Reconciliação: sacramento do encorajamento Um pouco de história Na Igreja primitiva, somente três tipos de pecados eram confessados: idolatria, homicídio e adultério. Quem cometia esses pecados publicamente devia confessar-se ao Bispo. O pecador era marcado como “penitente”, devia fazer penitência pública e era excluído da participação na Eucaristia. Após um longo tempo de penitência, recebia-se o perdão, na Quinta-feira Santa, e somente uma vez na vida. Mesmo assim, continuava a obrigação de fazer penitência Os outros pecados eram perdoados mediante o arrependimento pessoal, a oração, as obras de caridade. Relativamente poucas pessoas passavam pela confissão. Após o século VI, sob influência de monges irlandeses, surgiu o costume de se confessar também os pecados ocultos. Havia perdão imediato e sem a penitência pública. Confessava-se mais vezes por ano. A absolvição era dada também pelos monges e padres, e não só pelo Bispo. Inicialmente, a absolvição era dada ao penitente, após ter cumprido as obras de penitência impostas pelo confessor (jejum, oração, esmolas, peregrinações, etc...). Alguns séculos depois, tornou-se comum o modo que conhecemos até hoje: no ato da confissão, o penitente recebe a absolvição e uma penitência para ser cumprida posteriormente. O Concílio IV de Latrão (1215) estabeleceu a obrigatoriedade da confissão ao menos uma vez por ano em caso de pecado grave. Esta lei continua até hoje. Ser cristão é assumir a prática do amor No cristianismo o essencial é agir segundo a fé em Cristo e aceitá-lo na própria existência. Ele assumiu de modo definitivo a nossa natureza e nos redimiu por meio de sua Vida, Morte de cruz e Ressurreição. Deu-nos a possibilidade concreta de optar por Ele, sair de nós mesmos para sermos para os outros. Numa palavra: amar. O ser humano nasceu para o amor e só se realiza no Dom de si. Ser cristão é assumir a prática do amor. No entanto, em sua liberdade, o homem pode optar pela recusa ao amor. Pecar é desprezar o amor de Deus. O amor nos torna também mais responsáveis e livres, e nos compromete no esforço de ajudar os outros para se libertarem de tudo que os ameaça e oprime. Somos todos pecadores e necessitamos do perdão e da misericórdia de Deus, cuja bondade nos restitui a auto-confiança e nos estimula para orientarmos a vida a partir das exigências do amor de Deus e do amor aos irmãos. Um apelo à conversão do coração e da vida Quem encontrou a Jesus, escutou também seu apelo à conversão do coração e da vida. Não podemos encontrar a Cristo e continuar do mesmo jeito em que estamos: se realmente o encontrares, ele não te deixará indiferente e não se cansará de te convidar a saíres de ti mesmo para ires onde o seu amor te abre caminho. No mais íntimo do coração dos que crêem, ressoa incessantemente o convite a acolherem esse Deus que vem e renova todas as coisas, aceitando se reconciliarem com Ele (Cf. 2 Cor 5,17-20). A reconciliação é o sacramento com que Cristo socorre a fragilidade do ser humano, que havia atraiçoado ou rejeitado a aliança com Deus celebrada nos sacramentos da iniciação, reconciliao com o Pai e com a Igreja e o regenera como nova criatura pela força do Espírito Santo. É também designada como penitência, pois é o sacramento da conversão do ser humano e também do perdão de Deus, é o encontro do coração arrependido com o Senhor que o acolhe, numa festa de reconciliação. Este encontro se realiza por intermédio do ministério da Igreja: Deus, Pai de misericórdia, que reconciliou consigo o mundo pela morte e ressurreição de seu Filho e derramou o Espírito Santo para remissão dos pecados, te conceda, mediante o ministério da Igreja, o perdão e a paz. Foi o próprio Cristo que confiou à Igreja o poder de ligar e desligar, isto é, de excluir e admitir na comunidade da aliança, que é lugar da salvífica comunhão com Deus e entre os seres humanos (Cf. Mt 18,18). Este poder corresponde ao de perdoar os pecados (Cf. Jo 20,20-23). Na História da Igreja, a penitência como sacramento foi praticada com grande variedade de formas – comunitárias e individuais -, todas elas, entretanto, mantendo a estrutura fundamental do encontro pessoal entre o pecador arrependido e o Deus vivo, encontro este realizado através do sinal e mediação do ministério do bispo ou do presbítero; eles, apenas, enquanto ministros da unidade da Igreja, atuando como representantes de Cristo, Cabeça da mesma, têm o poder de admitir alguém na comunhão salvífica ou excluí-lo dela. Mediante as palavras da absolvição, pronunciadas por um homem pecador que, entretanto, foi escolhido e consagrado para o ministério, é o próprio Cristo que acolhe o pecador arrependido e o reconcilia com o Pai e, pelo Dom do Espírito Santo, o renova como membro vivo da Igreja: Eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo. É o sacramento do perdão. Rembrant Penitência: conversa de Paz Quando a gente briga com alguém, depois deve, pelos menos, fazer as pazes. Como é que a gente faz as pazes? Bom, tem que mostrar para a outra pessoa que a gente reconhece ter feito mal. Isso pode acontecer de muitas maneiras. Às vezes por palavras: a gente vai ao outro e pede desculpas. Às vezes por ações, a gente trata melhor a pessoa a quem se ofendeu, dá um presente. Mas de alguma forma tem que expressar que quer a paz com aquela pessoa e não a guerra e a briga. Mas também a outra parte precisa aceitar a nossa desculpa ou o nosso presente. Tem um provérbio que diz: “Quando um não quer, dois não brigam”. A gente podia dizer parecido: “Quando um não quer, dois não fazem as pazes”. Para fazer a paz com a outra a quem eu ofendi, temos os dois que fazer uma “conversa de paz'. E isso tem que se tornar conhecido, para que todo mundo que viu a briga ou sabe dela fique sabendo também que fizemos as pazes. Porque em fim de contas, a briga de dois atinge a todos. Ou porque duas famílias não se falam mais. Ou porque a comunidade não pode mais viver sossegada, pois de repente os dois se encontram e brigam de novo. E em todo o caso, porque a gente plantou a erva ruim do ódio, da raiva, da inimizade. Uma erva que pode tomar conta do terreno todo! O pecado cria em nós inimizade com Deus. É uma espécie de briga. Quem peca, não está em paz com Deus. E preciso fazer as pazes. Só que no caso, como Deus é infinitamente bom, ele já toma a iniciativa e vai logo dizendo: “Eu quero fazer as pazes com você”. Deus disse isso por meio de Jesus. Toda a vida de Jesus foi uma mostra de que Deus queria fazer as pazes conosco. Por isso Jesus procurava os pecadores, era amigo e companheiro deles. Para dizer: “Olha, Deus, meu Pai, gosta de vocês, embora vocês sejam pecadores. Arrependam-se, reconheçam o pecado e peçam perdão, que Deus perdoa”. Esse foi o recado que Deus nos mandou por Jesus. E Jesus o deu pelas suas palavras, falando do amor do Pai. E também pelas suas ações, procurando conquistar a amizade dos pecadores como Mateus (Cf. Mt 9,913), Zaqueu (Cf. Lc 19,1-10) e a pecadora de má vida (Cf. Lc 7,36-50). Jesus deu o recado de Deus ainda pelas estórias que contava, como as parábolas do Filho Pródigo, do dinheiro perdido e da ovelha tresmalhada (Cf. Lc 15,1-31). Assim, quem quisesse podia entender: “Deus quer fazer as pazes conosco”. Quando a gente peca, deve fazer as pazes com Deus. Já sabemos que Deus nos perdoa. Isso deve dar até mais coragem para fazer com Deus uma "conversa de paz”. Mas, quando a gente peca, não ofende só a Deus. A gente prejudica todo o mundo, todas as pessoas, porque afinal de contas é um pouco mais de egoísmo e maldade que a gente plantou no mundo com o nosso pecado. E pecado é erva daninha que cresce e se multiplica fácil. Como o pecado prejudica todo mundo, a “conversa de paz” com Deus não pode ser só entre Deus e mim. As outras pessoas, principalmente a comunidade cristã, precisam participar desse diálogo. A comunidade também foi prejudicada e ofendida por nosso pecado. Nessa “conversa de paz” com Deus, a comunidade entra no meio através do padre, mas não só, porque também os outros cristãos por suas orações e boas obras estão ajudando o pecador a se arrepender. O sacramento da penitência ou confissão é a “conversa de paz” com Deus. O padre representa a Igreja como comunidade reunida por Deus na fé em Jesus ressuscitado. Nessa “conversa de paz”, a gente reconhece os pecados. Por isso os conta ao padre. Pede perdão a Deus e aos irmãos, diz que está arrependido e que não quer mais pecar. Por isso se reza o ato de contrição ou de arrependimento. Mostra vontade de corrigir-se e por isso o padre dá uma penitência para se cumprir depois. Mas na "conversa de paz" sempre entra também a resposta do outro. A resposta de Deus, essa Jesus já nos deu por sua vida e seus ensinamentos. Na confissão essa resposta é repetida pelo padre sobre nós, sobre os pecados que confessamos. É a absolvição. O padre diz: "Deus, que pela morte e ressurreição de seu Filho Jesus, reconciliaste o mundo consigo e enviaste o Espírito Santo para a remissão dos pecados, te conceda, pelo ministério da Igreja, o perdão e a paz. E eu te absolvo dos teus pecados em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo". Agora a gente pode ir em paz, porque fez as pazes com Deus e está em paz também com a comunidade, a Igreja toda, representada pelo padre. O padre pode repetir para nós, como Jesus: "Vá em paz, seus pecados estão perdoados" (Lc 7,48.50). A Penitência e a comunidade Já vimos a grande importância da comunidade na nossa vida de cristãos. O nosso pecado prejudica a comunidade e dela precisamos para nossa conversão, na luta contra o mal. Entrou na Igreja o costume da confissão comunitária. Esse tipo de celebração tem diversas vantagens: - É expressão de que a comunidade é pecadora e, como tal, se coloca diante de Deus; - Expressa que o pecado de cada um prejudica a comunidade; - A comunidade não pede somente perdão a Deus, mas a todos os irmãos presentes; - Permite uma boa preparação e conscientização. Bem preparada, pode ser uma ajuda valiosa para a formação da consciência e para o crescimento da comunidade. Nas celebrações penitenciais, ninguém precisa ter medo – como antes em muitas confissões que ali alguém faça acusações ou questionários. Cada um já tem de fazê-lo por si próprio. Porque, ali, eu já não me vejo no banco dos réus, também não preciso me defender. Então alcanço a liberdade diante de mim mesmo e diante de minha história, de ficar de pé ante a minha culpa. A própria comunidade é sinal sacramental da disposição divina de perdoar, de seu encorajamento pascal para um novo começo e uma nova vida. Assim, comunidade e Igreja tornam-se aptas para um serviço de perdão dentro do mundo. A comunidade é o lugar do perdão e da reconciliação. Uma comunidade e uma Igreja que vivenciam em si próprias a vida reconciliada, pelo menos parcialmente, poderiam significar aqui uma força salvadora e auxiliadora para todos os seres humanos, para a sociedade mundial, que tanto precisa desse serviço para a sua paz. Modalidades atuais Atualmente o Rito da Penitência apresenta três formas da celebração da penitência: 1. Confissão individual e absolvição individual; 2. Celebração comunitária da Reconciliação, com confissão individual e absolvição individual; 3. Celebração comunitária da Reconciliação com confissão e absolvição comunitária ou geral. (No momento da absolvição comunitária, o padre pode impor as mãos sobre a cabeça de cada pessoa e dar a absolvição ou, se for um grupo muito grande, estender a mão sobre a assembleia e dar a absolvição). No período da quaresma, por exemplo, há uma procura muito grande pelo sacramento da reconciliação. Um padre sozinho geralmente não dá conta de atender a todas as pessoas. Na maioria das paróquias, as confissões comunitárias são momentos bem preparados, de intensa reflexão pessoal e comunitária seguida da absolvição individual ou comunitária. Nas celebrações comunitárias da Reconciliação, torna-se evidente o caráter comunitário da confissão e absolvição, que são o núcleo central da ação comunitária. Nestas celebrações, os membros da comunidade reunida que se reconhecem pecadores, rezam uns pelos outros; a Igreja, como comunidade dos fiéis, tem, portanto, parte ativa na realização da reconciliação dos pecadores com Deus. A comunidade cristã toma consciência do seu ser pecadora e da necessidade do perdão de Deus, que ela então pede e finalmente agradece com confiança e gratidão filial. O Rito da Penitência considera como parte central ou essencial do sacramento da reconciliação a confissão dos pecados e a absolvição. Na celebração com confissão e absolvição gerais, a confissão individual dos pecados é substituída por uma confissão geral. Isso significa que se o penitente não se sentir “satisfeito” com a confissão e absolvição gerais, oportunamente poderá recorrer ao padre para uma “conversa de paz”. Outras maneiras de ser perdoado Quando estamos realmente afastados de Deus e dos irmãos, por pecado grave (Pecado mortal), devemos mostrar a sinceridade de nosso arrependimento e pedir o perdão de Deus, pelo sacramento da confissão. Nos outros casos(pecado venial), ou na falta de oportunidade de se confessar, há outros meios para se obter o perdão de Deus: 1. Pela participação sincera da Eucaristia. Toda a força do sacramento da Penitência decorre do sacrifício de Cristo, que se torna presente na Eucaristia. Toda a Celebração da Eucaristia celebra também a reconciliação de Deus com os homens. Há também um momento específico para pedir perdão e ser reconciliado, que é o ato penitencial. 2. Pelo perdão mútuo podemos esperar também que Deus nos perdoe. 3. Por atos de penitência, caridade e esmola. Pela oração e pela celebração da Palavra de Deus. Em todos os casos, como também na confissão sacramental, é necessário o sincero arrependimento, a disposição de perdoar os outros e de consertar o mal praticado. Sem isto, não há verdadeira conversão e, então, pedir perdão é somente uma farsa. Lucimara Trevizan (Membro da equipe de Catequese do Regional Leste II da CNBB)