Caracterização agronômica e morfológica de genótipos de cabaça. Arlete Marchi Tavares de Melo 1; Joaquim Adelino de Azevedo Filho2 1 IAC/APTA - Centro de Análise e Pesquisa Tecnológica do Agronegócio da Horticultura, C. Postal 28, CEP 2 13001-970 Campinas-SP, E-mail: [email protected]; DDD/APTA - Pólo de Desenvolvimento Tecnológico do Agronegócio do Leste Paulista. RESUMO Esse trabalho teve como objetivo avaliar e descrever características agronômicas e morfológicas de oito acessos de cabaça (Lagenaria siceraria (Molina) Standl.). Os genótipos foram caracterizados para os seguintes descritores: hábito de crescimento, presença/ausência de gavinhas, formato da folha, pubescência da folha, cor da flor, expressão sexual, formato do fruto, cor do fruto, textura da casca, peso do fruto seco, número de frutos por planta, comprimento do fruto, largura do fruto, cor da semente, peso de 100 sementes, e presença/ausência de amargor. Com base nas características avaliadas, cinco genótipos foram selecionados como próprios para consumo devido à ausência de amargor e outros dois mostraram adequados para ornamentação. Palavras-chave: Lagenaria siceraria (Molina) Standl., Cucurbitaceae, calabaça, porongo, caxi, hortaliça não-tradicional, melhoramento. ABSTRACT Agronomic and morphological characterization of bottle gourds genotypes This research aimed the agronomic and morphological characterization of eigth bottle gourds (Lagenaria siceraria (Molina) Standl.) genotypes. The following traits were evaluated: plant growth habit, presence/absence of tendrils, leaf shape, leaf pubescence, flower colour, sex expression, fruit shape, fruit colour, rind texture, dried fruit weight, fruit number per plant, fruit length, fruit width, seed colour, a hundred seed weight, and presence/absence of bitterness. As results, five genotypes showed absence of bitterness and were selected for human consumption and other two showed good characteristics for ornamental use. Keywords: Lagenaria siceraria (Molina) Standl., Cucurbitaceae, calabash, non-traditional vegetables, vegetable breeding. No Brasil, a cabaça, também denominada de calabaça, porongo, purunga ou caxi é considerada uma hortaliça não-tradicional, pois não é consumida regularmente; É uma cucurbitácea nativa da África, cujas sementes, protegidas dentro do fruto, foram disseminadas pelo mundo por meio das correntes oceânicas. Dados arqueológicos indicam sua presença no Peru, pelo menos, desde há 10 mil anos. Além disso, no Brasil, os escravos africanos também foram responsáveis pela introdução da cabaça que, hoje, é encontrada de norte a sul do país, em geral com desenvolvimento subespontâneo. Distribuída por todo o mundo, existe uma enorme variabilidade de forma e tamanho dos frutos, gerada durante os milhares de anos de seleção humana em locais distintos. Os frutos jovens de cabaça têm a casca tenra e pubescente e polpa com alto teor de umidade. Quando maduros, tornam-se glabros com casca grossa e lignificada, o que a torna impermeável e com polpa seca e fina. As sementes são grandes, com textura corticosa, cor marrom e formato característico. Quanto ao uso, o fruto seco tem inúmeras e fascinantes aplicações: conservação de líquidos e alimentos crus e cozidos; armazenamento de sementes, decoração, cuias, chocalhos, cachimbos, gaiolas, conchas, pesca, etc. Os homens de algumas tribos da África e Nova Guiné ainda hoje têm um costume inusitado, inserindo cabaças cilíndricas em seus pênis. Antropólogos acreditam que, além de servir de proteção, essa prática tem uma importante função social. Os nativos utilizavam o fruto para conservar remédios, além de usar a própria cabaça como planta medicinal por ter componentes diuréticos, eméticos e antipiréticos. Para fins culinários, frutos e ramos jovens são consumidos como alimento. Na Ásia, a polpa de frutos desenvolvidos de uma determinada variedade de cabaça é cortada em tiras e submetidas à secagem para uso em pratos típicos. No dias de hoje, recomenda-se que seu consumo seja na forma cozida e a preferência deve ser dada para os tipos não amargos. O principal componente do amargor é um triterpenóide chamado de cucurbitacina, que é toxica quando ingerida em grandes concentrações. Modernamente, L. siceraria vem sendo utilizada como porta-enxerto para outras cucurbitáceas, especialmente de melancia (Whitaker & Davis, 1962; Levin & Lange, 1991; Robinson & Decker-Walters, 1997; Miguel, 1997). De acordo com o Prof. Cyro P. da Costa 1, caxi é a denominação dada às cabaças comestíveis não amargas. MATERIAL E MÉTODOS O ensaio foi realizado no Pólo de Desenvolvimento Tecnológico do Agronegócio do Leste Paulista, em Monte Alegre do Sul, SP, de janeiro a agosto de 1999. Foram descritos e caracterizados agronomicamente oito acessos de cabaça (Lagenaria siceraria (Molina) Standl.) (Tabela 1). As mudas foram produzidas em bandejas de poliestireno expandido, utilizando-se substrato comercial. As mudas foram plantadas aos 12 dias após a semeadura, em espaçamento de 3 m entre linhas e2 m entre plantas. O delineamento experimenta l foi em blocos casualizados, com três repetições e quatro plantas por parcela. Os acessos foram caracterizados para os seguintes descritores: hábito de crescimento; presença/ausência de gavinhas; formato da folha; pubescência da folha; cor da flor; 1 COSTA, C.P. Informação pessoal. 1999. 2 expressão sexual; formato do fruto (FF); cor do fruto (CP); textura da casca do fruto imaturo; peso do fruto seco (PF), em g; número de frutos por planta (NF); comprimento do fruto seco (CF), em cm; largura do fruto seco (LF), medida em dois locais – largura superior e largura inferior, em cm; cor da semente; peso de 100 sementes (PS), em g; e presença/ausência de amargor no fruto imaturo (AM) (Whitaker & Davis, 1962; IBPGR, 1983). Tabela 1. Nome comum e procedência dos oito acessos de cabaça (L. siceraria). descritos e caracterizados. Campinas, SP, março de 2003. Nome Comum Procedência Cabaça 1 Cabaça 2 Cabaça 3 Cabaça 4 Kampyo Oogata Hyotan Sennari Hyotan Omaru Kampyo Areia, PB Promissão, SP Promissão, SP Lins, SP Lins, SP Sementes Sakama Sementes Sakama Sementes Sakama RESULTADOS E DISCUSSÃO Os oito genótipos mostraram características semelhantes para os seguintes descritores: hábito de crescimento rasteiro, presença de gavinhas, folhas com formato reniforme, lóbulo ondulado, pubescência baixa da folha, flores com corola branca, expressão sexual monóica e cor marrom das sementes. Em relação ao formato, predominaram três tipos: periforme (Cabaças 1, 2 e 4), halteriforme (‘Oogata’ e ‘Sennari’) e elíptico (‘Omaru’, ‘Kampyo’ e Cabaça 3) (Tabela 2). Em relação à cor do fruto e textura da casca, todos os acessos apresentaram coloração verde-clara e casca lisa, exceto ‘Kampyo’ e Cabaça 2, com cores verde-clara e verde-escura, respectivamente e com leve tendência a formar gomos. Na literatura encontram-se referências a genótipos com frutos longos e finos, com até três metros de comprimento (Robinson & Decker-Walters, 1997), sendo que, na coleção do IAC, há um acesso desse tipo. No entanto, para esse ensaio foram escolhidas cabaças de menor porte. Assim, quanto ao tamanho, caracterizado pelo comprimento e largura do fruto, os comprimentos variaram de 6,4 a 23,2 cm nos acessos halterifomes ‘Sennari’ e ‘Oogata’, respectivamente. Entre os periformes, o comprimento variou de 15,5 (Cabaça 4) a 17,8, cm (Cabaça 1) (Tabela 2). O peso do fruto seco variou de 7,2 g, para frutos de ‘Sennari’, até 128,5 g para os da Cabaça 1, enquanto que, para número de frutos, a variação foi de 1,2 (‘Oogata’), a 8,7 (‘Sennari’) frutos por planta (Tabela 2). Em relação ao caráter amargo, as cabaças 1, 2 e 3, ‘Omaru’ e ‘Kampyo’ não mostraram presença de cucurbitacina, ao contrário das demais. 3 Como o objetivo desse ensaio foi o de caracterizar e selecionar os acessos, agrupando-os em amargos (ornamentais) e não amargos (comestíveis), a avaliação de tamanho, peso e número de frutos foi feita com a finalidade de conhecer cada genótipo e não de compará-los entre si. Com base nos resultados observados, as cabaças 1, 2, 3, ‘Kampyo’ e ‘Omaru Kampyo’ foram selecionadas como próprias para consumo devido à ausência de amargor. Por sua vez, as cabaças 4, ‘Oogata’ e ‘Sennari’, por serem amargas, não são recomendadas para consumo, sendo que ‘Oogata’ e ‘Sennari’ possuem fenótipo ideal para ornamentação. Tabela 2. Médias de peso do fruto seco (PF), número de frutos por planta (NF), comprimento do fruto seco (CF), largura do fruto seco (LF), número de sementes por fruto (NS), peso de 100 sementes (PS), formato do fruto imaturo (FF), cor predominante do fruto imaturo (CP) e presença/ausência de amargor (AM) de acessos de cabaça (Lagenaria siceraria). Campinas, SP, março de 2002. Genótipo Cabaça 1 Cabaça 2 Cabaça 3 Cabaça 4 Kampyo(1) Oogata Hyotan Sennari Hyotan Omaru Kampyo(1) (1) PF (g) 128,5 116,6 124,0 97,5 62,6 7,2 - NF 3,9 6,2 2,4 7,3 1,2 8,7 - CF (cm) 17,8 16,0 16,3 15,5 23,2 6,4 - LF (cm) sup. 7,4 7,5 7,1 6,7 8,2 2,6 - inf. 9,8 8,7 13,0 9,2 9,0 3,9 - SF 125,8 110,3 115,4 113,3 33,0 26,6 - PS (g) 24,0 23,9 22,9 22,5 - FF AM periforme periforme elíptico periforme elíptico halteres halteres elíptico ausente ausente ausente presente ausente presente presente ausente Dados não obtidos porque a maior parte dos frutos apodreceu antes da colheita. AGRADECIMENTO Os autores agradecem ao PRONAF pelo financiamento da pesquisa. LITERATURA CITADA INTERNATIONAL BOARD FOR PLANT GENETIC RESOURCES - IBPGR. Genetic resources of Cucurbitaceae. Roma, 1983. 101p. LEVIN, H.G.; LANGE, E. Verduras de todo el mundo. Madrid: Editorial Everest S.A., 1991. 256p. ROBINSON, R.W.; DECKER-WALTERS, D.S. Cucurbits. Cambridge: University Press-CAB WHITAKER, T.W.; DAVIS, G.N. Cucurbits. New York: Interscience Publishers Inc., 1962. 250p. 4