285 A MÚSICA COMO FONTE E RECURSO DIDÁTICO EM SALA DE AULA Kevin S. S. Conceição/ [email protected] Thiago Veronezzi/ [email protected] Universidade Estadual de Maringá/ Campus sede Prof. Doutor Hudson Amaro/ [email protected] Universidade Estadual de Maringá/ Campus sede Resumo: Este trabalho se trata de uma das partes da proposta de elaboração de material didático que versará sobre orientações e discussões de ordens metodológicas a respeito das possíveis e desejáveis linguagens de ensino que podem ser empregadas pelo docente em sala de aula, como por exemplo: Música, Literatura, Cinema, entre outras, projeto este proposto pelos orientadores do PIBIDUEM. Nessa vertente iremos apresentar e discutir questões teóricas e metodológicas para o uso da música como fonte histórica. Posteriormente, utilizando de outros textos recolhido vamos apresentar quais são as possíveis metodologias para o uso da música como recurso didático para o ensino de História. Assim, no primeiro momento nosso trabalho se mostra como um alerta para o uso da música como fonte histórica, as dificuldades e métodos para o manejo adequado dessa fonte, que na verdade se mostra mais complexo do que imaginamos. Em seguida nosso trabalho passará a verificar como a música pode ser utilizada em sala de aula, com quais objetivos podemos usar esse instrumento como recurso didático e, também, quais são suas dificuldades. Dessa forma, para exemplificarmos e mostrarmos como a utilização da música como fonte histórica pode ser incorporada e desenvolvida em sala de aula, apresentaremos uma experiência elaborada por duas alunas da Universidade Estadual de Londrina, inseridas no PIBID-UEL. Palavras-chave: História. Música. Recurso Didático. Introdução Segundo XAVIER, com a contribuição da escola dos Annales e a crítica sobre a pretensa objetividade imparcial da História através dos documentos oficiais, foi possível deixar de ver o documento como portador de uma verdade irredutível, uma vez que o fato histórico deveria ser construído pelo historiador a partir de uma conjunção entre o presente e o passado (2010, p. 642). A partir desse momento, houve uma ampliação significativa no sentido dado ao documento e deixou-se de valorizar apenas o registro escrito e oficial, não sendo mais de tanta relevância a veracidade do documento. A fonte histórica, conforme afirma Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva, no livro Dicionário de conceitos Históricos (2006) passou a ser a construção do historiador e suas perguntas, sem deixar de lado a crítica documental, pois questionar o documento não era apenas construir interpretações sobre ele, mas também conhecer sua origem e sua relação com a sociedade que o produziu. Assim, os seguidores da Nova História, influenciados pela historiografia dos Annalles, passaram a utilizar em suas pesquisas diversas fontes como a música, a literatura, as imagens ou a cultura material. A fonte histórica passou a ser entendida como vestígios, registros do 286 passado, ligados diretamente aos estudos, como o cotidiano, o imaginário, a alimentação, as tradições, entre outros. (XAVIER, 2010). Dessa forma, a música foi introduzida no campo da história como fonte histórica, carregada de subjetividade e vestígios do contexto histórico em que foi produzida. Mas, a música contém suas especificidades como fonte, possuindo técnicas próprias para sua análise. Erroneamente se trabalha constantemente apenas as letras das músicas, esquecendo que outros elementos dessa fonte também são importantes para se atingir uma eficaz análise. Neste sentido, segundo MORAES, a música não deve ser compreendida apenas como texto, as análises devem ultrapassar os limites restritos exclusivamente à poética inscrita na canção, pois, ainda que de maneira válida, estaria se realizando uma interpretação de texto, e não da canção propriamente dita. (MORAES, 2000, p. 215) Deste modo, a música como fonte possui uma metodologia própria para análise, que vai além da letra, abrangendo também a linha melódica, o ritmo, a forma instrumental, a interpretação entre vários outros elementos. A metodologia Continuando na abordagem de MORAES, ao trabalhar mais especificamente com canções populares, o autor afirma que as canções poderiam constituir-se em um acervo importante para se conhecer melhor ou revelar zonas obscuras da história. A canção e a música popular poderiam, portanto, ser encaradas como uma importante fonte para compreender certas realidades da cultura popular e desvendar a história de setores da sociedade pouco lembrados pela historiografia (2000, p. 204). Todavia, tais investigações raramente têm ocorrido e por diversas razões. Segundo o autor, a bibliografia da história da música, como mais um elemento da história da arte, geralmente serviu para reforçar limitações e preconceitos, reforçando apenas as perspectivas românticas, nacionalistas ou folclóricas na análise musical. Isto ocorre, porque ela está fortemente marcada por um paradigma historiográfico tradicional, assim, uma postura bastante conservadora no quadro da historiografia contemporânea. Conforme afirma MORAES (2010), apenas no final da década de 1970 ocorrem, no Brasil, algumas importantes transformações nesse cenário, que se aprofundaram nos anos 80. Trabalhos originais, produzidos na universidade e distribuídos por diversas áreas do conhecimento, começam a trazer análises mais amplas e contribuições de suas áreas específicas, alargando um pouco mais os horizontes das pesquisas, para além das compilações e sínteses biográficas e impressionistas. Apesar desse quadro renovador originário das universidades, o trabalho investigativo, especificamente nessa área da história social e cultural, tendo a música como eixo, ainda permanece bastante tímido e com avanços apenas residuais. Com relação às dificuldades no trato dessas fontes documentais musicais, continuando na análise do autor, para o historiador que está relativamente distante dos debates e discussões estritas da musicologia e da música propriamente dita, naturalmente se coloca como primeiro problema às investigações lidar com os códigos e a linguagem musical. Esta é uma dificuldade séria e não única, mas que deve ser superada. Assim, mesmo não sendo músico ou musicólogo com formação 287 apropriada e específica, o historiador pode compreender aspectos gerais da linguagem musical e criar seus próprios critérios, balizas e limites de manipulação da documentação. (MORAES, 2010, p. 210) Outro obstáculo apontado pelo autor no trato da música como fonte documental é a suposta condição excessivamente subjetiva da música. Inicialmente porque a música, além de seu estado de imaterialidade, atinge os sentidos do receptor, estando, portanto, fundamentalmente no universo da sensibilidade. Além disso, geralmente uma nova leitura é realizada pelo interprete/instrumentista. E, enfim, o receptor faz sua leitura da obra, às vezes trilhando caminhos inesperados para o criador. Porém, não podemos esquecer que qualquer fonte sempre passa por inúmeros e às vezes complexos processos de filtragem sociais e culturais, nunca traduzindo de maneira completa e objetiva o passado. O fato da fonte não ser objetiva não significa que ela seja inutilizável. Como já mencionado a música não deve ser compreendida apenas como texto, sua análise deve ultrapassar os limites restritivos exclusivamente à poética inscrita na canção, pois assim não se estará fazendo uma análise da canção propriamente dita, apenas uma mera interpretação de texto. Porém, é relevante que muitas vezes as formulações poéticas concedem mais indicações e caminhos que as estritamente musicais, que podem redundar em torno das mesmas estruturas, formulações melódicas, ritmos e gêneros conhecidos. Por isso, para se compreender a música, é necessário entender sua forma toda especial, pois ela não é para ser falada ou lida como tradicionalmente ocorre. A letra de uma música, isto é, a “voz cantada” ou a “palavra-cantada”, assume outra característica e instância interpretativa e assim deve ser compreendida para não se distanciar das suas íntimas relações musicais. Depois de ultrapassado todos esses obstáculos e se verificar esse trato primário com o documento musical, que na verdade, é um trabalho anterior ao realizado em sala de aula, pois como professor de história nós somos, também, historiadores e devemos efetuar o devido manuseio de qualquer documento histórico, podemos partir para as discussões metodológicas sobre o uso da música dentro de sala de aula, seus objetivos, seus benefícios e suas dificuldades. Não devemos, porém, perder de vista todo esse processo realizado anteriormente, que pode e deve ser utilizado para apresentar aos alunos como se dá a elaboração da história, como veremos posteriormente. Segundo Kátia Maria Abud, como a significação do conceito de conhecimento escolar não corresponde à significação do mesmo conceito no saber acadêmico, no processo de aprendizagem as fontes se transformam em recursos didáticos, na medida em que são chamadas para responder perguntas e questionamentos adequados aos objetivos da história ensinada (ABUD, 2005, p. 310) Assim, as fontes históricas teriam funções distintas quando utilizadas no campo acadêmico e no campo escolar, pois os objetivos que se quer atingir na utilização do documento são distintos em cada campo. Ainda segundo a autora, as chamadas linguagens alternativas para o ensino de história, entre elas a música, mobilizam conceitos e processam símbolos culturais e sociais, mediante os quais apresentam certa imagem do mundo. Elas provocam uma atividade psíquica intensa feita de seleções, de relações e com representações criadas e expressas por outras formas de linguagem (2005, p. 310). 288 Dessa forma, para Kátia Abud, tal metodologia de ensino auxilia os alunos a elaborarem conceitos e a dar significados a fatos históricos. A música se constitui em evidência, registro de acontecimentos a serem compreendidos pelo aluno em sua abrangência mais ampla, ou seja, em sua compreensão cronológica, na elaboração e re-significação de conceitos próprios da disciplina. Mais ainda, a utilização de tais registros colabora na formação dos conceitos espontâneos dos alunos e na aproximação entre eles e os conceitos científicos. (2005, p. 316). Assim a utilização de linguagens alternativas, como a música, para o ensino da história, teria um objetivo mais amplo, procurando auxiliar o aluno na compreensão de conceitos históricos, e não apenas facilitar a compreensão de determinado conteúdo, como Ditadura Militar, Revolução Francesa ou Era Vargas. Passando agora para última parte, gostaríamos de abordar alguns trabalhos que apresentam a aplicação prática da música como fonte histórica dentro de sala de aula e como ferramenta pedagógica para o ensino de História. Debruçamos-nos agora sobre um artigo elaborado por SIMONGINI e CORDEIRO, intitulado Aula Oficina: a música como proposta de produção de conhecimento histórico com os alunos (2012). As autoras levaram para sala de aula a música “Metrô Linha 743” do cantor Raul Seixas, e a música “Eu te amo meu Brasil” de Don e Ravel, para abordar o conteúdo de Ditadura Militar. Após a contextualização e uma breve aula sobre Ditadura Militar, passou-se à leitura das músicas e à sua análise. Uma parte muito interessante do trabalho realizado é como as autoras mostram que elementos, nem sempre analisados, da música de Rual Seixas e de Don Ravel como os ritmos, os instrumentos utilizados e a execução são vazados de subjetividade. Segundo as autoras, no caso da música “Metrô Linha 743” de Raul Seixas, o ritmo é influenciado pelo rock, rápido, contagiante, subentende irreverência, alegria, apesar de a letra ser um lamento em relação às perseguições sofridas na Ditadura Militar (2012, p. 80). Em contra ponto, a música “Eu te amo meu Brasil”, de Don e Ravel, que além de ufanista possui um ritmo de marcha, corrobora a representação de Estado sob Ditadura Militar. Ao falarem da execução da música e dos instrumentos utilizados, as autoras afirmam que este não é um trabalho que exige muito aprofundamento técnico por parte do professor, pois facilmente podemos notar que para a produção de “Eu te amo meu Brasil” é necessário instrumentos de sopro como os trompetes, os trombones, o bumbo para a marcação, estes são característicos de bandas marciais como a do exército e da polícia. O ritmo da música de Raul Seixas, já num tom “moderno”, de contestação, utiliza de guitarras, bateria, instrumentos do Rock da época. (2012, p. 82) A cerca da interpretação da música, “Eu te amo meu Brasil” é cantada como em coral, por isso facilmente executada em escolas, ela lembra um hino, afirmam as autoras, pois era cantada no mesmo momento em que se cantava o hino nacional, e outros hinos pátrios. Já a música “Metrô Linha 743”, Raul Seixas canta com a voz descontraída, como se contasse uma história para alguém, ele tem a fala arrastada, um tom sarcástico. O objetivo final atingido pelas autoras do texto foi o objetivo almejado pela autora Kátia Maria Abud (2005), quando se trata da utilização da música como recurso pedagógico dentro de sala de aula. Segundo as autoras SIMONGINI e CORDEIRO, foi possível perceber a progressão conceitual dos alunos. Eles passaram a olhar de maneira diferente para a evidência histórica, antes visto como uma verdade em si e não como uma representação do passado (2012, p. 92). Ao identificarem dois discursos contraditórios sobre o mesmo período histórico foi 289 possível se identificar que a história não é completamente objetiva, como boa parte dos alunos da turma a identificavam. Como propôs ABUD (2005) e XAVIER (2010), a música se mostrou eficaz em ensinar não só um conteúdo específico da História, mas a ensinar conceitos historiográficos mais amplos. Considerações finais Após o exposto, podemos concluir que as linguagens alternativas, no nosso caso a música, como recursos pedagógicos para o ensino de História possuem diversos objetivos, entre eles o de transformar o conteúdo apresentado em sala de aula mais atrativo para os alunos e facilitar a abstração de conceitos históricos mais complexos. Mas esse recurso facilitador do aprendizado tem toda uma especificidade, a música possui uma forma toda especial, devendo o professor, antes como historiador, tomar todo o cuidado para se fazer a devida análise desse documento enquanto fonte histórica. O uso da música dentro de sala de aula não deve ser feito com o objetivo ilustrativo, mas sim com o objetivo de esclarecer conceitos para os alunos, mostra-lhes o método historiográfico e como se dá o fazer histórico. As fontes devem assumir um papel fundamental de significação na estrutura cognitiva do aluno: demonstrar as representações que determinados grupos forjam sobre a sociedade em que viviam, como pensavam e sentiam, como se estabeleceram no tempo e no espaço. Devem servir para que o aluno seja capaz de fazer diferenciações, abstrações que o permitam fazer a leitura das distintas temporalidades às quais estamos submetidos. Assim, aparentemente o manuseio da música, como fonte histórica, dentro de sala de aula traz conhecimento histórico para o aluno já no decorrer da aplicação do método historiográfico, com o aluno adquirindo o conhecimento de conceitos históricos, como: o que é história e como se dá a escrita da história. O simples ato do professor levar para sala de aula este recurso didáticos e lhes apresentar o devido método de análise dessa fonte já estará passando para um aluno um conceito todo novo de História e tendo o devido cuidado também de não manipular os dados em favor de sua própria interpretação, mas propiciar aos alunos a possibilidade de construção de suas próprias conclusões a partir dos dados fornecidos. Referências ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula de História. Cadernos do CEDES (UNICAMP), Campinas/SP, v. 67, p. 309-317, 2005 MORAES, J. G. V. História e Música: canção popular e conhecimento histórico. Revista Brasileira de História, vol. 20, nº 30. Dossiê; Brasil, Brasis, 2000. PEREZ, Isabel Cristina Gallindo. Estado Novo através da música: uma experiência em sala de aula. Disponível em < http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/586-4.pdf> Acesso em 18 de Maio de 2013. SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos históricos. São Paulo: Contexto, edição nº 2, 2006. XAVIER, E. S. . Ensino e História: o uso das fontes históricas como ferramentas na produção do conhecimento histórico. In: XXII Semana de História da Universidade Estadual do Norte do Paraná.Os historiadores e suas fontes: Ensino e Pesquisa., 2010, Jacarezinho. pp. 639-654.