nome de Jânio. 4.3.2.6 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Varre, Varre, Vassourinha”. Do mesmo modo que o jingle de Vargas, o de Jânio obedece aos princípios gerais da teoria, leis e técnicas referentes à peça publicitária ao sintetizar as principais características do candidato, propostas e pontos fortes em uma linguagem franca e emotiva. Juntamente com o símbolo de sua campanha, o jingle foi escrito com referência à vassoura sempre presente nos comícios de Jânio Quadros. Essa era a idéia-chave que se fixou no imaginário popular criando o conceito da sua candidatura. A letra busca elementos gerais que definiram o governo antecessor para fundamentar as virtudes de Jânio: ser capaz de varrer a corrupção no governo e, por isso, ser a esperança para o país. Na melodia, destaca-se a repetição do movimento número dois, insistência e vontade, com a intenção de reforçar a letra, que na maioria do jingle também se repete, reforçando a idéia-chave. Em duas partes ocorre o reforço melódico e na letra: quando inicia o texto – varre, varre, varre, varre, vassourinha/ varre, varre a bandalheira – e na parte em que divulga o nome do candidato – Jânio Quadros é esperança – ambos em uníssono. De forma geral, este jingle reflete a situação política no início de 1960 e o desejo corrente de uma melhoria na situação do país com a chegada ao poder de um novo presidente. 4.3.3 A estrela de Lula Em 2002, Luiz Inácio Lula da Silva concorreu pela quarta vez à Presidência da República, conquistando a vitória com um recorde de 115 milhões de votos dos eleitores, tornando-se o 17º presidente eleito por voto direto. Paraná (2002, p. 31-32) acredita que a vitória de Lula foi comemorada como triunfo da democracia brasileira, ao interromper o revezamento das elites no poder. Ao conquistar a presidência – mesmo com o apoio de alianças políticas – modificou a lógica de 500 anos da história do país ao representar a incorporação do povo, dos trabalhadores, ao poder político. Na concepção de Paraná (2002, p. 33) Lula é um personagem que vai além da sigla partidária, carregando uma imagem de simbolismo que extrapola os limites do Partido dos Trabalhadores, o qual ajudou a fundar. Lula simboliza e corporifica a classe operária nacional que surge com o “milagre brasileiro”, que exige melhores condições de trabalho, de vida e mobiliza-se em busca da democracia. Para a autora (PARANÁ, 2002, p. 33), no imaginário popular, Lula assume muitas e contraditórias identidades. Para uma parcela da população, Lula nunca deixou de fato de ser um operário metalúrgico, vindo do Nordeste, de origem mestiça e com pouca escolaridade. Outros segmentos sociais acreditam que Lula é uma ameaça à ordem pública, um radical de esquerda despreparado, homem “ignorante”, ávido por assumir cargos eletivos de relevância política. Com a campanha de 2002, contudo, Lula se mostrou um líder de massas extremamente carismático, estadista, preparado e capaz de promover a justiça social da qual o país necessitava. Paraná (2002, p.33) afirma que Lula simboliza a mobilidade social e a consolidação da democracia no Brasil, “representando para alguns o medo, para outros a esperança”. Lula nasceu na cidade de Garanhuns, em Pernambuco, no dia 27 de outubro de 1945. Com cinco anos, migra para Santos, e com onze, para São Paulo. Ao completar quinze anos, consegue uma vaga no curso de torneiro mecânico oferecido pelo Serviço Nacional da Indústria (Senai) e enquanto realiza o curso, trabalha em uma fábrica de parafusos. Profissionalizado, integra o quadro de operário de uma grande empresa metalúrgica em São Bernardo do Campo, município de São Paulo. Em 1969, Lula – operário despolitizado e sem conhecimento das práticas sindicais – é convidado a participar da diretoria do Sindicato dos Trabalhadores das Indústrias Metalúrgicas e de Material Elétrico de São Bernardo do Campo e Diadema, o qual aceita a contragosto (o convite, inicialmente, havia sido feito para seu irmão Frei Chico). Com o passar do tempo, Lula começa a mudar suas concepções acerca das práticas sindicais e na eleição seguinte para a direção da instituição em 1972, é chamado novamente a compor a diretoria. Paraná (2002, p. 27) afirma que “neste momento, aquele que era antes um jovem inexperiente já havia se constituído numa liderança sindical promissora, respondendo, como primeiro-secretário, pelo setor de previdência social da entidade”. Em 1975, uma nova eleição é realizada e Lula assume a diretoria do sindicato. É nesta época que surge o que Paraná (20002, p. 27) chama de “novo sindicalismo” – ou seja, uma forma diferente de fazer sindicalismo no Brasil – , distinguindo-se daquela caracterizada pelo clientelismo e assistencialismo sindical que marcaram a vida dos trabalhadores no Brasil. Segundo a autora, (idem) “Lula retoma antigas lutas em defesa dos interesses dos trabalhadores: remuneração digna, garantia de emprego e melhores condições de trabalho”. O sindicato assume uma postura diferenciada de até então, abrindo suas portas para trabalhadores, levando as assembléias para o local de trabalho e ampliando o quadro de sindicalizados. Todo esse esforço foi expresso em números quando na eleição seguinte para diretoria do sindicato, Lula é reeleito com 98% dos votos. Em 1978, por intermédio do Sindicato dos Metalúrgicos e da liderança de Lula, trabalhadores brasileiros desafiam o regime autoritário e iniciam uma série de greves nas indústrias - principalmente na cidade de São Bernardo do Campo. No ano seguinte, repete-se a situação grevista, porém, desta vez, ela ocorre de forma unificada em toda a categoria metalúrgica parando por 15 dias, cerca de 150 mil operários. O governo militar responde com repressão policial dentro das fábricas e artifícios são utilizados para finalizar o movimento grevista. Em março deste ano o Ministério do Trabalho, considerando a greve ilegal, intervém no sindicato afastando Lula e sua diretoria por dois meses. (PARANÁ, 2002, p. 27-28) Em 1980, com Lula no comando do sindicato, é promovida uma nova greve da categoria. Espalhando-se por todo o estado de São Paulo, durou 41 dias e contou com a paralisação de 270 mil trabalhadores. O governo militar juntamente com o empresariado reprime o movimento e intervém novamente no sindicato afastando Lula da diretoria do sindicato por 31 dias, mantendo-o recluso no Departamento de Ordem Política e Social (DOPS) e enquadrado na Lei de Segurança Nacional. Lula é condenado em 1981 pela Justiça Militar a três anos e seis meses de prisão, no entanto, em abril do ano seguinte, o processo é anulado pelo Superior Tribunal Eleitoral. (PARANÁ, 2002, p. 28) Convencido de que os trabalhadores precisavam de seus próprios representantes na esfera política, em fevereiro de 1980, Lula, junto a outros sindicalistas, intelectuais, representantes da Igreja progressista, militantes de grupos de esquerda e de movimentos populares, fundam o Partido dos Trabalhadores. Para a autora (PARANÁ, 2002, p. 28-29): Aparecendo no cenário político brasileiro como uma inovação, o PT se constitui como um partido ligado à defesa dos interesses das classes trabalhadoras e dos marginalizados da esfera política. O PT nasce a partir da crença de que a transformação social do país só será possível se vier do povo, se tiver sua origem nas bases da sociedade. Este partido forjado no seio do movimento sindical modifica a forma tradicional de fazer política no Brasil e abala os alicerces da velha elite política conservadora. Com isso, Lula, alguns sindicalistas e militantes de esquerda iniciam uma espécie de peregrinação pelo Brasil na tentativa de construir o PT, que se tornaria um dos mais importantes partidos de esquerda no país. O resultado dessa peregrinação é vista na eleição a governador do estado de São Paulo, que embora Lula não tenha vencido, saiu politicamente fortificado com 1.114.648 de votos. Na campanha de 1986, disputando uma vaga na Câmara Federal, Lula se torna o deputado mais votado do país com 651.763 votos. (PARANÁ, 2002, p. 29) Três anos depois, em 1989, após 29 anos sem eleições diretas para a Presidência da República no Brasil, Lula chega ao segundo turno das eleições presidencias com 16 milhões de voto, em uma das eleições mais disputadas da história brasileira, perdendo por uma diferença de 6% de votos para seu opositor Fernando Collor de Mello. No segundo turno da eleição de 1989 é promovido o jingle “Sem medo de ser feliz”, em decorrência dos resultados obtidos com pesquisas junto ao eleitorado em relação à figura de Lula. O eleitor via Lula como um operário, revolucionário e líder sindical, que discursava com raiva e assustava o eleitor. Apesar do sucesso alcançado pelo jingle, Lula não venceu em 1989, no entanto, consolidou o símbolo do seu partido, a estrela, e utilizou partes do refrão desta música em todas as outras campanhas eleitorais. 4.3.3.1 Análise da partitura do jingle “Sem medo de ser feliz”. 4.3.3.1.1 Análise dos períodos 1,2 e 3. Na primeira pauta o número em destaque é o dois. Outros números que aparecem são: o zero, sete, um e quatro, respectivamente, insistência e vontade; amor e certeza; medo e timidez; e alegria e esperança. O número dois remete à idéia de desejo e pergunta. No terceiro período, as palavras em destaque são: tanta, passa e tempo. A palavra tanta é um sinônimo para muitos, que significa “em abundância”. O significado, segundo Ferreira (1993, p. 375), do verbo passar é transpor, atravessar. Conjugado no Presente do Indicativo na terceira pessoa do singular (ele passa), ligase ao substantivo tempo, definido como a sucessão dos anos, dias e horas, que envolve a noção de presente, passado e futuro. A letra deste início de jingle remete à situação presente da campanha de 1989 (ao conjugar no presente o verbo passar - passa), citando o tempo como uma lembrança da história do eleitor brasileiro, que será apresentado na segunda pauta. A palavra tanta se aplica nesta letra pela quantidade de postos nas indústrias e o grande número de trabalhadores que o setor agregou em decorrência do desenvolvimento do setor industrial no país. Isso, no entanto, será melhor apresentado na próxima pauta. 4.3.3.1.2 Análise dos períodos 4, 5 e 6. Assim como na pauta anterior, o número mais representativo é o dois. Outros números significativos: quatro e o zero, que remetem à alegria e à insistência. O número dois remete ao significado de desejo e pergunta. As palavras em destaque nestes três períodos são: gente, trabalhar, de repente e clareza. Vale relembrar que o Partido dos Trabalhadores foi fundando em 1980 e durante esta década, em cada eleição, o PT crescia em número de eleitos nas esferas municipais, estaduais e federal. Sua política era fundamentada no voto classista, de forma que trabalhador só votava em trabalhador. Dessa forma, o substantivo gente assume um significado específico, de partidários de uma mesma idéia ou causa política, companheiros e camaradas. (FERREIRA, 1993, p. 271) Ao usar o substantivo feminino gente na letra, o jingle dirige-se especificamente a um grupo de pessoas de uma mesma categoria: os trabalhadores. Na seqüência, o verbo trabalhar não está conjugado, indicando uma ação que engloba passado, presente e futuro na execução de um ofício, uma das definições do verbo. A definição de de repente representa de súbito, subitamente, e está ligada ao substantivo de clareza, sendo esta uma “qualidade da vista que percebe e distingue bem as coisas” (FERREIRA, 1993, p. 474). Com o surgimento do PT, uma nova classe surgia exigindo mudanças no cenário político, econômico e social. Defendiam-se melhorias nas condições de trabalho, melhores salários e outros benefícios necessários ao trabalhador. Na campanha de 1989, o jingle falava diretamente a essas pessoas que, subitamente, viam na política um novo começo com um novo candidato – não mais surgido das elites. 4.3.3.1.3 Análise dos períodos 7, 8 e 9. Além do número dois (deseja e pergunta), números como o cinco que representa a afirmação e o quatro, que remete à alegria e à esperança, também fazem parte do conjunto. No final do período da pauta anterior – número 6 – o texto inicia uma palavra que termina neste analisado agora, notar. Este verbo remete à ação de observar algo, tomar nota de alguma coisa. É o início de um texto que tem como palavras principais: quem, sempre, sincero, confiar. O nome do candidato foi substituído pelo pronome quem, mas a partir dele o texto inicia-se com uma das leis do jingle político: a exaltação de uma virtude do candidato. O advérbio sempre remete a constantemente, continuamente, em todo tempo e em qualquer ocasião. Segundo Ferreira (1993, p. 506), para o adjetivo sincero existem diversas definições, como se seguem: “que se expressa sem artifício, sem intenção de enganar; franco, leal; que se mostra disposto a reconhecer a verdade; franco; dito ou feito sem dissimulação; verdadeiro, autêntico, puro; cordial, afetuoso; sem afetação ou disfarce; de boa-fé; sem impostura ou malícia”. A ligação entre essas duas palavras (sempre e sincero) se deve à liderança de Lula ao Sindicato dos Metalúrgicos, marcada pelo sucesso de ações grevistas e de conquistas para os trabalhadores da categoria. O histórico político de Lula favorecia sua imagem perante os trabalhadores. Como foi visto na pauta acima, com o substantivo gente, em que o jingle se destinava a uma classe, ao utilizar o verbo confiar, há uma retomada dessa fala para os destinatários. O jingle pede que a classe trabalhadora – que se identifica com Lula e com o Partido dos Trabalhadores – acredite na virtude de sinceridade expressa na canção. 4.3.3.1.4 Análise dos períodos 10, 11 e 12. O primeiro período está repleto de uma característica de desejo, com o número dois em destaque. Outros números que compõem a pauta são: um, de medo e timidez; sete, de amor e certeza; três, tristeza e lamentação; e zero, de insistência e vontade. Na seqüência do texto, com uma parte do refrão no último período acima (sem), destacam-se as palavras: medo, feliz e chegar. O significado de medo pode ser entendido como um “sentimento de grande inquietação ante a noção real ou imaginária, de uma ameaça, temor” (FERREIRA, 1993, p. 357). Feliz, por sua vez, é um adjetivo que significa contente, alegre e satisfeito. Ambas as palavras compõem o título desse jingle: sem medo de ser feliz. Ele foi composto para o segundo turno da campanha de 1989 como uma forma de amenizar as críticas à imagem de Lula, visto como um operário revolucionário, que assustava pela postura raivosa de seus discursos4. O verbo chegar, entre suas várias definições, pode ser entendido como alcançar e atingir um ponto e, neste caso, procede a uma fala que será apresentada na próxima pauta. 4.3.3.1.5 Análise dos períodos 13, 14 e 15. O refrão do jingle é composto por números de significados positivos como dois, zero, quatro, cinco e apenas uma vez o número um, simbolizando as 4 Segundo Melo (1993, p. 10), durante o período entre o primeiro e o segundo turno das eleições de 1989 os partidários de Lula tornaram-se “extremamente aguerridos e disputaram espaços de persuasão pessoal e grupal, nas grandes cidades, destoado do discurso ‘conciliador’ do próprio candidato, que enfatizava mensagens não-radicais, para garantir a votação dos segmentos de classe média, ideologicamente situados no centro-esquerda. A técnica do patrulhamento foi se disseminando com rapidez, causando pânico nas elites e nas camadas da população despolitizada, temerosa da ascensão do ‘comunismo’. A equipe de Collor captou com sagacidade esse temor generalizado e passou a caracterizar a candidatura de Lula como se sectária, radical, terrorista, pretendendo implantar o ‘comunismo no Brasil’ quando aquele regime estava sendo desmantelado completamente pelo povo do Leste Europeu”. características: desejo e pergunta; insistência e vontade; alegria e esperança; forte e afirmação; e por fim, medo e timidez. Iniciada com o verbo chegar, o texto segue com o nome de Lula acompanhado do advérbio Lá. Entre as definições apresentadas por Ferreira (1993, p. 324), as mais interessantes para este estudo são: “naquele lugar, ali, adiante, além e naquela terra”. Compreende-se assim, que o nome de Lula está sempre acompanhado do advérbio ‘lá’, em referência ao lugar almejado pelo candidato. Interpretando desde o fim da pauta acima, entende-se que o trabalhador que ver Lula alcançar o posto ao qual se candidatou – a Presidência da República – e ao alcançar seu objetivo, poderá brilhar com a cooperação do seu partido, simbolizado pela estrela. As palavras em destaque neste caso são: Lula, lá, brilha, estrela, cresce. O verbo crescer refere-se ao aumento do apoio ao candidato com a decisão levada para o segundo turno. Lula chegou ao segundo turno das eleições presidenciais com 16 milhões de votos, perdendo por uma diferença de 6%, cerca de 31,5 milhões de votos contra 35 milhões do candidato eleito. Ao unir a melodia com a letra, percebe-se que o nome de Lula – com o advérbio lá – é acompanhado de uma característica de insistência e vontade, simbolizado pelo número zero no primeiro período. Entende-se essa junção como um reforço melódico do nome de Lula no jingle. 4.3.3.1.6 Análise dos períodos 16, 17 e 18. Nesta pauta, o número em destaque é o dois, referindo-se a desejo e pergunta. Outros números que o acompanham são: um, de medo e timidez; e zero, de insistência e vontade. Seguindo o final do texto do período anterior, neste entende-se o substantivo esperança como o ato de esperar o que se deseja, fé e confiança em alcançar o que se espera. Lula, até aquele momento, possuía um histórico político de conquistas significativas – por exemplo, do cargo de deputado federal mais votado – e levar a disputa eleitoral para o segundo turno significava uma segunda tentativa de conquistar a presidência. Lula não havia perdido a eleição, teria uma segunda chance para vencer, confiando em alcançar seu objetivo. Esperança é uma das palavras em destaque nesta pauta, assim como: Lula, lá, criança. Assim como foi analisado anteriormente, a junção do nome do candidato com o advérbio lá, reitera o objetivo de Lula de vencer a eleição, sendo repetido até o final da canção. O uso do substantivo criança refere-se à ação de criação e educação. Segundo Ferreira (1993, p. 153), essa é uma das definições deste substantivo, sendo a outra a de “ser humano de pouca idade”. Ao ligar Brasil com criança, entende-se o país como um lugar necessitado de educação e de alguém capaz de criar uma nova ordem. No segundo período desta pauta, há novamente um reforço melódico do nome do candidato, assim como estudado anteriormente. 4.3.3.1.7 Análise dos períodos 19, 20 e 21. Na seqüência do refrão, os números que se destacam são: zero e dois, respectivamente, insistência e vontade; e desejo e pergunta. No terceiro período há, assim como nas duas pautas vistas anteriormente, um reforço melódico do nome de Lula e o advérbio lá. Outros números são: três (tristeza e lamentação), um (medo e timidez) e quatro (alegria e esperança). Na seqüência da frase ‘um Brasil criança’, seguem as palavras principais: alegria, te e abraçar. O substantivo feminino alegria denota qualidade ou estado de quem tem prazer em viver, de quem é jovem. O pronome pessoal te refere-se à segunda pessoa do singular dos dois gêneros, e neste caso, como objeto indireto, equivale a ti, de ti, para ti. O verbo abraçar pode ter dois significados distintos, de “abraçar-se a, com, ou alguém ou algo. [ou] adotar, seguir” (FERREIRA, 1993, p. 528). Há duas compreensões possíveis de serem feitas nesta frase iniciada no período 18, evoluindo para o atual. Primeira: de que o Brasil é como uma criança, ou seja, um ser novo que deve ser abraçado, cuidado por alguém capaz. Ou, em segundo, da necessidade de o país criar uma nova ordem que será adotada com prazer pelo eleitor. No final do período 21, inicia-se a palavra sinceridade que será discutida no próximo item. 4.3.3.1.8 Análise dos períodos 22, 23 e 24. Na continuidade do refrão, novamente o número em destaque é o dois, seguido por outros números como um, cinco, zero e quatro – caracterizando uma melodia positiva com seus respectivos significados com exceção do primeiro: medo e timidez; desejo e pergunta; forte e afirmação; e alegria e esperança. Como outras palavras, o substantivo sinceridade é cantado em sílabas com intuito de reforçar a atenção para a palavra. Provém do adjetivo sincero, já analisado em uma pauta anterior como uma virtude associada ao caráter de Lula. A expressão Lula lá retorna nesta pauta ligada ao substantivo certeza, com definição de “qualidade de certo, persuasão íntima, convicção, coisa certa”. (FERREIRA, 1993, p. 114) Compreende-se que o fato de Lula alcançar a presidência (Lula lá) é a coisa certa (certeza) para que ocorra a criação de uma nova ordem fundamentada na sinceridade do candidato. A palavra certeza também está cantada em sílabas, reforçando a qualidade do substantivo na frase. 4.3.3.1.9 Análise dos períodos 25, 26 e 27. Três números se destacam nesta pauta: zero, um e dois – com significados de insistência e vontade; medo e timidez; e desejo e pergunta. Melodicamente os movimentos que acompanham o texto no primeiro período e no terceiro, especificamente os dizeres – pra você e pra fazer – correspondem à característica de insistência e vontade. Ambas as falas se direcionam para o candidato, afirmando que seu primeiro voto será para Lula para que ele possa realizar suas propostas, fazendo brilhar sua estrela (texto na próxima análise). O significado de ‘primeiro voto’ deve ser compreendido como a primeira possibilidade de voto em uma participação de âmbito nacional do candidato. Neste sentido, as palavras que se destacam são: você, primeiro, voto, fazer, brilhar. Assim como em outros casos, quase todas as palavras são cantadas em silabas, com exceção de pra e meu. 4.3.3.1.10 Análise dos períodos 28, 29 e 30. No final do primeiro refrão, e início do segundo, todos os números refletem características positivas. Iniciando pelo dois, seguindo com zero e finalizando com quatro possuem características de alegria e esperança; insistência e vontade; e desejo e pergunta. A expressão Lula lá é acompanhada, melodicamente, de aspectos de insistência e vontade, reforçando, novamente, seu significado. A palavra estrela refere-se, simbolicamente, ao Partido dos Trabalhadores, representado por uma estrela vermelha. O pronome nossa refere-se (FERREIRA, 1993, p. 385) à “pertencente, próprio de, ou experimentado por nós.” Inserido no texto, o pronome nossa engloba todas as pessoas que possuíam os mesmos interesses que o PT e que lutavam por melhorias de forma geral. ‘Nossa estrela’ insere tanto políticos do partido quanto a população que não estava diretamente ligada ao PT, mas que compartilhava dos mesmos ideais. Na melodia é possível averiguar um sentido de crescimento do final da palavra estrela para o nome de Lula, indicando uma elevação da voz do coro de vozes. 4.3.3.1.11 Análise dos períodos 31, 32 e 33. Nesta pauta o número dois impera novamente como o destaque, sendo seguido pelo um, zero e cinco. Seus respectivos significados são: desejo e pergunta; medo e timidez; vontade e insistência; e forte e afirmação. Novamente a expressão Lula lá é acompanhada de um movimento de insistência e vontade, na intenção de reforçar o significado. As palavras principais destes três períodos são: a gente, junto e espera. Visto na segunda pauta, o significado de gente é especificamente um grupo de pessoas de uma mesma categoria: os trabalhadores. Assim como foi exposto ao pronunciar ‘nossa estrela’ na pauta anterior, ‘a gente junto’ refere-se à presença da classe dos trabalhadores e simpáticos à causa, apoiando Lula na eleição. A espera à qual se faz referência é ao tempo gasto entre o início da campanha e o segundo turno com reais chances de vitória. Afirma-se que valeu a pena o tempo gasto com a campanha já que há possibilidades de vencer a eleição e, com isso, implementar uma nova ordem social com o apoio da classe trabalhadora. Apesar de o poder político estar constantemente nas mãos da elite, no segundo turno havia a possibilidade de se mudar esse cenário. 4.3.3.1.12 Análise dos períodos 34, 35 e 36. Nesta última parte da continuidade do refrão, novamente os números em destaque se repetem: dois (desejo e pergunta), seguido pelo um (medo e timidez), zero (vontade e insistência) e terminando com o três (tristeza e lamentação). Assim como em todo o jingle em que havia a junção do nome de Lula com o advérbio lá, melodicamente há um reforço com movimentos de insistência e vontade do significado da união. Prá fazer também repete melodicamente o reforço de significado, como já fora analisado em pautas anteriores. Com Lula alcançando seu lugar (lá) poderá fazer mais do que a elite pelo eleitor. O primeiro voto do eleitor poderá fazer com que Lula atinja suas metas ao alcançar o objetivo proposto, a presidência. 4.3.3.1.13 Análise dos períodos 37 e 38. Nesta última pauta, novamente o número dois (desejo e pergunta) se destaca, sendo seguido pelo número zero (insistência e vontade) e um (medo e timidez). Finalizando o jingle, há uma retomada do pronome nossa em ligação com estrela. Assim, conforme, foi estudado anteriormente, o pronome engloba todas as pessoas que possuíam os mesmos interesses que o PT, tanto os políticos do partido quanto a população que apoiava a candidatura. Melodicamente, há um aspecto de insistência na ligação entre nossa e estrela, no intuito de reforçar a união das duas palavras. 4.3.3.1.14 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Sem medo de ser feliz”. Desenvolvido para o segundo turno das eleições presidenciais de 1989, este jingle foi a primeira tentativa de redefinir a imagem pública de Lula. Como visto no contexto histórico, para uma parcela do eleitorado brasileiro, o candidato Lula da campanha de 1989 simbolizava a figura de um operário metalúrgico, de origem mestiça e pouca escolaridade. Além disso, sua liderança ameaçava a ordem pública por ser um radical de esquerda despreparado e ignorante. Este jingle, principalmente a letra, demonstra um esforço em tentar modificar a figura de Lula no imaginário do eleitor que não pertencia à classe dos trabalhadores e sentia-se inseguro com a possibilidade da vitória. Durante a análise, algumas palavras foram destacadas para uma melhor compreensão de seu significado. Isso foi necessário porque, diferentemente dos jingles já analisados, este possui uma extensa letra. Entre as palavras analisadas, algumas se sobressaem, como: sincero, confiar, sinceridade, brilhar, a gente, junto. Elas representam virtudes do candidato associadas à idéia de governo fundado na união com o eleitor. Isso remete a uma das leis do jingle, de exaltação das virtudes e das propostas do candidato. Outra característica é facilitar a memorização. Isso pode ser visto na repetição constante da junção do nome com o advérbio, Lula lá. Melodicamente, essa junção é acompanhada com um movimento de insistência das notas musicais. O reforço ocorre em duas vias: na repetição do nome e na melodia. Em relação à melodia do jingle, seu gênero é marcha lenta, mais comum em hinos. Isso foi possível averiguar pelo constante movimento de notas, remetendo ao número dois da tabela da Teoria dos Afetos, desejo e vontade. Além de tentar modificar a imagem política de Lula, este jingle se caracteriza pela emotividade gerada pela construção da letra e melodia. A utilização de palavras de significado positivo e a melodia, que lembra a marcha dos hinos (cantados com exaltação e orgulho), fazem do jingle ‘Sem medo de ser feliz’ um instrumento importante para a comunicação política do candidato. Isso pôde ser percebido pela utilização da junção – Lula lá – nas campanhas seguintes de Lula, tanto em jingles quanto na campanha visual. 4.3.4 O jingle meteórico de Fernando Collor Depois de vinte anos de governos militares e cinco anos de um governo civil tutelado pelas forças armadas, os prognósticos defendiam a idéia de um desfecho político com matizes de esquerda, elevando à chefia do governo um dos líderes consagrados pela oposição ao golpe militar de 1964. No entanto, a vitória de Fernando Collor de Mello – candidato sem projeção nacional e sem tradição oposicionista ao autoritarismo – surpreendeu todas as expectativas (Melo, 1992, p. 02). Para Melo (1992, p. 02), a surpresa da eleição de um novato, procedente de um Estado pobre, politicamente inexpressivo e que não dispunha de uma base parlamentar, justifica a configuração do que se chamou de Fenômeno Collor. Essa expressão não engloba apenas sua trajetória fulminante no cenário eleitoral, mas também seu estilo de governo, marcado por gestos eloqüentes causando grande impacto sociopolítico. Em relação ao perfil de Collor havia uma grande polarização comportamental (MELO, 1992, p. 02): De um lado, estão os que o consideram um político biônico, protótipo do marketing eleitoral gestado nos países do Primeiro Mundo, cuja imagem pública foi construída pelos meios de comunicação para anestesiar massas incultas, famintas, messiânicas. Assim sendo, seria alguém desprovido de qualquer essência, vazio, mistificador, incapaz de cumprir sua tarefa como estadista. De outro lado, estão os que reconhecem na sua figura carismática habilidade necessária para gerenciar a crise institucional que dificulta a transição brasileira do autoritarismo à democracia. E também a capacidade de mobilizar a opinião pública para superar as distorções do estadismo, do corporativismo e do clientelismo, conduzindo o país à modernidade. Collor surgiu em meio a uma disputa entre Leonel Brizola e Luiz Inácio Lula da Silva, que, naquele momento, eram os preferidos pela população. Brizola tinha uma biografia marcada pela oposição ao regime militar e pela consagração nas urnas como governador do Rio de Janeiro, que comprovava seu carisma junto à população. Lula, por sua vez, emergira como a principal figura do “novo sindicalismo”, liderando greves, protestos e manifestações populares, resultando na organização do Partido dos Trabalhadores. Para Melo (1992, 05), havia a convicção de que um dos dois candidatos seria o futuro presidente do Brasil. Segundo afirmação de Melo (1992, p.05), foi nessa conjuntura que o pânico se estabeleceu entre as elites dirigentes do país, temerosas da repetição dos episódios da eleição e deposição de Allende no Chile5. Essa situação era agravada pelo fato de a nova Constituição garantir o direito de voto aos analfabetos e aos jovens maiores de 16 anos, ampliando o colégio eleitoral. A escolha seria feita por 82 milhões de pessoas (55% da população), bem diferente da situação de 1960, quando o eleitorado era composto por 16 milhões de pessoas (representando 22% da população). Foi nesse cenário que surgiu Collor, alterando as tendências da eleição e tornando improvável qualquer prognóstico sobre os resultados finais. Melo (1992, p. 05) acredita que a candidatura de Collor foi projetada com impacto pelos meios de comunicação de massa, revelando extrema habilidade “do postulante para se 5 Em 11 de setembro de 1973, o então presidente Salvador Allende é morto no Palácio de La Moneda, na capital chilena Santiago, dando início à ditadura militar chilena. comunicar com o eleitorado potencial, galvanizando a simpatia e a adesão de contingentes bastantes expressivos”. Entretanto, Collor projetou-se na esfera comunicacional em 1987 como governador de Alagoas e, de acordo com Lattman-Weltman (1995, p. 16), foi o único candidato que conseguiu mobilizar em favor de sua candidatura uma certa unanimidade da grande imprensa brasileira, sendo esta a principal responsável por sua vitória nas urnas, e, em parte, pelo seu afastamento da presidência dois anos depois. No início das eleições de 1989, Collor não aparecia tanto como candidato à presidência do país e sim na condição de administrador público que se tornara famoso nacionalmente graças ao seu combate aos ‘marajás’ e funcionários ‘fantasmas’ de Alagoas. Todavia, as medidas de impacto tomadas pelo candidato atingiram seu verdadeiro alvo, o imaginário político popular. Para Lattman-Weltman (1995, p. 22), “a caça aos ‘marajás’, ‘califas’ e ‘fantasmas’ de Alagoas, mesmo que obtendo parcos resultados concretos, repercutiu em todo o Brasil e consolidou a imagem pública de Fernando Collor”. Não era candidato de uma sigla de renome nacional e talvez essa falta de enraizamento político e social tenha sido um dos fatores que lhe permitiram ser o candidato de todos. O nome do partido fundado por Collor se chamou, primeiramente, “Partido da Juventude” e depois passou a ser conhecido como “Partido da Reconstrução Nacional”. Com a mudança, ficou clara a intenção a ser transmitida: um partido de mudanças, de renovação e de restauração da ordem, personificadas na figura de Collor. Além de contar com o marketing político e com os assessores da campanha, Collor ainda pôde contar com adesão editorial dos principais órgãos da imprensa nacional (LATTMAN-WELTMAN, 1995, p. 22): Os seus ‘reclames’ foram não apenas divulgados como também incorporados à própria pauta dos veículos, e tal como os ‘anunciantes’ desejavam: com seus slogans, bordões, ênfases e apelos. Se o homem público Fernando Collor de Mello buscou desde cedo vender-se como produto, os principais jornais e revistas do país foram alguns dos seus primeiros consumidores, para além do mercado regional alagoano. A imagem vendida à população era de um político com qualidades pessoais associadas às suas iniciativas moralizadoras e repleto de virtudes, o que fazia dele uma espécie de político predestinado ao sucesso e à redenção nacional. Collor juntou o desejo de reforma e de moralização no país e se apresentou como o mais indicado para o cargo: “o Vox Populi descobriu [...] que a luta contra os marajás era considerada prioritária pela grande maioria dos entrevistados; que entre os atributos mais desejados para o futuro presidente estavam os de ‘ser jovem’, ‘ter experiência administrativa’ e ser de ‘oposição a Sarney’ ”. (LATTMAN-WELTMAN, 1995, p. 31): Dessa forma, Collor jogou com as duas frentes, de um lado era o candidato dos sonhos da grande massa e de outro era também atraente para as elites empresariais. Portanto, enquanto perseguia funcionários públicos e armava o circo da moralização administrativa para conquistar o eleitorado, também tratava de retirar o Estado da economia. Segundo José (1996, p. 22), os meios de comunicação de massa transformaram-se, no pós-64, em uma área de acumulação intensiva de capital. Seu desenvolvimento veicula-se ao acelerado processo de expansão do capitalismo monopolista no Brasil. Era de se esperar que os interesses dos meios de comunicação estivessem interligados à manutenção de uma situação política específica, que lhes desse segurança aos investimentos que realizavam. Com sua frente neoliberal, Collor se mostrava um excelente candidato. Era o que o país estava esperando. Sua publicidade eleitoral girava em torno de uma renovação na política, de idéias e aspirações novas para uma população que recém havia saído de anos de ditadura militar. 4.3.4.1 Análise da partitura do jingle “Collorir de novo”. 4.3.4.1.1 Análise dos períodos 1,2 e 3. Diferentemente dos outros jingles analisados, este inicia com o movimento número três como destaque, significando lamentação e tristeza. Conta também com os números um significando medo e timidez, dois significando desejo e pergunta e cinco significando afirmação e forte. Este jingle foi divulgado no segundo turno da campanha de 1989, em um momento em que se definia a eleição daquele ano. Assim, ao afirmar que agora chegou a hora, refere-se ao momento de decisão eleitoral que se aproximava. A seqüência complementa esse começo, afirmando que é hora de ‘confirmar’ o voto em Collor. Melodicamente, entre os períodos dois e três, há uma característica de afirmação e forte (número cinco), justamente em uma ligação entre hora e confirmar, reforçando a ação de decisão de eleitor com o voto. 4.3.4.1.2 Análise dos períodos 4,5, 6 e 7. Tendo iniciado no período anterior, a mudança de notas leva ao movimento contínuo uníssono nos períodos cinco e seis. Outros números na pauta são: um, medo e timidez; e dois, desejo e pergunta; e três, tristeza e lamentação. A palavra mais importante desta pauta é o verbo decidiu, que significa solucionar, dar preferência, resolver, determinar, entre outros. Compreende-se sua utilização pela clareza da ação à qual se remete, afirmando que após toda a campanha desenvolvida no primeiro turno, levando a disputa para o segundo, o eleitor já escolheu quem será seu representante na esfera presidencial (FERREIRA, 1993, p. 161) Esse período é acompanhado melodicamente pela referência de insistência e vontade, reforçando o verbo que é cantado em sílabas, outra forma de destacá-lo na frase. Ao mencionar Brasil, o jingle se refere a toda a população brasileira sem qualquer distinção. É direcionado para todos ao mesmo tempo, sem defender alguma classe em especial. 4.3.4.1.3 Análise dos períodos 8,9,10 e 11. Um ponto relevante neste período é a movimentação que as notas realizam. Iniciando com o número três representando lamentação e tristeza, passando pela seqüência três, zero e zero sendo o último o número mais significativo simbolizando a insistência e a vontade, e, posteriormente, pela seqüência um, dois e dois que remete ao desejo e pergunta chegando finalmente ao número sete que se refere à certeza e amor. A mudança na melodia acompanha o texto, ao reforçar em uníssono a parte a vez e exaltar com característica de certeza a palavra anunciar. Novamente o recurso do uso de sílaba volta a ser utilizado na palavra anunciar, insistindo em seu significado de promover e divulgar uma idéia. A parte referente à a vez, no segundo período, remete a uma escolha pessoal do eleitor de um novo presidente, não havendo necessidade de se submeter à escolha de um líder por governos autoritários e voto indireto. 4.3.4.1.4 Análise dos períodos 12,13,14 e 15. Com os números zero e dois, o jingle anuncia insistência e vontade; e desejo e pergunta nos períodos. Outro número que acompanha a pauta é o um, de tristeza e lamentação. Novamente o recurso de se cantar em sílaba retorna nas palavras novo e chegar. O reforço visa à ilusão de uma nova política desencadeada a partir da vitória de Collor, fundamentada na resolução dos eleitores em votar no candidato. Isso é visto por meio da melodia, em que há característica de insistência no nome do país. Ao falar de Brasil, refere-se ao país e à população brasileira. 4.3.4.1.5 Análise dos períodos 16,17, 18 e 19. Esse período inicia-se com um espaço no primeiro período, presente na música. O décimo sétimo período começa com o número oito e três com significados como preocupação e dor; e lamentação e tristeza, passando para o número dois e três; desejo e pergunta; e lamentação, chegando no último período com uma única nota de quatro tempos de número cinco que se refere à afirmação e forte. Collor é cantado em sílabas, no intuito de reforçar nome. A melodia demonstra aspectos negativos e apenas no último período há uma característica positiva. Porém, visualizando a movimentação das notas, percebe-se um crescimento do segundo ao último período. A cada nota elevada, aproximam-se sons agudos e, portanto, mais altos, caracterizando um canto exaltado do nome de Collor. 4.3.4.1.6 Análise dos períodos 20,21, 22 e 23. O período inicia com o número um seguindo do número três e de diversos números zero, terminando com o número dois. Respectivamente: medo e timidez; tristeza e lamentação; vontade e insistência; e desejo e pergunta. Ao finalizar o nome de Collor no primeiro período, o período seguinte inicia-se com a palavra collorir Um misto de colorir – significado de dar cor ou cores, adornar e realçar (FERREIRA, 1993, p. 130) – com o sobrenome de Collor. A junção supõe que Collor iria enfeitar o Brasil com sua política, colorindo a presidência. Colorir é geralmente associado à criança, que transforma um desenho opaco em outro cheio de cores que representam a vida. Há uma repetição de notas que refletem na insistência do refrão deste período, o qual supõe que os eleitores (a gente) sabem da competência de Collor (ao pronunciar ‘de novo’) para trabalhar nas melhorias necessárias para o país. 4.3.4.1.7 Análise dos períodos 24, 25, 26 e 27. Nesses quatro períodos o nome de Collor é repetido duas vezes e meia. Em cada primeira sílaba é realizada uma movimentação positiva e na segunda sílaba, uma movimentação negativa. Os números das primeiras sílabas são, dez que significa exaltação e lírico, o dois, de desejo e pergunta; e cinco, de afirmação e forte. As segundas sílabas são descritas dessa forma, três de tristeza e lamentação e um de medo e timidez. Cantado em sílabas, sendo a primeira mais forte do que a segunda, o refrão apresenta características de exaltação e afirmação do nome de Collor reforçando o nome do candidato. 4.3.4.1.8 Análise dos períodos 28,29, 30, 31 e 32. Para finalizar, a pauta termina com excesso de números zero e dois significando respectivamente insistência e vontade, além de desejo e pergunta. Outros números que também aparecem: um, medo e timidez; e o três, de tristeza e lamentação. Melodicamente, destaca-se a parte agora é a hora e a vez, com características de uníssono e desejo. Há um reforço na idéia de necessidade de decisão do eleitor neste segundo turno. Apenas povo é cantado em sílaba, destacando-se como última fala deste jingle. 4.3.4.1.9 Conclusão da análise da partitura do jingle político “Collorir de novo”. Diferentemente dos jingles analisados anteriormente este não apresenta nenhuma virtude que se possa associar ao candidato. A única referência é collorir, mas a falta de um significado compreensível não permite que ele seja considerado como uma característica de Collor. Um dos triunfos deste jingle é a letra simples e repetitiva, marcada por uma melodia que exalta o nome do candidato. Por se tratar da disputa pela presidência da República, a letra reforça uma idéia de campanha já definida, ao afirmar que ‘o Brasil já decidiu que vai mudar’. Collor era uma opção para quem não pretendia votar em um candidato de esquerda, como Brizola e Lula – os preferidos na disputa. O refrão se destaca por repetir o nome do candidato e a letra por possuir uma linguagem franca e emotiva exaltando pontos principais quando se refere ao país e o nome de Collor. Apesar de não apresentar propostas claras, este jingle se destaca pela emotividade da melodia em junção com a letra, resultando em um instrumento poderoso de persuasão eleitoral. Tabela-resumo com as principais características dos jingles políticos analisados. Melodia Letra Interpretação melódica Getúlio Vargas Festiva e alegre Jânio Quadros Marchinha Curta, repetitiva e coloquial. Possui características pessoais. Alegria, afirmação e vontade. De combate à corrupção. Esperança e medo. Lula Marcha lenta – tipo hino Releva virtudes pessoas e defende a união entre os trabalhadores. Vontade e insistência. Collor Emotiva Linguagem pessoal e de combate à corrupção. Medo e timidez. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS A proposta apresentada no início desta pesquisa buscava compreender por meio de levantamento teórico o jingle político e os motivos que justificam sua utilização pela Comunicação Política nas campanhas eleitorais; agregado a isso, o entendimento de quatro jingles políticos através da análise da estrutura melódica e da semântica. Para tanto, foi necessário partir de uma compreensão do fato de que os homens que se pretendem públicos devem se adaptar às formatações e regras da mídia para se destacarem no sistema político, transformando os meios de comunicação em intermediários entre o lugar de atuação da política e a quem se pretende atingir. Sob essa perspectiva, as transformações tecnológicas ocorridas no século XX consolidaram o rádio como um meio de comunicação capaz de redefinir o sistema político-eleitoral, através de estratégias comunicativas, buscando a máxima eficiência da linguagem. Nesse sentido, o jingle político se apresentou como um intermediário e condutor da proposta do candidato ao condensar em uma mensagem as informações convertidas em argumento de persuasão, transformando-se em um instrumento eficaz da Comunicação Política no apoio a campanhas eleitorais, oferecendo ao candidato um elemento fundamental de convencimento dos eleitores. No Brasil, país de proporções continentais, o rádio é um dos melhores meios de comunicação para se atingir a totalidade da população. Por meio do acesso à informação proporcionado pelo meio, o cidadão tem condições de atuar de forma efetiva e real no processo de escolha dos seus representantes na esfera política. Surgido em 1922 e chegando a se tornar a principal mass mídia da época na década de 1940, o rádio buscou na verba publicitária uma forma de sobrevivência. Em contrapartida, as agências publicitárias exigiram do rádio o desenvolvimento de uma linguagem mais profissional que acompanhasse a evolução da publicidade. O rádio pode ser caracterizado como uma forma de repersonalização do poder. Sua atuação se prolonga ao despertar no ouvinte sentimentos de atração e simpatia ao estabelecer uma ilusão de proximidade entre locutor e receptor, cativando-o, sugerindo idéias e, finalmente, convencendo. Dessa forma, o jingle comercial surgiu em 1932 e se transformou rapidamente em uma mídia eficaz e lucrativa. Duas décadas seguintes, a Comunicação adaptou essa mídia para fins políticos e após anos de canções políticas espontâneas e satíricas, o jingle político surgiu como um instrumento eficaz de persuasão eleitoral. O criador da melodia do jingle é necessariamente um músico, que procura estabelecer uma ligação de fantasia e realidade, aliada à capacidade de sedução e persuasão em uma música acessível e completa. A letra do jingle pode ser feita por um redator de uma agência de publicidade ou outro letrista. Entre as características estudadas nesta pesquisa, o jingle se define como um elemento que reforça as virtudes e diretrizes políticas do candidato, sintetizando sua imagem, proposta eleitoral e idéia-chave da candidatura em uma melodia emotiva e letra acessível. Com base nesses elementos específicos, a utilização do jingle político pela Comunicação nas campanhas eleitorais se justifica em virtude das conseqüências reais e potenciais que a peça ocasiona no funcionamento do processo político. Enquanto forma de comunicação, a música atua como elemento de distinção e identidade social e individual, servindo como uma ferramenta nos processos de dominação ideológica e motivação política que visa ações que transformem a sociedade. O jingle é um tipo de música composto de características específicas da publicidade eleitoral que prioriza a persuasão em sua formatação. Sendo assim, a relação entre música e Comunicação Política se estabelece no momento em que as funções e usos da música se tornam relevantes e decisivos para alcançar os objetivos propostos na campanha eleitoral. A música, adaptada a situações e eventos, estabelece significados importantes que serão sentidos e incorporados pelo imaginário coletivo, já que exerce um papel fundamental ao criar cenários para o desenvolvimento dos relacionamentos humanos. O jingle político, enquanto música, integra a sociedade a favor dos ideais estipulados por um determinado grupo. Nas campanhas eleitorais, o jingle carrega um significado social e por estar relacionado com um candidato específico, possibilita ao eleitor a construção de múltiplos sentidos individuais e coletivos. Ou seja, o jingle político, ao despertar a afetividade e a emoção, constrói a forma como o eleitor compreende a si mesmo e o mundo que o cerca. O eleitor se reconhece como um ser atuante na esfera política pela necessidade do seu voto na escolha democrática de um representante e define sua escolha a partir das propostas apresentadas. Interage com outros eleitores ao tomar consciência de que todos buscam solucionar seus problemas. O jingle atua nessa construção de sentido ao fornecer ao eleitor uma melodia que suscite emoção, sendo essa a razão pela qual participamos das atividades musicais. Composta de combinações de sons que adquirem uma lógica intelectual e uma significação psicológica, a música acaba por determinar uma ação direta sobre o ouvinte, tornando-o capaz de induzir movimentos sociais e de associar estados psíquicos nos quais o espaço e tempo desaparecem. Mesmo que a reação afetiva derivada de uma melodia bem construída dependa da formação do caráter do indivíduo, a fase de êxtase ocorre para qualquer pessoa que seja estimulada musicalmente. Ao atingir o sistema nervoso, a música faz com que o cérebro gere antecipações e compreenda as movimentações no ritmo e na harmonia. Por meio dessas antecipações, a música busca intencionalmente influenciar nas escolhas do indivíduo. Sendo assim, o compositor utiliza determinados valores básicos – nesta pesquisa denominados por movimentação entre as notas – com o intuito de transmitir pela melodia valores estipulados, buscando uma determinada resposta do ouvinte. Essa situação ocorreu na análise estrutural dos quatro jingles selecionados. Melodicamente, o jingle de Vargas recorre ao gênero marcha rápida associada a canções carnavalescas. Destaca-se o reforço musical ao utilizar a mesma seqüência de notas em determinados períodos. Em referência às músicas carnavalescas, esse jingle busca transmitir uma sonoridade festiva e alegre, acompanhada de uma letra curta, repetitiva e coloquial. É a peça que mais se aproxima das características vistas na pesquisa sobre leis, técnicas e teorias do jingle. Assim como há um reforço na melodia com a insistência da mesma nota, a letra apresenta virtudes do candidato ao relacionar a ação com as conseqüências potenciais que podem surgir se Vargas retornar ao poder. A letra relembrou ações realizadas no período anterior, do Estado Novo, como uma continuação desse governo em 1950. Assim como o de Vargas, o jingle de Jânio Quadros também obedece aos princípios gerais da teoria, leis e técnicas do jingle. A campanha de Jânio se destaca pela inserção de um símbolo, da qual foi retirada a idéia deste jingle. A vassoura que o candidato carregava em seus discursos foi a idéia-chave que se fixou no imaginário popular, tornando o jingle um sucesso na campanha. A letra utiliza elementos gerais que definiram o governo de Juscelino Kubitchek para fundamentar as virtudes de Jânio: ser capaz de varrer a corrupção do governo e, por isso, ser a esperança para o país. Na melodia destaca-se a repetição do movimento com a intenção de reforçar a idéia-chave, a limpeza da política nacional. Mais recentemente, para o segundo turno das eleições presidenciais de 1989, o jingle composto para o candidato Lula marcou uma tentativa de redefinição da imagem pública do político. Havia uma necessidade de modificar o imaginário de uma parcela do eleitorado que não pertencia à classe dos trabalhadores e sentia-se inseguro com o discurso idealista de um novo sindicalismo. Conforme se depreende da análise realizada neste trabalho, a letra do jingle usado por Lula apresenta suas virtudes como candidato associadas à idéia de um governo fundado na união com o eleitor. Isso representa uma das leis do jingle, de exaltação das virtudes e das propostas do candidato. Característica visualizada na peça publicitária de Lula é a memorização pela repetição da expressão do nome com o advérbio, Lula lá. Melodicamente, essa junção é acompanhada com um movimento de insistência das notas musicais. Diferentemente dos jingles analisados anteriormente, a peça de Collor destaca-se por não apresentar nenhuma virtude que se possa associar ao candidato. A única referência é “collorir”, mas a falta de um significado compreensível não permite que ele seja considerado como uma característica de Collor. Como pode ser visto durante essa análise, o jingle político se apropriou de uma linguagem popular para alcançar o eleitor. Para tanto, foram utilizadas formas sutis de persuasão com a melodia e letra, fazendo referências a contextos históricos anteriores como justificação da candidatura do político e conduzindo a vontade do eleitor na escolha do seu representante. Desenvolvido com propósitos comerciais, o jingle se adaptou à linguagem simples e acessível do rádio da década de 1950, cooperando nas vendas e se tornando uma ferramenta poderosa para a publicidade. A Comunicação Política se apropriou dessas características singulares e adaptou o jingle ao formato persuasivo que a campanha eleitoral exige. Assim como foi observado nos jingles analisados, o modelo de sucesso eleitoral depende da construção entre uma melodia específica, que reforce o nome do candidato pela insistência da nota musical, e a letra que se relacione com o passado e prometa um futuro melhor. Conclui-se que a utilização do jingle pela Comunicação Política ocorre pelo resultado eficiente de convencimento ofertado pela peça publicitária e pelo histórico de resposta da ação da música (melodia e letra) inserida em contextos sociais. REFERÊNCIAS ADORNO, Theodor W., HORKHEIMER, Max. Indústria Cultural – Iluminismo como Mistificação das Massas. In: Lima, Luis Costa (org.). Teoria da cultura de massa. 2ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. AMARAL, K.C.C. Getúlio Vargas - O criador de ilusões. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DA COMUNICAÇÃO, 25, 2002, Salvador. Anais... 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Anexo 5 - Lista dos jingles políticos que compõem o CD. 1. “Retrato do Velho”, campanha de 1950 de Getúlio Vargas. 2. “Varre, Varre, Vassourinha”, da campanha de 1960 de Jânio Quadros. 3. “Sem medo de ser feliz”, da campanha de 1989 de Luiz Inácio Lula da Silva. 4. “Collorir de novo”, da campanha de 1989 de Fernando Collor.