Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. Introdução de macroalgas exóticas na costa brasileira: potenciais espécies invasoras ? GILBERTO M. AMADO FILHO - INSTITUTO DE PESQUISAS JARDIM BOTÂNICO, RIO DE JANEIRO, RJ [email protected] A introdução de uma nova espécie em um habitat constitui risco ambiental e econômico. Em condições ambientais favoráveis, livres de predadores, parasitas e/ou competidores naturais, esses organismos podem chegar a elevadas densidades populacionais, caracterizando assim uma invasão. Uma vez estabelecidos, dificilmente serão eliminados. O estabelecimento vai depender de vários fatores, sendo os mais importantes as características biológicas das espécies, as condições do meio, o clima, a quantidade de indivíduos introduzidos, a competição com espécies nativas e a disponibilidade de alimento ou nutrientes (Carlton, 1985). Séculos de transporte marítimo têm dificultado nossa compreensão sobre padrões naturais de distribuição de várias espécies com ampla distribuição e que muitas vezes são consideradas cosmopolitas, o que pode ter “escondido” possíveis introduções. Deve-se considerar que a maioria dos ambientes marinhos são interconectados comparativamente à várias barreiras que interferem na distribuição natural de espécies em ambientes terrestres. As barreiras no mar estão relacionadas mais as mudanças de temperatura e salinidade que variam sazonalmente do que descontinuidades físicas. Sendo assim, é fácil entender que o aumento das rotas no transporte marítimo, além do número e velocidade dos navios, tem levado ao incremento dos problemas ambientais criados por espécies introduzidas que podem ser transportadas pela água de lastro ou nos cascos das embarcações. Dados quantitativos mostram que a taxa de bioinvasão esta crescendo acentuadamente em termos mundiais. De modo geral, exceto quando a espécie exótica causa um impacto ecológico evidente, como dinoflagelados tóxicos ou cause mudanças acentuadas na comunidade, o processo de introdução de exóticos pode ocorrer sem a detecção imediata. Dentre as principais invasões documentadas no mundo, destaca-se a da macroalga verde Caulerpa taxifolia introduzida acidentalmente no Mar Mediterrâneo por sua utilização em aquariofilia a partir de um possível clone de populações originadas da Austrália. Através da ampliação de sua distribuição geográfica por meio de embarcações a partir de um ponto, as populações passaram de 1 m2 em 1984 para 3000 hectares em 1996 e hoje cobre milhares de hectares ao longo da costa da França, além dos registros na Espanha, Itália e também no Mar Adriático (Meinesz & Hesse, 1991). Cerca de 150 espécies de macroalgas marinhas foram introduzidas em diferentes regiões do mundo voluntária ou involuntariamente, em associação com atividades humanas (Eldredge, 1994 in Paula & Oliveira, 2004). Os 1 Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. impactos da introdução de macroalgas variam de positivos a negativos, mas na maioria dos casos são desconhecidos. A maioria das espécies introduzidas se integram ao ecossistema local e ocupam um nicho ecológico. As conseqüências dessas introduções são reconhecidas principalmente pelos danos causados à utilização do ambiente marinho ou pelos benefícios econômicos e sociais decorrentes de cultivo comercial (Paula & Oliveira, 2004). A questão da introdução acidental versus introdução intencional é relevante, pois a maioria dos problemas relacionados a organismos introduzidos são conseqüências de introduções não planejadas. Um outro exemplo de introdução involuntária foi a da alga parda Sargassum muticum na costa pacífica da América do Norte e sul ocidental da Europa. Essa invasão ocorreu através da introdução repetida da ostra Crassostrea gigas em vários locais no mundo, entretanto, foi o vetor para a introdução de organismos não desejados. Impactos negativos causados por essas invasões incluem a redução da diversidade, através da competição e exclusão de espécies nativas, prejuízos a pesca, aqüicultura, usos recreativos e outros. Caulerpa taxifolia e Sargassum muticum são consideradas invasoras ou pestes, e sua erradicação tem se mostrado inviável. Por outro lado, a introdução de uma mesma espécie pode ser benéfica ou não; Undaria pinnatifida, endêmica do Japão e adjacências, altamente apreciada como alimento pelos orientais, foi introduzida voluntariamente na China, Coréia, e costa atlântica da Europa com propósitos de maricultura, e involuntariamente no Mar Mediterrâneo, Australia, Nova Zelândia e Argentina. Na China e na Coréia, tornou-se importante recurso, sendo cultivada em larga escala, sem registro de impactos negativos ao ecossistema. No Mediterrâneo, não apresentou nenhum problema ambiental, enquanto que na Austrália, Nova Zelândia e Argentina pode representar ameaça à biodiversidade, à estrutura e função dos ecossistemas locais (Paula & Oliveira, 2004). Os registros de introduções de espécies de macroalgas no Brasil são relativamente limitados, e até hoje não há citação de espécies introduzidas que tenham se tornado invasoras. Dentre as espécies citadas como introduzidas involuntariamente no Brasil pode-se destacar a alga vermelha Anotrichium yagii em Santa Catarina, São Paulo e Rio de Janeiro, espécie originaria da Coréia e Japão. Os argumentos para se considerar esta espécie como introduzida estão baseados no fato de que esta região do litoral brasileiro foi extensivamente amostrada em estudos anteriores, que a espécie dificilmente passaria despercebida devido a sua abundância, características distintivas e dimensões das plantas e que a rota de navios Japão/Coréia – Portos de Santos e São Sebastião se tornou muito freqüente (Horta & Oliveira, 2000). São vários os exemplos de algas citadas inicialmente para outras regiões do mundo e que foram citadas posteriormente para o Brasil sem que se possa definir a sua forma de dispersão. Padrões de distribuição de espécies de macroalgas são explicados por um conjunto de fatores naturais, incluindo eventos de vicariância, dispersão por correntes marinhas e limites climáticos. Deve-se 2 Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. acrescer a esses fatores, entretanto, que a dispersão das espécies pode ocorrer também em função das atividades humanas, como navegação e maricultura. As regiões portuárias ou de introdução de cultivo de moluscos são potencialmente as mais favoráveis à introdução involuntária. A região do Porto de Sepetiba foi escolhida como área piloto na América do Sul para implementação do Programa Globallast “Remoção de barreiras para implementação efetiva do controle de água de lastro e medidas de gestão em países em desenvolvimento”. A caracterização da biota sob influência das atividades do Porto de Sepetiba, parte integrante do componente 3 (avaliação de risco) do Globallast foi realizada em duas etapas; sistematização de dados pré-existentes e realização de coleta de dados primários preenchendo lacunas identificadas na primeira etapa. Incluindo essas duas etapas foram inventariados 252 táxons infraespecíficos de macroalgas na baía de Sepetiba e arredores (Amado Filho & Marins, 2004; Szechy et al. 2005). Apesar de novas ocorrências serem possíveis, como no trabalho de Szechy et al. (2005), não há indícios de que novas ocorrências equivalem a espécies introduzidas por água de lastro. Como recomendação neste trabalho sobre a baía de Sepetiba, é sugerido que o levantamento do fitobentos em áreas portuárias e de outras áreas sujeitas a forte interferência humana deve ser feito de modo continuado, consolidando o acompanhamento temporal das comunidades sob impacto, e viabilizando a consecução de medidas mitigadoras. Paula & Oliveira (2004) apresentam uma revisão sobre as introduções voluntárias de macroalgas no Brasil, visando o seu cultivo comercial. Dentre as introduções destacadas pelos autores, estão a introdução de espécies japonesas do gênero Porphyra em Itapema (SC), e de Eucheuma (e/ou Kappaphycus) no nordeste (possivelmente nos arredores de Natal) sem que houvesse a autorização dos órgãos competentes e discussões nos meios científicos. Além disso, essas introduções foram realizadas diretamente dos locais de origem, sem os devidos cuidados e estudos necessários para minimizar e avaliar os riscos dessas introduções. A introdução de espécies carregenófitas de Eucheuma e Kappaphycus e da agarófita Gracilaria chilensis tem sido sugerida como alternativa para a maricultura no Brasil devido ao seu elevado valor comercial (o Brasil importa cerca de 1.000 toneladas por anos de carragenanas, ao preço médio de US$ 8,2 por quilo), por já serem parcialmente domesticadas, por existir tecnologia conhecida para o cultivo e também por ter um mercado consumidor em expansão. A introdução de Kappaphycus alvarezii foi feita com base na legislação brasileira e precedida de análises dos antecedentes da espécie em sua área natural de ocorrência e nos locais onde foi introduzida, quanto a doenças, dispersão, reprodução e suas conseqüências ambientais. A linhagem utilizada, considerada saudável, produtiva e sem reprodução por esporos, foi proveniente de cultivo experimental na baía de Usa, Ilha de Shikoku, Japão e originária de cultivos comerciais realizados nas Filipinas (Paula, 2001). Os ramos produzidos em 3 Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. cultivo unialgal foram introduzidos em Ubatuba (SP) em outubro de 1995. Os resultados obtidos demonstraram que a espécie se adaptou à região com boas taxas de crescimento e teor de carragenanas durante todo o ciclo anual, entretanto, demonstraram também a perda de ramos ou plantas inteiras e sua dispersão, o que poderia trazer conseqüências negativas ao ambiente, apesar dos ramos desprendidos não formarem apressório, o que limitaria a sobrevivência e crescimento de macroalgas a condições ambientais especiais. Deve-se ressaltar que após a introdução legal de K. alvarezii em Ubatuba, ocorreram outras efetuadas pela iniciativa privada em Angra dos Reis e mais recentemente na baía de Sepetiba onde um cultivo em escala comercial encontra-se em funcionamento. No Havaí e nas ilhas Fiji, foi observada a sobrevivência de K. alvarezii no ambiente natural sem o auxílio do homem, a velocidade de dispersão foi estimada em 260 m por ano na baía de Kane´ohe no Havaí. A região de Ubatuba é aparentemente desfavorável ao crescimento de ramos desprendidos, acúmulo de biomassa e persistência da espécie na natureza devido à ausência de amplas áreas rasas e a turbidez da água (Paula & Oliveira, 2004, Paula 2001). Nos cultivos realizados em Ubatuba foi registrada a ocorrência de tetrasporângios, entretanto, esses esporos mostraram-se pouco viáveis e as poucas plantas obtidas a partir deles em laboratório foram plantas delicadas e sensíveis, não oferecendo riscos de estabelecimento nas comunidades naturais (Paula 2001). Pelos resultados apresentados aqui fica evidente que apesar de muitas espécies de macroalgas terem sido introduzidas em diferentes regiões do mundo os impactos ambientais causados ainda são pouco conhecidos. Entretanto, alguns deles são exemplares quanto às conseqüências que espécies invasoras podem causar ao ambiente. Desta forma, introdução involuntárias tem que ser evitadas; introduções voluntárias devem ser tratadas de modo particular, levando-se em consideração a linhagem da espécie face às peculiaridades do ambiente receptor. Além disso, fica evidente a necessidade do estabelecimento de uma avaliação precisa da relação entre benefícios e riscos potenciais de introdução de espécies exóticas para fins comerciais. Referências bibliográficas: Amado Filho, G. M. & Marins, B. V. (2004). Fitobentos. In: M. C. Villac; F. C. Fernandes; S. Jablonski; A. C. Leal Neto & B. H. Coutinho (Eds). Biota sob influência do Porto de Sepetiba, Rio de Janeiro, Brasil. GloBallast (GEF/ UNDP/ IMO- MMA, Brasil), pp. 37-45. Carlton, J. T. 1985. Transoceanic and inter-oceanic dispersal of coastal marine organisms: the biology of ballast water. Oceanography and Marine Biology, Annual Review 23: 313371. Horta, P. & Oliveira, E.C. (2000). Morphology and reproduction of Anotrichium yagii (Ceramiales- Rhodophyta) – a new invader seaweed in American Atlantic ? Phycologia 39: 390-394 Meinesz, a. & Hesse, B. (1991). Introduction et invasion de l´algue tropical Caulerpa taxifolia em Mediterranée nord occidentale. Acta Oceanologica, 14: 415-426. Paula, E.J. (2001). Marinomia da alga exótica Kappaphycus alvarezii (Rhodophyta) para produção de carragenanas no Brasil. Tese de Livre docência, Universidade de São Paulo. 4 Resumos do 56º Congresso Nacional de Botânica. Paula, E.J. & Oliveira, E.C. (2004) Macroalgas exóticas no Brasil com ênfase à introdução de espécies visando a maricultura. In: Água de Lastro e Bioinvasão. J.S.V. Silva & R.C.C.L.Souza (orgs.). Editora Interciência, Rio de Janeiro, pp. 99-112. Szechy, M.T.; Amado Filho, G.M.; Cassano, V.; Paula, J.C.; Barreto, M.B.B.; Reis, R.P.; Marins, B.V.; Moreira, F. M. (2005). Levantamento taxonômico das macroalgas da baía de Sepetiba e adjacências: ponto de partida para o programa Globallast. Acta Botanica Brasílica, 16: no prelo. 5