ZALMINO ZIMMERMANN ESPIRITISMO, SÉCULO XXI CAMPINAS – SP 2011 SUMÁRIO Horizontes ............................................................... 9 Primeiras Palavras................................................... 11 Capítulo I. Conceito de Espiritismo .......................... 13 Capítulo II. Espiritismo e Ciência.............................. 31 Capítulo III. Espiritismo e Filosofia ........................... 71 Capítulo IV. Espiritismo e Religião ......................... 153 Capítulo V. Espiritismo e Arte................................ 253 Capítulo VI. Espiritismo, Hoje ................................ 277 Observações Finais ............................................... 297 Obras Citadas....................................................... 299 Índice Remissivo .................................................. 311 Índice Onomástico ............................................... 319 HORIZONTES “Libertar-se-ia a Ciência com o pensamento espírita se, ao encontrar o agente de tudo, o princípio inteligente do universo, o Espírito, se abstivesse de tudo atribuir somente aos fenômenos materiais, como princípio e fim de tudo. Verificaria, então, quão rica e grandiosa seria a visão científica, a partir do enriquecimento trazido pela constatação e valorização consciente do horizonte espiritual. Libertar-se-ia a Filosofia por meio do pensamento espírita, quando pousasse suas reflexões, fosse qual fosse a escola de pensamentos sustentada, na realidade do ser imortal, ao conceber que o pensamento é atributo da alma. A partir disso, se tornaria mais simples a compreensão de que tudo quanto existe no campo da matéria densa não passa das elaborações da mente, do psiquismo do ser espiritual. Entenderia o filósofo, sob a profunda luz espírita, que há um caminho 10 ESPIRITISMO, SÉCULO XXI – ZALMINO ZIMMERMANN menos agreste para a compreensão do ser e da existência, bem como o sentido de tudo isso, nos mundos disseminados pelos espaços. Libertar-se-ia a Fé Religiosa ante o pensamento espírita, qualquer que fosse a sua linha interpretativa dos fenômenos da alma, ao observar seriamente e penetrar o conhecimento das leis da natureza, base em que se apoia a estrutura espírita. Destronaria o interesse subalterno de dominação de consciências, valorizaria o trabalho de amadurecimento das consciências para a visão de Deus, o que aclararia a reflexão do crente para libertá-lo, por fim, da pieguice, do fanatismo, do fundamentalismo destrutivo.” GABRIEL DELANNE (Da mensagem psicografada por Raul Teixeira, no IV Congresso Espírita Mundial, “Liberdade com o Espiritismo”. Paris, Outubro, 2004). PRIMEIRAS PALAVRAS O desenvolvimento do Espiritismo impõe reflexões em torno do seu significado. Nesse sentido, partindo de um conceito que corresponda à sua realidade, apresentamos aqui uma proposta buscando definir a posição do Espiritismo em relação à Ciência, à Filosofia, à Religião, e, também, no tocante à Arte. Trata-se, naturalmente, de um tema complexo e, ao mesmo tempo, sensível, mas que, vivendo-se já o Terceiro Milênio, cumpre seja examinado. O conteúdo dessas páginas traduz um esforço nesse sentido, sendo certo que, com relação aos argumentos expendidos, o tempo dirá por si. Agradecemos aos dignos leitores, a serena análise. Campinas (SP), Outono, 2011 O AUTOR I. CONCEITO DE ESPIRITISMO 1. Decorrido século e meio de seu surgimento, pode-se, hoje, conceituar o Espiritismo como o “sistema de conhecimentos que revela a natureza espiritual do ser humano, sua realidade interexistencial e o processo de sua evolução”. O conjunto dos princípios que o caracterizam é o que se conhece como Doutrina Espírita. ANÁLISE DO CONCEITO 2. Espiritismo é “o sistema de conhecimentos...” Assim o é, porque expressa uma totalidade ordenada de conhecimentos reciprocamente articulados e interdependentes, indissociável, pois, em suas partes. Mas não se trata de um sistema fechado, estático. Ao contrário, é um sistema evolutivo, de sólidos 14 ESPIRITISMO, SÉCULO XXI – ZALMINO ZIMMERMANN fundamentos, que incorpora conteúdos novos sempre que universalmente confirmados, revigorando-se continuamente em seu desenvolvimento. 3. Espiritismo é “o sistema de conhecimentos que revela...” O Espiritismo resulta, em boa parte, da revelação dos Espíritos. ALLAN KARDEC, com seu alto discernimento e realismo, construiu o sistema doutrinário que denominou Espiritismo, com base nas sucessivas revelações dos Espíritos que o assistiam. Reportando-se às suas experiências iniciais e, depois, à preparação de O Livro dos Espíritos, a obra fundamental do Espiritismo, escrevia o Codificador. “Compreendi, antes de tudo, a gravidade da exploração que ia empreender; percebi, naqueles fenômenos, a chave do problema tão obscuro e tão controvertido do passado e do futuro da Humanidade, a solução que eu procurara em toda a minha vida. Era, em suma, toda uma revolução nas idéias e nas crenças; fazia-se mister, portanto, andar com a maior circunspeção e não levianamente; ser positivista e não idealista, para não me deixar iludir. II. ESPIRITISMO E CIÊNCIA O Espiritismo é uma Ciência? 1. Esse sistema de conhecimentos revelados que informam sobre a realidade espiritual do ser humano, sua qualidade interexistencial e o complexo processo de sua evolução, constitui, em si, uma ciência, mais uma ciência? Para uma resposta a tal indagação impõe-se sejam consideradas, desde logo, duas questões. A primeira diz respeito à complexidade inerente ao estabelecimento de um estatuto mais preciso do Espiritismo, mas que agora, propícios os tempos e as condições, tende a melhor definir-se. O desenvolvimento dos temas propostos nesta obra serve a esse propósito. A segunda refere-se à ausência, ainda, de uma clara unanimidade em torno dos critérios que, efetivamente, possam caracterizar o que é ciência, diferen- 32 Espiritismo, Século XXI – ZALMINO ZIMMERMANN ciando-a de não ciência, ou pseudociência, ainda que, nas últimas décadas, insignes filósofos da Ciência tenham contribuído significativamente para o aclaramento da questão, destacando-se, especialmente, pela repercussão de suas propostas, POPPER, KUHN, LAKATOS e FEYERABEND.1 2. Karl Raimund POPPER (1902-1994), austríaco naturalizado britânico, foi um crítico respeitável das tradicionais concepções indutivistas, que remontam a Francis BACON (1561-1626) e que repercutiram no meio científico, graças ao chamado positivismo lógico, que floresceu em Viena, nas décadas de 1920 e 1930 e cuja influência perdura até hoje.2 1 A Filosofia da Ciência desenvolveu-se a partir dos séculos XVI e XVII, com o surgimento da Ciência Moderna, tratando, hoje, de um grande número de questões. Mas, entre os temas que discute, a caracterização do conhecimento científico, sua função explicativa, a previsibilidade, a estrutura e a função das teorias científicas comparecem como das mais importantes. 2 Os positivistas lógicos buscavam uma caracterização geral da ciência, que pretendiam fosse universal e que possibilitasse distingui-la da pseudociência. Visavam defender a ciência das “bobagens não científicas”, criticando a religião e a metafísica. A concepção positivista, com o tempo, foi sendo alterada ou rejeitada, embora ainda tenha muitos adeptos. III. ESPIRITISMO E FILOSOFIA Espiritismo é uma Filosofia? 1. As dificuldades que se detectam nas tentativas de se definir o que é a Ciência ou Conhecimento Científico, também são presentes – e em escala maior, até – nas tentativas de se chegar, afinal, a um entendimento cabal sobre o significado de Filosofia ou do que se conhece por Pensamento Filosófico. 2. A Filosofia tem sido genericamente designada como “amor pela sabedoria”. Sócrates (470 – 399 a.C.) qualificava-se a si mesmo como filósofo, entendendo que a palavra filosofia significava “amigo da sabedoria”, mas o termo, com esse sentido, já teria sido empregado por Pitágoras (séc. VI a.C.). Segundo antiga tradição, recolhida primeiramente por Diógenes Laércio e depois por Cícero, admitia Pitágoras que ao homem, quando muito, só poderia 72 ESPIRITISMO, SÉCULO XXI – ZALMINO ZIMMERMANN ser atribuído o qualificativo de filósofo, ou seja, amante da sabedoria, cuja característica principal devia ser o de aplicar-se à pura meditação. “A vida se assemelha a uma grande festa de jogos” – explicaria o filósofo – “aonde uns acorrem para medir-se nas lutas, outros para tratar de seus interesses; os melhores, porém, a ela comparecem como simples espectadores. Assim na vida: as naturezas vulgares se aplicam à caça, à conquista da glória e das riquezas; os filósofos se aplicam, entretanto, à pesquisa da verdade”.1 Embora a restrição de alguns críticos a esse tipo de informação, o certo é que Sócrates e seus discípulos nunca se declararam possuidores da sabedoria. Embora o oráculo de Delfos afirmasse que “não havia homem mais sábio do que Sócrates”, o filósofo reconhecia-se ignorante, dedicando-se a convencer os outros da própria ignorância, para que assim pudessem alcançar uma vida melhor.2 1 CRUZ, Estêvão. Compêndio de Filosofia. Porto Alegre: GLOBO, 1932, p. 6. 2 “Para comprovar a falsidade do oráculo, como disse mais tarde em sua fina ironia, Sócrates examinava com assiduidade as crenças e os pensamentos de todos os que se consideravam sábios – concluindo que era realmente o mais sábio de todos, pois somente ele admitia sua própria ignorância...” (TARNAS, Richard.