internação compulsória de adolescentes dependentes de drogas

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INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA DE ADOLESCENTES DEPENDENTES
DE DROGAS
SANTOS, Mayara Regina Dadalt 1 - UNIOESTE/PR
FELL, Elizângela Treméa2 - UNIOESTE/PR
BARBOSA, Bárbara Lúcia Almeida3 - NEDDIJ/PR
KUNZLER, Michelle Cristina4 - UNIOESTE/PR
XAVIER, José Augusto Hillmann5 - UNIOESTE/PR
LINDINO, Terezinha Corrêa 6 – UNIOESTE/PR
KUNZLER, Andréia Carla Bach7 - NEDDIJ/PR
BLATT, Luana Rachel8 - NEDDIJ/PR
Grupo de Trabalho: Educação e Saúde
Agência Financiadora: não contou com financiamento
Resumo
1
Graduanda do 4º ano de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) campus Marechal
Cândido Rondon/PR. Estagiária do Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude (NEDDIJ).
E-mail: [email protected].
2
Doutora em Educação, Advogada, Professora e Pesquisadora da Universidade Estadual do Oeste do Paraná
(UNIOESTE) – Marechal Cândido Rondon/PR, Membro do grupo de pesquisa cadastrado no Cnpq:
Hermenêutica da ciência e soberania nacional, Coordenadora do NEDDIJ – MCR (Programa Universidade sem
Fronteiras). E-mail: [email protected].
3
Advogada do Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude (NEDDIJ). E-mail:
[email protected]
4
Graduanda do 3º ano de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) – campus
Marechal Cândido Rondon/PR. Estagiária do Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude
(NEDDIJ). E-mail: [email protected]
5
Graduando do 3º ano de Direito da Universidade Estadual do Oeste do Paraná (UNIOESTE) campus Marechal
Cândido Rondon/PR. Estagiário do Núcleo de Estudos e Defesa dos Direitos da Infância e Juventude (NEDDIJ).
E-mail: [email protected].
6
Professora Doutora em Educação. Coordenadora Pedagógica do Núcleo de Estudo de Defesa e Direitos da
Infância e da Juventude (NEDDIJ), campus Marechal Cândido Rondon. E-mail: [email protected].
7
Pedagoga. NEDDIJ – Núcleo de Estudo de Defesa e Direitos da Infância e da Juventude, campus Marechal
Cândido Rondon.
8
Estagiária de Pedagogia. NEDDIJ – Núcleo de Estudo de Defesa e Direitos da Infância e da Juventude, campus
Marechal Cândido Rondon.
26892
O consumo de drogas é um fato que sempre existiu em nossa sociedade, entretanto, o
consumo desenfreado, de forma abusiva tornou-se uma doença social devido ao nível de
desintegração que tem causado e, por tal razão, deve ser visto como uma questão de saúde
pública. Esta pesquisa bibliográfica analisa a relação da adolescência com o consumo de
drogas, como as pessoas que se encontram nesta fase são mais suscetíveis a vícios, o que as
leva ao ponto da dependência, qual o tratamento mais adequado para curá-la e como
identificá-lo. Avalia ainda o instituto da internação compulsória, demonstra que ela não é a
melhor opção quando se trata de pacientes adolescentes, como a mesma deve ser aplicada e a
forma prejudicial com que tem sido utilizada atualmente como política higienista nas
“Cracolândias”.
Palavras-chave: Adolescente. Drogas. Internação compulsória. ECA.
Introdução
O consumo de substâncias psicoativas não é um fenômeno inédito da sociedade atual,
sempre esteve presente na história da humanidade, seja com fins religiosos, medicinais,
místicos, seja por mero prazer, pois é inerente ao homem buscar formas de aumentar o prazer
e diminuir a dor, é utópica a ideia de exterminar a droga da sociedade.
Pratta e Santos (2006, p. 316), em pesquisa bibliográfica, constataram que a diferença
entre o consumo no passado e o consumo atual refere-se ao objetivo visado com a droga:
antes era usada como um elemento de integração, muito presente em rituais, como um fator
de coesão social e emocional; hoje tornou-se uma doença social, um elemento de
desintegração, pois o uso é mais individualizado e abusivo.
Assim, o aumento crescente do consumo abusivo tem se tornado um fator social
preocupante, principalmente quando os usuários possuem uma condição especial de
vulnerabilidade, como os adolescentes, devendo ser analisado como uma questão de saúde
pública que necessita de um tratamento especial, de forma a garantir o direito fundamental à
saúde e à vida digna desses pacientes.
A problemática da drogadição na adolescência
O Estatuto da Criança e do Adolescente9 define como adolescente a pessoa entre 12 e
18 anos de idade com uma característica especial de “pessoa em situação peculiar de
desenvolvimento”, ou seja, em fase de crescimento físico, psicológico, intelectual, espiritual e
moral, devendo ser garantido de forma saudável e plena.
9
Art. 2º, Lei 8.069/1990: Considera-se criança, para os efeitos desta Lei, a pessoa até doze anos de idade
incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade.
26893
Ao ser determinada em um intervalo de tempo, nota-se que a adolescência é uma fase
intermediária: a pessoa não é mais criança e ainda não é adulto. Nessa crise de identidade
encontra-se o adolescente.
Em razão dessa transição de fases, o adolescente passa por uma instabilidade
emocional decorrente de variados motivos, conforme explica Prates (2007, p. 61):
A adolescência é uma fase da vida em que, normalmente prepondera a instabilidade
emocional, seja pelas constantes descobertas, pelas novas responsabilidades que se
apresentam diariamente ao jovem, seja pelas suas incertezas, ou pela necessidade de
consolidação de sua identidade, dentre outros fatores intrínsecos correspondentes ao
desenvolvimento humano, ou mesmo por fatores externos de repercussão direta no
âmago jovem.
Entretanto, em que pese a sua inserção em uma “posição de intervalo”, a sociedade
impõe que o adolescente se reconheça ora de uma forma, ora de outra, exigindo a busca por
novos lugares e novas identificações. “Entre duas leis – à criança cabe brincar/ao adulto cabe
trabalhar – a adolescência seria o momento de uma ‘tentação nômade” (RASSIAL, 1997, p.
14).
Hurlock entende que “a principal razão pela qual a adolescência é chamada de idadeproblema se deve ao fato de que os adolescentes, com muita frequência são julgados por
padrões adultos e não pelos que são adequados as suas idades” (apud PRATES, 2007, p.6667).
Assim, o adolescente desenvolve uma insegurança em razão da necessidade de
comportar-se de acordo com os padrões da nova fase, adaptar-se a mudanças tanto físicas
como psíquicas e, ao mesmo tempo, criar uma identidade que, conforme definição de Osório,
“é a consciência que o indivíduo tem de si como ‘ser no mundo’” (1992, p.14).
Soma-se a essas questões a constante imposição, por parte da sociedade capitalista, de
uma cultura individualista e consumista, que propaga a ideia de satisfação das angústias
humanas pelos bens de consumo, criando, inconscientemente, uma dependência a esses e,
dessa forma, dando margem ao uso da droga como meio de fuga.
Nesse sentido, explanam Kalina, Kovadloff, Roig, Serran e Cesaran:
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(...) a sociedade encara, cada vez mais, o homem como objeto, como uma máquina,
desumanizando-o e deixando de lado valores humanos e afetivos. Assim, em uma
vida em que tais valores são ignorados, as substâncias que estimulam acabam por
substituir a estima (considerada como alimento essencial da vida). Nesse mundo
desumanizado, aparece então, muitas vezes, a droga como a grande solução
ilusória, uma vez que, na medida em que o homem passa a funcionar como
máquina, ele necessita de “combustíveis especiais” para atuar, surgindo a indução
aos tóxicos como a solução mágica, a solução ideal (apud PRATTA; SANTOS,
2006, p.316).
Assim, como consequência dessa fase de transição e da necessidade de adquirir bens
de consumo visando conquistar um status perante a sociedade e, com isso, adquirir poder,
muitas vezes os adolescentes agem de forma impulsiva e reflexa a tais necessidades, seja
usando drogas como meio de fuga, ou praticando atos infracionais para adquirir bens de
consumo ou manter o vício na droga, o que é muito comum.
Esse comportamento impulsivo é taxado de comportamento-problema, pois não é visto
como uma resposta às dificuldades enfrentadas nessa fase, mas sim como uma rebeldia sem
causa ou inconsequência.
“Não raramente, atitudes plenamente justificáveis em razão da idade são tidas como
verdadeiras aberrações. Os adultos desconsolados não entendem como seus filhos podem ser
tão “perturbados”, [...]” (PRATES, 2007, p.66).
Essa visão da adolescência como uma fase problemática é o que predomina não só no
senso comum, mas também nas Políticas Públicas destinadas a ela que, inclusive, a
denominam como uma “fase de riscos” objetivando prevenir alguma espécie de risco social e
tratando-a como uma fase patológica.
Os adolescentes são considerados “grupo de risco” tendo em vista que a sociedade os
encara como sujeitos desprovidos de autocontrole e ainda não totalmente socializados nas
normas e regras sociais e, por isso, possuem potenciais perigosos ao equilíbrio da sociedade
(LIMA; PAULA, 2004. p.95).
Da mesma forma, ao analisar a recuperação dos adolescentes que praticam atos
infracionais, Arruda salienta que há uma visão negativa da adolescência na própria instituição
criada para recuperá-lo e ressocializá-lo, que repercute em um tratamento excludente e
marginalista, uma vez que esses adolescentes passam a ser “reconhecidos, catalogados,
estigmatizados e vigiados”, sendo quase natural a expectativa de um comportamento “antisocial” (1983, p. 23).
Diante dessa visão pessimista da adolescência somada às dificuldades naturais dessa
fase de transformações, os adolescentes tornam-se vulneráveis a quaisquer meios de fuga,
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satisfação e alívio da pressão social. Nesse sentido, leciona Silveira Filho: “[...], frente à
sociedade em desestruturação, à desagregação das famílias e um mundo violento que tende a
negar valores morais, e até mesmo éticos, a toxicomania surge para o adolescente como uma
direção para o que pensam ser a felicidade” (apud PRATTA; SANTOS, 2006, p. 318).
Percebe-se então, que o consumo de drogas na adolescência deve ser entendido como
consequência de todos esses fatores e não como causa de problemas sociais, como o aumento
da violência, a prática de atos infracionais, que são meros reflexos, como salienta Kalina:
A drogadição não é mais do que uma das consequências da alienação históricosocial, política e econômica, através da qual se manifesta a dramática dissociação
em que vivemos. Ela é um sintoma da crise que atravessamos, decorrente de uma
gama de fatores incluídos na dimensão familiar, social e individual, bem como das
rápidas e consistentes mudanças no modo de organização das sociedades
industrializadas (apud PRATTA; SANTOS, 2006, p. 316).
Sendo assim, resultando de fatores tão plurais, não há como definir uma solução ideal
para todos os dependentes de drogas. Essa doença social deve ser tratada levando em conta a
singularidade do usuário, o motivo da busca pela droga e o contexto social em que está
inserido e, somente assim, identificar o tratamento adequado, que será objeto do próximo
tópico.
A Internação compulsória no tratamento de adolescentes dependentes
Hoje não há uma solução exata, infalível, para a dependência química, pois, embora o
problema pareça ser o vício em si, tal fenômeno não pode ser tratado de forma isolada. A
solução dada, geralmente, busca tratar unicamente o vício, visa à abstinência do dependente,
quando, na verdade, se deveria buscar tratar, além do vício, principalmente, o que levou o
indivíduo à dependência, a fim de que se possa garantir plenamente o direito fundamental à
saúde e, principalmente, à vida do adolescente.
Entretanto, o tratamento que comumente tem sido aplicado a esse fenômeno na prática
é a internação que, conforme salienta Gonçalves Júnior (2011), presidente da Comissão de
Segurança Pública da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo, é a solução dada desde
1938, prevista no Decreto-Lei 891, que regulamenta a fiscalização de entorpecentes e tem
vigência até hoje. Tal decreto equipara o dependente de drogas a doente, proíbe tratá-lo em
domicílio e regulamenta a internação obrigatória de dependentes químicos, quando provada a
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necessidade de tratamento adequado ao enfermo ou quando for conveniente à ordem pública,
conforme os artigos transcritos abaixo:
CAPÍTULO III
A INTERNAÇÃO E DA INTERDIÇÃO CIVIL
Artigo 27: A toxicomania ou a intoxicação habitual, por substâncias entorpecentes, é
considerada doença de notificação compulsória, em caráter reservado, à
autoridade sanitária local.
Artigo 28: Não é permitido o tratamento de toxicômanos em domicílio.
Artigo 29: Os toxicômanos ou os intoxicados habituais, por entorpecentes, por
inebriantes em geral ou bebidas alcoólicas, são passíveis de internação obrigatória
ou facultativa por tempo determinado ou não.
§ 1º A internação obrigatória se dará, nos casos de toxicomania por entorpecentes ou
nos outros casos, quando provada a necessidade de tratamento adequado ao
enfermo, ou for conveniente à ordem pública. Essa internação se verificará
mediante representação da autoridade policial ou a requerimento do Ministério
Público, só se tornando efetiva após decisão judicial (grifos nossos).
Com o advento da Lei 10.216/01, marco da Reforma Psiquiátrica brasileira, houve
uma evolução no tratamento do dependente de drogas, antes visto simplesmente como doente,
passou a ser tratado como um indivíduo portador de transtorno mental desencadeado por
múltiplos fatores e que possui direitos e garantias que devem ser atendidos, conforme prevê
em seu artigo 2º, parágrafo único:
Art. 2º Nos atendimentos em saúde mental, de qualquer natureza, a pessoa e seus
familiares ou responsáveis serão formalmente cientificados dos direitos enumerados
no parágrafo único deste artigo.
Parágrafo único. São direitos da pessoa portadora de transtorno mental:
I – ter acesso ao melhor tratamento do sistema de saúde, consentâneo às suas
necessidades;
II - ser tratada com humanidade e respeito e no interesse exclusivo de beneficiar sua
saúde, visando alcançar sua recuperação pela inserção na família, no trabalho e na
comunidade;
III - ser protegida contra qualquer forma de abuso e exploração;
IV - ter garantia de sigilo nas informações prestadas;
V - ter direito à presença médica, em qualquer tempo, para esclarecer a necessidade
ou não de sua hospitalização involuntária;
VI - ter livre acesso aos meios de comunicação disponíveis;
VII - receber o maior número de informações a respeito de sua doença e de seu
tratamento;
VIII - ser tratada em ambiente terapêutico pelos meios menos invasivos possíveis;
IX - ser tratada, preferencialmente, em serviços comunitários de saúde mental.
Entretanto, tal lei não foi criada especificamente para tratar dos dependentes químicos,
como se pode notar nos seus dispositivos, ela menciona “pessoa portadora de transtorno
mental”. Sendo assim, faz-se necessário que um laudo médico circunstanciado ateste que a
dependência em tóxicos está causando um transtorno mental à determinada pessoa
(DALSENTER; TIMI, 2012, p.4).
26897
Ademais, um dos motivos que fazem essa lei ser conhecida como marco da Reforma
Psiquiátrica Brasileira se deve à previsão da internação como medida excepcional, a ser
utilizada apenas quando os recursos extra-hospitalares se mostrarem insuficientes para o
tratamento dos indivíduos acometidos por transtornos mentais (art. 4º). Tal evolução foi
consequência da luta antimanicomial, que fortaleceu o processo de desinstitucionalização em
se tratando de saúde mental, conforme aduz Bischoff, em sua tese de conclusão de curso
sobre o tema (2012, p. 51).
Quanto à internação, a lei estabelece três espécies em seu artigo 6º: voluntária,
involuntária e compulsória, todas condicionadas a laudo médico circunstanciado que
caracterize os seus motivos.
A internação será voluntária, quando o próprio dependente assinar uma declaração
optando por tal tratamento, conforme prevê o inciso I do parágrafo único do art. 6º e o art. 7º
da lei. O parágrafo único do artigo 7º traz a possibilidade de o próprio dependente internado
voluntariamente solicitar o término do tratamento, entretanto, tal solicitação é proibida pela
portaria 2.391/GM/2002 do Ministério da Saúde, que passou a prever a possibilidade da
internação psiquiátrica voluntária se tornar involuntária (BISCHOFF, 2012, p.51).
A internação será involuntária quando não houver consentimento do dependente, a
pedido de terceiro, devendo ser comunicada ao Ministério Público Estadual em 72 horas e seu
término será por solicitação escrita do familiar ou responsável legal, ou pelo médico
responsável (art. 6º, II e art. 8º, §§1º e 2º, da Lei 10.216/01).
A internação será compulsória quando determinada pelo juiz competente, devendo
levar em conta as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do
paciente, dos demais internados e funcionários (art. 6º, III e art. 9º, da Lei 10.216/01).
Importa salientar que, tratando-se de criança ou adolescente dependente de drogas há
previsão expressa no Estatuto da Criança e do Adolescente da internação compulsória como
medida de proteção, conforme preveem os incisos V e VI do artigo 101:
Art. 101. Verificada qualquer das hipóteses previstas no art. 9810, a autoridade
competente poderá determinar, dentre outras, as seguintes medidas:
[...]
V - requisição de tratamento médico, psicológico ou psiquiátrico, em regime
hospitalar ou ambulatorial;
10
Art. 98, ECA: As medidas de proteção à criança e ao adolescente são aplicáveis sempre que os direitos
reconhecidos nesta Lei forem ameaçados ou violados: I - por ação ou omissão da sociedade ou do Estado; II por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsável; III - em razão de sua conduta.
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VI - inclusão em programa oficial ou comunitário de auxílio, orientação e
tratamento a alcoólatras e toxicômanos;
Entende-se que, ao se drogar, a criança ou adolescente pratica conduta que coloca em
risco sua própria vida (art. 98, III, ECA), sendo aplicável a medida de internação compulsória.
Entretanto, sendo tal medida aplicada excepcionalmente pela Lei 10.216/01, tratando-se de
pacientes altamente vulneráveis, como as crianças e os adolescentes, deve ser aplicada em
caráter mais excepcional ainda, precisando sempre ser fundamentada com base no princípio
do melhor interesse da criança e do adolescente e visando sua reintegração familiar e social.
Ademais, a medida deve ser aplicada de forma que respeite a autonomia da pessoa,
permitindo-lhe decisão informada sobre os diversos meios de assistência, que devem ser
integrais e próximos de sua comunidade (MELO, 2010, p.447).
Importa destacar que não cabe discutir a questão da vontade do adolescente
expressando o consentimento quanto ao tratamento, tendo em vista a sua condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento e sua incapacidade de discernimento para decidir por si só. Dessa
forma, independente do vício em drogas, o adolescente já não tem capacidade decidir,
havendo o vício, torna-se mais incapaz ainda, pois o Código Civil de 2002 o elenca como
causa de incapacidade relativa:
Art. 3º São absolutamente incapazes de exercer pessoalmente os atos da vida civil:
I - os menores de dezesseis anos;
[...].
Art. 4º: São incapazes, relativamente a certos atos, ou à maneira de os exercer:
I - os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos;
II - os ébrios habituais, os viciados em tóxicos, e os que, por deficiência mental,
tenham o discernimento reduzido;
[...] (grifos nossos).
Portanto, quando o adolescente, faz uso de drogas de maneira abusiva tornando-se
dependente da mesma (art. 98, III), surge para os integrantes do Sistema de Garantias
(Conselho Tutelar, Ministério Público, Advocacia e Defensoria Pública), a responsabilidade
de requerer a internação como medida de proteção a fim de lhe garantir o direito à saúde
(RESENDE, 2008).
O ECA prevê ainda que é competência do Conselho Tutelar requerer e aplicar a
medida de internação, bem como do Mistério Público também:
Art. 136. São atribuições do Conselho Tutelar:
I - atender as crianças e adolescentes nas hipóteses previstas nos arts. 98 e 105,
aplicando as medidas previstas no art. 101, I a VII;
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[...]
III - promover a execução de suas decisões, podendo para tanto:
a) requisitar serviços públicos nas áreas de saúde, educação, serviço social,
previdência, trabalho e segurança;
[...]
VI - providenciar a medida estabelecida pela autoridade judiciária, dentre as
previstas no art. 101, de I a VI, para o adolescente autor de ato infracional;
Art. 201. Compete ao Ministério Público:
VIII - zelar pelo efetivo respeito aos direitos e garantias legais assegurados às
crianças e adolescentes, promovendo as medidas judiciais e extrajudiciais cabíveis;
[...] (grifos nossos).
Portanto, deparando-se com adolescente em situação de risco devido à dependência
química, cabe ao Conselho Tutelar requerer a aplicação da medida (internação como medida
de proteção) e também aplicá-la quando determinada judicialmente (internação compulsória).
O Ministério Público também tem competência para requerer a aplicação da medida
judicialmente, pois, além do ECA, que lhe incumbe da defesa dos direitos das crianças e dos
adolescentes, o CPC11 exige a sua intervenção em todos os processos que envolvam interesses
desses sujeitos.
Do tratamento mais adequado ao adolescente
Conforme já mencionado anteriormente, o adolescente se torna dependente de drogas
por decorrência de muitos fatores e dessa forma, além de tratar o próprio vício deve-se visar
solucionar o que causou a busca às drogas. Sendo assim, a internação, quando necessária,
além de ser a última opção, não pode ser aplicada isoladamente, deve ser acompanhada de
medidas que busquem a reinserção do indivíduo na sociedade e na família.
Nesse sentindo, Raupp e Costa (2006) destacam:
[...], o tratamento do adolescente não deve ser centrado no sintoma (a droga), mas,
principalmente, na relação que esse jovem estabelece com essas substâncias em sua
vida. Trata-se de escutar o sujeito da dependência, e não apenas a dependência do
sujeito, considerando as peculiaridades do processo do adolescente, para que possa
ser possível uma mudança na posição subjetiva.
Salienta-se que, cabe ao juiz evitar o discurso corriqueiro de que a internação objetiva
proteger o paciente de si mesmo, e que este tratamento é indispensável, ainda que viole certos
11
Art. 82,CPC. Compete ao Ministério Público intervir: I - nas causas em que há interesses de incapazes; II nas causas concernentes ao estado da pessoa, pátrio poder, tutela, curatela, interdição, casamento, declaração de
ausência e disposições de última vontade; III - nas ações que envolvam litígios coletivos pela posse da terra rural
e nas demais causas em que há interesse público evidenciado pela natureza da lide ou qualidade da parte.
26900
direitos fundamentais da pessoa. É imprescindível que se analise as circunstâncias do caso
concreto para identificar o tratamento adequado.
A Promotora de Justiça do Estado do Paraná, Cibele Cristina Freitas de Resende,
destaca que
[...] o paciente (criança/adolescente) não é, sob o ponto de vista jurídico, objeto de
intervenção terapêutica, mas sim sujeito de direito à saúde, o que implica em ser
tratado pelo melhor recurso terapêutico existente, o menos invasivo possível, sob o
prisma da excepcionalidade e da transitoriedade da medida de internação e o seu
atendimento integral (multidisciplinar) (Lei nº 10.216/0), visando o retorno ao
convívio familiar, sempre observada a sua peculiar fase de desenvolvimento (ECA)
(RESENDE, 2008).
Dessa forma, a internação compulsória só será aplicada quando os recursos extrahospitalares tiverem se mostrado insuficientes, conforme o artigo 4º da Lei nº 10.216/01,
objetivando sempre proteger a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas
em desenvolvimento, visto que são mais vulneráveis (RESENDE, 2008).
Além disso, o juiz deverá levar em conta o disposto no artigo 9º da mesma lei, ou seja,
observar as condições de segurança do estabelecimento, quanto à salvaguarda do paciente,
dos demais internados e funcionários (RESENDE, 2008).
Resende ainda destaca o procedimento mais adequado para se identificar o tratamento
eficaz ao adolescente:
Partir de uma criteriosa avaliação inicial médica, o exame clínico completo,
juntamente com o neurológico, exames laboratoriais e uma avaliação da família e
seu contexto social, é fundamental para que se identifique qual o tratamento mais
adequado em cada caso e se elabora um projeto terapêutico individual, capaz de,
comprometendo o paciente e sua família, tornar o mais claro possível os objetivos a
serem alcançados, a forma de atingi-los e o papel de cada um (RESENDE, 2008).
Dessa forma, nota-se que não há como determinar um tratamento ideal para todos os
adolescentes em situação de dependência química, dependerá do caso concreto, devendo-se
aplicar a internação somente em último caso, tentando sempre tratamentos extra-hospitalares
que visem a reinserção do adolescente na sociedade.
Aplicação atual da internação compulsória como política higienista
Em que pese a quebra de paradigma com o advento da Lei 10.216/2001 a respeito da
aplicação da internação como medida excepcional, atualmente esse ideal, infelizmente, não
tem sido aplicado na prática.
26901
A sociedade brasileira tem vivido uma forte polêmica: a questão da internação
compulsória nas “Cracolândias”, muito presente nos grandes centros, como Rio de Janeiro e
São Paulo, mas que causa significativa repercussão nacional, devido à dimensão do problema
que tem movimentado opiniões de várias áreas do saber, como psiquiatras, psicólogos,
assistentes sociais, juízes, promotores e demais juristas.
Há quem defenda que a internação compulsória possa, realmente, fazer com que os
dependentes abandonem o vício e reconstruam suas vidas. Mas também há quem critique a
forma com que tem sido feita a internação compulsória, devido ao caráter repressivo e à
violação de direitos fundamentais individuais desses dependentes.
O que tem acontecido nessas “Cracolândias” é a internação “em massa”, sem analisar
o sujeito dependente na sua singularidade. Percebe-se que o objetivo é dar uma solução
instantânea a um problema causado pela histórica inércia estatal, que não vem garantindo
políticas públicas adequadas e eficazes ao problema da dependência química, deixando essas
pessoas à margem da sociedade.
As “equipes de recolhimento” ou “unidades de acolhimento”, como são denominados
os agentes que “socorrem” os dependentes das ruas e os levam aos estabelecimentos de
internação, não a aplicam de forma individualizada e excepcional: não observam as condições
do estabelecimento e não analisam a história de vida e o contexto social em que vive o
dependente. “Em outras palavras, as crianças, os adolescentes e os jovens dependentes
químicos das Cracolândias são considerados um grande grupo, sem que sejam respeitadas as
peculiaridades e necessidades individuais de cada um” (BISCHOFF, 2012, p.60).
Ademais, conforme já demonstrado anteriormente, a aplicação da internação
compulsória é competência do Poder Judiciário, dos Conselhos Tutelares e do Ministério
Público. O que tem acontecido nas “Cracolândias” é a mera comunicação, após as unidades
de acolhimento aplicarem a medida, aos órgãos que são competentes para tanto. Há uma
inversão de papéis e evidente violação às legislações vigentes – ECA e Lei 10.216/01
(BISCHOFF, 2012, p.60).
Por esses motivos, a forma com que tem sido aplicada a internação compulsória nas
“Cracolândias” tem sido alvo de severas críticas, conforme se observa em notícia publicada
no site Consultor Jurídico: "Internação compulsória é uma política pobre feita para pobre. É
uma estratégia de higienização para mostrar um país bonito nos eventos internacionais", disse
26902
o coordenador do Movimento Nacional de População de Rua (MNPR) e da Frente Nacional
sobre Drogas e Direitos Humanos (FNDDH), Samuel Rodrigues (2012).
Salienta-se novamente que a internação compulsória é uma medida excepcional, que
deve ser aplicada após a análise do caso concreto, individualizado, observados os fatores que
levaram o dependente ao vício e constatado que não há outra medida efetiva, a não ser a
internação. Nesse sentido também conclui Bragiola (2012, p.383):
Os dependentes de crack que, por um concurso de circunstâncias ou por escolha
aparentemente livre (as quais não são objeto do presente estudo), se tornam
dependentes da citada droga, tem direito ao tratamento que deve ser proporcionado
pelo Estado por meio da implementação de saúde pública eficaz e concreta, pois os
dependentes de crack são vítimas e pacientes que não podem ser excluídos do
sistema social como se fossem criminosos e marginais, sob pena de infringir
preceitos inclusivos e os direitos fundamentais sociais de proteção à saúde e
dignidade desses necessitados (grifos nossos).
Portanto, além de infringir as legislações vigentes, a forma com que tem sido aplicada
a internação compulsória nas “Cracolândias” não passa de uma política higienista, de
exclusão, que não solucionará o problema, simplesmente, o esconderá.
Considerações finais
A dependência química na adolescência deve ser vista não só como uma questão de
saúde pública, mas, principalmente, como um problema social desencadeado por inúmeros
fatores, os quais devem ser observados atentamente a fim de se identificar o tratamento mais
efetivo, não visando somente cessar o vício, que é somente uma consequência do problema,
mas curar as causas que levaram a ele.
Através desse raciocínio, percebe-se que a internação compulsória não é o tratamento
mais adequado quando aplicada isoladamente, tendo em vista que o objetivo visado com tal
tratamento é somente a abstinência, devendo, portanto, ser aplicada somente quando
necessária e cumulada com outras medidas extra-hospitalares que tratem das causas efetivas
da dependência e objetivem a ressocialização do paciente em um ambiente saudável para seu
crescimento, visto que a adolescência é uma fase peculiar em que a pessoa está em constante
desenvolvimento e passa por muitas transformações.
Ademais, destaca-se a necessidade de se analisar cada paciente na sua individualidade,
sendo inútil e extremamente prejudicial a aplicação da internação compulsória em massa, que
mais caracteriza uma política de higienização que visa esconder o problema da sociedade do
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que uma preocupação em tratar esses pacientes e garantir-lhes o direito fundamental à saúde
que tanto lhes tem sido negado.
Salienta-se, por fim, a importância da implantação de políticas públicas que tenham
por objetivo a efetivação dos direitos garantidos pelo ECA, que visem a prevenção do
envolvimento com drogas na adolescência através de políticas de inclusão que ofereçam aos
adolescentes e às suas famílias alternativas para lidar com os desafios enfrentados durante
essa fase, a fim de que não seja necessário um tratamento posterior, quando já houve o dano à
saúde do adolescente e, muito mais difícil de reparar.
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