Editorial O lançamento do Volume 2, Número 3, da Revista Justiça & História reveste-se de grande significado, pois consolida um projeto considerado estratégico para o Memorial do Judiciário. Pode-se afirmar com regozijo que o primeiro volume da Revista alcançou plenamente os objetivos propostos. Nos últimos meses, receberam-se solicitações para remessa de exemplares de centros de pesquisa e de estudos, ou de pesquisadores interessados, de todo o País e, também, do exterior. A Revista tem-se efetivamente firmado como um espaço de convergência daqueles que se dedicam à reflexão sobre a história do Direito e do Poder Judiciário. O grande número de artigos recebidos pela editoria da Revista indica o relevante papel cultural e social desta iniciativa pioneira. O tomo que hoje vem a público contém 16 artigos, adiante sumulados. Os sete primeiros artigos, por sua unidade temática, formam um dossiê sobre Direito e Justiça no Mundo Antigo. Em conjunto, trazem grande contribuição aos estudos da História Antiga no Brasil, municiando, ao mesmo tempo, os estudiosos da Ciência Jurídica com importantes informações históricas acerca do pensamento e das instituições jurídicas nas antigas civilizações do Oriente Próximo e do Mediterrâneo. Aos pesquisadores da Antigüidade, fornece uma coletânea de artigos de autores de sólida formação e renome que tratam, de forma sistemática e diversificada, do assunto, com textos referentes ao Egito, à Mesopotâmia, à Grécia e à civilização romana. A diversidade se encontra nos enfoques variados conferidos ao tema. Os artigos de autoria da Dra. Kátia Pozzer, Dr. Emmanuel Bouzon, Dr. Fábio Vergara Cerqueira e Dra. Ana Teresa Marques Gonçalves privilegiam uma descrição e análise do funcionamento das instituições jurídicas. Os estudos da Dra. Margaret Marchiori Bakos e Gilvan Ventura da Silva propiciam, através de análise de casos específicos e da legislação, o estudo de temáticas absolutamente atuais no campo da ciência histórica: as temáticas do gênero (mulher) e da magia (maleficium). Os registros mais antigos da organização do direito encontram-se no Oriente Antigo, sobretudo na Mesopotâmia, assunto ao qual se dedicam os três primeiros artigos. Emmanuel Bouzon (PUCRJ), a quem se devem as valiosas traduções comentadas para o português do Código de Hammurabi, bem como das Leis de Eshnunna, prestigiou a publicação, com sua preciosa erudição, trazendo um brilhante artigo sobre a origem e a natureza das coleções do direito cuneiforme. Kátia Pozzer (ULBRA), em “O Exercício do Direito na Mesopotâmia Antiga”, propõe-se traçar um panorama histórico do exercício do direito, de seu funcionamento e principais atores da cena jurídica na Mesopotâmia antiga. Apresenta um compêndio de excertos de fontes primárias, inéditas em língua portuguesa, com documentos que relatam a prática cotidiana da justiça, que pode constituir valioso instrumento para os estudiosos do direito interessados na compreensão da história das instituições jurídicas. Margaret Bakos (PUCRS), em seu artigo “Um Testamento Materno em Tempos Faraônicos”, analisa o testamento de uma cidadã egípcia, Naunakhte, que viveu na cidade de Deri el Medina, durante a XIX dinastia. Apresenta um documento da história do direito que revela a situação privilegiada que a mulher encontrava no Egito, face às outras civilizações antigas. Ao mesmo tempo, traz elementos sobre o funcionamento da justiça nessa cidade habitada pelos trabalhadores das necrópoles tebanas e suas famílias. Fábio Vergara Cerqueira (UFPEL), em “As origens do direito ocidental na pólis grega” realça o papel do direito grego na história do direito ocidental, quanto à sua primazia intelectual e institucional no sentido do desenvolvimento de conceitos jurídicos – teóricos e aplicados – de natureza universal e equânime. Aponta um entrelaçamento entre o jurídico e o político, uma vez que a evolução política da polis sustentou-se na organização impessoal das instituições jurídicas, sobretudo num regime democrático como o caso de Atenas, berço do governo exercido pelo povo. Neyde Thelm (UFRJ) traz-nos uma preciosa reflexão intelectual sobre a relação entre o direito e a amizade na Grécia antiga. Nessa relação, fazem-se presentes alguns dos principais conflitos entre a esfera pública e a esfera privada: ocorrem vários níveis de negociação de interesses na pólis, uma vez que os cidadãos estão envolvidos em diferentes níveis de laços de amizade (família, grupo de amigos, grupos de interesses políticos). Ilustra seus argumentos a partir de uma leitura atenta de autores antigos, que refletiram na Antigüidade sobre o papel da amizade na vida política e social. O Direito na civilização romana foi tratado por dois notáveis latinistas da nova geração de historiadores brasileiros dedicados ao estudo da Antigüidade, um dedicando-se à República, outra, ao Império. Ana Teresa Marques Gonçalves (UFG) articula de forma bastante fundamentada o estudo das instituições jurídicas republicanas e os conceitos intelectuais acerca do direito contidos na obra de Cícero. “Lei e ordem na república romana: uma análise da obra De legibus de Cícero” constitui uma análise da relação estabelecida entre a lei e a ordem na constituição dos poderes dos magistrados republicanos romanos e dos senadores.Gilvan Ventura da Silva (UFES), em “Augurum et vatum prava confessio conticescat: Constâncio II e a legislação contra os adivinhos e feiticeiros”, analisa as prescrições legais contra os praticantes de magia e da adivinhação. Após um interessante histórico sobre a legislação referente à magia na Roma antiga, atém-se ao estudo do período de Constâncio II (337-361), quando foram tomadas medidas contrárias aos adivinhos e feiticeiros que traduzem uma significativa mudança da atitude do Estado frente a essas práticas mágico-religiosas. O Desembargador Emeric Lévay, do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, ofereceu um estudo sobre o insigne jurisconsulto Augusto Teixeira de Freitas, responsável pela Consolidação das Leis Civis do Império brasileiro, primeiro passo no rumo da elaboração do nosso Código Civil. O autor resgata a influência de Teixeira de Freitas sobre a nossa legislação civil, bem como as críticas a ele dirigidas por seus contemporâneos. Recebeu-se esse artigo com especial apreço, devido à importância de estudar cada vez mais a tradição processual brasileira. A questão do menor no Império vem debatida nos dois artigos seguintes. Da Dra. Maria Aparecida Papali, da PUC de São Paulo, veio um estudo sobre a tutela, pelos senhores brancos, de menores, filhos de escravas, na cidade de Taubaté. A Dra. Bárbara Lisboa Pinto, da Universidade Federal Fluminense, tratou do tema da menoridade no âmbito do direito criminal brasileiro durante a década de 1880. O período do Império continuou a ser privilegiado no artigo do Prof. Marcos Antônio Witt, que avaliou as delicadas relações entre o campo da política, da administração pública e da Justiça tomando por base um inquérito policial sobre o afastamento de dois juízes de Conceição do Arroio, no Rio Grande do Sul, em 1879. A passagem do Império para a República foi analisada com precisão e profundidade pela Dra. Marília Schneider, que salientou as rupturas e recorrências no processo de consagração do ordenamento jurídico do período no País e no Estado de São Paulo. A institucionalização do regime republicano, desta vez no Estado do Rio Grande do Sul, também foi alvo do interesse do Dr. Gunter Axt, que contextualizou aspectos centrais do debate em torno da constitucionalidade da Carta Estadual de 1891, que ainda hoje em dia desperta curiosidade dos analistas em virtude de seu forte substrato autoritário, progressista para uns, conservador para outros. O período da assim chamada República Velha foi alcançado também pelo artigo do Dr. Corálio Pardo Cabeda, membro do Instituto Histórico e Geográfico do Rio Grande do Sul. Partindo de um estudo de caso sobre um episódio da história política da cidade de Canguçu, o autor demonstra os prejuízos que podem decorrer para uma organização social e para o desenvolvimento econômico quando o Poder Judiciário não opera com autonomia e isenção frente ao campo da política partidária. Nesse sentido, vê-se uma profícua comunicação deste texto, especialmente com os artigos do Prof. Marcos Witt e do Dr. Gunter Axt. Em seguida, o Prof. Cláudio Pereira Elmir, da Universidade do Vale dos Sinos, discutiu a enunciação do conceito de criminalidade infanto-juvenil na sociedade gaúcha dos anos 1950 e 1960, contribuindo para a contextualização do impacto histórico-social do Código de Menores da época. O artigo ganha ainda interesse por debater alguns aspectos causadores da violência expressos pela consciência política da época, bem como por abordar as estratégias de punição e de recuperação do menor infrator numa perspectiva histórica. Torna-se interessante uma leitura cotejada deste artigo com os das Dras. Maria Papali e Bárbara Pinto. Por fim, a Desembargadora Maria Berenice Dias, do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, em abordagem palpitante de tema polêmico, fez uma retrospectiva da trajetória da jurisprudência brasileira que beneficia o conceito de união homoafetiva estável. Antes de concluir a presente exposição, salienta-se que a edição do volume nela tratado foi possível graças munificiência do Banco do Estado do Rio Grande do Sul, que a patrocinou, como já fizera com o primeiro tomo da revista. A essa instituição a Coordenadoria do Memorial manifesta sua gratidão. Observa-se por fim que “Justiça e História” obteve registro no ISSN (1676-5834), formalidade que lhe confere caráter de publicação altamente categorizada e lhe aumenta o prestígio.