população quilombola: ensaios para inclusão dos (in

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POPULAÇÃO QUILOMBOLA: ENSAIOS PARA INCLUSÃO DOS (IN) VISÍVEIS
MARINÊS FÁTIMA DAL’VESCO
Carazinho
2006
RESUMO
O presente trabalho teve como objetivo analisar a (in) visibilidade das necessidades sociais em saúde da
população quilombola do município de Colorado/RS, no ano de 2006, frente à política municipal de saúde.
Parte-se da análise da trajetória da negação de cidadania ao negro materializada pela exclusão de direitos,
desde o período da escravidão brasileira até os dias atuais. Desvela-se também essa exclusão, frente às
transformações societárias ocorridas na sociedade brasileira rumo a industrialização, como uma das expressões
da questão social, ou seja, produto histórico da contradição fundamental entre o capital e o trabalho. A questão
social vivenciada pelos negros, especialmente os quilombolas da Vila Padre Osmari caracteriza-se por
desigualdades de toda a ordem, mas também por resistências e enfrentamento desta população contra esses
processos excludentes, pressionando principalmente o Estado para investir na perspectiva da redução desses,
e, neste caso, a política pública de saúde. Analisou-se esta política a partir da Reforma Sanitária e da
implantação do Sistema Único de Saúde – SUS que consagrou à saúde como um direito de cidadania universal
garantido pelo Estado. Porém, a proposta construída na década de 1980 vem sendo desconstruída com a
hegemonia do neoliberalismo, transformando a saúde e a vida em mercadorias, referenciadas apenas na
análise de custo e benefício, distanciando de um atendimento integral em saúde voltado para o território vivo e
vivido pela população. Neste cenário, torna-se invisível à presença do quilombo no cotidiano da execução da
política municipal de saúde, apontando para a necessidade da visibilidade destes no diagnóstico, planejamento
e nos fazeres técnicos desta política, voltando-se para o atendimento das reais necessidades em saúde dos
quilombolas, tornando “visíveis” os “invisíveis” do quilombo.
Palavra-chave: Questão Social; População Quilombola; Política de Saúde.
LISTA DE SIGLAS
CORSAN
Companhia Riograndense de Saneamento
DST/HIV
Doenças Sexualmente Transmissíveis/Síndrome da Imunodeficiência Adquirida
FEE
Fundação de Economia e Estatística do Rio Grande do Sul
IBGE
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
IDH
Índice de Desenvolvimento Humano
INAMPS
Instituto Nacional de Assistência Médica da Previdência Social
INCRA
Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária
INPS
Instituto Nacional de Previdência Social
MDA
Ministério do Desenvolvimento Agrário
NOBs
Normas Operacionais Básicas
OMS
Organização Mundial da Saúde
ONGs
Organizações Não-Governamentais
ONU
Organização das Nações Unidas
PIM
Primeira Infância Melhor
PMAS
Plano Municipal de Assistência Social
PMS
Plano Municipal de Saúde
PNSPN
Política Nacional de saúde da População Negra
PSF
Programa da Saúde Familiar
SEPPIR
Secretaria Especial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial
SISVAN
Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional
SUDS
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde
SUS
Sistema Único de Saúde
INTRODUÇÃO
O presente estudo problematiza o tema da (in) visibilidade das necessidades sociais em saúde da
população quilombola da Vila Padre Osmari do município de Colorado/RS, no ano de 2006, frente à Política
Municipal de Saúde a fim de contribuir para a efetivação de uma política voltada aos princípios da integralidade
e territorialidade.
No primeiro capítulo, realiza-se uma retomada da trajetória do negro no cenário histórico, político e
social do país, articulando a herança escravocrata e latifundiária brasileira ao sistema capitalista estruturado no
Brasil, no sentido de contextualizar as expressões da questão social vivenciada pela população negra, em
especial da comunidade quilombola da Vila Padre Osmari na contemporaneidade.
O segundo capítulo procura situar a Política de Saúde, após a década de 1980, através da efetivação
do Sistema Único de Saúde – SUS. Transita-se por algumas questões conceituais e históricas presentes em
seu arcabouço legal e teórico e o final deste capítulo, discute os princípios de integralidade e territorialidade
como ferramenta para (re) planejamento das ações desenvolvidas pela Política de Saúde junto ao quilombo.
O terceiro capítulo mostra o ciclo metodológico deste estudo e o desenvolvimento das particularidades
da pesquisa social, bem como, o método dialético-crítico que o fundamenta. Os dados foram coletados através
de pesquisa documental, servindo como fonte de coleta o plano plurianual de saúde do município – 2001/2005,
relatórios e demais documentos de gestão do município. Na seqüência, tem-se a análise dos dados realizada
através da técnica de análise de conteúdo, que oportunizou desvelar a (in) visibilidade das reais necessidades
em saúde da população quilombola da Vila Padre Osmari.
Finalizando, as considerações finais apontam a intencionalidade da pesquisa em desvelar as reais
necessidades em saúde da população quilombola, traduzindo a ausência desta no planejamento, execução e
controle social da política municipal de saúde. Busca também, contribuir para a transformação social,
potencializando a população quilombola a lutar pela materialização dos seus direitos.
1 A FORMAÇÃO SÓCIO-HISTÓRICA BRASILEIRA NO CONTEXTO AFRO
Ao teorizar sobre a existência no município de Colorado de um dos maiores quilombos remanescente
de Palmares do Rio Grande do Sul (PMAS 2006-2009), sente-se à necessidade da apropriação de elementos
constitutivos da formação sócio-histórica brasileira para melhor compreender a questão do negro e a realidade
local do povo afro descendentes no município de Colorado. Para tanto, realizou-se um recorte histórico a fim de
delimitar o presente estudo, onde será abordada a escravidão negra africana e afro descendente
especificamente no Brasil. Com isso, não se desconsidera as influências e semelhanças nos processos de
escravidão ocorridos na própria África, América, Europa e também na escravidão indígena realizada em solos
americanos, incluindo o brasileiro.
1.1 A escravidão negra no Brasil: marcas indeléveis na cidadania
A história econômica e social brasileira teve seu desenvolvimento com 400 anos de escravidão. Após
abolição, em 1888 e o início do processo de mecanização da lavoura e a incipiente industrialização, nos
primeiros anos do século XX, consolidaram a situação de dominação e exclusão da mão-de-obra negra, que foi
entregue a sua própria sorte.
O trabalhador negro foi mais uma vez condenado a ocupar o último
estrato da pirâmide social: grandes fazendas e indústrias
privilegiaram o trabalhador europeu e reservavam aos escravos
libertos e seus filhos a atividade braçal com a pior remuneração
(CARVALHO, 2005, p.20).
Através de uma aproximação histórica, é importante trazer aspectos que demonstram a presença
portuguesa na colônia brasileira que fez desta um país, uma unidade territorial com língua, cultura e religião,
mas também deixou suas marcas através de uma população analfabeta, uma sociedade com herença
escravocrata, economia monocultora e latifundiária e também um Estado absolutista. Assim podemos dizer que
no momento da independência não havia cidadãos brasileiros e nem pátria brasileira (CARVALHO, 2005).
Desde a chegada dos europeus em terras brasileiras já se caracterizou pelas ações de extermínio,
dominação, guerra, escravidão e doenças dizimadoras de milhões de indígenas ampliando-se, ainda mais, com
a presença do escravo africano que veio para suprir demandas de mão-de-obra em uma colônia que deveria
somente se prestar a finalidade de acumular riquezas para seus colonizadores, via exploração da colônia. O tipo
de escravidão executado no Brasil foi o denominado de escravidão comercial. Nesse sistema, Almeida e Souza
enfatizam que, “[...] o escravo era mercadoria, podendo ser medido e quantificado” (1988, p. 18).
Em terras brasileiras, a escravidão constituía um “sistema” fechado, não havendo possibilidade de sair
do seu meio. O escravo era uma peça na engrenagem colonialista e intensificou-se ainda mais na era
capitalista. Os negros já eram trazidos ao Brasil de diferentes lugares da África para evitar qualquer
possibilidade de organização entre os escravos (ALMEIDA ; SOUZA, 1988).
Diante deste contexto, destaca-se que um dos fatores mais perverso para a nossa cidadania foi à
escravidão que retirou da maioria dos homens que habitavam o solo brasileiro, durante os quatro primeiros
séculos do país, sua condição de ser humano, o que por sua vez não lhe permitia o direito de ser cidadão.
Sendo assim, cidadania se caracterizava enquanto um privilégio de poucos, das elites.
Na época da escravidão, os negros trabalhavam em todas as profissões possíveis. Nos engenhos de
cana-de-açúcar, muitos escravos sofriam mutilações e queimaduras no processo de produção de açúcar.
Também no trabalho em lavouras como de algodão, mineração e nas fazendas de charque, a saúde dos
escravos estava sempre em risco devido aos trabalhos serem realizados em precárias condições.
Como se não bastassem, as formas precárias e periculosas de trabalho, os escravos eram
constantemente açoitados, tornando-se esta prática comum, pois isso servia para desmoralizar o negro, a fim de
mantê-lo em seu “lugar”. Outras formas de castigo também era a pena de morte, mediante o enforcamento, e as
prisões, que na época do Brasil colonial “[...] eram chamadas de calabouço” conforme Almeida e Souza (1988,
p.51).
Segundo Schimdt (1997), na época da independência havia uma população de cinco milhões, destes,
um milhão eram escravos, presentes em praticamente todas as regiões do Brasil. Atualmente a população
negra no Brasil, segundo divulgação do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE, representa 45%
do povo brasileiro.
No Rio Grande do Sul[1], o negro somente foi descoberto com o advento do comércio onde, viajantes
começaram a relatar a presença do negro, principalmente nas charqueadas. A maior concentração de escravos
estava localizada nas estâncias, isso fez o estado ocupar a quarta posição em maior número de escravos do
Brasil.
Um dos fatores que contribuiu para a discriminação do negro foi o plano de colonização imperial para
o Sul, onde as cidades foram planejadas para receberem os imigrantes. Com a presença destes, tanto os
negros como os índios foram expulsos e/ou excluídos, não tendo principalmente o acesso a terra, à cultura e a
educação. Com a chegada do imigrante, não era mais de interesse imperial a permanência do negro no estado.
O latifúndio e a escravidão não teceram espaço propício à formação de futuros cidadãos. Escravos não
eram cidadãos, não havia os direitos civis básicos à integridade física (podiam ser espancados), à liberdade e,
em certos casos à própria vida já que a lei os considerava propriedade do senhor. Existia uma parcela da
população livre, mas também lhe faltavam todas as condições para o exercício dos direitos civis e dependiam
dos grandes latifundiários para morar, trabalhar e defender-se contra o poderio do governo e de outros
latifundiários (CARVALHO, 2005).
Naquela época, as funções públicas como o registro de nascimento, casamento e óbitos eram realizados
pela igreja católica. Leis protetivas relacionadas à justiça eram inexistentes para as mulheres e aos escravos,
ficando estes sob a jurisdição privada dos senhores (CARVALHO, 2005). Frente ao exposto, verifica-se a
inexistência de um poder público que pudesse garantir os direitos civis, bem como a garantia de igualdade
perante a lei, o que prevalecia era a “lei” das fazendas.
Percebe-se que um fator determinante para a tomada de consciência de direitos da população através
da educação era praticamente inexistente, (CARVALHO, 2005), pois este aspecto era tratado com descaso pela
administração colonial. A educação foi iniciada pelos jesuítas, porém, após a expulsão dos mesmos, em 1759, o
governo se encarregou de fazê-la, por caminhos desconhecidos. Prova disso é a inexistência de dados sobre
alfabetização ao final do período colonial. Bem se sabe que não era de interesse dos senhores qualquer
manifestação a favor da educação de seus escravos, pois esta poderia ser utilizada como um valioso
instrumento “bélico cívico”. Dando maior visibilidade ao descaso educacional ao negro, o texto Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana enfoca que:
O Brasil Colonial, Império e República, tiveram historicamente, no
aspecto legal, uma postura ativa e permissa diante da discriminação
e do racismo que atinge a população afro-descendente brasileira até
hoje. O decreto nº 1.331, de 17 de fevereiro de 1854, estabelecia
que nas escolas públicas do país não fossem admitidos escravos, e
a previsão de instrução para adultos negros dependia da
disponibilidade dos professores. O Decreto nº 7.031-A, de 6 de
setembro de 1878, estabelecia que os negros só podiam estudar no
período noturno e diversas estratégias foram montadas no sentido
de impedir o acesso pleno dessa população aos bancos escolares
(RIBEIRO, 2004, p.8).
Assim, ao final da fase colonial, inexistia um sentimento de nacionalidade, mas, um grande contingente
populacional excluído dos direitos civis, políticos. E sociais. Mesmo com a independência do Brasil, escravo não
foi considerado cidadão. O único recurso que permanecia para os escravos, a fuga e a formação de quilombos
que constantemente eram dizimados por tropas do governo ou particulares contratadas pelo mesmo.
Na teoria de Anchieta (1995), contrariando a história oficial, a trajetória dos negros no Brasil foi desde a
origem marcada por incansáveis períodos de luta e intensa participação política. A resistência negra ao regime
escravocrata pode ser considerada um dos primeiros movimentos sociais de destaque na história do país,
citando como exemplo os quilombos.
Porém, muitas visões distorcidas são apresentadas sobre o quilombo, uma delas como sendo apenas
um lugar de fuga, como se os negros não fossem capazes de nada, a não ser se esconder! Na verdade,
conforme teoriza Schimdt “[...] o quilombo era uma verdadeira sociedade alternativa, a exemplo do Quilombo de
Palmares, onde resistiu por 65 anos, até que foi conquistado em 1965. Indubitavelmente, era uma república
igualitária, fraternal e livre” (1997, p.47).
Havia quilombos no Brasil inteiro, do Rio Grande do Sul até a Amazônia. No quilombo não existia o
grande proprietário, mas sim, todos trabalhavam em cooperação, eram livres e iguais. Desenvolviam a
agricultura, a criação de animais e o artesanato e, em algumas ocasiões até comercializavam com os brancos.
Centenas deles agrupavam milhares de pessoas inclusive camadas mais oprimidas da população: índios
perseguidos, mulatos, pessoas pobres procuradas pela polícia, brancos, miseráveis e prostitutas (SHIMDT,
1997).
Muitos historiadores assim como José Murilo de Carvalho abordam a existência de escravos dentro do
próprio quilombo e também que muitos negros eram possuidores de escravos. Isso nos mostra o quanto o
sistema escravista podia ser complexo e não se encerra nas páginas manuscritas pelos historiadores,
envolvendo uma dimensão cultural de naturalização da condição humana do negro.
Segundo Carvalho (2005), o Brasil foi o último país de origem católica do ocidente a libertar os
escravos. Como fundamentava a Declaração de Independência, a liberdade era um direito inalienável de todos,
assim, não havia como negá-la a uma parte da população, a não ser que se negasse condição humana ao
homem e a mulher negra.
Contudo, mesmo alforriados os ex-escravos foram tratados sem o mínimo de dignidade, lhes negando
educação e emprego e outros direitos sociais, ou seja, no Brasil, aos libertos não houve acesso em escolas, em
terras ou emprego. Décadas após a libertação, os descendentes de escravos ainda viviam em fazendas numa
vida um pouco melhor do que a de seus antepassados escravos. No meio urbano, contribuíram para aumentar a
população sem empregos fixos e relegados aos trabalhos mais brutos e mais mal pagos. Conforme Anchieta,
“[...] os inúmeros empregos advindos com a expansão do urbanismo e também da agricultura cafeeira foram
ocupados pela população branca imigrante” (1995, p.12).
As conseqüências disso são duradouras para a população negra, pois até os dias atuais esse segmento
ocupa posição inferior em todos os indicadores de qualidade de vida: na educação da população, nos empregos
qualificados, nos menores salários, nos piores índices de ascensão social, entre tantos outros (POCHMANN ;
AMORIN, 2003).
Como se referenciou anteriormente, a população negra, na pirâmide social, ocupa os mais baixos
estratos, prevalecendo à concentração desta nas faixas de menor renda do povo brasileiro. Entre os cinqüenta e
três milhões de pobres, os negros correspondem a 64% do total, e a 69% da população de indigentes (Atlas
Racial Brasileiro de 2004).
Procurando dar visibilidade ao contexto de desigualdade que perpassa a grande maioria da população
brasileira, dentre estes os negros que também sobrecarregam a desvantagem em termos de gênero e raça.
Ribeiro relata que: “[...] as mulheres negras são freqüentemente submetidas a ocupações precárias, seguida
das mulheres brancas e dos homens negros” (2004, p. 7). Isso sugere a delicada condição de quem sofre, a um
só tempo a discriminação de gênero e raça.
Nesse sentido, cabe ilustrar alguns dados que apontam as desigualdades entre brancos e negros na
educação:
As pessoas negras têm menor número de anos de estudo do que
pessoas brancas (4,2 anos para negros e 6,2 anos para brancos); na
faixa etária de 14 a 15 anos, o índice de pessoas negras não
alfabetizadas é 12% maior do que o de pessoas brancas na mesma
situação; cerca de 15% das crianças brancas entre 10 e 14 anos
encontram-se no mercado de trabalho, enquanto 40,5% das crianças
negras, na mesma faixa etária, vivem essa situação. O índice de
analfabetismo é expressivo na mulher negra. Na faixa etária de 15 a
19 anos é de 1,9% para mulheres brancas e 4,2% entre as mulheres
negras (RIBEIRO, 2004, p.8-9).
Estes números exemplificam a falta de acesso as políticas sociais, no caso da Educação, e a
dificuldade de permanência no sistema escolar, que desconsidera em suas diretrizes curriculares a realidade
vivida nas periferias, nas favelas, nas vilas e em bairros. No caso específico das mulheres, segundo Ribeiro
(2004), muitas abandonam a escola na adolescência, impossibilitadas de freqüentar as aulas após a chegada
de um filho. No sentido geral, evadem da escola, antes de completar o ensino fundamental, ou sem nunca ter
pisado numa sala de aula, os negros, em especial jovens, precisam recorrer cada vez mais cedo ao mercado de
trabalho e, mal preparados, esbarram nas grades intransponíveis do subemprego, longe de uma política de
proteção ao trabalho, sem uma justa remuneração e sem perspectivas de ascensão social.
Segundo consta no Atlas Racial Brasileiro de 2004, a população negra se encontra em posição
desfavorável em ralação à branca, no acesso aos serviços de saúde. Alguns percentuais encontrados mostram
o exposto no que tange as consultas realizadas pela população a cada ano, onde, em maior número no caso
são para os brancos (2,29%) e aos negros (1,83%). Refere-se também que a população negra tende a relatar
com freqüência maior do que a população branca problemas de saúde e restrição das atividades habituais por
motivo de saúde o que pode estar relacionado ao número de população negra com piores condições de vida.
No caso de assistência odontológica e no acesso a medicina suplementar, as diferenças são enormes:
o percentual de negros que nunca foi ao dentista chega a 24%, quase o dobro do percentual de brancos na
mesma situação (14%). Outro dado importante diz respeito ao percentual de brancos com acesso ao plano de
saúde é 2,22 vezes o de negros (Atlas Racial Brasileiro de 2004).
A população negra teve e, ainda tem que enfrentar o desafio de ascensão social, e freqüentemente
precisaram fazê-la por caminhos originais, como o esporte, a música, a arte, a dança, a religião, a gastronomia
dentre outros aspectos que com certeza foram extremamente ricos e fundamentais para a formação sócioeconômico-cultural brasileira.
A marca original da diversidade cultural negra brasileira é a sua obstinada resistência. Vítima da antiga
escravidão e do subseqüente sistema de desigualdade racial, as populações negras brasileiras foram
historicamente excluídas de uma vida digna baseada na igualdade de condições para o exercício de sua
cidadania. Ao invés da resignação a uma cultura preconceituosa de inferioridade, os negros constituíram nesta,
um de seus territórios de resistências. Assim, a música, a dança, as manifestações religiosas, a estética
pessoal, a história e a literatura formam algumas das manifestações de resistências do povo negro.
Embora haja empenho de grupos sociais, entidades civis e Organizações Não-Governamentais – ONGs
em denunciar a exclusão social e garantir a igualdade de condições, nascer negro no Brasil está relacionado à
probabilidade de ser pobre. Também o racismo é recriado e alimentado a cada dia, reforçando um ciclo
cumulativo de desvantagem para os negros. As manifestações de racismo causam danos materiais, simbólicos,
políticos e culturais por vezes irreversíveis para toda a população negra e agridem, acima de tudo, a essência
da democracia (SCHMIDT, 1997).
As situações que perpassam a condição de ser negro não podem ser tratadas como simples herança da
escravidão, mas sim, entre as múltiplas expressões da questão social[2] e as complexas formas de exclusão a
que estão sujeitas os negros, permeadas por fatores diversos que as condicionam.
O modo de produção capitalista é estruturalmente excludente como já foi demonstrado por Marx
(1982) na metade do século XIX. Decorre então, considerar que a exclusão social não é um fenômeno novo,
mas também é inerente ao processo de produção e acumulação capitalista.
Trazer o tema da exclusão social para o Brasil significa demarcar que a análise se dará em uma
sociedade colonizada, que já partiu do conceito discriminador entre colonizador e colonizado. Ser trazido para a
colônia era um castigo de degradação para alguns portugueses. Tratava-se, portanto de um território de
segregação – e exploração de riquezas, é claro, para comerciantes e espoliadores.
Transcorrer sobre a exclusão social no Brasil é somar a essa cultura o processo de escravidão
realizado pelas elites portuguesas, que “seqüestrou” a condição de ser humano de negros e índios,
transformando-os em objetos de exploração e riqueza. A particularidade da história brasileira mostra ainda um
país que se fez independente colocando como seu rei, o filho do rei colonizador, o que tornou uma
independência pouco séria na revolução de valores que possa ter imprimido. Nesse entendimento, Anchieta
aborda que:
A cultura patrimonial predominante no Brasil constrói a sociedade
por castas divididas entre proprietários e não proprietários, entre elite
e ralé. Os acessos à cobertura dos serviços sociais públicos são
considerados em nosso país como uma manifestação de
miserabilidade ou de incapacidade em obter o desejado acesso aos
serviços pagos ou de mercado (1995, p. 15).
Assim, a cultura patrimonial não incorpora padrões básicos e universais de cidadania. A inclusão dos
que menos tem é circunstancial, casuística, meritocrática e seletiva. Este tipo de sociedade de acordo com
Sposati (1998)[3], não incorpora uma cobertura universal dos riscos sociais e sim, do risco individual. O Estado
brasileiro consolida uma dada concepção não afiançando a garantia de direitos sociais em suas ações:
caracterizam as atenções sociais como concessões partilhadas com a filantropia da sociedade e não assumidas
como responsabilidade pública.
Sposati (1998) cunhou com precisão a noção de que o trabalhador no Brasil configura uma forma de
vida da mão para a boca. Isto é, a condição de humanidade é extremamente rebaixada em uma sociedade
patrimonial e de tradição escravocrata. Aqui, a exclusão é uma condição genérica da “não elite”, ou a inclusão
na sociedade se dá perversamente, através da presença da exclusão como uma condição indigna e
desqualificada de vida humana. É este padrão do convívio hierarquizado vigente.
Conseqüentemente a esta concepção, o senso comum presente na sociedade sobre a exclusão social é
extremamente rebaixado. O mendigo, o homem de rua, a criança de rua, reforçados quando negros, são as
situações limiares qualificadas como de exclusões sociais. Alargar a concepção de exclusão social no Brasil
exige, antes de tudo, a introdução de um outro padrão de sociedade fundada na civilidade ou na ética
civilizatória. Uma sociedade efetivamente democrática que se consolida sob novas bases capazes de efetivar a
socialização da riqueza socialmente produzida.
1.2 A questão social vivenciada pela população negra na contemporaneidade
O propósito deste item é a realização de reflexões a cerca dos temas: questão social e suas
expressões de desigualdade e resistências da população negra – com o objetivo de dar visibilidade às bases
teóricas que nortearam o presente estudo concernente ao tema pesquisado.
A luta coletiva contra o processo de exclusão social exige apropriação do contexto global e local como
uma desigualdade social existente – expressa a partir da questão social. A problemática da população negra é
uma demanda política que necessita de subsídios para o desenvolvimento de ações vinculadas aos direitos
sociais. Isso exige do Estado ser um agente interventor nas políticas públicas e a reconhecer que o
enfrentamento desta situação é mais amplo e estrutural da sociedade capitalista, relacionado com o contexto
cultural, o resgate de identidade, a cidadania e a redistribuição de renda a classe trabalhadora.
Dentre as diversas análises de um mesmo contexto social, elencou-se o referencial que estivesse de
acordo com o método dialético-crítico, seguindo o pensamento trazido por Ouriques:
A discussão historicamente construída sobre a questão social
abrange um elemento básico de análise: tem sua gênese na relação
de conflito entre o capital e o trabalho – ou seja, á na exploração, na
dominação e na apropriação concreta do trabalho pelo capital que
ocorrem as contradições do modo de produção capitalista. Assim,
resultando no aumento da desigualdade social e como seu
contraponto as formas de resistência ( 2005, p.21).
A questão social surge no século XVIII, na Inglaterra, durante a Revolução Industrial, em meados de
1760, onde a economia baseava-se no Liberalismo Clássico e ao Estado cabia o exercício de custear o seu
crescimento valendo-se dos meios legais para dar conta das demandas do mercado, pois se entendia que era
através dessa via que os problemas poderiam ser resolvidos, até mesmo os sociais (PRATES apud
OURIQUES, 2005).
O acirramento da questão social mundial deu-se entre os séculos XIX e XX, após a Revolução
Industrial em decorrência da consolidação do capitalismo imperialista e monopolista que acabou resultando a
eclosão I Guerra Mundial em 1914. Época de grande progresso econômico devido a mundialização da
industrialização o que condiciona a instabilidade financeira e agravamento das pressões sociais.
Como resultado, segundo Ouriques (2005), o trabalhador operário passa a receber baixa
remuneração, cresce o número de desempregados bem como as precárias condições de vida. Decorre daí a
mobilização social da classe trabalhadora em sindicatos para lutarem por seus direitos e por uma qualidade de
vida melhor, o que resultou na garantia de alguns direitos sociais.
No Brasil, até a década de 1930, a questão social era tratada como caso de polícia. O agravamento
das questões sociais não difere do contexto mundial, advém do modo de produção capitalista quando o Brasil
torna-se urbano-industrial ou como o historiador Mário Schmidt expressa: “[...] a cidade supera o campo” (1997
p. 272).
As transformações tecnológicas que também surgem no Brasil na década de 1950, através dos meios
de comunicação, transporte, energia elétrica e outros representam um importante avanço econômico que traz
como contraponto a extinção de postos de trabalho e a substituição da mão-de-obra pela máquina, resultando
em maior concentração de renda nas mãos de poucos e num grande contingente de desempregados,
aumentando as desigualdades sociais.
Nesse sentido, o Estado passa a investir cada vez menos em serviços públicos e em políticas sociais.
Em virtude disso, agravaram-se as situações de vida da população. As políticas sociais existentes não
apresentavam mecanismos para dar conta das inúmeras expressões da questão social advindas das alterações
do mundo do trabalho em decorrência do impulso tecnológico e, inclusive da minimização dos direitos sociais e
do papel do Estado (OURIQUES, 2005).
Eclodem inúmeras expressões das desigualdades sociais que podem ser demonstradas através da
fome, da miserabilidade, do desemprego ou do emprego precário, da falta de acesso aos serviços públicos e da
precariedade dos mesmos, principalmente relacionados à saúde, das muitas formas de violência, da exploração
do trabalho de infantil, da população de rua, da concentração de renda, do baixo nível de escolaridade e do
preconceito e discriminação do povo negro.
Frente a este contexto, o Estado brasileiro passa da função de regulação social ao desenvolvimento de
políticas sociais que abrangem em parte as demandas da população, pois são realizados programas e projetos
de forma desintegrada, justamente para atender aos interesses do sistema dominante (SILVA, 2004).
No entanto, analisa-se a questão social na perspectiva dialética que além de envolver as inúmeras
formas de expressões de desigualdades, também considera os meios de resistência e enfrentamento da
população contra as desigualdades sociais. Embate contra o Estado por considerar que este canalize esforços
para gerar alternativas de superação das expressões sociais acima mencionadas e de tantas outras.
Conforme Ouriques, essas expressões podem ser verificadas:
[...] em vários momentos históricos no país, por exemplo, durante o
agravamento da questão social na década de 1930, tivemos como
contraponto ou resistência as lutas sindicais. Na década de 1950, foi
exemplo de resistência a mobilização em prol das “modificações de
base” com a participação de vários atores e segmentos da
sociedade. O importante processo de resistência da população
brasileira, durante os quase dez anos de ditadura enfrentada no país
(1964-1974), também, é exemplo da contradição ou negação
inclusiva – desigualdade – resistência (2005, p. 24).
Adensando o pensamento da autora, diferentes momentos históricos poderiam ser trazidos, tanto na
década de 60, 70 como em 80 que demonstram formas de desigualdades e de resistência e o enfrentamento da
questão social. Mas, não desvinculado ao contexto, faz-se necessário elucidar o quão a população negra
resistiu e por diversas vezes teve que enfrentar sozinha as formas de preconceito, discriminação e
miserabilidade por que passaram mesmo antes da eclosão das expressões das questões sociais na década de
1930, marco histórico, até os dias atuais. Reconhecer é também valorizar, divulgar e respeitar os processos
históricos de resistência negra desencadeados pelos africanos escravizados no Brasil e por seus descendentes
na contemporaneidade, desde as formas individuais até as coletivas.
Sob a égide da escravidão, que os reduzia à condição de peças, esses homens e mulheres africanos se
constituíram em uma das matrizes fundadoras do nosso povo. A ambigüidade das relações escravocratas, no
caso brasileiro, permitiu ao negro africano um jogo sutil entre ser objeto no modo de produção e aos poucos ir
lutando por seu lugar de sujeito de direitos nas relações sociais e culturais. A história brasileira está repleta de
exemplos da participação de negros e mestiços em importantes lutas nos diferentes momentos da constituição
do país.
Negros e negras jamais ficaram passivos diante os diversos tipos de violência a que foram submetidos.
Suas mais diversas formas de luta e resistência são expressas na religiosidade, na música, na dança, na arte,
no esporte, na culinária, na estética e em tantas outras. A organização em quilombos, conforme já teorizado, se
tornou símbolo máximo de luta popular pela sobrevivência e liberdade – a exemplo o Quilombo de Palmares. Ao
mesmo tempo, outros movimentos importantes como a Revolução dos Alfaiates e a Revolução dos Malês foram
formas de luta e resistência ocultadas na história brasileira (ANCHIETA, 1995).
Com a abolição, uma nova realidade se apresentou ao negro que passou então a procurar formas mais
efetivas de organização, que não só preservasse o grupo, mas também o representasse nas suas
reivindicações e lhe desse maior visibilidade social.
Segundo Anchieta, os integrantes do Movimento Negro, reunidos em grupos, entidades e organizações
não governamentais estruturam fóruns locais, regionais e nacionais que visam, em última instância, a efetiva
organização da população negra. Nesse campo, como exemplo, destacam-se algumas frentes: “o hip-hop, como
expressão que aglutina grandes contingentes de jovens, a ação dos remanescentes de quilombos, organização
partidária, sindical e o Movimento de Mulheres Negras” (1995, p.32). Fruto da adesão, discussão, organização e
mobilização dos movimentos acima mencionados, institui-se o Dia da Consciência Negra, 20 de novembro, data
da morte de Zumbi dos Palmares, herói negro, transformado em referência nacional para as organizações
negras espalhadas pelo país.
A Constituição de 1988 declara a cidadania e a dignidade da pessoa humana como princípios
estruturais do Estado Democrático e de Direito. Proclama a promoção do bem de todos, sem preconceitos de
origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação. E, em seu artigo 5,º declara que “o
racismo passa a ser considerado crime imprescritível e inafiançável”.
Em 1998, a Organização das Nações Unidas -ONU decidiu proclamar 2001 o Ano Internacional de
Mobilização contra Racismo, Discriminação Racial, Xenofobia e Formas Conexas de Intolerância. Nesse
contexto, realizou-se no mesmo ano, em Durban [4], na África do Sul, a III Conferência relacionada à questão
negra, a qual, refletiu positivamente na política nacional, a começar pelo documento oficial brasileiro que
reconhece a responsabilidade histórica pelo escravismo e pela marginalização econômica, social e política dos
descendentes de africanos.
No campo da educação, aborda Cury (2004), a demanda da comunidade afro-brasileira pelo
reconhecimento, valorização e afirmação de direitos, passou a ser apoiada com a promulgação Lei de Diretrizes
Curriculares Nacionais para a Educação das Relações Étnico-Raciais e para o Ensino de História e Cultura AfroBrasileira e Africana – Lei 10.639/2003, que alterou a Lei 9.394/1996, estabelecendo a obrigatoriedade de
ensino de História e Cultura Afro-brasileira e Africana nos estabelecimentos de ensino fundamental, e médio,
oficiais e particulares, objetivando resgatar historicamente a contribuição dos negros na construção e formação
da sociedade brasileira. Nesta mesma área, em 21 de março de 2003 foi criada a Secretaria Especial de
Políticas de Promoção da Igualdade Racial – SEPPIR, e instituiu-se a Política Nacional de Promoção da
Igualdade Racial.
O reconhecimento, regularização e titulação das áreas remanescentes de quilombo em todo o país é
uma das grandes aspirações do povo negro. Atualmente cabe ao Ministério do Desenvolvimento Agrário – MDA
e ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária – INCRA a incumbência de regularizar e titular estas
terras. Neste governo, a população negra conquistou direitos, positivados através de decretos leis e instruções
normativas e estruturas específicas para priorizar a concretude da regularização fundiária. Segundo dados
oficiais do MDA e do Incra, transcritos por Paim “[...] existem mais de 2.200 comunidades remanescentes de
quilombos localizadas, destas, apenas 130 já foram atendidas” (2005. p.11). Mas, segundo informações do
Movimento Negro, o número de quilombos se aproxima dos cinco mil. Isso exige em primeiro plano, que cada
município identifique o território de seus quilombos e se aproxime da realidade vivenciada pelos quilombolas
(BRASIL SEM RACISMO, 2002).
Prova de todo esse processo de resistências e que ainda é possível fazer a diferença é a luta dos
Silva, uma família de descendentes de escravos, moradora do Quilombo dos Silva em Porto Alegre (RS).
Residentes há quase cem anos numa área central de Porto Alegre, rodeados por burgueses querendo se
apossar dessas valiosas terras, as 12 famílias que hoje ali se encontram resistiram e lutaram bravamente em
defesa dos seus direitos. Hoje são pessoas reconhecidas pela Fundação Palmares e pelo INCRA, bem como,
oficialmente é legalizado seu território como sendo o primeiro quilombo urbano do país (PAIM, 2005). O
Quilombo Silva, certamente, servirá de exemplo e estímulo a todos os outros quilombos, inclusive o da Vila
Padre Osmari.
Por fim, após trazer um rol de resistências e também algumas conquistas, destaca-se a tramitação
para aprovação junto a Câmara dos Deputados Federais, desde o ano de 2000, o Estatuto da Igualdade
Racial[5]. Assim como o Estatuto da Criança e do Adolescente, do Índio e do Idoso, o negro também tenderá a
possuir o seu, que visa combater a discriminação racial e as desigualdades raciais que atingem os afrobrasileiros (PAIM, 2005).
No entanto, entre as conquistas legais e a realidade vivida pela população negra brasileira, ainda existe
uma larga distância. Para superar esta realidade é necessário ir além da adoção de políticas
antidiscriminatórias, é necessário combiná-las com políticas públicas sociais nas diversas áreas que sejam
capazes de levar em consideração os territórios vivenciados pelas populações excluídas para daí trilhar o
caminho na conquista da chamada cidadania.
Porém, vivencia-se um cenário conjuntural onde as políticas públicas, têm sido freqüentemente
entendidas e operacionalizadas como meras concessões de escassos recursos sociais para uma suposta
melhoria do bem-estar social da população, traduzindo-se em ações de caráter compensatório e paliativo, com o
objetivo de corrigir desigualdades produzidas pelo mercado.
O processo de globalização acelerado, em que o modelo neoliberal impera através da economia de
mercado, da privatização e do Estado mínimo, tem levado ao acirramento da miséria, que distancia milhares de
seres humanos da possibilidade de usufruírem os direitos sociais conquistados, fazendo com que estes passem
a depender das políticas sociais para sobreviverem.
O Estado, por sua vez, implementa políticas neoliberais, na era da globalização, que visam à redução
do seu papel na intervenção de garantias de direitos sociais, consequentemente há um descompromisso com o
social, com isso, as políticas públicas são adotadas de forma dispersa e fragmentada e focalizando-se a
pobreza residual.
Mas, o fenômeno da exclusão social enquanto expressão da questão social é complexo de ser
abordado, não se esgota somente na pobreza, pois é dinâmico vivencial e histórico. Ao problematizar o seu
complexo significado faz-se necessário esclarecer, segundo teoriza Ouriques que: “[...] excluído não é aquele
indivíduo que se encontra em situação de carência material, mas aquele que não é reconhecido como sujeito,
que é estigmatizado, considerado nefasto ou perigoso à sociedade” (1994, p.61).
Nesse contexto é que se insere o presente estudo, pois o segmento estudado sofre cotidianamente o
processo de exclusão social e econômica. Tensiona o mesmo dar maior visibilidade à problemática enfrentada
pela população negra, em especial aos quilombolas da Vila Padre Osmari, como subsidio para a (re)
elaboração da política pública de saúde, de caráter universal, mas, que comporte o direito a diferença, num
padrão de eqüidade,[6] como mais uma forma de resistência.
1.3 Município de Colorado: a comunidade quilombola da Vila Padre Osmari.
Colorado, localizado ao norte do Estado do Rio Grande do Sul, foi emancipado em treze de setembro
de 1962. Tem seu nome devido às águas turvas de um rio que serve de divisa geográfica ao município e que
tem esse nome (FASSINI, 1987, p.22).
Município de porte pequeno, com 3.870 (IBGE, 2006) habitantes, ainda hoje se evidencia traços de
uma cultura deixada pelos colonizadores italianos, dos quais se destacam os modos de vida, a organização em
comunidade, a religião, as festas de padroeiros, bem como no trabalho, onde tiravam da terra (agricultura) seu
sustento. Esta atividade permanece até os dias atuais, como sendo a principal fonte trabalho e renda.
Município de base econômica agrícola. Num ranking das cidades brasileiras com melhores índices de
qualidade de vida segundo o IBGE, Colorado aparece como a 88ª melhor cidade do RS e 273ª do Brasil. Outros
dados são mencionados como a expectativa de vida ao nascer de 75,287 anos, taxa de alfabetização de adultos
de 0,949, índice de educação de 0,912 e o Índice de Desenvolvimento Humano de 0,817. Os índices de
exclusão social de 0,562, desigualdade de 0,104, emprego formal de 0,107, são indicadores que mostram a
necessidade de maiores investimentos para melhoria da qualidade de vida no município (Fundação de
Economia e Estatística do RS – FEE).
Embora a história oficial e os dados estatísticos não mencionam a existência étnica expressiva do
povo negro no município de Colorado, estes são reais e também contribuíram na formação sócio-histórica local,
sendo escravizados na época da colonização em lavouras coloradenses de propriedades das famílias de
Quadros, principalmente como mão-de-obra em trabalhos agrícolas bem como em serviços domésticos (PMAS
– 2006-2009).
Esses recortes históricos encontram-se registrados no Plano Municipal de Assistência Social bem
como destaca à existência do segundo maior quilombo do Estado do Rio Grande do Sul localizado no perímetro
urbano do município, à Vila Padre Osmari. Isso decorre por dois motivos: ao número de quilombolas[7], cerca
de 410, residentes num mesmo local e/ou ao número de famílias, que são 123 residentes nesta Vila (PMAS,
2006-2009, p.8). Também consta no referido Plano que estes dados numéricos foram obtidos junto à equipe de
agentes do Programa da Saúde Familiar – PSF.
Conforme o Plano, a população residente à Vila Padre Osmari é predominantemente negra descendente
de africanos escravos, inclusive escravizados neste município décadas atrás, quando da colonização. Fato que
remonta até os dias de hoje a situação dos habitantes de tal comunidade. Cenas ainda deixam perceber que os
demais munícipes vêem os moradores da Vila Padre Osmari com preconceito (PMAS – 2006-2009).
Continuamente excluídos da vida social e econômica do restante do município, não participam
ativamente dos eventos, pois é assim que “aprenderam que devia ser”, sendo visível o preconceito frente a esta
população. Estes vivem em situação de pobreza, apresentando precárias condições de habitação e
saneamentos básicos.
As famílias sobrevivem através de rendas advindas do Programa Bolsa Família do Governo Federal,
da aposentadoria de algum idoso “cuidado pela família”, e do trabalho informal quase sempre da mulher em
serviços domésticos e/ou do homem na agricultura, o que varia muito em épocas de queda na produtividade
agrícola.
Aspectos de discriminação se evidenciam ou são gritantes quando se observa o cemitério público
municipal do perímetro urbano, onde os negros são sepultados separadamente dos demais. Ainda no aspecto
religioso, o que predomina é a devoção pela católica, porém na comunidade da Vila Padre Osmari observa-se a
crença das pessoas em várias outras religiões, dentre elas a Assembléia de Deus, Igreja Pentecostal Deus é
Amor e Congregação Cristã, porém, poucas ligada à religiosidade afro-descendente (PMAS, 2006-2009).
Outro dado que se destaca na vida dos quilombolas da Vila Padre Osmari é a sua condição de
cidadão, um povo que vem em processo de fragilização de suas raízes étnicas e culturais. Não existem
organizações sociais, associações, festas religiosas ou manifestações artísticas que demonstram preservações
ou resgates afros descendentes neste quilombo. A história cultural de nossa sociedade é, na realidade, também
uma história de negação de culturas e valores de diferentes grupos sociais, principalmente da população negra,
os quais continuam sendo desconsiderados e desrespeitados por uma cultura hegemônica de dominação,
imposta pela sociedade capitalista.
Um exemplo que clarifica o enunciado do parágrafo anterior refere-se à existência de um grupo de
senhoras atendidas pela Assistência Social, na faixa etária de 20 a 55 anos, moradoras da Vila Padre Osmari
que há aproximadamente vinte anos, reúne-se para a realização de atividades sob a orientação desta Política.
Percebe-se que este grupo não evoluiu enquanto entidade organizada e tão pouco como grupo autogestivo,
pois rotineiramente realizam atividades “atribuídas”, tais como: desfiar fibras, confeccionar acolchoado, recortar
retalhos de tecidos para fazerem tapetes, entre outros. Em contrapartida “recebem” um acolchoado/ano e
eventualmente cestas básicas. Ao longo desse período de existência de grupo, foi escolhido um nome para o
mesmo: Grupo de Senhoras Unidas Venceremos. Entendendo conforme a autora Couto (2006), isso se faz
reportar a origem obscura e indefinida em que se constitui a Assistência Social no Brasil, apresentando-se como
um mecanismo de controle e tutela dos pobres, onde o favor e o merecimento ainda são os critérios para a
concessão de auxílio.
A trajetória histórica vivenciada por estes moradores demonstra as mais diversas formas de
expressões da questão social, onde se perpetuam de geração em geração vulnerabilidades sociais dentre elas:
fragilização da identidade étnica, empobrecimento, fragilidade nos vínculos familiares, desemprego, drogadição,
alcoolismo, adolescentes em conflitos com a lei, entre outros e em proporções cada vez mais expressivas.
Conforme consta no PMAS, as habitações de maneira geral são consideradas em estado regular, mas,
um grande número está em precárias condições de habitabilidade. Há uma carência de melhorias e construção
de novas residências, pois em muitas casas sobrevivem mais de uma família. Em todas as casas existe o fogão
a lenha como principal instrumento para o cozimento dos alimentos, como resultado, as matas que existiam
próximas a este local não existem mais ou estão em processo de desmatamento contínuo. Assim, os reflexos
em indicadores de risco em saúde tendem a se agravarem.
O lixo é recolhido, desde 1998, três vezes por semana, apenas na rua principal desta Vila. Porém, nem
todas as famílias têm acesso e sendo assim, dificulta o hábito de colocá-lo para a coleta, jogando-o no fundo de
quintal o que implica num processo que demanda educação em saúde, bem como a ampliação da coleta do lixo
em todas as ruas da vila. Todas as casas possuem energia elétrica, de forma legal ou por ligações clandestinas,
assim como o abastecimento da água é feito pela rede da Companhia Rio Grandense de Saneamento –
CORSAN. Atualmente o que está acontecendo é que pela falta de oportunidade e condições de geração de
renda para estes moradores (agravado pela estiagem que assolou quase todo o Rio Grande no ano de 2004 e
pelos baixos preços dos produtos agrícolas), existe um grande número de residências com a luz e água
cortadas pela falta de pagamento (PMAS, 2006-2009).
Em dados cadastrais da Secretaria Municipal de Saúde - Setor de Vigilância Sanitária encontra-se
registrado a grande demanda em sanitários, pela falta ou estado precário, levando famílias próximas a
disponibilizarem do mesmo banheiro. O esgoto destes é realizado em fossa rudimentar.
Um dos indicadores de risco mais visível nesta Vila diz respeito ao destino das águas dos tanques e
pias que se dá a céu aberto. Conseqüentemente surgem casos de diarréia, principalmente em crianças,
doenças de pele e bronquite asmática. Esse é mais um elemento transcrito junto aos cadastros da vigilância
sanitária local que da visibilidade da necessidade de ações de saúde e também de outras políticas sociais.
Um segmento que necessita de atenção da política de saúde e das demais políticas sociais diz
respeito à criança e ao adolescente. Estes, de modo geral restringem-se a vida escolar e em turnos inversos,
ficam ociosas pela ausência de atividades sociais que possam contribuir na formação, informação e no
desenvolvimento integral do cidadão jovem coloradense, principalmente aos habitantes da Vila Padre Osmari,
onde 40% desta população estão na faixa etária de zero aos 18 anos (PMAS, 2006-2009).
Frente ao exposto, observam-se as necessidades de efetivar políticas públicas voltadas à saúde,
habitação, educação, cultura, assistência social e outras junto a este quilombo. Porém, ressalta-se que estas
políticas deverão levar em consideração os modos de vida desta população e dos demais usuários em seus
territórios, caso contrário não terá efetividade nem alcance social, a exemplo das ações que se efetivam pelas
políticas sociais ao longo dos anos neste micro espaço, como também acontece no contexto macro social do
cenário nacional.
O desafio é pensar em mecanismos para manter ou redescobrir toda a riqueza cultural e antropológica
que esta comunidade carrega em sua existência. Nesse país mestiço, que tanto se luta pela igualdade entre
etnias não se pode perder esse marco referencial (territorialidade) de história e resistência do negro, que
vislumbra por uma condição de vida digna, de cidadania, ou seja, pela garantia de seus direitos individuais e
coletivos conforme manda a Constituição Federal de 1988.
2 A POLÍTICA DE SAÚDE E A POPULAÇÃO QUILOMBOLA
Este capítulo retoma a trajetória da implantação da Política de Saúde a partir da década de 1980,
tendo como pano de fundo o modelo de desenvolvimento adotado pelo país e a implementação das políticas
sociais, destacando a ausência da população quilombola neste processo. A partir do entendimento da mesma,
buscar-se-á demonstrar a importância da Política de Saúde efetivada no quilombo, desde que, centrada nos
princípios da integralidade e territorialidade.
2.1 Contextualizando a Política de Saúde após a década de 1980.
Na década de 1980, a sociedade brasileira vivenciou um processo de redemocratização política,
superando o regime ditatorial implantado nos anos 1960. Ao mesmo tempo em que se configuram importantes
reformas no sentido de ampliação da democracia, traduzidas através da Magna Carta Constitucional de 1988,
também se efetivava um processo de intensa recessão e contradições no cenário econômico. Através de
sucessivos planos econômicos procurou-se conter a inflação e retomar o desenvolvimento do país, assim, a
centralidade passa a ser novamente a economia em detrimento do social, fator esse que prevalece até os dias
atuais (COUTO, 2006).
Segundo Bravo (1991), a saúde nessa década passou a contar com a participação de novos sujeitos
sociais na discussão sobre as condições de vida da população brasileira e das propostas governamentais
apresentadas para o setor, contribuindo para um vasto debate entre a sociedade civil. Dessa maneira, a saúde
deixou de ser interesse apenas dos técnicos, passando a assumir uma dimensão política.
Nesse sentido, o Sistema Único de Saúde (SUS) vigente no Brasil, decorre de um processo iniciado no
final dos anos 1960 através de intensa mobilização social, envolvendo vários segmentos da sociedade:
sindicatos, associações, movimentos sociais, partidos políticos, plenárias populares, instituições privadas e do
Estado que trabalhavam na área da saúde, resultado do descontentamento com o sistema de saúde, então
existente, ou seja, no modelo médico assistencial privatista [8]. Como resistência, acabam por construir as
bases da Reforma Sanitária mesmo em contexto repressivo. E, ainda, no começo da década de 1980, esse
movimento influencia o debate a cerca da redefinição do Estado democrático e suas funções públicas,
reivindicando a saúde como direito de todos e dever do Estado, como esclarece Bravo:
As principais propostas debatidas por esses sujeitos coletivos foram
a universalização do acesso: a concepção de saúde como direito
social e dever do estado: a reestruturação do setor através da
estratégia do Sistema Unificado de Saúde, visando um profundo
reordenamento setorial com um novo olhar de saúde individual e
coletiva: a descentralização do processo decisório para as esferas
estadual e municipal; o financiamento efetivo e a democratização do
poder local, através de mecanismos de gestão – os Conselhos de
Saúde (1991, p.109).
Vale salientar que, as ações de saúde na década de 1980 eram realizadas pelo Instituto Nacional de
Previdência Social – INPS, posteriormente INAMPS, órgão que preponderava o atendimento de saúde somente
aos trabalhadores que possuíam vínculo empregatício, ou seja, carteira de trabalho assinada. A população que
não tinha emprego formal era atendida em hospitais, numa perspectiva de caridade e filantropia e não como um
direito social (COHN, et. al, 1999, p.21).
O fato marcante e fundamental para a discussão da questão da saúde no Brasil ocorreu durante a
preparação e a realização da VIII Conferência Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, em Brasília
(DF). É determinante a influência desta Conferência em assegurar, na Constituição de 1988, o texto da saúde
no capítulo à Ordem Social, recomendando estratégias para a reforma do setor. O relatório final desta
Conferência, “[...] consagrou o princípio do direito à saúde como um direito de cidadania universal, garantido
pelo Estado” (CORDEIRO, 1991, p.83). Em 1987, surge o Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde –
SUDS, preparando a etapa para a unificação do SUS.
A VIII Conferência Nacional de Saúde define o conceito de saúde, sendo ela “[...] a resultante das
condições de alimentação, habitação, saneamento básico, educação, renda, meio ambiente, trabalho,
transporte, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acesso aos meios de saúde” (BRAVO, 1991, p. 121). É
com base nisso que se justifica a necessidade (re) pensar a política de saúde junto à população usuária, dentre
elas a comunidade quilombola da Vila Padre Osmari.
Nesse processo de (re) configuração da saúde, no ano de 1988, é promulgada a Constituição da
República Federativa do Brasil, que fundamenta os princípios e diretrizes do novo Sistema Único de Saúde –
SUS. “A Constituição estabelece como princípios, a universalização da cobertura do atendimento, a eqüidade no
acesso às ações e serviços e a direção única em cada esfera do governo” (CORDEIRO, 1991, p. 84).
Em 19 de setembro de 1990 é conquistada a Lei 8.080, que regula as ações e serviços públicos e
privados de saúde no que concerne a sua direção, gestão, competências e atribuições em cada nível de
governo. A Lei 8.142, de 28 de dezembro de 1990, vem complementá-la, em decorrência dos vetos efetuados
na lei anterior, e positiva legalmente o controle social através da criação dos Conselhos de Saúde, além de
normatizar o repasse de recursos desde o Governo Federal até os Estados, Distrito Federal e Municípios.
A Política de Saúde ora criada está integrada, segundo Ouriques (2005), ao Sistema Nacional de
Seguridade Social (sinônimo de proteção social mínima), juntamente com a Política de Assistência Social e a
Previdência Social. Com base no texto legislativo, a saúde possui os seguintes princípios:
Universalidade de acesso aos serviços de saúde; integralidade de
assistência; Preservação da autonomia das pessoas; Igualdade de
assistência; direito à informação, divulgação de informação utilização
da epidemiologia; participação da comunidade; descentralização
político administrativo dos serviços; integração das ações;
conjugação dos recursos financeiros; capacidade de resolução dos
serviços e a organização dos serviços públicos (OURIQUES, apud
CONSELHO REGIONAL DE SERVIÇO SOCIAL, 2005 p, 70).
Este sistema deve garantir o atendimento em saúde universal, igualitário e integral a todo o cidadão
brasileiro que dele necessitar através de unidades de saúde, ambulatórios, clínicas e hospitais, sem que nada
seja cobrado da população usuária.
Procurando orientar a operacionalização desse sistema, são elaboradas Normas Operacionais
Básicas – NOBs, porém, na verdade, esses instrumentos vêm normatizar a Política de Saúde já editada na
magna Carta Constitucional, onde se entende que a efetivação do SUS está sob a responsabilidade das três
esferas governamentais (Federal, Estadual e Municipal). Todavia, sua organização político-institucional está
destacada no Artigo 30 da Constituição Federal como:
[...] competência do município a prestação dos serviços de
atendimento à saúde da população, com a cooperação técnica e
financeira da União e dos Estados. No Artigo 198, quanto ao
ordenamento social, na seção sobre saúde, a Constituição coloca
que as ações e os serviços de saúde devem ser organizados com
gestão descentralizada e de acordo com a participação da
comunidade (CECCIM, apud, OURIQUES, 2005, p.70)
A política de saúde, organizada através de um sistema descentralizado, pressupõe a alteração de
competências decisórias e executivas. Assim, a descentralização significa mais autonomia para os estados e
municípios, aproximando a gestão da população, isto é, preconiza a gestão compartilhada: co-gestão.
Correia (2002), aponta que o processo descentralizado e participativo da saúde prevê que os municípios
criem seus fundos, planos e conselhos. Considerando assim, o plano de saúde passa a ser um instrumento de
extrema importância que deve ser construído conjuntamente com o órgão gestor e o conselho, necessitando ser
constantemente problematizado, acompanhado e avaliado pelo conselho de saúde.
Portanto, a partir do controle social exercido pela sociedade civil frente ao Estado, o desencadeamento
das ações e serviços de saúde no município necessita ter como base o plano municipal de saúde, o qual deve
explicitar a política de saúde local e, para tanto, deve ser elaborado de forma a especificar as necessidades em
saúde e como atendê-las. Para isso é importante a realização de um diagnóstico estratégico[9] em saúde para
desvelar e entender o que realmente a população requer em saúde. Este fato dá oportunidade ao município não
só de engajar-se ao processo de descentralização e cumprir a Lei – que exige um plano para repasse de
recursos – mas, principalmente e fundamentalmente, de visualizar sua realidade e, diante dela, propor
estratégias de gestão e ação.
É evidenciado que a construção de um plano demanda planejamento, que se caracteriza pela escolha
dos meios mais adequados, realizando “[...] diagnóstico da realidade social do município, para atingir
determinado fim, contudo é preciso pensar quanto e quais os recursos financeiros que serão necessários para a
execução das ações” (SILVA, 2004, p.28).
Também, os recursos financeiros destinados à área de saúde devem ser geridos através de um fundo.
O fundo municipal de saúde, que se responsabiliza pelas questões de financiamento dessa política, deve ser
criado por lei, de iniciativa do executivo e regulamentado através de decreto. Esta estabelecido na Emenda
Constitucional nº 29, que os municípios deverão aportar recursos mínimos de 15% da sua receita para o
desenvolvimento da política de saúde. Em Colorado, são aplicados 17% do orçamento municipal na área da
saúde (COLORADO, 2005).
Com a aprovação da Lei 8.142, anteriormente citada, que dispõe sobre a participação da comunidade
na gestão do SUS e sobre as transparências intergovernamentais de recursos financeiros, a Saúde passa a
contar com um conselho municipal de saúde, de caráter paritário, formado por representantes do governo,
prestadores de serviços, profissionais da saúde e usuários. Compete ao conselho, atuar na formulação e
controle da execução da política de saúde, deliberar sobre o planejamento local, resultando no plano municipal
de saúde, fiscalizar o fundo municipal de saúde, acompanhar e avaliar os serviços prestados em nível local,
entre outros (SILVA, 2004).
Nesse entendimento, o Conselho Municipal de Saúde passa a ser o principal órgão de estrutura
descentralizada, instância local de formulação de estratégias, controle e execução da política, inclusive nos
aspectos econômicos e financeiros.
Também, um dos principais espaços de deliberação e controle social da política de saúde ocorre por
meio das conferências municipais de saúde, realizadas a cada quatro anos, que tem as seguintes
competências: avaliar a situação da saúde no âmbito do município e propor diretrizes para formulação de
políticas de vigilância à saúde (OURIQUES, 2005).
Assim, a participação da sociedade civil possibilita o controle sobre a gestão pública, orientando as
ações do Estado e os gastos estatais na direção dos interesses da mesma. Nesta perspectiva a população
controla os rumos da política, é o que se chama de controle social.
Em saúde, o controle social passa a ser qualificado como o controle da sociedade organizada sobre as
ações do Estado, direcionando-se na defesa da Saúde como direito do cidadão e dever do Estado para a
satisfação das necessidades humanas básicas (CORREIA, 2002).
A descentralização e controle social da área da saúde tem sido uma tarefa complexa que vem
levantando questões críticas na implementação do SUS, relacionadas a aspectos estruturais e a permanência
de traços do modelo médico-assistencial privatista, sobre o qual o sistema de saúde foi construído, que acabam
por inviabilizar o projeto construído na década de 1980. Então, apesar de haver regulamentação para a
descentralização das ações de saúde, é na prática cotidiana na área da saúde que se percebe que os
instrumentos formais devem funcionar como parâmetros de adequação às situações, permitindo uma
aproximação com a realidade e um constante (re) planejamento.
Após ter transitado por elementos essenciais para o entendimento do processo de construção e
implementação do SUS, faz necessário trazer aspectos da década de 1990 que acabaram por influenciar os
desafios da proposta preconizada pelo SUS advinda do projeto de reforma sanitária cuja preocupação central do
mesmo é assegurar que o Estado atue em função da sociedade, pautando-se na concepção de Estado
Democrático de direito, responsável pelas políticas sociais e, por conseguinte, pela saúde (FEGHALI, 1998).
Contudo, os governos brasileiros a partir dos anos 1990, protagonizam o redicionamento do papel do
Estado influenciado pela política de ajuste neoliberal, onde a hegemonia deste para com os países de
capitalismo periférico, e neste caso, inclui também o Brasil, tem sido responsável, na explicação de Feghali: “[...]
pela redução dos direitos sociais e trabalhistas, desemprego estrutural, precarização do trabalho, desmonte da
previdência pública, sucateamento da saúde e da educação” (1998, p,12). Assim se entende que o sistema
capitalista nunca teve como finalidade responder as necessidades de saúde da humanidade [10], mas, a busca
pelo acúmulo de riquezas.
Frente ao contexto, a proposta construída da década de 1980 tem sido desconstruída. A saúde fica
vinculada ao mercado, enfatizando-se parcerias com a sociedade civil, responsabilizando a mesma para
assumir os custos da crise do sistema capitalista que se instalou na década de 1970. Assim, o modelo de
desenvolvimento capitalista neoliberal pressupõe o Estado Mínimo, onde:
A saúde e a vida vão sendo transformadas em mercadorias
referenciadas apenas na análise de custo e benefício. Os homens
vão sendo encarados como elementos de uma planilha de custos,
onde os cortes são determinados pelo permanente objetivo de
acumulação e concentração de renda (FEGHALI, 1998, p.11)
Frente ao exposto, entende-se que a principal mensagem advinda deste modelo através do Banco
Mundial é que a saúde não é dever do Estado, mas um bem privado. Nessa direção, o Estado vem focalizando
as atenções nos pobres através da chamada “cesta básica” com metas e ações prioritárias.
[...] a prevenção e ênfase no atendimento básico em saúde são:
Saúde da Família, Agentes Comunitários de Saúde, Gestão de
Atendimento Básico, Farmácias Básicas, Vacinação, Combate às
Endemias, Saúde da Mulher, Saúde da Criança, Doenças
Sexualmente Transmissíveis/AIDS e Diabetes (FEGHALI 1998, p.
10).
Se o objetivo é a redução dos gastos com o social e sim o investimento em programas tidos como
“baratos”, aproxima-se a discussão ao Programa da Saúde da Família – PSF que, inserido nas ações do Estado
Mínimo, poderá fazer a diferença no território onde o mesmo é executado, pois fica evidente que, cada vez mais
o município tende a ser o principal ator no processo de execução das políticas sociais. O fazer a diferença
relaciona-se à aproximação deste com a população usuária e a partir daí, desvelar as reais necessidades
destes em relação à saúde, conforme conceito preconizado pela VIII Conferência Nacional de Saúde.
Nesse sentido, parafraseando (FIGUEIREDO 2005), trabalhar em saúde implica levar em conta a
diversidade e a especificidade dos grupos populacionais e das individualidades com os seus modos próprios de
adoecer e nisso a proposta do PSF poderá se aproximar.
Segundo a mesma autora, o PSF, se seguir à lógica da Atenção Primária a Saúde [11], tenta valorizar
os princípios de: territorialização, vinculação com a população, garantia da integridade na atenção, trabalho em
equipe com enfoque interdisciplinar, ênfase na promoção da saúde, com fortalecimento das ações inter-setoriais
e o estímulo à participação da comunidade.
O modelo de atenção integral deste programa se fundamentado na atenção primária a saúde procura
romper com o modelo assistencialista, cujo foco de atenção é na doença e todo trabalho voltado para o
tratamento curativo, com pouca ou nenhuma valorização das atividades de promoção[12] e prevenção da
saúde. Porém, a mudança na lógica de atendimento ainda tem um longo processo a percorrer, pois se perpetua,
ainda, quase que hegemonicamente a prática curativa (ANDRADE et. tal. 2001).
Anteriormente a implantação deste programa e, por que não dizer que ainda prevalecem resquícios
até os dias atuais, o atendimento prestava-se de forma individualiza e fragmentada. O usuário não era
entendido em sua integralidade, através de suas crenças, valores e desejos. As relações com os demais
membros da família e com o seu meio social eram aspectos esquecidos no atendimento tradicional. Tampouco
se visualiza que as desigualdades sociais, fruto da sociedade capitalista, estão intrinsecamente relacionadas ao
processo de saúde e doença da população usuária do sistema de saúde.
O programa PSF foi trazido neste contexto como forma de estreitamento ao presente estudo, pois o
tema saúde é amplo e complexo, e no presente trabalho objetiva-se enfocar elementos que dêem conta de
entender a saúde como resultado de todo um contexto social ao qual a população está inserida, onde o ser
humano individual ou social tende ser o centro norteador de atenção integral. Nesse sentido, esse programa
poderá ser um dos modelos de atendimento em saúde que realmente se aproxima e atenda as reais
necessidades de seus usuários, sejam eles negros, indígenas, idosos e tantos outros.
Nisso se traduz à premissa de que saúde e doença não são estados estanques ou isolados, de que ter
saúde ou doença não é questão de “sorte divina”, mas sim, que há uma determinação permanente envolvida
num processo causal que deflagra-se com o modo de organização da sociedade. Entendendo com (ANDRADE
et al. 2001) o processo saúde-doença constitui uma expressão particular do processo geral da vida social.
Nesse entendimento, as ações que integram o sistema de saúde devem ser desenvolvidas a partir do
entendimento das condições de saúde da população e seus determinantes, de modo que, melhorando as
condições de vida, melhor serão os estados e níveis de saúde dos indivíduos e das coletividades. Assim,
Andrade expõe:
Num sentido mais pragmático, em toda a população há indivíduos
sujeitos ao risco de adoecer com maior ou menor freqüência, e com
maior ou menor gravidade. Além disso, existem diferenças de
possibilidades de “produzir condições” para sua saúde e ter acesso
aos cuidados no estado da doença. Portanto, para uma determinada
população, são necessárias ações e serviços de natureza e
complexidade variada, atuando articulada e integralmente, com
redução dos riscos de doenças, seqüelas e óbitos (et al. 2001,
p.146).
É preciso viabilizar instrumentos para compreender melhor as causas dos agravos à saúde,
multiplicando-se os mecanismos de enfrentá-los com sucesso. Desta maneira, se ampliam às possibilidades de
elencar ações, recursos e instrumentos mais efetivos que possam promover e preservar a saúde.
A integralidade, um dos princípios do SUS, que vem ao encontro do objeto de estudo, pois enfatiza a
responsabilidade dos serviços em prestar uma assistência integral à saúde, ou seja, que reconheça os
interesses, necessidades, valores, cultura e, sobretudo, a história dos usuários, de sua família, da comunidade,
sendo esta articulada ao cenário da sociedade capitalista. Neste modelo da assistência integral, objetiva-se
ultrapassar, conforme escreve Andrade, “[...] a dicotomia artificialmente criada entre saúde e doença, e
prevenção e cura, recolocando o ser humano (olhado individualmente ou coletivamente) como o centro
norteador da atenção” (et al. 2001, p.152).
Diante disso requer a necessidade de um constante acompanhamento e avaliação dos serviços de
saúde realizados pelas comunidades atendidas, envolvendo-as de forma participativa para superar as
demandas existentes, na perspectiva do controle social. Trabalhar a integralidade em saúde, também pressupõe
estabelecer relações com a rede social[13] em que os indivíduos/grupos estão inseridos e, principalmente,
levando estes a serem protagonistas na construção de atendimento mais humanizado que possibilite viver em
uma sociedade com melhores condições de vida.
A integralidade em saúde está intrinsecamente ligada ao princípio da territorialização, pois é tido como
elemento essencial no planejamento e gestão dos serviços de saúde voltados à população porque deve partir
da realidade social. Este princípio será abordado com maior profundidade no sub-capítulo à frente, pois neste
fundamenta-se o presente estudo: a (in) visibilidade das necessidades sociais em saúde.
2.1 A Política de Saúde pensada na perspectiva da territorialidade
O território vem sendo um elemento importante abordado em diversas experiências, não apenas sob o
ponto de vista do Estado, mas também da sociedade. Esta perspectiva fomenta também o debate sobre a
inclusão social, a cidadania, a democratização das informações e a participação dos cidadãos na vida da
cidade. Pois, “o território para além da dimensão física, implica as relações construídas pelos homens que nele
vivem” (KOGA, 2006, p.101).
Na perspectiva da autora, incorporar a dimensão territorial na formulação e implementação de políticas
públicas implica necessariamente manejar as potencialidades ativas dos territórios na constituição de processos
e relações sociais e de poder. Conforme já abordado no primeiro capítulo deste estudo, o fato de ser criança,
negro, mulher, pessoa portadora de necessidades especiais, idoso, associado à condição de pobreza, pode
significar dupla exclusão social do indivíduo, do grupo social e de suas respectivas territorialidades. São
exemplos de exclusão social que persistem em todas as cidades brasileiras em maior ou menor grau.
É de 2004 o Atlas Racial do Brasil como também é recente o reconhecimento das comunidades
quilombolas e das tribos indígenas. Ao lado do reconhecimento das desigualdades sociais presentes nos mais
diversos grupos sociais, é necessária uma compreensão sobre as dinâmicas, as representações e o jogo de
visibilizações e ocultamentos que configuram os espaços onde se materializa a vida humana.
Seguindo o pensamento de Dirce Koga,
[...] no Brasil as cidades brasileiras são ainda consideradas pelas
suas médias e caracterizadas de forma genéricas, raramente sendo
consideradas nas suas desigualdades internas ou nas diversidades
entre a qualidade de vida de seus moradores. Trata-se de um modo
peculiar de homogeneizar situações, condições de vida, populações
e lugares (2003, p, 22)
O que se verifica e prevalece é a cultura de abandono do território, que termina por fragilizar o
conhecimento sobre as diferenças e desigualdades existentes entre cidades e no interior de cada uma delas. Na
maioria das vezes, a esfera governamental, especialmente a federal toma referência o porte dos municípios e
estes passam a ser alvos para a implantação de políticas públicas selecionadas pelas suas condições médias,
definidas normalmente segundo critérios econômicos, a exemplo do Índice de Desenvolvimento Humano – IDH.
Assim, as cidades brasileiras são conhecidas apenas por meio de demandas já preestabelecidas em
seus programas, consolidando um modelo de gestão marcado pela ausência de um padrão de dignidade para
os cidadãos. E ainda, o fato mais comum é a desconexão de informações produzidas pelas cidades. Não
raramente se encontram município, incluindo Colorado, onde cada setor ou órgão da Prefeitura Municipal
possuem diferentes formas de registros de informações, ou seja, cada setor estabelece um código de leitura a
respeito do mesmo território, dificultando ou impossibilitando o cruzamento dessas informações.
Nesse sentido, segundo Koga e Nakano (2006), as cidades cada vez mais desempenham um papel
importante no contexto a partir do processo de descentralização e de municipalização das políticas públicas.
Comumente, as áreas da educação, saúde, habitação e assistência social vinham de uma experiência
centralizadora do ponto de vista do planejamento e da gestão das políticas. “Sistemas, programas e projetos
eram elaborados na perspectiva nacional, ainda que em alguns momentos houvesse uma preocupação com o
aspecto regional” ( KOGA ; NAKANO, 2006, p. 99).
Mas, como já mencionada, a Magna Carta de 1988 fortalece e traz à tona o papel dos municípios,
quanto à afirmação de sua autonomia na relação com os estados e a União, inclusive pela mediação dos fundos
estaduais e municipais destinados às políticas sociais. Lamentavelmente, torna-se comum o fato de municípios
repetirem discursos através de programas e projetos centrados em “público-alvo”, reproduzindo simplesmente
uma orientação geral de âmbito nacional, não prevalecendo às demandas locais.
Em geral os públicos alvos privilegiados pelas políticas sociais são
tratados como massa uniforme de excluídos, ou abaixo da linha da
pobreza ou indigência. Ao mesmo tempo em que são transformadas
em massas uniformes, suas identidades refere-se ao que há de mais
genérico e, portanto, uma nulidade de significado (KOGA, 2006, p.
107).
É visível que a marca da destituição acompanha a caracterização dessa “população alvo”, sendo
considerados destituídos de recursos, de lugar, de saber e de poder. Na falta de uma referência histórica de
civilidade ou cidadania universal, trabalha-se na perspectiva de inclusão daqueles que são considerados
excluídos ,não se sabe ao certo de que ou em relação a quem.
Entendendo a partir da autora Dirce Koga (2003), a acessibilidade às informações sobre as cidades
tem se tornado uma ferramenta cada vez mais necessária e essencial para o planejamento e a gestão das
políticas públicas. Sem informações da realidade não se elaboram diagnósticos efetivos, não se traz à tona a
complexidade das condições de vida dos moradores. No caso brasileiro, e nisso se inclui o município de
Colorado, conhecer a local, significa confrontar-se com a concretude da lógica excludente, que tem convivido a
sociedade brasileira ao longo de sua história.
Fundamenta-se assim, a necessidade de medidas territoriais no âmbito das políticas públicas,
destacando-se neste estudo a política de saúde, não simplesmente para definir áreas prioritárias para a
execução de programas e projetos predefinidos, mas também para redefinir as próprias diretrizes e ações das
áreas de intervenção, o que não significa reduzir ao localismo descontextualizado.
Segundo Koga e Nakano
O conhecimento do território nas suas medidas intra-urbanas
possibilita levantar, além das carências, também as potencialidades
do lugar, para o fomento de estratégias específicas da ação pública.
Isto implica a participação dos sujeitos que constroem estas
potencialidades locais. (2006, 107):
Tratar a vertente territorial traz novos elementos para o debate da ética e da cidadania na política de
saúde e nas demais políticas públicas de enfrentamento das desigualdades e da exclusão social. Implica
considerar a dimensão cultural das populações, suas particularidades locais, os lugares onde vivem, os seus
anseios, e não somente suas necessidades.
Para Andrade, o território é na verdade “um espaço de vida pulsante, de alegrias e conflitos sempre em
movimento e que não admite simetrias. Deverá ser esquadrinhado para que se possa conhecer a realidade de
saúde da área socialmente determinada” (et al. 2001, p. 149.). Embasada na perspectiva da territorialidade é
que reporta-se para a necessidade da política de saúde existente no município de Colorado voltar-se para as
reais necessidades dos quilombolas da Vila Padre Osmari. Pois, pensar em saúde implica pensar num todo,
sem perder de vista a suas condições e modos de vida (OURIQUES, 2005).
Cada vez mais a complexidade das expressões da questão social exige respostas complexas para o seu
enfrentamento. Cita-se a situação vivenciada pelos moradores da comunidade quilombola que exige critérios de
análise e intervenção que possam ir além das situações-limite de sobrevivência e isso não significa excluir tais
situações, mas considerar a diversidade de outras situações de agravamento em saúde e conseqüentemente
social. Por isso, incluir a vertente territorial no desenho da política de saúde deverá significar um avanço no
modo de gestão desta política, no sentido de deixar-se conduzir pela experimentação de outras práticas e
saberes construídos a partir da relação articulada entre técnicos e usuários, considerando sua história, cultura,
crenças, religiosidades e tantas outras singularidades.
Dos vários rumos e enfoques que a efetivação de políticas substanciadas no princípio da territorialidade
pode-se considerar:
As políticas territoriais são aquelas capazes de elaborar formulas
inéditas de gestão do vínculo social. Aqui, o lugar realmente faz a
diferença, sendo o agente motor da engrenagem das políticas. A partir
da inter-relação entre políticas e territórios é que novas formas de
gestão são introduzidas (KOGA, 2003, p. 32),
O novo não advém da implantação de “novos programas”, mas da capacidade de gerar novas
estratégias e políticas sociais a partir de uma conjugação, do conhecimento da particularidade do território e da
população onde se localiza, articulando ao contexto macro social, para a gestão e administração pública.
Constata-se que ainda há muitos invisíveis nesses territórios que precisam ser tornar visíveis.
Precisamos de novas cartografias, que nos permitam ver dimensões e complexidades socioterritoriais ocultas.
Trata-se de considerar os mapas reais em confronto com os oficiais das regiões e cidades brasileiras. Um
processo que se relaciona antes de tudo com a busca por padrões de civilidade digna nas próprias
metodologias de “medição” das desigualdades sociais (KOGA, 2003).
Mais do que localizar situações, o que importa é compreender as razões, os sentidos e as conexões
dessas localizações que dizem respeito não apenas ou estritamente às relações de proximidade ou vizinhança
física, mas também as semelhanças/diferenças de situações vividas, de contextos socioculturais.
Apreender essa dinâmica envolve diferentes técnicas, sendo uma delas a realização da pesquisa, pois
ao articular dados quantitativos e qualitativos, torna-se importante instrumento que viabiliza a construção do
conhecimento sobre o usuário da política de saúde capaz de superar os dados estatísticos que, na maioria das
vezes não reflete a situação vivenciada pelos mesmos.
Significa também, incluir outras formas de conhecimento sobre a realidade, agregando diversidades de
olhares, dentre eles os técnicos através da intersetorialidade e principalmente, valorizando o saber dos usuários,
assim se construirá o entendimento sobre a mesma realidade, sobre os territórios.
3 A (IN) VISIBILIDADE DAS DEMANDAS DA POPULAÇÃO QUILOMBOLA FRENTE À POLÍTICA DE SAÚDE
NO MUNICÍPIO DE COLORADO.
Neste capítulo, busca-se realizar mediações entre as questões trabalhadas nos capítulos anteriores os
quais resgatam aspectos históricos e conceituais da temática sobre a (in) visibilidade da política de saúde para a
população quilombola, bem como apresentar dados de pesquisa seguida da análise.
Assumindo uma perspectiva crítica, tendo como referencial o método dialético-crítico, torna-se visível
questões particulares desta realidade, procurando problematizar e articular ao contexto social, histórico e
político, entendendo que a partir desta análise são expressas contradições presentes na relação que se
estabelece entre a população quilombola e a política de saúde no município de Colorado. Este desvelamento
permite identificar as possibilidades de formulação de políticas de saúde, atendendo as necessidades sociais
em saúde desta população, mas para tanto a mesma necessita ter visibilidade junto à sociedade, principalmente
ao poder público.
3.1 Os caminhos da pesquisa
Para a construção deste estudo, sentiu-se a necessidade da adoção de uma postura investigativa que
busca através da história entender o presente para então apontar saídas, transformar o futuro norteado pelo
compromisso ético-político, fortalecendo políticas sociais que atendam as reais necessidades dos usuários, na
perspectiva da garantia de direitos.
É compromisso da categoria profissional do Assistente Social contribuir para a redução das
desigualdades sociais e fortalecer as resistências (IAMAMOTO, 2003), desvendando, através de sua
investigação social – seja no atendimento direto à população, na gestão ou por meio da pesquisa – as formas
de fortalecer os sujeitos individualmente, mas principalmente coletivamente, para a busca de sua autonomia.
Uma das competências exigidas a este profissional é ter a capacidade de realizar uma leitura crítica sobre a
questão social e sobre a realidade social, uma leitura, segundo Martinelli:
[...] se faz sempre em função de uma finalidade. Sendo neste sentido
uma ação intencional e complexa de natureza política, através da
qual se procura desvendar o real em suas tramas constitucionais de
forma a identificar a relação de forças, que aí se processa e o
fundamento crítico desta relação (1987, p. 42).
No que concerne à população quilombola, essa postura investigativa foi sendo tecida desde o ano de
1997 onde se passou a ministrar aulas de História junto à escola da comunidade quilombola desta Vila, o que
suscitava uma inteiração com o meio onde viviam.
Atualmente, enquanto profissional do Serviço Social, atuando na Política de Assistência Social deste
município, sente-se à necessidade em conhecer melhor a realidade vivenciada pelos moradores do quilombo,
pois grande parte da demanda do atendimento social é proveniente deste local.
Acrescenta-se ao percurso investigativo, a realização do curso de pós-graduação em Gestão de
Políticas da Saúde Familiar e Comunitária, através da disciplina de Gestão de Políticas Sociais da Saúde, foi
proposta a realização de um trabalho de pesquisa sobre os principais indicadores de risco de uma determinada
área do município.
Delimitou-se o quilombo da Vila Padre Osmari para a coleta de dados, sendo que para isso foram
realizadas entrevistas com os moradores, visitas domiciliares, consultas em bancos de dados da vigilância
sanitária local, bem como junto a Unidade Básica de Saúde local, especialmente do Programa Saúde Familiar.
O estudo construído acabou por subsidiar as fontes de informações existentes sobre o referido quilombo e tecer
parte do Plano Municipal de Assistência Social, no item diagnóstico da realidade social.
Na continuidade do referido Pós, elaborou-se um projeto de pesquisa cujo foco estava centrado nas
condições e modos de vida da população quilombola. Porém, dada a inúmeras situações apresentadas no
decorrer deste processo de graduação e ao curto espaço de tempo para o desenvolvimento de uma pesquisa
qualitativa deste nível, a qual exige uma aproximação e convivência mais intensa com o quilombo, fez-se
necessário realizar um recorte e centrar o problema deste estudo em desvelar qual a (in) visibilidade das
necessidades sociais em saúde da população quilombola da Vila Padre Osmari do município de Colorado/RS,
no ano de 2006, na perspectiva da integralidade e territorialidade?
A pesquisa foi orientada pelo paradigma dialético-crítico e realizada à luz das categorias da totalidade,
da contradição e da historicidade. Essas categorias são consideradas centrais do método por permearem toda a
pesquisa, na medida em que esta utiliza o método crítico, assim entende-se que:
A totalidade é um todo estruturado, dialético, em curso de
desenvolvimento e autocriação, no qual um fato qualquer pode vir a
ser racionalmente compreendido. A categoria contradição é
entendida como mais do que uma relação de exclusão, uma
negação inclusiva; mais do que a interpretação do real constitui-se
no próprio movimento do real. E, a historicidade parte da práxis
humana, dos homens realmente ativos para chegar ao
desenvolvimento dos reflexos ideológicos e dos ecos desse
processo de vida (PRATES apud KRAEMER, 2006, p.88).
O objetivo geral do estudo é analisar a (in) visibilidade das necessidades sociais em saúde da
população quilombola do município de Colorado/RS, frente à política de saúde municipal a fim de contribuir para
uma política voltada aos princípios da integralidade e da territorialidade.
Os objetivos específicos são:
•
Compreender o processo de exclusão vivenciado pela população quilombola como sendo uma das
múltiplas expressões da questão social;
•
Demonstrar a (in) visibilidade da política de saúde através do desvelamento da situação vivenciada
pelos quilombolas;
•
Construir um instrumento que viabilize a política pública em saúde no aprimoramento de ações à
população quilombola, baseadas no princípio da integralidade e territorialidade.
Para esta pesquisa, foi utilizado o enfoque da pesquisa qualitativa considerando as suas características
e tendo em vista a análise da inclusão da população quilombola e de questões expressas em contextos de
quilombos no planejamento e intervenção das ações da política de saúde, no território de execução das
mesmas. Segundo Minayo,
A metodologia qualitativa é aquela que incorpora a questão do
significado e da intencionalidade como inerentes aos atos, às
relações e às estruturas sociais. O estudo qualitativo pretende
apreender a totalidade coletada visando, em última instância, atingir
o conhecimento de um fenômeno histórico que é significativo em sua
singularidade (1992, p.10).
Também Triviños indica uma série de características que identificam a pesquisa qualitativa. Conforme
este autor, ela deve ter:
[...] o ambiente natural como fonte direta de dados e o pesquisador
como instrumento-chave; ser descritiva, buscando além de captar a
aparência e a essência do fenômeno, suas causas, origens, relações
e mudanças, o pesquisador se esforçando por intuir as
conseqüências para a vida humana; preocupa-se com o processo e
não simplesmente com os resultados e o produto da pesquisa (1987,
p.128).
A principal técnica de pesquisa utilizada foi a documental (MARCONI; LAKATOS, 2002). Esta é uma
técnica na qual a fonte de coleta de dados está restrita a documentos escritos. A variável utilizada foi a fonte
secundária de documentos escritos após a municipalização da gestão do SUS, utilizando-se da análise de
documentos de gestão – planos plurianuais e relatórios de gestão do município. Estes documentos forneceram
subsídios para a análise do problema a ser investigado.
A coleta dos dados foi orientada por um roteiro norteador de análise documental (Apêndice nº 01).
Seguiu-se a técnica de análise de conteúdo que, segundo Bardin, é “[...] um método que se presta para o estudo
das motivações, atitudes, valores, crenças, tendências” (1994, p.22) e, conforme Triviños serve para “desvelar
as ideologias que podem existir nos dispositivos legais, princípios, diretrizes, etc., que à simples vista, não se
apresentam com a devida clareza” (1987 p.159).
Somando as categorias do método, anteriormente citadas, também definida como categorias teóricas
explicativas da realidade, à integralidade, territorialidade e a política de saúde.
Teoricamente, integralidade é tida como um esforço da política de saúde para organizar-se em relação
à população e suas necessidades que deve superar iniciativas isoladas. “Uma abordagem integral significa
esforço de integração a partir de objetivos bem definidos como a promoção, proteção, recuperação e
reabilitação de sadios e doentes” (MATTOS ; PINHEIRO, 2001, p.118).
A categoria da territorialidade pode ser compreendida a partir da definição de Koga,
Onde a questão territorial aparece como o chão concreto das
políticas públicas,...do exercício da cidadania, onde se concretizam
as relações sociais, as relações de vizinhanças, as relações de
poder. É no território que as desigualdades sociais tornam-se
evidentes entre os cidadãos, as condições de vida entre moradores
de uma mesma cidade mostram-se diferenciadas, a presença ou
ausência de serviços públicos se faz sentir e a qualidade destes
mesmos serviços apresentam-se desiguais (2003, p. 33).
Sendo assim, pode-se pensar a Política Pública de Saúde tendo como ponto de partida o território, a
história, o cotidiano e o universo cultural da população que vive no quilombo, sendo esta uma das propostas
deste estudo, identificar as necessidades sociais em saúde dos quilombolas a partir do lócus onde vivem.
Como categoria, a Política de Saúde é analisada neste estudo a luz do conceito trazido pela legislação:
A saúde tem como fatores determinantes e condicionantes, entre
outros, a alimentação, a moradia, o saneamento básico, o meio
ambiente, o trabalho, a renda, a educação, o transporte, o lazer e o
acesso aos bens e serviços essenciais; os níveis de saúde da
população expressam a organização social e econômica do País (SUS
é legal, 2000, p.22).
O processo de construção das categorias empíricas e explicativas de realidade parte da regularidade
de enunciados captados pela pesquisadora ao longo do processo de pesquisa, procurando dar visibilidade ao
movimento de aproximação com a realidade pesquisada.
Através do processo de pesquisa e análise inicial dos dados, algumas questões vêm despontando como
categorias empíricas, dentre elas a questão social e a exclusão social. A categoria exclusão social é
compreendida através da seguinte definição:
A exclusão social no Brasil não consiste na perda de um estatuto,
mas na reiteração da invisibilidade de uma massa populacional a ser
incluída na agenda pública de direitos e garantias sociais. Trata-se
de construir vínculos, elos de visibilidade de múltiplos segmentos
perante a responsabilidade pública, exigindo leis específicas de
reconhecimento social e alcance de direitos sociais (SPOSATI, 2001,
p. 60).
Então a análise dos dados será teorizada a partir dessa perspectiva, procurando evidenciar a (in)
visibilidade das necessidades sociais em saúde da população quilombola no município de Colorado, na
perspectiva da integralidade e territorialidade.
3.2 Pesquisa e análise: ensaios de possibilidades para a inclusão dos (in) visíveis
A produção de conhecimento acerca da realidade da população quilombola do município de Colorado,
principalmente em relação à saúde, é consideravelmente precária, quase inexistente. O que se percebe no
processo de estudo é uma invisibilidade destes sujeitos na própria sociedade. Isso é a reprodução de um
sistema excludente maior, a começar pela herança escravocrata brasileira e ao capitalismo estruturado em
nosso país. Prevalece uma cultura hegemônica de dominação e exclusão social.
Considera-se importante à investigação exatamente das necessidades dessa população usuária dos
serviços de saúde, para as políticas sociais, principalmente de saúde, que atende as populações quilombolas –
parcela de um contingente populacional que vem se avolumando em razão do aumento de processo de
exclusão e desigualdade social, fruto da gênese da questão social.
Os estudos realizados sobre a população negra apontam dados gerais sobre as características desses
sujeitos, mas é pertinente destacar que constituem um grupo heterogêneo, principalmente enquanto formação
quilombola, que inclui famílias, idosos, crianças, adolescentes e adultos. Entretanto, nada se tem investigado
sobre as especificidades de cada segmento que compõe a população quilombola da Vila Padre Osmari e, como
os demais, possuem diferenças, singularidades, mas também possuem um conjunto de características comuns
e situações similares, no entanto, podem ser vivenciadas de forma diferente.
Conseqüentemente, suas necessidades e demandas em termos de política pública de saúde e nas
demais políticas sociais são diferenciadas, ou apresentadas particularmente que, se não contempladas, podem
resultar na exclusão do acesso aos serviços que têm direito.
Vislumbra-se a partir da participação brasileira na Conferência em Durban, citada anteriormente, um
espaço de maior entendimento para o Estado e a sociedade civil passarem a atuar mais incisivamente em prol a
questão do negro. O impulso para que a temática racial seja incorporada às ações de promoção da eqüidade
em saúde, partiu do Plano de Ação da Conferência Regional das Américas Contra o Racismo. O seu texto
requer que os governos promovam ações para o reconhecimento da raça/grupo étnico/gênero como variável
significante em matéria de saúde e que se desenvolvam projetos específicos para prevenção, diagnóstico e
tratamento de pessoas de ascendência africana (PNSPN, 2001).
As primeiras iniciativas de inserção da questão racial nas ações governamentais de saúde datam do
início dos anos 1980, conforme constam registros no documento: Subsídios para o debate sobre a Política
Nacional de Saúde da População Negra – uma questão de eqüidade, nele:
[...] setores do Movimento Negro, em São Paulo e outros estados,
buscaram institucionalizar sua intervenção por intermédio de
Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde. Desde então, o tema
também começa a ser tratado em estudos de pesquisadores
individuais ou vinculados a centros de pesquisa, todos unânimes em
reconhecer um perfil de saúde e bem-estar desfavorável para a
população negra (PNSPN, 2001).
Nesse sentido, a Constituição Federal de 1988, consagrou o princípio do acesso universal à saúde,
como anteriormente já teorizado, voltando-se para ações integrais, gerais e horizontais à população. No entanto,
num país com profundas desigualdades, a conquista da universalidade dos serviços é tida como insuficiente
para assegurar a eqüidade, pois ao ignorar as necessidades de grupos populacionais específicos, somam-se o
agravamento das condições sanitárias da classe trabalhadora, que ao ser negro enfrentam atrelada a discussão
de exploração do capital, aspectos culturais da sociedade brasileira marcada por profundas desigualdades
sociais.
Segundo Cruz (2001), a realização de estudos que consideram, além da renda e do local de
residência, também as variáveis sexo e raça possibilitam reconhecer o perfil epidemiológico bem como a
prevalência de determinadas doenças em grupos racial-étnicos, tais como: brancos, indígenas, amarelos, negro,
judeus e outros. Dos parcos estudos encontrados sobre as doenças e agravos que mais insidem na população
negra do Brasil têm-se algumas classificações, como por exemplo, as doenças geneticamente determinadas,
com destaque para a anemia falciforme[14], sendo que a atenção às síndromes falciformes ainda são
desconhecidas por grande parte da população, inclusive entre os profissionais que atuam na saúde, pois além
do reconhecimento, exigem-se destes uma abordagem ética e terapêutica, não se restringindo somente à
detecção precoce.
Embora o Ministério da Saúde tenha definido através de portaria no ano de 2001, a realização em todo
o país de uma triagem neonatal de doenças falciformes, entre outras de caráter congênito, por sua alta
prevalência e complexidade, ainda assim, estas não são consideradas um problema de saúde pública e tratadas
pelo SUS (CRUZ, 2001).
Nesta pesquisa foi constatado, através da análise de testes do pezinho realizados após o ano de 1998,
cinco casos de anemia falciforme junto a crianças quilombolas da Vila Padre Osmari, porém não existindo
estudos sobre a doença a nível local ou referências no Plano Municipal de Saúde, o que vem confirmar as
teorias trazidas pela autora.
Outra classificação trazida pela mesma autora, relaciona-se às doenças adquiridas e/ou derivadas
pelas condições socioeconômicas desfavoráveis, tais como:
[...] desnutrição, abortos sépticos, anemia ferro priva, DST/HIV e ainda
associadas a essa classificação encontram-se mortes violentas,
mortalidade infantil elevada, doenças do trabalho, sofrimento psíquico
seja pela exposição ao racismo e ainda derivados do abuso de
substâncias psicoativas, como o alcoolismo e a toxicomania (CRUZ,
2001, p.12).
Certamente estas doenças são encontradas em todos os grupos populacionais, porém as apropriações
teóricas demonstram ocorrências agravadas quando incidem sobre mulheres e homens negros em razão das
desvantagens psicológicas, sociais e econômicas geradas pelo racismo a que estão expostos. Conforme Cruz
(2001, p.13), “[...] as taxas de mortalidade infantil precoce permanecem significativamente mais altas entre os
negros, em todas as faixas etárias e a esperança de vida é, hoje sete anos menor do que a verificada entre os
brancos”.
De evolução agravada ou de tratamento dificultado também merece lugar de destaque ficando as
seguintes doenças: hipertensão arterial, diabetes melitus, coronariopatiais, insuficiência renal crônica, câncer e
mioma. Diante deste quadro de doenças, constata-se mais incidência e de maior gravidade a hipertensão entre
os negros, assim como o diabetes.
[...] há evidências de que as seqüelas, como as nefropatias, as
retinopatias e as amputações de membros inferiores, são mais
freqüentes na população negra, em conseqüência da falta de
orientação adequada sobre esses riscos e as medidas para sua
prevenção (MIRANDA, 2001, p.8).
São contextos que demonstram a ausência de um entendimento das reais necessidades desta
população, ou ainda a dificuldade de acesso aos serviços de saúde. Decorre uma maior aproximação do
processo saúde-doença da população quilombola e de seus condicionantes. É evidente que as precárias
condições socioeconômicas da população negra interferem em muito nas diferentes etapas do ciclo vital e
contribuem para o aumento de doenças em conseqüência da desatenção às suas especificidades enquanto
grupo historicamente discriminado.
O fato das principais doenças incidentes à população negra não serem visíveis junto ao Sistema Único
de Saúde, tanto a nível municipal quanto ao nacional, é tão surpreendente quanto à falta de informação e
identificação desse segmento se quer em prontuários de atendimento. Essa invisibilidade foi identificada através
do presente estudo junto às Unidades de Atenção Básica de Saúde localizadas na sede do município de
Colorado e no quilombo da Vila Padre Osmari. Reforça-se o dito de Miranda ao abordar que “[...] os documentos
administrativos, prontuários médicos e formulários de notificação de doenças, fontes primárias de dados do
SUS, geralmente não informam a raça/cor dos usuários de saúde” (2001, p. 10).
Essa falta de visibilidade nas informações acaba por comprometer o cálculo de estatísticas vitais
representativas da população brasileira em toda a sua diversidade, interferindo no suporte de proposições de
políticas públicas, de ações preventivas e curativas que levem em consideração as especificidades territoriais do
povo negro e outros.
Conforme Miranda (2001), a dimensão atual demanda ações integrais e planejadas que dêem conta de
minimizar as conseqüências advindas da omissão em relação à realidade socioeconômica de cerca de metade
da população do país e também do maior grupo de negros fora da África e o segundo maior do mundo.
Do contexto macro, aos micros espaços, a realidade também é perversa quando se trata da (in)
visibilidade da população quilombola, a exemplo da Vila Padre Osmari frente à Política Municipal de Saúde, a
partir da apresentação dos dados coletados através da pesquisa.
No município de Colorado, a saúde organiza-se através da Secretaria Municipal de Saúde e Meio
Ambiente, fazendo parte da 9ª Coordenadoria Regional de Saúde de Cruz Alta. Desde 18 de março de 1998 a
gestão da saúde se encontra em: Gestão Plena da Atenção Básica, cujas ações são efetivadas através de três
unidades básicas de saúde localizadas uma no centro da cidade, uma no Distrito de Vista Alegre e a outra junto
ao quilombo da Vila Padre Osmari, contando com serviços de psicologia, fisioterapia, odontologia, enfermagem,
medicina – clínica geral e comunitária e serviços de farmácia básica (PMS, 2001-2005).
A gestão desta política conta com Fundo Municipal de Saúde desde 11.04.1994, através da Lei
Municipal nº064/94. Também possui o Conselho Municipal de Saúde criado em 31.03.1997 pela Lei nº185/97,
composto por 50% representantes governamentais e 50% representantes dos usuários. Este se organiza
através de reuniões ordinárias mensais. Entre a composição que integra os usuários não foi constatada a
representação de quilombolas (PMS, 2001 -2005).
Entende-se que a saúde deva estar organizada num sistema descentralizado e participativo. Essa
política prevê que a população oriente as ações do Estado, na direção dos interesses da sociedade civil,
controlando os rumos da política. No entanto, percebe-se através desta produção de conhecimento, é que o
controle se efetiva como mecanismo de controle do Estado sobre a sociedade, pois o mesmo ainda permanece
nas mãos de gestores que acabam definindo a Política de Saúde de acordo com seus interesses.
Também faz parte da gestão, o Plano Municipal de Saúde. Principal instrumento de coleta de dados da
presente pesquisa, onde se constatou a existência de somente um plano, desde a referida habilitação,
elaborado em setembro de 2002 para o período de abrangência de 2001 a 2005. Atualmente verificou-se a
inexistência de plano municipal e nem mesmo estando em processo de elaboração.
Questiona-se, sobre controle social e quem controla quem nos conselhos, possibilitando a gestão
desta política sem o principal instrumento de gestão? E mais, onde está à representatividade dos usuários, de
maneira especial a comunidade quilombola, formada por 123 famílias? Isso implica um urgente repensar sobre
os instrumentos de gestão e a visibilidade dos usuários da Política de Saúde. Contudo, estes meios de gestão
ainda carecem de entendimentos e viabilizações entre a maioria das gestões municipais, bem como de seus
usuários.
Nota-se que o processo de mudança das práticas centradas na elaboração de planos e projetos
orientados por “questões políticas partidárias” as quais serviam para adequar os recursos enviados das esferas
federal e estadual, anterior à municipalização do SUS, ainda se fazem presentes na realidade da política de
saúde do município de Colorado. Faz-se necessária à superação dessas práticas e a inversão desse quadro,
pois o plano deve refletir as necessidades do município e a partir daí surgirem propostas de ação, dando
visibilidade aos usuários desta política, em especial aos quilombolas no acesso aos direitos.
Conseqüentemente, em nada resulta construir esses instrumentos no papel, inclusive sem a
participação popular, se estes não materializarem na vida dos sujeitos. Este é um desafio às gestões para
operacionalizarem suas ações a partir do território do usuário e que os atendimentos estejam abertos a novos
segmentos populacionais e também a outros entendimentos dos segmentos já atendidos como é o caso da
população quilombola.
Na Unidade Básica de Saúde da Vila Padre Osmari, com boa estrutura física, é disponibilizado à
população atendimento médico (clínico geral) duas vezes semanal, bem como serviços em psicologia e
fisioterapia uma vez semanal. Diariamente a população quilombola é atendida junto a este posto por uma
profissional técnica em enfermagem. Porém, conforme determinadas demandas do usuário quilombola, este
necessita procurar por atendimento junto à unidade de saúde da sede do município.
Também se evidenciou através da pesquisa que a comunidade está inserida no atendimento do
Programa da Saúde Familiar que tem cobertura de 100% da área municipal, desde o ano de 2002. A atuação da
agente comunitária de saúde junto às 123 famílias quilombolas prioriza as pessoas doentes, dentre elas as
hipertensas, gestantes e crianças de zero a três anos através de visitas mensais. Realiza orientações e
encaminhamentos ao médico da equipe do PSF. Esta também atua no sentido de esclarecimentos sobre temas
elencados em reunião de equipe dos agentes citando como exemplo: hipertensão, tuberculose e outros.
Frente ao exposto, constata-se também a necessidade de tecer e ampliar os conceitos sobre gestão
em saúde bem como sobre saúde/doença em todas as especificidades, anteriormente mencionadas. No
discurso parece ser um exercício fácil, porém na aplicabilidade não se considera os aspectos sociais, políticos,
econômicos e culturais do processo saúde/doença.
È preciso entender que a população quilombola da Vila Padre Osmari necessita, muito mais do que
simplesmente ter uma Unidade Básica de Saúde localizada junto ao quilombo e estar inserida na cobertura de
100% do PSF, representado através da visita mensal de um agente comunitário de saúde. É fundamental
desvelar que a população quilombola se submetendo aos parcos serviços disponibilizados em determinados
dias da semana ou tendo que se deslocar em busca de serviços fora do PSF, sem atendimento de suas
necessidades integrais, representa mais uma das perversas formas de exclusão social materializada pelo
sistema capitalista, onde prevalece à lógica do PSF, oferecendo-se um programa pobre a barato para “o pobre”.
São necessárias ações concretas em saúde que busquem a emancipação, valorizando e resgatando a
identidade dessa comunidade quilombola e a partir daí entender o conceito de saúde além do estado físico e
sim, ter saúde implica em dispor das necessidades básicas para sobreviver sejam elas em habitação,
saneamento básico, educação, trabalho, lazer entre outros.
As necessidades básicas e humanas expressam algo maior do que simplesmente sobreviver. Assim,
enquanto a concepção de mínimo pressupõe supressão ou cortes de atendimentos, tal como propõe a ideologia
neoliberal, o básico requer investimentos sociais de qualidade para preparar o terreno a partir do qual maiores
atendimentos podem ser prestados e otimizados (PEREIRA, 2000).
Outro dado muito importante quanto à análise dos planos e que reforça a tese da invisibilidade da
população quilombola para a política de saúde refere-se aos objetivos da gestão, expressos através do
seguinte:
[...] por acreditar que “tudo começa por nossa gente, quem são, o
que pensam, como vivem e quais suas necessidades reais”,
construímos um Plano Municipal de Saúde que contempla esta
forma de viver e encarar os saberes e fazeres de todos: comunidade,
profissionais, governo municipal, estadual e federal; [...] promovendo
a investigação pedagógica nas prioridades estabelecidas,
diagnosticando, prevenindo, controlando avaliando e curando
quando for necessário com vistas a atender toda a população
coloradense de diferentes faixas etárias (PMS, 2001- 2005, p. 8).
Embora o plano faça referência à investigação de “quem é a nossa gente”, a partir da realização deste
estudo, não foi encontrado diagnósticos que retratem as necessidades sociais em saúde desta população
quilombola.
Além do Plano, extremamente fragmentado quanto ao diagnóstico da realidade em saúde da
população quilombola da Vila Padre Osmari, não existe outro instrumento que dê visibilidade às diferenças
culturais e as condições socioeconômicas desfavoráveis de sobrevivência desta população e daí os agravos em
seu estado de saúde.
Na medida em que não existe um diagnóstico o qual contemple as vulnerabilidades sociais deste
município, acontece uma mera transposição de demandas e ações executadas de cima para baixo,
desconsiderando suas especificidades e potencialidades, mantendo a lógica de que a população deve se
adaptar aos programas, projetos e serviços oferecidos pela política de saúde e não que estes estejam
planejados como respostas às suas demandas e contemplem suas condições e modos de vida (OURIQUES,
2005).
Esta população deve ser considerada como prioridade nos planejamentos e incluída suas demandas
junto à política de saúde e nas demais. Para isso, exige-se uma postura que, em primeiro lugar reconheça
essas diferenças e, em segundo lugar, as aceite como parte indissociável do indivíduo, sem preconceitos e
hierarquizações. A realidade vivenciada pelos quilombolas, tornar-se uma ferramenta presente nos fazeres da
gestão e dos técnicos, resgatar-se-á a cidadania e democracia nos serviços de saúde, atendendo aos princípios
da territorialidade e integralidade.
Outra questão exposta na pesquisa, refere-se aos programas, projetos e serviços desenvolvidos pelo
SUS, em nível de município. Encontra destacado junto ao Plano Municipal e no Relatório de Gestão de 2005, o
seguinte:
[...] busca-se suprir os problemas da saúde de nossa população, onde
atuamos diretamente no programas de: controle da tuberculose,
eliminação da hanseníase, controle da hipertensão, controle do
diabates melitus, ações de saúde bucal, saúde da criança, saúde
mental, saúde da mulher, ações de saúde da vigilância sanitária com
controle de alimentos e água, PSF, Programa Primeira Infância Melhor
– PIM, entre outros (PMS, 2001-2005, p. 21).
O plano frisa “[...] atuamos diretamente nos programas de controle da hipertensão, do diabete melitus”.
Ressalta que estes programas são desenvolvidos à nível geral no município com reuniões de grupo envolvendo
seus usuários. Frente ao exposto, emerge a necessidade de analisar o que implica falar em educação alimentar
e qualidade de vida para uma população de elevado nível econômico bem como para os quilombolas, que
sobrevivem em precárias condições econômicas, mal conseguindo realizar as três refeições diárias, baseadas
em carboidratos. Este exemplo clarifica a importância da dimensão da territorialidade no desenvolvimento da
política de saúde, a partir dos territórios vivos e vividos. Assim, Milton Santos permite “pensar o território como
ator e não apenas como um palco, isto é, o território no seu papel ativo” (2001, p.11).
Destaca-se a importância de ações intersetoriais, tendo em vista atender a integralidade das
necessidades sociais em saúde desta população. Os programas se trabalhados intersetorialmente poderiam em
muito contribuir para uma melhoria da qualidade de vida e conseqüentemente em saúde, pois aliado a estes
programas poderiam ser desenvolvidas ações de educação em saúde, tão necessárias neste quilombo, no que
diz respeito ao destino de lixos e esgotos, cujos efeitos estão intimamente relacionados às condições de saúde
desta população e, infelizmente são invisíveis nos instrumentos de gestão, até mesmo nos fazeres técnicos,
inclui-se a estes os agentes comunitários de saúde.
As razões que justificam a relevância de desvendar as particularidades da população quilombola por
meio da pesquisa social são percebidas. Tem-se o dever em contribuir para que a sociedade lhes garanta o
direito de ter voz e vez, que os reconheça enquanto sujeitos sociais (cidadãos), pertencentes ao “mundo visível”.
E, na medida em que, reconhecidos pelos órgãos competentes tenham a garantia do atendimento integral em
saúde como um direito fundamental de que dispõe a sua condição de cidadão.
Por fim, estas evidências poderão contribuir para dar maior visibilidade à problemática, para o subsídio
da política de saúde dirigida a este segmento populacional e para o desenvolvimento de processos sociais,
como mais uma forma de resistência. Há o compromisso de devolver os resultados, inferências e sugestões
produzidas às instituições que prestam atendimento na área da saúde à população quilombola, através de uma
exposição previamente acordada com as mesmas. Mas, principalmente para a população quilombola, pois a
pesquisa deve ter como intencionalidade contribuir para a transformação social e potencializar este segmento a
lutar pela materialização dos seus direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Concluir este trabalho não se constitui em tarefa fácil. Foi um momento importante de descobertas,
aprendizagem e de dúvidas que ainda permanecem e instigam a continuar o caminho. Estas são considerações
provisórias, as quais certamente serão aprimoradas ao longo do tempo, pois continuar-se-á a investigar a
realidade dos quilombolas, enquanto sujeitos excluídos (invisíveis) socialmente.
Embora se tenha a consciência de que um trabalho pautado na perspectiva dialética materialista e
histórica sempre se constituirá numa totalização temporária, por reconhecer que os processos são históricos,
logo, em constante curso de transformação.
Ao findar este trabalho onde se buscou analisar a (in) visibilidade das necessidades sociais em saúde
da população quilombola, no município de Colorado, frente à Política de Saúde, tornou-se possível, a partir dos
dados pesquisados e na relação com a fundamentação teórica utilizada, realizar algumas considerações, fruto
deste percurso histórico de estudo.
O conjunto das desigualdades sociais e de resistências que foram visualizadas neste estudo é, na
verdade, o resultado de todo um longo processo de exclusão social e de lutas que a população negra enfrentou
e ainda vivência em seu cotidiano. Assim, o abandono da atenção à saúde da população quilombola da Vila
Padre Osmari, torna-se mais um entre tantas as outras formas de expressão da questão social. Conseguiu-se
visualizar a cruel realidade vivenciada pelos quilombolas os quais, desde o sistema escravocrata, aliado ao
capitalismo, vêm lhes negando a condição de cidadania e de garantia de seus direitos, papel estes das políticas
públicas tão ausentes nesta comunidade quilombola.
Neste contexto, pode-se encontrar as contradições materializadas no âmbito do Estado, com a
implementação de políticas neoliberais, para fundamentalmente reduzirem o papel e a intervenção do mesmo
na garantia dos direitos sociais. A isso, atribui-se a confirmação da invisibilidade da população quilombola frente
à política de saúde no atendimento as suas reais necessidades, traduzida através da ausência do quilombo na
execução e controle social dessa política. Aponta-se para a importância da visibilidade do quilombo no
diagnóstico, planejamento e nos fazeres técnicos das equipes da saúde, em destaque para o PSF localizado na
Vila Padre Osmari, na perspectiva da política de saúde organizar-se através dos princípios da integralidade e da
territorialidade.
Ao término deste trabalho, é importante dizer, ainda, que as ações para a transformação dessa
realidade necessitam da população usuária envolvida como primeira aliada. Para isso, o aspecto a ser
considerado é o território onde se manifestam expressões de vida de um povo diferente na sua condição e
modo de vida. É preciso ter “olhos” para ver essas (in) visibilidades e a partir delas garantir políticas que
produzam melhorias na qualidade de vida da população quilombola. Caso contrário, o quilombo da Vila Padre
Osmari, continuará a ser mais um entre os quatro mil, oitocentos e setenta quilombos invisíveis em nosso país.
Como política pública, a saúde deve assumir o desafio da inclusão e defesa da população quilombola
na agenda política local, ampliando e materializando os direitos já garantidos em lei, trazendo para a discussão
os usuários quilombolas, a fim de viabilizar a luta destes sujeitos para que as suas demandas balizem as ações
executadas pelas políticas sociais. O exercício da participação e controle social possibilitam a construção de
caminhos propositivos no atendimento integral a essa e outras parcelas da classe trabalhadora, excluída dos
direitos mais fundamentais, como exemplo o da saúde, e assim, contribuir para mudar o rumo desta história de
exclusão.
Analisou-se a partir da perspectiva dialética, considerando a contradição, a questão social não se
expressa somente através de fenômenos os quais caracterizam desigualdades de toda a ordem, mas também
pelas formas de resistências e de enfrentamento da população contra esses processos excludentes e, por
conseqüência, como forma de pressão e luta dirigida àqueles que devem investir em alternativas para a sua
redução, principalmente o Estado.
E, neste sentido, este estudo se caracteriza enquanto um instrumento que visa potencializar as
resistências desta população quilombola dando visibilidade às expressões da questão social vivenciadas pela
comunidade da Vila Padre Osmari. Cita-se como exemplo, as articulações que estão sendo realizadas junto ao
Departamento Estadual de Cidadania - DECID, organização comprometida na luta pela igualdade de condições
dos afro descendentes, para a criação da Associação Quilombola da Vila Padre Osmari, objetivando a
visibilidade e o reconhecimento do quilombo junto a Fundação Palmares.
Tem-se o compromisso de devolver aos quilombolas esta produção de conhecimento, pois, são estes
invisíveis que possuem o direito de serem visíveis frente às políticas. A devolução deste estudo também visa
criar espaços de reflexão sobre essa condição de (in) visíveis e fortalecer a consciência crítica e de luta desta
população para a garantia de seus direitos de cidadania e uma vida com dignidade. Por fim, viabilizar
estratégias para os quilombolas se tornarem protagonistas da (re) construção de uma nova história para o
quilombo da Vila Padre Osmari, a começar pelo (auto) reconhecimento da importância de sua identidade afro
descendente, tanto para a cultura regional quanto nacional, bem como a afirmação de sua relevância política
enquanto classe trabalhadora.
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[1] Os dados mencionados sobre a existência de escravos no Rio Grande do Sul foram registrados
durante a participação na I Conferência Municipal da Comunidade Negra em Cruz Alta/RS em 10/11/2001
– IX Pré Conferência Estadual da Comunidade Negra – 2001 – Ano Internacional da Mobilização contra o
racismo, a discriminação racial, a xenofobia e as formas conexas de intolerância.
[2] Conceito considerado central na produção do Serviço Social definido, a partir da perspectiva marxista,
como: produto e expressão da contradição fundamental entre capital e trabalho historicamente
problematizada (PEREIRA, 2004). Esta concepção que articula a herança escravocrata brasileira ao
sistema capitalista estruturado no país será aprofundada no tópico a seguir, no sentido de contextualizar
as expressões da questão social vivenciada pela população negra num país que tem uma herança
histórica marcada pela exclusão.
[3] Esta exposição foi originalmente apresentada no Seminário Exclusão Social, realizado na PUC/PS,
em 23/04/1998.
[4] Cerca de 16 mil pessoas de 173 países participaram do debate político desta conferência, que teve
como slogan “Unidos para combater o racismo: igualdade, justiça e dignidade”. Do Brasil, estiveram
presentes 500pessoas, entre representantes do governo, dos movimentos sociais (em especial o negro e
o de mulheres negras), organizações não governamentais, partidos políticos e sindicatos (BRASIL SEM
RACISMO, 2002) .
[5] Este estatuto é de autoria do Deputado Federal Paulo Paim, hoje Senador, um negro militante em
defesa das questões afro-descendentes.
[6] O conceito de eqüidade é concebido como o reconhecimento e a efetivação, com igualdade, dos
direitos da população, sem restringir o acesso a eles nem estigmatizar as diferenças que conformam os
diversos segmentos que a compõem. Assim, eqüidade é entendida como possibilidade das diferenças
serem manifestadas e respeitadas, sem discriminação; condição que favoreça o combate das práticas de
subordinação ou de preconceito em relação às diferenças de gênero, políticas, étnicas, religiosas,
culturais, de minorias e outras. (POCHMANN ; AMORIN, 2003, p. 36).
[7] Expressão utilizada por Carvalho (2005) para designar os indivíduos que residem no quilombo.
[8] Este sistema baseava-se no atendimento focalizado às populações vulneráveis através do pacote
básico para a saúde, ampliação da privatização, estímulo ao seguro privado, descentralização dos
serviços em nível local, eliminação da vinculação de fonte com relação ao financiamento (COSTA, 1996).
[9] Para Testa, diagnóstico é a caracterização de uma situação e assim, o diagnóstico estratégico deve
nos indicar quais são as mudanças necessárias, quais são as mudanças possíveis e como está
conformado o poder no que diz respeito ao setor saúde (Testa in Rivera, 1989, p.67).
[10] As necessidades de saúde pode ser a busca de algum tipo de resposta para as más condições de
vida que a pessoa viveu ou está vivendo (do desemprego à violência no lar), a procura de um vínculo (a)
efetivo com algum profissional, a necessidade de ter maior autonomia no modo de andar a vida ou,
mesmo de ter acesso a alguma tecnologia de saúde disponível, capaz de melhorar e prolongar sua vida
(PINHEIRO ; MATTOS, 2001, p.116).
[11] A Atenção Primária a Saúde são os cuidados essenciais de saúde baseados em métodos e
tecnologias práticas, cientificamente bem fundamentadas e socialmente aceitáveis, colocadas as alcance
universal de indivíduos e famílias da comunidade. Os cuidados de saúde são levados o mais próximo
possível dos lugares onde as pessoas vivem e trabalham e constituem o primeiro elemento de um
continuado processo de assistência à saúde (DECLARAÇÃO DE ALMA-ATA, 1978).
[12] Em 1998, o Ministério da Saúde instituiu o “Projeto Promoção da Saúde” que procura reorientar o
enfoque das ações e serviços de saúde baseada nos princípios de solidariedade, eqüidade, ética e
cidadania, e advogar por uma dinâmica de atuação que esteja sintonizada com a defesa da qualidade de
vida do cidadão brasileiro, potencializando as ações desenvolvidas pelo setor de saúde e a busca pela
realização do homem como sujeito de sua própria história (FIGUEIREDO, 2005, p. 273).
[13] A rede social é entendida como um conjunto articulado e organizado de programas, projetos e
serviços, formando um sistema planejado de proteção social à população usuária das políticas sociais
(SILVA, 2004, p. 28).
[14] Doença hereditária, decorrente de uma mutação genética ocorrida há milhares de anos no continente
africano. É causada por um gene recessivo, que pode ser encontrado em freqüências que variam de 2% a 6%
na população brasileira, e de 6% a 10% na população negra (KIKUCHI, 2001, p.7).
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