uma reflexão introdutória sobre abordagens de interrogativas

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MOVIMENTO OU DEPENDÊNCIAS DESCONTÍNUAS: UMA REFLEXÃO INTRODUTÓRIA
SOBRE ABORDAGENS DE INTERROGATIVAS-QU NO PORTUGUÊS BRASILEIRO
André da Luz Pereira
RESUMO: Tendo por base a perspectiva gerativista, que se desenvolve nos estudos linguísticos a partir da
década de 1950, especialmente pelas contribuições do filósofo e linguista Noam Chomsky, este trabalho tem
por objetivo comparar duas abordagens sintáticas acerca de interrogativas-QU (em inglês, wh-questions). O
ponto central da comparação é relevância da noção de movimento para os estudos de interrogativas-QU. Há
uma abordagem que defende que a noção de movimento é imprescindível para explicar fenômenos como a
interrogação com palavras-QU. E outra abordagem que acredita que esta noção não seja assim tão necessária,
já que haveria uma explicação mais simples: as dependências descontínuas. Especificamente, serão analisados
fundamentos sintáticos da construção de estruturas interrogativas pela Hipótese da Sintaxe mais Simples
(CULICOVER; JACKENDOFF, 2005), que considera a abordagem por dependências descontínuas mais
adequada do que a abordagem por movimento. A ideia de movimento sintático, frequentemente chamada de
metáfora do movimento, é um eixo importante na teoria gerativista, especialmente a partir do programa de
Princípios e Parâmetros (CHOMSKY, 1981, 1986), ainda que seja mencionada anteriormente tanto como
movimento-QU (CHOMSKY, 1977), quanto como teoria dos vestígios, que, em sintaxe gerativa, é considerado
o ancestral teórico da teoria do movimento. E essa importância se mantém na fase seguinte conhecida como
programa minimalista. Tendo por base a hipótese da sintaxe mais simples, os fundamentos de dependências
descontínuas em interrogativas-QU neste estudo são os seguintes: licenciamento indireto, mais
especificamente o QU-inicial. Quanto à tipologia das estruturas analisadas, há exemplos de interrogativas-QU
simples, interrogativas-QU in situ e pied-piping. Por ser um estudo de fundamentos, destaco que há muitos
outros fenômenos e tipos de interrogativas-QU que não estão tratados neste trabalho. Tendo em vista a
comparação entre as abordagens movimento e não-movimento, este trabalho é um ponto de partida que pode
servir para analisar outros fenômenos que envolvem a noção de movimento e interrogativas, como
topicalização e deslocamento para a direita e para a esquerda, entre outros. Para atingir os objetivos
propostos, será utilizado um modelo hipotético-dedutivo, em que se consideram as premissas propostas pelas
linhas teóricas em estudo.
PALAVRAS-CHAVE: Interrogativas-QU. Sintaxe. Gerativismo.
1. Introdução
A interrogação é um fenômeno que desperta a curiosidade de estudiosos de diversas áreas
da língua e da linguagem. Ao lado da passivização das estruturas afirmativas, a interrogação é uma
das transformações linguísticas mais estudadas desde o início do empreendimento gerativista,
por seguir um modelo que permite exemplificar a noção de recursividade.
O gerativismo alterou sensivelmente os estudos linguísticos na segunda metade do século
XX, transformando significativamente a psicologia cognitiva. Essa alteração tem como ponto
inicial a publicação de Estruturas Sintáticas (CHOMSKY, 1957) e se avolumou com a publicação de
Aspectos da Teoria da Sintaxe (CHOMSKY, 1965). Na década de 1970, com a revisão de alguns
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Texto completo de trabalho apresentado na Sessão 9 – Quinta-feira, 12 de maio de 2016, 14:00-15:30 –
Bloco B: Sala 217 do Eixo Temático ESTUDOS DA LÍNGUA E DA LINGUAGEM I do 4. Encontro da Rede Sul
Letras, promovido pelo Programa de Pós-graduação em Ciências da Linguagem no Campus da Grande
Florianópolis da Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em Palhoça (SC).
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Estudante de Mestrado do Programa de Pós-graduação em Letras da Pontifícia Universidade Católica do
Rio Grande do Sul. E-mail: [email protected].
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pontos, a teoria ganhou cada vez mais força e culminou com o programa de Princípios e
Parâmetros (CHOMSKY, 1981) e o programa minimalista (CHOMSKY, 1995).
Entre as principais premissas da teoria gerativista está hipótese inatista, que se opõe à
hipótese de que a linguagem é adquirida pela experiência do indivíduo. Outra premissa
fundamental é noção de Gramática Universal (GU), que é o elemento biológico disponível no corpo
humano que desencadeia a linguagem, especialmente a sintaxe, considerada o núcleo do sistema
linguístico.
Apesar de ser o mais conhecido divulgador das teorias gerativistas, Chomsky não é seu
único representante. Muitos estudiosos seguiram estas ideias, entre eles Ray Jackendoff, que se
transformou, mais tarde, em um dos maiores críticos dos rumos que o empreendimento
gerativista tomou, especialmente por considerar a centralidade e autonomia da sintaxe, em
detrimento da semântica e da fonologia.
Neste trabalho, consideramos Chomsky como representante da tradição da gramática
gerativa e Jackendoff como representante de uma visão alternativa. Nesta reflexão específica, a
tradição defende a noção de movimento como imprescindível para a explicação da sintaxe das
interrogativas-QU. Por outro lado, a visão alternativa defende que a noção de movimento é
inadequada e apresenta como alternativa a abordagem por dependências descontínuas.
Este trabalho tem por objetivo apresentar uma reflexão inicial sobre as estruturas
interrogativas-QU, dentro de uma perspectiva gerativista, impulsionado por um trabalho anterior
sobre estruturas interrogativas na gramática tradicional e na gramática descritiva (PEREIRA,
2015). Minha preocupação aqui é apresentar uma reflexão sobre a relevância da noção de
movimento, defendida na tradição da gramática gerativa e criticada na visão alternativa.
2. Movimento ou dependências descontínuas
Para a tradição da gramática gerativa, a noção de movimento (cujo ancestral teórico é a
noção de vestígio), é central. Já para a abordagem alternativa, a noção de movimento é
desnecessária e muito complexa e pode ser adequadamente substituída pela noção de
dependência descontínua. Na tradição, a noção de vestígio evolui para uma Teoria do Movimento
(CHOMSKY, 1986). Já a noção de dependência descontínua é apresentada no arcabouço da sintaxe
mais simples (CULICOVER; JACKENDOFF, 2005).
O movimento-QU é a transformação que ocorre em (01), em que o sintagma-QU “o que”
aparece no início da sentença, mas pode ser interpretado como objeto de chutou.
(01) O que o menino chutou?
Considerando a ordem canônica do português Sujeito – Verbo – Objeto (SVO), o fenômeno
apresentado em (01) apresenta uma descontinuidade que precisa ser explicada, já que viola a
ordem canônica, apresentando o objeto antes do sujeito, sem que isso configure uma sequência
mal-formada. Para ilustrar e permitir uma comparação adequada, em (02) é apresentada a
sequência na ordem canônica.
(02)O menino chutou o quê?
Em português, esta ordem direta não apresenta problemas sintáticos aparentes e será
considerada adequada pela maioria dos falantes.
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A estrutura inicial (03) que desencadeia a transformação interrogativa – tanto (02) como
(01) – é a mesma que desencadeia a passiva (04).
(03) O menino chutou a bola.
(04) A bola foi chutada pelo menino.
O deslocamento do objeto sintático – o que – para uma posição diferente – comparando
(01) e (02) – mantendo a adequação gramatical da sentença, é conhecido como movimento
sintático na tradição da gramática gerativa (NUNES, 1998, p. 206). Já a abordagem da sintaxe mais
simples defende que chutou licencia o que indiretamente, mesmo à distância. Nesta perspectiva, o
aspecto semântico de chutou precisa ser considerado, desprezando a autonomia da sintaxe para
explicar o fenômeno. Enquanto a tradição não abre mão da metáfora do movimento sintático para
explicar o fenômeno, a visão alternativa propõe que a semântica do verbo seja considerada para
simplificar a explicação.
Um dos pontos de partida da sintaxe mais simples é a fragilidade da tradição da gramática
gerativa para explicar o fenômeno do Bare Argument Ellipsis (Elipse do Argumento Nulo),
retomando a noção de sluicing (ROSS, 1969), e que aparece como stripping em outras publicações
(CYRINO; MATOS, 2006). A estratégia inicial consiste em considerar a Elipse do Argumento Nulo
como exemplo de um aspecto sintático cuja explicação pela tradição da gramática gerativa é
incompleta ou muito complexa e que exige uma simplificação, uma vez que os recursos
necessários para a explicação dependem da uniformidade da interface entre semântica e sintaxe.
A uniformidade de interface entre sintaxe e semântica, prevê que para cada elemento
sintático há um elemento semântico, permitindo que toda a explicação seja feita pela sintaxe.
Neste caso, a sintaxe é um elemento linguístico autônomo e central, uma vez que se localiza entre
a fonologia e a semântica.
A divisão tradicional da linguística em fonologia, morfologia, sintaxe, semântica e léxico –
considerando a sintaxe como autônoma e central – não é aceita na hipótese da sintaxe mais
simples. Esta defende uma arquitetura paralela que envolve uma divisão tridimensional dos
componentes da fonologia, da sintaxe e da semântica, priorizando as interfaces entre estes
componentes, tanto através de departamentos sintagmáticos ou morfológicos, como através do
léxico, que perpassa todos os componentes e todos os departamentos.
As motivações da sintaxe mais simples são fenômenos que a tradição da gramática
gerativa não explica ou explica com alto custo, como a noção de movimento, que na sintaxe mais
simples é substituída pela noção de dependências descontínuas, especialmente em relação à
interrogativas-QU. Os fundamentos de tratamento dos fenômenos por dependências descontínuas
são o QU-inicial e a topicalização, em termos de licenciamento indireto.
3. Licenciamento indireto
Objetivamente, a hipótese da sintaxe mais simples defende que os fenômenos tratados na
tradição da gramática gerativa como movimento podem ser tratados em outras possibilidades,
além de identificar problemas teóricos e empíricos para abordagem de movimento. Haveria um
mecanismo gramatical que atua Elipse do Argumento Nulo e nas construções-A’ como em
interrogativas-QU, que é denominado de Licenciamento Indireto (CULICOVER; JACKENDOFF,
2005, p. 254). A notação formal para o licenciamento indireto, ela é resumidamente: IL
(indiretamente licenciado), ANT (antecedente), ORPH (órfão) e TARGET (alvo).
Para exemplificar a elipse do argumento nulo, considere-se a resposta dada em (06 a, b),
que retomam um elemento que está realizado foneticamente na sentença anterior.
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(03)O teu menino joga?
(04)a. Sim, futebol.
b. Não, só assiste.
As respostas em (06 a, b) poderiam ser descritas como as realizadas em (07 a, b).
(05)a. Sim, [o meu menino joga] futebol.
b. Não, [o meu menino], só assiste.
Em (06a), descrito em (07a) temos a elipse do sujeito (argumento externo) e do próprio
verbo, exigindo que a análise sintática retome os dados em outro lugar, a estrutura anterior.
Extrapolando, assim, os limites da sintaxe tradicional que é o contexto da sentença. A tradição
não tem uma explicação adequada para este funcionamento aparentemente simples. Já a visão
alternativa explica que o verbo de uma sentença pode licenciar argumentos em outra sentença,
pelo licenciamento indireto (não local).
Assim, em (01), o sintagma o que é licenciado semanticamente por chutou, mesmo que não
esteja na posição canônica do argumento prescrita por chutou. Este tipo de consideração está na
base da tradição da gramática gerativa, de que o o que foi movido da posição canônica para a
posição de início da sentença. Segundo a tradição o sintagma o que é combinado com chutou,
depois é licenciado, mas antes, ele é deslocado. Essas diversas implementações (combinar,
licenciar, deslocar) tem, segundo a hipótese da sintaxe mais simples, um custo operacional alto, o
que sugere que devemos olhar para outro ponto em busca de uma explicação para este fenômeno
de deslocamento tratado como movimento na tradição da gramática gerativa.
Partindo da análise da Elipse do Argumento Nulo, a hipótese da sintaxe mais simples
defende que há duas maneiras de licenciar propriedades sintáticas: diretamente e indiretamente.
No licenciamento direto há uma conexão local entre licenciado e licenciador. No indireto o
licenciador está em uma posição não-canônica em relação ao licenciado, podendo inclusive estar
em uma sentença anterior, ou ainda sendo realizado em um contexto não linguístico.
Especificamente, o licenciamento indireto também explica casos de uso de preposições
sintaticamente regidas como o de uma fala: “- O menino está brincando. – Sim, com a bola. ”
Considerações finais
A preocupação de simplificar as explicações sintáticas da gramática gerativa é uma
constante nas duas correntes (tradição e alternativa), o que indica uma necessidade comum entre
as duas. A formalização exige um aparato complexo e cujo domínio muitas vezes exige um
conhecimento muito sofisticado para explicar fenômenos cotidianos, já que todos os falantes
nativos de uma determinada língua usam as estruturas interrogativas no seu dia a dia.
Neste sentido, a explicação dos fenômenos de deslocamento sintático pela Teoria do
Movimento, que evolui a partir da noção de vestígios dentro do empreendimento gerativista, é
discutida dentro da hipótese da sintaxe mais simples.
Proposta por pesquisadores alinhados com teorias não-movimento, esta alternativa se
apresenta como mais simples. É ainda necessário discutir os termos desta simplicidade,
considerando a centralidade da noção de movimento não apenas para interrogativas-QU, mas
para outros fenômenos linguísticos explicados por esta perspectiva.
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Especificamente, a noção de licenciamento direto (quando há uma conexão local entre o
licenciado e o licenciador – numa ordem canônica) e licenciamento indireto (quando o termo
licenciador está numa posição não-canônica em relação ao licenciado) parecem explicar não
apenas as construções A’ (como é o caso de interrogativas-QU), mas também fenômenos mais
complexos como a elipse do argumento nulo, em casos de sluicing, para os quais a tradição da
gramática gerativa não apresenta uma explicação adequada desde pelo menos a publicação de
Guess Who (ROSS, 1969).
No entanto, para ser considerada completamente ultrapassada a noção de movimento, é
preciso responder a algumas questões, especialmente a que o vê como um “termo metafórico para
descrever a propriedade de deslocamento em línguas naturais” (NUNES, 2008). Essa explicação
separa o fenômeno do movimento do dispositivo técnico para descrever o fenômeno. E defende
que o dispositivo conhecido por movimento pode ser substituído por outro, mas a propriedade
das línguas naturais de interpretar um constituinte sintático numa posição diferente daquela em
que ele aparece não pode ser substituído.
No caso das interrogativas, o fenômeno conhecido como movimento-QU é considerado um
dos tipos de movimentos sintáticos e tem muitos estudos em diversas línguas analisando os
contextos em que ele é permitido e os contextos em que ele é restrito. Já o estudo por
dependências descontínuas precisa ser testado nas diversas línguas e contextos, a fim de
corroborar ou refutar a hipótese de que é mais simples e que descreve de forma adequada o
fenômeno.
Referências
CHOMSKY, N. Syntactic Structures. 2nd. ed. Massachusets: Mouton de Gruyter, 1957.
CHOMSKY, N. Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge: The MIT Press, 1965.
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CHOMSKY, N. Lectures on Government and Binding: The Pisa Lectures. Cinnaminson: Foris
Publications, 1981.
CHOMSKY, N. Barriers. Cambridge: The MIT Press, 1986.
CHOMSKY, N. The Minimalist Program. Cambridge, MA: MIT Press, 1995.
CULICOVER, P.; JACKENDOFF, R. Simpler Syntax. New York: Oxford University Press, 2005.
CYRINO, S.; MATOS, G. Anáfora do Complemento Nulo: anáfora profunda ou de superfície?
Evidência do Português Brasileiro e Europeu. Letras de Hoje, v. 41, n. 1, p. 121–141, 2006.
NUNES, J. Explorando a teoria do movimento por cópia no programa minimalista. In: ALBANO, E.
et al. (Eds.). . Saudades da Língua. [s.l.] Mercado de Letras, 1998. p. 205–213.
NUNES, J. Minimalismo - uma entrevista com Jairo Nunes. Revista Virtual de Estudos da
Linguagem (ReVEL), v. 6, n. 10, p. 1–6, 2008.
PEREIRA, A. Uma abordagem gramatical das estruturas interrogativas diretas em contos de
Machado de Assis e Rubem Fonseca. Porto Alegre: UFRGS, 2015.
ROSS, J. Guess who: Papers from the fifth regional meeting Chicago Linguistic Society, p. 252–
286, 1969.
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