O historicismo viquiano e o racionalismo cartesiano

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O HISTORICISMO VIQUIANO E O RACIONALISMO CARTESIANO: POR
UMA ANTROPOLOGIA MAIS INTEGRAL
Por João Alberto Mendonça Silva1 e Josemar de Campos Maciel2
Durante os séculos XVI ao XVIII, a Europa viveu transformações significativas
no que diz respeito ao seu modo de conceber a ciência e de ver a realidade, inclusive a
humana. Dentro de um conceito moderno de filosofia, Giambattista Vico vem como
sinal de contradição e de dúvida frente àquilo que seu tempo desenvolvia como verdade.
Isso se dá devido ao seu retorno aos moldes Humanistas em pleno alvorecer do século
XVIII, principalmente no que diz respeito à sua abordagem filosófica.
Contudo, sem se dar conta daquilo que fazia, ele fundamentou assuntos e
concepções que marcam a filosofia, a história e a própria sociedade. Dentre os autores
que receberam sua influência pode-se nomear: Jules Michelet (a sua filosofia da
história), Herder (visão sociológica da linguagem), Benedetto Croce (a estética, a
história e a linguagem), Horkheimer (com a retomada da ideia de barbárie contida na
filosofia da história como crítica à modernidade e às suas “luzes”) e Apel (com a
arqueologia da linguagem e a filologia como resgate de significados).
Nomeando algumas de suas obras, sua história e elementos importantes de seu
pensamento, busca-se aqui identificar o ser humano e sua condição dentro dos
referenciais apontados por Vico durante o desenvolvimento de seu pensamento. As
obras utilizadas durante este trabalho foram: Autobiografia – texto no qual ele realiza
um apanhado geral de sua história e filosofia, inclusive breves resumos das obras
publicadas até então - De antiquíssima Italorum sapientia ex originibus linguae latinae
eruenda – traduzido como “A antiquíssima sabedoria dos itálicos desterrada das origens
da língua latina”, que seria uma obra monumental em três grandes tomos, mas reduziuse a apenas um, que aborda a Metafísica, devido, principalmente à má recepção da
crítica a esse trabalho que acabou por considerá-lo falho; é dada como uma obra de
embasamento de seu pensamento, desenvolvendo pontos importantes como a
linguagem, especificamente a palavra, e a relação da Metafísica com a realidade
sensível – De nostri temporis studiorum ratione – traduzido por “Organização dos
estudos de nossos tempos”, sétimo discurso de uma série proferida por ele durantes as
1
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Mestrando em Filosofia pela UCDB. E-mail: <[email protected]>.
Professor Doutor em Psicologia pela UCDB. E-mail: <[email protected]>.
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aberturas do ano letivo na Universidade de Nápoles; traz a particularidade de relatar,
abertamente, as falhas e sua crítica do cartesianismo, chamado de nova crítica ou
modelo geométrico, além de ser considerado o “Discurso do Método” para o modelo
historicista viquiano, por desenvolver e evidenciar os elementos e formas de realiza-lo
além de trazer uma concepção pedagógica segundo o mesmo – e os Principi di una
scienza nuova d’intorno ala comune natura delle nazioni, ou apenas Scienza Nuova –
traduzido por “Princípios de uma ciência nova entorno à natureza comum das nações”,
simplificado por “Ciência Nova”, sendo que, ao longo do trabalho, se preferiu continuar
com a nomenclatura simplificada original (Scienza Nuova) devido ao seu valor histórico
e significativo do qual este nome é envolto, sendo que traz consigo o ápice de seu
pensamento e trabalha vários temas ao longo de suas divisões, mas principalmente a
fundamentação da relação entre a Filosofia e a Filologia e a questão da história,
incluindo sua relação com a Providência.
Genericamente, os elementos retirados de sua obra são: o engenho, os conflitos
da vida somados ao desenvolvimento intelectual, o reavivamento linguístico (conforme
afirma Apel em sua Filosofia transcendental de Giambattista Vico, in L'idea di lingua
nella tradizione dell'Umanesimo da Dante a Vico, edição de 1975), a filologia como
base para uma antropologia, a autonomia do pensamento, a palavra como manifestação
do espírito, a História como verdade e como construção autêntica dos seres humanos,
quebra do tempo linear e organização do tempo cíclico, a lei dos ciclos históricos e a
palavra abordada no seu sentido heurístico, como “mãe do engenho”. Dessa forma,
trazendo o método histórico viquiano, baseado no desenvolvimento filológico, pretendese demonstrar uma construção de mundo e de homem marcada pela linguagem que se
manifesta na história e na sua relação com o metafísico.
O modelo historicista, aqui também chamado como método, traz como
principais características o retorno aos clássicos (resgate do Humanismo) em seus
originais, o que requer o conhecimento da história do passado bem como dos idiomas
originais nos quais as obras foram escritas; a leitura destes faz com que a construção da
compreensão seja original, visto que apresenta uma natureza subjetiva, além de
desenvolver um complexo trabalho intelectual, justamente por pretender levar o leitor à
compreensão estrita daquilo que o autor realiza bem como orientação das considerações
particulares conforme a própria mente do mesmo. Para isso, tem-se a necessidade de
uma semântica desenvolvida e uma verdadeira busca pela palavra e a construção do
significado desta. Tal realidade é constatada quando da elaboração do conceito de
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verum-factum, ou seja, do verdadeiro sobre o factual, o universal e o particular, a
filosofia e a filologia. A relação entre estas faz com que aquela possa alcançar
significados e juízos sobre o desenvolvimento humano ao longo da história e não seja
apenas uma análise vazia e abstrata de realidades dadas no mundo civil e social do
homem. A filologia surge como elemento que, unido à filosofia, consegue apontar a
gama de significados que a História e seus documentos comportam, não realizando
análises frias como as inferidas pelos gramáticos da época. Assim ocorre a conjunção
entre a filosofia e a filologia, sendo que a verdade não é exclusa do fato e nem este
daquela, mas um no outro, de tal modo que a integração ocorra de forma a sustentar,
mutuamente, as áreas de interesse de cada abordagem.
Quando do desenvolvimento deste trabalho inicial, ou seja, a abordagem do
pensamento de Vico, buscou-se aplicar nele o método cartesiano, segundo o qual se faz
a busca não pelos originais, mas pelos comentadores e resenhistas. Houve, sim, a leitura
das obras do autor, contudo muito mais focado em determinados pontos e não na
integralidade da obra em si. Desse modo pode-se perceber como é realizar uma prática
de construção do conhecimento fundado não apenas em si, mas também com a
fundamentação de outros da forma como se realiza hoje, ou seja, onde as pesquisas se
tornam apenas válidas quando se citam fontes que fundamentem o pensamento, não
considerando as concepções subjetivas e as análises particulares que os autores podem
vir a realizar por considera-las desprovidas de veracidade ou de validade argumentativa,
seja por um sentimento de superioridade acadêmica frente ao livre pensar, seja por
dificultar a pesquisa frente às novas possibilidades de construção intelectiva.
De Vico pode-se perceber que sua filologia se dá de uma forma muito particular,
pois ela não vem apenas para dar significados às palavras isoladamente, mas
contribuindo para outras áreas da gramática ou aspectos similares. Ela serve para, num
âmbito filosófico, dar sentido à vida das nações e desencadear os acontecimentos que
proporcionaram o seu desenvolvimento histórico e suas características enquanto povo
de uma forma viva e que age de acordo com a dinâmica própria da história humana, na
qual o homem que cria instituições acaba por se modificar por aquilo que ele mesmo
criou, ou seja, em constante movimento não apenas temporal, mas metafísico.
A história das nações que ele propõe traz consigo uma releitura dos
acontecimentos que marcaram a constituição dos povos e a relação que se pode perceber
entre os diversos aspectos das nações e suas relações entre si que, como mesmo o
explicita Vico, ocorreu quando por ocasião das navegações e conquistas territoriais
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naqueles anos. Recontar tal história não é inventar acontecimentos ou arrogar-se como
conhecedor pleno da realidade, mas é demonstrar que existe a possibilidade de enxergar
a realidade com outros olhos além daqueles que foram condicionados pelos tempos e
mostrar que existe outra realidade tanto mais aplicável e verossímil do que a
considerada comum. A história pessoal de Vico deixa clara as suas dificuldades e
conquistas, mas também desvela muito bem sua filosofia conjunta às possibilidades que
existem de ser o maior esforço o caminho que leva ao maior desenvolvimento das
faculdades humanas e se atribuir valor inestimável a tais atributos. Se o ser humano, à
luz da Providência que reflete na Metafísica, não consegue atribuir valor àquilo que é
por ele conhecido e alcançado por sua racionalidade, então não pode esse mesmo ser
conseguir suportar o peso de sua humanidade e, consequentemente, de sua história e
daquilo que dá significado e base para as cadeias de sentidos que existem em si e,
também, nos outros que com ele estão.
Alcançar a verdade é um caminho que é trilhado quando ocorre um debruçar-se
sobre a história, pois é nesta que aquela se faz perceptível, visto sobre o que ocorreu e
sobre aquilo que já se fez história e não há o que dissimular, pois já foi experimentado e
verificado pelo ser. Como mesmo afirma Vico na Scienza Nuova, edição de 1988,
página 174: “A mente humana não entende nada que não tenha tido algum motivo [...]
nos sentidos” e usa o intelecto quando “[...] recolhe algo que não cai sob os sentidos”.
Expressar o ser, saber de ser e sentir essa possibilidade é reabrir algumas
características ao homem e, assim, levar adiante os aspectos antropológicos particulares
de seu pensamento. Ser humano em Vico é possuir as capacidades de confronto
linguístico e de realizar, dentro daquilo que ele propõe, o desenvolvimento do próprio
homem e construir uma história possível e dialética quando junta à Providência,
desencadeando numa sociabilidade original, ou seja, intrínseca ao ser. A liberdade que o
homem goza, afirmada quando da construção da História Real e percebida pela
heterogênese dos fins, traz no homem a amplitude de suas características ao realizar a
retroação do criado sobre o criador, ou seja, as criações humanas determinando seu
próprio criador e provocando nele mudanças substanciais com o passar das eras. Desse
modo, fazem com que as ações humanas alcancem possibilidades sempre maiores do
que primariamente se esperava.
Finalizando esta breve explanação sobre Vico, cita-se um excerto de Cícero em
seu clássico De oratore, edição de 1967 página 224, no qual se lê: “Historia vero testis
temporum, lux veritatis, vita memoriæ, magistral vitæ, nuntia vetustatis, qua voce alia,
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nisi oratoris, immortalitati commendatur?”, ou seja, E como a História, que testemunha
a passagem das eras, lança luz sobre a realidade, dá vida à lembrança e orientação à
existência humana e traz novas de tempos antigos à voz, mas o orador, pode confiá-la a
imortalidade?
Retrocedendo temporalmente para resgatar o argumento cartesiano encontra-se
uma Europa no fervilhar das grandes transformações científicas, além da necessidade de
alcançar e formular um método de pesquisa. Foi num ambiente de turbilhão tanto social
quanto científico que Descartes nasceu e se desenvolveu como pessoa e, pode-se
concluir com isso, que tal ambiente foi o motivo do estabelecimento de ideias que o
seguiram por toda a vida e serviram de orientação ao seu trabalho como pensador,
matemático e conselheiro de grandes chefes, além de desembocarem num pensamento
antropológico confluente à mentalidade daquele período. Abrindo-se um parênteses
nesta explanação pode-se incitar uma pergunta importante: por que iniciar com Vico,
que se desdobra dos anos de 1670 à 1744 para depois retornar à Descartes, que se
encontra dos anos de 1596 até 1650 e não realizar uma consecução temporal? A
resposta está na aplicação do modelo viquiano de tempo e sua utilização prática num
trabalho de estudo e de construção intelectual. Por isso, ao longo do caminho que fora
traçado no trabalho, várias foram as vezes na quais o tempo avança e retrocede,
justamente para demonstrar a espiral necessária para realizar abordagens fundamentadas
historicamente. Assim, Descartes contribui com suas obras demonstrando não apenas as
possibilidades de fazer ciência, mas também as de conhecer o ser humano e seus
elementos que, para ele, eram substanciais numa análise antropológica e de
fundamentação gnosiológica.
Evidenciando as obras cartesianas utilizadas neste trabalho, cita-se: Discurso do
método – obra de referência na qual Descartes traz, além do Método e de suas fases e
aplicações, contribuições importantes sobre as características do ser humano,
principalmente sua autonomia no pensar e a importância da autodescoberta de si para a
construção de um pensamento de fato; As meditações – que, além das provas da
existência de Deus, Descartes traz à tona a questão da alma e sua natureza intelectometafísica, além da dignificação do ser humano ao considerar a alma advinda
diretamente da divindade; O tratado das paixões da alma – nomeando e elencando os
sentimentos humanos, sua dinâmica e interação total com o mesmo ser, tornando as
categorias pneumáticas e espirituais essenciais ao ser humano e em harmonia e relação
entre si e com a corporeidade do homem; O homem – obra que mostra a frieza da
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concepção racional do corpo como máquina, levando a considerar-se isso quando há o
seu tratamento de forma isolada do restante das partes que o integram totalmente; sua
principal contribuição é a relação entre a fisiologia e a filosofia para compreender a
humanidade, trazendo intrínseco a isso a condição de perfeição que o ser humano, por
seus sistemas corpóreos, traz consigo além de manifestar claramente as concepções
modernas sobre o próprio ser humano, ou seja, a necessidade de enxerga-lo
cientificamente e de maneira fria, sem firulas ou enfeites, mas como ele se apresenta, ou
seja, corpo.
Quando realizada a análise das obras de Cartesius, pôde-se elencar os seguintes
elementos importantes para uma reflexão antropológica: o primeiro ponto vem a ser a
introspecção e o conhecimento pessoal que cada ser humano traz intrínseco a si. Isso ele
expõe ao citar, no seu Discurso do Método, uma certa “iluminação” intelectual que o
mesmo experimentou, levando-o a concretizar tal obra. Descartes demonstra que o ser
humano possui a possibilidade de alcançar certos insights intelectuais, não por
conhecimento ou conteúdos inatos, mas no sentido de conseguir, por si mesmo, tais
momentos e realizar feitos intelectivos muito acima daquilo que se esperava
normalmente, indo além das expectativas. O segundo ponto é a autonomia e o altruísmo
humanos, ou seja, as capacidades que, relacionadas à anterior, levam o homem a ter em
suas mãos os meios e as possibilidades de racionalidade e de busca pela verdade que
pode ser encontrada mediante a estruturação racional do pensar. Altruísmo vem no
sentido de fazer esse bem sem necessitar de algo ou alguém que o inspire externamente.
Outro ponto interessante vem a ser a aqui chamada de metanóia cartesiana, nada mais
sendo do que a mudança de paradigmas e de sentidos que ocorre quando o indivíduo
passa a aplicar o Método. Desse modo, Descartes diz, no Discurso do Método, que o ser
humano que aplica o modelo geométrico em sua vida passa de ator à expectador do
mundo e passa a enxergar os grandes dramas da vida comum como simples comédias. A
grande relação que Cartésio faz com a filosofia ao explicar o homem é uni-la à
fisiologia. Munir-se de tal conteúdo é assegurar a cientificidade de um modelo e fazer
com que ele caminhe rumo à perfeição, visto que esta está intrínseca no objeto estudado.
Ao conceber o corpo como simples máquina, Descartes assegura a concepção
mecanicista de seu tempo e, quando agrega à tal máquina algo a mais, ou seja, a alma,
demonstra que as possibilidades humanas vão além da simples lógica mecânica,
realizando proezas e feitos que nem a mais perfeita máquina construída poderia realizar.
Assim, o dualismo corpo/alma, em Descartes, não segue a lógica antiga de cárcere e
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libertação, mas a complementaridade de máquina e sentimento, de movimento e
linguagem, de ação e escolha. Para que ambos estejam em equilíbrio é necessário que as
paixões da alma estejam caminhando bem, pois se elas encontram-se em desequilíbrio,
ocorre a possibilidade de cessar o movimento e, em Descartes, onde não há movimento
não há vida, pois esta é diretamente ligada e dependente daquele. A palavra aqui assume
o caráter analítico da realidade, tendo como escopo a organização dos números e a
diferenciação entre a Máquina humana e os autômatos, além dos demais animais.
Quanto à questão do método Racionalista, alguns pontos são muito importantes
de serem elencados. Segundo a pesquisa realizadas, pode-se nomear: busca dos
comentadores e traduções, visto que Descartes tenta se afastar do modelo Humanista
que lhe foi ensinado em La Flèche. Ele demonstra isso ao dizer uma expressão muito
famosa em seu Discurso do Método, edição de 1910, página 49: “Car c’est quasi le
meme de converser avec ceux des autres siècles, que de voyager [...], mais lorsqu’on
emploie trop de temps à voyager, on devient enfin étranger em son pays”, ou seja,
porque é quase o mesmo de conversar com os outros séculos viajar [...], mas quem
passa muito tempo viajando, acaba por tornar-se, enfim, estrangeiro em seu país. Assim,
porque demorar muito tempo estudando línguas e construções gramaticais de outros se a
realidade exige uma resposta que os antigos não tinham nenhuma possibilidade de
responder? Desse modo, ao invés de se perder tempo aprendendo a ler um livro em
latim, por exemplo, que haja a sua apreciação naquilo que já se sabe, ou seja, o
vernáculo, e se a compreensão do mesmo é por demais complexa, que os comentadores
falem pelo autor. Outro ponto importante é a organização em busca de especificidades
dadas como verdade de forma a construir um edifício intelectual rápido e metódico,
excluindo todas as meias-verdades e verossimilhanças e ficando apenas com o formal e
tido como seguro e verdadeiro. Assim, a palavra toma uma dimensão muito mais de
compreensão do que de explicação, tal qual os analíticos do início do século passado
tentaram realizar.
Buscar Descartes diretamente de suas obras e, dentro das possibilidades, direto
dos originais, é um modo de concretizar o modelo viquiano de edificação intelectual de
modo a conceber, de maneira autônoma, as ideias e as compreensões sobre o
pensamento do autor. Realizando este estudo chegam-se a pontos muitas das vezes
deixados de lado quando comentados e permite um diálogo mais claro e rigoroso com o
autor. Isso devido ao trabalho de significância de cada palavra utilizada pelo autor e os
contextos históricos que envolvem a construção de cada obra.
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Elencar esses elementos e abrir as possibilidades de diálogo entre estes dois
autores faz parte da tentativa de demonstrar a dinâmica histórica que necessita de
sínteses de modo a alcançar respostas sempre novas dentro das problemáticas
apresentadas pela História humana. Isso, característica fundamental do engenho em
Vico, é aquilo que move as especulações intelectuais ao longo de todo o progresso
científico e permite que cada vez mais haja o alcance de um construto integral. A
antropologia integral aqui almejada nada mais é do que a possibilidade de unificar a
palavra sentida e poeticamente concebida, dotada de sentidos subjetivos a cada
sociedade, cheia de verossimilhanças com a realidade, com a palavra formal, abstrata e
metódica, que busca a verdade enquanto tal e tenta ser universal. A grande conclusão
que se pode tomar é que ser homem, dentro dessa síntese histórico-racional, é aquele
que, ao construir a sua História, retroage sobre suas criações e, mediante a criticidade de
seu pensamento, realiza autonomamente os construtos da linguagem. Isso tendo em
vista a tranquilidade da alma e a paz de espírito essenciais para a possibilidade de
alcançar a verdadeira racionalidade. Une-se, assim, o particular e o universal, o
subjetivo e o coletivo, o corpo e a alma, a História Real e a Ideal, tornando-os todos
elementos que compõem a sempre e inconstante realidade da humanidade e,
essencialmente, o ser aqui chamado de humano.
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