screening - Revista Onco

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marcadores tumorais
O papel dos marcadores séricos no
screening do câncer
O
S PROGRAMAS DE SCREENING DESENVOLVIDOS
NOS ÚLTIMOS ANOS PARA O CÂNCER DE MAMA,
Arquivo pessoal
COLO UTERINO, CÓLON E RETO TÊM SIDO RES-
Dr. Luiz Gustavo Torres
*Oncologista clínico do
Centron-RJ, Centro de Tratamento
Oncológico; mestre em ciências
pela ENSP-Fiocruz
Contato:
[email protected]
Dr. Daniel Tabak
*Hematologista-oncologista;
diretor médico do Centro de
Tratamento Oncológico (CENTRON);
membro titular da Academia
Nacional de Medicina
Contato:
[email protected]
ponsáveis tanto pela redução da mortalidade como
pela redução da incidência de doenças em estágio
avançado. Estudos em curso procuram determinar
métodos de screening eficazes para o câncer de próstata, ovário e pulmão. O desafio passa por desenvolver métodos eficazes para a detecção precoce,
capazes de permitir menor risco de morte, tratamento menos agressivo e com menor risco de sequelas aos sobreviventes.
O envelhecimento populacional e o consequente aumento na incidência do câncer vêm tornando
cada vez mais frequente no consultório do oncologista a seguinte situação: pacientes assintomáticos
que se apresentam com marcadores tumorais séricos elevados e são encaminhados para investigação
de um suposto tumor oculto. Esses exames são solicitados com intenção de rastrear e identificar precocemente o surgimento da doença, mas não existe
fundamento científico para utilização da grande
maioria desses marcadores no contexto de screening.
Além do impacto econômico (que inclui exames
subsequentes de investigação) e emocional negativo, é importante ainda considerar eventuais danos
por biópsia, exames e procedimentos invasivos.
Screening de câncer é sinônimo de prevenção secundária, na qual a intervenção terapêutica precoce
se torna possível através do rastreamento na população assintomática e da identificação da doença em
estágio mais inicial do que seria diagnosticado na
ausência de screening. Espera-se então que o diag-
nóstico e a terapêutica precoces levem à redução da
mortalidade. Esse conceito difere do conceito de
achado ou detecção de caso, que ocorre quando são
realizados a partir de um sintoma.O exame de screening, em geral, não dá o diagnóstico, mas aponta
quais são os indivíduos que mais provavelmente
possuem a doença. Em algumas situações o screening também pode ser considerado prevenção primária, por exemplo, no câncer colorretal. A identificação e a remoção de adenomas (pólipos) reduzem
a incidência da doença.
A acurácia ou validade de um teste de screening,
ou seja, a capacidade em identificar as pessoas
potencialmente doentes entre a população assintomática, é dada pela sensibilidade (proporção de
pessoas com teste positivo dentre as realmente
doentes) e especificidade (proporção de pessoas
com teste negativo dentre as realmente não doentes). O valor preditivo positivo (VPP) também é um
importante parâmetro no desenvolvimento de um
programa de screening. O VPP é a proporção de indivíduos com teste positivo que realmente tem a
doença. Um VPP de 20% significa que em 2 de cada
10 testes positivos a existência da doença é confirmada. O VPP é influenciado pela sensibilidade, especificidade e prevalência da doença.
O dado mais importante sobre a validade e utilização clínica de um exame de screening deve ser
extraído de um ensaio clínico randomizado que
compare a mortalidade causa-específica entre o
grupo submetido ao exame de screening com o
grupo submetido ao cuidado usual. A mortalidade
global não é um bom indicador pois o número de
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mortes causadas pela doença de interesse será
muito pequeno proporcionalmente ao número de
mortes por todas as outras causas.
Alguns outros conceitos são importantes na
avaliação de testes de screening de câncer, como
lead-time bias, length bias e overdiagnosis.
LEAD-TIME BIAS: o intervalo de tempo entre o
câncer detectado por screening e o momento em que
ele seria detectado por sintomas é chamado de lead
time. Na ausência de screening a sobrevida é medida
do momento do diagnóstico (na presença de sintomas) até o desfecho (morte), calculando-se qual a
proporção de mortos ou sobreviventes em um intervalo estabelecido. Na presença de screening, a sobrevida é medida a partir da detecção de um tumor
oculto. Imaginando que o screening resulte na detecção precoce mas que as mortes ocorram no
mesmo momento em que o screening foi realizado,
parecerá ter ocorrido aumento da sobrevida com a
realização do screening, o que de fato não ocorreu.
“Esses exames são
solicitados com
intenção de rastrear
e identificar
precocemente o
surgimento da
doença, mas não
existe fundamento
científico para
utilização da grande
maioria desses
marcadores
no contexto
de screening”
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LENGTH BIAS: refere-se à tendência dos exames
de screening em detectar com mais frequência os tumores de crescimento lento e de comportamento
menos agressivo, e com menor frequência os tumores de crescimento acelerado e curso mais agressivo.
Dessa forma, doenças que possuem longo intervalo
da chamada fase pré-clínica detectável (FPCD) têm
maior possibilidade de ser detectadas em exames
de screening. Em casos nos quais o câncer apresenta
crescimento lento e melhor prognóstico, o screening
pode selecionar casos com baixo risco de morte e
criar a impressão de que o aumento da sobrevida é
resultado do screening, quando na verdade esse aumento é resultado do comportamento biológico
mais favorável de um câncer indolente.
OVERDIAGNOSIS: A consequência de um exame
de screening também pode ser o overdiagnosis, ou
seja, diagnósticos que não seriam obtidos sem o
rastreamento. Isso pode ocorrer quando um caso
que jamais progrediria a uma doença sintomática é
detectado. Uma vez diagnosticado, não há como
distingui-lo de uma doença que virá a ter significado clínico.
Alguns marcadores têm papel bem definido,
seja no screening ou em outro contexto clínico.
PSA/câncer de próstata
Atualmente o screening do câncer de próstata
pela avaliação do PSA sérico vem sendo alvo de
muita discussão e controvérsia na comunidade
científica. O câncer de próstata é a segunda causa
de morte por câncer em homens nos EUA, cerca de
28 mil óbitos apenas no ano de 2012. Após a documentação da elevação do PSA em indivíduos assintomáticos, a decisão em torno da recomendação
de biópsia e tratamento, levando-se em conta os potenciais benefícios e danos, deve incluir conceitos
como overdiagnosis, overtreatment, eventos adversos
e qualidade de vida. O papel do exame urológico
(toque retal), associado ou não ao valor do PSA, não
será discutido nesta revisão.
Em 2011, foi publicada uma revisão sistemática
desenvolvida pela Agency for Healthcare Research
and Quality (AHRQ) com o objetivo de avaliar a
papel do PSA no screening, tendo como base os
dados de cinco grandes estudos randomizados. Os
dados revelaram um significativo aumento na incidência do câncer de próstata, sem redução na mortalidade global ou mortalidade específica. No
entanto, os resultados isolados daqueles considerados com maior peso estatístico, o estudo PLCO
(Prostate, Lung, Colorectal and Ovarian) e o estudo
ERSPC (European Randomized Study of Screening
for Prostate Cancer), foram discordantes.
O estudo PLCO, que envolveu 76.685 homens
entre 55 e 74 anos, utilizou como critério a medida
do PSA anual, sendo considerado positivo caso o
PSA se apresentasse maior que 4ng/ml. Após 13
anos de seguimento não foram observadas diferenças na mortalidade global e específica. Por outro
lado, o estudo ERSPC, que analisou 182.160 homens entre 50 e 74 anos, avaliou o PSA a cada 4
anos, com menor ponto de corte (PSA>3ng/ml).
Apesar do número maior de falso-positivos, após
11 anos de seguimento em subgrupo estabelecido
previamente de 162.388 homens (apenas entre 55
e 69 anos) foi observada uma redução de 20% na
mortalidade específica por câncer de próstata. Em
ambos os estudos a taxa de falso-positivos foi em
“Os conceitos de
overdiagnosis e
length bias devem
ser lembrados na
interpretação dos
estudos de screening
de câncer de
próstata pela alta
prevalência da
doença latente em
homens idosos”
torno de 12%. Foram observadas as seguintes complicações em um dos centros do ERSPC após realização de 5.802 biópsias: febre (3,5%), retenção
urinária (0,4%), hospitalizações por prostatite ou
sepse urinária (0,5%), hematúria (22,6%).
Já amplamente praticada, a utilização da medida do PSA como método de screening para o câncer de próstata tem o potencial de reduzir o risco
de morte pela detecção precoce, e algumas evidências sugerem que essa prática é benéfica em alguns
grupos. Contudo, o desenvolvimento de um programa de screening mais amplo que inclua estratificação de risco e individualização da conduta é
desejável. Os conceitos de overdiagnosis e length bias
devem ser lembrados na interpretação dos estudos
de screening de câncer de próstata pela alta prevalência da doença latente em homens idosos.
As discussões em torno da realização ou não da
medida do PSA de rotina são complexas e difíceis
de realizar em uma única visita no consultório.
Apesar de o teste não apresentar qualquer risco, é
necessário discutir sobre os riscos envolvidos na investigação de um teste positivo. Uma discussão
franca sobre expectativa de vida é importante e
deve ser considerada sempre que possível.
Com base nas evidências atuais e na opinião de
especialistas, a Sociedade Americana de Oncologia
Clínica (ASCO) traz as seguintes recomendações:
- Em homens com expectativa de vida menor que
dez anos: a utilização do PSA no screening do câncer
de próstata deve ser desencorajada, uma vez que os
eventuais danos parecem ser mais significativos que
o benefício.
- Em homens com expectativa de vida maior que
dez anos: recomenda-se que o médico discuta com
o paciente se considera a avaliação do PSA como
screening apropriada para o caso. A utilização do
PSA pode reduzir a mortalidade, mas os potenciais
danos devem ser citados (complicações de biópsias
desnecessárias, cirurgia e radioterapia).
CEA/câncer de cólon
A dosagem do nível do CEA tem importante
papel no diagnóstico da recorrência e avaliação da
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resposta terapêutica no câncer colorretal. No entanto, sua utilização na identificação de câncer
oculto não deve ser realizada. Isso porque, apesar
da sua alta especificidade, o teste possui baixa sensibilidade, não sendo recomendada sua utilização
para screening.
A realização do exame no pré-operatório tem
sido recomendada. Alguns estudos têm revelado
que valores elevados (CEA> 5mg/ml) são um importante marcador prognóstico, independente.
Ueno e colaboradores, em estudo envolvendo 2.230
pacientes, demonstraram que o grupo que apresentava CEA elevado no pré-operatório apresentou
pior prognóstico. Também durante o período de vigilância, pacientes que apresentam elevação inicial
do marcador com normalização e subsequente elevação devem ser investigados quanto à possibilidade de recidiva neoplásica. Vale enfatizar que a
dosagem do CEA pode variar entre diferentes laboratórios e países.
No pós-operatório, para pacientes com doença
estádio II e III, tem sido recomendada a dosagem
do CEA a cada três meses. Isso se justifica porque
no câncer colorretal a detecção precoce da recidiva
pode representar ganho de sobrevida. A ressecção
de metástase isolada e o início de tratamento sistêmico no paciente assintomático podem aumentar
a sobrevida.
O CEA deve ser avaliado antes do início do tratamento sistêmico paliativo na doença metastática
e a cada um a três meses durante o tratamento. Elevação persistente do marcador sugere doença progressiva e necessidade de nova avaliação radiológica. A interpretação da elevação do CEA durante
as primeiras seis semanas após a implementação de
nova terapia deve ser realizada com cautela, considerando que nesse período uma elevação espúria
do marcador pode ocorrer com maior frequência.
CA 19-9/câncer de pâncreas
Alguns marcadores têm sido estudados no câncer
de pâncreas. Entre eles o antígeno 19-9 (CA 19-9) é
o de maior utilidade clínica. A sensibilidade e a especificidade do CA 19-9 no câncer de pâncreas variam de 70%-92% e de 68%-92%, respectivamente.
Outro detalhe importante é que pacientes com fe-
nótipo Lewis-negativo (ausência do antígeno do grupo sanguíneo
Lewis), cerca de 5% a 10% da população, não são capazes de expressar
CA 19-9.
A sensibilidade do marcador está intimamente relacionada ao tamanho do tumor, ou seja, o CA 19-9 tem sensibilidade limitada para
tumores pequenos. Seu valor preditivo positivo (VPP) também é baixo,
principalmente em pacientes assintomáticos. Em uma grande série envolvendo cerca de 70 mil pacientes assintomáticos, utilizando o cut-off
de 37 U/ml , o VPP foi de 0,9%. Com isso, a maioria das diretrizes recomenda que o CA 19-9 não seja utilizado para screening. Mesmo nos
indivíduos sintomáticos (dor epigástrica, perda de peso e icterícia), a
sensibilidade, a especificidade e o VPP do CA 19-9 > 37U/ml são de
aproximadamente 80%, 85% e 72%.
Valores elevados do CA 19-9, tanto na apresentação inicial como
no pós-operatório, têm sido relacionados a um pior prognóstico a
longo prazo. Entre os pacientes com doença potencialmente ressecável,
a magnitude da elevação pode predizer a presença de doença micrometastática à distância. Estudo envolvendo 491 pacientes com doença
ressecável, submetidos a laparoscopia de estadiamento, revelou diferença significativa na taxa de irressecabilidade. Entre os grupos com
CA 19-9 >130U/ml e CA 19-9< 130U/ml, essa taxa foi de 26% e 11%,
respectivamente. No grupo de pacientes com tumor de corpo e cauda
de pâncreas com CA 19-9 >130U/ml, mais de um terço apresentava
doença irressecável.
Elevados valores de CA 19-9 na apresentação podem ajudar os
cirurgiões a selecionar quais pacientes seriam candidatos a laparoscopia de estadiamento. No entanto, o painel de especialistas da
ASCO recomenda que o CA 19-9 não seja utilizado como marcador
de operabilidade.
O acompanhamento seriado do CA 19-9 a cada 1 a 3 meses pode
ser de grande utilidade no seguimento dos pacientes com doença potencialmente ressecável após a cirurgia e nos pacientes com doença
metastática, em tratamento quimioterápico paliativo. Elevação no valor
de CA 19-9 usualmente precede a recorrência/progressão neoplásica,
que deve ser confirmada com exames de imagem e/ou biópsia.
Referências bibliográficas
2. Andriole GL, Crawford ED, Grubb RL 3rd, et al: Mortality results from a
1. Lin K, Croswell JM, Koenig HC, et al: Prostate-Specific Antigen-Based Scree-
3. Schro¨der FH, Hugosson J, Roobol MJ, et al:Screening and prostate-cancer
ning for Prostate Cancer: An Evidence Update for the U.S. Preventive Services
Task Force–Evidence SynthesisNo. 90. Rockville, MD, Agency for Healthcare
Research and Quality, 2011.
mortality in a randomized European study. N Engl J Med 360:1320-1328, 2009.
4. De vita, Hellman, and Rosenberg’s: Cancer Principles e Practice of Oncology,
8th edition.
CA 125/câncer de ovário
A mensuração do nível sérico do CA 125 é o método de screening
de câncer de ovário mais estudado. O CA 125 se mostra elevado em
50% dos casos em estágios iniciais e em até 80% dos casos na doença
avançada. Jacobs e colaboradores, em estudo que envolveu 22 mil voluntários, demonstraram que em mulheres na pós-menopausa, assintomáticas, o CA 125 > 30 U/ml foi um forte fator preditor de risco de
câncer de ovário. O risco de desenvolver a doença foi cerca de 35 e 14
vezes maior, em um e cinco anos, respectivamente.
No entanto, a especificidade desse marcador é baixa. O CA 125
pode se apresentar elevado em até 1% das mulheres saudáveis, e flutuações podem ocorrer de acordo com o ciclo menstrual. A alta prevalência de potenciais doenças benignas que elevem o CA 125
aumenta o risco de falso-positivos.
Algumas das causas benignas para elevação do CA 125 são casos
de endometriose, leiomioma uterino, doença inflamatória pélvica, cirrose e derrame pleural ou ascite, de outras etiologias.
Mesmo em mulheres consideradas de alto risco, as evidências são
contrárias à utilização do CA 125 anual como método de screening.
Três grandes estudos produzidos na Inglaterra e na Suécia, de medida
única de CA 125 para detectar câncer de ovário, revelaram VPP inaceitável (3%) para exame isolado de screening. Da mesma forma, pelo
menos um estudo que avaliou a utilização anual da medida do CA 125
associado à ultrassonografia transvaginal também apontou reduzido
VPP, e não sugere sua utilização clínica.
Por outro lado, o acompanhamento evolutivo do valor do CA 125
parece promissor como método de screening. Um grande estudo prospectivo envolvendo mais de 9 mil mulheres elaborou um modelo que
inclui idade/incidência de câncer de ovário, valor absoluto de CA 125
e elevação proporcional do marcador no decorrer do tempo. Esse método elevou significativamente a sensibilidade do teste e brevemente
deveremos ter a divulgação dos resultados.
randomized prostate-cancer screening trial. N Engl J Med 360:1310-1319,2009.
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