a música como fonte e recurso didático em sala de aula

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A MÚSICA COMO FONTE E RECURSO DIDÁTICO EM SALA
DE AULA
Kevin S. S. Conceição/ [email protected]
Thiago Veronezzi/ [email protected]
Universidade Estadual de Maringá/ Campus sede
Prof. Doutor Hudson Amaro/ [email protected]
Universidade Estadual de Maringá/ Campus sede
Resumo: Este trabalho se trata de uma das partes da proposta de elaboração de material didático
que versará sobre orientações e discussões de ordens metodológicas a respeito das possíveis e
desejáveis linguagens de ensino que podem ser empregadas pelo docente em sala de aula, como por
exemplo: Música, Literatura, Cinema, entre outras, projeto este proposto pelos orientadores do PIBIDUEM. Nessa vertente iremos apresentar e discutir questões teóricas e metodológicas para o uso da
música como fonte histórica. Posteriormente, utilizando de outros textos recolhido vamos apresentar
quais são as possíveis metodologias para o uso da música como recurso didático para o ensino de
História. Assim, no primeiro momento nosso trabalho se mostra como um alerta para o uso da música
como fonte histórica, as dificuldades e métodos para o manejo adequado dessa fonte, que na
verdade se mostra mais complexo do que imaginamos. Em seguida nosso trabalho passará a
verificar como a música pode ser utilizada em sala de aula, com quais objetivos podemos usar esse
instrumento como recurso didático e, também, quais são suas dificuldades. Dessa forma, para
exemplificarmos e mostrarmos como a utilização da música como fonte histórica pode ser
incorporada e desenvolvida em sala de aula, apresentaremos uma experiência elaborada por duas
alunas da Universidade Estadual de Londrina, inseridas no PIBID-UEL.
Palavras-chave: História. Música. Recurso Didático.
Introdução
Segundo XAVIER, com a contribuição da escola dos Annales e a crítica sobre
a pretensa objetividade imparcial da História através dos documentos oficiais, foi
possível deixar de ver o documento como portador de uma verdade irredutível, uma
vez que o fato histórico deveria ser construído pelo historiador a partir de uma
conjunção entre o presente e o passado (2010, p. 642).
A partir desse momento, houve uma ampliação significativa no sentido dado
ao documento e deixou-se de valorizar apenas o registro escrito e oficial, não sendo
mais de tanta relevância a veracidade do documento. A fonte histórica, conforme
afirma Kalina Vanderlei Silva e Maciel Henrique Silva, no livro Dicionário de
conceitos Históricos (2006) passou a ser a construção do historiador e suas
perguntas, sem deixar de lado a crítica documental, pois questionar o documento
não era apenas construir interpretações sobre ele, mas também conhecer sua
origem e sua relação com a sociedade que o produziu. Assim, os seguidores da
Nova História, influenciados pela historiografia dos Annalles, passaram a utilizar em
suas pesquisas diversas fontes como a música, a literatura, as imagens ou a cultura
material. A fonte histórica passou a ser entendida como vestígios, registros do
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passado, ligados diretamente aos estudos, como o cotidiano, o imaginário, a
alimentação, as tradições, entre outros. (XAVIER, 2010).
Dessa forma, a música foi introduzida no campo da história como fonte
histórica, carregada de subjetividade e vestígios do contexto histórico em que foi
produzida. Mas, a música contém suas especificidades como fonte, possuindo
técnicas próprias para sua análise. Erroneamente se trabalha constantemente
apenas as letras das músicas, esquecendo que outros elementos dessa fonte
também são importantes para se atingir uma eficaz análise.
Neste sentido, segundo MORAES,
a música não deve ser compreendida apenas como texto, as análises
devem ultrapassar os limites restritos exclusivamente à poética inscrita
na canção, pois, ainda que de maneira válida, estaria se realizando
uma interpretação de texto, e não da canção propriamente dita.
(MORAES, 2000, p. 215)
Deste modo, a música como fonte possui uma metodologia própria para
análise, que vai além da letra, abrangendo também a linha melódica, o ritmo, a
forma instrumental, a interpretação entre vários outros elementos.
A metodologia
Continuando na abordagem de MORAES, ao trabalhar mais especificamente
com canções populares, o autor afirma que as canções poderiam constituir-se em
um acervo importante para se conhecer melhor ou revelar zonas obscuras da
história. A canção e a música popular poderiam, portanto, ser encaradas como uma
importante fonte para compreender certas realidades da cultura popular e desvendar
a história de setores da sociedade pouco lembrados pela historiografia (2000, p.
204). Todavia, tais investigações raramente têm ocorrido e por diversas razões.
Segundo o autor, a bibliografia da história da música, como mais um elemento da
história da arte, geralmente serviu para reforçar limitações e preconceitos,
reforçando apenas as perspectivas românticas, nacionalistas ou folclóricas na
análise musical. Isto ocorre, porque ela está fortemente marcada por um paradigma
historiográfico tradicional, assim, uma postura bastante conservadora no quadro da
historiografia contemporânea.
Conforme afirma MORAES (2010), apenas no final da década de 1970
ocorrem, no Brasil, algumas importantes transformações nesse cenário, que se
aprofundaram nos anos 80. Trabalhos originais, produzidos na universidade e
distribuídos por diversas áreas do conhecimento, começam a trazer análises mais
amplas e contribuições de suas áreas específicas, alargando um pouco mais os
horizontes das pesquisas, para além das compilações e sínteses biográficas e
impressionistas. Apesar desse quadro renovador originário das universidades, o
trabalho investigativo, especificamente nessa área da história social e cultural, tendo
a música como eixo, ainda permanece bastante tímido e com avanços apenas
residuais.
Com relação às dificuldades no trato dessas fontes documentais musicais,
continuando na análise do autor, para o historiador que está relativamente distante
dos debates e discussões estritas da musicologia e da música propriamente dita,
naturalmente se coloca como primeiro problema às investigações lidar com os
códigos e a linguagem musical. Esta é uma dificuldade séria e não única, mas que
deve ser superada. Assim, mesmo não sendo músico ou musicólogo com formação
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apropriada e específica, o historiador pode compreender aspectos gerais da
linguagem musical e criar seus próprios critérios, balizas e limites de manipulação da
documentação. (MORAES, 2010, p. 210)
Outro obstáculo apontado pelo autor no trato da música como fonte
documental é a suposta condição excessivamente subjetiva da música. Inicialmente
porque a música, além de seu estado de imaterialidade, atinge os sentidos do
receptor, estando, portanto, fundamentalmente no universo da sensibilidade. Além
disso, geralmente uma nova leitura é realizada pelo interprete/instrumentista. E,
enfim, o receptor faz sua leitura da obra, às vezes trilhando caminhos inesperados
para o criador. Porém, não podemos esquecer que qualquer fonte sempre passa por
inúmeros e às vezes complexos processos de filtragem sociais e culturais, nunca
traduzindo de maneira completa e objetiva o passado. O fato da fonte não ser
objetiva não significa que ela seja inutilizável.
Como já mencionado a música não deve ser compreendida apenas como
texto, sua análise deve ultrapassar os limites restritivos exclusivamente à poética
inscrita na canção, pois assim não se estará fazendo uma análise da canção
propriamente dita, apenas uma mera interpretação de texto. Porém, é relevante que
muitas vezes as formulações poéticas concedem mais indicações e caminhos que
as estritamente musicais, que podem redundar em torno das mesmas estruturas,
formulações melódicas, ritmos e gêneros conhecidos. Por isso, para se
compreender a música, é necessário entender sua forma toda especial, pois ela não
é para ser falada ou lida como tradicionalmente ocorre. A letra de uma música, isto
é, a “voz cantada” ou a “palavra-cantada”, assume outra característica e instância
interpretativa e assim deve ser compreendida para não se distanciar das suas
íntimas relações musicais.
Depois de ultrapassado todos esses obstáculos e se verificar esse trato
primário com o documento musical, que na verdade, é um trabalho anterior ao
realizado em sala de aula, pois como professor de história nós somos, também,
historiadores e devemos efetuar o devido manuseio de qualquer documento
histórico, podemos partir para as discussões metodológicas sobre o uso da música
dentro de sala de aula, seus objetivos, seus benefícios e suas dificuldades. Não
devemos, porém, perder de vista todo esse processo realizado anteriormente, que
pode e deve ser utilizado para apresentar aos alunos como se dá a elaboração da
história, como veremos posteriormente.
Segundo Kátia Maria Abud,
como a significação do conceito de conhecimento escolar não
corresponde à significação do mesmo conceito no saber acadêmico,
no processo de aprendizagem as fontes se transformam em recursos
didáticos, na medida em que são chamadas para responder perguntas
e questionamentos adequados aos objetivos da história ensinada
(ABUD, 2005, p. 310)
Assim, as fontes históricas teriam funções distintas quando utilizadas no
campo acadêmico e no campo escolar, pois os objetivos que se quer atingir na
utilização do documento são distintos em cada campo.
Ainda segundo a autora, as chamadas linguagens alternativas para o ensino
de história, entre elas a música, mobilizam conceitos e processam símbolos culturais
e sociais, mediante os quais apresentam certa imagem do mundo. Elas provocam
uma atividade psíquica intensa feita de seleções, de relações e com representações
criadas e expressas por outras formas de linguagem (2005, p. 310).
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Dessa forma, para Kátia Abud, tal metodologia de ensino auxilia os alunos a
elaborarem conceitos e a dar significados a fatos históricos. A música se constitui
em evidência, registro de acontecimentos a serem compreendidos pelo aluno em
sua abrangência mais ampla, ou seja, em sua compreensão cronológica, na
elaboração e re-significação de conceitos próprios da disciplina. Mais ainda, a
utilização de tais registros colabora na formação dos conceitos espontâneos dos
alunos e na aproximação entre eles e os conceitos científicos. (2005, p. 316). Assim
a utilização de linguagens alternativas, como a música, para o ensino da história,
teria um objetivo mais amplo, procurando auxiliar o aluno na compreensão de
conceitos históricos, e não apenas facilitar a compreensão de determinado
conteúdo, como Ditadura Militar, Revolução Francesa ou Era Vargas.
Passando agora para última parte, gostaríamos de abordar alguns trabalhos
que apresentam a aplicação prática da música como fonte histórica dentro de sala
de aula e como ferramenta pedagógica para o ensino de História. Debruçamos-nos
agora sobre um artigo elaborado por SIMONGINI e CORDEIRO, intitulado Aula
Oficina: a música como proposta de produção de conhecimento histórico com os
alunos (2012).
As autoras levaram para sala de aula a música “Metrô Linha 743” do cantor
Raul Seixas, e a música “Eu te amo meu Brasil” de Don e Ravel, para abordar o
conteúdo de Ditadura Militar. Após a contextualização e uma breve aula sobre
Ditadura Militar, passou-se à leitura das músicas e à sua análise.
Uma parte muito interessante do trabalho realizado é como as autoras
mostram que elementos, nem sempre analisados, da música de Rual Seixas e de
Don Ravel como os ritmos, os instrumentos utilizados e a execução são vazados de
subjetividade. Segundo as autoras, no caso da música “Metrô Linha 743” de Raul
Seixas, o ritmo é influenciado pelo rock, rápido, contagiante, subentende
irreverência, alegria, apesar de a letra ser um lamento em relação às perseguições
sofridas na Ditadura Militar (2012, p. 80). Em contra ponto, a música “Eu te amo meu
Brasil”, de Don e Ravel, que além de ufanista possui um ritmo de marcha, corrobora
a representação de Estado sob Ditadura Militar. Ao falarem da execução da música
e dos instrumentos utilizados, as autoras afirmam que este não é um trabalho que
exige muito aprofundamento técnico por parte do professor, pois facilmente
podemos notar que para a produção de “Eu te amo meu Brasil” é necessário
instrumentos de sopro como os trompetes, os trombones, o bumbo para a
marcação, estes são característicos de bandas marciais como a do exército e da
polícia. O ritmo da música de Raul Seixas, já num tom “moderno”, de contestação,
utiliza de guitarras, bateria, instrumentos do Rock da época. (2012, p. 82)
A cerca da interpretação da música, “Eu te amo meu Brasil” é cantada como
em coral, por isso facilmente executada em escolas, ela lembra um hino, afirmam as
autoras, pois era cantada no mesmo momento em que se cantava o hino nacional, e
outros hinos pátrios. Já a música “Metrô Linha 743”, Raul Seixas canta com a voz
descontraída, como se contasse uma história para alguém, ele tem a fala arrastada,
um tom sarcástico.
O objetivo final atingido pelas autoras do texto foi o objetivo almejado pela
autora Kátia Maria Abud (2005), quando se trata da utilização da música como
recurso pedagógico dentro de sala de aula. Segundo as autoras SIMONGINI e
CORDEIRO, foi possível perceber a progressão conceitual dos alunos. Eles
passaram a olhar de maneira diferente para a evidência histórica, antes visto como
uma verdade em si e não como uma representação do passado (2012, p. 92). Ao
identificarem dois discursos contraditórios sobre o mesmo período histórico foi
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possível se identificar que a história não é completamente objetiva, como boa parte
dos alunos da turma a identificavam. Como propôs ABUD (2005) e XAVIER (2010),
a música se mostrou eficaz em ensinar não só um conteúdo específico da História,
mas a ensinar conceitos historiográficos mais amplos.
Considerações finais
Após o exposto, podemos concluir que as linguagens alternativas, no nosso
caso a música, como recursos pedagógicos para o ensino de História possuem
diversos objetivos, entre eles o de transformar o conteúdo apresentado em sala de
aula mais atrativo para os alunos e facilitar a abstração de conceitos históricos mais
complexos. Mas esse recurso facilitador do aprendizado tem toda uma
especificidade, a música possui uma forma toda especial, devendo o professor,
antes como historiador, tomar todo o cuidado para se fazer a devida análise desse
documento enquanto fonte histórica. O uso da música dentro de sala de aula não
deve ser feito com o objetivo ilustrativo, mas sim com o objetivo de esclarecer
conceitos para os alunos, mostra-lhes o método historiográfico e como se dá o fazer
histórico. As fontes devem assumir um papel fundamental de significação na
estrutura cognitiva do aluno: demonstrar as representações que determinados
grupos forjam sobre a sociedade em que viviam, como pensavam e sentiam, como
se estabeleceram no tempo e no espaço. Devem servir para que o aluno seja capaz
de fazer diferenciações, abstrações que o permitam fazer a leitura das distintas
temporalidades às quais estamos submetidos. Assim, aparentemente o manuseio da
música, como fonte histórica, dentro de sala de aula traz conhecimento histórico
para o aluno já no decorrer da aplicação do método historiográfico, com o aluno
adquirindo o conhecimento de conceitos históricos, como: o que é história e como se
dá a escrita da história. O simples ato do professor levar para sala de aula este
recurso didáticos e lhes apresentar o devido método de análise dessa fonte já estará
passando para um aluno um conceito todo novo de História e tendo o devido
cuidado também de não manipular os dados em favor de sua própria interpretação,
mas propiciar aos alunos a
possibilidade de construção de suas próprias
conclusões a partir dos dados fornecidos.
Referências
ABUD, K. M. Registro e representação do cotidiano: a música popular na aula
de História. Cadernos do CEDES (UNICAMP), Campinas/SP, v. 67, p. 309-317,
2005
MORAES, J. G. V. História e Música: canção popular e conhecimento histórico.
Revista Brasileira de História, vol. 20, nº 30. Dossiê; Brasil, Brasis, 2000.
PEREZ, Isabel Cristina Gallindo. Estado Novo através da música: uma
experiência
em
sala
de
aula.
Disponível
em
<
http://www.diaadiaeducacao.pr.gov.br/portals/pde/arquivos/586-4.pdf> Acesso em 18
de Maio de 2013.
SILVA, Kalina Vanderlei e SILVA, Maciel Henrique. Dicionário de conceitos
históricos. São Paulo: Contexto, edição nº 2, 2006.
XAVIER, E. S. . Ensino e História: o uso das fontes históricas como
ferramentas na produção do conhecimento histórico. In: XXII Semana de
História da Universidade Estadual do Norte do Paraná.Os historiadores e suas
fontes: Ensino e Pesquisa., 2010, Jacarezinho. pp. 639-654.
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