A TEORIA DA INTERSUBJETIVIDADE NA PSICANÁLISE

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Fepal - XXIV Congreso Latinoamericano de Psicoanálisis - Montevideo, Uruguay
“Permanencias y cambios en la experiencia psicoanalítica" – Setiembre 2002
A
TEORIA
DA
INTERSUBJETIVIDADE
NA
PSICANÁLISE
CONTEMPORÂNEA
I-Fundamentação filosófica da Intersubjetividade
A intersubjetividade como a vemos não é uma questão nova em Psicanálise. No plano
das idéias, ela esteve desde Freud presente, porém, até por dificuldades dos pioneiros em
conceitua-la dispersa nos diversos autores que construíam suas teorias baseadas nos seus
achados clínicos, por vezes conflitantes. Tais teorias engendraram-se em disputas que ficaram
conhecidas como teorias pulsionais e relacionais com seus respectivos paradigmas.
Baseamo-nos em Robert Stolorow, George Atwood, Donna Orange, Bernard
Brandchaft para repensar os fundamentos conceituais e metodológicos da teoria psicanalítica
e para justificar essa proposta de dimensões tão amplas, resumimos três considerações
fundamentais. Em primeiro lugar que uma nova estrutura teórica deveria ser capaz de
preservar as contribuições psicanalíticas clássicas. A segunda que a teoria da Psicanálise deve
ser formulada como um discurso próximo do nível da experiência firmemente apoiado nos
fenômenos da observação clínica. A terceira funda-se na crença de que é necessário elaborar
uma teoria adequada da personalidade, que possa elucidar a estrutura, o significado, as
origens e as transformações terapêuticas do universo subjetivo pessoal em toda sua riqueza e
diversidade.
Para os autores acima, a Fenomenologia Psicanalítica é a psicologia profunda
da subjetividade humana. Enquanto as ciências naturais investigam objetos exteriores, as
ciências humanas trabalham a partir de uma perspectiva interior, cuja principal tarefa de
investigação é a interpretação e compreensão, ou seja, o ato pelo qual se passa do signo ao
significado, da representação ao sentido por ela expresso. O investigador pode valer-se de sua
própria experiência para guiar suas interpretações da vida daqueles que estuda. A noção de
que a psicanálise é muito mais uma ciência humana (hermenêutica) do que uma ciência
natural, foi amplamente defendida pelos estudiosos da Psicanálise que rejeitaram a linguagem
mecanicista da metapsicologia freudiana , em favor dos conceitos relativos à experiência do
significado e ações pessoais.
Toda compreensão psicanalítica é interpretativa, no sentido de que está sempre
vinculada à apreensão do significado do que foi expresso. Esse significado pertence ao
universo subjetivo e pessoal de um indivíduo, e torna-se acessível à compreensão na
atmosfera da empatia do analista. Portanto a compreensão psicanalítica pode ser conceituada
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como um processo intersubjetivo, envolvendo um diálogo entre dois universos pessoais: o
campo intersubjetivo gerado pelo interjogo entre transferência e contratransferência.
O ponto de partida da Fenomenologia Psicanalítica é o conceito de um sujeito em
experiência. Isso significa que no nível mais profundo das construções teóricas, estamos
operando no interior de uma esfera de subjetividade, renunciando a pressuposições que
reduzem a experiência a um substrato material, cujos conceitos da ciência natural são os
modos de organização dessa área.
Por fim, fundamentam tais posições três importantes figuras da Fenomenologia
Existencial, Husserl, Heidegger e Sartre. A importância de Husserl, nesta questão, é que ele
concebeu a fenomenologia como a ciência fundamental para descrição da experiência
humana, ou seja, suspende, ou põe entre parênteses os pressupostos referentes à natureza da
realidade objetiva e estuda as manifestações da consciência do mundo como puro fenômeno.
Heidegger, cujas contribuições para fenomenologia foram feitas no contexto de sua busca
permanente de compreensão do sentido do ser, é o ser-no-mundo, cuja indissociável unidade
é enfatizada pela hifenização da palavra. Essa unidade pretende superar a cisão entre sujeito e
objeto que era parte da tradição do pensamento filosófico ocidental. A filosofia de Sartre é um
sistema fenomenológico portador de semelhanças com o de Heidegger. Sartre postula a
liberdade como a característica essencial do homem consciente. Visualizando o nada como
liberdade do homem, ele transforma a suposta ausência de definição e continuidade temporal
numa característica positiva permanente da natureza humana. Essa mudança tem o efeito
adicional de conferir a consciência uma identidade própria duradoura.
Os sistemas fenomenológicos apresentados são propostas que concernem às
pressuposições subjacentes ao estudo da experiência humana. Eles têm em comum uma
ênfase na diferenciação entre propriedades dos objetos materiais no mundo da experiência e
da subjetividade em si mesma. Essa mesma ênfase tem tido importância crescente no
pensamento psicanalítico recente, especificamente na critica da metapsicologia freudiana.
Outrossim, compreendemos que para Fenomenologia Psicanalítica o movimento do
Estruturalismo exerce uma enorme influencia. A noção de analise estrutural designa um
método para atingir um modo particular de conhecimento. O uso desse método implica, antes
de tudo, o interesse nas relações entre os fenômenos específicos que estão sendo estudados, e
não em tais fenômenos tomados isoladamente. A psicanálise é, e sempre foi, uma ciência da
estrutura da subjetividade, concernente aos padrões que organizam a conduta e experiência
pessoal.
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II- Evolução conceitual da Intersubjetividade
Os primeiros 50 anos da psicanálise foram dominados pelo fértil e monumental gênio
do seu criador. Nenhuma disciplina intelectual foi tão dependente de uma só pessoa em nossa
cultura. A teoria do impulso instintivo é a estrutura conceitual que abriga todas as suas idéias:
postulados teóricos, insights clínicos e recomendações técnicas e a investigação e o
tratamento visam a descoberta e renuncia dos impulsos instintivos infantis.
Para Mitchel (1988), a despeito das extraordinárias realizações de Freud, as ultimas
décadas têm testemunhado uma verdadeira revolução na história das idéias psicanalíticas. As
mais recentes contribuições têm sido informadas por uma visão muito diferente da de Freud.
Estamos vivendo numa era essencialmente pós-freudiana e pós-moderna. Parece não se ter
avaliado devidamente quão diferente da visão inicial a psicanálise vem se tornado. Grandes
idéias, importantes desenvolvimentos na teoria e na prática clínica não mais derivam do
modelo do impulso-instintivo. As contribuições mais criativas e influentes derivam de uma
perspectiva alternativa que considera relações com outros e não impulsos instintivos, a
essência básica da vida mental As teorias relacionais (teoria de relações de objeto, teoria
interpessoal, psicologia do Self) embora variadas e heterogêneas, diferindo uma das outras em
muitos pontos importantes têm contribuído para mudar a natureza da investigação e do
tratamento em psicanálise. Consideradas em conjunto tornam possível ver todos os
fenômenos psicodinâmicos dentro de uma matriz relacional.
A teoria clássica vê a mente como fundamentalmente monádica; algo inato, préestruturado, pressiona de dentro. Mente para Freud emerge na forma de pressões internas. As
teorias relacionais consideram a mente como basicamente diádica e interativa. Acima de tudo
a mente busca contato, engajamento com outras mentes. O modelo relacional é uma teoria
social da mente. Fairbairn e Sullivan, seus mais puros representantes, sentiram que Freud
tinha estabelecido a unidade errada para o estudo da vida emocional ao focalizar a mente
individual, o aparelho psíquico, em vez do campo interacional.
Freud sempre considerou a psicanálise uma ciência natural baseada nas pulsões
biológicas. Ao desenvolver o método psicanalítico o fez buscando o ideal de neutralidade e de
objetividade científica do positivismo da época. O analista situava-se como observador
objetivo, sem envolver-se afetivamente, identificando os processos mentais do paciente sem
influencia-lo. Era a base do conceito de neutralidade.
A descoberta da contratransferência (Freud, 1911) acabou revelando a inevitabilidade
da mobilização emocional do analista pelo material do paciente, comprometendo o ideal de
neutralidade e constituindo um obstáculo ao tratamento. Com a descoberta da identificação
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projetiva e com os trabalhos de Heimann (1950) e Racker (1948,1951) a contratransferência
deixa de ser encarada como um obstáculo para se tornar um valioso instrumento terapêutico.
As experiências internas do analista passam a propiciar uma fonte valiosa para compreensão
das experiências internas do paciente, corroborando o futuro ponto de vista de teóricos
relacionais como Mitchel que a não ser que o analista entre no mundo relacional do paciente,
a experiência analítica não será bem sucedida.
Na Argentina em 1961 o casal Baranger a partir de conceitos de campo derivados da
fenomenologia de Merleau -Ponty e com conceitos básicos da psicanálise kleiniana definem a
situação de analise como a de um campo bi-pessoal que se estruturou a partir das duas vidas
mentais e das identificações projetivas cruzadas que se desenvolveram entre analista e
paciente.
Entretanto, tais avanços ocorriam na Inglaterra e na América do Sul, ou seja, nas áreas
de maior influencia kleiniana. Nos Estados Unidos reinava absoluta a Psicanálise clássica
versão psicologia do ego de Hartmann. Refratários às influências renovadoras os americanos
mantinham-se aferrados ao modelo clássico instintivista, materialista, positivista. Com a
revolução kohutiana tal situação viria a se modificar, isso, após a metade do século XX.
Na psicanálise e, até mesmo, na física quântica, a objetividade cientifica não reina
mais. É o relacionamento entre o experimentador e a experiência que faz a realidade emergir.
Intersubjetividade em psicanálise refere-se ao interjogo dinâmico entre as experiências
subjetivas do analista e do paciente na situação clínica. O psicanalista e o paciente constroem,
conjuntamente, os dados clínicos, a partir da interação das qualidades psíquicas e realidades
subjetiva particulares de ambos. As percepções do psicanalista sobre a psicologia do paciente
são sempre moldadas pela subjetividade do psicanalista. A psicologia do paciente não é
passível de ser descoberta por um observador externo ao campo intersubjetivo.
No modelo clássico considera-se que o analista é capaz de situar-se de forma
suficientemente objetiva fora da vida psíquica do paciente conseguindo identificar os
constituintes dos processos mentais que são vistos em operação dentro do paciente,
relativamente independentes da influência do psicanalista. A psicanálise clássica distingue-se
da abordagem intersubjetiva pela crença na existência primordial de uma vida mental
separada da interação clinica imediata, fundada em noções de impulsos instintivos biológicos.
O advento das teorias da intersubjetividade constitui para muitos um novo paradigma.
O ponto de vista intersubjetivo considera que os fenômenos psicológicos não podem ser
compreendidos se apenas relacionados a uma estrutura que opera dentro da mente do
paciente, isolada da matriz social da qual emerge. Para Stolorow o mais importante
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desenvolvimento da psicanálise da ultima década foi o reconhecimento de que os fenômenos
intrapsíquicos devem ser entendidos no contexto dos mais amplos sistemas interacionais nos
quais tomam forma. (Stolorow, 1994)
Antonino Ferro apoiado nos Baranger e em Bion vem desenvolver idéias em torno da
intersubjetividade. Entre paciente e analista constitui-se um campo relacional e emocional no
qual se criam resistências da dupla, que o trabalho de working-through do analista pode
desfazer. Para ele a interpretação analítica é sempre pensada como algo construído a duas
vozes, fruto da relação da qual participarão, de modo diferente, as duas mentes.
Ainda na vertente kleiniana, Thomas Ogden de São Francisco, apoiado,
principalmente, em Winnicott desenvolve uma teoria da intersubjetividade. No seu esquema,
a visão ampliada da contratransferência torna-se o interjogo dialético entre realidades
subjetivas individuais do analista e do paciente e a realidade intersubjetiva que é criada pela
interação delas. Tomando emprestado o objeto analítico de Green (1975) Ogden nomeia essa
realidade intersubjetiva de terceiro analítico. Sustenta que analista e paciente devem
esforçar-se por compreender a experiência de suas realidades subjetivas individuais em
interação com as realidades intersubjetivas que criam juntos. Acredita que essa tensão impele
o processo psicanalítico. Em sua opinião essa tensão dinâmica é a mesma que está no centro
da produção de símbolos e significados, que são criados, a partir da dialética subjetiva e
intersubjetiva mãe-bebê.
Partindo da fenomenologia e influenciado por Roy Shaffer e George Klein, Stolorow
se propõe com Atwood fundar uma Fenomenologia Psicanalítica. Entretanto, o contato com a
Psicologia do Self de Heinz Kohut e a interação com Brandchaft, acabam por leva-lo na
direção do que viria a ser a Teoria da Intersubjetividade. O termo Fenomenologia
Psicanalítica deu lugar ao termo Teoria da Intersubjetividade.
Desse ponto de vista intersubjetivo, os seres humanos são possuidores dos princípios
organizadores da experiência. Princípios constituídos a partir das experiências relacionais
ao longo da vida formando a subjetividade. O tratamento é visto como uma tentativa dialógica
de duas pessoas entenderem a organização da experiência emocional de cada uma (a própria e
a da outra) na experiência analítica compartilhada.
III- Os Teóricos da Relação de Objeto e a Intersubjetividade
Queremos fazer reconhecimentos aos seguintes autores como os pioneiros na
teorização da intersubjetividade. a) IAN SUTTIE. Em 1935 ele escreveu Origins of Love and
Hate e foi muito atacado e desprezado porque defendia a idéia de que a criança procurava
primariamente sua socialização (meio de autopreservação) e sua necessidade de amar e ser
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amado; que a sexualidade era um derivativo deste pressuposto. Portanto, a substituição da
Teoria da Libido, opondo-se a Freud e subestimando o papel da sexualidade infantil e da
agressão. Conceituava a inata necessidade para o relacionamento como amor independente do
desejo sexual. b) R. FAIRBAIRN. A temática de intersubjetividade é tratada por esse autor
radicado em Edinburgh, possuidor de vasto conhecimento das ciências humanas, que viveu
longe dos grandes centros difusores da Psicanálise. Em realidade, o desconhecimento de sua
obra no mundo psicanalítico europeu, sul-americano e norte-americano é uma lacuna teórica
no movimento das idéias psicanalíticas surgidas após o desaparecimento de Freud. Podemos
dizer que a partir dos anos 40 lançava as bases de uma teoria de relações de objeto que
questionava vários aspectos fundamentais da obra freudiana, baseado na sua experiência
clínica. Assim postulava a teoria das relações de objeto versus teoria das pulsões; princípio de
realidade antecedendo principio do prazer; a inconsistência heurística da existência de um id e
da pulsão de morte; a noção de Self e a existência de uma posição esquizóide precedendo a
posição depressiva. Porém, o mais fundamental, era que ele colocava o objeto como estrutural
do psiquismo humano, fazendo parte da personalidade. Assim, os objetos eram introjetados
com características das relações, a partir da oralidade, entre cuidador e bebê e das vicissitudes
posteriores ocorridas nas etapas do desenvolvimento, criando-se más ou boas relações de
objeto. A prática analítica para Fairbairn deveria desenvolver-se em clima de vivência de
análise e não o de fazer análise, abolindo a suposta neutralidade analítica, mas sem
desprezar o enquadre tradicional. Dessa forma o psicanalista deveria se postar como pessoa
(não como interprete), evitando a tela em branco para as projeções do analisando, seguindo a
linha da alteridade. Deixou seguidores como Guntrip, Sutherland. É interessante, como já
assinalado, verificar conceitos muitos assemelhados com os autores da Psicologia
Psicanalítica do Self, particularmente com a obra de H. Kohut, embora não haja qualquer
referência bibliográfica nela sobre Fairbairn (Kahtalian, A, 1985). c) H. SULLIVAN. A
psicanálise interpessoal de Sullivan surge também a partir dos anos 40 e seguindo modelo
diverso da metapsicologia freudiana, ficou sendo conhecida como a Escola de Washington.
Conceitos extraídos da comunicação lingüística e da antropologia são os alicerces de seus dois
básicos princípios, o da busca da segurança e o da satisfação, criando modelos de
relacionamento da dupla mãe-bebê. Ressalta o valor do observador participante, pregando
contra a neutralidade do analista. O processo psicanalítico deveria transcorrer refletindo o
envolvimento do psicanalista e das reações que despertava no analisando, a fim de servirem
de confrontação com o passado do paciente. Porém, acrescenta-se que sua contribuição maior
com os teóricos do Self é a de que a transação analítica entre observador e observado no
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estado de mutualidade (Kahtalian, A, 1995). d) D.W.WINNICOTT. Tem sua teoria
acomodada entre os leitos de Freud e Klein. Traz contribuições relevantes em questões quanto
à estruturação do Self e a constituição de dois campos de subjetividade, o do paciente e do
analista, formando o que denominou de espaço transicional, pertencente a ambos, com o que
conhecemos de outros autores que definiram a existência de um campo intersubjetivo. Suas
idéias quanto a um estágio primitivo da relação mãe-bebê com as noções de holding e
handling materno sustentam a importância da interação (quando olho, sou visto, portanto
existo) na experiência do conhecimento. O ambiente também é incluído nas suas formulações
e suas falhas são consideradas debilitantes para o desenvolvimento emocional da criança. No
processo psicanalítico o psicanalista deverá corresponder às possibilidades do jogo
estabelecido para possibilitar o estado de reverie e o aparecimento do que denominou de mãe
suficientemente boa. Tais noções hoje implicam na necessidade de uma participação ativa do
analista e da sua capacidade de desvelamento diante do paciente, conforme tem sido proposto
pela Teoria da Intersubjetividade. e) M. KLEIN; P. HEIMANN; H. RACKER. Embora o
sistema teórico de Melanie Klein não conceda ao objeto uma posição mais significativa
enquanto objeto da pulsão podemos dizer que as noções de bons e maus objetos introjetados e
da identificação projetiva constituem uma contribuição privilegiada nas assertivas de
intersubjetividade. O conceito de identificação projetiva trata de um tipo de defesa do
analisando ao psicanalista, que visa livrar as angústias vividas na relação bi-pessoal e colocar
partes dissociadas de si dentro do mundo mental do analista. Isso pode vir a ser compreendido
pelo psicanalista e de forma de uma interpretação devolver ao paciente ou reagir por
contratransferência. Posteriormente, BION dará a identificação projetiva uma forma de
comunicação primitiva. P. HEIMANN, alinhada nesta mesma vertente, foi talvez a que mais
salientou o papel da contratransferência como instrumento de trabalho. Ela deu ênfase aos
processos ocorridos na mente do analista, de modo a afastar o sentido de erros de técnica e,
portanto, pejorativos, que tanto M. Klein, Glover e Bion concedem sobre o papel nefasto do
processo contratransferencial, vistos como falha na análise do analista. RACKER propôs
denominar tais fenômenos de contra-identificação projetiva. Modernamente o termo
contratransferência veio a adquirir o sentido atual que é dado ao referente perceptivo dos
analistas no sistema transferência/contratransferência. W. BION. Pode-se creditar a Bion
aspectos relevantes na perspectiva da intersubjetividade pela imensa obra teórica que produziu
particularmente nos aspectos da comunicação, privilegiado na área da constituição do
pensamento e das formas relacionais primitivas dos estados da mente em interação com o
objeto. Ele trouxe para a prática psicanalítica a existência de um campo sem memória e sem
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desejos para que a mente do analista pudesse ter acesso de maneira empática no lidar com o
desconhecido dos pacientes, de tal forma que pudessem emergir fantasias a serem trabalhadas.
Assim, também com as noções de continente/contido e de reverie que informam a
importância da experiência analítica produzidas por duas subjetividades, Bion pode ser
referenciado também na questão da intersubjetividade. f) HEINZ KOHUT. Aparece no
cenário teórico a partir da década de 50 e se deve a ele o grande avanço do conhecimento
acerca do narcisismo de sua condição pejorativa para ser o arcabouço fundante do
desenvolvimento emocional básico do ser humano com seus aspectos normais e patológicos.
Não se pode dizer que sua obra seja desligada de um referencial clássico, porém para a
questão da intersubjetividade trouxe e introduziu conceitos que são fundamentais como a
noção de empatia (introspecção vicariante) e das transferências selfobjetais. Define que o
campo da psicanálise é feito através do método introspectivo-empático e é o que permite o
ângulo de maior proximidade reveladora para o analista das ações de compreensão. As
semelhanças teóricas entre Fairbairn e Kohut são bem evidentes e, até, por vezes,
complementam-se.
IV- A prática psicanalítica
Para Stolorow, Atwood, Brandchaft e Orange
Muitos investigadores psicanalíticos sejam
psicanalistas ou não, têm dito que Freud fez confusão ao incluir em seu
esforço criativo, que o entendimento do sofrimento emocional está na
tradição das ciências exatas. Porém, poucos têm dito que Freud e seus
seguidores também confundiram prática psicanalítica como técnica. Essas
duas confusões estão ligadas, porque ambas assumem que quaisquer
variáveis relevantes de um tratamento psicanalítico podem ser controladas.
Desde a articulação do princípio da incerteza na física, constatamos que essa
condição jamais existe no campo das coisas materiais. Ainda mais, se se
trata de prática que é característica do trabalho com seres humanos
providos de psiquismo. O campo do mental é permanentemente incompleto,
indefinido e aberto (BEYOND TECHNIQUE:PSYCHOANALYSIS AS A
FORM OF PRACTICE).
A Teoria da Intersubjetividade busca compreender, a partir de fenômenos clínicos,
incluindo
transferência
e
resistência,
formações
de
conflitos,
ação
terapêutica,
desenvolvimento afetivo e estados borderlines e psicóticos. Como já referido, o conceito de
intersubjetividade veio evoluindo do estudo de interjogo transferência e contratransferência ao
entendimento abrangente da interação entre os mundos subjetivos do paciente e analista. Se
acaso, essa diferença ficar sem ser reconhecida, deverá haver um disparate, ocorrendo
disjunção, sendo esses resultados classificados, como uma espécie de desentendimento
crônico porque as experiências arcaicas comunicadas pelo paciente não puderam ser
compreendidas; o analista assimila-as em sua subjetividade, organizada diferentemente. Em
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face das estruturas de experiência do analista não corresponderem a que ele assimilou das
comunicações de seu paciente, poderá promover no analista uma visão que seu paciente é um
tipo intrinsecamente difícil e às vezes, julgar que as características do paciente não são
passíveis ao tratamento psicanalítico. Entender num contexto específico, como o analista
retrata os atributos de seu paciente, os quais se cristalizam no interjogo entre dois universos
pessoais, significa buscar em um nível de abstração teórico-conceitual, uma atitude
perspectivista da prática psicanalítica.
A atitude perspectivista do analista está presente, mesmo sem ele ter esse
conhecimento de forma clara e objetiva. O analista poderá se embasar em teorias bem
harmonizadas de cunho psicanalítico ou não, em idéias pessoais criativas oriundas de suas
experiências de psicanalista e de vida, do mundo que o cerca e da cultura em que ele está
imerso. Seja qual for sua perspectiva, será sempre uma perspectiva, parcial, pessoal e
limitada. Simultaneamente com isso, a experiência que o paciente tem de ser foco do analista
a escutar com empatia, instala-se como situação psicanalítica, qual seja, a capacidade do
psicanalista de se comprometer em profundidade com as comunicações do paciente como
emergência e uso dos métodos pré-lógicos de perceber e pensar de ambos lados. Repetindo as
palavras de Heinz Kohut atenção flutuante uniforme é a resposta ativa empática do psicanalista às
associações livres do paciente (KOHUT, H. 1977) e, completamos dizendo, que é também a livre
percepção do paciente sobre essa capacidade do psicanalista.
Em “Recomendações aos médicos que exercem a Psicanálise” (1912), Freud busca
estabelecer critérios que se transformaram ao longo do desenvolvimento da ciência
psicanalítica, como uma base das propostas para o processo psicanalítico. Tornou-se um
padrão para atingir o melhor de uma técnica psicanalítica. O problema disso foi que a
racionalidade técnica impôs para a Psicanálise uma produção uniforme. Desse modo, as
análises deveriam ter o padrão de qualidade. A questão que o processo psicanalítico não é
uma coisa produzida, mas sim compreendida de forma muito particular e singular. O que
restou daquela questão é que os próprios psicanalistas passaram a ser com o tempo, eles
mesmos, o resultado do padrão de qualidade almejado e em conseqüência, circunstanciados
aos paradigmas técnicos dominantes. Daí, os eventuais fracassos terapêuticos corriam por
conta da inabilidade do psicanalista e/ou das injunções da personalidade do paciente que o
excluíam dos benefícios da Psicanálise.
Ao retirar da Psicanálise o conceito de técnica, introduz-se imediatamente discussão
em torno das manifestações pessoais de cada psicanalista e, além de admitir, primariamente, a
Psicanálise como sendo uma ciência empírica. A Teoria da Intersubjetividade tem sido radical
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nesse tópico. Ela reconhece na situação psicanalítica ou campo intersubjetivo, dois mundos
subjetivos que estão continuamente se auto-revelando e tentando se esconder mutuamente. É
óbvio que um psicanalista melhor posicionado consigo em relação ao conjunto que o envolve
num processo analítico, estará mais bem preparado para lidar com os altos e baixos que um
outro, que não sintetizou seu processo de análise pessoal e nem de supervisão analítica. No
fundo, a psicanálise deverá ser reconhecida como uma prática de intimidade humana à medida
que inclui, como uma questão, para o psicanalista que suas revelações de pessoa realça a
posição da psicanálise de uma prática e não de uma técnica. Importante frisar que a
conseqüência técnica mais comum é um certo formalismo, uma certa artificialidade e reserva
escrupulosa, dita neutralidade, que não é de forma alguma, uma atmosfera neutra, mas sim,
na realidade, uma atmosfera de grande privação, quando o psicanalista presumirá, perante
uma reação adversa do paciente, que está enfrentando o surgimento de resistência contra o
processo psicanalítico. Às vezes, certa atitude emudecida do psicanalista é adotada em
obediência ao dogma de que um contágio da transferência tem de ser evitado.
Importante considerar para o processo psicanalítico, a transferência como uma
atividade que inconscientemente organiza o universo subjetivo do paciente sem, contudo,
impedir-nos de compreendermos os aspectos de regressão, deslocamento, projeção e distorção
eventuais. Entender assim a transferência é entende-la como um microcosmo da vida total do
paciente e ao analisa-la, podermos atingir um ponto focal acerca dos padrões dominantes da
existência do paciente, os quais podem ser compreendidos como um todo, clarificados e, às
vezes, transformados. Conseqüentemente, a transferência é tratada como uma expressão da
contínua influencia dos princípios organizadores da experiência e do imaginário do paciente
cristalizado em precoces experiências de formação.
Por último, referimos a contratransferência não com o prefixo contra, o qual sugere,
entre
outras
coisas,
reação contra
ou oposição. O
uso
tradicional
do termo
contratransferência sugere a possibilidade do psicanalista se situar à parte da experiência do
paciente, como se contratransferência fosse um conhecimento estratégico que o psicanalista
poderia usar. Pelo contrário, entendemos que é incompatível com a postura de separação.
Acreditamos, juntamente com Orange, que o termo cotransferencia melhor convém a nossa
participação com o paciente no campo intersubjetivo e, ao mesmo tempo, remove aquela
conotação que a relação psicanalítica está automaticamente adversa ou pelo menos em muitos
aspectos. Enfim, cotransferencia convida para uma atividade organizadora entre paciente e
analista de duas faces de mesma dinâmica, sendo que nenhuma dessas faces precisa estar
marcada com conotações pejorativas.
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