A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares

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UNIVERSIDADE LUSÍADA DE LISBOA
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
A construção da frente ribeirinha de Lisboa:
dois casos exemplares
Realizado por:
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
Orientado por:
Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves
Constituição do Júri:
Presidente:
Orientador:
Arguente:
Prof. Doutor Arqt. Joaquim José Ferrão de Oliveira Braizinha
Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves
Prof.ª Doutora Arqt.ª Helena Cristina Caeiro Botelho
Dissertação aprovada em:
20 de Maio de 2015
Lisboa
2015
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N I V E R S I D A D E
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U S Í A D A
D E
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I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
A construção da frente ribeirinha de Lisboa:
dois casos exemplares
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
Lisboa
Março 2015
U
N I V E R S I D A D E
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U S Í A D A
D E
L
I S B O A
Faculdade de Arquitectura e Artes
Mestrado Integrado em Arquitectura
A construção da frente ribeirinha de Lisboa:
dois casos exemplares
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
Lisboa
Março 2015
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
A construção da frente ribeirinha de Lisboa:
dois casos exemplares
Dissertação apresentada à Faculdade de Arquitectura e
Artes da Universidade Lusíada de Lisboa para a
obtenção do grau de Mestre em Arquitectura.
Orientador: Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves
Lisboa
Março 2015
Ficha Técnica
Autor
Orientador
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
Prof. Doutor Arqt. Rui Manuel Reis Alves
Título
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Local
Lisboa
Ano
2015
Mediateca da Universidade Lusíada de Lisboa - Catalogação na Publicação
LOPES, Diogo Filipe Dias Marques, 1990A construção da frente ribeirinha de Lisboa : dois casos exemplares / Diogo Filipe Dias Marques
Lopes ; orientado por Rui Manuel Reis Alves. - Lisboa : [s.n.], 2015. - Dissertação de Mestrado
Integrado em Arquitectura, Faculdade de Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa.
I - ALVES, Rui Manuel Reis, 1964LCSH
1. Frentes marítimas - Portugal - Lisboa
2. Terminais marítimos - Portugal - Lisboa
3. Energias de Portugal - Edifícios
4. Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Teses
5. Teses – Portugal - Lisboa
1.
2.
3.
4.
5.
Waterfronts - Portugal - Lisbon
Marine Terminals - Portugal - Lisbon
Energias de Portugal - Buildings
Universidade Lusíada de Lisboa. Faculdade de Arquitectura e Artes - Dissertations
Dissertations, Academic – Portugal - Lisbon
LCC
1. NA9053.W38 L67 2015
AGRADECIMENTOS
Ao Professor Doutor Arquitecto Rui Alves, por ter aceite orientar-me neste percurso.
À Sílvia Preto, pela dedicação na revisão do texto; à D.ª Catarina Graça, pela
disponibilidade prestada na formatação e referenciação da presente dissertação.
Aos meus amigos, em particular à Alina Gomes, à Joana Martins e ao Tiago Frazão,
meus companheiros nestes últimos anos.
Aos meus professores que contribuiram para a minha formação, em particular ao
Professor Mestre Arquitecto António Verd Herrero, por ainda hoje reconhecer que me
ensinou muito mais do que desenhar; pela constante dedicação em todas as aulas na
construção de “jóvenes educadores”.
Aos meus pais e à minha irmã, obrigado por tudo; por tentarem aguentar a “esferovite”
que invadiu constantemente a casa, pelas paredes revestidas com folhas cheias de
esquissos e marcas de fita-cola, pelas marcas do x-acto nas várias secretárias, pelas
maquetes que se apoderaram de todos os espaços vazios, pela paciência, pela
dedicação, pelo esforço, por me incentivarem constantemente, pelas criticas;
principalmente por nunca duvidarem.
Muito obrigado a todos.
APRESENTAÇÃO
A construção da frente ribeirinha de Lisboa:
dois casos exemplares
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
A presente dissertação procura sintetizar a evolução urbana da frente ribeirinha de
Lisboa, compreendida entre Santa Apolónia e a Boavista, desde o século XVII até à
actualidade. Interessa-nos compreender a evolução da malha e estrutura urbana, das
muralhas que outrora delimitaram a cidade e da composição do edificado que constitui
o corpo das docas ribeirinhas que definem o seu limite.
Procuramos apresentar uma síntese histórica e evolutiva acompanhada por um
conjunto de plantas que permitem auxiliar e facilitar o estudo deste lugar de grande
importância, pelo qual nutrimos uma enorme empatia, pela sua dimensão e relevância
histórica, que reflecte a cultura de um enorme povo. Enquanto estudantes de
arquitectura e arquitectos, os desenhos e as plantas configuram alguns dos principais
elementos essenciais do desenvolvimento da nossa actividade; porém, é essencial
compreender e reflectir sobre os estudos e influências que se exprimem no método
criativo da concretização da planta, do corte e do alçado. O processo de criação da
cidade reflecte o pensamento de quem a desenvolve, o conhecimento histórico da sua
origem e evolução, do desenho, da forma e construção dos seus limites.
Exploramos o tema da construção da frente ribeirinha de Lisboa através de dois
exemplos - de dois concursos que abrangem uma área considerável do lugar de
estudo: o Terminal de Cruzeiros de Lisboa, inserido na frente ribeirinha do bairro de
Alfama e a Nova Sede da EDP sobre o aterro da Boavista.
Por fim, complementamos o estudo sobre o qual dissertamos com dois casos práticos
desenvolvidos no último ano de formação académica: um conjunto residencial sénior
em Alfama e uma escola de música em Santa Catarina.
Palavras-chave: Frente Ribeirinha, Evolução Urbana, Terminal de Cruzeiros, Nova
Sede da EDP.
ABSTRACT
The construction of Lisbon’s riverfront:
two exemplary cases
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
This dissertation seeks to synthesize the urban development of the riverfront of Lisbon,
between Santa Apolónia and Boavista, from the seventeenth century to the present
day. We are interested in understanding the evolution of the mesh and urban structure,
of the walls that once delimited the city and of the composition of the buildings which
constitutes the body of the riverside docks that define its limits.
We present an evolutionary and historical synthesis accompanied by a group of
architectural plans that allow and facilitate the study of this place of great importance,
for which we nourish a huge empathy because of its size and historical significance by
reflecting the culture of a great people. As students of architecture and architects, the
drawings and plans constitute some of the main elements for the development of our
business; however, it is essential to understand and reflect on the studies and
influences who express themselves in the creative method of implementation of the
plan, section and elevation. The city's creative process reflects the thinking of who
develops it, the historical knowledge of its origin and evolution, design, shape and
boundaries construction.
We explore the theme of Lisbon’s riverfront building through two examples - two
competitions that cover a considerable area of the site of our study: the Cruise
Terminal of Lisbon, located on the riverfront of the Alfama neighborhood and the New
EDP Headquarters on the Boavista’s embankment.
Finally, we complement the study on which we discourse with two practical cases
developed in the last year of academic training: a senior housing complex in Alfama
and a music school in Santa Catarina neighborhood.
Keywords: Riverfront, Urban Evolution, Cruise Terminal, New EDP Headquarters.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Ilustração 1 – Aldeia neolítica na Alemanha (cerca de 2000 a.C.). ([Adaptado a partir
de: Benevolo, 1993, p. 17). ........................................................................................ 24
Ilustração 2 – Aldeia contemporânea nos Camarões (África). ([Adaptado a partir de:
Benevolo, 1993, p. 20). ............................................................................................... 25
Ilustração 3 – Atenas unida por longos muros a Pireu, e planta de Atenas. ([Adaptado
a partir de: Benevolo, 1993, p. 104). .......................................................................... 27
Ilustração 4 – Planta da Acrópole de Atenas. ([Adaptado a partir de: Benevolo, 1993,
p. 90). ......................................................................................................................... 28
Ilustração 5 – Mileto, no século V a.C. por Hipódamo depois das Guerras Persas
(colónia grega na actual Turquia). ([Adaptado a partir de:] Benevolo, 1993, p. 116). . 31
Ilustração 6 – Timgod, Plano de assentamento romano. ([Adaptado a partir de:
Lamas, 2011, p. 145). ................................................................................................. 31
Ilustração 7 – A cidade de Olisipo Felisitas Julia – actual Lisboa durante o período
romano. (Figueiredo, 2014)......................................................................................... 32
Ilustração 8 – Elemento decorativo de origem romana, presente na embasamento da
torre sineira norte, da Sé de Lisboa, onde antes se encontrava a mesquita islâmica e o
fórum romano. (Ilustração nossa, 2015)...................................................................... 34
Ilustração 9 – Planta da cidade circular de Bagdad, (Iraque), em 762 d.C.. ([Adaptado
a partir de: Benevolo, 1993)....................................................................................... 35
Ilustração 10 – Hieróglifo egípcio que indica cidade. ([Adaptado a partir de: Benevolo,
1993). ......................................................................................................................... 35
Ilustração 11 – Lisboa medieval, dentro das muralhas. ([Adaptado a partir de:
Marques, Gonçalves, Andrade, 1990, p. 58 - 59). ....................................................... 36
Ilustração 12 – A cidade ideal de Vitruvio, ilustrações concebidas a partir dos seus
textos. ([Adaptado a partir de: Rosenau, 1988)......................................................... 38
Ilustração 13 – Três gravura com representações de Roma em diferentes períodos,
produzidas em 1527, (da esquerda para a direita), Roma quadrada como foi
imaginada, Roma no tempo de Sérvio Túlio e Roma no tempo de Augusto. ([Adaptado
a partir de: Benevolo, 1993, p. 138 - 139). ................................................................. 39
Ilustração 14 – Modelos de cidade ideal renascentista. ([Adaptado a partir de: Lamas,
1993). ......................................................................................................................... 39
Ilustração 15 – A formação do Ring de Viena, Áustria. ([Adaptado a partir de: Lamas,
1993, p. 202). ............................................................................................................. 42
Ilustração 16 – Levantamento de 1650. (Tinoco, 1650). ............................................. 60
Ilustração 17 – Planta de Lisboa Anterior ao Terramoto: estudos parciais e planta.
(Freitas, 1850-1860?). ................................................................................................ 62
Ilustração 18 – Planta de Lisboa Anterior ao Terramoto. ([Planta, 1800-1850?). ........ 62
Ilustração 19 – Proposta de reconstrução 1758. (Mardel, Santos, 1758). ................... 63
Ilustração 20 – Planta de Lisboa 1770. (Planta, 1770). ............................................... 64
Ilustração 21 – Carta Topográfica da Cidade de Lisboa Comprehendida entre
Barreiras. ([Adaptado a partir de:] Fava,1808-1832?). ............................................... 65
Ilustração 22 – Planta nº 51- Terreiro do Paço, Filipe Folque, 1856. ([Adaptado a partir
de: Viegas, Tojal, 2000, p. 85). .................................................................................. 66
Ilustração 23 – Planta 11 E, Praça do Município - Praça do Comércio, Silva Pinto.
([Adaptado a partir de: Viegas, Tojal, 2005, p. 73). .................................................... 68
Ilustração 24 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1650. (Ilustração nossa, 2014). . 70
Ilustração 25 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1755. (Ilustração nossa, 2014). . 71
Ilustração 26 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1770. (Ilustração nossa, 2014). . 72
Ilustração 27 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1858. (Ilustração nossa, 2014). . 73
Ilustração 28 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1911. (Ilustração nossa, 2014). . 74
Ilustração 29 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 2015+. (Ilustração nossa, 2014).
................................................................................................................................... 75
Ilustração 30 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 16501755. (Ilustração nossa, 2014). ................................................................................... 76
Ilustração 31 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 17551770. (Ilustração nossa, 2014). ................................................................................... 77
Ilustração 32 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 17701858. (Ilustração nossa, 2014). ................................................................................... 78
Ilustração 33 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 18581911. (Ilustração nossa, 2014). ................................................................................... 79
Ilustração 34 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 19112015+. (Ilustração nossa, 2014).................................................................................. 80
Ilustração 35 – Implantação da nova sede da EDP na frente da Boavista. ([Adaptado a
partir de: Leal, 2009).................................................................................................. 83
Ilustração 36 – A nova sede da EDP, vista a partir do cais fluvial do Cais do Sodré.
(Ilustração nossa, 2014). ............................................................................................ 84
Ilustração 37 – As duas torres em construção, configuração do vazio central.
(Ilustração nossa, 2014). ............................................................................................ 85
Ilustração 38 – A nova sede da EDP vista a partir do miradouro de St. Catarina,
durante a construção do esqueleto estrutural. (Ilustração nossa, 2014)...................... 86
Ilustração 39 – Maqueta da nova sede da EDP, onde é perceptível a forma
empenada, o corpo horizontal que une as duas torres, e entrada no embasamento da
torre da direita, Manuel Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2009, p. 199). .. 87
Ilustração 40 – Diagramas da composição das fachadas, Manuel Mateus, 2010.
([Adaptado a partir de: Leal, 2009). .......................................................................... 89
Ilustração 41 – Estrutura da fachada. (Ilustração, nossa, 2014). ................................. 90
Ilustração 42 – Perfis de betão de revestimento da fachada. (Ilustração nossa, 2014).
................................................................................................................................... 90
Ilustração 43 – Pormenor dos elementos de encaixe da fachada. (Ilustração nossa,
20014). ....................................................................................................................... 90
Ilustração 44 – Composição da fachada. (Ilustração nossa, 2014). ............................ 90
Ilustração 45 – A fachada de vidro ainda sem os perfis de betão. (Ilustração nossa,
2014). ......................................................................................................................... 91
Ilustração 46 – A estrutura e o revestimento. (Ilustração nossa, 2014). ...................... 95
Ilustração 47 –A torre nascente e a ponte. (Ilustração nossa, 2014). .......................... 95
Ilustração 48 – A torre poente e a ponte. (Ilustração nossa, 2014). ............................ 95
Ilustração 49 – Aço, betao e vidro. (Ilustração nossa, 2014). ...................................... 95
Ilustração 50 – (De baixo para cima) Plantas dos pisos -1, 1, 2. ([Adaptado a partir
de: Leal, 2009)........................................................................................................... 96
Ilustração 51 – (De baixo para cima) Plantas dos pisos, 3, 4, 5. ([Adaptado a partir
de: Leal, 2009)........................................................................................................... 97
Ilustração 52 – Edifício Carrión, Madrid, conhecido pela população local e estrangeira
por edifício Schweppers. (Ilustração nossa, 2013). ................................................... 102
Ilustração 53 – Ortofotomapa com a proposta do plano urbano do plano de pormenor
da Boavista. ([Adaptado a partir de: Ordem dos Arquitectos, 2010)........................ 107
Ilustração 54 – Planta tipo do plano de pormenor da Boavista. ([Adaptado a partir de:
Ordem dos Arquitectos, 2010). ................................................................................. 107
Ilustração 55 – (Da esquerda para a direita) claustro de Cartuxa de Galluzzo no Val d’
Ema (Florença), cela / unidade de composição do claustro, planta da modulo de
composição das Emmeuble - Villas. ([Adaptado a partir de: Ordem dos Arquitectos,
2010). ....................................................................................................................... 108
Ilustração 56 – (Da esquerda para a direita) Vista do interior do pátio do pavilhão de
L’Esprit nouveau, perspetiva da fachada de um conjunto de Emmeuble - Villas.
([Adaptado a partir de: Ordem dos Arquitectos, 2010). ........................................... 108
Ilustração 57 – (À esquerda) Plantas tipo das tipologias modulares que compõem os
edifícios propostos do plano de pormenor da Boavista, (À direita) vista da fachada de
um dos edifícios propostos do plano de pormenor da Boavista. ([Adaptado a partir de:
Ordem dos Arquitectos, 2010). ................................................................................. 108
Ilustração 58 – Maquete volumétrica da proposta e do seu entorno. (Gonçalo Byrne
Arquitectos, 2008). .................................................................................................... 111
Ilustração 59 – Maquete volumétrica da proposta para a nova sede da EDP e do
conjunto residencial. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2008). ......................................... 111
Ilustração 60 – Maquetes volumétricas das propostas. (Gonçalo Byrne Arquitectos,
2008). ....................................................................................................................... 111
Ilustração 61 – Vista do interior do “espaço nave”. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2008).
................................................................................................................................. 112
Ilustração 62 – Planta térrea da proposta para a nova sede da EDP e para a
envolvente do plano da Boavista. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2008). ..................... 112
Ilustração 63 – Ortofotomapa com a proposta para o plano de pormenor do aterro da
Boavista. (Amador, 2014). ........................................................................................ 115
Ilustração 64 – Plantas da proposta para a nova sede da EDP. (Amador, 2014). ..... 115
Ilustração 65 – Perspectivas do projecto, para a nova sede da EDP. (Amador, 2014).
................................................................................................................................. 116
Ilustração 66 – Vistas da maqueta da proposta para a nova sede da EDP. (Corrêa,
2014). ....................................................................................................................... 119
Ilustração 67 – Esquissos da proposta para a nova sede da EDP. (Corrêa, 2014). .. 119
Ilustração 68 – Vista da proposta para a nova sede da EDP. (Corrêa, 2014). .......... 120
Ilustração 69 – Planta da proposta urbana para o plano de pormenor do aterro da
Boavista e para nova sede da EDP. (Cruz, 2013). .................................................... 123
Ilustração 70 – Esquissos da proposta para a nova sede da EDP. (Cruz, 2013)....... 123
Ilustração 71 – Modelos da proposta para a nova sede da EDP. (Cruz, 2013). ........ 124
Ilustração 72 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), edificado, 1650-17551770. (Ilustração nossa, 2014). ................................................................................. 133
Ilustração 73 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), edificado, 1855-19112015+. (Ilustração nossa, 2014)................................................................................ 134
Ilustração 74 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), 1650-1755-1770.
(Ilustração nossa, 2014). .......................................................................................... 135
Ilustração 75 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), 1858-1911-2015+.
(Ilustração nossa, 2014). .......................................................................................... 136
Ilustração 76 – Localização do plataforma /cais do futuro Terminal de Cruzeiros de
Lisboa. (João Luís Carrilho da Graça Arquitectos, 2011). ......................................... 138
Ilustração 77 – Localização do futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (João Luís
Carrilho da Graça Arquitectos, 2011). ....................................................................... 140
Ilustração 78 – Perspectiva do plano do Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (JLCG
arquitectos, 2011). .................................................................................................... 142
Ilustração 79 – Maqueta com vista do alçado poente do futuro Terminal de Cruzeiros
de Lisboa. (JLCG arquitectos, 2011). ........................................................................ 143
Ilustração 80 – Maqueta com vista do alçado poente do futuro Terminal de Cruzeiros
de Lisboa. (JLCG arquitectos, 2011). ........................................................................ 144
Ilustração 81 – Maqueta do futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (JLCG arquitectos,
2011). ....................................................................................................................... 145
Ilustração 82 – Axonometria do Terminal, Carrilho da Graça, 2010. ([Adaptado a partir
de: Graça, 2010)...................................................................................................... 146
Ilustração 83 – Planta do piso superior do Terminal, Carrilho da Graça, 2010.
([Adaptado a partir de: Graça, 2010). ..................................................................... 147
Ilustração 84 – Planta do piso térreo do Terminal, Carrilho da Graça, 2010. ([Adaptado
a partir de: Graça, 2010). ......................................................................................... 147
Ilustração 85 – Cortes e alçados do Terminal, Carrilho da Graça, 2010. ([Adaptado a
partir de: Leal, 2010)................................................................................................ 148
Ilustração 86 – Embarcação atracada junto à Gare Marítima de Alcântara que se
encontra à direita ( fotografia tirada da varanda do piso superior). ([Adaptado a partir
de: Henriques, 2013, p.4). ....................................................................................... 154
Ilustração 87 – Pormenor da cobertura do núcleo central da gare marítima de
Alcântara. (Ilustração nossa, 2014)........................................................................... 154
Ilustração 88 – O barco, a grua e a galeria. (Ilustração nossa, 2014). ...................... 155
Ilustração 89 – Entrada da gare maritime da Rocha do conde de Óbidos. (Ilustração
nossa, 2014). ............................................................................................................ 155
Ilustração 90 – Pormenor da gare de Alcântara. (Ilustração nossa,2014). ................ 155
Ilustração 91 – Entrada da gare maritime de Alcântara. (Ilustração nossa, 2014). .... 155
Ilustração 92 – Axonometria da proposta, Gonçalo Byrne e Manuel Mateus, 2010.
([Adaptado a partir de: Byrne, Mateus, 2010). ........................................................ 159
Ilustração 93 – Perspetivas da proposta a partir da cidade, Gonçalo Byrne e Manuel
Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2010). ................................................. 160
Ilustração 94 – Perspetiva da proposta a partir do rio, Gonçalo Byrne e Manuel
Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2010). ................................................. 160
Ilustração 95 – Plantas e cortes do projecto, Guillermo Vazques Consuegra, 2010.
([Adaptado a partir de: Vasqués Consuegra, 2010). ............................................... 163
Ilustração 96 – Perspetiva do projecto a partir da cidade e maqueta da proposta,
Guillermo Vazques Consuegra, 2010 ([Adaptado a partir de: Leal, 2010)............... 164
Ilustração 97 – Plantas e cortes da proposta, ARX Portugal, 2010. ([Adaptado a partir
de: ARX Portugal, 2010). ......................................................................................... 167
Ilustração 98 – Maquetas e perspetivas do projecto a partir do rio e da cidade, ARX
Portugal, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2010)................................................. 168
Ilustração 99 – Cortes do projecto, Zaha Hadid, 2010. ([Adaptado a partir de: Zaha
Hadid, 2010). ............................................................................................................ 171
Ilustração 100 – Vista do projecto a partir do rio e vista do interior do Terminal, Zaha
Hadid, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2010). ................................................... 172
Ilustração 101 – Gravura da cidade de Lisboa compreendida pelas muralhas.
([Adaptado a partir de: Matos, 2012). ..................................................................... 175
Ilustração 102 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), edificado, 1650-17551770. (Ilustração nossa, 2014).................................................................................. 182
Ilustração 103 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), edificado, 1858-19112015+. (Ilustração nossa, 2014)................................................................................ 183
Ilustração 104 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), 1650-1755-1770.
(Ilustração nossa, 2014). .......................................................................................... 184
Ilustração 105 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), 1650-1755-1770.
(Ilustração nossa, 2014). .......................................................................................... 185
Ilustração 106 – Maquetas de estudo. (Ilustração nossa, 2012).
......................... 190
Ilustração 107 – Características do edificado envolvente, sítio de Alfama. (Ilustração
nossa, 2012). ............................................................................................................ 191
Ilustração 108 – Planta de localização da proposta na frente ribeirinha de Alfama.
(Ilustração nossa, 2013). .......................................................................................... 192
Ilustração 109 – Perfil de Alfama, com a localização da proposta e o projecto do novo
Terminal de Cruzeiros. (Ilustração nossa, 2013). ...................................................... 192
Ilustração 110 – Diagramas. (Ilustração nossa, 2013). ............................................. 193
Ilustração 111 – Plantas das tipologias das residências sénior. (Ilustração nossa,
2013). ....................................................................................................................... 194
Ilustração 112 – Plantas; planta térrea, planta tipo e planta de coberturas. (Ilustração
nossa, 2013). ............................................................................................................ 195
Ilustração 113 – Alçado principal (Sul) e corte do projecto. (Ilustração nossa, 2013).
................................................................................................................................. 196
Ilustração 114 – Ortofotomapa com a localização das intervenções, S. Catarina e
Boavista. (Ilustração nossa, 2013). ........................................................................... 201
Ilustração 115 – Planta de localização das intervenções. Miradouro de S. Catarina.
(Ilustração nossa, 2014). .......................................................................................... 201
Ilustração 116 – Diagramas de estudo da composição e construção da bancada
exterior. (Ilustração nossa, 2013). ............................................................................. 202
Ilustração 117 – Plantas do edifício da escolar de música. (Ilustração nossa, 2013). 203
Ilustração 118 – Alçados e cortes do edifício da escolar de música. (Ilustração nossa,
2013). ....................................................................................................................... 204
Ilustração 119 – Plantas dos pisos -1 e -2 do edifício do auditório. (Ilustração nossa,
2013). ....................................................................................................................... 205
Ilustração 120 – Plantas dos pisos 1 e 0 do edifício do auditório. (Ilustração nossa,
2013). ....................................................................................................................... 206
Ilustração 121 – Plantas dos pisos 3 e 4 do edifício do auditório. (Ilustração nossa,
2013). ....................................................................................................................... 207
Ilustração 122 – Alçados do edifício do auditório. (Ilustração nossa, 2013). ............. 208
Ilustração 123 – Corte do edifício do auditório. (Ilustração nossa, 2013). ................. 209
SUMÁRIO:
1.
Introdução ........................................................................................................... 19
2.
A cidade .............................................................................................................. 21
2.1.
Origem e evolução da cidade ...................................................................... 23
2.2.
O desenho, a forma e a construção da cidade ............................................ 45
2.3.
Uso e vivência da cidade ............................................................................. 50
2.4.
Limite e fronteira da cidade ......................................................................... 54
2.5.
Estudo das cartas e levantamentos da cidade............................................. 59
3.
Frente ribeirinha da Boavista – Nova Sede da EDP – Aires Mateus .................. 81
3.1.
A nova sede, a Imagem do Território ........................................................... 98
3.2.
Nova Sede da EDP - Concurso ................................................................. 103
3.2.1.
Proposta de Carrilho da Graça .......................................................... 104
3.2.2.
Proposta de Gonçalo Byrne ............................................................... 109
3.2.3.
Proposta de ARX Portugal ................................................................. 113
3.2.4.
Proposta de Souto Moura .................................................................. 117
3.2.5.
Proposta de Graça Dias e Egas Vieira............................................... 121
3.3.
Transformação do limite ribeirinho da Boavista ......................................... 125
4.
Frente ribeirinha de Alfama - Terminal de Cruzeiros de Lisboa – Carrilho da Graça
.......................................................................................................................... 137
4.1.
O Terminal de Cruzeiros e as Gares Marítimas de Alcântara e da Rocha do
Conde de Óbidos. ................................................................................................. 150
4.2.
Terminal de Cruzeiros de Lisboa – Concurso ............................................ 156
4.2.1.
Proposta de Gonçalo Byrne e Manuel Aires Mateus .......................... 157
4.2.2.
Proposta de Guillermo Vazques Consuegra ...................................... 161
4.2.3.
Proposta de ARX Portugal ................................................................. 165
4.2.4.
Proposta de Zaha Hadid .................................................................... 169
4.3.
Transformação do limite ribeirinho na colina do castelo ............................ 173
5.
Projectos académicos ....................................................................................... 187
5.1.
Alfama - Residência e Habitação Sénior ................................................... 188
5.2.
Miradouro de Santa Catarina - Escola de Música e Jardim ....................... 197
6.
Considerações Finais ........................................................................................ 211
Referências .............................................................................................................. 213
Bibliografia ................................................................................................................ 219
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
1. INTRODUÇÃO
O objectivo da arquitectura – a função da arquitectura – consiste em tornar
imperceptível a dificuldade de cobrir um grande vão, ou de controlar a contraditória
relação entre interior e exterior, entre protecção e abertura, entre luz e penumbra: ou
ninguém se sentirá “em casa”.
Desenvolver um projecto consiste em ultrapassar a perene oposição entre natureza e
criação humana.
Tudo deverá surgir inevitavelmente evidente.
O inesperado e surpreendente depressa se transforma em banal. (Siza, 2009, p. 329).
No seu sentido mais puro, Siza Vieira1 descreve muito do que procuramos com esta
dissertação: o prazer do engano, do controlo, da relação, da protecção que nos
conforta e a que chamamos CASA. Mas que CASA? A casa do quotidiano, onde nos
refugiamos e, em simultâneo, a casa da sociedade e da civilização: a cidade.
Estas palavras recordam-nos a cidade onde não nascemos, mas onde crescemos,
que todos os dias nos ensina, nos esconde segredos e nos leva a desvendá-los,
aprendemos constantemente, e certamente que assim continuará esta relação de
dependência – mais nossa que dela. A curiosidade pessoal, e o interesse
demonstrado durante boa parte da nossa experiência de vida, obteve continuidade
durante o nosso percurso académico, culminando num desfecho interessante e
curioso materializado sob a forma desta dissertação.
Este trabalho pretende reflectir sobre o conhecimento da cidade de Lisboa,
complementando e finalizando parte do percurso académico e fechar este ciclo, que
de modo algum pretende ser conclusivo, mas sim um momento de reflexão e síntese
da aprendizagem dos últimos anos.
Muito do que está presente neste trabalho resulta de questões nossas, que foram
aparecendo durante o estudo da cidade [e das cidades] e que são inerentes à
arquitectura.
1
Siza Vieira (Matosinhos, 1993), Arquitecto português, formado pela Escola de Belas-Artes do Porto,
onde mais tarde leccionou. Iniciou a sua actividade profissional ainda durante a formação académica junto
do arquitecto Fernando Távora, com quem mais tarde colaborou. Possui uma vasta obra construída, em
território nacional e no estrangeiro; igualmente publicada, quer em livros de sua autoria, como em artigos
e revistas reconhecidas. Foi condecorado com inúmeros prémios nacionais e internacionais, destacandose o Prémio Mies van der Rohe (1988), Prémio Wolf de Artes (2001), Medalha de Ouro do RIBA (2009),
Leão de Ouro-Bienal de Arquitectura de Veneza (2002 e 2012), e a maior distinção para um arquitecto: o
prémio Pritzker (1992), o primeiro entregue a um arquitecto português.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
19
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
É inevitável o estudo da cidade – quase obrigatório e a nosso ver sempre nos fascinou
a sua dimensão, o impacto que provoca e que assume no território, e a dependência
da humanidade sobre estas estruturas.
Da metodologia de trabalho resultam seis capítulos: nos capítulos 1 e 2 pretendemos
desenvolver as questões levantadas no estudo da cidade resultantes do percurso
académico, bem como explorar os conceitos que caracterizam este tema, partindo da
história como referência inicial, na procura dos métodos e meios de desenvolvimento
desde o desenho, à localização, à relação do corpo/estrutura urbana com os
territórios, e ainda a definição da forma e do limite, da apropriação do espaço, da
função e do uso, convergindo num estudo mais específico e incisivo: o das plantas e
levantamentos da cidade, compreendido entre o século XVII e a actualidade. O estudo
das plantas e levantamentos acompanha todo o desenvolvimento desta dissertação e
complementa a informação recolhida, funcionando como um instrumento de trabalho
levado a cabo por nós com o objectivo de facultar um meio de estudo da informação,
ao comparar o desenvolvimento da frente urbana da cidade, em confronto com o rio
durante um período de tempo relevante e caracterizado por fortes transformações.
Do estudo da cidade de Lisboa rapidamente se procurou balizar e determinar um lugar
[ou lugares contínuos] onde concentrámos as nossas dúvidas e questões no estudo
da construção da frente ribeirinha. A delimitação do território de estudo é determinada
pela implantação dos projectos académicos de 5º ano [capítulo 5], que coincide com
os dois casos de estudo inseridos dentro deste trabalho [capítulos 3 e 4].
Foi do nosso interesse concentrar o estudo dos exemplos em concursos que
futuramente terão um enorme impacto na consolidação e na vivência do espaço que
compreende a frente ribeirinha: o concurso para o novo terminal de cruzeiros e o
concurso para a nova sede da EDP, que resultam em dois importantes e interessantes
exemplos da construção desta franja da cidade, no limite mais icónico da urbe.
Por fim, o caso prático [capítulo 5] procura apresentar um conjunto de soluções
académicas inseridas dentro deste contexto, tendo sido fundamental na construção e
estruturação deste tema. Pretendemos ainda apresentar pequenas propostas
inseridas dentro da malha urbana consolidada, ao renovar o tecido e introduzindo
vitalidade; ambicionando contagiar um sítio e por sua vez o lugar, sendo estas
pequenas acções capazes de transformar o todo.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
20
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
2. A CIDADE
A cidade enquanto estudo, consiste num tema muito abrangente e muito vago. O
objectivo não se trata de a estudar exaustivamente mas de procurar desenvolver
algumas questões levantadas durante o percurso académico.
Deste modo, o presente estudo da cidade procura ir de encontro ao desenvolvido no
trabalho
prático,
referente
à frente ribeirinha,
propondo-nos
neste
capítulo
complementar algumas questões a consolidar os capítulos seguintes.
Procuramos sintetizar a evolução história da cidade em geral, exemplificando e
comparando, sempre que possível, com a cidade de Lisboa e a respectiva frente
ribeirinha. Assim, a história da cidade contribui como início deste estudo, levantando
novas questões sobre a mesma, desde a sua construção, o modo como se insere no
território, como é desenhada e utilizada, quais os usos e funções que lhe atribuímos
bem como a sua evolução no tempo e no espaço.
Falar da história da cidade e compreender o seu aparecimento e evolução é
simultaneamente falar da origem da civilização e da própria evolução da humanidade,
tal como Aldo Rossi expressa numa das suas mais célebres obras: A Arquitectura da
Cidade.
Assim como os primeiros homens construíram para si habitações e, na sua primeira
construção procuraram realizar um ambiente mais favorável à sua vida, construindo um
clima artificial, assim também contrariam segundo uma intencionalidade estética.
Iniciaram a arquitectura a um tempo com os primeiros traços da cidade; a arquitectura
é assim congénita com a formação da civilização e é um factor permanente universal e
necessário. (Rossi, 1977, p. 23).
Construir cidade é construir um mundo próprio do Homem, um mundo “artificial” dentro
de outro preexistente, é uma interpretação da natureza recriada pela nossa acção.
Está claro como a historia da humanidade modelou as cidades, os territórios, a sua
forma, os métodos e modelos da sua construção, os hábitos e costumes, as tradições.
A cidade e o Homem transformaram-se reciprocamente e foi esta relação que permitiu
a construção dos impérios e das civilizações.
“Com o tempo a cidade cresce sobre si mesma; adquire consciência e memória de si
mesma de si própria.” (Rossi, 1977, p. 24).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
21
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Da mesma forma que nós – a humanidade evoluímos e desenvolvemos os nossos
conhecimentos e capacidades, também esse processo se reflectiu no crescimento e
transformação da cidade.
A forma da cidade é sempre a forma de um tempo da cidade; e existem muitos tempos
na forma da cidade. No próprio decorrer da vida de um Homem a cidade muda de
vulto, os referimentos não são os mesmos; Baudelaire escreve: “le vieux Paris n’est
plus; la forme d’une ville change plus vite, hélas, que le coeur d‘un mortel” 2 Olhamos
como inacreditavelmente velhas as casa da nossa infância; e a cidade que muda
apaga com frequência as nossas recordações. (Rossi, 1977, p. 68).
A diferença foca-se no resultado: enquanto o Homem apresenta características finais
físicas de comportamento fruto de milénios de evolução, na cidade sobrepõem-se
camadas. A história da sua evolução expressa-se na composição do corpo que está
sempre presente e consciente da sua idade, e do seu tempo. O Homem é
simplesmente um produto “acabado” e efémero que nasce, vive e morre – e
rapidamente outro Homem nasce para ocupar o seu lugar: somos substituíveis, como
se de peças nos tratássemos; as cidades não, elas são construídas por nós e para
nós e porém, ultrapassam-nos.
Hitler escreveu que para destruir um povo, para nele apagar a consciência de si
próprio, basta destruir os seus monumentos, o meio físico a partir do qual ele se
identifica. [...] A transformação da cidade é fenómeno natural e prova de vitalidade, se
de acordo com as suas necessidades, ou seja, com as necessidades colectivas do
cidadão. (Siza, 2009, p. 19).
Estamos conscientes da nossa efemeridade no tempo e, por isso, tudo quanto criamos
ambiciona ser [mais] permanente. A cidade é uma das nossas maiores criações e
entregamo-la às gerações futuras esperando que elas a perpetuem no tempo e a
mantenham. O ciclo é contínuo e manter-se-á até ao dia em que a humanidade
desaparecer, pois também aí a cidade desaparecerá.
“O velho Paris já não existe, a forma de uma cidade muda mais depressa, lamentavelmente, que o
coração de um mortal.” (Tradução nossa)
2
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
22
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
2.1. ORIGEM E EVOLUÇÃO DA CIDADE
Na procura da origem da cidade, somos tendencialmente levados para as grandes
cidades antigas, que ainda hoje permanecem activas. Porém, é provável que as
primeiras construções tenham desaparecido. O Homem vive da experimentação e a
cidade é uma prova desse processo, do pensamento posto em prática, substituindo-se
e renovando-se. Existem duas possibilidades para estas primeiras construções: a
primeira, consistindo na absorção total ou o abandono/ruína e a segunda, o
consequente desaparecimento e eliminação de qualquer vestígio da sua presença.
Como referimos anteriormente, o conhecimento humano da construção do abrigo
evoluiu através da experimentação e foi transmitido da mesma forma às gerações
seguintes. Deste modo, a cidade de hoje, não é mais que o culminar de toda a
evolução e experimentação feita pelo Homem durante a sua existência.
Sempre nos questionámos sobre estas ideias de como nasceu a cidade, em especial
acerca da “faísca” que desencadeou uma das criações mais extraordinárias da
humanidade. Foi a partir do livro de Leonardo Benevolo3, História da Cidade, que
pudemos clarificar algumas ideias através das palavras deste autor:
A cidade - local de estabelecimento aparelhado, diferenciado e ao mesmo tempo
privilegiado, sede da autoridade - nasce da aldeia, mas não é apenas uma aldeia que
cresceu. Ela se forma, como pudemos ver, quando as industrias e os serviços já não
são executados pelas pessoas que cultivam terra, mas por outras que não tem esta
obrigação, e que são mantidas pelas primeiras com o excedente do produto total.
(Benevolo, 1993, p. 23).
Existe um conjunto de ideias muito importantes que pode clarificar a origem da cidade,
nomeadamente a existência de pequenos núcleos urbanos que crescem, processam
recursos e – a mais importante – produzem excedentes. A ideia do excedente é
claramente um dos principais impulsionadores da criação da cidade. O domínio da
agricultura eleva a sociedade para outro patamar, permitindo-lhe o domínio da sua
subsistência. O Homem da sociedade recolectora vive dia após dia, procurando os
recursos para a sua sobrevivência e sem permanecer no mesmo lugar, levando
consigo os seus objectos, ferramentas e utensílios, e possuindo apenas um abrigo
muito rudimentar. Com o aparecimento da agricultura e o domínio do cultivo dos
recursos alimentares, a sociedade é obrigada a fixar-se num determinado lugar.
3
Leonardo Benevolo (Orta San Giulio, 1923), arquitecto italiano reconhecido pelos inúmeros estudos,
publicações e trabalhos relacionadas com a história e teoria da arquitectura e da cidade.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
23
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Foi através do domínio de uma nova ferramenta de subsistência que permitiu ao
Homem obter o excedente agrícola e impulsionar a construção da cidade.
Perguntamo-nos então: como é que a agricultura é responsável pela origem da
cidade? É simples: o excedente agrícola permite ao Homem uma maior capacidade de
subsistência e menor vulnerabilidade relativamente às transformações e ciclos da
natureza. Simultaneamente, não só confere maior capacidade ao indivíduo como lhe
permite posicionar-se no tempo, isto é, o Homem recolector vive dia após dia, lutando
pelo dia seguinte. É graças à agricultura e ao respectivo excedente que consegue
viver no tempo, vê a sua sobrevivência garantida, e é essa garantia que o leva a
valorizar os recursos alimentares provenientes da agricultura.
Esta necessidade de protecção dos bens alimentares e a fixação num lugar
permanente são os elementos instigadores de uma nova realidade na sociedade: a
construção do abrigo altera-se, ganha bases mais sólidas e perdura no tempo, porque
o Homem revê-se num futuro mais distante. A cidade é um reflexo da visão do Homem
no tempo que só foi possível porque a sua sobrevivência alimentar passou a ser
dependente dele mesmo; porém, o excedente permite não só a fixação de mais
população como serve também para ser utilizado como bem de troca por actividades
executadas pelos que não cultivam a terra e permite o desenvolvimento de novos
conhecimentos, da cultura e de uma identidade própria da sociedade em questão.
Ilustração 1 – Aldeia neolítica na Alemanha (cerca de 2000 a.C.). ([Adaptado a partir de: Benevolo, 1993, p. 17).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
24
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 2 – Aldeia contemporânea nos Camarões (África). ([Adaptado a partir de: Benevolo, 1993, p. 20).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
25
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Duas das maiores sociedades organizadas e construtoras de grandes cidades são as
civilizações suméria e egípcia, quase contemporâneas e relativamente próximas
geograficamente.
Na Suméria a agricultura desenvolve-se a partir dos canais de irrigação,
transformando o território e alterando-o, desviando a água do rio para as plantações.
Por sua vez no Egipto, a agricultura encontrava-se totalmente dependente da subida e
descida do nível da água nas margens do Nilo. Deste modo, se o rio não inundasse os
campos, fertilizando-os e transportando as tão necessárias lamas, não haveria cultivo
das terras, tal como se o rio não recuasse. O Egipto estava assim totalmente
dependente dos ciclos da natureza.
Tal como para a localização das cidades é básico que se encontrem condições
naturais e recursos alimentares, também o centro dentro da cidade é um elemento cuja
localização obedece às mesmas crenças e ao mesmo ideário. Diz Eródoto que o
Egipto <é um dom do Nilo> e o poder divino do Faraó um dom do Sol (Rá). (Taveira,
1974, p. 149).
A semelhança na localização estratégica junto do rio aproxima as duas civilizações,
porém os níveis de dependência dos recursos é distinto e, na verdade, originou duas
civilizações totalmente diferentes. A dependência dos ciclos e das fases de
transformação do Nilo levou os egípcios à adoração quase obsessiva do tempo e dos
ciclos, reflectindo-se nas suas crenças e superstições, na religião, nos deuses, nos
mortos, na mumificação e na vida após a morte. Enquanto a cidade suméria é de tijolo
de barro e adobe, a egípcia é de pedra, feita para perdurar no tempo. A cidade reflecte
a sociedade que lhe deu forma. A simplicidade suméria deu origem a cidades que hoje
estão praticamente desaparecidas. As egípcias, tão obcecadas com os ciclos e
construídas em pedra estão de pé ou melhor, vão mantendo a postura, perdurando até
hoje.
Em suma, foi a agricultura a principal responsável pela criação de cidades, dos
grandes grupos populacionais e dos aglomerados urbanos, porém foi a natureza que
transformou o Homem e as características únicas de cada cidade e foi ela que moldou
a identidade e a cultura de cada sociedade.
No contexto português as cidades egípcias e sumérias têm poucas repercussões. A
grande referência da cultura ocidental encontra-se na Antiga Grécia, que não possui
nenhuma das características referidas nos exemplos anteriores, existindo no entanto
uma relação entre elas. A Grécia, localizada num território complexo e árido é a
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
26
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
primeira grande sociedade comercial e mercantil, e é uma civilização que cresce
através da negociação do excedente agrícola das civilizações vizinhas dos rios Nilo,
Eufrates e Tigre. A estratégia de subsistência da sociedade grega percute-se na
concepção da cidade helénica.
A cidade grega subdivide-se em três partes: uma, próxima do mar e que permite fazer
a ligação e a comunicação com os outros portos e cidades e as outras duas partes no
interior do território: a acropole num ponto elevado e mais protegido, onde estão os
templos e as estruturas defensivas e a astu, na base da elevação, onde vive a
população e se desenvolve o comércio, os serviços e a política. A cidade resulta assim
de um conjunto de relações entre três partes que dão corpo a um conjunto único
estrategicamente organizado numa cooperação de subsistência.
Ilustração 3 – Atenas unida por longos muros a Pireu, e planta de Atenas. ([Adaptado a partir de: Benevolo, 1993, p. 104).
Esta ligação entre as partes faz sentido se compreendemos que em tempos estes
centros estiveram unidos por um conjunto de longas muralhas que uniam o núcleo
portuário ao núcleo urbano interior. A visão da unidade é tão importante e está de tal
modo interiorizada que levou à fortificação do percurso que une os vários núcleos
urbanos. Esta situação está presente em praticamente todas as grandes cidades
gregas, como Atenas com a acropole coroada com o partenon4, a astu com o teatro de
Dionísio e outros edifícios direccionados ao culto e à governação, estando a restante
cidade estendida pelo território mais plano. Junto ao mar encontra-se a Pireu: um
núcleo urbano vocacionado para o comércio marítimo e o porto da cidade de Atenas.
Partenon – edifício icónico da arquitectura, um dos maiores exemplos da cultura da Grécia Antiga;
templo dedicado à deusa grega Atena, localizado na cidade Atenas, no topo do monte da Acrópole,
erguido no século V a.C. pelos arquitectos Calícrates e Ictinos, e pelo escultor Fídias, ainda hoje constitui
uma das mais importantes obras de referência da história da civilização e da história da arquitectura.
4
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
27
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 4 – Planta da Acrópole de Atenas. ([Adaptado a partir de: Benevolo, 1993, p. 90).
A origem é uma colina, onde se refugiam habitantes do campo para defender-se dos
inimigos; mais tarde, o povoado se estende pela planície vizinha, e geralmente é
fortificado por um cinturão de muros. Distingue- se assim a cidade alta (a acrópole,
onde ficam os templos dos deuses, e onde os habitantes da cidade ainda podem
refugiar- se para uma ultima defesa), e a cidade baixa (a astu, onde se desenvolvem os
comércios e as relações civis); mas ambas são partes de um único organismo, pois a
comunidade citadina funciona como um todo único, qualquer que seja seu regime
político. (Benevolo, 1993, p. 76).
O modelo de cidade desenvolvido pelos gregos na Antiguidade Clássica é a referência
base do desenvolvimento da cidade ocidental, influenciando a cidade romana que foi
difundida por todo o império, sofrendo posteriormente transformações e adicionando
novas características adaptadas aos diferentes contextos e às necessidades da
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
28
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
sociedade. Contudo, a cidade grega não é só uma estruturação tripartida de um
núcleo urbano mas um modelo mais complexo, reflexo da natureza que nos rodeia, e
da artificialização do mundo construído, através da cultura de cada uma destas
sociedades.
A cidade, no seu conjunto, forma um organismo artificial inserido no ambiente natural, e
ligado a este ambiente por uma relação delicada, respeitada as linhas gerais da
paisagem natural que em muitos pontos significativos é deixada intacta, e integra-a
com os manufaturados arquitectónicos. A regularidade dos templos (que tem uma
planta perfeitamente simétrica, e tem um acabamento igual de todos os lados devido à
sucessão das colunas) é quase sempre compensada pela irregularidade dos arranjos
circunstantes, que se reduz depois na desordem da paisagem natural. A medida deste
equilíbrio entre natureza e arte dá a cada cidade um carácter individual e reconhecível.
(Benevolo, 1993, p. 80).
A cidade é o mundo construído pelo Homem e não exclui a natureza onde está
inserida, complementando-a. A cidade grega é um mundo artificial dentro de um
mundo “natural” e original, onde ambos coexistem em simultâneo. O lugar é
fundamental na concepção da arquitectura clássica; a arquitectura e a natureza vivem
numa comunhão constante e o modo como se relacionam permite diferenciar a
construção de lugar para lugar. Cada cidade é única, cada templo é singular. O teatro
escavado na pedra é um claro exemplo onde esta relação é mais forte e onde está
mais presente, sendo ele portador de uma mestria e conhecimento formidável.
“O templo grego repete um tipo arquitectónico, mas de santuário para santuário a
diferente situação geográfica faz variar o seu aspecto. Noutros casos é o lugar que,
pelo seu potencial sugestivo, gera a própria arquitectura.” (Lamas, 2011, p. 64).
Assim, a presença do Homem na natureza torna-se evidente pela qualidade, não pela
quantidade; o cenário urbano – como o organismo político da cidade- estado –
permanece um construção na medida do Homem, circundada e dominada pelos
elementos da natureza não mesurável. Mas o Homem, com o seu trabalho pode
melhorar esta construção até imitar a perfeição da natureza, e pode estabelecer, como
na natureza, uma continuidade rigorosa entre as partes e o todo. O conjunto de
monumentos na Acrópole pode ser visto de todos os lados da cidade, e os templos
revelam de longe sua estrutura simples e racional; depois ao aproximar-se, descobremse as articulações secundaria, os elementos arquitectónicos repetidos (colunas, bases,
capiteis ) e os detalhes esculturais mais minuciosos, avivados pelas cores: um mundo
de formas coerentes e ligadas entre si, da grande à pequena escala. (Benevolo, 1993,
p.80).
Foi com base na aprendizagem da natureza e do mundo que nos rodeia que a cidade
clássica pode evoluir, onde a harmonia perfeita com a natureza é constante.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
29
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Numa citação anterior fazemos referência à unidade e às partes que compõem o todo:
a acropole de Atenas é um excelente exemplo disso – um conjunto de corpos de
diferentes dimensões de plantas geométricas e regulares que se organizam e
relacionam entre si.
Se à primeira vista aparentam ser corpos largados sobre a colina de um modo
aleatório, na verdade seguem uma estratégia interessante orientada sobre um
determinado percurso. Os corpos implantados sobre a colina estruturam, configuram e
criam espaços, as diferentes escalas, texturas e composições de fachada introduzem
movimento, profundidade, luz e sombra – uma harmonia perfeita de espaços criados
pelo Homem que certamente podemos descrever como uma natureza artificial
“poética”, das mais extraordinárias criadas pelo Homem.
Tendo o modelo grego sido absorvido pela civilização romana, é interessante
comparar Roma com Atenas, e de que modo possuem um conjunto de estratégias
comuns. A evolução mais relevante é claramente a da estratégia da construção das
novas cidades – as colónias romanas – que são um dos principais instrumentos de
divulgação de uma cultura que reflecte o conhecimento clássico desenvolvido pelos
gregos e absorvido pelos romanos. A cidade/colónia grega é a referência da
cidade/colónia romana: as premissas estão na estrutura urbana racional muito regular
bem como na organização do espaço público e do espaço privado, na implantação
dos grandes edifícios religiosos, institucionais e governamentais e, principalmente na
organização basilar da cidade a partir de eixos viários predominantes.
“No projecto da centuriatio se faz referência a dois eixos principais, o decumanos
maximus e o cardos maximus, que têm comprimento maior e se cruzam num ponto,
considerado o centro ideal da colônia”. (Benevolo, 1993, p. 197).
Roma exponencia a estruturação das novas cidades a partir de um conjunto de dois
eixos que se intersectam num determinado ponto. O eixo decumanos está orientado
no sentido do ciclo solar, nascente-poente enquanto o eixo cardos se orienta no
sentido norte-sul. O cruzamento destes eixos origina o centro da cidade onde se
encontram os edifícios principais. Toda a cidade é estruturada, posteriormente, com
base nestes eixos através de ruas paralelas que se vão cruzando e criando uma
malha quadricular.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
30
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 5 – Mileto, no século V a.C. por Hipódamo depois das Guerras Persas (colónia grega na actual Turquia). ([Adaptado a partir
de:] Benevolo, 1993, p. 116).
Ilustração 6 – Timgod, Plano de assentamento romano. ([Adaptado a partir de: Lamas, 2011, p. 145).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
31
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
“[…] o campo militar romano é desenhado da mesma maneira; sabe-se que muitos
campos se tornaram cidades permanentes, e por outro lado os colonos enviados nas
centurationes são muitas vezes, veteranos militares”. (Benevolo, 1993, p. 197).
A quadrícula é claramente uma das estratégias mais funcionais e rápidas de construir
e de aumentar uma estrutura urbana, daí ser um dos modelos mais usados na
construção de estruturas provisórias – como os campos militares. As semelhanças
entre estas estruturas permitiram que muitos desses campos provisórios se
transformassem em campos permanentes, substituindo as cercas de madeira por
cercas de pedra e as tendas de tecido por paredes de alvenaria.
Outras colónias e cidades são, ao contrário, de origem civil, e algumas foram fundadas
antes que os romanos estabelecessem a regra para a disposição dos acampamentos.
Portanto, as cidades romanas traçadas com um desenho regular, de origem militar ou
civil, devem considerar-se uma aplicação em escala urbana do método geral da
centuriatio, isto é, um prosseguimento, simplificado e padronizado, da prática
hipodâmica difundida no mundo helenístico. (Benevolo, 1993, p. 197).
Como tivemos oportunidade de constatar, a cidade de Olisipo/Lisboa não segue de
modo algum a estratégia militar romana. Como sabemos, já existia um pequeno
aglomerado urbano na encosta da actual colina do castelo, no local onde hoje se
encontra o claustro da Sé de Lisboa e onde escavações arqueológicas permitiram
posteriormente encontrar vestígios de construções de origem fenícia.
Ilustração 7 – A cidade de Olisipo Felisitas Julia – actual Lisboa durante o período romano. (Figueiredo, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
32
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
“Num território inclinado os decumani estão dispostos horizontalmente, e os cardi
segundo as linhas de inclinação máxima; ao longo de um rio ou de um mar os
decumani são paralelos à costa; os cardi são perpendiculares”. (Benevolo, 1993, p.
198).
A implantação do modelo romano em Lisboa segue uma estratégia diferente, um
modelo romano desenvolvido para cidades já existentes e sob ocupação romana ou
em territórios com características geográficas mais complexas. A cidade romana de
Lisboa, Olisipo Felicitas Julia, é estruturada por dois eixos – cardos e decumanos –
ideia que durante muito tempo questionámos por na cidade actual ser muito difícil
constatar tal situação. Porém, e com a leitura da obra de Leonardo Benevolo, A
História da Cidade, confirmámos tal evidência. Em cidades marítimas e ribeirinhas
como Lisboa os eixos são mais flexíveis, isto é, adaptam-se à topografia e aos limites
naturais; o decumanos (nascente-poente) é paralelo ao rio, perdendo o seu carácter
rígido, mais próximo da curva que da linha recta; o cardos [norte-sul] é perpendicular
ao rio e, deste modo, a malha urbana e a estrutura viária não correspondem a uma
trama quadriculada regular, mas a um conjunto de polígonos que se adaptam mais
facilmente à topografia. Com tal explicação – só possível através de Leonardo
Benevolo – tornar-se mais fácil compreender a cidade de Lisboa no período romano:
com o fim deste a cidade contrai-se e perde dimensão, concentrando-se sobre si
mesma – situação ocorrida em praticamente todas as cidades do antigo Império
Romano.
As cidades fundadas ou transformadas pelos árabes, entre o Atlântico e a Índia, são
muito semelhantes entre si e conservam sua estrutura originária até à época moderna.
[…] as casas, os palácios, os edifícios públicos – formam uma série de recintos, e os
ambientes internos se debruçam sobre eles, não sobre o espaço externo. As praças
são recintos maiores - ágoras, foros, mercados – e não se confundem com as ruas,
que são corredores apenas suficientes para a passagem dos pedestres dos carros […].
(Benevolo, 1993, p. 225).
Em Lisboa, o antigo forum romano foi convertido em mesquita apesar da estrutura ter
sido parcialmente mantida e os elementos defensivos preservados e reforçados,
ficando a cidade restringida aos limites defensivos da cerca. As questões defensivas
assumem uma enorme importância na concepção da cidade no período muçulmano,
não só pela instabilidade que se instaurou na Europa após o declínio romano como
também pela riqueza inerente à mesma, associada ao grande domínio comercial,
marítimo e terrestre, dos povos árabes, que uniam o oriente com o ocidente.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
33
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 8 – Elemento decorativo de origem romana, presente na embasamento da torre sineira norte, da Sé de Lisboa,
onde antes se encontrava a mesquita islâmica e o fórum romano. (Ilustração nossa, 2015).
“A cidade se torna um organismo compacto, fechado por uma ou mais voltas de muros
que a diferenciam em vários recintos (o mais interno se chama medina).” (Benevolo,
1993, p. 226).
Nesta sociedade rural, que forma a base da organização política feudal, as cidades têm
um lugar marginal: não funcionam mais como centros administrativos, e em mínima
parte como centros de produção e de troca. Mas as estruturas físicas das cidades
romanas ainda estão de pé, e se tornam locais de refúgio; os grandes edifícios púbicos
da Antiguidade – termas, teatros, anfiteatros – se transformam em fortalezas; os muros
são mantidos com eficiência ou são reduzidos para defender uma parte limitada da
cidade, ligando entre si as bases fortificadas mais importantes. As igrejas cristãs
surgem muitas vezes no exterior, - perto das tumbas dos santos, que pelas leis
romanas não podiam ser sepultados na cidade […]. (Benevolo, 1993, p. 253).
Esta ideia da cidade romana muito estruturada e organizada que procura uma forma
regular não é exclusiva da cultura ocidental e é interessante comparar as duas
ilustrações que se seguem referentes à planta da cidade de Bagdad, que não fez parte
do Império Romano, e a do hieróglifo egípcio associado à palavra “cidade”. A
configuração é semelhante na construção da forma circular e nos anéis que
configuram a forma do corpo, sendo claramente assinalado o centro da circunferência
pelo edifício da mesquita, destacando-se assim da envolvente não edificada.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 9 – Planta da cidade circular de Bagdad, (Iraque),
em 762 d.C.. ([Adaptado a partir de: Benevolo, 1993).
Ilustração 10 – Hieróglifo egípcio que indica cidade. ([Adaptado a
partir de: Benevolo, 1993).
A cidade romana, então transformada em cidade muçulmana, sofreu transformações
que promovem grandes alterações internas e externas. Não só transformou cidades
em fortalezas grandemente protegidas e artilhadas, como também em lugares de
convergência – principalmente comercial. A localização estratégica de Lisboa permitiu
transformá-la num dos mais importantes portos intercontinentais, onde se uniam as
rotas do norte e sul da Europa e do norte de África. Esta localização previlegiada de
um porto protegido por uma baía relativamente perto do mar aberto, levou ao
crescimento das riquezas, do poder e da contribuição estratégica da manutenção da
presença muçulmana em toda a Península Ibérica.
A explicação para a deformação da estrutura urbana [geométrica] romana poder-se-á
dever à queda do Império e às sucessivas guerras entre tribos e povos. No caso de
cidades pouco destruídas, a deformação dever-se-á à excessiva concentração de
pessoas, indústrias e recursos nos núcleos urbanos, alterando a sua estrutura interna
procurando dar resposta às habitações necessárias para a população.
As novas instalações se adaptam com segurança ao ambiente natural entre as ruínas
do ambiente construído antigo, não respeitam nenhuma regra preconcebida, seguem
com indiferença as formas irregulares do terreno e as formas regulares dos
manufaturados romanos; enfim, apagam toda a diferença entre natureza e geometria,
isto é, deformam com pequenas irregularidades as linhas precisas dos monumentos e
das estradas antigas e simplificam as formas imprecisas da paisagem, marcando as
linhas gerais dos dorsos montanhosos, das enseadas, dos cursos de água. (Benevolo,
1993, p. 255).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 11 – Lisboa medieval, dentro das muralhas. ([Adaptado a partir de: Marques, Gonçalves, Andrade, 1990, p. 58 - 59).
[...] falta de espaço dentro do recinto perímetro amuralhado, dificuldades na obtenção
dos materiais de construção, levam a cidade medieval a utilizar os restos das antigas
cidades romanas: pedras de templos e edifícios. A sobreposição de traçados e de
construções realiza-se sem uma ordem predefinida e com pontos de apoio nos eixos
que ligam as cidades, estradas de passagem, portas das muralhas, pontes sobre os
rios, etc. Assim, a formação da cidade medieval vai processar-se organicamente por
desenvolvimento das antigas estruturas romanas ou pela fundação de cidades novas
organizadas segundo um plano regulador. (Lamas, 2011, p. 151).
“A nova cidade assim formada continua a crescer da mesma forma, e constrói outros
cinturões de muros cada vez mais amplos.” (Benevolo, 1993, p. 259).
A necessidade de construir novas casas e equipamentos levou a cidade a romper os
limites defensivos e a instabilidade territorial obrigou ao crescimento em forma de anel
– rodeado por cinturas amuralhadas que delimitam novos espaços – em torno do
núcleo central, mais antigo. No caso de Lisboa, temos como exemplo a cerca
Fernandina construída no reinado de D. Fernando I de Portugal, que ampliou
substancialmente o espaço circunscrito pelas muralhas, [mas também na cidade do
Porto]. A construção desta muralha criou dois novos lugares dentro dos limites físicos
da cidade: Alfama - a oriente e o vale da Baixa/Chiado – a ocidente. A forma urbana
transformou-se e a cidade ganhou o actual contorno ribeirinho por influência da
muralha que segue encostada, protegendo a cidade das ameaças externas [e do
próprio rio].
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Quase todas as cidades possuíam as suas defesas, compostas de muros, torres,
fossos e muralhas. As muralhas são o seu perímetro defensivo e, simultaneamente,
separação com o campo e o mundo rural. Por razões de espaço, a cidade concentra-se
até ser necessário alargar o seu limite e construir novas muralhas que englobam as
expansões. Assim se formam os anéis sucessivos de construções e de sistemas
defensivos. A muralha delimita a cidade e caracteriza a sua imagem e forma. (Lamas,
2011, p. 152).
A orientação da cultura medieval, que não tende a estabelecer modelos formais como
a cultura antiga, torna impossível uma descrição geral da forma da cidade. As cidades
medievais tem todas as formas possíveis, e se adaptam livremente a todas as
circunstâncias históricas e geográficas […]. (Benevolo, 1993, p. 269).
A cidade é reflexo do território e detém uma capacidade de adaptação extraordinária a
ele; a cidade medieval procura lugares com características peculiares, considerandoas uma mais-valia para a sua estrutura defensiva. A cidade medieval é prática,
funcional e muito organizada; totalmente distinta da de outros períodos, consegue
conferir um sentido de unidade facilmente detectável. Possui uma estrutura urbana
organizada: ao entrarmos num núcleo urbano medieval dificilmente nos desorientamos
pois existe uma relação aberta e clara entre as várias ruas e praças, muralhas,
topografia e os outros recursos necessários à sua subsistência.
As cidades medievais têm uma rede de ruas não menos irregular que a das cidades
muçulmanas. Porém, as ruas são organizadas de modo a formar um espaço unitário,
no qual sempre é possível orientar-se e ter uma ideia geral do bairro ou cidade.
(Benevolo,1993, p. 269).
A forma radioconcêntrica é objecto de numerosas especulações renascentistas que a
perfilham para o traçado da <cidade ideal>. a integração entre arquitectura e
urbanística existirá desde o inicio do Renascimento até ao século XIX. Todavia a
arquitectura absorve primeiro as novas ideias nas realizações, enquanto o urbanismo
se desenvolve apenas em termos teóricos, desde a concepção da cidade ideal aos
traçados de arquitectura e desenho de cidades. A aplicação dos princípios
renascentistas à urbanística foi condicionada pelo crescimento demográfico, e
transformações de renovação e intervenção no casco urbano. O tamanho contido da
cidade medieval não oferecia de início possibilidade de intervenções em grande escala.
[...] A urbanística renascentista vai de início manifestar-se em alguns campos
específicos: construção de sistemas de fortificações; modificação de zonas da cidade
com a criação de espaços públicos ou praças e arruamentos rectilíneos; reestruturação
de cidades pelo rasgamento de nova rede viária; construção de novos bairros e
expansões urbanas, utilizando quadrículas regulares (o Bairro Alto, em Lisboa).
(Lamas, 2011, p. 168).
A intervenção no período renascentista é mais pontual, resumindo-se a edifícios
singulares.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
37
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A cidade da renascença é fundamentalmente teórica, baseando-se num estudo
constante pela procura da cidade ideal. Os sucessivos ensaios desenvolvidos durante
o Renascimento e o Maneirismo nunca chegaram a ser implementados nas cidades,
porém, as estruturas defensivas acabaram por reflectir muito do que se escreveu e
desenhou: a utopia ganhou forma e expressão no campo militar com a evolução das
tecnologias de guerra:
Seria restritivo falar apenas de muralhas. A evolução das técnicas militares e a
generalização do canhão tornaram obsoletas as muralhas medievais. As estratégias de
defesa vão apoiar-se em muralhas e na distancia entre sistemas de fortificações e a
cidade que deveria obrigar o assaltante a parar antes que os seus canhões pudessem
atingir a cidade. […] a eficácia destes sistemas defensivos altera a estrutura urbana.
Enquanto a muralha medieval podia ser substituída em anéis concêntricos, o sistema
de fortificações renascentista é estático, custoso e pesado, impede o crescimento da
cidade e comprime-a, com consequências na elevação das densidades. (Lamas, 2011,
p. 172).
Ilustração 12 – A cidade ideal de Vitruvio, ilustrações concebidas a partir dos seus textos. ([Adaptado a partir de: Rosenau,
1988).
Se é interessante compararmos a ideia de forma da suposta cidade ideal que é
transversal a várias culturas, mas é ainda mais interessante constatar que as referidas
formas são sempre muito próximas: As várias ideias desenvolvem-se sempre em torno
das mesmas formas geométricas como a planta quadrada, circular, hexagonal ou
octogonal e são estruturadas pelos eixos cardiais ou a direcção do vento, procurando
também uma planificação interior regular e organizada em quadriculas ou convergindo
os acessos num ponto central, radialmente.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
38
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 13 – Três gravura com representações de Roma em diferentes períodos, produzidas em 1527, (da esquerda
para a direita), Roma quadrada como foi imaginada, Roma no tempo de Sérvio Túlio e Roma no tempo de Augusto.
([Adaptado a partir de: Benevolo, 1993, p. 138 - 139).
Ilustração 14 – Modelos de cidade ideal renascentista. ([Adaptado a partir de: Lamas, 1993).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
O Renascimento desenvolve-se com base nos conhecimentos e referências do
período clássico, reflectindo-se fortemente na pintura, escultura e arquitectura;
contudo a arquitectura da cidade e o urbanismo tem dificuldades em implementar
estes novos modelos. A cidade renascentista, de inspiração clássica, foi erigida sobre
a
cidade
muçulmana
e
medieval.
A
cidade
encontra-se
numa
realidade
completamente distinta, camadas sobre camadas, completamente integradas;
implementar os modelos renascentistas seria romper com a cidade existente. A livre
construção do modelo renascentista só seria possível em novos aglomerados, ou em
expansões de núcleos urbanos já existentes – incompatível com a ideia de estrutura
simétrica, regular e homogénea. No caso de Lisboa, o exemplo do Bairro Alto,
construído nesta época, é uma expansão e não um conjunto único isolado, [sendo
parte de um conjunto de malhas que constituía a cidade, independentemente de se
encontrar fora do recinto amuralhado]. Se o Renascimento e o Maneirismo se focaram
fundamentalmente na teoria e estudo da cidade, no Barroco ganha lugar a prática:
surge a cidade como campo de trabalho e estudo. No entanto, os acontecimentos de
1755 “arrasaram” a cidade e obrigaram-na a tomar uma direcção mais prática, lógica e
funcional, rompendo com os modelos barrocos.
O plano escolhido, de Eugénio dos Santos e Carlos Mardel, organiza ambas as
questões: traçado ao gosto da época, mais influenciado por um racionalismo iluminista
do que pela exuberância do Barroco; sistema de quarteirões que permite a operação
fundiária e a gestão financeira da reconstrução da cidade. A configuração do quarteirão
pombalino afasta-o do sistema utilizado na época: é estrito, quase um bloco edificado
com um <saguão> ou vazio interior. Para esta imagem, concorre também a
regularidade e repetição das fachadas, a estandardização de vãos e elementos
construtivos e a altura uniforme dos edifícios. […] raramente se terá obtido unidade tão
completa entre urbanismo e construção, entre cidade e arquitectura. O quarteirão da
Baixa Pombalina anuncia também as potencialidades do edifício-bloco, gerador da
malha urbana. Embora falte a sequência de exemplos que permita assegurar esta
interpretação, pode-se encontrar assimilação do quarteirão ao bloco num sentido de
modernidade que volta a surgir mais tarde no século XX. O quarteirão da Baixa é,
antes do mais, o elemento da composição urbana, no volume, cércea, dimensão e
estrutura arquitectónica, evidenciando a originalidade do plano de Eugénio dos Santos
e Carlos Mardel. (Lamas, 2011, p. 194).
As equipas de arquitectos e engenheiros que se concentraram no desenvolvimento de
propostas para a sua reconstrução elegeram os princípios iluministas, em oposição
aos modelos barrocos muito utilizados nas grandes cidades europeias nesta época.
Renasceu assim uma nova Lisboa organizada e estruturada segundo um plano,
ortogonal de quarteirões rectangulares sobre uma topografia regular.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
40
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A compressão das construções no interior dos perímetros fortificados torna-se
desnecessária e permite alterar o entendimento da cidade. Devido às necessidades de
consumo de solo pela industrialização e ao aumento demográfico, a cidade invade o
campo e alastra indiscriminadamente para fora das muralhas e fortificações. Uma
segunda etapa consiste na destruição das muralhas e aproveitamento da área
desocupada para a construção de anéis viários envolventes. (Lamas, 2011, p. 204).
Com a reconstrução da cidade boa parte dos limites defensivos da cidade foram
destruídos para serem utilizados nos aterros e na abertura de novas vias ou na
aplicação do novo plano pombalino. Nos bairros que sofreram intervenções menores
como o bairro de Alfama, a muralha é preservada ou devidamente incorporada. Pouco
a pouco os muros que não foram destruídos acabam por ser integrados e absorvidos
pela cidade e a construção apropria-se deles como alicerces dos novos edifícios.
Por outro lado, no resto da Europa os limites amuralhados começam a ser
questionados do ponto de vista da sua utilidade e das restrições à forma urbana; por
isso a cidade apropria-se desse espaço construindo vias de circulação e espaços
verdes ajardinados. Um dos grandes exemplos é o da cidade de Viena, na Áustria,
através do Ring de Viena. A cidade fortificada com o seu núcleo central está afastada
cerca de 600 metros do anel urbano que a envolve. Com a destruição deste anel
defensivo a cidade iniciou a construção de um outro anel – verde –, um cordão de
espaços ajardinados, espaços públicos e equipamentos que uniram a malha periférica
à malha central medieval.
A cidade <intramuros> prolonga-se pela cidade da periferia, sem descontinuidade
construtiva. Em lugar das muralhas, realizam-se avenidas, que facilitarão a circulação
em anel, e a construção de novos bairros. A cidade estende-se e fragmenta-se pelo
território envolvente; a periferia cresce como cintura habitacional e industrial. (Lamas,
2011, p. 206).
Em Lisboa com o fim dos limites defensivos e com os novos aterros a cidade ganhou
espaço e um lugar para a implantação de indústrias; novas fábricas concentram-se no
aterro da Boavista, entre a cidade e o porto, e em Alfama as naves industriais e os
armazéns pontuam a linha costeira, iniciando uma nova frente urbana da cidade,
sendo a frente ribeirinha estrategicamente ocupada.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
41
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 15 – A formação do Ring de Viena, Áustria. ([Adaptado a partir de: Lamas, 1993, p. 202).
“O crescimento rapidíssimo das cidades na época industrial produz a transformação
do núcleo anterior (que se torna o centro do novo organismo), e a formação, ao redor
deste núcleo, de uma nova faixa construída: a periferia.” (Benevolo, 1993, p.565).
A construção da periferia no período da revolução industrial apresenta um conjunto de
características muito interessantes de evolução da forma urbana: a indústria leva ao
aumento populacional dentro das grandes cidades que por sua vez se vêem obrigadas
a responder à escassez de espaços residenciais. A construção da periferia foi por isso
um reflexo da transformação da indústria na cidade e na sociedade.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
42
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Em Lisboa esta situação também é reconhecível em algumas partes da cidade, mais
próximas dos limites interiores como a Graça, ou no limite ribeirinho a norte da cidade:
Xabregas, Madre Deus, Beato, Marvila, ou a ocidente, em Alcântara.
Todos estes lugares correspondem à periferia da cidade nesta época e é interessante
constatar que parte desta realidade, presente na periferia, também existe na estreita
linha entre o núcleo central da cidade e o rio – como se a periferia circunscrevesse
toda a cidade – porém, apresentando dimensões inconstante que se adaptam ao
território disponível.
É interessante, por exemplo, verificar como em França ou em Portugal a separação da
composição urbana por sistemas independentes – com preponderância para o sistema
viário – tornará a engenharia de tráfego motor do planeamento, com os traçados de
vias antecedendo os traçados urbanos e dando papel condutor aos engenheiros em
detrimento dos arquitectos urbanistas. (Lamas, 2011, p. 300).
Com a construção dos caminhos-de-ferro que envolveram as estruturas urbanas de
quase todas as grandes cidades europeias, a forma urbana é novamente
condicionada pois o caminho actua como uma muralha ou um limite físico que corta
relações e quebra a continuidade entre os vários traçados urbanos, originando um
conjunto de separações no território.
A ferrovia lisboeta é extremamente estranguladora: a linha que liga Lisboa a Cascais e
a linha que liga a cidade ao restante território nacional [linha do Norte] limitam o
crescimento da cidade sobre o rio, destruindo boa parte das suas relações. É ainda
criada uma linha que envolve a cidade e que por necessidade de expansão
rapidamente é trespassada, não deixando de ser uma cicatriz aberta no tecido urbano.
O parágrafo anterior é um exemplo da realidade do último século em Lisboa onde as
redes de comunicação predominam sobre a estrutura urbana e são elas as
instigadoras do crescimento da cidade. A cidade junto à frente ribeirinha não é mais do
que um conjunto de redes e vias de comunicação, rodoviárias e viárias o que nos leva
a assumir que a cidade está esquecida e desvalorizada.
A comunicação entre partes é o motor da cidade e encontra-se focada nos modos de
vida fatigantes e que não pensam nas populações locais, esquecendo-se de si
mesma: o resultado é necessariamente a necrose do corpo e tecido urbano.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A cidade actual detém um conjunto de falhas que põem em causa a sua longevidade
e, em parte, a sua existência. Felizmente, hoje estes problemas estão detectados
Ultimamente têm surgido projectos que visam a regeneração urbana da cidade ou de
partes da cidade. Duas dessas propostas são abordadas nesta dissertação como
casos de estudo da frente ribeirinha que procuram responder aos problemas que há
muito se arrastam sem intervenção. Destas propostas evidencia-se a consciência do
valor histórico e da transformação que o tempo exerce sobre a cidade. Ao nos
debruçarmos sobre estes projectos, compreendemos melhor as várias fases da sua
evolução histórica e apercebemo-nos que a cidade se transforma pelo tempo, pelas
sociedades, civilizações dominantes, pelas necessidades do indivíduo e pela evolução
do conhecimento.
Existem inúmeros factores que nos levam a novas questões relevantes e a própria
história é um percurso de reflexão para a evolução onde importa compreender o
passado, e, no seu estudo, certamente encontraremos inúmeras ferramentas úteis que
nos possibilitam explorar a cidade de hoje.
As ilustrações que expressam a forma urbana e a sua evolução apresentam,
pontualmente, modos comuns, na concepção de cidade ideal/utópica. A partir desta
leitura é intrigante a questão da forma urbana e do desenho, apresentando uma
enorme relevância e importância no estudo da cidade, inclusive no modo como esta se
relaciona com o seu entorno. O desenho de cidade é assim um ponto importante que
não podemos ignorar e que complementa muita da informação desenvolvida na
síntese histórica porque a cidade também é a evolução do desenho, e representa um
ponto de partida quer na sua criação / construção, quer no presente estudo.
Essencialmente será também o reencontro com a História (incluindo nesta os seus
períodos mais recentes) na mais alargada reflexão sobre a cidade contemporânea e
futura, e dela extrair metodologias para o urbanismo e o desenho urbano. Continua a
ser necessário pensar cidade, investigando as formas disponíveis, as quais deverão
cobrir um leque muito vasto, desde o clássico, o barroco, o tradicional ao moderno, e –
por que não? – novas formas, a serem investigadas. […] O urbanismo tem de continuar
a interrogar-se sobre como se viverá amanhã na cidade, como enquadrar a vida de
uma população crescentemente urbanizada no interior de áreas crescentemente
construídas e como recuperar, manter e desenvolver a reconciliação do Homem com a
cidade e com o espaço urbano. (Lamas, 2011, p. 538).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
2.2. O DESENHO, A FORMA E A CONSTRUÇÃO DA CIDADE
Desde o início da formação académica do estudante de arquitectura que o desenho
lhe é apresentado como uma ferramenta fundamental para iniciar o processo de
aprendizagem: é o alicerce, a base e o método fundamental do conhecimento da
arquitectura, permitindo-nos explorar e pensar. O pensamento do estudante e do
arquitecto reflecte-se no desenho, que por sua vez é um reflexo do processo mental
de pensar a arquitectura.
O desenho expressa as intenções, as formas, os limites entre os espaços, as linhas
estruturais do pensamento e a visão tridimensional da mente sobre o papel, rebatida
sobre um plano bidimensional que rapidamente ganha profundidade com o evoluir do
pensamento e da exploração do traço ou da mancha. É deste modo que o plano
bidimensional obtém profundidade.
Uma das características mais notórias é a expressão e a liberdade do pensamento
contrárias à formatação da planta e do corte que correspondem a questões formais da
realização do pensamento: a construção. Desenhar arquitectura e cidade é
materializar o pensamento, a procura de soluções para questões que nos são
colocadas. O esquisso expressa-as num suporte próprio, que com frequência
responde a muito mais do que inicialmente nos questionámos.
Produzir arquitectura num contexto urbano é pensar “cidade”, e pensar na cidade é
pensar em território. Estas questões são claramente do domínio do desenho e é da
sua responsabilidade a programação, planeamento e construção – em particular das
relações entre arquitectura – cidade – território, conferindo-lhes unidade e
continuidade. Pensar a cidade através do desenho permite transformar linhas e
manchas em contornos, formas urbanas e morfologias, bem como construir os
elementos basilares do pensar e produzir a urbe. O desenho constitui-se como fio
condutor da organização do espaço. Na macro-escala é esta relação que instiga o
pensamento e planeamento territorial, assumindo-se como centro nevrálgico da sua
transformação.
Porém, a relação descrita não se verifica no contexto actual nacional, a arquitectura e
a cidade encontram-se bastante “desencontradas”, verificando-se nas várias fases de
construção, abstendo-se na planificação, estudo e organização do espaço urbano e de
possíveis estratégias territoriais.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Algumas das urbanizações construídas nos últimos anos – anteriores à crise
económica – nasceram, em parte da especulação imobiliária e do financiamento
descontrolado, e a arquitectura muito pouco interveio nestas situações: as estratégias
territoriais não foram tidas em conta e apenas interessou a valorização do solo para
poder construir e retirar lucro, esquecendo a sua morfologia, e as relações entre os
diferentes planos com a cidade pré-existente.
É necessário que o plano ultrapasse o objectivo de divisão cadastral do solo - de
loteamento - para se construir como um verdadeiro instrumento arquitectónico de
produção da cidade. O próprio plano morfológico contém na metodologia do desenho a
sua melhor defesa e eficácia. Não pode ser substituído aos poucos e continuamente.
Tem de formar um todo claro, legível e coerente, de fácil leitura e compreensão,
permitindo o controlo do crescimento urbano e a clara definição das regras de
integração de cada edifício. (Lamas, 2011, p. 540).
Tomando as palavras de José Lamas5, a cidade deve ser construída como um todo e
não pela divisão cadastral, embora a situação actual seja totalmente contrária: um
conjunto de pedaços sem relação entre si.
Mas a revalorização do desenho urbano implica também, como se viu, a preocupação
pela morfologia urbana, ou seja, que se considere os edifícios como partes
fundamentais da cidade, onde assumem o seu pleno significado, e que o projecto
edifício comece no <desenho da cidade>. (Lamas, 2011, p. 536).
Por outro lado, Lamas realça aspectos importantes que qualquer arquitecto deve
considerar no desenho urbano e nas relações entre o edificado, nomeadamente no
edifício que dá corpo à morfologia urbana, enquanto célula que em conjunto com as
restantes poderá construir o todo.
Para além do exposto, também as relações sociais são fortes construtoras de
comunicações entre as partes, permitindo cimentar as diferentes malhas que dão
forma à cidade.
Relembramos ainda que a cidade é a maior estrutura de habitar humana e o palco da
vida citadina e da evolução do indivíduo.
5
José Manuel Ressano Garcia Lamas (Lisboa 1948 - 2003), arquitecto português licenciado pela
ESBAL em 1972, doutorado em Urbanismo pelo Institut Regional d’ Aix en Provence em 1975. Foi
docente na Universidade Técnica de Lisboa e professor catedrático em 1998, onde em 1990 concluiu um
doutoramento em Planeamento Urbanístico. Durante a sua carreira profissional foi distinguido em 1998
com um Prémio Especial de Mérito- no Concurso Europeu de Urbanismo da C.E. Conselho Europeu de
Urbanistas, e em 2003 o prémio A Pedra na Arquitectura, Prémio Nacional de Arquitectura Alexandre
Herculano da Associação Portuguesa de Municípios com Centro Histórico.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A nossa revisão começa no conceito de que a cidade designa um conceito de habitat
que potencia a comunicação e a colaboração, a troca se se quiser, e se é estrutural a
relação entre cidade social e cidade arquitectural, não poderá a cidade ser traduzida
por um conjunto de partes mas sim por um conjunto de relações entre partes. (Portas,
2007, p. 128).
Nuno Portas6 reforça a ideia de cidade como um conjunto de partes afirmando que se
relacionam entre si, colaborando e comunicando dentro de um habitat ou mesmo
organismo habitável e que vive destas relações entre a arquitectura e a sociedade,
sendo de facto as características que unem e dão vida ao espaço urbano.
Contudo, consideramos necessário compreender que construir a cidade não é
somente um domínio da forma e do desenho: a cidade é uma estrutura onde se
desenrolam relações que devem ser tidas em consideração no momento em que se
põe em prática o desenho urbano.Deste modo, o desenho deve reflectir a unidade
entre as relações pessoais e o quotidiano, e ao mesmo tempo estar consciente da
movimentação do corpo no espaço e das suas ligações e comunicações.
Terá de ensaiar-se um novo conceito de estrutura, unificador não pela uniformidade ou
repetição, e muito menos pela vontade de forma total, mas como sistema aberto de
relações que se concretiza, como aponta Blasi, como hipótese morfológica apenas
designável, porque receptiva às contribuições de arquitectura e que só por estas ganha
forma desenhável. (Portas, 2007, p. 189).
Iniciamos assim uma nova ideia: a questão da relação social e do quotidiano; um tema
importantíssimo ao qual lhe dedicaremos um subcapítulo, dentro deste capítulo.
Ora se não é um problema de estética que aqui está em causa mas antes a qualidade
urbana, ou seja a expressão em espaço da vida quotidiana, então teremos de inverter
o processo, partindo da vida associada, das relações sociais, da experiência dos
indivíduos, a seguir, por hipótese, desde a alcova à sala de aula e à oficina, do
encontro na paragem de autocarro ao convívio no café, à experiencia teatral no clube
recreativo - e certamente que uma ou outra cidade renasce, a partir de dentro, e se
estrutura (isto é, tece-se de relações entre as coisas, não de coisas) recuperando uma
personalização perdida, pela contiguidade dos espaços habitáveis, canalizados ou
largos; verticais ou horizontais; internos, semiexteriores ou exteriores, privados ou
públicos. (Portas, 2007, p. 188).
Retomando as ideias expostas anteriormente e de acordo com o que está expresso na
citação anterior, o espaço provém da relação entre um conjunto de coisas isoladas, é
6
Nuno Rodrigo Martins Portas (Vila Viçosa, 1934), arquitecto português licenciado pela Escola Superior
de Belas-Artes do Porto em 1959, colaborando ainda durante a sua formação acadêmica com o arquitecto
Nuno Teotónio Pereira. Professor catedrátic desde 1989, lecionou em várias universidades tasi como a
escola Técnica Superior de Barcelona, Politécnico de Milão, Universidade federal do Rio de Janeiro. Fez
parte do programa Serviço Ambulatório de Apoio Local, também conhecido por SAAL.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
47
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
por isso fulcral ver a cidade como um todo, um conjunto de relações entre espaços e
de coisas que se relacionam e percutem mais relações. Podemos afirmar que a cidade
é um conjunto de elementos que interagem. As novas propostas urbanas devem
associar-se às estruturas que já existem conferindo continuidade ao espaço urbano e
conciliando e integrando as linhas que dão forma às diferentes partes – ou seja,
construindo uma forma urbana homogénea, comunicável e sem fronteiras.
Se pelo lado da mentalidade neomaquinista aquele tubo subterrâneo é hoje
formalmente assimilado a outras condutas, tal como uma estrutura de células de
habitação se assimila à macro-estrutura de toda uma cidade, assim também pelo lado
da arquitectura-conformação-do-espaço, estruturas e infra-estruturas não podem
continuar independentes, terão de estar co-presentes no processo de desenho do que,
uma vez construído e usado, é contínuo espacial... ou jamais resultará <cidade>. E
assim se concretizará mais a ideia- base deste ensaio: a unidade de composição não é
o <edifício+a rua>, mas contínuos ambientais significativos postos como propostas em
diálogo (em relação, ou seja, re-estruturantes) com a zona e a cidade existentes em
que constituem intromissão e emergência. (Portas, 2007, p. 189).
Nuno Portas remata esta ideia com um conjunto de afirmações muito interessantes
que reflectem a necessidade de interdependência entre as infra-estruturas e as
estruturas e da necessidade das partes colaborarem entre si, de modo a criarem
ambientes contínuos que permitam diálogos entre as distintas zonas que constituem a
cidade, mas também a relação edifício - rua é certamente importante – ainda que
sozinha de pouco valha, é necessário que esta esteja inserida numa estratégia maior:
à escala do bairro e da cidade.
Certo é que a simples existência de duas construções em proximidade é suficiente
para que se estabeleçam relações visuais, estéticas e ambientais que são o domínio
da arquitectura. Como conclusão fundamental, devo afirmar que a produção da cidade
e do território são do domínio arquitectónico, num processo que deveria ser liderado
pelo desenho, desde as fases de programação e planeamento até à realização das
construções. O desenho significa a unidade do método arquitectónico, sem o qual não
poderá existir verdadeira criação de espaços urbanos ou transformações qualitativas
do território. Para além do seu contributo específico como disciplina criativa, a
arquitectura assegurará a continuidade entre os vários escalões de organização do
território e níveis de produção do espaço. (Lamas, 2011, p. 535).
O parágrafo anterior funciona como uma síntese daquilo que se referiu neste subcapítulo: o desenho enquanto ferramenta fundamental da produção de cidade,
devendo estar presente em todas as fases de projecto como sendo o método que
conduz à unidade e o criador de espaço, de cidade e de território. Não só se expressa
pela criatividade mas também pela capacidade de organizar e estruturar tudo quanto
por si é originado. Se as cidades podem ser consideradas estruturas extraordinárias
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
48
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
que simulam uma natureza ou mundo reinterpretado pelo Homem, muito se deverá ao
desenho e à sua capacidade criadora – e qualidade – muitas vezes menosprezadas
por outras áreas e actividades, que por sua vez se apresentam limitadas na
compreensão das suas valências.
As cidades são um imenso laboratório de tentativas e erro, fracasso e sucesso, em
termos de construção e de desenho urbano. É nesse laboratório que o planeamento
urbano deveria aprender, elaborar e testar suas teorias. Ao contrario, os especialistas e
os professores dessa disciplina (se é que ela pode ser assim chamada) tem ignorado o
estudo do sucesso e do fracasso na vida real, não têm tido curiosidade a respeito das
razões do sucesso inesperado e pautam-se por princípios derivados do comportamento
e da aparência de cidades, subúrbios, sanatórios de tuberculose, feiras e cidades
imaginarias perfeitas- qualquer coisa que não as cidades reais. (Jacobs, 2000, p. 5).
A ideia de laboratório experimental é interessante, no sentido em que o desenho é o
método principal do seu desenvolvimento. A aplicação destes modelos desenvolvidos
permite verificar as suas potencialidades e as respostas aos problemas previamente
identificados. Outra das questões relevantes dentro desta necessidade de o
pensamento ser explorado através do desenho e da necessidade de desenhar o
espaço, está relacionada com o condicionamento, muitas vezes implícito, que o
desenho da forma e do já referido espaço incute no modo como o vivenciamos e
habitamos.
Não podemos por isso dissociar o desenho da função e do uso, quer seja uma peça
mecânica ou uma praça no meio de um aglomerado urbano por consolidar.
Concordamos que desenhar cidade é desenhar um espaço que pressupõe ser
vivenciado e habitado, todos os dias do anos – quer chova ou faça sol. Desassociar o
uso e a funcionalidade do desenho urbano é alcançar a inutilidade pois uma cidade
inútil não é uma cidade sequer, é um esforço humano desnecessário, que
normalmente tem um “preço” elevado, porque perdura até a própria natureza reclamar
para si aquilo que lhe foi retirado – situação que normalmente tende a demorar – e até
lá só nos resta contemplar, pacientemente, a futura ruína por nós criada.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
2.3. USO E VIVÊNCIA DA CIDADE
Um dos motivos que nos levou a escrever sobre os usos e o modo como vivemos e
nos apropriamos do espaço urbano advém de um conjunto ideias e questões
levantadas ao ler a obra de Jane Jacobs7 intitulada na versão original The Death and
Life of Great American Cities, na versão portuguesa com o título Morte e Vida de
Grandes Cidades. Esta obra publicada em 1961 contínua actual, apresentando uma
série de críticas ao modo como são planeadas as cidades e às suas deficiências
organizativas e estruturais; porém, uma das críticas que mais nos interessou foi o
modo como foi feita a apropriação do espaço urbano, o modo como o vivemos e as
débeis leituras da utilização do mesmo que resultam em modelos absolutamente
disfuncionais.
É a função, o uso, a interacção entre os espaços e o modo como as populações o
vivem
que
pretendemos
explorar,
desenvolvendo
essas
mesmas
ideias,
contextualizando-as com a realidade presente nas áreas de estudo desta dissertação.
Uma das características que ressalta na área de estudo compreendida entre Santa
Apolónia e a Boavista está relacionada com a desertificação e o abandono de
inúmeros imóveis. Jacobs reflecte várias vezes sobre estas questões relacionadas
com os problemas locais dos próprios bairros que excluem a população, perdem
atractividade e repelem a fixação de novos residentes.
O sentimentalismo suscita atitudes açucaradas, em vez de bom senso. Um bairro bemsucedido é aquele que se mantém razoavelmente em dia com os seus problemas, de
modo a que eles não o destruam. Um bairro malsucedido é aquele que se encontra
sobrecarregado de deficiências e problemas e cada vez mais inerte diante deles.
(Jacobs, 2000, p. 123).
Durante muito tempo os bairros centrais de Lisboa apresentaram-se inadaptados à
realidade industrial e tecnológica das épocas posteriores às suas construções; com o
aumento do número de veículos automóveis, o incentivo ao consumo e a maior
acessibilidade a esta tecnologia, estes bairros tornaram-se incompatíveis com a
realidade tecnológica.
7
Jane Jacobs (1916-2006), escritora nascida nos EUA, foi a autora de uma das mais importantes
publicações criticas de arquitectura publicada na decada de 60, intitulada na versão original The Death
and Life of Great American Cities, (A Morte e Vida das Grandes Cidades Americanas). Esta obra
apresenta fortes criticas ao planeamento urbano modernista, em especial é sectorização dos usos dentro
da cidade, que considerava que levavam à destruição do espaço urbano.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
50
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
As populações mais jovens abandonaram estes bairros não só pela ausência de um
lugar de estacionamento junto à porta mas também pela sedutora ideia de um
apartamento maior, com “belas” marquises, dois lugares de garagem e um centro
comercial a menos de cinco minutos de distância de automóvel.
Os bairros ribeirinhos e centrais da cidade não souberam responder às exigências das
populações mais jovens e as políticas municipais pouco intervieram para atenuar
essas debilidades. Tal como referiu Jacobs, os políticos não souberam responder aos
problemas existentes, a população jovem saiu e ficou a mais envelhecida, habituada a
determinado estilo de vida anterior à revolução tecnológica e social das últimas
décadas.
Permanecendo a população envelhecida e deslocando-se a população jovem o futuro
será a desertificação, pois não existe qualquer tipo de renovação das gerações.
Por exemplo, numa sociedade fechada, numa sociedade tecnologicamente limitada ou
numa sociedade reprimida, tanto a necessidade profunda quanto a tradição e os
costumes podem impor a todos uma seleção disciplinada de propósitos e materiais,
uma disciplina consensual sobre o que esses materiais pedem de seus organizadores
e um controle disciplinado das formas assim criadas. (Jacobs, 2000, p. 416).
Durante um período de repressão, a ausência de alternativas leva a população a
acomodar-se. Com a alteração dos regimes e com a explosão de novas ideias, a
população sobe a fasquia, luta e procura melhorias substanciais das suas condições
de vida. Por outro lado, a opressão e o condicionamento obriga à reinvenção e
adaptação das mesmas estruturas urbanas, que chegaram até hoje apresentando-se
como uma das mais consolidadas da cidade de Lisboa – como é o caso do bairro de
Alfama. Este condicionamento não foi simplesmente político e administrativo, mas
também foi um condicionamento físico, com o rio e, posteriormente, as muralhas.
Gerações sucessivas ambicionaram melhores condições de vida e a ausência de
respostas ou soluções levaram ao abandono e ao estado actual em que se encontram.
Ao lidarmos com as cidades, estamos lidando com a vida em seu aspecto mais
complexo e intenso. Por isso, há uma limitação estética fundamental no que pode ser
feito com as cidades: uma cidade não pode ser uma obra de arte.
Precisamos da arte, tanto na organização das cidades quanto em outras esferas da
vida, para ajudar a explicar a vida para nós, para mostrar-mos seus significados,
esclarecer a interação entre a vida de cada um de nós e a vida ao nosso redor. Talvez
precisemos mais da arte para nos reassegurarmos de nossa humanidade. Todavia,
embora a arte e vida estejam entrelaçadas, elas não são a mesma coisa.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A confusão sobre elas é, em parte, a razão de as iniciativas do planeamento urbano
serem tão decepcionantes. É importante desfazer essa confusão para obter melhores
táticas e estratégias de desenho urbano. (Jacobs, 2000, p. 415).
Hoje assistimos à alteração das ideias e constatamos a realidade presente nestes
bairros. Existe uma preocupação generalizada em resolver estas questões e colocar
em prática algumas soluções debatidas nos últimos tempos. Actualmente estamos a
vender as deslumbrantes vistas da cidade, atraindo população turista através de
postais e cartões de visita, pois descobrimos que conseguimos fazer dinheiro e
rentabilizar os bairros entregando-os ao turismo, mas isto não resolve o problema –
simplesmente o remedeia.
“Encara a cidade, ou mesmo um bairro, como se fosse um problema arquitectónico
mais amplo, passível de adquirir ordem por meio de sua transformação numa obra de
arte disciplinada é cometer o erro de tentar substituir a vida pela arte”. (Jacobs, 2000,
p. 416).
Como afirma Jacobs, a cidade não pode ser uma obra de arte; no entanto é essa obra
de arte que está a ser vendida ao turista, que acaba por ser única e exclusivamente
vivida por ele e à noite está morta, com excepção dos lugares com atracções
nocturnas, que entram em conflito com a pouca população residente. As estratégias
estão completamente desarticuladas, mal direccionadas e confusas até, com usos
incompatíveis – e pior do que a incompatibilidade só mesmo um lugar monofuncional,
que é o motor da completa destruição.
“As intricadas combinações de usos diversos nas cidades não são uma forma de caos.
Ao contrário, representam uma forma de organização complexa e altamente
desenvolvida.” (Jacobs, 2000, p. 245).
Um bom exemplo é a Praça do Comércio, que durante décadas esteve totalmente
entregue aos Ministérios, funcionando como mega estrutura de escritórios e serviços
da governação e gestão do Estado português. A praça chegou a ser um parque de
estacionamento – tal como o Rossio – e mais tarde, com a interdição automóvel,
passou a ser o maior deserto urbano da cidade de Lisboa: um espaço de
atravessamento e ligação entre a estação de metro da Baixa-Chiado, os eléctricos e
as estações fluviais. Nos últimos tempos essa realidade transformou-se radicalmente
com a interdição do automóvel em algumas das ruas do entorno da praça, e com a
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
52
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
rentabilização de inúmeros espaços dos pisos térreos dos vários ministérios para a
restauração, que permitiram fixar a população e usufruir deste extraordinário espaço.
Este é um dos exemplos que justifica a combinação de vários usos e que revitaliza as
várias partes da cidade. O que tem acontecido ultimamente por toda a frente ribeirinha
é um investimento focalizado na indústria do turismo que aparentemente resolve a
questão da atractividade; o problema é que durante determinados períodos em que o
turismo é menor – ou pela noite, a cidade volta a morrer. Lisboa vive desta
sazonalidade e de um fôlego momentâneo que rapidamente se perde.
Pontualmente encontramos no bairro de Alfama pequenos núcleos a sofrer
intervenções de requalificação e reconversão; podem muito bem ser estas pequenas
intervenções as tão necessárias soluções que contaminam, de um modo positivo, o
seu entorno.
É importante não esquecer os erros do passado e preservar a cidade mas não ter
medo de manter esta amálgama de usos que alimenta a vivacidade do espaço urbano.
É necessária gente, população fixa de várias gerações que permita uma sustentável
renovação. Mas esta gente não vive do ar, não come pedra, necessita de cafés,
restaurantes, mercearias, talhos, escritórios e habitações. A cidade precisa de tudo
isto, a diferença é que estes usos devem conviver simultaneamente nos mesmos
lugares e refutar a ideia de zonas exclusivas, pois isso leva à sectorização da cidade e
dá origem a uma estrutura urbana desinteressante, pouco atractiva e futuramente
apática e disfuncional.
A questão da sectorização está presente em qualquer cidade e ao existirem divisões e
transições é normal que certas actividades estejam restritas a determinados
perímetros urbanos. Pretendemos clarificar que a cidade não deverá ser simplesmente
um aglomerado de sectores preconcebidos através das actividades a que se
destinam. A cidade vive deste equilíbrio entre os excessos e é normal que a estrutura
industrial esteja concentrada e delimitada, tal como a portuária, mas isso não significa
que cidades que apresentem estas características sejam desinteressantes. Muitas das
vezes estes sectores são fundamentais e relevantes na construção e configuração da
forma da cidade, determinando o seu limite “provisório”. Estes limites são construtores
de formas e normalmente estão associados a usos específicos da construção e
sustentação do núcleo urbano interior.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
53
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
2.4. LIMITE E FRONTEIRA DA CIDADE
O presente capítulo, procura compreender a fronteira urbana junto ao principal limite
físico da cidade de Lisboa. É francamente importante estudar esta relação entre a
cidade e o limite de modo a entender como as estruturas urbanas se modificam e
adaptam quando confrontadas com topografias complexas que se constituem como
fortes condicionantes da forma urbana.
Podemos afirmar que o limite e a forma urbana são conceitos muito próximos, de
relações estreitas, e no caso de Lisboa que tem o rio Tejo como o principal construtor
da linha que dá forma ao perfil ribeirinho.
Em primeiro lugar, é importante perceber a forte relação entre a cidade e o meio onde
se insere: os limites geográficos são os principais condicionadores da implantação e a
sucessiva construção – não esquecendo também a própria identidade – induzindo de
imediato a constituição dos limites e basilando o lugar onde a cidade está inserida.
As cidades integradas sobre territórios topograficamente muito complexos apresentam
duas características muito interessantes e inconfundíveis – situação que não é fácil
encontrar em cidades planas e praticamente intermináveis onde o limite se estende
sobre o território. A noção de limite e de fronteira destaca-se em cidades como Lisboa,
o limite restringe a construção do corpo urbano, circundando-a, e a fronteira
compreende um limite muito mais abrangente e distante, que define e delimita um
território maior sob a influência da cidade.
Na prática: como é possível identificar limites e fronteiras? Os limites e fronteiras vãose alterando com o crescimento e evolução da cidade. Inicialmente, a cidade e os
seus limites restringiam-se à colina do castelo e a fronteira às colinas mais próximas
da colina principal, por isso a outra margem certamente que representa um território
para lá da fronteira. Durante grande parte da existência da cidade de Lisboa e até
meados do século XX, os limites estiveram configurados pelo rio e pelas colinas e as
fronteiras, a norte da cidade, pela cintura de montanhas da serra de Sintra, Mafra,
Torres Vedras, Sobral de Monte Agraço e Arruda dos Vinhos ou a sul da cidade, pela
serra de Arrábida e pelo cabo Espichel.
Uma cidade é antes de mais uma ocorrência emocionante no meio-ambiente. Senão,
atente-se na pesquisa e nos esforços despendidos para se tornarem uma realidade:
contingentes de demógrafos, sociólogos, engenheiros, peritos de tráfego, etc.,
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
54
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
empenhados no concerto de uma infinidade de factores que possibilite a criação de
uma organização funcional, viável e saudável. É um tremendo empreendimento
humano! Porém, se ao cabo de todo este esforço a cidade se apresenta monótona,
incaracterística ou amorfa, ela não cumpre a sua missão. É um fracasso. É como
empilhar lenha para uma fogueira e esquecer de lhe deitar fogo. (Cullen, 1971, p. 10).
A relação entre os limites da cidade e a sua fronteira permite identificar uma série de
factores para além da sua dimensão como a influência, a vitalidade e a capacidade de
subsistência
e
regeneração,
bem
como
as
premissas
de
crescimento
e
desenvolvimento da mesma no futuro. Os limites e fronteiras também nos remetem
para a atracção, isto é, para a atractividade gerada pela cidade, quer de pessoas,
turistas, residentes, operários, trabalhadores e fornecedores, como também de
actividades, serviços, bens, recursos e infraestruturas.
Este território para lá dos limites, definido pela fronteira, é um reflexo da estabilidade e
da regeneração desta mega-estrutura de habitar e é necessário ver para lá do
construído e compreender o esforço, a movimentação de recursos e de gente, bem
como de conhecimentos necessários para manter esta realidade.
O estudo destas relações permite identificar a viabilidade, saúde e funcionalidade da
cidade, e são estes factores que permitem que estas se estendam no tempo e
perdurem. Por outro lado, a falta de interesse e de valor conduzem à desertificação.
Os limites são simultaneamente construtores de cidades: um reflexo da dimensão,
poder e capacidade da mesma, obrigando-a a concentrar-se sobre si mesma e [re]
inventar-se. As cidades são mais do que aglomerados de construção pois são
estruturas habitáveis muito variadas que se adaptam. Os limites, quer sejam muralhas,
serras ou rios, são elementos que condicionam o crescimento “fácil” e monótono.
O fenômeno das zonas de fronteiras desertas desnorteia os planeadores urbanos,
especialmente aqueles que sinceramente prezam a vitalidade e a variedade urbana e
detestam tanto a apatia quanto uma expressão indefinida. As fronteiras, argumentam
eles, às vezes são um recurso viável para aumentar a intensidade e dar à cidade uma
forma clara, nítida, como aparentemente faziam as muralhas das cidades medievais. É
uma ideia plausível, porque certas fronteiras sem dúvida servem para concentrar e,
portanto intensificar áreas urbanas. Os cursos d’água de São Francisco e de
Manhattan fizeram isso. (Jacobs, 2000, p. 290 e 291).
Centremo-nos agora no limite ribeirinho – que é o grande tema desta dissertação, na
relação entre a cidade e a água, tendo em consideração o rio que corta o território
com uma incisão perfeita, junto à qual muitas outras cidades foram erguidas.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
É interesante constatar que muitas das grandes cidades – e outras de menor
dimensão mas igualmente importantissímas – na História da humanidade estão
localizadas junto de rios que restringem imenso a construção das mesmas mas que
por outro lado fornecem um conjunto de vantagens substanciais que justificam a sua
localização e concentração.
Esta relação entre a cidade e o limite-rio está restringida a uma linha que separa o
universo material construído, de fluidez incontrolável e que mais do que uma linha
física é uma fronteira que divide ambientes e atmosferas diferentes mas que se
completam.
À beira de um precipício de 150 metros tem-se uma percepção de localização bem
definida enquanto no fundo de uma caverna se experimenta certamente uma sensação
de clausura. Uma vez que o nosso corpo tem hábito de se relacionar instintiva e
continuamente com o meio-ambiente, o sentido de localização não pode ser ignorado e
entra, forçosamente em linha de conta na planificação do ambiente (tal como para o
fotógrafo qualquer fonte de luz, por mais inoportuna que seja). (Cullen, 1971, p. 11).
Esta questão do posicionamento é fundamental na fundação da cidade: uma
estratégia de localização que com o tempo cresce e entra em confrontação com o
limite-rio, originando uma relação extraordinária que evita o conflito, procura a
integração e a distinção de ambientes – as realidades estão claras e diferenciadas,
“aqui” termina a cidade e “aqui” começa o rio.
[…] a própria constituição da cidade: a sua cor, textura, escala, o seu estilo, a sua
natureza, a sua personalidade e tudo o que a individualiza. Se se considerar que a
maior parte das cidades é de fundação antiga, apresentando na sua morfologia provas
dos diferentes períodos de construção patentes nos diferentes estilos arquitectónicos e
nas irregularidades do traçado, é natural que evidenciem uma amálgama de materiais,
de estilos e de escalas. (Cullen, 1971, p. 13).
Se por um lado o nosso corpo percepciona de imediato a diferenciação de dois
ambientes junto ao limite ribeirinho, a actuação na construção da cidade é totalmente
diferente, procurando integrar ou aproximar as duas realidades através da estrutura da
malha urbana, do espaço, dos enfiamentos visuais dos materiais e texturas.
“O mesmo se pode dizer de um indivíduo num cais, só que para este a tensão
principal estará concentrada na linha de demarcação entre terra e água.” (Cullen,
1971, p. 193).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Muitas vezes nem reparamos na composição das construções mais próximas do rio
mas os edifícios apresentam características distintas dos que estão em segunda linha
pois variadas vezes os materiais estão adequados às condições climatéricas com
embasamentos em pedra – mais resistentes, muros reforçados com contrafortes e
rampas alternadas com escadas que dão continuidade e unem as ruas ao rio. Esta
realidade foi construída durante milénios, com diferentes conhecimentos construtivos e
estilos; porém, conscientemente ou não, foram sendo desenvolvidas as mesmas
ideias e conceitos apesar das respostas e características distintas em diferentes
épocas.
Contudo tem-se a sensação de que, se fosse possível reconstruí-la por inteiro se faria
desaparecer toda a confusão e surgiriam cidades novas mais belas e mais perfeitas.
Criar-se-ia um quadro ordenado, arruamentos de traçados direitos e edifícios de alturas
e estilos concordantes. Se houvesse inteira liberdade de acção provavelmente criar-seia simetria, equilíbrio, perfeição, concordância, convencionalismo. (Cullen, 1971, p.
113).
A citação anterior confirma o que dissemos em relação à construção da cidade junto à
frente ribeirinha em diferentes épocas e é a ideia que muitas vezes temos em relação
à construção por inteiro de uma determinada frente da cidade. Porém, começa com a
expressão “Contudo tem-se a sensação de que,[...]”, e é simplesmente isso: uma
simples sensação; até porque a frente ribeirinha de Lisboa provavelmente não seria
melhor caso fosse reconstruída na sua totalidade. O que existe é uma sucessiva
construção e reconstrução ao longo do tempo, muito consolidada, pensada, adequada
à realidade existente e que não precisa de grandes alterações. As modificações
necessárias estão nas áreas não-consolidadas, sobre as plataformas construídas
sobre o rio e que nunca foram devidamente integradas. Esta frente construída é a
principal construtora da identidade local, que sempre esteve fortemente relacionada
com a água, o rio e as suas actividades – hoje perdidas, não só pela distância como
também pela falta de atractividade e pelas restrições legisladas nos últimos tempos.
Esta oportunidade surge mais facilmente em relação à cidade, por exemplo uma cidade
tipicamente marítima, em que as linhas de força têm uma relação óbvia e imediata com
as linhas de demarcação no sentido geográfico. A verdadeira raizon d’ être da cidade
costeira é a linha ao longo da qual se encontram terra e água, e isso explicará talvez
que nas cidades costeiras a personalidade resista melhor do que em quaisquer outras.
(Cullen, 1971, p. 113).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
É incrível como essa identidade se mantém na relação do casario com o rio e talvez
esta situação seja explicada com as palavras de Gordon Cullen8, nesta relação da
linha entre a terra e a água onde reside a força da cidade e desta identidade forte que
se reflecte na sua construção que perdura no tempo, mesmo que o rio ou o mar
seque.
A água fornece-nos o exemplo mais óbvio, porque a transição entre esta e a terra
constitui o maior contraste psicológico. Cidades à beira-mar deveriam viver sobre o
mar, no sentido em que a presença visível do oceano deveria ser apreensível do maior
número possível de locais na cidade (o que não significam horizonte permanente
coberto de água, mas talvez o brilho da reminiscência, ou a indicação do abismo, ao
fundo de uma rua). Para a cidade do litoral, o mar é a sua razão de ser, e mesmo
quando os seus habitantes vivem em casinhas aconchegadas com o seu aparelho de
rádio, como qualquer família do interior, nunca é uma cidade do interior; encontrar-se à
beira do abismo, face a um horizonte constante mas enigmático. (Cullen, 1971, p. 192).
É interessante como as cidades se aproximam da água sempre que possível, não só
pela necessidade, mas também por aquilo que representa: uma riqueza única e um
bem essencial mas também a serenidade, a tranquilidade ou algo primitivo que nos
acalma. O contraste entre a terra e o mar foi o principal responsável pela construção
desta cidade e de tantas outras que pouco a pouco se sobrepuseram sobre a água – a
relação entre elas é muito forte, quiçá inseparável, pois a cidade vive no limite, vive o
limite e negar essa realidade é negar a sua identidade e condená-la ao fracasso.
O limite é simultaneamente um elemento construtor da cidade de real importância e o
seu estudo aumenta o nosso conhecimento da sua evolução, o papel que representa
na definição da mesma e na sua capacidade de se reinventar e adaptar. Mergulhando
no passado através do conhecimento e informações rigorosas, é possível construir
uma ideia sobre a transformação da cidade e dos seus limites. Deve por isso o estudo
da sua evolução assumir-se como uma peça relevante do seu planeamento e exigir
especial atenção por parte de quem cria cidade, desenha, planeia e constrói.
8
Gordon Cullen (1914-1994), arquitecto inglês, foi um dos grandes impulsionadores do movimento das
Cityscpaes, (paisagens urbanas), publicando obras nesse sentido como o libro citado nesta dissertação
Paisagem Urbana. Formando pela Universidade de Westminster, em 1972 foi eleito membro honorário do
Royal Institute of British Architects, galardoado com inúmeros prémios por diversas instituições como o
Royal Designers for Industry em 1975, pelo American Institute of Architects em 1976, e em 1978 pela
rainha Isabel II, com a Order of the British Empire, pelos enormes contributos para a arquitectura,
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
2.5. ESTUDO DAS CARTAS E LEVANTAMENTOS DA CIDADE
Um dos principais trabalhos desenvolvidos nesta dissertação centra-se no estudo dos
levantamentos rigorosos da cidade de Lisboa. É importante compreender essa
evolução através de instrumentos disponíveis onde possamos estudar e compreender
melhor a evolução desta cidade. Inicialmente, foram recolhidas as várias plantas e
documentos que representam a cidade com informações rigorosas e à escala, onde
mais tarde foram seleccionados de um modo criterioso com o objectivo de compor
uma linha cronológica da evolução urbana da frente ribeirinha através do seu
desenho, com as mesmas referências e escalas, sobrepondo por fim as várias peças
para facilitar e melhor compreender a evolução em diferentes momentos da frente da
cidade. O objectivo da criação destas peças deve-se à necessidade de ter uma base
limpa onde possamos rapidamente encontrar a informação essencial e de modo
sintetizado acerca da evolução da frente ribeirinha, para possíveis estudos futuros: um
documento que sintetize a evolução urbana da cidade desde o período moderno até à
cidade actual planeada e pensada para os próximos anos. Este subcapítulo pretende
resumir a pesquisa desenvolvida a partir da procura das informações relativas à
evolução da cidade, concluindo com a apresentação das várias plantas onde se pode
compreender a cronologia da evolução urbana da frente ribeirinha de Lisboa entre
Santa Apolónia e a Boavista, desde 1650 até à actualidade.
Levantamento de 1650 – Tinoco
João Nunes Tinoco9 foi o responsável pelo primeiro levantamento e execução da
primeira planta da antiga cidade de Lisboa no ano de 1650, tendo sido esta concebida
à escala 1:26000. O levantamento foi encomendado no reinado do rei D. João IV [1º
rei da 4ª dinastia], sendo este documento fundamental para o reconhecimento das
estruturas defensivas e das restantes fortificações com o objectivo traçado com a crise
da restauração da independência nacional, que espoletou o fim da união das coroas
de Portugal e de Espanha.
9
João Nunes Tinoco (1610-1686), arquitecto português, filho do arquitecto Pedro Nunes Tinoco, foi um
dos principais responsáveis pelo levantamento do plano da cidade de Lisboa em 1650 durante o período
da Restauração da Independência. Durante a sua vida profissional foi detentor do cargo de arquitecto da
Casa das Rainhas por ordem da rainha D. Luísa de Gusmão, esposa do rei D. João IV.
Foi o responsável pelos projectos respectivas construções de inúmeros edifícios de Lisboa onde se
destacam na maioria igrejas e construções de caráter religioso. Para a historia e em especial para a
olissipografia ficará recordado pela execução do plano mais antigo rigoroso alguma fez feito e conhecido
da cidade de Lisboa.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
59
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Augusto Vieira da Silva10, um dos mais importantes olisipógrafos portugueses, refere
nas suas publicações sobre o estudo das muralhas da cidade que a planta de Lisboa
de 1650, a que hoje temos acesso, não corresponde à informação original. Segundo
Vieira da Silva, esta abrangia um território muito maior, planta essa que desapareceu,
restando apenas algumas cópias com menor área total representada.
Neste levantamento estão presentes as manchas dos núcleos edificados que dão
corpo à cidade, com principal destaque para às linhas defensivas, portas e baluartes.
É muito clara a presença do aterro da Ribeira, concebido por ordem do rei D. Manuel
[5º rei da 2ª dinastia] e do icónico Palácio da Ribeira, pioneiro na apropriação da frente
ribeirinha.
Ilustração 16 – Levantamento de 1650. (Tinoco, 1650).
10
Augusto Vieira da Silva (1869-1951), engenheiro, historiador e olisipógrafo português, formou-se em
Engenharia em 1893 pela Escola de Engenheiros do Exército Português. Foi académico titular da
Academia Portuguesa da História, sócio efetivo da Associação dos Arqueólogos Portugueses e sócio
correspondente da Academia das Ciências de Lisboa. Responsável com um conjunto substancial de
estudos sobre a história e a cidade de Lisboa que acabaram por ser publicados em várias edições
revistas, emendadas e complementadas pelo próprio. Destas publicações destacam-se estudos
extremamente completos sobre as várias muralhas e torres da cidade, onde se pode encontrar a exata
localização das mesmas e a evolução sofrida ao longo do tempo dês da sua construção até à época da
publicação das várias edições. A evolução urbana da cidade anterior e posterior ao terramoto é um dos
muitos temas e estudos abordados, também ele muito completo e fundamentado. A última edição é de
1987 publicada pela Câmara Municipal de Lisboa, proprietária literária desde 1939 de todas as obras.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
60
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Planta de 1755 – anterior ao terramoto
Existem várias plantas com representações da cidade anterior ao terramoto no ano de
1755, embora muitas dessas plantas não correspondam a levantamentos da cidade,
mas sim a reproduções de plantas antigas executadas na época da reconstrução da
mesma – muitas delas produzidas já no século XIX.
Um desses exemplos é um conjunto de documentos intitulado de Planta de Lisboa
anterior ao Terramoto: estudos parciais e planta, sem escala determinada, executados
por José Valentim de Freitas11 entre 1850 e 1860.
Estes documentos são constituídos por uma planta geral da cidade e por um conjunto
de plantas parcelares a uma escala mais aproximada; apresentam a cidade com
poucas alterações na sua estrutura interna, extremamente consolidada e muito
compacta – como se as várias peças se moldassem umas às outras, tal como os
seixos de um rio.
É na frente ribeirinha que se encontram as maiores transformações com a construção
de novos edifícios nas praias da cidade junto a Alfama e, principalmente, no Terreiro
do Paço – que ganha protagonismo, assumindo-se como centro nevrálgico da cidade,
quer do ponto de vista da estrutura urbana, quer da política comercial e social.
Outro documento interessante consiste numa aguarela com a representação do
núcleo central da cidade também intitulada de Planta de Lisboa Anterior ao Terramoto,
de escala indeterminada com uma dimensão de 72,5 x 50,3 centímetros, produzida
entre 1800 e 1850 e de autor desconhecido. Porém as caraterísticas desta planta
coincidem em muito com as do documento produzido por José Valentim de Freitas,
apresentando-se quase como uma reprodução pintada do documento referido.
Nesta planta a expressão do desenho facilita a sua leitura e rapidamente constatamos
a relação entre a cidade, os muros sobre o rio e a definição do limite que a caracteriza.
Poderá parecer estranho referi-lo mas consideramos que esta é uma cidade que vive
em harmonia com o rio, onde é clara a transição entre estes dois momentos e se
percebe as relações entre eles, quer pelo espaço, como pelos muros e acessos que
os une.
11
José Valentim de Freitas (1791-1870), autor de reprodução da planta da cidade de Lisboa, do período
anterior ao terramoto, executada já no século XIX.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
61
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 17 – Planta de Lisboa Anterior ao Terramoto: estudos parciais e planta. (Freitas, 1850-1860?).
Ilustração 18 – Planta de Lisboa Anterior ao Terramoto. ([Planta, 1800-1850?).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
62
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Planta de 1758 e 1770 – Planta Pombalina
Ilustração 19 – Proposta de reconstrução 1758. (Mardel, Santos, 1758).
Com o plano de Eugénio dos Santos12 e Carlos Mardel13, aparecem duas plantas da
cidade, uma do projecto a construir [1758] destes autores, e outra do projecto
construído e do planeamento da expansão da cidade [1770, informação obtida a partir
do Gabinete de Estudos Olisiponenses], porém muita da informação recolhida
contraria esta indicação, apontando Duarte José Fava como autor.
12
Eugénio dos Santos (Aljubarrota, 1711- 1760, Lisboa), arquitecto português, foi em 1735 aluno na
Aula de Fortificação e Arquitectura Militar, colaborando com o principal arquitecto do reino da sua época
Manuel da Maia, e um dos autores do plano de reconstrução da cidade.
13 Carlos Mardel (Pozsony, Hungria 1696- 1763, Lisboa), Martell Károly na sua língua materna, foi um
arquitecto de origem húngara que chegou a Portugal em 1733, desempenhando funções em cargos muito
relevantes na construção de importantes obras públicas. Em colaboração com Eugénio dos Santos foi um
dos grandes autores do plano de reconstrução da cidade de Lisboa.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
63
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Com a reconstrução da cidade após o terramoto são apresentados um conjunto de
planos, todos eles com a proposta sobre o desenho da antiga estrutura da cidade.
Este facto comprova a existência de um levantamento ou plano anterior ao terramoto e
o conhecimento da composição da malha pré-existente.
Na planta de 1758 é apresentada a solução escolhida para a reconstrução da cidade.
Predomina o traçado regular ortogonal representado com volumes em mancha
amarela, sobre os contornos castanhos do edificado pré-existente. Entre a Baixa e o
Bairro Alto – que já apresentava um traçado regular e ortogonal – o Chiado procura
fazer a transição entre estes dois patamares, localizados a diferentes cotas da cidade,
reservando algumas das volumetrias de certos corpos como o Convento de São
Francisco [a mancha vermelha], bem como de determinadas igrejas.
Na planta de 1770 o edificado está representado com três cores diferentes: a amareloescuro aparece a cidade pombalina reconstruída; a cor-de-rosa a cidade que mantém
a estrutura anterior ao terramoto e a amarelo-claro os novos núcleos urbanos
propostos para a expansão da cidade. Este levantamento e proposta, que acaba por
ter um pouco dos dois, apresenta uma clara unidade e continuidade, desde Santa
Apolónia até Alcântara. Esta frente é descrita como uma linha contínua de construção
que dá forma e delimita a cidade, apresentando alguns indícios das necessidade de
consolidação da estrutura urbana, claramente expressos pela proposta de crescimento
a amarelo.
Ilustração 20 – Planta de Lisboa 1770. (Planta, 1770).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Planta de 1807 – 1832 – Duarte José Fava
Ilustração 21 – Carta Topográfica da Cidade de Lisboa Comprehendida entre Barreiras. ([Adaptado a partir de:] Fava,18081832?).
Em 1807 Duarte José Fava dirige o Real Corpo de Engenheiros elaborando uma nova
planta da cidade à escala 1:2500 e apresentando-a em 1808; nos anos seguintes, o
estudo desenvolve-se procedendo à elaboração de outros documentos que
complementam o estudo inicial que terminou em 1832.
Duarte José Fava, produz várias plantas com diferentes variações, sendo a mais
conhecida a que concilia a topografia e o edificado. Porém como se pode constatar,
esta previligia o edifcado em contraste com o fundo homogêneo. Esta escolha deve-se
à intrigante comparação entre este levantamento e o anterior – de 1770, que já previa
algumas soluções de crescimento. É interessante comprovar que a cidade, já
possuindo um documento estratégico de crescimento, não o utiliza nem segue
algumas das suas propostas; porém ela cresce, mas não como se esperava,
previligiando os acessos, as grandes ruas, as avenidas e estradas onde se concentra
grande parte do crescimento e ampliação. Alguns dos exemplos que ressaltam de
imediato deste crescimento localizam-se em Alcântara e Amoreiras, e no caso do
largo do Rato – que se segue as intenções expressas no plano de 1770 –
constituindo-se como a excepção à regra.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
65
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Levantamento de 1856 – 1858 – Filipe Folque
Ilustração 22 – Planta nº 51- Terreiro do Paço, Filipe Folque, 1856. ([Adaptado a partir de: Viegas, Tojal, 2000, p. 85).
No que diz respeito aos levantamentos da cidade de Lisboa poder-se-á dizer que
existe um antes e um depois de Filipe Folque14. Representa um dos mais importantes
levantamentos cartográficos da cidade e uma das bases de trabalho fundamentais
para a expansão urbanística moderna, de enorme rigor e qualidade gráfica, composto
por peças minuciosas de grande beleza: um documento imprescindível.
O governo da Regeneração e, particularmente António Maria Fontes Pereira de Melo,
titular do novo Ministério das Obras Públicas, Comércio e Indústria, compreendeu,
desde logo, a importância do conhecimento rigoroso do território, condição essencial
para o desenvolvimento planeado do país, especificamente no que respeita às obras
de viação pública. (Atlas da Carta Topográfica de Lisboa, p. 13).
A Carta Topográfica de Lisboa 1856-1858 foi encomendada por ordem de sua
majestade a rainha D. Maria II. A direção do levantamento da carta foi entregue ao
14
Filipe Folque (Portalegre, 1800, Lisboa 1874), brigadeiro graduado do Exército, Diretor Geral dos
Trabalhos Geodésicos, Cartográficos e Hidrográficos do Reino, foi o principal responsável pelo
levantamento da cidade de Lisboa executado entre 1856 e 1858. Além das vida militar desempenhou
funções como professor em diversas instituições académicas portuguesas como a Universidade de
Coimbra e a Academia Real de Ciências de Lisboa. Deixou algumas obras publicadas de astronomia,
cartografia e a matemática.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
66
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
conselheiro e engenheiro Filipe Folque, mas também a Carlos Perezat, Francisco
Goullard e Gessar Goullard.
Deste modo, por proposta de Fonte Pereira de Melo, aprovada pela rainha D. Maria II,
foi publicada uma portaria a 2 de Novembro de 1853, pela Repartição Técnica da
Direcção-Geral das Obras Públicas daquele ministério, ordenando ao conselheiro Filipe
Folque, […],que mandasse proceder ao levantamento topográfico da cidade de Lisboa,
[…]. (Atlas da Carta Topográfica de Lisboa, p. 13).
A carta é composta por por 65 peças de papel pintadas a aguarela com uma dimensão
de 80 x 50 centímetros à escala 1:1000. Para além das 65, integram ainda o conjunto
mais duas peças: a folha de rosto do levantamento e o quadro de junção das várias
peças do atlas da carta topográfica – desenhada por M. Toste em 1911. O presente
levantamento abrange o território da cidade até à linha da circunvalação e 200 metros
para além desta, até às margens do rio Tejo. A Carta Topográfica de Lisboa encontrase actualmente na posse do Arquivo Municipal de Lisboa.
É importante referir que além do levantamento de Lisboa, iniciado em Fevereiro de
1854, decorreu em simultâneo o desenvolvimento da carta geral do reino, que levou
ao atraso do levantamento de Lisboa por se encontrarem requisitados os técnicos
envolvidos. Parte do levantamento foi executado por empreitada, evitando recorrer em
exclusivo ao engenheiros militares.
Este conjunto de plantas apresenta o edificado com diferentes tons de rosa: na
topografia estão assinalados, simultaneamente, a cidade e o leito do rio mais próximo
da frente ribeirinha. É das primeiras vezes que é dada idêntica importância à
configuração da forma tanto quanto à composição interna: quer na representação dos
jardins e espaços verdes públicos da cidade, quer nos interiores – privados – dos
grandes palácios ou mesmo dos quarteirões subdivididos.
Uma das grandes inovações consiste no modo como estão organizadas as várias
plantas: não só estão numeradas como também seguem um sistema de coordenadas
que tem como ponto inicial [ponto coordenada 0,0] o canto superior direito da planta
51 – Terreiro do Paço. A partir deste ponto é definida uma malha e em cada planta é
possível conhecer a distância dos seus limites [contornos] em relação à origem.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Levantamento de 1904 – 1911 – Silva Pinto
Ilustração 23 – Planta 11 E, Praça do Município - Praça do Comércio, Silva Pinto. ([Adaptado a partir de: Viegas, Tojal,
2005, p. 73).
O Levantamento da Planta de Lisboa, executado entre 1904 e 1911, foi dirigido pelo
engenheiro Júlio António Vieira da Silva Pinto15 e por Alberto de Sá Correia16, consiste
num dos mais importantes e detalhados documentos de levantamento urbano do
século XX.
Este levantamento é composto por 249 peças, com uma dimensão de 80 x 50
centímetros, à escala 1:1000. A área total deste levantamento era de 8.245 hectares,
e incluía todo o município de Lisboa [na época], Olivais [antigo município que
confrontava a cidade a norte e nordeste – hoje extinto e absorvido por Lisboa] e Belém
[antigo município que confrontava a cidade a norte, noroeste e oeste, hoje extinto e
absorvido por Lisboa]. Podemos assim afirmar que o levantamento de 1911
corresponde à totalidade do que é hoje o município de Lisboa, incluindo uma margem
para além da antiga estrada militar.
15
Júlio António Vieira da Silva Pinto (1860), foi um dos dois responsáveis que dirigiu o levantamento
da cidade de Lisboa entre 1904 e 1911, inicialmente partilhando a direção com Alberto de Sá Correia.
16 Alberto de Sá Correia (1874-1930), foi Agente Técnico de Engenharia português que dirigiu
inicialmente o levantamento da cidade de Lisboa entre 1904 e 1911, acabando mais tarde por sair e
deixar a direção do levantamento exclusivamente a Silva Pinto que acompanhou toda a sua execução.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
É assim um dos levantamentos mais completos, com uma dimensão colossal para a
época e abrangindo uma área nunca estudada do ponto de vista do levantamento
urbano.
De imediato nos apercebemos das inúmeras características em comum com um dos
levantamentos feitos anteriormente, como é o caso do de 1856-58 de Folque, que é
claramente uma referência na execução deste.
O levantamento segue assim praticamente toda a estrutura e organização do anterior,
mantendo a dimensão das plantas, numerando-as e preservando o sistema de
coordenadas. Porém, acrescenta-lhe uma característica muito interessante que facilita
a sua consulta e estudo: desenvolvendo uma planta quadrangular que conjuga
números e letras [tal como o sistema de batalha naval], permitindo assim associar
cada planta a um determinado número e letra [número na horizontal e letra na
vertical].
Este conjunto de plantas representa a preto o edificado, conjugando-o com a
topografia da cidade e o leito do rio mais próximo da frente ribeirinha. Volta a estar
representado o espaço verde e a configuração do espaço público. Uma das
características que ressalta de imediato é a configuração da topografia nos arredores
da cidade onde a construção é mais reduzida ou inexistente, permitindo uma melhor
definição da mesma.
O detalhe é quase cirúrgico, representando cada árvore, parcelas dos terrenos
agrícolas, os poços, os tanques, de uma minúcia e detalhe expressos em cada linha
de água. Cada elemento está marcado sobre cada planta, quase como um mapa de
satélite feito à mão, exaustivamente, permitindo-nos hoje compreender a cidade que
existiu há um século atrás que, obviamente, não é a cidade do nosso tempo.
O reconhecimento do trabalho desenvolvido ao longo dos séculos por estas equipas,
com o esforço e a dedicação na construção dos levantamentos e das cartas da cidade
permitiu que estas perdurassem até aos dias de hoje, para que as gerações futuras as
possam estudar e desenvolver, com referências credíveis e fiáveis. Podemos
agradecer por isso o tempo e o trabalho dedicados e o seu contributo essencial quer
para
a
arquitectura,
urbanismo,
engenharia,
olisipografia,
arqueologia,
e
principalmente para a cidade.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 24 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1650. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 25 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1755. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
71
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 26 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1770. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
72
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 27 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1858. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 28 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 1911. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 29 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa 2015+. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 30 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 1650-1755. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 31 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 1755-1770. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 32 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 1770-1858. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 33 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 1858-1911. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 34 – Planta comparativa da evolução da frente ribeirinha de Lisboa 1911-2015+. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3. FRENTE RIBEIRINHA
MATEUS 17 18
DA
BOAVISTA – NOVA SEDE
DA
EDP – AIRES
17 Manuel Aires Mateus (Lisboa, 1963), arquitecto português, formado pela Faculdade de Arquitectura
de Lisboa da Universidade Técnica de Lisboa, em 1986.
Colaborou com o arquitecto Gonçalo Byrne desde 1983 e com o arquitecto Francisco Aires Mateus, seu
irmão, desde 1988.
Com larga experiência académica desde os anos 90, tem leccionado em distintas instituições, como a
Universidade de Harvard, Universidade de Liubliana, Academia de Mendrisio, Universidade Autónoma de
Lisboa e Universidade Lusíada de Lisboa.
Convidado para inúmeras conferências e seminários na Alemanha, Áustria, Bélgica, Brasil, Canadá,
Chile, Croácia, Eslovénia, Espanha, Inglaterra, Irlanda, Itália, Japão, México, Portugal, Suécia, Suíça.
Trabalho desenvolvido e reconhecido com exposições, prémios, publicações, nacionais e internacionais.
18 Francisco Aires Mateus (Lisboa, 1964), arquitecto português, formado pela Faculdade de
Arquitectura de Lisboa da Universidade Técnica de Lisboa, em 1987.
Colaborou com o arquitecto Gonçalo Byrne desde 1983 e com o arquitecto Manuel Aires Mateus, seu
irmão, desde 1988.
Com larga experiência académica desde os anos 90, tem leccionado em distintas instituições, como a
Escola de Arquitectura de Oslo, Universidade de Harvard, Academia de Mendrisio e Universidade
Autónoma de Lisboa.
Convidado para inúmeras conferências e seminários na Argentina, Brasil, Canadá, Croácia, Eslovénia,
Espanha, EUA, Inglaterra, Itália, Japão, México, Noruega, Portugal e Suíça.
Trabalho desenvolvido e reconhecido com exposições, prémios, publicações, nacionais e internacionais.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A nova sede da EDP – Energias de Portugal – actualmente em construção, é um
projecto da autoria do atelier português Aires Mateus e Associados, desenvolvido no
ano de 2008 e cuja conclusão está prevista durante o corrente ano de 2015. Esta nova
sede que irá substituir a actual, localizada na Praça Marquês de Pombal, ocorre em
período de grande expansão, internacionalização e reinvenção da imagem de marca
desta companhia energética portuguesa.
Qualquer projecto tem a obrigação de potenciar e comunicar com a sua envolvente, o
sítio, e edificar na frente ribeirinha não é excepção; muito pelo contrário, é a nosso ver,
uma obrigação.
Este caso de estudo é um exemplo da consciência do entorno e um enorme
potenciador de relações; um conjunto de comunicações entre a cidade e o rio, um
diálogo constante entre o exterior e o interior, capaz de criar espaço público, definindo
uma praça/rua central, parcialmente aberta a sul na direcção do rio, e a norte com a
cidade.
Em conversa com o arquitecto José Maria Assis19, professor da Faculdade de
Arquitectura e Artes da Universidade Lusíada de Lisboa, co-autor com o Atelier Aires
Mateus na fase do concurso do projecto em questão, foi possível clarificar algumas
das condicionantes e intenções iniciais do projecto.
O concurso, denominado Uma casa para a Luz, procurava uma proposta para a nova
sede da EDP, a construir no antigo aterro da Boavista. Uma das exigências do
concurso era a preservação da antiga fachada neogótica, pré-existente, que funcionou
sempre como um plano meramente decorativo que fechava e resguardava os grandes
depósitos de gasóleo que outrora se encontravam neste lote. De todas as propostas
presentes no concurso, esta e a do arquitecto Gonçalo Byrne não respeitaram a
exigência inicial da preservação do referido plano de fachada.
Esta situação levanta várias questões: até que ponto é importante e relevante o muro
para os vários projectos presentes no concurso? De que modo é fundamental na
composição da cidade e na regeneração do tecido urbano?
19
José Maria Assis, arquitecto português licenciado pela Faculdade de Arquitectura da Universidade
Técnica de Lisboa em 1990 e mestre em arquitectura na Universidade Lusíada de Lisboa em 2002.
Fundou o seu próprio atelier em 1991 e colaborou com o atelier do Arquitecto Manuel Aires Mateus em
diversos projecto, inclusive no projecto da nova sede da EDP.
Em 1997 iniciou-se como docente na disciplina de projecto de 5º ano, actividade que mantém até hoje.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
82
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Para o projecto do atelier Aires Mateus não é tão relevante pois a sua presença
interfere com grande parte das intenções e valências da proposta conseguida.
O projecto reflecte a constante disputa entre verticalidade e horizontalidade: comunica
de modo distinto com os espectadores e é um jogo constante de proximidade e
distância, engano e sedução. É difícil e discutível afirmar “o que é” o edifício.
Comecemos pela verticalidade presente nos volumes laterais que contrapõem com a
profundidade dos mesmos, acabando por se viver muito este contraste, entre a
verticalidade e a horizontalidade, entre o espaço construído e o vazio, relacionando-se
e integrando-se, na eminente expectativa de um futuro ícone deste troço da frente
ribeirinha.
Algumas publicações fazem referência à escala do edifício, à dimensão e às cérceas,
considerando-as como tentativas que procuram evitar qualquer protagonismo vertical.
Contudo só o simples facto de um edifício adoptar as mesmas cérceas que os edifícios
mais próximos não significa que evite a verticalidade, e este caso não é excepção.
Ilustração 35 – Implantação da nova sede da EDP na frente da Boavista. ([Adaptado a partir de: Leal, 2009).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 36 – A nova sede da EDP, vista a partir do cais fluvial do Cais do Sodré. (Ilustração nossa, 2014).
A anterior ilustração permite compreender melhor este equilíbrio das cérceas que são
respeitadas, apresentando uniformidade mais perceptível no limite ribeirinho. Porém,
os dois corpos verticais que saltam à vista são volumes brancos que se elevam por
detrás dos antigos armazéns portuários de tijolo maciço. Contrastam com o vermelho
do barro de textura quente e reconfortante, as coberturas de duas águas contínuas
suportadas por estruturas de madeira, tal como as portas negras. Pontualmente,
surgem os perfis metálicos que reforçam as paredes de alvenaria e as guarnições das
grandes portas, inclusive até a própria ferrugem que escorre sobre a alvenaria se
encontra perfeitamente integrada dentro deste contexto ribeirinho.
A partir de diferentes posicionamentos obtemos diferentes leituras que nos levam a
distintas apreensões do conjunto. A verticalidade não é tão assumida devido à
distância que separa os dois corpos laterais. A ela se deve o equilíbrio do projecto e o
espaço central é um mediador de relações, entre o conjunto e a cidade, e entre os
próprios corpos que o compõem. A partir do espaço central podemos aceder às
entradas das duas torres e aos espaços comerciais voltados para o seu interior,
presentes nos seus embasamentos.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 37 – As duas torres em construção, configuração do vazio central. (Ilustração nossa, 2014).
O vazio é o mediador da estrutura urbana que equilibra e confere sentido ao espaço
público e privado. No entanto não deve ser encarado como vazio ou ausência mas
como espaço essencial na concepção do edificado de qualquer projecto – é importante
não esquecer que arquitectura é espaço. Falamos de um conjunto integrado e
contínuo, de um percurso que se inicia no rio e percorre a frente da estrutura urbana.
A nova sede faz a transição entre estas duas realidades: é a porta de entrada entre a
frente ribeirinha e a cidade, como um grande ingresso ou arco triunfal, que une e
separa, inserido neste contexto de transição entre diferentes lugares e espaços, dentro
de uma estrutura única e complexa.
Os dois corpos verticais paralelos reforçam esta intenção de comunicação entre estes
momentos através de um espaço central intermediário de relações. Dois corpos
verticais geradores de uma forte relação horizontal – um conjunto que procura integrar
todas as intenções e preocupações numa ideia coerente –, e uma síntese conceptual
que se revela na unidade.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 38 – A nova sede da EDP vista a partir do miradouro de St. Catarina, durante a construção do esqueleto
estrutural. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Se inicialmente as duas torres aparentam ser dois corpos separados ainda que
familiares, a sua natureza une-os; porém o corpo horizontal materializa esta relação
visual aparecendo entre os edifícios da primeira linha ribeirinha – a sua composição e
orientação complementam esta realidade. Chegando desde o rio; descobrimos o corpo
horizontal, como uma peça que une e dá continuidade. Por instantes, a leitura é de um
gesto único que envolve todo o projecto como uma linha contínua que clarifica toda a
intenção de união – a síntese está expressa no desenho da forma.
O edifício é uma porta aberta à cidade composta por duas torres de sete andares,
esbeltas e permeáveis, conscientes da sua localização, e que expressam uma clara
preocupação em relação às construções que estão localizadas em segunda e terceira
linha.
O arquitecto José Maria Assis explica este “U” e o modo como ele se implanta e acaba
por dar origem à rua-praça que o trespassa: o edifício funciona como um corpo
empenado e é este gesto de torcer o volume que origina as duas entradas em pontos
opostos do projecto. As torres descolam do chão no canto [nascente] do lado da
Avenida 24 de Julho e do lado oposto [poente] na Rua D. Luís I. As aberturas geradas
por este gesto permitem não só o acesso às torres, como também aos pisos inferiores.
Ilustração 39 – Maqueta da nova sede da EDP, onde é perceptível a forma empenada, o corpo horizontal que une as duas
torres, e entrada no embasamento da torre da direita, Manuel Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2009, p. 199).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Consideramos tão importante o edifício quanto o espaço por ele configurado; esta
solução reforça a união e a continuidade do espaço público em redor do edifício e do
espaço central por ele delimitado. Ao “descolar” o edifício, o espaço pedonal
envolvente converge neste novo centro; não existem obstáculos, o próprio edifício
convida a esse momento estrategicamente localizado.
Sintetizando, a palavra unidade é claramente a palavra que melhor caracteriza este
projecto, também ela expressa pela composição da fachada e está presente em todo o
conjunto – a estrutura é simultaneamente a base organizadora dos elementos de
composição das fachadas que protegem e sombreiam o interior. (Martins, 2014 p. 366377).
A composição da fachada é determinada pelo esqueleto metálico pré-fabricado e
numerado de modo a reduzir ao máximo as soldaduras em obra. É ele que define a
localização e suporta os painéis e peças verticais – finas e esguias – que vão do
embasamento até à cobertura [de perfil variável e espaçadas 1,20 metros entre si],
permitindo maior fluidez e integração na cidade, originando um diálogo de movimento
e vibração entre os corpos.
Os elementos que compõem a fachada e dão corpo aos volumes verticais unem-se
sobre a praça, configuram não só os dois corpos verticais como a cobertura da
mesma, transformando-se em planos horizontais que expressam a ideia de uma praça
com uma cobertura suspensa que permite contacto constante com o céu. (Martins,
2014 p. 366-377).
A fachada dialoga: a incidência do sol sobre as superfícies e a sombra resultante
destas leva a diferentes apreensões; o edifício responde ao movimento do nosso
corpo no espaço e ele próprio se movimenta, cativa-nos, atrai o nosso olhar pois a luz
inconstante contrasta com a sombra incontrolável deste jogo de sedução.
O edifício responde aos estímulos: responde ao sol com mistério – encerrando-se,
protegendo-se e; pontualmente revela o seu interior – a vida que nele existe, o seu
espaço privado, surpreendendo-nos. A unidade e a síntese [conceptual] estão uma
vez mais presentes e reflectidas nas fachadas que lhe dão corpo.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 40 – Diagramas da composição das fachadas, Manuel Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2009).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 41 – Estrutura da fachada. (Ilustração, nossa, 2014).
Ilustração 42 – Perfis de betão de revestimento da fachada.
(Ilustração nossa, 2014).
Ilustração 43 – Pormenor dos elementos de encaixe da fachada.
(Ilustração nossa, 20014).
Ilustração 44 – Composição da fachada. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
90
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Estes perfis brancos verticais que compõem a fachada são construídos em betão
branco armado com fibra de vidro [GRC], também pré-fabricados e transportados para
a obra, e encaixam na estrutura de perfis metálicos através de um conjunto peças
soldadas. Estes encaixes têm a forma de dois “dedos” perpendiculares ao perfil
metálico, que permitem agarrar a peça à estrutura metálica em diferentes pontos. A
estrutura e os perfis brancos de betão da fachada são dois elementos diferentes e com
funções distintas: uma estrutural e outra de composição e sombreamento – apenas
unidos por um terceiro elemento, muito simples, que é repetido, ao longo da fachada
em diferentes momentos. (Alfaconsult, 2013).
Ilustração 45 – A fachada de vidro ainda sem os perfis de betão. (Ilustração nossa, 2014).
Todos os perfis já referidos funcionam como uma única peça composta por dois
elementos perfeitamente integrados e entre cada perfil existe um plano de vidro que
reveste, praticamente na totalidade, todo o edifício. A permeabilidade, tantas vezes
descrita, corresponde a este plano protegido pelos perfis de betão que permite uma
relação muito discreta entre interior e exterior, vivenciada pelo movimento do nosso
corpo no espaço.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
91
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Trata-se de um corpo extremamente permeável, integrado, e em constante diálogo
com o lugar. Este equilíbrio de relações entre as fachadas e a envolvente também está
presente no modo como o espaço interior e exterior dialogam. Deste modo, a fachada
permite uma clara vivência do espaço interior sem nunca esquecer o espaço exterior.
Por outro lado, o exterior não só está presente através desta relação visual directa,
como também pelos terraços e espaços interiores ajardinados – conferindo maior
fluidez entre o exterior e os espaços privados. Esta combinação permite a criação de
zonas de trabalho informal, de convívio e de descompressão. A descontracção e a
informalidade ganham espaço dentro da formalidade. (Mateus, 2012, p. 6-13)
Sete pisos exteriores e cinco pisos subterrâneos dão forma à nova sede: a presença
subterrânea é considerável; uma porção destes pisos estão destinados a
estacionamento para os funcionários e para uso público e uma outra parte do
programa encontra-se nos primeiros pisos subterrâneos, como é o caso dos auditórios
sob a praça-rua.
Uma outra estratégia consiste na separação do programa público do programa
privado, concentrando a parte pública no piso térreo e pisos inferiores – auditórios,
lojas, livraria, entre outros. Os acessos são feitos a partir da praça-rua interior através
de duas escadas paralelas, permitindo comunicar directamente com os pisos
inferiores, através de dois pátios. Nos pisos superiores concentram-se os escritórios e
os departamentos administrativos da EDP.
Ao conceber esta rua que atravessa o quarteirão ao meio, os arquitectos
ambicionaram possibilitar outros usos no piso térreo, permitindo à população
apropriar-se deste espaço público sem que se torne um espaço exclusivo dos
funcionários da sede. A vivência deste espaço gera um novo momento de atracção
dentro da malha da Boavista.
Apesar deste edifício estar inserido num plano de pormenor, um facto que a nova sede
está praticamente concluída e o plano contínua no papel. Todos sabemos que a actual
conjuntura não é propícia à construção de planos urbanos, e mais uma vez reforçamos
a necessidade de cada projecto, por mais pontual que seja, conseguir ajustar as
premissas da recuperação, regeneração e consolidação do território.
A sede encontra-se sobre um aterro: é terra transportada para o sítio com o objectivo
de estender a superfície da cidade sobre o rio – é “terra sobre água”.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Não aparenta ser relevante, mas, construtivamente é mais complexo e bastante
diferente de construir em “terra firme”.
A Rua da Boavista – sobre a antiga praia, e o bairro de Santa Catarina – na encosta,
são territórios que já existiam, apropriados e densamente construídos. No caso do
aterro da Boavista estamos dentro de outra realidade; primeiro foi necessário construir
esse território “artificial”. O Homem constrói o território para a cidade, transporta os
recursos necessários para a sua expansão, colocando terra sobre o limite ribeirinho e
“entulhando” o antigo pântano de modo a construir um novo plano de nível sobre a
água.
A EDP situa-se nesta sequência de frentes sucessivas, como faixas contínuas
paralelas ao rio; deste modo, a proposta procura “cosê-las” através desta
permeabilidade presente no quarteirão pela praça-rua parcialmente coberta –
estratégia essa que vai ao encontro aos usos da população que vivencia este lugar.
A proposta procura reivindicar a cidade e o espaço público para a população local que
a habita e a vivência. Assistimos assim a uma tentativa de devolver um território
outrora ocupado pela indústria e que condicionou a sua utilização urbana.
A decadência em que se encontra a indústria local teve repercussões na população
operária que abandonou este lugar. Ao longo do tempo emergiram sucessivas
tentativas de reconversão dos quarteirões pelo comércio local e pelos espaços de
convívio, especialmente nocturnos que, pouco a pouco, têm vindo a obter algum
sucesso.
As longas ruas que caracterizam o aterro que uniam a Rua da Boavista à Av. 24 de
Julho, claramente funcionais e de ligação directa e rápida – concebidas para o uso
industrial – deixam de fazer sentido e de ter utilidade, e passa a haver necessidade de
contrariar esta situação através de espaços de permanência, de convívio e vivência do
espaço público – como podemos encontrar nas propostas para a nova sede da EDP,
como também para a o restante plano onde esta está inserida.
Através das plantas desenvolvidas, presentes no sub-capítulo 2.2 – Transformação do
limite ribeirinho, conseguimos perceber que o primeiro aterro da Boavista se encontra
claramente subdividido em três faixas contínuas de quarteirões: a primeira delimita a
sul a rua da Boavista; a segunda delimita a norte a Av. 24 de Julho [onde está inserida
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
93
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
a proposta da EDP]; e por fim, a última corresponde à própria Av. 24 de Julho.
Falamos de frentes contínuas sucessivas que deveriam manter relações físicas pois
só deste modo se poderá construir uma frente ribeirinha com qualidade.
Esta realidade condicionou a evolução da construção do aterro e teve repercussões na
proposta para o projecto. O edifício está sobre um território conquistado/construído e
procura materializar essa ligação entre as várias fases da sua apropriação,
preservando a malha inicial em forma de leque, reforçando a relação entre o novo
corpo e os que configuram a Av. 24 de Julho e procurando dar continuidade à
definição da frente.
Mais tarde um segundo aterro, representado no levantamento de 1911 [ver Ilustração
72], volta a transformar a frente da Boavista: esta nova faixa corresponde à frente
compreendida entre a linha de caminhos-de-ferro e o rio onde hoje se encontram
alguns armazéns e a estação fluvial do Cais do Sodré.
Deparamo-nos com outro problema: o “lado de lá” da linha do caminho-de-ferro – 50
metros “largados” à sua sorte – onde o acesso é difícil. Porém este problema está
identificado e é igualmente necessário iniciar projectos que o solucionem, como o
presente na proposta para o plano de pormenor o qual visualizar e compreender com
a explicação presente no sub-capítulo 3.2.1.
Comparando as plantas de evolução percebemos como a proposta procura colmatar a
malha existente, configurar a avenida, sem esquecer as ligações entre a cidade e o rio
e entre as faixas, desenvolvendo espaço público e um lugar para a população. Deste
modo consolida-se a relação linear das sucessivas frentes e as ligações
perpendiculares entre elas. Em suma, trata-se de dar continuidade, consolidar a
estrutura existente e ligar e agarrar as várias partes de modo a construir um lugar
coeso cujo edificado e respectivo espaço público sejam capazes de reflectir e reforçar
a identidade local.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 46 – A estrutura e o revestimento. (Ilustração nossa,
2014).
Ilustração 47 –A torre nascente e a ponte. (Ilustração nossa,
2014).
Ilustração 48 – A torre poente e a ponte. (Ilustração nossa, 2014).
Ilustração 49 – Aço, betao e vidro. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 50 – (De baixo para cima) Plantas dos pisos -1, 1, 2. ([Adaptado a partir de: Leal, 2009).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 51 – (De baixo para cima) Plantas dos pisos, 3, 4, 5. ([Adaptado a partir de: Leal, 2009).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.1. A NOVA SEDE, A IMAGEM DO TERRITÓRIO
Sempre que pensamos na nova sede da EDP ou de uma empresa cotada em bolsa,
com investimentos em território nacional e no estrangeiro, as questões da marca e do
valor são inevitavelmente suscitadas.
Mas qual é o interesse destas questões numa dissertação de mestrado integrado em
arquitectura? O interesse reside no valor da marca, da imagem, da arquitectura, do
território, da cidade e do lugar.
As cidades/ regiões possuem identidades com atributos patrimoniais, económicos,
tecnológicos, relacionais, sociais e simbólicos que constituem a base dos processos de
contrição de imagem dos territórios e a marca, através da sua dimensão funcional e
simbólica, tem a capacidade de consubstanciar e valorizar essa identidade
promovendo identificação e envolvimento com os públicos e simultaneamente
distinguindo-a de territórios concorrentes. (Gaio; Gouveia, 2007, p. 3).
Sítios com valor são disputados pelas marcas pois, o valor atrai valor e sítios com
valor transformam-se em lugares de valor, daí que muitos dos ícones, marcas e
símbolos de consumo e de influência, detenham as suas sedes relativamente
próximas umas das outras, aumentando exponencialmente a dimensão do valor do
território.
O valor tende a concentrar-se; um exemplo claro foi a construção do Palácio Real na
Ribeira de Lisboa – fora das muralhas –, possibilitando um maior controlo de todo o
movimento comercial, marítimo e de produção naval que aí se encontrava. O valor
concentrado sobre determinados pontos logo se estendeu a toda a faixa ribeirinha
lisboeta.
O poder ou domínio marca presença através da arquitectura e, continuando com o
exemplo anterior, encontramos inúmeros nobres e instituições que seguiram o
exemplo do rei, construindo ou reconstruindo neste novo sítio, as suas residências e
sedes institucionais, mantendo e reforçando o valor das mesmas ao aproximarem-se
umas das outras.
A valorização deste lugar leva-o a competir com outros lugares de grande
protagonismo ou prestígio e este tipo de disputa territorial está presente em todas as
grandes cidades até mesmo entre países. O reforço de determinada identidade leva a
um aumento do interesse sobre ela e à sua respectiva valorização.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ao falar da EDP faz sentido falar da cidade, de valor, de concentração, do
desenvolvimento e transformação pois a cidade vive destas situações e a regeneração
da estrutura urbana renova-se graças a estes momentos que influenciam e têm
repercussões na transformação do território. A [re]localização e transferência da sede
da EDP para a Avenida 24 de Julho consiste numa estratégia de imagem,
posicionamento e referência – marketing territorial.
A transferência da sede localizada na Praça Marquês de Pombal para a frente
ribeirinha reflecte um pouco a conjuntura actual que tem limitado o financiamento da
economia nacional que durante décadas incentivou a progressão e crescimento da
cidade. De certo modo, o crescimento descontrolado e pouco planeado é substituído
pela transformação e consolidação da cidade num período de crise financeira.
Faz sentido que a cidade cresça quando no seu núcleo existem lugares obsoletos e
em
constante
decadência,
escondidos
numa
penumbra
de
oportunidades?
Consideramos que não, e bons exemplos de arquitectura localizam-se no aterro da
Boavista e no Cais do Sodré, que no passado não eram mais do que estruturas
urbanas habitacionais e industriais – degradadas e obsoletas – com inúmeros espaços
disponíveis, desvalorizados e ainda assim muito acessíveis. Estas características
facilitaram a concentração de diferentes interesses, reforçando e enaltecendo o
enorme potencial para a criação de valor. Porém, esta criação de valor só foi possível
devido à identidade local que atrai a atenção de diferentes públicos, apresentando
características únicas e singulares. Apesar de anteriormente não ser das melhores, a
imagem de hoje converge numa identidade apetecível e desejável. A EDP não foi a
primeira, nem será a última marca que no futuro irá ocupar este sítio, contudo, e por
sorte, calhou à EDP ser detentora de um dos maiores lotes vazios que o caracterizam;
é provável que não compreenda a identidade que ajudou a originar, estando
meramente concentrada na imagem e no interesse que a valorização subitamente
originou.
Enquanto a identidade é um conceito emissor, que remete para um fenómeno dinâmico
entre a dimensão política, os tangíveis territoriais e os resultados das interacções
sociais, económicas, tecnológicas das pessoas no espaço, a imagem é um conceito
receptor, pois reflecte a forma como é percepcionada pelos públicos e o processo de
construção de imagem de um lugar toma por base um conjunto de sinais e/ou
experiencias que individualmente podem não ser decisivas na opinião do receptor mas
que no seu conjunto se tornam fundamentais para a construção de um juízo de valor.
(Gaio; Gouveia, 2007, p.3).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
99
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
As cidades são compostas por lugares de distintos valores e a própria cidade detém
valor. A arquitectura está muitas vezes associada à identidade destes lugares pois é
ela que dá corpo e materializa os espaços, originando uma imagem própria e deste
modo, é uma das principais responsáveis pela criação dos referidos conceitos de
identidade e de imagem.
As empresas são marcas, e ícones que procuram não ser esquecidos, mantendo
contacto, influência, presença e procurando estes sítios de interesse que reúnam
características favoráveis. A dificuldade não está em encontrar uma imagem, a
identidade, mas sim saber diferenciá-las, porque é a leitura incorrecta que muitas
vezes leva ao colapso e desvalorização dos sitíos. É frequente o conceito de imagem
ganhar uma dimensão insustentável devido à concentração de investimentos pois,
esta excessiva centralização entra em colapso porque deixa de ser compatível com a
identidade local.
A nova sede da EDP procura essa identidade local, reinterpretando e reinventando
através de uma nova imagem, um claro ícone urbano reconhecível e identificável. A
arquitectura não é mais que a materialização do ícone que dá corpo ao valor. Tudo
isto aparenta ser um conjunto de relações extremamente superficiais, o que não deixa
de ser verdade, na qual o sítio estó sob o uso e especulação do interesse privado sem
consciência da necessidade de diálogo com a envolvente.
A arquitectura é vista superficialmente como um modo de dar corpo à ideia, porém
mais do que isso é também um meio de dar corpo a uma solução integrada que
dialoga e regenera.
A maneira de decifrar o que ocorre no comportamento aparentemente misterioso e
indomável das cidades é, em minha opinião, observar mais de perto, com o mínimo de
expectativa possível, as cenas e os acontecimentos mais comuns, tentar entender o
que significam e ver se surgem explicações entre eles. (Jacobs, 2000, p.12-13).
Esta explicação de Jane Jacobs vai ao encontro do que inicialmente começámos por
referir: uma solução para esta necessidade de ler correctamente a cidade, de modo a
evitar criar uma imagem dissonante ou esmagadora da identidade local. Só assim
achamos possível compreender o seu comportamento e aprender a evitar a ruptura da
valorização descaracterizada do território. Contudo, Jacobs, com base na sua
experiência em observar cidades, inicia uma possível discussão de como evitar a
morte dos espaços dentro da cidade:
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
100
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
“Esse princípio omnipresente é a necessidade que as cidades têm de uma diversidade
de usos mais complexa e densa, que propicie entre eles uma sustentação mútua e
constante, tanto econômica quanto social”. (Jacobs, 2000, p. 13).
Esta ideia expressa na década de 60 do século XX ainda hoje se aplica à actual
realidade urbana das nossas cidades. É certo que a valorização dos territórios acaba
por transformá-los em lugares monofuncionais, muitas vezes completamente
contrários às funções anteriores, perdendo a identidade – que é uma das bases para a
sustentação da sua vitalidade.
Quanto mais a cidade conseguir mesclar a diversidade de usos e usuários do dia-a-dia
nas ruas, mais a população conseguirá animar e sustentar com sucesso e naturalidade
(e também economicamente) os parques bem localizados, que assim poderão dar em
troca à vizinhança prazer e alegria, em vez de sensação de vazio. (Jacobs, 2000,
p.121).
É a capacidade de atrair pessoas que fundamenta a existência de determinado
território; a sua valorização e monofunção transforma-o em algo banal, monótono, sem
interesse e “morto”. A valorização descontrolada e inconsciente da identidade é o
princípio do fim do lugar.
É importante que a transformação presente no aterro da Boavista e no Cais do Sodré
tenha em consideração estas questões, que devem ser pensadas por todos os
intervenientes neste território.
A construção da sede da EDP deveria consistir numa intervenção capaz de
transformar e reinventar o sítio sem esquecer a sua identidade. Transformar esta
franja do território da cidade num conjunto de escritórios com vista para o rio só trará
disfuncionalidade e monotonia; quando Jabos enfatiza a necessidade de integrar
diferentes usos para manter a diversidade e a vida da cidade, está a chamar a atenção
ao modo como a planeamos e a transformamos.
O novo edifício da EDP aparenta ter consciência destas questões, em boa parte
devido à diversidade de usos dos espaços do piso térreo – auditórios, lojas e parques
de acesso público. O modo como o espaço público está planeado e o “convite” que é
feito à população para a sua utilização é uma mais-valia para uma parte substancial do
território, evitando a monofuncionalidade e preservando a vivência do mesmo espaço
e identidade que o caracteriza.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 52 – Edifício Carrión, Madrid, conhecido pela população local e estrangeira por edifício Schweppers. (Ilustração
nossa, 2013).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.2. NOVA SEDE DA EDP - CONCURSO
Nos últimos anos as empresas nacionais têm sofrido grandes transformações, sendo
mesmo algumas privatizadas e outras perdendo as participações do estado,
vendendo-as a entidades empresariais estrangeiras. O clima de contenção levado a
cabo pela crise financeira dos últimos tempos obrigou por isso à concentração dos
recursos e a cortes nos excessos.
A actual sede da EDP apresenta-se como um enorme encargo financeiro para a
empresa, sendo injustificado o gasto mensal no aluguer do espaço onde está sediada.
O estímulo de contenção levou a companhia a rever a localização da sede e a planear
a possibilidade de construir um edifício só seu onde pudesse concentrar todos os
departamentos. Com a venda da participação do Estado Português na empresa esta
estratégia, ganhou um incentivo ainda maior.
Assistimos hoje à construção de um novo edifício neste sítio. Uma aposta que visa
marcar presença e domínio sobre o território, uma referência icónica de arquitectura e
de estratégia de mercado.
Para a construção da nova sede, a EDP optou por convidar vários ateliers nacionais
para desenvolverem propostas para o novo edifício. Curiosamente estas propostas
não estão restritas ao edifício mas também ao plano onde este está inserido: o plano
de pormenor da Boavista, que engloba os quarteirões em redor do quarteirão do qual
a EDP é proprietária.
Deste modo, as propostas apresentadas pelos vários ateliers procuram apresentar
soluções para a nova sede da EDP e para todo o espaço envolvente que está
compreendido no plano de pormenor.
Das seis propostas individuais desenvolvidas, o júri do concurso acabou por destacar
duas. Coube à EDP eleger qual das propostas seria construída, optando por escolher
o projecto do arquitecto João Luís Carrilho da Graça20 para o plano de pormenor e o
projecto dos arquitectos Aires Mateus para a nova sede. ( Martins, 2014, p. 366-377).
20
Consultar nota de radapé 32, da página 137.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
103
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.2.1. PROPOSTA DE CARRILHO DA GRAÇA
Depois da classificação ex aequo21 com o atelier Manuel Aires Mateus no concurso
Uma casa para a luz, onde foram apresentadas propostas para a nova sede da EDP e
para o aterro da Boavista, foi tomada a decisão de atribuir o plano de pormenor da
área envolvente da nova sede da EDP ao arquitecto João Luís Carrilho da Graça.
(Martins, 2014, p. 366-377).
A primeira imagem a que associamos à Boavista é a de uma malha urbana em forma
de leque, rematada pela Avenida 24 de Julho, que restringe qualquer crescimento
urbano. Estamos perante uma situação curiosa de restrição imposta pela avenida que
aparenta ser limitadora e permite definir claramente um lugar em construção, com
identidade própria e, principalmente, com limites muito definidos.
A proposta do arquitecto João Luís Carrilho da Graça, vencedora do concurso [para o
plano da Boavista] procura colmatar e reorganizar a estrutura urbana por consolidar,
encerrando alguns quarteirões inacabados ou parcialmente abertos e desenvolvendo
novos corpos habitacionais e comerciais.
A organização dos volumes segue algumas das premissas também presentes na
proposta para a nova sede da EDP dos arquitectos Aires Mateus. As pré-existências e
as primeiras apropriações do aterro são referências para o novo plano.
A estrutura em leque é mantida e, de certo modo, reforçada pelas dimensões dos
novos volumes longitudinais, orientados no sentido das antigas ruas e dos planos que
configuram os vários lotes. Em simultâneo, estes volumes inflectem, procurando
agarrar o edificado existente e conferindo continuidade e uma melhor definição dos
quarteirões e do traçado urbano.
Por outro lado, existe uma característica interessante que podemos descrever como o
“cimento” da proposta: o espaço público – que liga todos os elementos, conferindo
continuidade aos vários corpos propostos.
A definição do espaço público confere novas valências ao território e as ligações são
fundamentais de modo a evitar a sectorização; a proposta é consciente destas
questões, desenvolvendo ligações e comunicações estratégicas entre elas, inclusive
ex aequo – Expressão em latin que significa igual mérito, igualdade, equiparação, neste caso está
associada aos dois projectos que ficaram [igualmente] em primeiro lugar no concurso da EDP.
21
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
104
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
na ligação entre a frente da Boavista e a frente ribeirinha do outro lado da linha de
caminho-de-ferro.
Esta estratégia está presente na construção de percursos, em especial na ligação
pedonal elevada sobre as grandes vias de comunicação da Av. 24 de Julho e da linha
de caminho-de-ferro, conectando ambos os lados.
Esta ligação segue a malha urbana da Boavista, transformando-se num conjunto de
elementos que tenta puxar e agarrar um lado ao outro, como um “agrafo”, não só pela
sua própria natureza mas também pelas características urbanas presentes nos
extremos, em especial na relação de que este elemento mantém com o edificado
proposto.
Relativamente aos corpos residenciais, uma das principais referências deste projecto
foi o processo de criação das immeuble-villas22 - quando em 1922 Le Corbusier23 as
idealizou, estas surgiram como um novo modelo de composição de grandes conjuntos
residenciais; as villas estavam associadas a um processo de composição que
consideramos muito interessante, assumindo-se como um quarteirão que resulta da
multiplicação de um modelo de casa-célula que dá corpo ao conjunto residencial
composto por duzentas células. Este modelo nasceu a partir dos modelos das
residências religiosas construídas em torno do claustro e pátio de Cartuxa de
Galluzzo24, no Val d’Ema, perto de Florença, apesar de este quarteirão residencial
acabou nunca ter sido construído; por outro lado, o projecto da célula acabou por ser
incorporado no Pavillon de l'Esprit Nouveau25 [ver Ilustração 55 e Ilustração 56].
Na aplicação destes modelos à realidade do plano da Boavista, as antigas
construções religiosas apresentavam um conjunto de características que serviram de
referência à estruturação dos núcleos habitacionais, nomeadamente nos pátios
interiores circunscritos por este cordão de apartamentos e divisões que se abrem
sobre eles.
Immeuble-villas – É um projecto do arquitecto Le Corbusier apresentado em 1922 no Salón d’
Automne.
23 Le Corbusier (La Chax-de-Fonds, 1887, Roquebrune-Cap-Martin,1965), foi um dos mais importantes
arquitectos do século XX, com vasta obra construída e igualmente publicada. Fígura incontornavel do
modernismo, foi o autor de inumeros projectos deste período; não só de arquitectura como também de
urbanismo, pintura, escultura e design.
24 Cartuxa de Galluzzo – mosteiro de Cartuxos localizado em Florença, Itália, amplamente divulgado por
Le Corbusier após a sua visita em 1911, inspirando-o em inúmeras obras, em especial pelas
características das celas dos monges que o deixaram impressionado.
25 Pavillon de l’Esprit Nouveau – em português, pavilhão do espírito novo, é um projecto do arquitecto
Le Corbousier, construído em 1924 para a Exposição de Artes Decorativas de Paris de 1925.
22
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
105
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Esta estratégia é antiga e é muito comum nos conventos e mosteiros que inúmeras
vezes permitiram espoletar a criação e crescimento de novos núcleos urbanos,
influenciados pela organização destas construções e da relação originada entre os
vazios e o edificado, e como eles se estruturam uns aos outros.
As células introduzem uma peça que concilia duas ideias: a primeira, a do
apartamento familiar dúplex; a segunda, de casa pátio com dois pisos integrados num
espaço coberto voltado para o exterior. Uma das características mais interessantes
destes módulos é que parte deles são transformávéis numa célula de habitar – uma
peça que quando repetida, permite criar um conjunto residencial. Este conjunto de
referências, estratégias e modelos antigos que foram revistos e trabalhados,
permitiram criar esta proposta residencial para o plano da Boavista.
A tipologia-base proposta reflecte também a referência ao Pavilhão do Espírito Novo
[de Le Corbusier]: um módulo de base rectangular com um pátio que ocupa
sensivelmente ¼ do espaço e do volume total. O primeiro piso apresenta poucos
planos, apenas os essenciais, permitindo descobrir o espaço de modo fluído; a própria
geometria do módulo organiza-o, delimitando as diferentes partes do programa –
cozinha, sala de jantar e sala comum, [esta ultima delimitada por um plano de vidro no
pátio exterior]. Ambos os espaços possuem praticamente a mesma dimensão e são
paralelos, como se um desse continuidade ao outro; também a materialidade do plano
divisor – em vidro – reforça esta relação espacial, funcionando como um incentivo à
vivência do interior e, simultaneamente, do exterior. Tocando um dos planos de vidro
que delimitam o pátio exterior encontra-se uma escada que permite o acesso ao piso
superior; em cima, o programa encontra-se mais delimitado, fechando-se de modo a
criar espaços mais privados e íntimos que correspondem a dois quartos.
Do exterior, a leitura da fachada é a de um plano contínuo, branco e perfurado, com
pátios interiores abertos para o exterior lateralmente, construindo-se como um edifício
de sete pisos, sendo seis destes superiores destinados à habitação e um piso inferior
com pé-direito mais alto, destinado a comércio. O embasamento, em vidro, contrasta
com o restante corpo mais maciço, equilibrado pela permeabilidade dos pátios que
pontuam todo o corpo.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
106
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 53 – Ortofotomapa com a proposta do plano urbano do plano de pormenor da Boavista. ([Adaptado a partir de:
Ordem dos Arquitectos, 2010).
Ilustração 54 – Planta tipo do plano de pormenor da Boavista. ([Adaptado a partir de: Ordem dos Arquitectos, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
107
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 55 – (Da esquerda para a direita) claustro de Cartuxa de Galluzzo no Val d’ Ema (Florença), cela / unidade de
composição do claustro, planta da modulo de composição das Emmeuble - Villas. ([Adaptado a partir de: Ordem dos Arquitectos,
2010).
Ilustração 56 – (Da esquerda para a direita) Vista do interior do pátio do pavilhão de L’Esprit nouveau, perspetiva da
fachada de um conjunto de Emmeuble - Villas. ([Adaptado a partir de: Ordem dos Arquitectos, 2010).
Ilustração 57 – (À esquerda) Plantas tipo das tipologias modulares que compõem os edifícios propostos do plano de
pormenor da Boavista, (À direita) vista da fachada de um dos edifícios propostos do plano de pormenor da Boavista. ([Adaptado a partir
de: Ordem dos Arquitectos, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
108
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.2.2. PROPOSTA DE GONÇALO BYRNE26
A proposta apresentada pelo atelier do arquitecto Gonçalo Byrne para o plano da
Boavista e a nova sede da EDP procurava seguir uma estratégia semelhante à que
outrora fora aplicada neste sítio durante a sua primeira edificação, integrando novas
construções numa malha que fora alterada substancialmente em diversos momentos,
porém, houve características que permaneceram desde início. Esta proposta deseja
integrar um novo conjunto de volumes elegantes que ocupam toda a profundidade dos
quarteirões, unindo-se no topo e transformando-os em U, seguindo a malha em forma
de leque predominante por todo o aterro.
Intervalados com os vários volumes foram propostos espaços verdes com formas
muito semelhantes às dos edifícios. Estes seriam pontualmente intersectados por
boqueirões que permitem ligar os vários planos verdes arborizados através destas
perfurações, originando um conjunto de ligações e conferindo-lhe maior acessibilidade
entre o edificado.
Esta proposta reflecte as premissas presentes na estratégia seguida no conjunto
habitacional, preservando a forma, a malha e as relações espaciais entre os vários
elementos que dão corpo a esta solução.
O quarteirão em causa é dividido em duas partes: numa desenvolve-se uma praça
exterior, topograficamente inclinada, em direcção ao edifício principal. O próprio
volume é intersectado por um percurso pedonal, transversal ao quarteirão, que divide
o corpo principal em dois mais pequenos, transformando este percurso público num
elemento estruturante e fracturante na forma da proposta.
Estes dois corpos unem-se nos pisos inferiores – subterrâneos –, conferindo-lhe a
forma em “U” semi-enterrado, com um espaço central a que chamámos o “espaço
nave”, de secção oval achatada, que nos envolve e acolhe no seu interior.
26
Gonçalo Byrne (Alcobaça, 1 de Janeiro de 1941), arquitecto português fundador do Atelier Gonçalo
Byrne Arquitectos, Lda, com mais de 35 anos de experiência na realização de projectos de arquitectura e
de planeamento urbano. Autor de inúmeras publicações, obras nacionais e internacionais, reconhecidas e
premiadas, como o Prémio A.I.C.A/S.E.C. pelo conjunto da obra realizada e a Medalha de Ouro da
Academia de Arquitectura de França. Desempenha funções de docente em diferentes instituições de
ensino de arquitectura, nacionais e internacionais, na área de projecto, fundamentalmente como professor
convidado. Doutor Honoris Causa pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa e
pela Universidade de Alghero.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
109
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Programaticamente, os quatro pisos à superfície dão forma aos dois corpos exteriores;
dos três pisos enterrados; um destina-se a estacionamento, e o piso superior possui
uma relação compartilhada entre o parque automóvel e os auditórios polivalentes e
multifuncionais, destinados a conferências ou reuniões.
Como já referimos, nos pisos superiores o edifício divide-se em dois; no interior dos
corpos predominam os vazios – sob a forma de pátios longitudinais paralelos aos
limites das fachadas – sendo um deles, mais a norte, é duas vezes maior que o pátio a
sul, e estes nascem da intersecção que une os dois corpos longitudinais, através de
uma ponte.
Junto aos limites das fachadas encontram-se os gabinetes, as salas de reunião e os
escritórios, possuindo uma vista priveligiada sobre o rio, a margem sul e a colina de
Santa Catarina. A fachada é constituída por tubos vítreos que incluem sistemas de
regulação de luz natural e que também o iluminam à noite, transformando o conjunto.
O ponto central da proposta – o primeiro piso enterrado –, concentra aquilo que
consideramos o espaço de união – intersectado por um percurso central que o separa
em dois espaços expositivos. É um reflexo de uma memória exterior ou uma repetição
exterior no interior. Estes espaços apresentam características muito particulares; o
declive do pavimento [e da cobertura] envolve-nos como uma cápsula ou uma concha
que nos protege. Num destes espaços, encostada ao limite da fachada, a inclinação é
aproveitada para a construção de um conjunto de bancadas, ocupando assim todo o
limite longitudinal, como se se tratasse de um anfiteatro consideramos deste modo que
a topografia foi fulcral na eleição do lugar da sua construção, aproveitando-a em seu
favor.
O espaço expositivo, no lado oposto da praça, está separado por um plano de vidro
que confere continuidade espacial entre o interior e o exterior acentuado pelo declive
presente na praça, reforçando essa intenção de convívio entre os dois. O momento de
toque/contacto concilia simultaneamente equilíbrio, tensão, e sedução. A transição
entre os espaços faz-se no ponto com menor pé-direito, aproximando-nos não só do
limite vertical [o plano de vidro] como dos limites horizontais, contrastando com a
realidade exterior em que os limites se desvanecem. Libertando o espaço, passamos
do binómio contenção-tensão a “explosão espacial”: como suster a respiração
comprimindo o peito, para de seguida relaxar e voltar a encher os pulmões de ar.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
110
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 58 – Maquete volumétrica da proposta e do seu entorno. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2008).
Ilustração 59 – Maquete volumétrica da proposta para a nova sede da EDP e do conjunto residencial. (Gonçalo Byrne Arquitectos,
2008).
Ilustração 60 – Maquetes volumétricas das propostas. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2008).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
111
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 61 – Vista do interior do “espaço nave”. (Gonçalo Byrne Arquitectos, 2008).
Ilustração 62 – Planta térrea da proposta para a nova sede da EDP e para a envolvente do plano da Boavista. (Gonçalo Byrne
Arquitectos, 2008).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
112
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.2.3. PROPOSTA DE ARX PORTUGAL27
Este projecto para a sede da EDP apresenta uma resposta que resulta e uma leitura
evolutiva da cidade através um conjunto de elementos que procuram a unidade e
construção de uma forma, originando um corpo maior e mais regular. Estes são os
princípios basilares desta proposta, cuja leitura anterior é expressa na constituição do
corpo da nova sede, e este nos contasse a evolução urbana da cidade à medida que
cresce – como um livro, uma peça de teatro, ou mesmo uma cenografia que nos cativa
– e conta uma história.
O embasamento é o início dessa história: um percurso por entre um conjunto de
pequenos corpos de contornos irregulares e de dimensões distintas que seguem os
alinhamentos estruturantes do lugar. Estes corpos de diversas naturezas aproximamse mais das características dos núcleos históricos medievais do que das realidades
presente na Boavista.
Os referidos alinhamentos exteriores, provenientes do edificado envolvente, induzem
alguma organização ao embasamento, estruturando e restringindo a composição dos
pisos superiores sobre estes.
Os corpos transformam-se como se o processo evolutivo da cidade estivesse
expresso num só projecto, perceptível na vivência do espaço – neste caso a partir do
momento em que subimos e exploramos os pisos superiores. No piso superior impera
a organização e a unidade: é possível ler a transição dos corpos inferiores para o piso
superior como se este os levasse a unir-se e a fecharem-se sobre si mesmos,
originando um conjunto de pátios totalmente circunscritos ou parcialmente abertos em
determinadas direcções. Alguns destes espaços iluminam o piso inferior perdendo
esse uso de pátio interior e transformando-os em poços de luz – transportando-a
desde a cobertura até ao piso térreo – e trespassando o edifício, permitindo iluminar
os interiores.
As diferentes configurações dos corpos no piso térreo e nos pisos superiores dão
origem a um jogo complexo de definição de espaço, principalmente o público. Essa
definição está presente na sobreposição dos volumes e corpos, nos espaços cobertos
ARX Portugal Arquitectos – Atelier fundado em 1991 pelos irmãos Nuno Mateus (Castelo
Branco,1961) e José Mateus (Castelo Branco, 1963). Ambos licenciados pela Universidade Técnica de
Lisboa, Faculdade de Arquitectura, com um percurso docente em diferentes instituições de ensino da
arquitectura, tanto nacionais como estrangeiras.
27
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
113
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
sombreados, nos vazios inesperados e no contraste da regularidade [a nosso ver
muito restritiva] com a natureza irregular, imprevisível e dinâmica dos corpos.
Envolvendo todo este processo evolutivo, presente nos cinco pisos que dão corpo à
nova sede, foram projectadas um conjunto de fachadas dinâmicas e expressivas que
conferem unidade à proposta através da materialidade e da sua composição.
A fachada sul do edifício preserva a ruína neo-manuelina no seu embasamento –
incorporando-a –, constituindo-se como o principal acesso ao edifício a partir da
avenida e ganhando assim o carácter de grande ingresso, reforçado pelos vãos de
arco quebrado. Esta é constituída por painéis/planos regulares de vidro com películas
fotovoltaicas que vão inflectindo, materializando um plano contínuo. As restantes
fachadas, procuram seguir a mesma estratégia da fachada sul. Os planos de vidro
verticais resultam numa solução equilibrada do ponto de vista da eficiência energética,
conferindo-lhe, em simultâneo, um conjunto de funções – não só na produção de
energia eléctrica como no sombreamento dos espaços interiores – constituindo-se
como uma das maiores potencialidades desta proposta.
O corpo do edifício está “descolado” da fachada. Esta opção origina uma câmara de ar
de dimensões consideráveis e desta forma o espaço permite o aquecimento passivo
no inverno e o arrefecimento no verão, funcionando como um espaço de climatização
e de transição entre o exterior e o interior. Esta câmara não ocupa a totalidade da
fachada do edifício, localizando-se somente nos quatro pisos superiores e libertando
todo o embasamento – preservando a continuidade do espaço. Este embasamento da
câmara [primeiro piso do edifício], concilia também um conjunto de espaços
ajardinados e arborizados com um espelho de água.
A estratégia urbana proposta para a envolvente focaliza-se num sentido diferente das
outras propostas presentes no concurso, prevendo um hotel em vez de um conjunto
de edifícios habitacionais. Este equipamento vai de encontro à recente divulgação do
aumento do número de turistas na cidade, promovendo uma solução até à data
inexistente com esta escala nesta localização. O edifício do hotel segue uma
estratégia semelhante à da sede – que se encontra em primeira linha, ocupando um
lugar secundário na construção da frente e com uma linguagem e expressão mais
regradas.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
114
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 63 – Ortofotomapa com a proposta para o plano de pormenor do aterro da Boavista. (Amador, 2014).
Ilustração 64 – Plantas da proposta para a nova sede da EDP. (Amador, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
115
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 65 – Perspectivas do projecto, para a nova sede da EDP. (Amador, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
116
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.2.4. PROPOSTA DE SOUTO MOURA28
A solução apresentada por Souto Moura para a futura sede da EDP e a sua
envolvente partiu do estudo das plantas históricas da cidade de Lisboa, permitindo-lhe
compreender a sua construção, evolução e o modo como se adaptou às várias
exigências em diferentes épocas.
Segundo as palavras desta equipa de projectistas, a História não indica soluções mas
permite-nos compreender melhor, constatando e avaliando aquilo que se pretende
propôr para este sítio. A leitura da sua evolução foi a base deste projecto ao seguir a
topografia, os limites cadastrais que deram origem às estreitas faixas e corpos finos e
perpendiculares ao rio e à rua da Boavista.
Com base nesta leitura anterior nasce uma proposta com corpos finos longitudinais,
empilhados e posicionados de modo a seguir os enfiamentos visuais e as linhas
cadastrais que estruturam a malha original deste aterro.
A sede ocuparia assim todo o quarteirão no piso térreo, onde a volumetria é definidora
do limite do embasamento, procurando dar sentido à ruína neo-manuelina préexistente ao incorporá-la no volume no nível térreo.
Os seis pisos elevam-se, perpendiculares à avenida, como volumes rectangulares
sobrepostos e desalinhados, formando um único corpo e forma. O modo como estão
sobrepostos cria plataformas exteriores onde volume mais inferior serve assim de
plano exterior do volume superior – acabando este último por sombrear as fachadas
do supracitado volume inferior.
O jogo presente na composição destes volumes permite desenvolver terraços e
varandas ajardinadas, parcialmente cobertas e acessíveis aos funcionários. Estes
desfasamentos presentes na proposta procuram aproximar-se da geometria da
envolvente [Boavista], originando relações com o edificado mais próximo quer através
da volumetria dos vários corpos, quer das plataformas exteriores.
28
Eduardo Elísio Machado Souto de Moura (Porto, 1952), arquitecto portugês, licenciado pela Escola
Superior de Belas-Artes do Porto em 1980, iniciou-se profissionalmente com o do arquitecto Álvaro Siza,
vindo mais tarde a fundar o seu próprio atelier. Lecionou na Faculdade de Arquitectura da Universidade
do Porto e mais tarde como como professor convidado em diversas universidades no estrangeiro. Venceu
o Prémio Sécil de Arquitectura em 1992, 2004 e 2011 com a Biblioteca Pública Municipal do Porto, o
Estádio Municipal de Braga e a Casa das Histórias de Paula Rego. O ano de 2011 é um dos mais
prestigiantes com o reconhecimento do seu trabalho e carreira através da distinção recebida com o
Prémio Pritzker. Da sua carreira destacam-se inúmeras obras nacionais e internacionais, com respetivas
publicações, conferências, prémios e distinções.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
117
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A composição que dá forma ao projecto permite reforçar a vivência do espaço e o
relacionamento com todo o entorno: um conjunto de miradouros empilhados
direccionados para diferentes pontos da cidade e um corpo que estimula e nos
convida à contemplação. Além dos seis pisos empilhados, a proposta acrescenta
quatro pisos subterrâneos destinados a estacionamento, perfazendo um total de dez
pisos utilizáveis. Se os pisos superiores empilhados permitem libertar o quarteirão
evitando a sua ocupação total e concentrando a construção, por sua vez os pisos
destinados a estacionamento ocupam totalidade da área disponível.
Constituído maioritariamente por treliças metálicas com dois pisos de altura
[aproximadamente 8 metros] que dão forma ao esqueleto estrutural do edifício; estas
estão apoiadas sobre pórticos metálicos periféricos – inseridos na fachada –; as lajes
são mistas e os núcleos centrais dos acessos verticais são construídos em betão
armado.
A fachada de vidro ventilada incorpora brise soleils29 no seu interior, procurando
[re]qualificar a relação com o rio, conferindo ritmo e protecção através dos elementos
verticais de sombreamento e, simultaneamente, permeabilidade através do vidro que
reveste as fachadas dos volumes empilhados.
Além da sede também foi proposta a requalificação da estrutura urbana envolvente
[Plano de pormenor da Boavista], que apresenta uma estratégia de regeneração e
consolidação – através de corpos rectangulares longitudinais e perpendiculares ao rio.
Estas construções estruturam e organizam o espaço público, gerando um conjunto de
espaços verdes arborizados que conferem continuidade e relacionam o edifício –
sede com os espaços públicos envolventes, através de planos verdes contínuos que
transformam coberturas em coberturas planas ajardinadas. Os quatro módulos mais
próximos da Rua da Boavista são constituídos por cinco pisos superiores e dois pisos
enterrados, com coberturas de duas águas, seguindo a volumetria e configuração do
edificado mais próximo. Por outro lado, os elementos mais próximos do rio colmatam o
edificado pré-existente e assumem volumetrias idênticas às da envolvente.
Brise Soleil – expressão de origem francesa que significa “quebra-sol”, consiste num elemento
construtivo, vertical ou horizontal presente nas fachadas, utilizado para impedir a incidência directa dos
raios solares nos espaços interiores de um edifício, deste modo evita o aquecimento excessivo dos
mesmos. A sua grande utilização e divulgação está fortemente associada à arquitectura moderna,
acabando por ser muitas vezes considerado como um elemento característico deste período, continuando
presente em inúmeras obras de arquitectura actuais, presentes em Portugal e no estrangeiro.
29
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
118
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 66 – Vistas da maqueta da proposta para a nova sede da EDP. (Corrêa, 2014).
Ilustração 67 – Esquissos da proposta para a nova sede da EDP. (Corrêa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
119
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 68 – Vista da proposta para a nova sede da EDP. (Corrêa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
120
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.2.5. PROPOSTA DE GRAÇA DIAS30 E EGAS VIEIRA31
Uma “plataforma elevada” é a expressão que consideramos melhor caracterizar esta
proposta elaborada por esta dupla de arquitectos: um corpo regular sobre a avenida
24 de Julho que vê e procura ser visto.
A partir de qualquer ponto de vista este volume de dimensões consideráveis marca o
território, constituindo-se como um objecto singular com uma relação directa com o rio.
A visibilidade que projecta em todo o entorno leva-o a possuir diferentes leituras e
apreensões; por um lado. Visualizando a partir do rio, observamos um grande corpo
elevado – ao nível dos grandes edifícios do lado da cidade – que se apresenta como
uma grande cobertura que nivela e dá continuidade à urbe. Quem experiencia o corpo
no seu entorno mais próximo encontra um edifício que sintetiza a ideia de espaço
ajardinado no interior de uma ruína romântica ou neo-manuelina, com uma cobertura
contemporânea habitável.
Este embasamento proposto acrescenta um enorme potencial e interesse na vivência
do projecto: um dos requisitos do concurso era a conservação da fachada neomanuelina – neste caso convertida num plano que circunscreve o jardim tropical
interior –, e sobre esta, eleva-se, a vinte metros do solo, o grande volume edificado.
O corpo elevado é constituído por dois pisos, pontualmente perfurados por pátios que
permitem encher de luz – controladamente – o espaço interior, protegendo-o.
Aparentemente o edifício parece flutuar; contudo, essa ideia dissolve-se com a
edificação de um corpo lateral perpendicular às avenidas, onde o horizontal está
apoiado – como um ancoradouro da estrutura flutuante. O conjunto dos dois volumes
forma um “L”, resultando num forte apoio estrutural da plataforma elevada, estratégia
essa que permite simultaneamente fechar [lateralmente] o quarteirão.
30
Manuel Graça Dias (Lisboa, 1953), arquitecto português licenciado pela Escola Superior de BelasArtes de Lisboa em 1977. Desenvolveu inicialmente a profissão em Macau, acabando por voltar a Lisboa
fundando o atelier Contemporânea com o arquitecto Egas José Vieira. Da sua vasta obra destacam-se o
Pavilhão de Portugal na Expo’92 de Sevilha, o edifício da Ordem dos Arquitectos em Lisboa, o Teatro
Municipal de Almada, entre outras. Lecionou em diversas universidades nacionais e estrangeiras,
actualmente presente na Universidade Autónoma de Lisboa e na Universidade do Porto.
31 José Egas Vieira (Lisboa, 1962), arquitecto português licenciado pela Faculdade de Arquitectura da
Universidade de Lisboa em 1985, onde foi aluno do arquitecto Graça Dias, iniciando actividade durante o
curso no atelier do seu pai o Arquitecto Egas de Vidigal Vieira. Desenvolveu em colaboração o projecto do
Pavilhão de Portugal da Expo’ 92 de Sevilha, fundando mais tarde o atelier Contemporânea. Leciona
desde 1988, actualmente na Universidade Autónoma de Lisboa como professor convidado.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
121
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Juntamente com o grande corpo vertical de suporte encontram-se seis grandiosos
pilares [ocos no seu interior] preenchidos com acessos verticais – núcleos de escadas
e elevador –, para os dois pisos superiores do volume horizontal. Estes elementos
estruturais de grandes dimensões, constituídos por perfis metálicos, auxiliam no
suporte estrutural, sendo eles os únicos “obstáculos” visuais no interior do espaço
verde; porém, a sua composição [de perfis metálicos] confere-lhes grande
permeabilidade, integrando-os, evitando qualquer protagonismo visual.
Um outro elemento que consideramos especialmente singular nesta proposta é o
revestimento da laje inferior do edifício sobrelevado com vidro escuro. O tecto do
jardim – que possui características muito próximas às do espelho – reflecte as várias
espécies de flora tropical para o espaço exterior. A partir das ruas mais próximas,
somos assim convidados a vivenciar através da reflexão situações espaciais entre
interior e o exterior mais próximo.
As fachadas contínuas e regulares de padrões geométricos que ocupam a superfície
são constituídas por vidro e painéis modulares brancos. Por sua vez o corpo lateral dá
continuidade à ideia inicial, mantendo as mesmas características; neste mesmo corpo
é proposto um vão que ocupa a área de três pisos com três módulos de janelas
horizontais e um grande vazio – bastante expressivo – que corta e rompe com a
monotonia, presente no plano contínuo da fachada. Na rua, deste mesmo lado, são
propostas três fileiras contínuas de árvores que remetem para a realidade presente no
interior, seguindo uma composição mais regular, em oposição ao jardim “romântico”
tropical.
Do plano urbano apresentado para o aterro da Boavista destacam-se três edifícios
habitacionais: corpos longitudinais de cinco pisos, transversais às avenidas e
integrados numa estrutura que segue as direcções e alinhamentos pré-existentes. As
fachadas seguem a mesma linguagem da proposta para o edifício da EDP – com
módulos regulares e rectangulares, que ocupam e dão continuidade às fachadas.
Entre estes são desenvolvidos um conjunto de percursos e espaços verdes que unem
os diferentes espaços públicos, destacando-se um percurso pedonal – em ponte –
sobre a avenida 24 de Julho, ligando a frente ribeirinha à característica malha do
aterro da Boavista.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
122
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 69 – Planta da proposta urbana para o plano de pormenor do aterro da Boavista e para nova sede da EDP. (Cruz, 2013).
Ilustração 70 – Esquissos da proposta para a nova sede da EDP. (Cruz, 2013).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
123
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 71 – Modelos da proposta para a nova sede da EDP. (Cruz, 2013).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
124
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
3.3. TRANSFORMAÇÃO DO LIMITE RIBEIRINHO DA BOAVISTA
Durante muito tempo, a ideia que muitos arqueólogos e historiadores tinham da cidade
de Lisboa durante período romano era que esta estava restringida à encosta sul da
colina do castelo de São Jorge; contudo, recentes descobertas feitas durante as obras
na Praça Dom Luís I levaram a uma nova interpretação da história.
Com a descoberta de um fundeadouro romano no sítio da Boavista, a real dimensão
da cidade é posta em questão. Esta informação tem sido fortemente divulgada pelo
projecto Portugal Romano32, arqueologia Romana em Portugal, e pela empresa ERA
Arqueologia33.
Um fundeadouro consistia numa estrutura portuária de protecção e abrigo para
embarcações enquanto estas aguardavam o momento para carregar ou descarregar
as mercadorias que transportavam. A existência de uma estrutura deste tipo em
Lisboa, neste período, aumenta a expectativa sobre a cidade, pois possivelmente seria
maior ou com uma disposição urbana diferente e distinta do que inicialmente
imaginaram.
Assim, a ideia de que somente no momento em que a cidade trespassa o limite das
muralhas é que se poderia encontrar algum tipo de construção neste sítio deixa de ser
válida. O local já possuia presença humana fixa desde o período romano, contudo,
sem deter as mesmas características urbanas ou topográficas que hoje conhecemos.
No seu natural movimento de expansão para o ocidente, Lisboa depressa passou por
cima da cinta das muralhas com que haviam envolvido os povos godos ou os
muçulmanos, e entulhando o estuário do Tejo preparou um excelente campo para a
construção de habitações. (Vieira da Silva, 1987a, p. 26).
O aterro da Boavista foi durante muito tempo um lugar pantanoso com a pouca ou
nenhuma corrente, e que juntamente com a acumulação de detritos, originou as
condições para o desenvolvimento e proliferação de todo o tipo de peste e pragas – ou
seja,
um
sítio
nauseabundo,
insuportável
e
insalubre
para
a
população.
Independentemente das características naturais não serem as mais convidativas à
fixação de população, a queda do Império Romano levou a cidade contrair-se e
Portugal Romano – projecto português sem fins lucrativos que procura dinamizar, divulgar e promover
a arqueologia romana em Portugal, com especial dedicação à sua página da internet portugalromano.com
e às redes sociais como o facebook.
33 ERA Arqueologia – Empresa portuguesa dedicada a serviços na área do património histórico e
arqueológico.
32
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
125
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
reduzindo substancialmente de dimensão, – sendo esta talvez uma possível
explicação para o retrocesso urbano, juntamente com a distância ao centro da cidade
– e conduzindo assim à decadência e abandono deste local.
Durante boa parte do período muçulmano a cidade concentrou-se no interior dos
limites das muralhas – reforçando o sentido de cidade fortificada – a cidade começava
e terminava exactamente na mesma linha vertical construída que lhe dá forma.
Já muitos anos antes da conquista pelas armas cristãs em 1147, todo o espaço da
Baixa de Lisboa, que é o vale compreendido entre o monte do Castelo pelo oriente, o
monte de S. Francisco pelo ocidente , e entre a praça de D. Pedro (Rossio) e o rio Tejo,
no sentido norte- sul, achava-se sulcado por um verdadeiro labirinto de travessas e
ruas, tortuosas, estreitas, e que não obedeciam a plano algum. Essa grande área foi
depois do grande terramoto de 1755 reformada com a construção de uma rêde de ruas
perfeitamente regulares, rectilínias, e cruzadas por outras ruas transversais, que nós
hoje todos observamos e admiramos. (Vieira da Silva, 1987a, p.5).
Porém, durante a reconquista cristã a cidade cercada é descrita com outras
características: já com maior dimensão; o núcleo urbano na encosta ocidental do
castelo – já fora da muralha – é atacado e saqueado pelos exércitos aliados cristãos.
A descrição é feita a partir do lado ocidental do antigo esteiro da Baixa, onde hoje se
encontra a Faculdade de Belas-Artes, outrora convento de São Francisco. Nesta
época, na colina ocidental, a água chegava até à base da encosta e o espaço da praia
era muito reduzido [e em certos pontos inexistente], permitindo que as embarcações
dos exércitos aliados estacionassem aí durante o ataque.
Ao palácio segue-se um terreno em que havia picadeiro, cavalariças, e outras oficinas,
que tinha de comprimento a extenção da frente do palácio para o largo da Côrte Real, e
pelo fundo chegava até à Ribeira das Naus, havendo uma serventia entre o palácio e o
dito terreno. Sobre os alicerces dêstes edifícios é que foi construída a Sala do Risco do
Arsenal da Marinha […]. (Vieira da Silva, 1987b, p.112).
No reinado de Dom Manuel I e com a transferência do Palácio para a Ribeira aumenta
o interesse da nobreza pela procura de um sítio e de uma pequena posição dentro da
nova frente. O aterro feito conquista terreno ao rio e a cidade focaliza-se nesta
direcção: o comércio marítimo assenta bases e alicerces neste sítio mas também
alguns armazéns são edificados em conjunto com linhas defensivas fortificadas. Um
dos grandes investimentos é a construção de edifícios para a produção da pólvora –
tão necessária na manutenção do monopólio político e económico [ver Ilustração 74].
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
126
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
“Até aos fins do século XV parece que não havia ao sul da muralha da Porta da Oura
senão uma pequena praia com varadouro e estaleiros de construção de
embarcações.” (Vieira da Silva, 1987b, p. 95).
Neste reinado a frente ribeirinha ocidental era caracterizada pelas inúmeras estruturas
de construção naval – docas secas e rampas – que predominavam na frente; uma das
construções defensivas que mais se destacava era o forte e baluarte de São Paulo
que hoje dá nome a toda essa zona. Se na linha da frente predominavam estas
construções relacionadas directamente com os usos marítimos e ribeirinhos, na linha
interior só a habitação e o pequeno comércio prevaleciam.
Na planta de 1650 não é possível comparar nem descrever a evolução urbana da
cidade do lado ocidental, visto não abranger muito mais do que os primeiros edifícios
exteriores à muralha Fernandina. A realidade descrita não é semelhante à conhecida
no período de D. Manuel I pois independentemente de não existir nenhuma planta com
a cidade dessa época, as descrições escritas seguem em consonância com a cidade
levantada por João Nunes Tinoco em 1650 [reinado de D. João IV].
Durante as guerras da restauração [reinado de D. João IV] houve necessidade de
conhecer a cidade e as suas estruturas defensivas de modo a compreender que
defesas ainda estavam activas ou obsoletas.
A planta original de 1650 desapareceu, restando hoje algumas cópias e réplicas
parciais do centro urbano. O troço ocidental da cidade continha informação limitada,
terminando aproximadamente no limite da muralha Fernandina.
O grande palácio chamado Côrte Real parece ter sido começado a edificar por 1585,
por Critóvão de Moura Côrte Real, depois pelo Marquês de Castelo Rodrigo, na praia
fronteira às casas que haviam sido construídas por Vasco Eanes Côrte Real,
encostadas à muralha […]. (Silva, 1987b, p. 108).
Do período anterior ao terramoto [1755] existem algumas plantas e informações
escritas que complementam a informação da planta de 1650: o troço ocidental
começava no largo do Corpo Santo, largo esse de dimensões “expressivas” que
configurava uma nova entrada ribeirinha ao centro urbano e ao novo Paço Real. No
largo destacava-se o imponente palácio da família Corte-Real, [mais tarde penhorado
pelo rei], que colmatava e completava o complexo real [ver Ilustração72].
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
127
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Um palácio de modestas dimensões, de base quadrada e com um pequeno pátio ao
centro; sobre o rio estendiam-se dois braços paralelos ao corpo principal, abertos
sobre a água. Este edifício imponente expressava claramente o espírito da época
através do forte contacto e relação da cidade com o rio e o mar. A cidade expressavase assim num dos edifícios mais emblemáticos desta época.
“No ano de 1751 começaram grandes obras e reparações, mas pegando fogo em uma
sala ardeu completamente o palácio, ficando só livre as duas varandas que saíam do
palacio sobre o rio, e as casas que havia por baixo com algumas cavalhariças”. (Vieira
da Silva, 1987b, p. 109).
Diferentes edifícios – paralelos ao rio – partiam do largo do Corpo Santo até ao
baluarte de São Paulo que defendia este troço da cidade; junto a este estava uma
plataforma portuária rectangular que complementava a estrutura defensiva e mercantil.
Esta estrutura estava compreendida ente o baluarte de São Paulo [mais expressivo] e
o baluarte dos Remolhares [mais pequeno] entre São Paulo e o Corpo Santo. Próxima
a esta construção encontrava-se um conjunto de corpos que configuravam um largo –
com um corpo mais pequeno ao centro, formando um recinto em forma de anel
quadrado – onde se encontrava o conjunto da casa da moeda [ver Ilustração 72 e 74].
Relativamente perto estavam ainda as tercenas que produziam e armazenavam a
pólvora e que mantinham o monopólio do comércio marítimo – estas tercenas estavam
obrigadas a localizar-se longe do centro urbano de modo a evitar acidentes que
pudessem causar grandes danos, como ocorrera no passado.
Esta frente era constituída por estruturas portuárias e armazéns. Uma frente operária
que contrasta com a linha interior de construção predominantemente habitacional que
segue paralelamente ao rio em direcção a Santos, unindo as diversas igrejas e
conventos que pontuavam a frente ribeirinha da cidade nesta época e apresentando
as premissas que a caracterizam hoje – uma frente edificada contínua que,
pontualmente, é perfurada por pequenos largos e praças onde proliferam as relações
e comunicações entre o tecido interior [da cidade] e o rio.
Não tratamos de fazer aqui a apologia do marquês de Pombal, nem de mencionar os
serviços de diversas ordens por êle prestados à nação portuguesa; apenas diremos
que, graças ao seu pulso de ferro, é que em 20 anos se viu surgir uma nova cidade,
regular e higiénica, sôbre as ruínas de uma povoação quebrantada e aniquilada port ão
inesperado e profundo golpe. (Vieira da Silva, 1987b, p. 185).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
128
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Após o terramoto de 1755 a cidade foca-se na reconstrução do centro urbano da Baixa
e o troço ocidental é reconstruído seguindo um traçado mais regular, com quarteirões
maiores e mais expressivos. O largo do Corpo Santo perde o emblemático Palácio
Corte-Real mas ganha maior dimensão e uma vista desafogada sobre o rio; o baluarte
ainda é preservado e a casa da moeda mantém a mesma localização.
A rua da Boavista consolida-se como linha – limite entre a cidade e o rio e do lado sul
estava a praia: um extenso areal sobre um pântano insalubre. Nesta época em que
questões higienistas são levantadas na reconstrução da cidade, começa-se a pensar e
a planear a possibilidade de aterrar a pântano ao longo da rua, estendendo o tecido
urbano sobre o mesmo.
“Uma das primeiras providências que se tomou depois do terramoto foi a fixação dos
locais para lançamento dos entulhos, a fim de se fazer o nivelamento do terreno […]”
(Vieira da Silva, 1987b, p.185).
A primeira zona a ser objecto de intervenção urbanística, por parte da Câmara
Municipal, foi a zona onde vai existir o aterro da Boa-Vista que era, no início de
Oitocentos, constituída por um conjunto de praias lodosas, onde se despejavam lixos e
imundícies da cidade. Esta era também, tal como a do Bom Sucesso junto a Belém,
uma zona de implantação fabril. Aí se situavam, entre outras indústrias, fábricas de
gelo, bebidas, tipografias, serrações, metalurgias, como a Fábrica Phénix no boqueirão
da Palha, uma fábrica de gás e também a Casa da Moeda. Toda a área desde a
Ribeira Nova até Santos era servida por pequenos cais construídos por iniciativa
particular e a ligação da rua da Boa-Vista, sua principal artéria, com a beira-rio era
efectuada por numerosos boqueirões, verdadeiros locais de despejo de toda a espécie
de detritos e, por conseguinte, ameaças latentes à saúde pública dos habitantes da
cidade. Durante toda a década de 1860, as obras do Aterro da Boa Vista e a
construção da Rua 24 de Julho, até Santos, estiveram na ordem de trabalhos da
municipalidade da capital, que para elas não deixou de solicitar, repetidamente, ao
governo central mais e melhores meios de actuação. (Barata, 2009).
No levantamento de 1850, do Engenheiro Filipe Folque, o aterro já representado
aparece, e entre a rua da Boavista e o rio estende-se um extenso aterro de dimensões
até então nunca feitas e quase traçado a “régua e esquadro” a partir da Ribeira das
Naus [ver Ilustração 73 e 75].
Com o passar do tempo o aterro acaba por ser apropriado e ocupado; os limites
laterais dos anteriores edifícios da rua da Boavista são prolongados até ao rio sobre o
novo território, originando uma malha em forma de leque que estruturou o novo aterro
da cidade e que mais tarde irá materializar os diferentes lotes – de ocupação
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
129
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
predominantemente industrial. Grande parte dos quarteirões apresentam as mesmas
características e seguem a mesma estratégia de ocupação, densificando a construção
no topo [pré-existente ao aterro] junto à rua da Boavista e limitando-se a contornar o
lote com muros ou corpos longitudinais mais estreitos.
A métrica constante e semelhanças entre os corpos que ocupam o aterro não se deve
apenas a questões formais da configuração dos lotes mas também ao uso que a
população lhes conferiu. O contacto mais imediato com o rio permitiu uma maior
proximidade com as estruturas de transporte e comunicação mercantil, levando à
concentração de estruturas urbanas industriais de naves contínuas – que não só
produzem como armazenam. Foram essencialmente estes os factores que
condicionaram a forma e a volumetria das construções – bem como a vivência do
espaço urbano – a sul da rua da Boavista.
Com o levantamento do engenheiro Silva Pinto – que termina em 1911, o aterro da
Boavista volta apresentar alterações consideráveis: a introdução da linha de
caminhos-de-ferro que liga a vila de Cascais a Lisboa e cuja estação Terminal era a do
Cais do Sodré, ainda hoje presente na frente ribeirinha ocidental da cidade.
Com a construção da linha de caminhos-de-ferro houve necessidade de aumentar a
frente ribeirinha sobre o Tejo. Na Ilustração 75 – 1910 – a cidade do século XX já
representada a nova plataforma que estende a cidade um pouco mais para sul – com
este novo “acrescento” ela ganha novas avenidas arborizadas e a total definição da
Avenida 24 de Julho.
As novas avenidas estruturam a frente urbana da Boavista; o acesso directo ao rio
passa a estar condicionado e a dimensão dos lotes extremamente profundos, deixa de
ser funcional. De modo a adaptar-se a esta nova realidade e a consolidar a estrutura
urbana, inicia-se a abertura da futura Rua D. Luís I que irá perfurar e dividir a antiga
estrutura em leque, originando dois conjuntos de quarteirões – um sobre a Rua da
Boavista e outro sobre a grande Avenida 24 de Julho. Com a divisão do aterro em
duas partes, os quarteirões tornam-se mais pequenos e um lote dá origem a dois
lotes, permitindo ou aumentando o número de espaços disponíveis para a indústria.
Uma das características que ressalta no levantamento de Silva Pinto consiste na forte
consolidação das ruas e quarteirões nos extremos da Boavista: o Cais do Sodré e
Santos [mais concretamente do antigo cais do Tejo]. Do lado oriental, é construído o
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
130
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Mercado da Ribeira, [no lugar da antiga Ribeira Nova] impulsionando a construção e
reconversão dos edifícios mais próximos, inclusive da antiga Casa da Moeda.
Grande parte da consolidação encontra-se em torno da nova praça D. Luís I que
reorganiza e enquadra todo este sítio que se mantém muito pouco alterado até hoje.
Inclusive é na praça que se inicia a actual Rua D. Luís I que no início do século XX
não é mais do que um pequeno beco sem saída [ ver ilustração 73 e 75].
Do lado ocidental, também fortemente consolidado, é aberta a Avenida D. Carlos I que
impulsiona a construção dos edifícios que a configuram deste a actual Assembleia da
República até à frente que termina junto da linha férrea.
No fundo da Avenida D. Carlos I é construído um volumoso quarteirão – uma peça
isolada de base quadrangular, distinta, e de dimensões superiores aos edifícios
envolventes. Este corpo funciona como um elemento estratégico e organizador que
permite fazer a transição e, simultaneamente, a união entre os vários tecidos urbanos
que convergem neste ponto e que anteriormente à sua construção era denominado de
“Cais do Tejo”, um terreiro aberto sobre o rio. Com o segundo aterro este cais deixa de
fazer sentido por várias razões: nomeadamente pela distância ao rio passar a ser duas
vezes mais longa que a sua dimensão, pela intersecção da linha férrea e pelos
edifícios industriais e portuários encostados junto ao Tejo.
No século XX a transição entre a cidade e o rio é definida por uma linha contínua e
rígida onde termina o aterro – alta em relação ao nível médio das águas do rio – ao
contrário do que se passava em Alfama, onde existiam as docas de abrigo para as
embarcações. Porém, junto ao Cais do Sodré [e da estação de comboios] a linha
rígida desaparece para dar lugar a escadas e rampas de pedra sobre o rio, permitindo
e incentivando a vivência do espaço pela população – situação distinta da plataforma
elevada [na frente da Boavista], construída de modo a permitir que os barcos
pudessem encostar e ficar ao mesmo nível da cidade [ ver Ilustração 73 e 75].
Actualmente, e passados pouco mais de cem anos desde o último levantamento, a
frente ribeirinha da Boavista apresenta diferentes características: a Rua D. Luís I
trespassa na totalidade o aterro, impulsionando a sua consolidação, outrora mais
presente nos quarteirões a norte entre a “nova” Rua D. Luís e a Rua da Boavista; o
carácter e uso industrial permanecem, porém, perdem força ano após ano – com uma
parte significativa em ruína, degradados ou já demolidos.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
131
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Junto ao rio o número de armazéns e edifícios portuários mantém-se, preservando o
carácter e uso; contudo, alguns desses edifícios foram convertidos para outros usos –
como o da restauração.
Um dos maiores lotes “vazios” é unicamente edificado do lado poente, onde se
encontra o edifico do IADE34. A frente onde este lote está inserido tem espoletado
grandes interesses por parte de grupos económicos, como por exemplo devido à
recente valorização dos terrenos aí situados, como é o caso da construção da nova
sede da EDP, ou até mesmo o projecto do plano urbano que previa a construção de
uma torre no referido lote.
A Avenida 24 de Julho, uma das maiores da cidade, é constituída por dois troços
rodoviários com faixas diversas: uma para transporte privado e outra exclusiva para
transportes públicos – funcionando como uma inequívoca artéria distribuidora de
trafégo rodoviário na frente ribeirinha [paralela à linha férrea que se mantêm
ininterruptamente
por
toda
a
frente,
tal
como
outrora
fora
projectada],
independentemente de se estudar a possibilidade desta ligação ser feita por via de um
túnel subterrâneo, permitindo à cidade um maior contacto com a frente, visto ser um
elemento de restrição à vivência dos espaços existentes para além desta.
A existência da linha de caminhos-de-ferro que liga Lisboa a Cascais “estrangula” por
completo a frente, impedindo a sua consolidação. A incerteza do crescimento do ramo
da construção dos últimos anos levou a que as atenções convergissem na Boavista,
talvez faça sentido concentrar esforços na consolidação do tecido interior que se
apresenta mais acessível e necessário. Contudo, e por isso muitas das propostas
consideram importante a construção de ligações, como passagem superiores sobre a
linha de caminhos-de-ferro, unindo ambos os lados.
É perceptível que muitas das características da apropriação do território se mantêm
estão presentes e facilmente identificamos a construção de uma linha contínua que
remata a base das várias colinas. As frentes sucedem-se e entre elas crescem
pequenos espaços como praças ou largos que unem os tecidos, transformando-os em
áreas de convergência da vivência do espaço contínuo, [linear] redireccionando-as.
IADE – Instituto de Arte, Design e Empresa, é uma instituição de ensino superior, localizada em Lisboa,
pioneira no ensino do design em Portugal, desde 1969. Em 1973 é construído o novo edifício da
instituição, localizado em Santos, projectado pelo arquitecto portugues Tomás Taveira.
34
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
132
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 72 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), edificado, 1650-1755-1770. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
133
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 73 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), edificado, 1855-1911-2015+. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
134
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 74 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), 1650-1755-1770. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
135
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 75 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Boavista), 1858-1911-2015+. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
136
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4. FRENTE RIBEIRINHA DE ALFAMA - TERMINAL
LISBOA – CARRILHO DA GRAÇA 35
DE
CRUZEIROS
DE
32
João Luís Carrilho da Graça (Portalegre, 1953), arquitecto português natural de Portalegre, licenciado
pela Escola Superior de Belas Artes de Lisboa em 1977, ano em que iniciou a sua actividade profissional.
Além da direcção do seu próprio atelier, desempenha funções de docente em diversas instituições de
ensino de arquitetura. Foi Assistente na Faculdade de Arquitetura da Universidade Técnica de Lisboa de
1977 a 1992, professor na Universidade Autónoma de Lisboa 2001 a 2010 e na Universidade de Évora
desde 2005 onde coordenou o departamento de arquitetura em ambas as instituições até 2010.
Professor visitante da Escola Técnica Superior de Arquitetura da Universidade de Navarra em 2005, 2007
e 2010. Convidado para seminários e conferências em diversas universidades e instituições
internacionais.
Ao longo da sua carreira profissional foi distinguido com diversos prémios dos quais se pode destacar o
título de “Chevalier des Arts et des Lettres” pela República Francesa em 2010, o “Prémio Pessoa” em
2008, o prémio da Bienal Internacional da Luz-Luzboa em 2004, a ordem de mérito da República
Portuguesa em 1999, o prémio “aica-associação internacional dos críticos de arte” em 1992. Distinguido
com “Piranesi Prix de Rome” em 2010 pela musealização da área arqueológica da Praça Nova do castelo
de São Jorge, o prémio “fad” em 1999 e o prémio “Valmor” em 1998 pelo pavilhão do conhecimento dos
mares - expo’98, o “Prémio Secil de Arquitetura” em 1994 pela Escola Superior de Comunicação Social
de Lisboa.
Dentro do seu percurso profissional foi nomeado para o prémio europeu de arquitetura “Mies Van der
Rohe” em 1990, 1992, 1994, 2009, 2010 e 2011.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
137
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 76 – Localização do plataforma /cais do futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (João Luís Carrilho da Graça Arquitectos,
2011).
Este projecto do arquitecto João Luís Carrilho da Graça procura construir uma nova
oportunidade de vivenciar a relação entre a cidade e o rio, no contexto do limite entre a
terra e a água. A proposta apresentada reflecte essa inequívoca vocação natural da
cidade como estrutura portuária, localizando-se em plena frente ribeirinha de Lisboa,
entre a Estação Ferroviária de Santa Apolónia e a Doca da Marinha.
Um dos muitos elementos característicos deste projecto – inúmeras vezes enaltecido
por Carrilho da Graça – corresponde à necessidade da definição de duas praças, já
previstas, que correspondem aos enquadramentos da alfândega de Lisboa e do
Museu Militar. O projecto para o futuro terminal constitui-se como um elemento que
auxilia a consolidação urbana da frente ribeirinha mas também do limite entre a doca e
plataforma do terminal com a frente urbana edificada. Deste modo, a praça do Museu
Militar e a praça da alfândega ganham uma nova organização e definição. Estas são
algumas das premissas iniciais que vão ao encontro da intensão de consolidação do
espaço urbano envolvente.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
138
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Apresenta-se como um conjunto multifuncional e extremamente versátil, bem como
uma resposta que procura de solucionar a sazonalidade das rotas dos cruzeiros e
deste modo, os vários espaços exteriores e interiores que compõem o conjunto do
terminal de cruzeiros, permitem acolher distintos eventos e actividades. Consideramola uma proposta interessante, do ponto de vista do edifício como do espaço urbano por
si gerado e concebido para a cidade, mas também para os que a habitam.
O Terminal dispõe de uma localização privilegiada sobre a doca do Poço do Bispo:
trata-se de uma interface ribeirinha, praticamente no centro da cidade, implantada na
zona mais baixa da colina que acolhe o histórico bairro de Alfama na encosta. O
edifício relaciona-se de um modo muito particular e directo com os edifícios mais
notáveis da encosta do castelo. De volumetria compacta e libertador do espaço
envolvente, este projecto oferece à cidade e aos bairros adjacentes um novo espaço
ajardinado, na frente ribeirinha.
Muitas das vezes – e em Lisboa é bastante frequente – os edifícios de grande
volumetria ocupam a função de elementos pioneiros na organização do espaço
público; são corpos estrategicamente posicionados que criam ligações e relações que
não se restrinjam a simples alinhamentos visuais que estruturam ruas, mas uma
complexa relação de “seduções” visuais e materiais, vivenciadas tanto a partir da
lumínica e branca calçada, da varanda ou da água furtada no topo dos telhados e dos
beirados.
Ao subir a qualquer cobertura de Alfama constatamos esta situação, quer seja nas
grandes igrejas – estrategicamente localizadas –, quer na linha fronteiriça na base
desta colina, criada pelo Museu do Fado e pela alfândega. Estes edifícios são
constituídos por dois corpos de grande volumetria que impõem uma presença,
marcando e protegendo o casario da ruidosa avenida que corta qualquer tipo de
relação física entre o rio e o bairro.
Hoje em dia este contacto visual é a principal relação entre a encosta do castelo e o
rio, e se hoje o largo do Chafariz de Dentro é o ponto de encontro onde todos
convergimos e a porta de entrada para o bairro de Alfama, muito se deveu a estes
grandes edifícios e às suas volumetrias que permitiram consolidar, mantendo o
mesmo carácter, protegendo-a da loucura e da descaracterizada confusão de uma
“pseudo-auto estrada” às portas da cidade.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
139
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Este terminal assume-se como um edifício à escala da cidade, um corpo de grande
volumetria, tal como os edifícios anteriores que iniciaram a ocupação dos antigos
aterros; contudo, apresenta-se também como um anfiteatro aberto à colina, sobre uma
plataforma contruída entre a cidade e o rio.
Como referimos em cima, a relação predominante entre este lugar da cidade e o rio é
maioritariamente visual e o projecto do terminal reforça essa relação, não só pelo
anfiteatro mas também pela cobertura plana – possivelmente ajardinada – pela vista
panorâmica sobre a envolvente e, fundamentalmente, por ser um corpo de mediação
entre o centro histórico e o rio e uma porta de entrada para a cidade através do limite
ribeirinho.
A distância entre o conjunto do terminal e a linha da frente edificada é extremamente
importante e necessária, permitindo uma melhor contemplação da encosta de Alfama,
do edificado multicolor e dos telhados sobrepostos; um contínuo de casas encosta
acima, um fantástico skyline que pontualmente é rompido pelos campanários das
igrejas, do Panteão Nacional, da Sé e do Mosteiro de São Vicente. Deste modo, a
distância entre o edifício do terminal e a linha fronteiriça, criada pelo Museu do Fado e
pela alfândega, justifica-se não só pelo reforço visual e melhor conexão com o rio, mas
também pelo modo como cria uma nova linha “defensiva” edificada, desenvolvendo
novas atmosferas e espaços públicos. Esta faixa que resulta do novo projecto do
terminal retira algum protagonismo à Avenida Infante Dom Henrique, sendo esta uma
consequência da tentativa de ligação a encosta à frente ribeirinha.
Ilustração 77 – Localização do futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (João Luís Carrilho da Graça Arquitectos, 2011).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
140
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Uma das estratégias centra-se no novo espaço verde: um novo parque que pretende
integrar e interligar os diversos espaços públicos, desde a plataforma do terminal até à
linha de contenção da estrutura urbana da cidade. Deste modo, as antigas ruas
empedradas que descem pela encosta e terminam nos largos e na rua onde se
encontra a alfândega conseguem dar continuidade ao espaço público e chegar ao rio
através deste parque.
O edifício, como momento gerador do espaço público, consegue conservar a anterior
estrutura da doca do Poço do Bispo. A conservação apresenta-se como uma
evocação da memória da antiga estrutura portuária. O parque e toda a envolvente do
terminal desenvolvem-se a partir da preexistência, como um “eco” da anterior
construção. Linhas ténues no pavimento conduzem o projecto, como ecos de uma
memória que se expressa na concepção dos novos espaços da cidade.
“Com o tempo a cidade cresce sobre si mesma; adquire consciência e memória de si
mesma, de si própria.” (Rossi, 1977, p. 24).
O terminal apresenta um posicionamento central e funciona elemento gerador e
organizador do espaço que se relaciona directamente com a praça a sul – concebida
não só para o terminal mas também como enquadramento do rio e do edifício da
alfândega e como sendo um espaço com um papel assumidamente cénico. A memória
do sítio e a referência ao rio é novamente evocada pela praça e pelo espelho de água,
onde a textura e a materialidade estão conjugadas. O parque a sul do terminal vive
deste relacionamento de diferentes espaços com distintas materialidades juntamente
com os relvados e as árvores de copas altas – que estruturam o espaço e delimitam a
praça.
O edifício, até então caracterizado pela sua volumetria compacta, liberta-se, e a
envolvente reflecte-se na sua composição, o corpo do Terminal, eleva-se, ligeiramente
sobre o grande espelho de água e a ra luz é reflectida no alçado sul – definido por um
grande plano de vidro e é iluminado através da água, memória do sítio.
Planos relvados e inclinados na direcção da praça, estão na origem de novas
relações, levam à apropriação do espaço, ao convívio. Procura-se mais uma vez esse
carácter multifuncional a apropriação e vivência do novo espaço verde.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
141
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
O espaço envolvente do terminal é rematado por dois volumes paralelos às
extremidades, com programas independentes mas que complementam o conjunto,
destinados à restauração e ao lazer.
São os volumes simples e regulares que de modo sublime fecham e contêm as
intervenções dos diferentes períodos: Peças simples que formam a fronteira que é
encarada como uma linha potenciadora de separação e parcelamento mas que na
verdade se constituem como elementos fundamentais na consolidação das diferentes
malhas e traçados – tão necessários para a definição e transição do espaço.
É muito interessante contemplar o horizonte e a infinitude dos espaços, mas não será
mais reconfortante reconhecer os limites do que nos envolve? Pontualmente, a
infinitude do espaço corresponde ao “balão de oxigénio” ou o momento libertador que
muitos procuram numa cidade densamente construída. O limite é a âncora que nos
permite orientar sem “perder o norte” e estes corpos regulares que foram referidos
como elementos da consolidação urbana: a Alfândega, os Museus do Fado e Militar,
ou como os novos corpos paralelos nos extremos da intervenção do Terminal, não são
mais do que as referidas âncoras que permitem “segurar” o espaço sem que este
perca o sentido.
Ilustração 78 – Perspectiva do plano do Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (JLCG arquitectos, 2011).
Se repararmos na ilustração anterior é possível visualizar como estes corpos rematam
e organizam o espaço, não esquecendo que o projecto do terminal vive destes
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
142
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
momentos e desta fronteira entre a delimitação do espaço e a possibilidade de
vivenciar a sua infinitude.
A delimitação do espaço do parque – do lado do rio – é feita através da passerelle
elevada, através de um corpo delgado e de vidro, contrastando com o seu
comprimento que delimita o espaço e enquadra a vista e o horizonte sobre o mar da
Palha. Na proposta segue paralela à mesma passerelle uma linha de árvores que a
camufla. Que imagem resultará deste momento? Imaginemos uma linha de árvores
texturadas – sobre um fundo translúcido – por entre o qual a luz trespassa; de certo
modo, imaginamos um momento composto por vários elementos que estão integrados
com um sentido comum, mas que ao mesmo tempo são capazes de manter o valor e a
identidade de cada um.
Como referimos no início, este momento não só permitirá a definição do limite do
espaço [limite esse bastante permeável], mas também a possibilidade de o trespassar,
por entre os troncos das árvores ou pelos pilares de betão que suportam a passerelle.
Não só é possível respirar e viver esse mesmo “balão de oxigénio” da cidade sem fim,
como também construir a âncora que nos segura e que nos protege. Esta passerelle,
totalmente paralela aos limites do cais [estrutura esguia como um apêndice do corpo
arquitectónico] toca com subtileza no casco das distintas embarcações que atracarão
no cais do terminal de cruzeiros e é claramente a âncora do Terminal, tão ou mais
importante que o próprio edifício e uma das grandes protagonistas deste projecto.
Ilustração 79 – Maqueta com vista do alçado poente do futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (JLCG arquitectos, 2011).
Voltando ao edifício principal, os grandes alçados longitudinais brancos que o fecham,
como um escudo protector que pontualmente toca no solo, elevam-no como um
edifício-ponte. Fica a questão: como pode um edifício que se fecha ao exterior e se
abre pontualmente ser acolhedor ou atractivo? É nesse contraste entre o
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
143
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
encarceramento e a abertura pontual que reside o interesse e a atracção, a
curiosidade, o convite à experienciação do espaço.
O grande plano do lado da cidade relaciona-se de um modo completamente distinto do
alçado sul, inflectindo várias vezes e abrindo e fechando o corpo do edifício, cria
permeabilidade e encerra-se e protege-se do exterior. Pontualmente, abre-se e
espreita, para logo depois voltar a “cerrar o olhar”, como um jogo de “sedução” à
distância entre o edifício e a cidade. No jogo da gravidade, onde a matéria aparenta
não ter peso, o plano desce e toca o solo, para voltar a erguer-se. Não se fecha mas
enquadra e define, sendo esta a transição entre o interior e o exterior, é
simultaneamente a porta de entrada [e de saída] da cidade.
Ilustração 80 – Maqueta com vista do alçado poente do futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (JLCG arquitectos, 2011).
Do lado do rio, o plano rígido e praticamente fechado, corresponde ao primeiro
contacto entre o edifício e o cruzeiro. Um corpo imponente e estranho, que se protege
e se defende, abrindo-se somente quando necessário; existem três aberturas por onde
passam três ligações que se unem à passerelle. Este elemento é fundamentalmente
uma estrutura distribuidora de passageiros e um cordão umbilical de relações entre o
edifício e as grandes embarcações. Em contraste os outros dois alçados [sul e norte],
a sua materialidade é completamente permeável com planos contínuos de vidro que
permitem uma constante relação entre a cidade e o interior.
O espaço interior relaciona-se com a praça sul; o interior abre-se ao exterior, o olhar
de quem se encontra dentro dispersa-se pois deslumbra-se pela grandeza do vão que
enquadra a cidade.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
144
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 81 – Maqueta do futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa. (JLCG arquitectos, 2011).
O acesso principal faz-se junto ao plano de água, num espaço coberto, elevado, com
acessos directos ao hall do qual parte o percurso público [promenade], paralelo aos
limites e que envolve todo o edifício. O grande hall relaciona-se com o exterior através
do grande plano de vidro, das rampas e dos reflexos da água. Deste modo, o interior e
o exterior unem-se através da permeabilidade do material – da luz que trespassa o
vidro, reflectida, dinâmica e inconstante –, e do movimento fluído da água e da
rarefacção da cor. Na cota baixa, a funcionalidade do espaço faz-se notar e o parque
coberto pelo edifício de acesso controlado permite o desenvolvimento das áreas
técnicas e o respectivo estacionamento privado.
Um dos grandes momentos do projecto do Terminal de Cruzeiros de Lisboa
desenvolve-se sobre a cidade no momento em que o edifício rompe e cria um plano
sobre a colina: um anfiteatro elevado com a cidade como palco em plano de fundo,
onde todos somos actores e espectadores. No interior do edifício desenvolve-se o
percurso – uma rampa que leva à descoberta constante da envolvente, percorrendo os
distintos alçados com distintas características e materialidades – contemplando uma
vista sobre o rio e sobre a cidade, proporcionada pela fantástica localização do
edifício.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
145
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
O percurso descrito culmina na cobertura, descrita pelo arquitecto como uma “jangada
flutuante” sobre as copas das árvores do parque. Daí obtém-se uma visão total e sem
obstáculos da cidade, de um lado, e do rio, do outro. A cobertura é uma praça elevada
sobre o rio, organizada e estruturada através de pavimentos em madeira e coberturas
ajardinadas, com planos verdes elevados que permitem dar continuidade à mancha
verde das árvores do parque circundante.
O projecto do terminal de cruzeiros pretende enfatizar essa ideia de pavilhão.
Construtivamente foram propostas lajes de betão aligeiradas, sobre pilares de betão,
descritos pelo arquitecto João Luís Carrilho da Graça como uma floresta pétrea em
contraste com a floresta que se pretende criar no parque envolvente. A materialidade
do edifício é uma das características mais relevantes da concepção deste projecto. A
flexibilidade no uso da mobilidade, a liberdade espacial e os dois grandes planos
envidraçados, contrastam com a matéria e a dureza dos alçados longitudinais.
Ilustração 82 – Axonometria do Terminal, Carrilho da Graça, 2010. ([Adaptado a partir de: Graça, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
146
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 83 – Planta do piso superior do Terminal, Carrilho da Graça, 2010. ([Adaptado a partir de: Graça, 2010).
Ilustração 84 – Planta do piso térreo do Terminal, Carrilho da Graça, 2010. ([Adaptado a partir de: Graça, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
147
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 85 – Cortes e alçados do Terminal, Carrilho da Graça, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
148
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Mais que “tapar um buraco”, trata-se de construir um corpo avançado e distribuidor e
organizador, tanto da espacialidade urbana como dos usos e funcionalidade da
mesma.
Este sítio, ao contrario da envolvente, não é um aterro mas uma laje: um plano de
betão sobre a água que permite manter a profundidade do leito do rio – característica
fundamental para a comunicação marítima e manutenção do porto. Estas valências
determinam os usos do território e, deste modo, o Terminal vai ao encontro da
realidade do sítio, procurando construir um lugar de carácter único num limite da
cidade.
O lugar idealizado pretende trazer a cidade ao rio e dar continuidade ao espaço
público, construindo novas praças, enaltecendo o edifício e o edificado envolvente
existente mas também reorganizando e estruturando o espaço.
Trata-se de um projecto pioneiro que procura percutir novas transformações na
construção da frente – como é o caso da futura praça do Campo das Cebolas [a sul do
Terminal] e na construção do espaço ribeirinho entre estes dois projectos.
Referimo-nos por isso adotar de sentido e revitalizar uma frente citadina inteira –
compreendida entre Santa-Apolónia e o Terreiro do Paço que é necessário e urgente.
Todos os espaços são considerados, conectando as pequenas e estreitas ruas com os
vários largos e pequenas praças que pontuam a linha interior edificada. Todos os
edifícios são realçados pois esta frente foi desenhada para ser habitada e vivida,
contrariando décadas de restrições e condicionamentos ao seu uso e à sua
possibilidade de experienciar as suas melhores qualidades.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
149
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4.1. O TERMINAL DE CRUZEIROS E AS GARES MARÍTIMAS DE ALCÂNTARA
E DA ROCHA DO CONDE DE ÓBIDOS.
Quem conhece a frente ribeirinha de Lisboa rapidamente constata um elevado número
de construções relacionadas com o rio e com actividades inerentes ao mesmo. Das
gares marítimas às estações fluviais, das alfândegas aos intermináveis armazéns e
anexos portuários, das plataformas às docas secas, as referências e as relações são
constantes e é interessante compreender como estas construções de diferentes
períodos contêm vários elementos comuns: desde o modo como estão organizadas e
localizadas, modo de construção, ou mesmo as estruturas e os materiais.
Desde sempre que a frente ribeirinha é caracterizada como lugar fulcral de entrada e
saída da cidade: seja como centro do desenvolvimento comercial, ou pela transacção
de recursos e bens. Esta “qualidade” portuária, mercantil e comercial levou a que o
limite físico de diferenciação entre a cidade e o rio se desenvolvesse.
O desenho da cidade é o desenho das linhas limítrofes entre espaços privados e
espaços públicos (as frentes da construção). Nestas frentes estão localizadas as
funções terciárias, comércio, tráfegos que se transformam assim nas funções
privilegiadas da cidade. (Benevolo, 1984, p. 41).
É muito clara esta relação entre o novo edifício do Terminal de Cruzeiros desenhado
por Carrilho da Graça e as duas gares marítimas existentes; dois conjuntos de
edifícios construídos em períodos distintos com funções muito semelhantes, [sendo a
actual realidade da indústria de cruzeiros muito distinta da do início dos anos 40 do
século XX].
Quando Pardal Monteiro36 projectou as duas gares, estas tinham como objectivo uma
rápida e muito eficiente resposta às necessidades das embarcações de transporte de
passageiros e de transporte de mercadorias. O porto de Lisboa dos princípios do
século XX apresentava uma nova plataforma sobre o rio resultante da necessidade de
construir uma nova estrutura portuária de modo a dar resposta à desorganização e
36
Porfírio Pardal Monteiro (Pero Pinheiro, Sintra, 1897- Lisboa, 1957), arquiteto português formado pela
Escolar de Belas Artes de Lisboa em 1919, iniciou a sua atividade como arquiteto-chefe da Caixa geral de
Depósitos.Em 1920 tornou-se assistente do Instituto Superior Técnico, passando a professor catedrático
em 1942.Das suas obras destacam-se algumas obras como o Instituto Superior Técnico, obra charneira
da sua atividade, a Estação Ferroviária do Cais do Sodré, a igreja de Nossa Senhora de Fátima de
Lisboa, o emblemático Hotel Ritz, inúmeros edifícios da Universidade de Lisboa na cidade universitária,
como a reitoria e algumas faculdades.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
150
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
intenso fluxo constante de embarcações, armazéns, mercadoria e passageiros do
porto.
Pardal Monteiro apresentou uma proposta que foi desenvolvida após um longo período
de estudo de gares marítimas existentes um pouco por toda a Europa e América do
Norte: uma solução composta por dois corpos unidos por uma galeria paralela à
plataforma do porto. Assim, as duas gares estão unidas e permitem um maior contacto
com a frente portuária. Os edifícios das gares estão organizados em dois pisos com
diferentes funções, separando as mercadorias dos passageiros – corporizando uma
solução extremamente funcional e prática. Do projecto inicial praticamente tudo foi
construído nos anos 40, com excepção da galeria elevada que unia as duas gares
com cerca de 1 quilómetro de comprimento por 11 metros de largura, acabou por não
ser construída na totalidade devido a problemas orçamentais.
As duas gares continuam erguidas no porto de Lisboa, cada uma com a sua galeria
individual, e estão localizadas em extremos opostos do porto. Hoje a distância das
gares ao rio é maior, visto que em 1965 o porto de Lisboa aumentou a plataforma de
modo a modernizar a estrutura existente para prestar uma melhor resposta: mais para
manobrar e organizar os contentores marítimos, tendo sido a obra concluída em 1970,
[passam a distanciar 80 metros da linha limite e o porto ganha 8 hectares de nova
plataforma]. Estas novas obras de expansão do porto de Lisboa afastam a frente
ribeirinha das gares marítimas e deste modo os dois edifícios deixam de responder às
necessidades para as quais foram construídos, e passam a estar obsoletos. A função
perde-se por mais prestigiante que seja o edifício e salta à vista apenas a memória de
um tempo que não é o de agora.
Este contínuo investimento no crescimento do porto de Lisboa é o principal motivo
pelo qual as antigas gares deixaram de ter utilidade e a razão pela qual o novo
terminal de cruzeiros foi projectado. A relação estabelecida entre o novo terminal e o
actual limite contém inúmeras características que mantêm uma relação semelhante à
que existia na época de construção das gares.
As antigas gares reforçam a ideia de limite ao serem corpos paralelos à linha do porto:
uma linha edificada que reforça a frente ribeirinha onde o porto e o rio se relacionam
através do corpo construído e a transição se faz pelo seu interior. Esta ideia é
perceptível através de fotografias de época anteriores à ampliação do porto.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
151
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
É evidente a noção de limite construído, através dos corpos que alinham e fecham a
frente, marcando o fim da cidade construída e o início do rio.
No projecto do futuro terminal de cruzeiros também existe uma relação entre o corpo e
o limite mas neste caso assume-se como um corpo paralelo com uma relação
perpendicular ao limite. Esta conexão leva à construção de relações distintas entre o
corpo construído, o limite e a cidade.
O corpo compacto do terminal é constituido por um volume rectangular formalmente
paralelo à frente ribeirinha, tal como as gares, embora a relação que o volume
estabelece com o espaço envolvente e com a cidade seja totalmente distinta.
O edifício não assume o carácter de um limite construído, mas sim de um corpo
moderador e organizador. Os grandes vãos e aberturas do corpo para o exterior
reforçam a relação de perpendicularidade através dos parques e das praças
envolventes, os vários elementos que compõem o conjunto acentuam essa relação a
norte e a sul, organizando e estruturando a frente ribeirinha da cidade; assim, o
terminal enfatiza muito mais os espaços urbanos resultantes da construção de um
novo corpo no limite do que o próprio limite.
Enquanto nas gares erguidas no século XX o grande momento resultante [a ênfase] se
encontra na linha entre a doca e a água, no terminal de Carrilho da Graça esse
momento corresponde ao espelho de água na praça a sul do terminal que mantém
uma relação com o grande vão.
Estas características são claras no que diz respeito à relação entre estes dois
projectos e o limite; um posicionamento paralelo, alinhado e definidor em Alcântara e
um posicionamento paralelo gerador de relações perpendiculares entre a cidade e o
rio em Santa-Apolónia.
É interessante comparar estes dois projectos de diferentes épocas, que de certo modo
pretendem responder a problemas e a programas muito semelhantes. Deste modo,
apesar de serem projectos distintos, muitas das soluções são reconhecíveis em
ambos, tais como: o modo como os edifícios se relacionam com o limite através das
estruturas lineares paralelas às plataformas, os primeiros elementos de contacto entre
a cidade e as embarcações ou o modo como o programa é organizado e todo o
edifício é estruturado. As pessoas ocupam os pisos superiores, as mercadorias
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
152
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
encontram-se à cota da doca e tudo se organiza de um modo simples, facilitando a
mobilidade entre as partes.
Em ambos os projectos a relação da area de ingresso com o edifício é marcante. No
caso das gares, esta é constatadaatravés dos duplos pés-direitos com os painéis de
Almada Negreiros37 e no modo como estas marcam os espaços adjacentes. No
terminal, o grande hall caracteriza-se pela dimensão e altura, mas também pelo
grande vão que “abre” o edifício ao parque verde envolvente e ao espelho de água
que reflecte a luz do exterior.
Podemos considerar que muitas vezes as soluções estão relativamente próximas; a
surpresa que por vezes sentimos ao comparar projectos e edifícios, [até mesmo de
diferentes épocas] e reconhecer que aprendemos uns com os outros ao reinventar – e
a evoluir, criando a cidade.
Não conseguimos afirmar se as antigas gares marítimas foram referências
fundamentais para o desenvolvimento do projecto do Terminal de Cruzeiros, contudo
são inúmeros os elementos e características do futuro terminal semelhantes a estas
antigas estruturas portuárias.
37
José Sobral de Almada Negreiros (São Tomé e Príncipe, 7 de Abril de 1893 - Lisboa, 15 de Junho de
1970), pintor, desenhador, vitralista, poeta, romancista, ensaísta, critico de arte, conferencista,
dramaturgo português foi uma das mais notáveis figuras da cultura portuguesa e uma das que mais
decisivamente contribuiu para a criação e evolução da cultura contemporânea portuguesa no século XX.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
153
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 86 – Embarcação atracada junto à Gare Marítima de Alcântara que se encontra à direita ( fotografia tirada da varanda do
piso superior). ([Adaptado a partir de: Henriques, 2013, p.4).
Ilustração 87 – Pormenor da cobertura do núcleo central da gare marítima de Alcântara. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
154
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 88 – O barco, a grua e a galeria. (Ilustração nossa,
2014).
Ilustração 89 – Entrada da gare maritime da Rocha do conde de
Óbidos. (Ilustração nossa, 2014).
Ilustração 90 – Pormenor da gare de Alcântara. (Ilustração
nossa,2014).
Ilustração 91 – Entrada da gare maritime de Alcântara.
(Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
155
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4.2. TERMINAL DE CRUZEIROS DE LISBOA – CONCURSO
No final dos anos noventa do século XX, a administração do porto de Lisboa anteviu a
necessidade de crescimento das estruturas portuárias da cidade, nomeadamente a
adaptação das suas infraestruturas para a “indústria” de turismo de cruzeiros.
A frente ribeirinha de Santa Apolónia foi eleita como sítio ideal para a construção de
uma nova plataforma portuária, destinada ao futuro Terminal de Cruzeiros de Lisboa,
justificando-se a escolha pela sua centralidade, a fácil e rápida acessibilidade – tanto
ao centro da cidade como ao aeroporto – às distintas vias de comunicação que ligam a
capital à periferia e ao restante território nacional.
As cidades com estruturas portuárias sempre se assumiram como uma referências ao
longo da História. No do século XX [década de 40] algumas companhias e operadoras
turísticas levaram à construção de dois edifícios emblemáticos no porto de Lisboa
projectados pelo Arquitecto Pardal Monteiro e adornadas com painéis de Almada
Negreiros nos salões de entrada das duas gares.
Portugal é actualmente o sexto país da Europa mais visitado por passageiros de
cruzeiros, e o crescimento da indústria e a procura levou as entidades do ramo a
apostarem e a investir em dotar a cidade destas estruturas, promovendo a
proximidade entre a indústria turística dos cruzeiros e a cidade enquanto marca e
referência no espaço urbano.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
156
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4.2.1. PROPOSTA DE GONÇALO BYRNE E MANUEL AIRES MATEUS
A proposta apresentada pela colaboração destes dois ateliers é uma solução que cria
cidade, geradora de novo tecido urbano, sobre um “esqueleto” à espera de ser
preenchido. Nas palavras dos autores, a evolução da forma da cidade é descrita como
uma adaptação de matrizes de construção de espaço público, alternadas entre a
longitudinalidade – paralela ao rio – e a transversalidade a este limite tão expressivo.
Esta descrição é bastante relevante, no sentido em que se assume as “palavraschave” para descrever este projecto e nelas estão expressas as principais intenções
que caracterizam esta solução projectual.
A transição, entre a encosta e a frente sobre o rio, está relacionada com a ideia de
longitudinalidade dos territórios conquistados, das plataformas e aterros, e também
ortogonalidade dos edifícios que fazem a transição entre estes dois sítios – definindo
uma malha que estrutura os territórios mais recentes. Esta é uma proposta que
compreende a realidade, o contexto e a sua implantação neste local tão complexo. Os
edifícios que definem o conjunto estão implantados sobre uma malha longitudinal que,
pontualmente, é seccionada por um traçado transversal – que estrategicamente,
“cose” a proposta com a envolvente através do espaço público e dos vazios que unem
os dois lados da Avenida Infante Dom Henrique, dando-lhe continuidade.
O espaço público apresenta-se como o “cimento” da consolidação urbana,
configurando e estruturando toda a intervenção. Uma grandiosa praça aberta sobre o
rio enquadra a alfândega e prolonga o espaço público, unindo a cidade com a frente
ribeirinha; Uma segunda praça, – coberta – de dimensões substanciais – com
características únicas, atribui um enorme potencial à proposta, permitindo um leque
variado de usos e dando maior multifuncionalidade ao conjunto. Esta é uma solução
que visa responder à sazonalidade do tráfego de cruzeiros – muito instável – pondo
em risco a utilidade das soluções propostas.
O espaço público organiza os vários corpos que dão forma ao conjunto proposto,
seguindo paralelamente ao limite – fechado – permitindo o contacto visual com o rio
nas praças de maior dimensão.
Um dos elementos mais característicos desta proposta está presente na cobertura:
composta por planos contínuos de duas águas que conferem continuidade através das
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
157
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
diferentes peças que constituem esta solução, pontualmente, assumem o seu carácter
“laminar”, funcionando também como coberturas do espaço exterior. Esta continuidade
está também expressa na transição entre interior e exterior pois o espaço flui,
permitindo integrar as diferentes peças do programa do terminal. Os planos laminares
não tocam nos módulos maciços que contêm o programa porque esta linha
“descolada” funciona como uma fractura ou marca que permite distanciar e diferenciar
sublimemente esta transição entre o exterior e interior e entre o laminar e o maciço.
A proposta é constituída por uma solução modular: uma repetição contínua de uma
cobertura de duas águas – transversal ao rio – sobre o plano da plataforma portuária.
O módulo de duas águas de expressão pesada contrasta com a permeabilidade
presente na sua perfuração, que permite a entrada de luz e: o espaço interior é
iluminado naturalmente – de modo mais controlado – como se a luz rompesse o
interior, conferindo leveza não só ao espaço como também aos expressivos planos.
Claramente associamos esta cobertura com as coberturas dos armazéns portuários
característicos deste sítio. Podemos afirmar que as referências estão próximas, e
reconhecemos a humildade de encontrar inspiração nas valências.
A cidade cresce, desenvolve-se e consolida-se: são três aspectos dos quais
encontramos consciência nesta proposta pois não é simplesmente uma solução que
visa um problema do momento mas vai mais além, ao ter em consideração a sua
utilização futura e o modo como a proposta está implantada e organizada – permitindo
que a cidade cresça na sua envolvente, sem a limitar, e desenvolvendo estratégias de
consolidação. Um projecto independente que faz “cidade”, não esquecendo o contexto
e o limite, ambos sempre em constante transformação.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 92 – Axonometria da proposta, Gonçalo Byrne e Manuel Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Byrne, Mateus, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 93 – Perspetivas da proposta a partir da cidade, Gonçalo Byrne e Manuel Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2010).
Ilustração 94 – Perspetiva da proposta a partir do rio, Gonçalo Byrne e Manuel Mateus, 2010. ([Adaptado a partir de: Leal, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
160
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4.2.2. PROPOSTA DE GUILLERMO VAZQUES CONSUEGRA38
A solução apresentada por Consuegra consiste num edifício que desempenha um
papel essencial na definição do seu entorno – características que resultam da sua
forma e volumetria – e procura fundamentalmente integrar-se na paisagem urbana.
Traduz-se num corpo que quer ser vivido por quem habita, vive e experiencia a cidade,
organizando e definindo espaço urbano. Preocupa-se em trazer valências à cidade e
tirar partido dela; contudo, não esquece uma outra realidade presente – o rio –,
marcando o território e medindo o seu impacto a partir dele.
Apresenta-se como uma peça arquitectónica em sintonia com o sítio, especialmente
pela continuidade presente na relação que estabelece com os edifícios industriais na
margem do rio. Esta linguagem comum expressa-se na organização das peças,
predominantemente transversais ao limite da doca, nas coberturas de duas águas e na
configuração da estrutura do espaço público.
Dois corpos unidos por uma galeria dão forma ao conjunto principal, evitando a
construção de um grande volume fechado e possibilitando o acesso a percursos sobre
o rio a partir da avenida principal. A continuidade é igualmente expressa através da
união dos corpos – por um elemento em comum – e pela proximidade dos diferentes
espaços públicos.
Consideramos ainda importante destacar duas fachadas deste terminal: uma “urbana”
orientada para a praça que configura a alfândega e outra, marítima, virada sobre o rio
Tejo.
A fachada mais “urbana” configura a praça da alfândega através de um plano contínuo
e elevado que delimita o espaço e reforça a relação da cidade e do terminal com o rio.
A partir desta praça acedemos ao interior do edifício passando por debaixo do plano
elevado – é ele que faz a transição, marca o limite e dá corpo a esta “porta” de
“entrada e saída” da cidade. Esta praça assume um grande protagonismo através das
38 Guillermo Vazques Consuegra (Sevilha, 30 de Setembro de 1945), arquitecto espanhol, terminou o
seu percurso académico em 1972 na Escuela de Arquitectura de Sevilla, onde lecionou até 1987.
Professor convidado em inúmeras instituições de ensino de arquitectura, quer em Espanha como no
estrangeiro. Participou em inúmeras exposições internacionais, com obra publicada em revistas
espanholas e estrangeiras, reconhecidas com inúmeros prémios e distinções.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
161
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
relações que se desenrolam a partir deste ponto de união, é ela que une a cidade
existente com a cidade recente, construída junto à frente ribeirinha.
A fachada orientada para o rio – mais forte e menos recortada – une-se em três pontos
com a galeria de distribuição paralela ao limite da doca. Aqui os planos inflectidos da
cobertura fazem-se notar, assumindo grande protagonismo e contrastando com os
grandes vãos abertos sobre o rio. Ao contrário da fachada da praça da alfândega, esta
está em constante tensão devido ao contacto directo com as grandes embarcações. É
provável que a resposta apresentada pelo atelier se deva, em parte, a esta relação de
tensão que contrasta com a união e fluidez presentes do lado oposto.
Programaticamente, a fachada marítima desenvolve-se no piso superior, libertando o
embasamento e originando um espaço público coberto.
No seguimento da plataforma do terminal paralela ao rio surgem um conjunto de
espaços verdes e percursos pedonais que estruturam este limite. Os pavimentos
seguem a mesma leitura dos estacionamentos, desenvolvendo um traçado geométrico
que mistura espaço verde, os acessos pedonais e os restantes acessos de um modo
dinâmico – numa composição que contamina todo o espaço envolvente.
Uma vez mais as coberturas são elementos particulares das soluções apresentadas
no concurso; neste caso, os grandes planos quebrados permitem jogar com a entrada
de luz, acessos e respectivos enfiamentos visuais. O edifício tira assim proveito destes
elementos para se relacionar visualmente e materialmente com o a cidade e com o rio.
É uma solução que não agride a cidade e que procura respeitá-la, atribuindo-lhe novas
qualidades espaciais. Este projecto é um dos que mais enfatiza esta relação entre a
alfândega e o rio, gerando, na nossa opinião, uma das melhores praças propostas,
não só pela praça em si, mas também pela fachada do terminal que a configura.
Esquecemo-nos por vezes que a qualidade das praças não está única e
exclusivamente no “vazio” central, mas nos seus limites e no modo como a delimitam.
Este caso é um bom exemplo disso mesmo, sendo resultado de um desenho
interessante e inteligente da fachada que ocupa todo o limite nordeste.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 95 – Plantas e cortes do projecto, Guillermo Vazques Consuegra, 2010. ([Adaptado a partir de: Vasqués
Consuegra, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 96 – Perspetiva do projecto a partir da cidade e maqueta da proposta, Guillermo Vazques Consuegra, 2010 ([Adaptado
a partir de: Leal, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4.2.3. PROPOSTA DE ARX PORTUGAL
Este é um projecto que procura conciliar uma peça arquitectónica singular com
contexto do local da implantação, incorporando a estratégia defendida pela cidade nos
últimos tempos e integrando o espaço ribeirinho na malha urbana da cidade. Deste
modo, a linha – limite da fronteira do território deixa de assim ser encarada como um
obstáculo para passar a ser parte comum de um mesmo corpo.
Uma peça monolítica pousa sobre a plataforma do aterro, rompendo com as
características áridas e estéreis presentes neste sítio.
Este é um projecto-maqueta, que nasce do estudo e experimentação do modelo. O
processo evolutivo tem por base a fracturação de um grande volume em partes; a
solução proposta por esta dupla de arquitectos dá corpo a um conjunto uniforme de
várias peças com diferentes dimensões, separando-as através de cortes e
interrupções estratégicas, definidas pelos alinhamentos e enfiamentos visuais, unindoas através de um corpo transversal, paralelo ao limite da plataforma.
À imagem de quatro “dedos” unidos constituindo a volumetria proposta do lado do rio
enquanto outros quarto “dedos” – pontes movíveis e flexivas –, fazem a transição entre
os cruzeiros e o edifício.
Quem se aproxima do conjunto pelo lado sul [rio] tem a percepção da unidade dos
corpos – principalmente das coberturas – estas, mais a sul, juntamente com a do
corpo transversal, estão alinhadas à mesma cota, conferindo continuidade e
“defendendo” o conjunto neste momento mais frágil em que as grandes embarcações
se aproximam – contrastando com os dois corpos a norte, cujas coberturas estão mais
baixas e inflectem antes de se unirem à cobertura principal. O conjunto divide-se em
duas partes pela inflecção das coberturas de zinco que permite diferenciar a zona de
embarque da zona de desembarque. Por sua vez o interior é constituído por uma
estrutura de aço pintado de cor branca e por planos de fachada de vidro sobre
pavimentos de pedra mármore branca. A força dos materiais da cobertura e do
pavimento contrasta com a leveza e a transparência do limite vertical de vidro que
materializa o corpo. O vidro por si só não confere nem define a expressividade da
volumetria dos diferentes corpos e neste caso, a solução encontrada apresenta uma
composição que junta os dois elementos, o plano de vidro e a estrutura de aço interior.
É a utilização destes dois elementos – que define a volumetria e constrói o limite. A
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
165
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
estrutura tem por base a repetição de elementos de aço em “V” [da mesma altura do
pé-direito do piso]; pontualmente, alguns elementos internos da estrutura têm
dimensões superiores [iguais à dimensão vertical dos corpos que sustentam]. No piso
superior, do lado da cidade, os quatro corpos são unidos paralelamente através de
pequenos corredores em ponte – construídos com a mesma estratégia das fachadas;
são corpos elevados que expressam leveza e que procuram dissimular a sua
presença, de modo a evitar tirar protagonismo aos corpos principais.
Uma das características a destacar nesta proposta é a continuidade expressa por um
percurso verde que une o Campo das Cebolas à estação de Santa Apolónia. Este
contínuo verde é enfatizado através de um meio de integração da frente ribeirinha com
a cidade e funciona como uma solução de estruturação e organização urbana do
espaço público.
Um dos exemplos mais claros da situação supracitada é a praça entre o rio e a
alfândega. A partir do edifício da alfândega transitamos para uma praça delimitada
pelos edifícios propostos e pelo espaço verde; atravessando a grande avenida
rodoviária entramos num conjunto de pequenos espaços arborizados, recortados pelo
espaço público e envolvidos num momento de deambulação.
Este conjunto de pequenos espaços, que se relacionam entre si, acabam por funcionar
como filtro de um momento da proposta para outro, com características muito distintas,
preparando-nos para o vazio da praça, constituída por um pavimento de pedra. Na
frente e na retaguarda predominam as massas arbóreas, conferindo unidade às
laterais dos corpos projectados. No limite ribeirinho da praça, antes da linha arbórea
que a limita, encontramos um conjunto de pequenos espelhos de água com diferentes
formas geométricas que nos evocam a aproximação do limite.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
166
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 97 – Plantas e cortes da proposta, ARX Portugal, 2010. ([Adaptado a partir de: ARX Portugal, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 98 – Maquetas e perspetivas do projecto a partir do rio e da cidade, ARX Portugal, 2010. ([Adaptado a partir de:
Leal, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
168
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4.2.4. PROPOSTA DE ZAHA HADID39
Além de se tratar de um projecto icónico, é a nosso ver, a proposta que mais corpo dá
à expressão “a imagem pela imagem” materializado numa resposta a um programa
que vive do contacto e cruzamento de passageiros internacionais num só edifício.
“O carácter icónico do conceito e o impacto regenerativo da solução proposta
maximizam a atractividade do novo Terminal de Cruzeiros de Lisboa face aos
mercados nacional e internacional.” (Terminal de Cruzeiros, 2010, p. 58)
Referenciando o próprio atelier, a atractividade e o ícone estão presentes numa
solução única que segue os estereótipos de uma civilização global em que a imagem é
praticamente tudo, dando origem a uma proposta de implantação regular e compacta
que procura também aproximar a cidade do rio, desenvolvendo uma praça a sul, mas
voltada para estes dois protagonistas, reforçando esta relação um pouco esquecida.
Esta praça que enquadrando o edifício da alfândega e o próprio terminal resulta numa
solução bastante interessante da vivência do espaço urbano, consolidando a estrutura
urbana do sítio. A solução segue a estratégia presente no projecto vencedor: um corpo
principal concentrado, gerador e organizador de espaço urbano, aliado ao reforço de
determinados enquadramentos.
A composição do pavimento apresenta uma interpretação contemporânea dos
diferentes padrões que compõem as inúmeras ruas de Lisboa com passeios em
calçada portuguesa. Esta simples intenção não é mais que o uso da cultura do lugar
na concepção de padrões actuais e contemporâneos para a criação de espaço
público.
Este é um edifício de cores neutras, onde a luz é a principal protagonista, e onde as
relações entre a materialidade, cor e textura se aproximam claramente das
características dos cruzeiros de passageiros actuais. Por sua vez, também a
expressão da cobertura se faz notar no interior, permitindo a iluminação do espaço
pela luz natural filtrada.
39
Zaha Hadid (Bagdad, 31 de Outubro de 1950), arquitecta iraniana, iniciou o seu percurso académico
em 1972, na Architectural Association, Londres, terminando em 1977. Colaborou com Reem Koolhaas em
1987 no Atelier OMA. Sócia e fundadora de Zaha Hadid Architects, com mais de 30 anos de experiencia
nos domínios da arquitectura, urbanismo e design. Premiada em 2004 com o prémio de Arquitectura
Pritzker.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
169
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Uma cobertura marcante realça a leveza das fachadas – muito permeáveis:
transparentes –, permitindo o contacto directo com o exterior através de grandes vistas
panorâmicas.
Do lado do rio, as galerias de distribuição e comunicação com os cruzeiros entram em
contacto com o corpo em dois pontos estratégicos, sendo paralelas ao limite da doca e
seguindo o limite do cais. Simultaneamente, do lado oposto, a cobertura prolonga-se
para lá das fachadas permitindo o sombreamento dos espaços exteriores mais
próximos do edifício e construindo uma galeria que permite o acesso ao parque dos
autocarros e táxis. O edifício vive da imagem da cobertura: um plano dinâmico,
ondulado, complexo e perfurado, à semelhança da pele de um peixe, cuja perfeita
organização das escamas confere unidade à superfície.
“A morfologia triangulada da cobertura participa activamente no contexto da cidade,
reflectindo a justaposição dos telhados nas colinas, ou mesmo replicando o ritmo da
ondulação do estuário, dependendo da interpretação poética individual.” (Terminal de
Cruzeiros, 2010. p. 58).
“O edifico estabelece uma relação directa com a topografia da cidade e com os navios
de cruzeiros, elegendo a cobertura – fachada mais visível – como o elemento
significante do projecto.” (Terminal de Cruzeiros, 2010. p. 58).
A relação do edifício com a cidade é um dos conceitos mais enaltecidos,
nomeadamente a topografia íngreme de um casario que se adapta e molda às suas
características e que contrasta com a interpretação actual feita no alçado mais visível
do terminal – a cobertura. Porém esta é a realidade da colina enquanto lugar que
compõe este território; mas e a realidade do local de implantação do projecto?
O sítio é mais complexo do que inicialmente aparenta: constatamos que apresenta
pontos em comum com Alfama e, simultaneamente, características totalmente
díspares, sendo uma delas a topografia. O edifício procura integrar-se com a encosta
mas na realidade não consegue estabelecer relações com as estruturas mais
próximas, acabando por despertar estranheza e revelar uma integração insuficiente.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
170
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 99 – Cortes do projecto, Zaha Hadid, 2010. ([Adaptado a partir de: Zaha Hadid, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 100 – Vista do projecto a partir do rio e vista do interior do Terminal, Zaha Hadid, 2010. ([Adaptado a partir de:
Leal, 2010).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
172
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
4.3. TRANSFORMAÇÃO DO LIMITE RIBEIRINHO NA COLINA DO CASTELO
Algumas das questões basilares desta dissertação incidem sobre a transformação da
frente ribeirinha ao longo do tempo.
Esta procura de respostas ou simplesmente de mais questões vive à volta de
perguntas bastante simples: como cresceu Lisboa? Como se desenvolveu a cidade?
Quais as antigas realidades da frente ribeirinha nos distintos lugares que a
caracterizam?
É provável que se lhe deva a primeira fortificação do alto do monte onde hoje campeia
o castelo de S. Jorge, e que a população fosse também defendida por torres ou fortes
isolados, segundo os processos usados por aquele povo para defesa das povoações.
(Vieira da Silva, 1987d, p.7).
As primeiras referências físicas que temos da cidade de Lisboa são do período
romano e da importância que esta possuía em relação ao comércio marítimo entre o
norte da Europa e o mar Mediterrâneo. Porém, já na Antiga Grécia existiam descrições
do território ocidental da Península Ibérica e dos rios profundos, serpenteantes, por
entre montanhas e vales de florestas antigas e densas – uma caracterização envolta
em algum mistério, reflectindo o medo pelo desconhecido.
Misterioso era o Tejo – visto como um rio perigoso – até certo ponto mortal, que
terminava no grande mar livre: o oceano. Sabemos hoje que a cidade iniciou o seu
crescimento na encosta do castelo, possivelmente onde se localiza a Sé Catedral de
Lisboa, por iniciativa e influência do contacto marítimo e comercial [não com os
gregos, mas com os povos fenícios].
Possivelmente nestes primeiros tempos, a pequena urbe não seria mais do que um
pequeno conjunto a meia-encosta e uma estrutura portuária mais afastada junto ao rio
e ao antigo esteiro. Com a ocupação romana, a cidade cresce e ganha nova
consolidação, – bem como uma estrutura defensiva, até então inexistente – mantendo
uma forte relação com o Tejo e o comércio marítimo.
Pelo norte e pelo ocidente este monte apresentava então, mais do que hoje, as suas
encostas bastante ásperas, tornando difíceis as operações de assédio. Pelo sul, a sua
base ia mergulhar nas águas do rio, e esta defesa aquática tornava dificilmente
acessível a entrada por esse lado, especialmente se fosse defendida com uma
muralha. (Vieira da Silva, 1987d, p.17).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
173
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Actualmente um grupo de arqueólogos e historiadores tem desenvolvido um estudo
sobre a cidade de Lisboa no período romano, considerando a possibilidade de
existirem dois fóruns: um a meia-encosta e o outro na frente ribeirinha da cidade. Este
estudo revela que a cidade romana tinha uma forte “vivência portuária” e possuía
inúmeros edifícios e estruturas que a apoiam e reforçam esta vocação comercial. O
limite da cidade romana coincidia, aproximadamente, com a actual Rua da Alfândega
e com a Rua do Terreiro do Trigo – já na altura localizada numa zona portuária em
contacto directo com o rio, com os barcos e com todo o movimento comercial
associado – em especial na produção do famoso garum40, uma relíquia gastronómica
do Império Romano. Os vestígios arqueológicos indicam a existência de uma linha
defensiva – muralha – que protegia um conjunto de quarteirões em banda no
seguimento da frente ribeirinha. Um desenho urbano regular e geométrico,
pontualmente inflectido e adaptando-se à topografia complexa e pouco acessível,
[pouco compatível com o normal traçado regular romano, presente nas principais
cidades do Império].
Contudo, no período muçulmano, a cidade sofre algumas transformações e o limite sul
junto ao rio que continua a ser definido pela linha defensiva da muralha romana, ganha
uma nova apropriação.
Inúmeros historiadores e olisipógrafos indicam que com o fim do domínio romano a
cidade sofreu uma contracção dos limites, em especial nos extremos ocidentais e
orientais, reduzindo substancialmente a sua dimensão; porém o limite sul [a frente
ribeirinha] mantém grande parte da área já ocupada e as maiores alterações
encontram-se no reforço das linhas defensivas já existentes.
A cidade exerce pressão sobre os limites, em especial a sul e a muralha transforma-se
num elemento intransponível, tanto para o Homem como para o rio.
É provável que o período muçulmano seja um dos menos documentados, porém,
existe um relato muito descritivo e esclarecedor feito por um cruzado normando que
relata os dias anteriores e posteriores à conquista cristã. Sem dúvida um dos relatos
mais antigos de Lisboa, feitos no lugar.
40
Garum ou liguamem era um condimento culinário muito apreciado na Antiguidade, especialmente no
período romano.
Feito a partir de sangue, vísceras e outras partes selecionadas de peixe acabado de
pescar, ainda vivo e a respirar, deixados em salmoura e ao sol durante dois meses ou então aquecidos
artificialmente. Por fim, a mistura era coada e filtrada, de modo a obter um liquido límpido e homogêneo,
para utilização na cozinha como condimento e tempero.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
174
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Uma das descrições feitas pelo cruzado é a do casario construído pela encosta em
direcção ao Tejo, limitado pela cerca velha [ou cerca Moura], impedindo que este
entrasse pelo rio adentro.
No primeiro período, o autor descreve o que vê. Apesar da economia das palavras, não
é ainda hoje difícil de refazer a imagem do estuário do Tejo, amplo e largo, e, a norte
dele, o casario escorregando na linha da colina, só impedido de entrar rio adentro pelos
murros altos da muralha envolvente.Em seguida, no segundo período, o cruzado anima
essa imagem estática povoando o rio de embarcações, rotas e destinos, a azáfama
própria do < mais opulento centro comercial de toda a África e de uma grande parte da
Europa>. (Matos, 2008. P. 22).
“Levantava-se na praia, e as águas das marés chegavam até à sua base.” (Vieira da
Silva, 1987d, p.103)
A grande muralha de origem romana encontra-se praticamente sobre a água; esta não
só protege a cidade dos saques e ataques exteriores, como também das tempestades
e cheias provenientes do rio – tal como descreviam os soldados que viam a água bater
na muralha a partir das embarcações atracadas na bacia do Tejo durante as marés e
tempestades, como se o rio reivindicasse os territórios que outrora lhe pertenceram.
No período da ocupação muçulmana a definição do limite sul da cidade mantém-se
nesta linha de pedra defensiva: contudo, a instabilidade das fronteiras impede o
crescimento da cidade para sul. A muralha não só protege como “estrangula”: são os
altos muros que determinam onde começa e acaba a estrutura urbana e onde se está
sobre a sua protecção ou fora da mesma.
Ilustração 101 – Gravura da cidade de Lisboa compreendida pelas muralhas. ([Adaptado a partir de: Matos, 2012).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
175
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Só após a [re]conquista cristã e com a consolidação e estabilização das fronteiras –a
cidade volta a crescer para sul – fora do limite defensivo imposto pela muralha.
Durante várias gerações é a cerca velha que determina o limite, que pouco a pouco, é
absorvido pela necessidade da população encontrar lugares para edificar novas
habitações.
Estando a torre construída na praia, os edifícios que ao sul e ao oriente da mesma os
documentos antigos alí mencionam, o Paço da Madeira, o Paço do Trigo, a Portagem,
e mais tarde o edifício da Misericórdia, foram levantados em terrenos conquistados ao
rio, que chegava até à base da muralha do lado fluvial da cerca, onde hoje se abre a
passagem chamada de Arco Escuro. (Vieira da Silva, 1987d, p. 105).
No período do reinado de D. Fernando, as guerras com Castela levam a sucessivos
ataques seguidos de saques. As construções exteriores à muralha, como o bairro de
Alfama encontravam-se indefesos e esta realidade levou à construção das novas
muralhas exteriores, a cerca Fernandina. Uma pequena frente sul ribeirinha já se
encontrava protegida pela cerca velha, porém com a Fernandina a frente protegida
passa a ser maior, construindo uma muralha na praia com torres de defesa e portas de
mar.
[...] o Rei D. Fernando – depois do assalto, roubo e incêndios que à cidade havia
infligido em 1373 o exército do Rei D. Henrique de Castela – mandar construir, nesse
mesmo ano, uma nova cinta de muralhas, como era uso na Idade Média, para defender
a capital do Reino contra a nova e provável investida do exército castelhano.
Esta linha de muralhas ficou conhecida por Cerca Nova, em oposição à Cerca Velha ou
Antiga, e também por Cerca de D. Fernando ou Fernandina, designação evocadoras do
rei que a mandou construir. (Vieira da Silva, 1987c, p. 7).
Durante o reinado de D. Manuel I a cidade inicia uma nova fase de crescimento
urbano, tirando partido do recente aterro da Ribeira que fazia parte dos planos do rei
para aumentar a cidade junto da frente ribeirinha. Este processo de expansão da
margem/praia aumenta substancialmente o território a sul da muralha, permitindo que
a cidade trespassasse as portas da linha defensiva, ocupando os novos territórios
conquistados e acolhendo novas actividades relacionadas com a construção naval,
exploração e comércio marítimo – sendo edificadas novas praças e terreiros de uso
público. Grandes espaços abertos ligam a cidade ao rio e pela primeira vez, abre-se
sobre o limite, usando e vivenciando estes espaços que constituiam um novo elemento
característico da estrutura urbana e das relações entre a cidade e o rio, presentes até
à actualidade, com diferentes características [ ver Ilustração 102 e 104].
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
176
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Foi principalmente nos reinados de D. Afonso V e de D. Manuel que os fidalgos e
apaniguados do paço começaram a construir os seus palácios encostados à muralha.
Era esse um sítio muito aprazível, com vistas desafrontadas sobre o rio e sobre a praia,
que se ia alargando com os aterros e entulhos, proporcionando primeiro um terreiro ou
ribeira, e mais tarde campo para edificações. As fachadas dos prédios construídos
durante o século XVI deviam ser muito aproximadamente como estão representadas no
quadro, que merece bastante confiança, e assim mesmo se deviam ter conservado por
mais dois séculos, até ao terramoto de 1755, que todavia avariou algumas delas.
(Vieira da Silva, 1987e, p. 116).
Em 1650, João Nunes Tinoco foi responsável pela elaboração da mais antiga planta
de Lisboa até hoje conhecida. Este levantamento feito no período das guerras da
Restauração apresenta a cidade de Lisboa com toda a estrutura urbana e as
respectivas muralhas: cercas Moura e Fernandina. Através deste documento é
possível compreender como o limite da muralha, junto à frente ribeirinha, começa a ser
absorvido pela cidade, incorporando a estrutura urbana como corpo interior e
perdendo o carácter de limite laminar, cujas portas se transformaram em pequenas
praças à entrada da cidade.
Troço da Cerca desde o Chafariz de Dentro até ao Postigo de Alfama. – Da torre que
esquinava para o Largo do Chafariz de Dentro a muralha prosseguia para ocidente,
paralelamente à Rua do Terreiro do Trigo, até à Travessa do mesmo nome.
Este troço
de muralha conserva-se ainda em quase toda a sua extensão, parte metido no interior
dos prédios, e parte com um dos seus paramentos à vista […]. (Vieira da Silva, 1987c,
p. 108).
Na frente ribeirinha que abrange o bairro de Alfama é possível constatar duas
realidades: por um lado, a muralha inicia um processo de incorporação e a cidade
envolve-a e cresce no seu entorno, utilizando-a como suporte ao crescimento urbano –
claramente visível na parte ocidental da frente ribeirinha de Alfama: no entanto do lado
oposto – do lado oriental da frente ribeirinha de Alfama – a muralha continua a limitar a
cidade e é ela que define o limite urbano, restringindo firmemente o seu crescimento.
Com o terramoto de Lisboa de 1755 e a reconstrução da cidade, pudemos estudar
dois períodos muito interessantes da evolução da cidade, pois a reconstrução está
constantemente associada à transformação da antiga estrutura urbana e a
sobreposição das plantas anteriores e posteriores ao terramoto comprovam-no.
A cidade de 1755 – anterior ao terramoto – apresenta uma informação particularmente
interessante que corresponde à definição de uma via na frente ribeirinha e que foi
ganhando forma ao mesmo tempo que a muralha ia sendo absorvida pela cidade.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
177
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A rua em construção corresponde na actualidade ao conjunto definido pelo Campo das
Cebolas, Rua do Cais de Santarém, Rua do Terreiro do Trigo e Rua do Jardim do
Tabaco. A muralha, praticamente integrada, deixa de ser um elemento que restringe a
progressão da cidade quando um corpo junto ao rio marca uma nova fase da
construção da frente ribeirinha – é o transpor desta fronteira e a edificação do outro
lado desta novas ruas [ ver Ilustração 102 e 104] .
No campo das Cebolas, contigua a este último palácio, existiu uma das portas da
muralha, no sítio da via pública, hoje metade em rampa, e metade em escada, que
desde muito tempo se chama Arco de Jesus, ou Arco do Menino Jesus, comunicando
aquele Campo com S. João da Praça. Pela sua situação e vestígios que ainda dela se
conservam, parece ter sido uma das primitivas portas da cerca moura, no lanço
paralelo ao Tejo, dando saída da cidade para a praia. Na grossura do arco da abóbada
nota-se uma zona reentrante, ultimo vestígio da abertura pela qual se fazia descer e
subir a porta de correr. Na engra ou recanto que a fachada forma com o prédio do lado
direito ainda se nota o envasamento de uma guarita, mas de construção relativamente
moderna. (Vieira da Silva, 1987c, p. 133).
Durante a construção do plano Pombalino a cidade sofre uma enorme transformação e
no entanto o lado de Alfama é a excepção à regra. Já a antiga alfândega é totalmente
transformada e um novo volume ganha importância. Este corpo não só é determinante
na definição da Praça do Comércio, delimitando-a, como também é ele que permite
fazer a transição entre a Baixa Pombalina e a frente oriental da cidade [ ver Ilustração
102 e 104].
Comparando as plantas de 1755 com a de 1770 que apresenta a cidade construída
após o terramoto, fica claro que a estratégia assumida em Alfama é distinta, e mais
distinta a aplicada na frente. A estrutura mais antiga mantém este carácter mais
fragmentado e pontualmente, alguns dos elementos uniram-se num só corpo, sem
perder o carácter inicial. A explicação para manter estas características ter-se-á devido
ao facto de ser uma das estruturas urbanas mais consolidadas da cidade – logo a sua
transformação é muito reduzida. Por outro lado, a aplicação do plano de reconstrução
da cidade segue uma estratégia completamente diferente na franja conquistada com
os anteriores aterros. A edificação desta nova linha urbana é definida por elementos
regulares de dimensões e proporções diferentes das preexistentes na encosta de
Alfama – é edificada uma nova frente.
A cidade cresce para o outro lado da rua – uma nova linha de carácter comercial e
militar define o limite sul – e são estes edifícios intermediários que permitem o
contacto das grandes embarcações atracadas nas margens do Tejo.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
178
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Em 1850, aquando o levantamento do engenheiro Filipe Folque, o grau de detalhe
presente é impressionante e muito superior. A leitura inicial é de que a cidade cresceu
mas a estrutura urbana não: desenvolveu-se, consolidou-se, mantém a forma e reforça
a relação com o limite através das ligações do espaço urbano – provenientes de
Alfama – rematadas sobre o rio.
A cidade ordena-se ortogonalmente sobre o grande plano de nível conquistado e
ganha uma outra malha dentro da estrutura que a organiza, construindo assim um
território de duas escalas [ver Ilustração 103 e 104].
Uma das mais interessantes características da cidade de 1850 incide sobre a
disposição das ruas perpendiculares ao rio, provenientes do antigo bairro, impondo
regras/restrições sobre os lugares recentemente edificados; inclinadas na direcção do
rio, terminam dentro de água, impondo a sua presença e estruturando a frente
construída – são planos de nível contínuos por entre edifícios e linhas que reforçam
relações de entrada e saída da cidade, é a estrutura urbana que se sobrepõem, que
instiga a evolução urbana, construindo sucessivamente a frente da cidade.
Algumas destas ruas acabam por se “render” ao rio, materializando-se sob a forma de
rampas inclinadas na sua direcção – estando sujeitas à variação das marés. Por outro
lado, outras funcionam como um cais ao nível da cidade. Docas e plataformas em
madeira ou rampas em pedra? Possivelmente, esta seria a realidade na época, com o
uso de diferentes materiais para os mesmos fins. O rio sobe e desce com as marés, a
água escorre pelas rampas, cobre as estacas, o frenesim no Tejo é grande, uma
realidade constante desta época.
Certamente que é difícil de definir que tipo de edifícios povoam a frente da cidade,
mas derivado ao modo como esta se organiza e a localização da alfândega, é possível
concluir que muitos destes edifícios poderiam complementar o espírito comercial que
se vivia: o edifício da alfândega encontrava-se nesta linha de charneira entre terra e o
rio – acabando o alçado nascente [do lado do rio] por estar em contacto constante com
a água. Uma das características que confirma esta situação está presente nos
inúmeros contrafortes existentes na fachada – elementos verticais que se elevam até
ao topo – construídos com o objectivo de aumentar a resistência do edifício à força
das marés, visto este se situar no limite do aterro, anteriormente construído.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
179
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Troço da Cerca ao longo do Largo do chafariz de Dentro.
Atravessava a cerca o leito
do Largo do Chafariz de Dentro com o traçado rectilíneo, de nascente para poente,
conforme mostra a Planta de Tinoco.
A muralha foi demolida em toda a extensão da
frente do Largo em 1765, para aformoseamento e boa serventia do local, tendo-se
aproveitado a pedra para o edifício do Terreiro do Trigo, que se estava então
construindo.
Ainda se pode observar hoje o seu topo cortado a prumo, no lado
ocidental do Largo, inferiormente a uma janela do peitos entre as portas nº 3 e 4 do
Largo. (Vieira da Silva, 1987c, p. 101 e p. 102).
Já no século XX, com o levantamento de 1910 do engenheiro Silva Pinto, a cidade
apresenta uma das maiores transformações feitas neste lugar: um novo crescimento,
já com a visão e o espírito do desenvolvimento industrial e do comércio ferroviário. A
alfândega é absorvida pelas novas docas, a linha férrea ganha uma posição
privilegiada, a cidade afasta-se do rio e finalmente, a estrutura urbana rende-se ao
limite [ver Ilustração 103 e 105].
Durante séculos a muralha impediu a cidade de sair dos seus limites: o comboio, por
outro lado, irá concentrar a cidade no seu interior, impedindo que esta cresça
novamente até ao rio. As actividades militares – presentes na Doca da Marinha – e as
actividades comerciais – presentes na linha férrea – são as principais instigadoras do
crescimento e desenvolvimento económico e como tal o acesso ao novo limite passa a
estar condicionado. Novos edifícios pontuavam o novo aterro e a sua dimensão é
substancialmente maior – sobre um traçado geométrico regular; junto ao rio são
criadas duas docas, estruturas destinadas ao abrigo das embarcações. A cidade
cresce e conquista território como nunca tinha conquistado: está maior, com uma
escala cada vez maior, e porém, está cada vez menos humana e mais direccionada
para a indústria, para a máquina e para o barco – à escala de um corpo que não é
feito de carne e osso.
Hoje a população reclama a frente para si e existe uma vontade natural para a cidade
voltar às pessoas, a cidade é das pessoas feita para as pessoas, pois sem elas perde
o seu sentido. A população residente sente falta do rio e do contacto físico com a
água, bem como do cheiro da maresia ou do som dos barcos que chegam, os
cruzeiros que partem, ficando apenas esta vontade de alcançar e tocar no rio; não é
de se estranhar que por estas colinas se cante o fado da cidade e dos que nela vivem
– a saudade do tempo e da gente.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
180
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A cidade construída e a cidade planeada actual revêm-se nas vontades locais,
projectando a cidade para quem vive nela e devolvendo a frente à população, através
de novos espaços público e espaços verdes.
Como constatámos, em parte da evolução desta frente, foi o espaço público, a
estrutura urbana da rua, [da praça ou do largo] que alimentaram a sua construção e
evolução.
Não estranhamos que a população exija algo que lhes é familiar e natural, seu por
“herança” especialmente sendo o rio tão essencial para a regeneração do tecido
urbano.
Dentro de pouco tempo será possível tocar, sentir e viver o rio e a cidade voltará a
relacionar-se de um modo mais directo e fisicamente com o elemento que a sustém.
Hoje percorremos a cidade: descemos pela colina do castelo, por entre ruas e ruelas
que contornam o casario e pequenos degraus de pedra à porta das casas, escadarias
que terminam em largos que contornam igrejas e capelas e hoje a janela que dá para
a rua, com a roupa estendida, é a mesma da gente que vive a rua como se fosse a
sua casa.
As ruas dilatam-se e comprimem-se, curvam, adaptam-se e aproximam-se da cidade
conquistada ao rio; as antigas portas da muralha transformadas em túneis que
trespassam edifícios, sem dar conta, são elas que constroem, unem, ligam e envolvem
o tecido da urbe, pois são elas que na realidade dão forma ao corpo da cidade – e
este lugar não é excepção.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
181
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 102 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), edificado, 1650-1755-1770. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 103 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), edificado, 1858-1911-2015+. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 104 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), 1650-1755-1770. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 105 – Planta da frente ribeirinha de Lisboa (Alfama), 1650-1755-1770. (Ilustração nossa, 2014).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
5. PROJECTOS ACADÉMICOS
Os projectos académicos presentes neste capítulo procuram complementar o que
desenvolvemos ao longo deste trabalho e foram elaborados durante a nossa
experiência Erasmus na Escuela Técnica Superior de Arquitectura de Madrid da
Universidad Politécnica de Madrid. Os casos apresentados estão subdivididos em dois
grupos que correspondem a Proyectos 8 e Proyectos 9 – que equivalem à disciplina
anual de projecto de 5º ano da Universidade Lusíada de Lisboa – e foram
acompanhados pelos professores arquitectos Emilio Tuñon , Luís Rojo, Ángela García
de Paredes, Ignacio Pedrosa, Juan Ruescas e Bárbara Silva.
Considerámos curioso aquele grupo de professores ter elegido a cidade de Lisboa
como lugar de estudo para o ano lectivo em questão, e rapidamente despertou um
interesse particular por desenvolver o último projecto académico prático com eles.
Seria uma nova perspectiva da cidade onde vivemos, onde crescemos e
desenvolvemos praticamente todo o nosso percurso dentro da Universidade Lusíada.
Surgiu-nos assim a oportunidade de trabalhar um território de estudo com o qual
estamos familiarizados a partir de uma cultura diferente, e uma hipótese de nos
desafiarmos a nós mesmos e sairmos de uma “zona de conforto” onde nos alojámos
nos restantes anos do nosso percurso académico.
O desafio consistia em intervir na frente ribeirinha, compreendida entre o Campo das
Cebolas e Santa Apolónia, e visava implementar a construção de um conjunto
residencial sénior. De seguida, e mais complexo, era pedido o desenvolvimento de
estratégias para a realização de uma escola de música e um conjunto de
equipamentos de apoio no lugar de Santa Catarina – com especial destaque para o
miradouro [conhecido pela população local por Adamastor, referência à escultura do
gigante mitológico presente no alto da colina].
De facto, e como já referimos, um dos grandes estímulos académicos colocados,
passou por nos obrigar a vivenciar e explorar a cidade a partir de um ponto de vista
diferente, resultando, com enorme prazer, o desenvolvimento este conjunto de
trabalhos.
As ilustrações aqui presentes procuram sintetizar o trabalho desenvolvido durante a
respectiva experiência académica, e complementam os textos explicativos que se
seguem.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
187
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
5.1. ALFAMA - RESIDÊNCIA E HABITAÇÃO SÉNIOR
O primeiro projecto académico que apresentamos está inserido num dos lugares mais
carismáticos da cidade de Lisboa – a frente ribeirinha do bairro de Alfama.
Alfama é provavelmente um dos bairros mais consolidados da cidade, construído
inicialmente fora do perímetro amuralhado, que se estendia desde a encosta sul do
castelo até à margem do rio. Com o tempo e o aumento da população, a cidade
assume a responsabilidade de defender as populações “extra-muros”, reconhecendo a
importância e a igualdade destes bairros em comparação os demais e construindo a
Cerca Fernandina que restringiu o crescimento destes lugares durante longos
períodos da história da cidade. Hoje, e com a absorção das estruturas defensivas,
expansão do território sobre o rio e a respectiva apropriação do mesmo, as realidades
alteraram-se: o bairro está mais distante do rio e as frentes edificadas – pouco
consolidadas, contrastam com a realidade do território interior.
Intervir dentro desta realidade não é uma tarefa fácil e deve ser uma acção altamente
ponderada; o tempo despendido no seu estudo permitiu estruturar uma estratégia
responsável e consciente do contexto onde está inserida.
Este projecto visou o desenvolvimento de um conjunto residencial destinado à
população sénior: nascido da intenção de criar um complexo de apartamentos de
diferentes tipologias – T1, T2 e T3 – associados a espaços complementares, que
atribuem-lhe uma maior autonomia.
Das necessidades inerentes à população a que se destina e das forçosas relações
existentes entre os espaços necessários e referidos no programa, concluímos que a
solução a desenvolver necessitaria de estar concentrada – eliminando assim a
possibilidade de uma intervenção com elementos dispersos.
O sítio onde se insere este projecto está compreendido entre a estação de comboios
de Santa Apolónia e o Campo das Cebolas. Dentro desta área, que detém
características muito particulares, a dificuldade encontrava-se em como intervir, quase
cirurgicamente, numa estrutura urbana muito consolidada.
A intenção foi ser pontual e concentrar todo o programa, reduzindo a distância entre os
vários espaços e os respectivos elementos propostos.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
188
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
A estratégia seguiu o mesmo “esquema” presente na fase de construção e
apropriação da frente ribeirinha após a absorção dos limites defensivos, privilegiando
formas geométricas mais regulares. Esta solução permitiu circunscrever um pátio
rectangular através dos vários módulos residenciais [regulares] que, estrategicamente,
estão ligados à estrutura urbana através de ligações – ruas e galerias, reforçando a
configuração da volumetria deste espaço interior.
As dimensões e formas deste rectângulo [quase quarteirão] são muito próximas das
da implantação do futuro Terminal de Cruzeiros: não se trata de uma simples
coincidência, mas de uma intenção de projecto que pretende criar continuidade entre
os edifícios mais próximos do rio e a linha edificada – de remate – do bairro de Alfama.
Se inicialmente a intenção era essa – a de criar um conjunto uno, um corpo único –
com o desenvolvimento do projecto, este acabou por seguir uma direcção diferente: o
grande corpo é fracturado em módulos que preservam a configuração inicial do
quarteirão mantendo a unidade entre estes e a envolvente.
A proposta apresenta-se com a seguinte disposição: do lado da cidade – Alfama,
erguem-se três módulos residenciais com cérceas idênticas às dos edifícios mais
próximos, construindo um novo plano edificado voltado para o rio. Do lado do rio, um
conjunto de edifícios de piso térreo encerra o espaço central, protegendo-o do
movimento e ruído constante da Avenida Infante Dom Henrique, de uso
predominantemente rodoviário.
A proposta procurou adaptar-se às necessidades futuras, como a possibilidade por
exemplo a lotação do conjunto residencial sendo, deste modo, desenvolvida uma
segunda expansão através da construção de um módulo residencial – transversal –
que remata esta área rectangular originando assim uma rua pedonal entre o quarteirão
inicial e o novo módulo.
Esta estratégia volumétrica procura integrar-se com o edificado envolvente e, em
simultâneo, construir a transição entre o plano vertical, da encosta com o longo plano
horizontal – construído pelos anteriores aterros e plataformas sobre o rio.
Esta definição e implantação da proposta procuram rematar a transição entre as
diferentes malhas que constituem este sítio, localizando-se no exacto momento em
que o plano da encosta encontra o plano de nível ribeirinho.
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
189
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Na materialidade a intenção é comum, procurando seguir as mesmas características
presentes na envolvente. As fachadas são revestidas a azulejo branco – o mesmo
material que reveste a maioria dos edifícios na Rua do Jardim do Tabaco; o
embasamento, em pedra, visa reforçar a expressão do momento de transição entre o
passeio [plano horizontal] com a nova construção [plano vertical].
Deste modo, os edifícios “residenciais” expressam-se através da composição de dois
materiais: um embasamento forte e robusto que suporta planos de fachada em azulejo
– um dos revestimentos mais característicos da cidade –, e que confere à cidade um
brilho muito peculiar e único, que lhe é natural.
Por outro lado, os restantes edifícios – constituídos por um único piso térreo – são
totalmente revestidos a pedra, inclusive as coberturas, conferindo continuidade e
reforçando o carácter sólidos dos corpos que fecham e circunscrevem o espaço. De
modo a reforçar essa ambicionada continuidade, os acessos ao interior do pátio
central subtraem espaço aos edifícios, originando um conjunto de galerias cobertas
que ligam os diferentes corpos entre si, e constituindo-se como espaços de transição
entre o interior dos vários módulos e do vazio central.
Programaticamente, os vários apartamentos, desenvolvem-se através da construção
em altura, libertando assim os pisos térreos, destinados ao programa comum e
semipúblico: enfermarias, cantinas e espaços desportivos – para a prática de ginástica
e outras actividades físicas.
Ilustração 106 – Maquetas de estudo. (Ilustração nossa, 2012).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 107 – Características do edificado envolvente, sítio de Alfama. (Ilustração nossa, 2012).
Diogo Filipe Dias Marques Lopes
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 108 – Planta de localização da proposta na frente ribeirinha de Alfama. (Ilustração nossa, 2013).
Ilustração 109 – Perfil de Alfama, com a localização da proposta e o projecto do novo Terminal de Cruzeiros. (Ilustração nossa, 2013).
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 110 – Diagramas. (Ilustração nossa, 2013).
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 111 – Plantas das tipologias das residências sénior. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 112 – Plantas; planta térrea, planta tipo e planta de coberturas. (Ilustração nossa, 2013).
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
Ilustração 113 – Alçado principal (Sul) e corte do projecto. (Ilustração nossa, 2013).
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
5.2. MIRADOURO DE SANTA CATARINA - ESCOLA DE MÚSICA E JARDIM
Ao contrário da frente de Alfama, Santa Catarina encontra-se a uma cota mais
elevada, relaciona-se com o território envolvente de um modo distinto. Trata-se de um
miradouro onde a relação visual é muito forte – como um observatório –; não só
vemos como também somos observados pelas colinas vizinhas que nos rodeiam, debruçadas sobre a foz do rio Tejo e a frente ribeirinha.
Este projecto inclui-se no imaginário da linha construída das colinas, visíveis a partir
da frente ribeirinha, que nos acompanha ao longo do Tejo como uma referência dos
vários lugares que caracterizam o território.
Aparentemente dir-se-ia que Alfama está mais consolidada que Santa Catarina;
porém, considerámos mais difícil intervir neste sítio: a estratégia teve de se adaptar às
circunstâncias e, ao dividir o programa em partes, originou uma proposta mais
dispersa, pontuando diferentes momentos que mantêm relações de proximidade
importantes na vivência do novo espaço público projectado.
Deste modo, o programa foi dividido em quatro partes: um espaço cénico exterior com
capacidade para 250, uma sala experimental de música para 300 pessoas [auditório],
uma a escola de música e um jardim/miradouro; os dois últimos mantiveram uma
ligação muito interessante e de dependência, visto a escola ser responsável pela
configuração de um dos limites do miradouro.
O espaço cénico exterior procurou uma solução móvel, de fácil transporte e de
carácter efémero, que permitisse construir uma estrutura compacta para uma pequena
audiência em qualquer parte da cidade. A questão da efemeridade foi instigadora do
conceito que levou à solução apresentada, construindo uma estrutura-bancada capaz
de albergar mais de 250 pessoas através de uma ideia de empilhamento de paletes.
Porquê a escolha das paletes? A palete é provavelmente um dos elementos mais
banais e comuns em cidades por todo o globo, e como tal, a ideia foi apropriarmo-nos
neste elemento de madeira ou aglomerado de madeira, e utilizá-lo como módulo
estrutural – visto possuir uma enorme capacidade de suporte de esforços e cargas
concentradas. Uma das intenções consistia em utilizar o módulo sem o descaracterizar
ou alterar, preservando-o, de modo a poder retornar à circulação e aos usos mais
comuns para os quais foi inicialmente concebido. A intervenção deveria ser o menos
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
invasiva possível e muitas foram as várias soluções estruturais pensadas para melhor
articular a relação entre cada um destes módulos.
Optámos pela utilização de cabos de aço [pós-tensionados] para servirem como
amarrações ao solo e, simultaneamente, como elementos de união entre os vários
módulos. Esta opção interessou-nos pelo seu impacto visual reduzido e por não alterar
as paletes, permitindo que o ciclo de utilização não seja posto em causa. A solução
modular permite uma maior adaptabilidade da estrutura às diferentes realidades da
cidade, principalmente à sua topografia. Porém, foi necessário criar um elemento – à
parte, que corresponde à escada de acesso, que devido às dimensões padrão da
palete – nos obrigou a desenvolvê-la em paralelo, funcionando como elemento de
remate lateral da bancada principal.
A solução estrutural, de união das paletes, teve de ser diferente, visto estar associada
à acessibilidade e à dimensão regulamentar do degrau. Assim optámos por um
pequeno elemento metálico que permitisse, no mesmo ponto, fazer a ligação entre os
três módulos – paletes.
As outras três intervenções foram desenvolvidas em simultâneo em diferentes
localizações, relativamente próximas entre si. Um dos maiores desafios consistiu na
implantação das intervenções, visto tratar-se de um sítio extremamente consolidado.
Acabámos por intervir num dos edifícios mais característicos o palácio de Verride –
também conhecido por Palácio de Santa Catarina, [que se encontra na posse da Caixa
Geral de Depósitos]. O edifício, actualmente em mau estado de conservação e com
claros sinais de abandono, apresenta uma oportunidade de recuperação e
reconversão, adaptando-o e revitalizando. A proposta apresentada elegeu este imóvel
como espaço de desenvolvimento da grande sala experimental; contudo, a dimensão
do mesmo permitia que este recebesse parte do programa da escola e, deste modo,
também o programa administrativo [direcção e secretariado], juntamente com os
arquivos, bibliotecas e espaços expositivos que foram anexados ao grande auditório –
conferindo um maior grau de utilidade a este edifício de grandes dimensões.
A visita ao sítio permitiu compreender melhor a relação deste edifício com a sua
envolvente e rapidamente nos apercebemos que, das quatro fachadas, três foram
construídas na mesma época – norte, poente e sul – e que a fachada nascente voltada
para o bairro da Bica resulta de um conjunto de alterações em diferentes épocas que
não mantiveram qualquer continuidade ou unidade. Quem observa este edifício a partir
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198
A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
da Bica constata como esta realidade “formal”, a de um corpo aparentemente
inacabado.
O nosso projecto procurou resolver parte deste problema ao demolir a fachada com o
objectivo de reerguer este alçado praticamente de raiz. A ideia de uma grande sala –
auditório no programa procura evocar a questão da dimensão e da expressão de
volume.
Assim, a estratégia deu consequência à ideia de um grande corpo que intersecta o
edifício existente, recriando esta fachada descaracterizada.
Este projecto ambicionou a fusão entre os referidos corpos – como uma caixa
intersectando outra, cada uma com características e naturezas diferentes, que se
estruturam e organizam. O palácio com fachadas de alvenaria e vãos de cantaria de
pedra une-se ao edifício de estrutura metálica e planos de vidro, assumindo-se como
dois corpos na procura da unidade das suas naturezas opostas.
A grande fachada relaciona-se directamente com o largo de Santa Catarina; no
entanto a organização interior procurou contrariar essa situação ao direccionar o
grande auditório para o [vale] da Bica. O palco e o cenário do grande volume é a
cidade e o casario que desce pela encosta. O novo corpo procura deste modo tirar
partido de um contexto que até então tinha sido negado ou esquecido, reavivando
essa relação do edifício com a envolvente mais distante.
No extremo ocidental do miradouro encontra-se um edifício de três pisos – estando o
piso térreo parcialmente enterrado devido à diferença de cotas da Rua de Santa
Catarina – que dá acesso ao largo de Santa Catarina e ao miradouro. Curiosamente
entre este edifício [de cor bordeaux] e o miradouro encontra-se uma pequena casa em
ruína dentro de um pátio – localizado a uma cota mais baixa, quer em relação à rua
quer ao miradouro. Aquele vazio pareceu-nos importante e simultaneamente
vantajoso, condicionando o modo como foi feita a implantação do volume da escola.
O referido edifício bordeaux de três pisos apresentava fortes sinais de degradação e
abandono no piso térreo [aparentemente autónomo, visto ter acesso independente],
parcialmente enterrado, em oposição aos dois pisos superiores – recentemente
recuperados.
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
O alinhamento deste edifício com o miradouro levou-nos a considerar uma estratégia
de reaproveitamento do piso térreo para iniciar a nova construção, introduzindo um
corpo novo de três pisos, sendo o piso subterrâneo “comum” com o edifício vizinho. Os
dois edifícios conectam-se pelo piso subterrâneo. Este novo corpo encerra o extremo
ocidental do miradouro, reforçando a relação visual com o Tejo.
Esta intervenção procura ser quase cirúrgica e o impacto visual muito reduzido visto
que, dos três pisos, apenas um se encontraria completamente visível e os outros dois,
parcial ou completamente enterrados, devido à diferença de cotas da rua.
Na proposta existem três acessos à escola: um pela cota mais baixa, ao nível do piso
requalificado do edifício bordeaux, outro sensivelmente a meio da rua – abrindo um
vão no corpo principal proposto –, permitindo o acesso directo ao miradouro e à
entrada principal da escola, e finalmente no topo da rua – acedendo a uma plataforma
sobre o miradouro, permitindo o contacto visual com a cota mais baixa e com
destaque para a escultura do Adamastor. Este último acesso constitui-se como parte
de um percurso que se inicia na rampa que segue paralela ao corpo da escola,
terminando na plataforma do miradouro, e permitindo a descoberta da entrada coberta
com duplo pé-direito. A entrada principal da escola permite descobrir a verdadeira
dimensão interior do edifício que procura, simultaneamente, manter-se discreta. A
fachada de betão dá lugar à fachada de vidro, a entrada coberta com duplo pé-direito
mantém a configuração rectangular, subtraindo parte do espaço interior de modo a
criar maior continuidade entre os espaços interior e exterior.
Ao entrarmos, a escada ocupa uma parte considerável do espaço principal, unindo os
três pisos num núcleo/percurso que envolve os acessos horizontais e os verticais. As
salas de aulas estão organizadas em banda e possuem uma enorme versatilidade na
sua utilização – através das portas que possibilitam abrir um vão com diferentes
dimensões. O interior é iluminado indirectamente, evitando o sobreaquecimento,
através de um plano horizontal de vidro que ilumina os diferentes espaços e reflectindo
a luz desde a cobertura até aos pisos subterrâneos.
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Ilustração 114 – Ortofotomapa com a localização das intervenções, S. Catarina e Boavista. (Ilustração nossa, 2013).
Ilustração 115 – Planta de localização das intervenções. Miradouro de S. Catarina. (Ilustração nossa, 2014).
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Ilustração 116 – Diagramas de estudo da composição e construção da bancada exterior. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 117 – Plantas do edifício da escolar de música. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 118 – Alçados e cortes do edifício da escolar de música. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 119 – Plantas dos pisos -1 e -2 do edifício do auditório. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 120 – Plantas dos pisos 1 e 0 do edifício do auditório. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 121 – Plantas dos pisos 3 e 4 do edifício do auditório. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 122 – Alçados do edifício do auditório. (Ilustração nossa, 2013).
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Ilustração 123 – Corte do edifício do auditório. (Ilustração nossa, 2013).
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6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Esta dissertação de mestrado integrado em Arquitectura pretende “encerrar” uma
parte do percurso de formação de um estudante de arquitectura; contudo, e sendo
este processo contínuo, tal como qualquer processo de investigação e de
aprendizagem, actualiza-se e complementa-se constantemente, desenvolvendo e
levantando novas questões.
O interesse pessoal que depositámos ao longo da elaboração deste trabalho permitiu
que esta dissertação ultrapassasse os nossos objectivos e expectativas iniciais,
estímulo esse que se mantém através das inúmeras questões e ideias que esta
jornada originou.
O estudo da frente ribeirinha e do confronto de qualquer cidade com um limite é
sempre um exercício de descoberta que comprova a astúcia e o engenho da
humanidade, bem como o uso da criatividade como uma das ferramentas de
adaptação aos diferentes territórios, tirando sempre proveito das pré-existências para
criar uma nova “existência” – lugar.
São estes processos, tantas vezes incutidos durante a nossa formação por aqueles
que nos instruem que nos cativam. A cidade é o grande palco da arquitectura e o
grande espaço do quotidiano; ao compreender estas realidades foi possível
conhecermos um pouco mais de nós – em particular das nossas origens civilizacionais
e da construção dos lugares.
Cada cidade é autentica, única, e as possibilidades de estudo são propocionais à sua
diversidade cultural. Uma das principais conclusões que retiramos deste estudo é que
dificilmente se poderá generalizar a ideia de uma cidade, ou mesmo de uma ínfima
parte dela.
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A construção da frente ribeirinha de Lisboa: dois casos exemplares
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