JOANNA ANGELO LADEIRA Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Belo Horizonte 2014 JOANNA ANGELO LADEIRA Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Dissertação apresentada na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Área de concentração: Estudos Psicanalíticos Orientadora: Profª Drª Andrea Maris Campos Guerra Co-­‐orientador: Profº Drº Sérgio Augusto das Chagas Laia Belo Horizonte Março/2014 I AGRADECIMENTOS Agradeço ao encontro adorável com os colegas dessa turma de mestrado, pela alegria compartilhada nos intervalos e as trocas em sala: agradeço, em especial, à Débora e ao Marcus, pela proximidade conquistada nesse ultimo ano. Aos que encontro na Real da Rua pelo papo reto que me ensina e intriga. Agradeço pelos encontros do “Entre as Fronteiras da prática socioeducativa” (CIEN), pela possibilidade de ampliar perspectivas.,. Obrigada aos parceiros da Pacto: aos sócios fundadores pela coragem compartilhada e aos que hoje compõem essa organização não governamental interessada na convivência nas cidades, É com Ângela Guerra, Ludmila Zago, Guilherme Del Debbio e Rafael Rocha que divido as maiores inquietações sobre a cidade, com vocês encaro com prazer a Real da Rua e a Vida Loka (projetos de ação e pesquisa criados entre nós). Muito obrigada. A Célio Garcia por sua presença no consultório e na cidade : por não recuar diante dos impasses de seu tempo! Agradeço aos professores Márcia Rosa e Jesus Santiago pelos apontamentos fundamentais para minha pesquisa. Ao Sérgio Laia pelo rigor e precisão com relação àquilo que o objeto de pesquisa exige. À Andrea Guerra, pelo percurso compartilhado até aqui, pelas inquietações divididas acerca da vida dos jovens, pela aposta na capacidade das pessoas que trabalham com você e pelo apoio, nos momentos delicados. Ao Antonio Teixeira, pela contribuição orientadora na banca de qualificação desse projeto, pelo esforço de transmitir as teorizações mais difíceis do modo mais claro e leve Obrigada Fernanda Otoni, pela interlocução iniciada graças ao CIEN, por sua coragem em enfrentar os impasses contemporâneos ao lado dessa geração cheia de perguntas. Obrigada ao Oswaldo por aceitar o convite à interlocução. Ao Dário, pelo suporte na reta final. Agradeço aos amigos pelas “horinhas de descuido” compartilhadas: é vital! Agradeço a minha mãe pela torcida e carinho de sempre. Agradeço ao Le pela construção de uma vida e pelo amor declarado. Por fim, agradeço à CAPES por ter tornado viável a realização desse projeto de pesquisa. II SUMÁRIO Sumário ..................................................................................................................... II Resumo .................................................................................................................... III Abstract ................................................................................................................... IV Introdução ................................................................................................................ 1 1 – Sobre a presença do analista segundo Jacques Lacan ............................................ 6 1.1 -­‐ Sasha Nacht e uma atitude denominada de presença ................................................ 7 1.2 – Sobre direção do tratamento , segundo Lacan, nos anos cinquenta ......................... 15 1.3 -­‐ A presença do analista: uma perspectiva lacaniana, em 1964 .................................. 27 2 -­‐ Uma retomada aos princípios da técnica: o manejo da transferência em Freud .. 36 2.1 -­‐ Sobre os princípios da direção do tratamento em Freud, e seus meios. .................... 37 2.2 -­‐ Das questões técnicas à ética daí depreendida ........................................................ 40 2.3 -­‐ Os fins da psicanálise e seu futuro: que lugar para o analista? ................................. 52 3 -­‐ A presença do analista: de que “realidade” se trata? .......................................... 57 3.1 -­‐ Analista: o objeto da transferência .......................................................................... 61 3.2 -­‐ Práticas de atendimento a “a céu aberto” e a interrogação que colocam para a psicanálise ............................................................................................................... 65 Considerações finais ................................................................................................ 74 Referências Bibliográficas ........................................................................................ 80 Outras Referências .................................................................................................. 83 III RESUMO LADEIRA, J. A. (2014). Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema. Dissertação de mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. Esta dissertação objetiva elucidar a expressão “presença do analista”, cunhada por Jacques Lacan, em seu Seminário sobre os Conceitos Fundamentais da Psicanálise (1964/1988): tema eleito a partir de uma reflexão sobre algumas práticas clínicas que, atualmente, se realizam “à céu aberto”. A pergunta que sustentamos como norte ao longo de todo o trabalho é sobre como as indicações freudo-lacanianas sobre a “presença do analista” expressão que circunscreve-se no campo do debate sobre a “transferência” – podem colaborar para a clínica contemporânea. Vimos ao longo do percurso aqui empreendido o quanto a psicanálise possui uma “elasticidade” em suas regras, afirmação que depreendemos da ideia de que ela se aplica à particularidade de cada caso. Percorremos o tema a partir das indicações que o próprio texto lacaniano abriu naquele seminário e, portanto, apresentamos algumas divergências entre Lacan e alguns pós-freudianos, assim como o que Lacan estabelecia, em meio à crítica que fazia. Não perdemos de vista que a atualidade da questão coloca acento sobre o setting em que acontece uma psicanálise e mostraremos, ao longo desse trabalho, que lá onde se buscam orientações técnicas, ao menos em Freud e Lacan, o que se encontra são perspectivas éticas. Palavras Chaves: transferência, neutralidade, tratamento, presença, cidade IV ABSTRACT LADEIRA, J. A. (2014). On the analyst’s presence towards the treatment: some current reflexions on the subject. Dissertação de mestrado, Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais, Belo Horizonte. This dissertation aims to elucidate the expression " analyst’s presence " introduced by Jacques Lacan in his Seminar about the Fundamental Concepts of Psychoanalysis (1964/1988): it is an issue raised from a reflection on some clinical practices that currently take place on " the sky open ". The question that we hold as the north for the work is on how can Freud-lacanians directions about " analyst’s presence " - an expression that is limited in the field of debate about " transfer " - contribute to the contemporary clinic. We have along the course undertaken here how much has psychoanalysis an " elasticity " in its rules, a statement which inferred the idea that it applies to the particularity of each case. We have covered from theme of the indications on that the Lacanian text itself opened that seminar on and therefore present some differences between Lacan and some pos-Freudians, as well as what Lacan established amid criticism he did. We didn’t lose sight of the relevance the question puts accent on the setting in which a psychoanalysis happen and we intend to show, throughout this work, that there where you seek technical guidance, at least in Freud and Lacan , what lies are ethical perspectives. Keywords: transfer, neutrality, treatment, presence, city Introdução Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 1 INTRODUÇÃO Houve um tempo em que se tinha clareza e contornos bem definidos, tanto do que representava o sofrimento psíquico, do que não seguia uma certa norma de conduta que delimitava um pouco como acolher e como tratar em psicanálise . Assim, sabia-se onde estavam os loucos, onde estavam os bandidos, e a cada enfermidade ou desajuste correspondia um tratamento padrão (conforme o tempo e o lugar) onde a sociedade deixava estar o que lhe parecia sintomático, sem lugar. No que se refere especificamente à psicanálise, o ritual era apontado, como forma de definir as posições, em uma espécie de imagem da função do analista, tantas vezes representado, retratado, insinuado, inclusive em filmes de humor e drama e algumas charges, como as do famoso The New Yorker Cartoons (Sérgio Augusto (trad.)2009), ou o brasileiro “Analista de Bagé (Veríssimo, 1982). Neste contexto, o divã é a marca invariável, que compõe o estereótipo do psicanalista. Entretanto, no Brasil, sabemos que psicanalistas, para além do divã e de outras referências com a qual são em geral identificados, acompanharam – e sustentaram – a reforma psiquiátrica, ao lado de outros profissionais, favorecendo um tratamento que não detivesse o sujeito por meio de contenções corporais e que lhe engessavam a fala com instrumentos como o isolamento, a camisa de força ou a medicação. Marcus André Vieira, no livro “Urgência sem Emergência?” (2008) diz que “mais que ‘psiquiátrica, ela é a reforma de uma mentalidade com relação às ações sociais sobre a loucura em nosso país(...) sustentar a cada vez que nem sempre o bem universal é o melhor para alguém já justificaria, por si só, a presença dos analistas neste campo” (p. 105). A psicanálise defende, portanto, uma prática clínica que preserva a liberdade em geral e a liberdade inconsciente dos processos em particular, que toca o corpo e possibilita um tratamento, mesmo se este não acontece mais necessariamente dentro de quatro paredes, e sobretudo dentro de paredes como as das prisões e dos manicômios. Desse modo, com a reforma Introdução Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 2 psiquiátrica, a psicanálise estende sua prática, além dos muros dos Hospitais Psiquiátricos e das quatro paredes de um consultório particular. Em função do que pretendemos circunscrever nesta Dissertação, sem que nos detenhamos numa abordagem puramente histórica (cuja tarefa seria destacar as transformações ocorridas na prática clínica asilar e não asilar, bem como os pontos teóricos que apoiaram a reforma psiquiátrica) ressaltaríamos a seguinte perspectiva: a concepção de liberdade para o tratamento da loucura implicou novas orientações para o trabalho ambulatorial e isso não foi sem efeito para a psicanálise no Brasil. O alcance do trabalho de um psicanalista demonstrou-se, então, ainda mais amplo, para além dos hospitais psiquiátricos, dos ambulatórios e mesmo das quatro paredes de seu consultório particular. Nesse sentido, cabe questionar: que característica teria a psicanálise para servir a esse tipo de transformação política, intervindo no modo como são tratados os pacientes de uma determinada época, independente de que impasse se coloque? Particularmente hoje no Brasil, a psicanálise de orientação lacaniana responde a desafios que evocam a proposição de Lacan, no final de “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, de que o psicanalista estivesse à altura de “alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época” (1953/1998b, p. 322). Afinal, cada vez mais ela se faz presente nos serviços públicos, sejam eles considerados de saúde mental ou de educação, assim como nos hospitais, nos serviços de segurança pública, na gestão de políticas públicas, na assistência social, nos aglomerados, favelas e até mesmo na rua. Uma pesquisa sobre a “presença do analista” ganha importância quando, por exemplo, nos perguntamos sobre a contemporaneidade das intervenções do analista, uma vez que seu lugar na sociedade não se encontra mais tão isolado e circunscrito como é imaginado pelo senso comum. Hoje em dia, um analista não restringe seu trabalho aos consultórios, tampouco a hospitais psiquiátricos e à universidade. Ações derivadas ou articuladas à psicanálise se fazem cada vez mais presente em diversos campos: escolas, prisões, gestão de políticas públicas, hospitais, centros de saúde, favelas e mesmo nas ruas. Muito tem sido debatido sobre a diversidade de situações em que a psicanálise (e mesmo um psicanalista) poderia intervir. Introdução Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 3 Se os analistas não estão mais restritos ao que Lacan nomeou como o “quadro mais protegido de todos, o do consultório analítico” (1960/1992, p. 23), se, diante de práticas e intervenções contemporâneas norteadas pela psicanálise, tem-se simplesmente, como endereçamento, o corpo de quem pratica e intervém, nos perguntamos como a leitura de Lacan e de Freud poderia indicar coordenadas através das quais um analista em formação poderia se orientar, em relação prática psicanalítica, mesmo em situações pouco usuais. Se vai à rua e o atendimento se desloca pela cidade - seja por um calculo clínico em um caso, pontualmente, seja por diretriz metodológica própria à política - produzindo um encontro pontual entre o praticante da psicanálise e as pessoas que passa a atender (situação cada vez mais frequente em nossos dias), tais práticas interrogam os textos lidos. A diversidade dos modos da intervenção interessa, na medida em que o recorte feito aqui aponta para os meios através dos quais uma psicanálise se realiza: sua técnica, seu método, sua ética, seus princípios. Bastaria o desejo do analista – que não é sem suporte – para que uma psicanálise fosse possível? Merece destaque o fato de que também no clássico setting contando com a possibilidade do uso do divã, é regra, na psicanálise, que ela se aplique a cada novo caso com ineditismo, reinaugurando uma prática de cada vez, a partir da da particularidade de cada pessoa, de cada situação: esse é um princípio freudiano e envolve um manejo clínico em nada padronizado. Importante considerar o que diz Lacan, que os “desgastes”, os “deslizamentos” da técnica psicanalítica acontecem pela “desconceitualização” (1958/1998c, p. 615). Nesse sentido, retomando a experiência freudiana e o retorno que Lacan se propôs a fazer com relação a ela, poderemos dizer que, mesmo no setting analítico clássico, nada asseguraria a presença de um analista (e portanto, a existência de uma psicanálise, como tal). No caso desse trabalho, a partir da banca de qualificação destacou-se a importância de situar essa pesquisa a partir do referencial lacaniano e dedicar atenção especial ao Seminário 11, sobre os Quatro Conceitos Fundamentais de Psicanálise, seminário de 1964, em que Lacan dedica uma lição ao tema a que nos dedicamos aqui: “presença do analista”(1964/1988). Ao longo do Introdução Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 4 estudo empreendido para a realização desse trabalho, o caminho que mostrouse mais adequado foi seguir aquilo que o próprio Lacan indicara em seu seminário, especialmente, na lição que dedica ao tema dessa pesquisa. Chegamos, assim, ao livro publicado por Sasha Nacht, em 1963, com o título “A presença do analista” (1963/1967). Embora Lacan não mencione nominalmente Nacht, não é difícil chegar a seu livro, já que comenta sobre um “livro publicado com este título” (Lacan, 1964/1988, p. 121), além do fato de que sua crítica dirige-se aos pós-freudianos conhecidos como teóricos do eu, e Nacht é um representante desta tendência. Lacan tece seu argumento em meio às críticas que desfere contra esse autor e contra Thomas Szasz, psicanalista norte americano, de quem comenta um artigo que foi publicado também em 1963, na Internacional Journal of Psychoanalysis (Szasz, 1963). Tornou-se fundamental percorrer essas fontes primárias, apresentando-as ao lado de Lacan no primeiro capítulo, assim como empreender um estudo de alguns dos mais importantes textos que Lacan escreveu, na década de cinquenta, sobre o tratamento analítico, buscando cernir aí, mais precisamente, algumas indicações de Lacan sobre o lugar do analista, alguns pontos que sustenta em seu ensino, desde o Relatório de Roma. Se a proposta de estudar o tema “presença do analista” surgiu a partir de uma reflexão sobre uma prática contemporânea que nomeamos “a céu aberto” (Faria, 2006), passamos a circunscrever nossa pergunta em torno do setting analítico e, ao mesmo tempo, em relação à posição do analista no manejo da transferência, desde Freud. Nesse sentido, retomamos seus principais textos sobre a técnica e buscamos localizar, a partir deles, uma perspectiva freudiana sobre o manejo da transferência: nosso comentário, nesse capítulo, vai desde a decisão de Freud pela “associação livre” como regra fundamental da psicanálise, momento em que decide romper com a sugestão e a hipnose como meio de ação; até as indicações de Freud sobre o futuro da psicanálise. Se Freud recomendava “abstinência” por parte do analista, ele, por sua vez nunca se absteve de responder ao mal estar de seu tempo, em suas Conferências e não recuou diante de novos casos, buscando mostrar sempre mostrar ao seu leitor as possibilidades de uso da psicanálise, assim como seus limites. Introdução Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 5 Por fim, no terceiro capítulo, buscaremos perceber de que forma os avanços conceituais empreendidos por Lacan em seu seminário de 1964 afetam sua concepção de transferência e consequentemente de “presença do analista”. O debate aberto por Lacan com o texto dos pós-freudianos, deixa entrever a importância de uma elucidação acerca da noção de realidade, sobre a noção de inconsciente freudiana e lacaniana (que ganha novo contorno a partir desse seminário), a pulsação temporal própria a essa teorização lacaniana e o modo como ela inspira a direção do tratamento a partir daí. Cientes dos limites de uma dissertação de mestrado, deixamos indicadas algumas perspectivas teóricas abertas a partir do fim desse seminário e, ao mesmo tempo, apresentamos o contexto vivido nos dias atuais, pelos praticantes da psicanálise e o modo como essa prática interroga os textos lidos. Esse trabalho surge como uma questão circunscrita à pratica contemporânea da psicanálise e busca extrair das indicações deixadas por Freud e por Lacan, indicações que permitam enfrentar as novidades da atualidade, nesse “contexto em que a inventividade do terapeuta parece ter mais importância do que o procedimento protocolar do cientista” (Teixeira, 2012, p. 69). Isso supõe que se possa acolher, “nas instituições abertas, a solução subjetiva singular que se apresenta ao modo de um elemento não previsível, não codificado pelos saberes prévios” (p. 69). Nesse sentido, se revisitamos os textos desses teóricos é por que essa perspectiva, a da psicanálise Freud-lacaniana, é nossa orientação. Parafraseando Freud e Lacan – que depois o retoma no mesmo ponto – não se trata aqui de retomar recomendações que sirvam a todos, mas a algo que, de fato, está referido a um interesse particularizado pela psicanálise. Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 6 1 – Sobre a presença do analista segundo Jacques Lacan Na década de sessenta, tanto Sasha Nacht quanto Lacan se dedicaram a um debate em torno da “presença do analista”. Em 1963, Sasha Nacht (1963/1967) lançou um livro com esse título (“La presencia del psicoanalista”), ao passo que Lacan reintroduziu essa reflexão, em uma lição de seu seminário de dedicado aos “Quatro conceitos fundamentais da psicanálise” (1964/1988), lição que inclui essa reflexão na sessão sobre a “Transferência e pulsão”. A respeito da expressão que se destacou naquele ano e que pretendemos elucidar nesta dissertação – “presença do analista” – Lacan (1964/1988) a definiu do seguinte modo: A presença do analista é ela própria uma manifestação do inconsciente, de modo que quando ela se manifesta hoje em dia em certos encontros, como recusa do inconsciente – é uma tendência, e confessada, no pensamento que formulam alguns – isso mesmo deve ser integrado no conceito de inconsciente (...) um movimento do sujeito que só se abre para tornar a se fechar, numa certa pulsação temporal (...) (1964/1988, p. 121) Assim, para retornarmos à citação acima, Lacan a toma como “manifestação do inconsciente”, mas a hipótese aqui apresentada é a de que Nacht seja uma das referências dessa “tendência” que faz de tal presença uma “recusa do inconsciente” que deve ser incluída, segundo Lacan, ao próprio conceito de inconsciente em sua pulsação de abrir-e-fechar. Torna-se, portanto, indispensável conhecer o diálogo travado entre Lacan e alguns pósfreudianos participantes dessa “tendência” que envolvia também concepções sobre o tratamento psicanalítico, o manejo da transferência e o lugar ocupado pelo psicanalista. Considerando os limites próprios a uma Dissertação de Mestrado e o fato de que a expressão que nos interessa esclarecer se encontrar no título de um livro de Nacht, será particularmente esse pósfreudiano que privilegiaremos aqui, além de Thomas Szasz (1963), cujos artigos criticados por Lacan, apresentamos adiante. Assim, entendemos ser pertinentes questionar o que seria portanto, a “presença do analista” para Nacht e Lacan? Como Lacan demarca uma outra perspectiva sobre a “presença do analista”? Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 7 1.1 - Sasha Nacht e uma atitude denominada de presença Medida técnica alguna puede llevar la cura a um fin satisfactorio, si la realidad Del psicoanalista, su ‘presencia’, no están alli para proteger al sujeto contra sus miedos inconscientes y liberarlo progresivamente de ellos. Las ‘tomas de conciencia’ sucesivas, indispensables para la curación, son imposibles o ineficaces si el enfermo no encuentra 1 el apoyo seguro que Le ofrece cierta calidad de ‘presencia’ de su médico. (1963/1967, p. 8) Sasha Nacht é um psicanalista de origem romena, conhecido como uma “référé au courant de la ‘psychologie du moi’”2 (Assoun, 2009, p. 1416). Ele inicia seu curso de medicina na Romênia, onde fica até se mudar para Paris, em 1919, e se torna um dos mais importantes expoentes da SPP, tendo sido nomeado Membro Efetivo, dessa instituição psicanalítica, aos vinte e oito anos, configurando-se como um dos mais jovens da segunda geração a adquirir tal título. Embora tenha se deslocado até Viena para se analisar com Freud, o fato de praticamente não falar alemão fez com que fosse aconselhado por este último a analisar-se com Hartmann (Roudinesco, 1988, p. 226). Nacht, “num encontro franco-britânico, apresenta sua primeira contribuição significativa sobre o papel do ego na técnica” e “retomará esse tema de diversas maneiras, nos anos cinquenta, recusando e posteriormente, aceitando a corrente da psicologia do ego. (Roudinesco, 1988, p. 226)” É a partir desse ponto que nos interessa acompanhar o que esse psicanalista romeno concebe como “presença do analista”, uma vez que tal expressão, como já assinalamos, será utilizada também por Lacan – cujo ensino orienta essa Dissertação – de modo bem diferente e até mesmo oposto. No âmbito histórico, temos um debate político-institucional que buscava uma normatização da psicanálise contra a qual Lacan lutava, apoiando-se na inventividade da descoberta freudiana. Interessa-nos aprofundar na dimensão teórica desse debate porque ele comporta também, uma divergência clínica que afeta o modo como a psicanálise pode ser uma referência em situações 1 Medida técnica nenhuma pode levar a cura a um fim satisfatório, se a realidade do psicanalista, sua presença, não estão ali para proteger o sujeito contra seus medos inconscientes e liberá-lo progressivamente deles. As tomadas de consciência sucessivas, indispensáveis para a cura, são impossíveis ou ineficazes se o enfermo não encontra apoio seguro que lhe oferece certa qualidade de presença de seu médico. (Traduzido pela autora) 2 referência da corrente da ‘psicologia do eu’(Traduzido pela autora) Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 8 relativas ao consultório particular, mas também – o que se faz central nessa Dissertação – em contextos mais amplos, associados a instituições e projetos sociais, quando a clínica sai do setting e é irremediavelmente afetada pelo contexto em que se insere. Nacht propõe uma "nova psicanálise", que levaria em conta, "simultaneamente, o reforço do ego e a integração adaptada das forças agressivas” (Roudinesco, 1988, p. 195). Roudinesco propõe que o questionamento de Lacan, relativo a essa “nova psicanálise” porque ela efetivamente retrocede à inventividade da descoberta freudiana ao “recentrar a teoria do inconsciente numa psicologia da consciência, reduzindo a experiência do tratamento a um trabalho adaptativo, o desejo à necessidade e o psíquico ao biológico (1988, p. 195).” O livro de Nacht (1963/1967) que privilegiaremos aqui é, como já assinalamos, A presença do analista, publicado em 1963, na França. Tal publicação, portanto, aconteceu, na França, um ano antes do Seminário 11 (1964/1988), em que Lacan utiliza essa mesma expressão “presença do analista”, reinventando-a3. O livro é um compilado de conferências, proferidas por Nacht, a partir de junho de 1957, e o último texto cuja data está registrada é de 1960. O autor aborda temas diversos, mas “ todos esclarecen, desde distintos ángulos, dos elementos fundamentales del tratamiento psicoanalítico: (...) por uma parte el miedo como factor esencialmente patógeno, por la outra ló que más adelante denominaré presencia del psicoanalista, cuyo papel es capital”4 (Nacht, 1963/1967, p. 7). Já na introdução desse livro, Nacht salienta o que, a nosso ver, apresenta um efeito dessa “presença do analista” (expressão que aparece invariavelmente em destaque caracterizado pelo uso do itálico das aspas): “ el apaciguamiento del miedo o su eventual eliminación son principalmente uma función de la actitud inconsciente profunda del analista em la situación analítica”5 (p. 7). 3 Título dado à décima lição do seminário de Lacan, dedicado aos quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise (Lacan, 1964/1988). 4 todos esclarecem, a partir de ângulos distintos, dois elementos fundamentais do tratamento psicanalítico (...): por um lado o medo como fator essencialmente patógeno, por outro lado, a presença do psicanalista, cujo papel considera capital (traduzido pela autora). 5 o apaziguamento do medo ou sua eventual eliminação são principalmente uma função da atitude inconsciente profunda do analista na situação analítica (traduzido pela autora). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 9 Um dos pontos onde se apoia a crítica de Nacht à teoria clássica da psicanálise é a aparente desconexão da realidade, proporcionada pelo próprio tratamento psicanalítico. Preocupa-lhe as ““situações emocionais criadas pela transferência” e as “ frustraciones técnicamente impuestas por el analista”6 (Nacht, 1963/1967, p. 60). Lembra-nos de que “Freud siempre insistió em el carácter espontáneo del fenômeno de transferência”7(p. 59), com uma espécie de independência em relação ao analista que teria como função não atrapalhar que a transferência se instalasse. Nacht teme, no entanto, que a neurose de transferência torne-se irredutível, dando lugar a uma análise interminável. Quanto à função da “presença do analista” nesse contexto transferencial e clínico, seu texto oferece o seguinte esclarecimento: el enfermo deba percibir em esa “presencia” uma constante disponibilidad y uma acogida incondicional, uma paciência ilimitada y uma capacidad de entrega, que resumen para El esse amor del cual se siente separado desde la infância y del que tiene necesidad para aprender a vivir. Por ello me parece que esa actitud profunda del analista – siempre que sea auténtica – debe sustituir, durante ciertas fases del tratamiento, a la 8 actitud de “neutralidad” clásicamente prescrita y a menudo demasiado rígida (Nacht, 1963/1967, p. 9). Nacht não ignora que sua proposta “no concuerda com la actitud generalmente prescrita por la técnica psicoanalítica clásica” 9 (1963/1967, p. 38). Toma o tratamento psicanalítico através da perspectiva do fortalecimento do eu e que tem na “presença do analista” um aliado decisivo: “todo sucede como si lós rastros dejados por las antiguas experiências afectivas dolorosas solo pudiesen ser borrados por la experiencia afectiva nueva, vivida junto al 6 frustrações tecnicamente impostas pelo analista (traduzido pela autora) 7 Freud sempre insistiu no caráter espontâneo do fenômeno de transferência (traduzido pela autora). 8 o enfermo deve perceber nessa presença uma constante disponibilidade e uma acolhida incondicional, uma paciência ilimitada e uma capacidade de entrega que resumem para ele esse amor do qual se sente separado desde a infância e de que tem necessidade para aprender a viver. Por isso me parece que essa atitude profunda do analista – sempre que for autentica – deve substituir, durante certas fases do tratamento, a atitude de ‘neutralidade’ classicamente prescrita e frequentemente demasiado rígida (traduzido pela autora). 9 não concorda com a atitude geralmente prescrita pela técnica psicanalítica clássica (traduzido pela autora). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 10 analista” 10 (p. 37). Propõe uma distinção entre a “realidad psíquica” 11 e a realidade objetivamente traumatizante, destacando as situações em que “el impacto de la realidad ambiente es demasiado violento lãs mencionadas posibilidades de defensa se encuentran desbordadas” 12 (p. 36). Nesse contexto, sua aposta é de que as funções do eu não escapariam à desintegração e sua função de controle e “armonioso domínio de los estímulos externos e internos” 13 estaria profundamente alterada (p. 37). A estas alterações produzidas externamente no “eu”, ele chama de deformações e é diante dessas situações que Nacht espera do analista uma “actitud profunda real” 14 (p. 39). Sem a pretensão de aprofundar aqui o que exatamente é estabelecido como tais deformações do eu, interessa-nos destacar que essa alteração externa, que afeta objetivamente a vida dos pacientes como uma “doença orgânica” (Nacht, 1963/1967, p. 37) ou “situações reais de violência e miséria” (p. 39), incidiria diretamente no modo como o analista se posiciona diante do paciente, o que estabelece uma posição clara frente aos objetivos da psicanálise. Nacht reconhece que as alterações que propõe trariam “riesgos de grave alteración de la situación de la situación analítica”15, mas ele próprio também aposta que “todo depende de la calidad y de la personalidad del analista, del domínio que posea em el manejo de su posición contratransferencial” 16 (1963/1967, p. 39).” Diz que a “manera de ser profunda”17 do analista produziria uma abertura que permitiria a um paciente “no chocar ya contra la superfície 10 tudo sucede como se os rastros deixados por antigas experiências afetivas dolorosas só pudessem ser apagadas pela experiência afetiva nova, vivida junto ao analista (traduzido pela autora). 11 realidade psíquica (traduzido pela autora). 12 o impacto da realidade ambiente é demasiado violenta, as mencionadas possibilidades de defesa estariam extrapoladas (traduzido pela autora). 13 harmonioso domínio entre estímulos externos e internos (traduzido pela autora). 14 atitude profunda (traduzido pela autora) 15 riscos de grave alteração da situação analítica (traduzido pela autora). 16 tudo depende da qualidade e da personalidade do analista, do domínio que possua no manejo de sua posição contratransferencial (traduzido pela autora). 17 maneira profunda de ser (traduzido pela autora). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 11 lisa de um ‘espejo’ que Le devuelve únicamente su propia imagem”18 (p. 39). A situação analítica, para Nacht, evoca necessidades primárias, estabelecendo a perspectiva transferencial primeira, em que mãe e filho viviam de modo indistinto. Ele se preocupa com uma regressão profunda, provocada pela neurose de transferência19: Nous penson qu'il est capital d'éviter que le malade ne descende marche après march l'échelle de la régression et n'aboutisse à un stade si archaïque d'union qu'il ne puisse plus renoncer à ces délices. Dans ces conditions on pourra encore sans doute mettre fin à l'analyse - on ne mettra jamais fin à la régression. Et ce n'est pas de fixer un terme à l'analyse qui fixera un terme a la régression. On aura ainsi conduit le malade à s'immobiliser à um stade de régression qui réalise au niveau le plus profond une aspiration si essentielle qu'il n'est plus de mesure technique capable de l'y faire renoncer: 20 le moyen, la situacion analytique, est devenu une fin en soi (p. 60) Mostra-se sensível a esses riscos, de que o paciente se mantivesse numa espécie de interior da transferência, que desconsidera destacada da vida real e mais uma vez critica a “ ‘neutralidad’, demasiado supersticiosamente respetada”21 e propõe que ela seja substituída por uma “actitud de ‘presencia’, la única capaz de poner um obstáculo al mundo cerrado e irreal em la cual se arraiga la regresión (Nacht, 1963/1967, p. 55). 22 Desse modo, el psicoanalista no aceptará ya encarnar um mito. (...) Esta ‘presencia’ nueva del terapeuta tiende a romper al encanto fantasmático de la regresión y a introducir em la 18 não se chocar diante da superfície lisa do espelho, que lhe devolve unicamente sua própria imagem (traduzido pela autora). 19 Assim como Freud, Nacht também pensa que o destino da transferência é sua dissolução, entretanto, a forma como propõe que isso se dê é muito distinta daquela pensada e proposta por Freud e mesmo pela leitura lacaniana de um final de análise. 20 Pensamos que é fundamental evitar que o doente desça passo a passo a escada da regressão e chegue a um estágio tão arcaico de união que ele não possa mais renunciar a essas delícias. Nestas condições poderíamos ainda, sem dúvida, por fim a análise – jamais poremos fim à regressão. Não é por fixar um fim a análise que se fixará um fim à regressão. Teremos assim conduzido o doente a imobilizar-se em um estágio de regressão que realiza no nível mais profundo uma aspiração tão essencial que não há mais medida técnica capaz de fazê-lo renunciar: o meio, a situação analítica é tornada um fim em si (traduzido pela autora que, nesse caso, diante de uma dificuldade de compreensão do texto em castellano, precisou recorrer ao texto original, em francês) 21 neutralidade demasiado supersticiosamente respeitada (traduzido pela autora). 22 atitude de ‘presença’, a única capaz de por um obstáculo ao mundo fechado e irreal no qual se arraiga a regressão (traduzido pela autora). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 12 situación analítica el principio de realidad del cual el psicoanalista debe ser para su 23 paciente el representante más seguro (p. 55) Nesse mesmo contexto onde a presença do analista, para Nacht, faz valer o princípio de realidade e rompe com o mundo fantasioso da neurose de transferência, a palavra do analista (a interpretação) “es sentida como um distanciamiento intolerable y como la ruptura de la unión, evoca com fuerza la Idea de um vínculo primário, de uma indistinción em la cual el sujeto tiende a condirse com su objeto em uma unidad indiferenciada (1963/1967, p. 51).”24 Nacht acredita na importância de se evitar a frustração no paciente decorrente de uma atitude de neutralidade absoluta por parte do analista. Assim, considera fundamental que a atitude de neutralidade, “prescrita al analista por la técnica clásica” (Nacht, 1963/1967, p. 64)25, seja “respeitada” somente num primeiro momento do tratamento, ao passo que, depois, numa fase avançada do tratamento, sugere o “término da neutralidade”,. Acreditava que a neutralidade teria “perdido su eficácia, e inclusive paralizaba, em mayor o menor medida, la marcha del tratamiento: la ‘neutralidad’ se había convertido em uma espécie de rutina que permitia al paciente estabilizarse tranquila y firmemente em la neurosis de transferência”26 (Nacht, 19631967, p. 67). Ao longo dos textos de Nacht, compilados no seu livro que nos serve aqui de referência, vemos a expressão “presença do analista” é associada a algumas qualidades: “apaziguadora”, “gratificante”, “tranquilizadora”, “apoio seguro” – esses são alguns dos predicados que acompanham a reflexão proposta por Nacht sobre a atitude do analista, na situação analítica. Trata-se, segundo suas indicações, de “hacerse “presente” de outra manera”27 (Nacht, 23 o psicanalista não aceitará encarnar um mito. (...) Esta nova ‘presença’ do terapeuta tende a romper o encanto fantasmático da regressão e a introduzir na situação analítica o princípio de realidade do qual o psicanalista deve ser para seu paciente o representante mais seguro (traduzido pela autora) 24 é sentida como um distanciamento intolerável e como a ruptura da união, evoca com força a ideia de um vínculo primário, de uma indistinção na qual o sujeito tende a confundir-se com seu objeto numa unidade indiferenciada (traduzido pela autora). 25 prescrita pela técnica clássica (traduzido pela autora). 26 perdido sua eficácia e inclusive paralisava, em maior ou menor medida, o ritmo do tratamento: a neutralidade se havia convertido em uma espécie de rotina que permitiria ao paciente estabilizar-se tranquila e firmemente na neurose de transferência (traduzido pela autora). 27 fazer-se presente de outra maneira (traduzido pela autora). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 13 1963/1967, p. 68). Afinal, de início, o analista não está “insertado em la realidad para el enfermo” 28 , mas, à medida que o tratamento avança, “es preciso ayudarloa ello”29” nessa inserção e isso só é possível quando o analista se integra “suave pero firmemente, em la realidad exterior, objetiva”30 através das interpretações que conduzirão o paciente “cada vez más hacia el mundo real, y cada vez menos hacia el mundo cerrado de la transferencia”31, de modo que “cuanto mayor sea la firmeza con que se establezca el analista em la realidad, más rápidamente abandonará el campo afectivo del enfermo”32 (p. 68) Segundo Nacht, “la suerte de este depende menos, em definitiva, de las habilidades técnicas que de las actitudes profundas, reales, del analista. Lo que este dice o hace tiene, por cierto, suma importância, pero no más de la que tiene ló que es”.”33 (Nacht, 1963/1967, p. 72) Se assim podem ser nomeadas, as “recomendações” que Nacht apresenta ao psicanalista, como veremos mais adiante divergem do que Lacan vai propor como “presença do analista”. Segundo Nacht, “no lês basta com esperar, com imaginar que el analista es indulgente o inclusive Bueno. Es preciso que ló sea, sin equívocos”34 (Nacht, 1963/1967, p. 71). Ele assinala que a leitura das publicações psicanalíticas sugere que se analisava, naquele tempo (1963), exatamente como trinta ou cinquenta anos antes, e destaca, no capítulo dedicado aos “Fatores de cura”, que as enfermidades não eram mais as mesmas que no período dos trabalhos de Freud: naquele momento lidavam com o chamado “Mal do século” 35 e, 28 inserido na realidade para o paciente (traduzido pela autora). 29 é preciso ajudá-lo (traduzido pela autora). 30 suave, mas firmemente, na realidade exterior, objetiva (traduzido pela autora). 31 cada vez mais para o mundo real e cada vez menos para o mundo fechado da transferência (traduzido pela autora). 32 quanto maior for a firmeza com que se estabeleça o analista na realidade, mais rapidamente abandonará o campo afetivo do paciente((traduzido pela autora). 33 o sucesso do tratamento depende menos das habilidades técnicas do que das atitudes profundas, “reais” do analista: o que este diz ou faz tem, por certo, suma importância, mas não mais do que tem o que é (traduzido pela autora). 34 não basta esperar, imaginar que o analista é indulgente ou inclusive bom. É preciso que ele o seja, sem equívocos.(traduzido pela autora). 35 que sofrem simplesmente de viver (...) o homem de hoje sofre, antes que nada, por não poder desplegar sus cargas no mundo em que vive (e por conseguinte, a si mesmo) de forma satisfatória. Sua capacidade de amar – e portanto sua atitude para viver plenamente – é sufocada por uma agressividade que a vida moderna alimenta sem cessar e reprime a cada vez .(tradução da autora). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 14 segundo Nacht, não há dúvidas de que essa é uma das razões pelas quais os conflitos que o homem deveria encarar, naquela época, “o levam, em uma medida muito maior, pelo caminho da regressão a etapas preedipicas” (1963/1967, p. 156). Para ele, “a relação do ser com o mundo a que o doente estabelecerá, necessariamente na situação analítica, não é idêntica a que existia quando Freud enunciou a técnica psicanalítica” (p. 156). Sasha Nacht aposta, portanto, num método adaptado àquilo que ele reconhece como as mudanças próprias a seu tempo, mudanças técnicas, em que a “atitude interior profunda”, a “pessoa do analista” são os fatores decisivos para a cura, bem mais importantes do que, por exemplo, a interpretação, muitas vezes considerada, por autores diversos como o principal “meio de ação” do analista. Centra, portanto, sua perspectiva numa nova proposta técnica: a “qualidade” (1963/1967, p. 158) da pessoa do analista e a necessidade de que sua atitude não “frustre” ainda mais o analisando. Para ele o reforço do “eu” só pode acontecer “em um clima de quietude, de segurança: o doente só o encontrará em uma relação realmente tranquilizadora com o analista” (p. 158). Para ele, no trabalho terapêutico, “o que o analista é, autenticamente, no mais profundo de si mesmo, importa mais do que o que ele decide ser, de maneira racional, ao lado de seu paciente”(p. 158). Citando Hipócrates 36 , defenderá que “a atitude do analista, quando está cheia de bondade incondicional, se converte então, e só então, nesse apoio e essa força necessários ao paciente, para vencer o temor que obstaculiza o caminho para a cura” (p. 164). Nacht utiliza uma orientação freudiana para justificar a adaptação que propõe e, podemos inferir, a partir dos textos lidos, que Lacan faria outra leitura dessa afirmação de Freud (em carta a Ferenczi), retomada por Sasha Nacht: “Yo consideraba que la cosa más importante que había que decir era lo que no hay que hacer, a fin de evitar lo que pueda alejar del espíritu del análisis. El resultado es que lós analistas no han entendido la elasticidas de lãs 36 “’Muitos doentes, tão conscientes como são do perigo, voltam a encontrar a saúde e a alegria que lhes inspira a bondade de seu médico.’” (Hipocrates apud Nacht, 1963/1967, p. 164). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 15 reglas que estabeleci, y que hicieron de ellas ‘tabús’”37 (Freud apud Ferenczi apud Nacht, 1963/1967, p. 159). Veremos, portanto, que a posição de Lacan, com relação à lógica na direção do tratamento, em sua leitura freudiana, desde a década de cinquenta e, mais exatamente, nesse momento histórico, em que o debate sobre a presença do analista de fato se destaca, entre os psicanalistas. 1.2 – Sobre direção do tratamento , segundo Lacan, nos anos cinquenta De acordo com a “História do da Psicanálise na França”, "Lacan se opõe ... à psicologia do ego e designa o ego como o 'síndico das mais móveis funções pelas quais o homem se adapta à realidade” (Roudinesco, 1988, p. 194). De fato, ele não foi o único a fazer tal oposição: os psicanalistas da chamada segunda geração na França não concordavam com essa, digamos, adaptação da psicanálise à realidade. Mesmo assim, Lacan ocupa "uma posição de vanguarda, pelo fato de seus trabalhos da juventude já terem promovido uma ruptura na história do movimento francês” e foi “o único a fabricar os instrumentos teóricos necessários a uma reformulação realmente 'freudiana' da obra freudiana”, realizando o paradoxo de tornar-se “lacaniano por ser freudiano” (p. 195). No que concerne mais especificamente a sua diferença com o que pretendia Sasha Nacht, a proposta de Lacan “não recusa nem a via universitária nem a via médica, mas faz com que ambas dependam do primado de uma política da psicanálise” e, “por conseguinte, é a uma nova ortodoxia, diferente da de Nacht, que se prende o projeto lacaniano”, - analisa Roudinesco - uma vez que “Lacan é o primeiro mestre da segunda geração a dotar o movimento francês de uma política da psicanálise articulada com uma teoria da formação” (pp. 244-245). Roudinesco considera Dolto e Lacan “os únicos de sua geração, na SFP38, a ensinar um saber freudiano desembaraçado de todo vínculo com a 37 Eu considerava que a coisa mais importante que havia para ser dita era o que o não se deve fazer a fim de evitar o que poderia aniquilar o espírito da análise. O resultado é que os analistas não entenderam a elasticidade das regras que estabeleci, e fizeram delas tabus (traduzido pela autora). 38 Sociedade Freudiana de Paris Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 16 tradição francesa da psicologia universitária.” (Roudinesco, 2008, p. 333) Segundo a autora, Lacan teria realizado uma perfeita síntese entre as duas grandes vias sempre necessárias para a implantação do freudismo em qualquer país: a via médica, pela qual uma ciência da clínica apropria-se do domínio da loucura, e a via intelectual (literária ou filosófica), a única capaz de dotar uma doutrina de um fundamento teórico. (p. 334) No verão de 1953, Lacan foi pela primeira vez reprovado em um dos “exames de candidatura” da SPP39. Um dos argumentos que tornavam Lacan inaceitável para a SPP, nesse ano, era sua desobediência a um “padrão”. Segundo Roudinesco, a avaliação realizada apontou que Françoise Dolto e Jacques Lacan, embora não se assemelhassem no modo como formavam os alunos, não controlavam estritamente suas intervenções em função da transferência, da contratransferência e das resistências. Não interpretavam os enunciados, de seus pacientes em momentos muito precisos do desenrolar da análise, não eram adeptos do cronômetro e não seguiam sistematicamente a regra das quatro ou cinco sessões 40 semanais obrigatórias. Lacan (...) fora analisado por um puro técnico ipeísta ele passava a abominar as regras que este lhes impusera. E foi a essa falta de ‘tecnicidade’ que foram sensíveis os membros da comissão. (Roudinesco, 2008, p. 335) Depois de revisitar essa História da Psicanálise na França, fica ainda mais claro por que Lacan colocou acento tão rigoroso em alguns pontos teóricos sobre a direção do tratamento analítico, especialmente a partir de seu pronunciamento, no Congresso de Roma (1953), texto que publicou nos Escritos (1953/1998b) sob o nome de “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”: “o Relatório de Roma e a conferência que o antecede constituem um primeiro passo para a elaboração de uma teoria do tratamento, sua direção, sua temporalidade e suas pontuações (Roudinesco, 2008, p. 274)” e este é o ponto que nos interessa ressaltar aqui –, a perspectiva teórica da clínica psicanalítica, feita por Lacan, a partir da diferença que ele sustentou frente à IPA especialmente entre 1953 e 1964. Além de se recusar a uma normatização exigida pelas regras técnicas preconizadas pela IPA e debatidas, 39 Sociedade Psicanalítica de Paris 40 Referente à IPA, Associação Internacional de Psicanálise, fundada por Freud, mas não dirigida diretamente por ele. Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 17 de modo explícito ou não, nos primeiros anos de seu ensino, Lacan fundou uma possibilidade de construir uma teoria da clínica que estaria, sim, apoiada em Freud, mas que comportasse os desvios, exigidos pelo caso a caso e pela exigência de se reinventar, a cada vez, a psicanálise, em relação ao “tratamento padrão41”. Lacan se dedica, desde “Função e campo da fala e da linguagem em psicanálise”, a conceitualizar e atualizar o que estava implicado na direção do tratamento desde a fundação da “talking cure” 42. No contexto de 1953, Lacan julgava importante fazer este retorno aos princípios freudianos, destacando, naquele momento, os estudos sobre a função da fala como fundamentais: “desde Freud, esse campo central de nosso domínio caiu no abandono” (1953/1998b, p. 245). Trata-se de uma resposta de Lacan diante do que verificava como “problemas atuais” daquele período: 1) a função do imaginário, 2) as noções das relações libidinais de objeto e 3) a importância da contratransferência. Esses três problemas teriam um traço comum: “trata-se da tentação que se apresenta ao analista de abandonar o fundamento da fala, justamente em campos em que sua utilização, por confinar com o inefável, exigiria mais do que nunca seu exame: a saber, a pedagogia materna, a ajuda samaritana e a mestria/dominação dialética.” (p. 244). Anos antes, no texto intitulado “Intervenção sobre a transferência” (1951/1998c), Lacan coloca que “numa psicanálise, com efeito, o sujeito propriamente dito constitui-se por um discurso em que a simples presença do psicanalista introduz, antes de qualquer intervenção, a dimensão do diálogo” (p. 215). Segundo Lacan, a técnica “não pode ser compreendida nem corretamente aplicada, portanto, quando se desconhecem os conceitos que a fundamentam” e que “só adquirem pleno sentido ao se orientarem num campo de linguagem, ao se ordenarem na função da fala” porque “a psicanálise dispõe de apenas um meio: a fala do paciente” (1953/1998b, pp. 247–248)”. Nesse mesmo contexto, ele ressalta que “não há fala sem resposta, mesmo que depare apenas com o silêncio, desde que ela tenha um ouvinte, e que é esse o cerne 41 Referência ao texto “Variantes do tratamento padrão” (1955), publicado nos Escritos (1966). 42 “Talking cure” (“tratamento pela fala”) foi como Anna O., paciente de Breuer e, denominou o método de tratamento instaurado Freud como psicanálise.. (Lacan, 1953/1998b, p. 255) Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 18 de sua função na análise” (p. 249). Se o psicanalista ignorar essa premissa, “é para-além da fala que irá buscar uma realidade que preencha esse vazio” e, “assim, ele passa a analisar o comportamento do sujeito para ali encontrar o que ele não diz” (Lacan, 1953/1998b, p. 249). Lacan analisa, também criticamente, a noção de “frustração” a que Nacht, entre outros analistas dessa época, faz constante referência. No caso dessa noção, em um parágrafo acrescentado em 1966, poderemos ler o seguinte: de onde vem essa frustração? Será do silêncio do analista? Uma resposta à fala vazia, mesmo e sobretudo probatória, frequentemente mostra por seus efeitos que é bem mais frustrante do que o silêncio. Não se tratará, antes, de uma frustração que seria inerente ao próprio discurso do sujeito? (p. 250) Lacan, nesse momento de sua obra, tecia uma crítica direta aos teóricos que se orientavam pelo reforço do eu: “Esse ego, cuja força nossos teóricos definem agora pela capacidade de suportar uma frustração, é frustração em sua essência. (...) frustração em segundo grau, portanto, e de tal ordem que, viesse o sujeito a reduzir-lhe a forma em seu discurso à imagem apassivadora pela qual o sujeito se faz objeto na exibição do espelho, não poderia satisfazer-se com ela, uma vez que, mesmo atingindo nessa imagem sua mais perfeita semelhança, seria ainda o gozo do outro que ele faria reconhecer ali. É por isso que não há resposta adequada para esse discurso, pois o sujeito tomará por desprezo qualquer fala que se comprometa com seu equívoco” (Lacan, 1953/1998b, p. 251). As indicações de Lacan apontam para uma crítica de certa “objetividade da psicanálise” pautada pela realidade: “nada extraviaria mais o psicanalista do que procurar guiar-se por um pretenso contato experimentado com a realidade do sujeito (Lacan, 1953/1998b, p. 254).” Lacan busca “resgatar o sentido da experiência” (p. 268) da psicanálise a fim de não “degenerar sua técnica”, mas não deixa de considerar que já nesse tempo, tal degeneração é um fato contra o qual é preciso se posicionar (p. 268): não considera nada melhor, para esse fim, “do que retornar à obra de Freud” (p. 268). Para ele, a “arte do analista” estaria no lugar da suspensão das certezas do sujeito, “até que se consumem suas últimas miragens. E é no discurso que deve escandir-se a resolução delas” (p. 253) e não num “objeto para-além da fala do sujeito”. Ele esclarece sua posição: Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 19 “O único objeto que está ao alcance do analista é a relação imaginária que o liga ao sujeito como o eu , e, na impossibilidade de eliminá-la, é-lhe possível servir-se dela para regular o afluxo de seus ouvidos (...) ouvidos para não ouvir, ou, dito de outra maneira, para fazer a detecção do que deve ser ouvido” (Lacan, 1953/1998b, p. 255). A proposta de Lacan implica que o sujeito espera, com sua fala, uma resposta do outro – e “uma reação não é uma resposta” - , uma vez que “a função da linguagem não é informar, mas evocar” (p. 301). Nesse sentido, se o sujeito se constitui por sua pergunta mesma – como afirma Lacan, nesse texto - para se fazer reconhecer pelo outro, então, a “responsabilidade do analista, toda vez que ele intervém pela fala”, a “função decisiva de sua própria resposta, e que não é apenas como se diz, a de ser aceita pelo sujeito como aprovação ou rejeição de seu discurso, mas realmente, a de reconhecê-lo ou aboli-lo como sujeito” (Lacan, 1953/1998b, p. 301). Isso faz toda diferença. Estreitando sua crítica à “ortopedia psicológica” que tomou conta da Europa naquele período, é apresentada ainda a seguinte advertência: “para saber como responder ao sujeito na análise, o método consiste em reconhecer primeiro o lugar em que está seu ego, esse ego que o próprio Freud definiu como ego formado por um núcleo verbal; em outras palavras, em saber através de quem e a quem o sujeito formula sua pergunta” (p. 304). Com Lacan, é possível afirmar que “é sempre, portanto, na relação do eu do sujeito com o [eu] de seu discurso que vocês precisam compreender o sentido do discurso (Lacan, 1953/1998b, p. 305).” Lacan mostra que o erro de alguns pós-freudianos, ao interpretar Freud, pode ter sido inspirado pela “terminologia da tópica, demasiado tentadora para o pensamento objetivante, permitindo-lhe deslizar do eu, definido como o sistema percepção consciência, isto é, como o sistema das objetivações do paciente” (Lacan, 1953/1998b, p. 305). Situa a “abstinência do analista, sua recusa a responder” como um elemento da “realidade da análise” (p. 310) e sustenta que a “neutralidade” aplicada “estritamente” como “regra” manteria a via de um “não-agir” do analista e que conviria à experiência analítica (p. 315). Esse “não-agir”, entretanto, tem limites, ou, então, como o próprio Lacan pontua, “não haveria intervenção” (p. 315).” É justamente nesse viés, o da Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 20 intervenção do analista, que Lacan enfatiza ao longo de seu ensino e particularmente nesse contexto dos anos 1950 em que é forte o apelo pela normatização do método psicanalítico defendido pela IPA visando a uma pretensa unidade dessa sociedade de formação de analistas e cuja tarefa seria a de regular a atuação dos seus membros. No texto, Variantes do tratamento padrão (1955/1998d), Lacan esclarece que o termo “variantes”, do título de seu artigo, não se refere à adaptação do tratamento e nem à variedade dos casos, mas, sim a “uma preocupação, inquieta até, com a pureza nos meios e fins”. Trata-se, ele continua, “de um rigor de alguma forma ético, fora do qual qualquer tratamento, mesmo recheado de conhecimentos psicanalíticos, não pode ser senão psicoterapia” (p. 326). Isso por que Lacan defende que a “a psicanálise não é uma terapêutica como as outras (p. 326)”. O rigor a que ele se dedica, para diferenciar a psicanálise de uma psicoterapia, exige formalização teórica acerca do método psicanalítico, mais além das concepções de cura ou mesmo do furor sanandi (p. 326) a que muitos analistas estariam entregues. Ainda que tenha adotado uma perspectiva que soa como uma tautologia, ele propõe “apenas um único critério” por ser este “o único de que dispõe o médico” (no caso, o psicanalista): “uma psicanálise, padrão ou não, é o tratamento que se espera de um psicanalista” (p. 331). Lacan destaca a dimensão irônica desse critério porque, ao procurar responder a um impasse sobre as variantes do tratamento analítico perante a resposta dogmática que elas recebem da IPA com a proposição de um padrão, tal critério não deixa de reiterar, mas de modo irônico, um dogma ao se formular como “um juízo sintético a priori” (1955/1998d, p. 331). Essa expressão “juízo sintético a priori” é, como evoca Lacan em sua menção à “razão prática” (p. 331), kantiana, e indica o que não é derivado da experiência, mas que dá a esta sua condição de possibilidade. Assim, onde a IPA apresenta um padrão para regular a experiência analítica de modo a tal ponto dogmático que justificará, por exemplo, em 1964, a expulsão de Lacan do quadro de seus membros, Lacan faz valer, com um pouco menos de uma década de antecedência e com ironia, um critério dogmático, mas com influência kantiana. Os limites inerentes a esse texto nos impede de aprofundar nessa discussão Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 21 onde a filosofia de Kant é introduzida, mas nos pareceu importante assinalar tal introdução e sua ironia. Interessa-nos, muito mais, o que Lacan vai propor a seguir: “...se a via da psicanálise é contestada, na questão de suas variantes”, do que não segue o padrão exigido então pela IPA (4 sessões semanais, hora de 50 minutos, etc), a psicanálise passa a ter “uma existência tão precária” a ponto de pressupor “que um homem a sustente, e que seja um homem real” (p. 332). A responsabilidade que Lacan atribui a um psicanalista, a partir desse texto, ele a estabelece a partir de “sua posição de ouvinte (...) por estar a seu critério como intérprete, repercute numa intimação secreta, que ele não pode afastar nem mesmo ao se calar (1955/1998d, p. 333)”. Nesse sentido, Lacan parece-nos continuar e aprofundar, nesse texto, em muitas de suas proposições do Relatório de Roma, dedicando-se, inclusive, a três pontos43 que destacou como impasses para a psicanálise, naquela ocasião, além de manter sua investigação acerca do lugar que o analista ocupa na situação analítica. Desenvolve uma reflexão acerca do lugar do Eu no tratamento, bem como aprofunda nos aspectos relacionados ao imaginário da situação analítica, assim como sobre a chamada “contratransferência”, que em nota que acrescentou em 1966 descreve como “a transferência no analista (Lacan, 1953/1998b, p. 241)”. Retoma a importância de que o analista se analise e relembra que Freud teria dito sobre a impossibilidade de se atingir um grau de normalidade em si a que gostaria que chegassem os pacientes (Lacan, 1955/1998d, p. 342). Deste modo, o analista não se distinguiria por ter necessariamente concluído sua análise e alcançado dado modo de normalidade, mas “por fazer de uma função que é comum a todos os homens um uso que não está ao alcance de todo o mundo, quando ele porta a palavra falada (p. 352).” Este ponto Lacan aprofunda ao longo de toda sua teoria sobre o lugar do psicanalista no tratamento. Para precisarmos a concepção lacaniana da “presença do analista” e suas diferenças com relação à de Nacht, é importante verificar como Lacan lida com o destaque dado ao imaginário: 43 Os três pontos são: a função do imaginário, as noções das relações libidinais de objeto e a importância da contratransferência (ver p.18 dessa dissertação). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 22 desmitificando o sentido do que a teoria chama de ‘identificações primárias’, digamos que o sujeito sempre impõe ao outro, na diversidade radical dos modos de relação, que vão desde a invocação da fala até a simpatia mais imediata, uma forma imaginária (...) e essa forma não é outra senão o Eu (Lacan, 1955/1998d, p. 348). Lacan problematiza o imaginário na análise, pois a Psicologia do Ego e mesmo o padrão preconizado pela IPA davam um lugar determinante a essa instância psíquica atormentada pelos conflitos com o que se traduziu como “Id” e como “Superego”, sem no entanto se darem conta de sua dimensão imaginária e mesmo alienada. Outra justificativa para essa problematização realizada por Lacan é a tendência do sujeito neurótico de concentrar sua fala e suas questões nesse registro e isso requer que o analista seja, portanto, “invisível para o sujeito”: “ele sabe que não lhe convém responder aos apelos (...) sob pena de ver ganhar corpo o amor transferencial (...) e o analista sabe também que conforme a carência de sua resposta, provocará no sujeito a agressividade ou até o ódio da transferência negativa (1955/1998d, p. 349).” Neste ponto, Lacan insiste sobre a importância do lugar a que se responde: ao simplesmente acomodar sua visada no objeto do qual o Eu do sujeito é a imagem (...) ele se colocará, não menos ingenuamente do que faz o próprio sujeito, sob a influência dos artifícios de seu próprio Eu. E o efeito, aqui, não é tanto para ser medido nas miragens que eles produzem, mas na distância que determinam de sua relação com o objeto (p. 349). Na sessão desse texto, que dedica ao tema Do Eu na análise e de sua finalidade no analista, Lacan considera fundamental a virada na técnica da psicanálise, que Freud imprimiu em 1920: à pergunta ‘quem resiste?’, a primeira doutrina responderia “o Eu”. É nesse ponto que Lacan deflagra o engodo da “nova orientação da técnica”, pois “ela responde da mesma maneira, desprezando o fato de estar-se opondo ao Eu cujo sentido o seu oráculo, Freud, acaba de modificar, ao instalá-lo em sua nova tópica, em que (...) a resistência não é privilégio do Eu, mas também do Isso e do Supereu” (Lacan, 1955/1998d, p. 336). Ele critica a “função sintética do eu”, “objetivada pelos psicólogos” que seria uma espécie de “miragem do domínio de suas funções.” (p. 347). Critica, também, a leitura confusa que os pós-freudianos fizeram do texto freudiano ao não distinguirem muito claramente a “resistência” e a “defesa” empreendidas pelo “Eu” (p. 338). Utilizando o texto de Anna Freud Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 23 como exemplo44, e comenta que o “simples emprego semântico que (...) faz do termo Eu, como sujeito do verbo, mostra suficientemente a transgressão que ela lhe consagra, e mostra que, no desvio desde então aceito, o Eu é realmente o sujeito objetivado cujos mecanismos de defesa constituem a resistência” (p. 338). Desse modo, Lacan compara esse tipo de tratamento a um “ataque que postula como princípio a existência de uma sucessão de sistemas de defesa no sujeito” (p. 338): ele indica certa confusão por parte desses analistas, na interpretação que fazem do eu e também da presença do sujeito em análise, afinal, o discurso do sujeito vinha sendo, em sua opinião, desvalorizado como signo: “qualquer outra manifestação da presença do sujeito logo parece dever ser-lhe preferida”, desde o modo como se apresenta, na chegada a sessão, até o cumprimento, na despedida, por exemplo. Deste modo, se sua “atitude na sessão prende mais a atenção do que um erro de sintaxe” (p. 339), Lacan propõe que essa perspectiva teórica, que critica, coloca a necessidade de que o analista “se torne um aliado da parte sadia do Eu do sujeito”, ou, ainda, que “o término da análise implica a identificação do sujeito com o Eu do analista, na medida em que este Eu o analisa”(p. 340). O problema, para Lacan é que, ao excluir sua relação com o sujeito de qualquer fundamentação da fala, o analista nada pode comunicar-lhe que não extraia de um saber preconcebido ou de uma intuição imediata, Isto é, que não esteja submetido à organização de seu próprio Eu (p. 341). É nesse sentido que Lacan acrescenta, posteriormente, uma nota de rodapé (1966), em que a contratransferência aparece como a “transferência no analista” (1955/1998d, p. 341), ao mesmo tempo em que lança uma pergunta que tomamos aqui como orientação -a respeito do Eu do analista: “não será esse osso que exige que o psicanalista tenha que ser psicanalisado (...)” (p. 342)? A questão da “pessoa”, do “homem real” e mesmo da neutralidade, do modo como o analista ocupará seu lugar na situação analítica ganhou destaque e importantes divergências teóricas sobre a clínica e isso ocupa os 44 Livro citado por Lacan: Freud, A. (1982). O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira. Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 24 principais psicanalistas daquele tempo, sendo tema recorrente em colóquios e conferências internacionais, além de ser debatido ao longo do ensino de Lacan. Ele próprio, em Variantes do Tratamento Padrão dirá que “a recomendação corrente de uma neutralidade benevolente não traz uma indicação suficiente (Lacan, 1955/1998d, p. 350).” Entretanto, para Lacan, o analista se distingue de um “homem como todo mundo”, mas não porque foi purificado pelo tratamento analítico adquirindo um “Ego” mais forte ou mais livre dos conflitos. Como vimos, o analista para Lacan é diferente de um “homem como todo mundo”, de um “homem real”, “por fazer de uma função que é comum a todos os homens [a função da fala] um uso que não está ao alcance de todo o mundo, quando ele porta a palavra falada” (p. 352). Afinal, continua Lacan, pelo simples fato de acolher a fala do sujeito “no silêncio do ouvinte” (p. 352), ao efetivamente escutá-lo calando-se “em vez de responder”, essa resposta silenciosa do analista é o que marca sua diferença. Numa conversa qualquer, as pessoas são/se sentem impelidas, pelas mais diversas razões, a responder ao que lhes é dito, muitas vezes com um conselho, por exemplo. A função do analista, para Lacan, não reside aí, numa comunicação qualquer. Alguns anos mais tarde, em 1958, Lacan escreve um artigo que é apresentado no Colóquio Internacional de Royaumont (Assoun, 2009, p. 418) e publicado primeiramente em La Psychanalyse, intitulado “A direção do tratamento e os princípios de seu poder”. Lacan retoma com veemência as questões que vinha debatendo anteriormente, destacando que é “pelo lado do analista” que o tema ressaltado nesse título seria retomado (Lacan, 1958/1998a, p. 593). Ele evoca a perspectiva de uma direção por parte do analista ao afirmar que este último é quem dirige o tratamento, mas isso não coincide com uma direção do paciente, “uma direção de consciência, no sentido do guia moral” porque “a direção do tratamento é outra coisa”, consistindo, “em primeiro lugar, em fazer com que o sujeito aplique a regra analítica” (p. 592). Lacan localiza mais precisamente o lugar do analista na situação analítica afastando-o de uma referência à realidade que, como vimos, está em jogo na perspectiva da “presença do analista” concebida nos parâmetros de Nacht: o analista “paga com sua pessoa, na medida em que, haja o que Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 25 houver, ele a empresta como suporte aos fenômenos singulares que a análise descobriu na transferência” (Lacan, 1958/1998a, p. 593). Contrapondo-se à concepção, também depreendida do texto de Nacht, de um “ser” que se confundiria com o próprio analista com sua pessoa, Lacan, sobre o manejo da transferência, diz que a liberdade do analista “vê-se alienada pelo desdobramento que nela sofre minha pessoa, e ninguém ignora que é aí que se deve buscar o segredo da análise”. Para ele, o analista é ainda “menos livre naquilo que domina a estratégia e a tática, ou seja, em sua política, onde ele faria melhor situando-a em sua falta-a-ser do que em seu ser (p. 596)”. O problema que Lacan destaca, nessa divergência conceitual sobre a prática da psicanálise, está no fato de que o sujeito “imputa ao analista ser (ser que está alhures) que é possível uma interpretação voltar ao lugar de onde pode ter peso” (1958/1998a, p. 597). Essa interpretação, quando é feita pelo analista, “é recebida como proveniente da pessoa que a transferência lhe imputa ser” – e Lacan continua, lançando nova pergunta – “aceitará ele beneficiar-se desse erro de pessoa? ”(p. 597). Nesse sentido, Lacan se dedica a uma reflexão sobre a interpretação, na sessão seguinte do mesmo texto, e afirma que não há espaço ali (e tampouco há, nessa dissertação), para “fornecer as regras da interpretação” (p. 601). Ao mesmo tempo, ele adverte que a crítica que julga pertinente, naquele momento, não buscava denunciar o que a psicanálise teria de antifreudiano - já que “ela se vangloria de ultrapassar aquilo que aliás ignora” (p. 592) -, mas considera grave que os autores daquele tempo propusessem a interpretação quase como “apenas um balbucio, comparada à abertura de uma relação maior onde, enfim, se é compreendido (´por dentro´, sem dúvida)” (p. 601). E ele conclui, não sem um humor, que lhe é peculiar: Se a transferência retira sua virtude do ser reconduzida à realidade da qual o analista é o representante, e se se trata de fazer o Objeto amadurecer na estufa de uma situação confinada, já não resta ao analisado senão um objeto, se nos permitem a expressão, em que fincar os dentes, e este é o analista” (p. 613). De fato esclarece que o analista “é o homem a quem se fala e a quem se fala livremente. Está ali para isso” (Lacan, 1958/1998a, p. 622). Destaca, entretanto, que é preciso que sua função seja diferente daquilo que se faz, Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 26 comumente, “fora da análise”, e propõe: “eu me calo” (Lacan, 1958/1998a, p. 623). Nesse sentido, Lacan diverge de modo radical do que propõe Sasha Nacht, com sua “atitude de presença”. A atitude de não responder – e com que frustra o falante, com frequência - ele justifica como uma frustração derivada do fato de que o sujeito demanda justamente que o analista lhe responda, mas, “ele sabe muito bem que isso seriam apenas palavras, tais como as recebe de quem quiser (p. 623)”. Se, portanto, o analista “dá sua presença”, para Lacan, “só depois ela se faz notar”:“a princípio ela é apenas a implicação de sua escuta, e esta é apenas a condição da fala”(1958/1998a, p. 624), e o “sentimento mais agudo de sua presença está ligado a um momento em que o sujeito só pode se calar, isto é, em que recua até mesmo ante a sombra da demanda” (p. 624). Deste modo, diferente do que sustenta Sasha Nacht ao longo de seu livro, Lacan apresenta o analista como aquele que “sustenta a demanda (...) não para frustrar o sujeito, mas para que reapareçam os significantes em que sua frustração está retida” (p. 624). À pergunta “para onde vai, portanto a direção do tratamento?”, Lacan responde com uma retomada do que discutiu ao longo do texto, afirmando que para chegar a essa resposta, “talvez baste interrogar seus meios, para defini-la em sua retidão” (1958/1998a, p. 647). Por fim, indica novamente o silêncio a que deve se obrigar o analista “para que a interpretação reencontre o horizonte desabitado do ser em que deve se desdobrar sua virtude alusiva45 (p. 648). Encontramos uma proximidade (lógica) entre este último comentário de Lacan, sobre a posição do analista no tratamento psicanalítico, do qual isolamos a chamada “virtude alusiva”, e aquilo que destacamos do texto de 1951, Intervenção sobre a transferência, em que Lacan caracterizou como “nosso papel”: “a transferência tem sempre o mesmo sentido, de indicar os momentos de errância e também de orientação do analista, o mesmo valor de nos convocar à ordem de nosso papel: um não-agir positivo, com vistas a ortodramatização da subjetividade do paciente” (Lacan, 1951/1998c, p. 225). A 45 Nesse ponto, Lacan indica a figura do “São João, de Leonardo” da Vinci: seu dedo erguido que Lacan destaca, dessa obra, serve aqui para mostrar essa “virtude alusiva”, essa interpretação que incide no desejo que a analise visa e por que por sua vez “se produz para além da demanda” (Lacan, 1958/1998a, p. 635). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 27 fim de avançar, na direção que se deixa entrever nesses textos de Lacan, escritos nos anos cinquenta, resta ainda percorrer o seu Seminário de 1964, ano que dedicou ao estudo dos “Quatro Conceitos Fundamentais da Psicanálise”, em que uma das sessões é dedicada à Transferência e Pulsão, sendo justamente aí que circunscreve o tema de pesquisa que aqui abordamos: “a presença do analista”. Se Lacan afirma que “não existe autoanalise, nem mesmo quando a imaginamos” (Lacan, 1962-1963/2005), pode-se tirar como consequência que a política da falta-a-ser, proposta por ele, não se dá por via de sua ausência, mas, como apontou Miller, de uma presença que permanece entre parênteses (1999, p. 45). 1.3 - A presença do analista: uma perspectiva lacaniana, em 1964 “É questão de saber o que, da psicanálise se pode, se deve esperar, e o que se deve homologar como freio, senão como impasse” (Lacan, 1964/1988, p. 13). Lacan dá início a seu décimo primeiro seminário, dedicado aos conceitos fundamentais da psicanálise, reintroduzindo mais uma vez, a questão sobre “o que é a psicanálise” (1964/1988, p. 11), da qual se ocupa desde o início de seu ensino. E, ao recolocá-la, evoca o que apresentara, anos antes, em Variantes do Tratamento Padrão: “uma psicanálise, padrão ou não, é o tratamento que se espera de um psicanalista” (Lacan, 1955/1998d, p. 331). Diante do cenário político que se estabeleceu naquele ano, coube a ele “trazer alguma luz concernente a seus fins, seus limites, seus efeitos” (Lacan, 1964/1988, p. 13) e, a partir daí, colocar um questionamento sobre “o que funda a psicanálise como práxis” (p. 14), já que práxis, para ele, é “o termo mais amplo para designar uma ação realizada pelo homem, qualquer que ela seja, que o põe em condição de tratar o real pelo simbólico” (p. 14). Acrescenta que, se nisso ele encontra “menos ou mais imaginário tem aqui valor apenas secundário” (p. 14).46 46 Em função de nossa leitura dos textos posteriores de Lacan (ainda que não estejam em foco nessa pesquisa), o que destacamos dessa frase não é o privilégio dado por Lacan, aqui, ao registro do simbólico, mas, antes, consideraremos a articulação entre os registros, sem que haja primazia de um sobre o outro. Nesse sentido, o imaginário não será colocado em segundo plano: será mantido como um registro fundamental, com que o analista deverá estar atento, no manejo da transferência. Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 28 A perspectiva do inconsciente, aberta por Freud, era considerada por Lacan como esquecida, naquele momento, “graças aos cuidados desses ativos ortopedeutas (...) que se dedicam no que psicologizando a teoria psicanalítica, a suturar essa hiância(Lacan, 1964/1988, p. 28), e, se Lacan insiste em mantêla como tal, é por sustentar que “o inconsciente nos mostra a hiância por onde a neurose se conforma a um real – real que pode, ele sim, não ser determinado. Nessa hiância, alguma coisa acontece” (p. 27). Trata-se, para Lacan, de levar ao limite o conceito freudiano de inconsciente, que nada tem a ver com as outras formas que o precederam, “não é de modo algum o inconsciente romântico da criação imaginante” (Lacan, 1964/1988, p. 29). Isso que fala “funciona de modo tão elaborado quanto o do nível consciente, que perde assim o que parecia seu privilégio” (p. 29). Caracterizado pela forma de tropeço, “esse não-sei-o-quê que nos toca”, o inconsciente como fenômeno, é marcado, desde Freud, por uma “estranha temporalidade”, uma “descontinuidade”, uma “surpresa”, pela qual o sujeito se sente ultrapassado (p. 30). Se o que Lacan defende é que “nenhuma práxis, mais do que a análise, é orientada para aquilo que, no coração da experiência é o núcleo do real” (1964/1988, p. 55) e se Lacan afirma que “o real está para além do autômaton, do retorno, da volta, da insistência dos signos aos quais nos vemos comandados pelo princípio do prazer” (p. 56), será no âmbito da tiquê que a noção de “presença do analista”, ao menos a partir da orientação lacaniana, encontra sua melhor referência. A dimensão da “tiquê”, ou como Lacan a traduz, a dimensão do “como por acaso” ou, ainda, “o encontro com o real”, noção que considera essencial para “retificar o que é o dever do analista na interpretação da transferência” (p. 64). Comumente apresentada como um afeto, qualificado facilmente de negativo e positivo, a transferência é tratada por Lacan, nesse seminário, como termo que requer um novo emprego, já que “estrutura todas as relações particulares a esse outro que é o analista”, trata-se de um conceito que, segundo Lacan, “dirige o modo de tratar os pacientes. Inversamente, o modo de tratá-los comanda o conceito” (Lacan, 1964/1988, p. 120). Na lição que abre a sessão dedicada à “Transferência e a pulsão” e cujo tema é propriamente a Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 29 “presença do analista”, Lacan propõe coerência na abordagem dos conceitos que fundam a psicanálise, como o conceito de inconsciente, que ele não pôde separar da noção de “presença do analista” (p. 121). No que se refere ao debate político que acontecia na década de sessenta, diante do obscurantismo que Lacan aponta – tanto proveniente do autoproclamado American Way of Life, quanto daquela que considerou uma “pregação lacrimejante (...) que encarna um livro que foi publicado com este título”47 (1964/1988, p. 121) – naquele ano, Lacan posicionava-se teoricamente e também politicamente, inclusive diante do fato de que fora impedido de continuar seu trabalho como analista didata pela IPA: é o mesmo ano que funda a Escola Francesa de Psicanálise (Lacan, 1964/2003, p. 235). O texto depreendido da fala de Lacan, nesse seminário, é, portanto, entrecortado de comentários sobre a situação da psicanálise, em 1964, e sobre os textos dos quais Lacan busca separar seu ensino: trata-se, para ele, de nos guiar pelos caminhos do que nomeia “uma exploração escolhida” (1964/1988, p. 124), e não promover um percurso exaustivo entre a multiplicidade de concepções que foram formuladas sobre a transferência. Esse “obscurantismo” da função da psicanálise, naquele tempo, deve-se, à “revalorização de noções há muito tempo refutadas no campo da psicanálise, tais como a predominância das funções do eu” (p. 123). É nesse sentido que, marcando uma diferença em relação ao que havia sido colocado no texto de Nacht, Lacan defende que a própria noção de “presença do analista” seja incluída no conceito de inconsciente, já que “justifica a manutenção, no interior da análise, de uma posição conflitual, necessária à existência mesma da análise” (p. 123). Se a crítica de Lacan vai de encontro ao valor dado à aparência da transferência, aspecto imaginário a que se apegam alguns pós-freudianos criticados por ele, o que propõe, a partir de Freud, é atentarmos para esse “ponto de aparição” do conceito da transferência, momento que considera “muito significativo da passagem de poderes do sujeito ao Outro, aquele que chamamos o grande Outro (A), o lugar da fala, virtualmente o lugar da verdade” (Lacan, 1964/1988, p. 125): esse “ponto de aparição” – ele diz – “é o que ele é 47 Deduzimos que trata-se do livro de Sasha Nacht, intitulado “A presença do analista”, publicado em 1963, e comentado, anteriormente, no item 1.1, deste capítulo. Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 30 na aparência”. Deste modo, retomando Freud, Lacan adverte que este ponto não é simplesmente um ponto de desaparecimento do sujeito/inconsciente que esse “momento do fechamento do inconsciente, pulsação temporal” (p. 125) pode ser marcado como a “causa do que chamamos transferência” e ele esclarece que “o Outro, latente ou não, está, desde antes, presente na revelação subjetiva (..) o Outro está lá, em toda abertura por mais fugidia que ela seja, do inconsciente” e, nesse sentido, “longe de ser a passagem de poderes ao inconsciente, a transferência é, a contrário, seu fechamento” (p. 125). Nesse ponto, Lacan delimita o que para ele, seria “a linha de divisão da boa e da má maneira de conceber a transferência” (p. 125): sua perspectiva, já que freudiana, propõe que o analista, no tratamento, sustente o paradoxo de aguardar a transferência para iniciar a oferecer uma interpretação. Ainda que existam muitas formas de se colocar na prática da psicanálise, e que algumas delas não se excluam, necessariamente, pode-se assinalar, com Lacan, divergências irredutíveis, como a concepção “que quer que a análise da transferência proceda sobre o fundamento de uma aliança com a parte sã do eu do sujeito, e que ela consista em apelar para o seu bom-senso, para fazê-lo notar o caráter ilusório de tais de suas condutas no interior da relação com o analista” (Lacan, 1964/1988, p. 126). Para ele essa é a “tese que subverte” aquilo que vem insistindo em assinalar, desde a década de cinquenta: “apelar para uma parte sã do sujeito, que estaria lá no real, apta a julgar com o analista o que se passa na transferência, é desconhecer que é justamente essa tal parte que está interessada na transferência, que é ela que fecha a porta” (p. 126). Esse é um ponto que torna decisiva a interpretação, para que se possa, então, acessar o que está alhures. Nesse sentido, a crise conceitual que Lacan assinala nesse período, teria relação com a maneira como se concebe a “função da transferência (...) nisso mesmo que, em relação ao inconsciente, ela é o momento de fechamento” (p. 126). Aí estão que, para Lacan, justifica tratar a função da transferência como um nó. Buscando desatar esse nó, no fim de sua lição sobre a “presença do analista”, no Seminário 11 (1964/1988), Lacan faz menção ao artigo de Thomas Szasz, publicado no Internacional Journal of Psychoanalysis (Szasz, 1963), considerado por Lacan como um “caso limite”, alvo de uma crítica tecida Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 31 por ele, acerca do conceito de transferência trabalhado nesse artigo, de Szasz. Para Lacan é “absolutamente notável que um autor, aliás, um dos mais estimados em seu círculo, que é o da psicanálise exatamente americana, considere a transferência como nada mais que uma defesa do psicanalista...” (Lacan, 1964/1988, p. 127). Intitulado “O conceito de transferência”, encontramos esse texto dividido em duas partes: a primeira delas dedicada à “lógica da análise” e a segunda, ao “conceito de transferência como defesa para o analista”: é esse o título do artigo, em que se vê a confusão apontada, em seu seminário, a de que a “integridade do analista e da situação analítica pode nos salvar da extinção do diálogo único entre analista e analisado” (p. 127). No primeiro dos dois textos, Szasz coloca em tensão os termos “transferência” e “realidade”, ao mesmo tempo em que lança a pergunta : “who shall say now wich is ‘reality’ and wich ‘transference’”48 (1963, p. 1)? Para Szasz, definir a transferência em termos da situação analítica, ou seja, reduzila a isso, seria como defining microbes as little objects appearing under a microscope. (...) As the occurrence os bactéria is not limited to laboratories, so the occurrence of transference is not confined to the analystic situation; however, each is observed and studied Best, not in 49 its natural habitat, but under special circumstances (p. 2). Ao longo do texto, ele estabelece uma divisão entre a percepção do analista e a do paciente, na situação analítica, e, diante de uma leitura sobre a situação transferencial no tratamento das pacientes histéricas, como as que Freud atendia: diante de uma afirmação, por parte da paciente de que estaria apaixonada por seu médico, Szasz destaca que esse tipo de situação foi definido por Freud, como ilusão – e nisso a visão do médico seria considerada por Freud como correta e, consequentemente, a visão do paciente seria incorreta e considerada “transferência”. Nesse sentido é que os conceitos de “Transferência” e “Realidade” são colocados em relação por Szasz, distinção que ele considera tão importante para o psicanalista quanto a diferença entre a 48 quem para dizer o que é ‘realidade’ e o que é ‘transferência’? (traduzido pela autora) 49 definir micróbios como pequenos objetos aparecendo sob o microscópio (...) a ocorrência da bactéria não é limitada aos laboratórios, também a ocorrência da transferência não é confinada à situação analítica. Apesar disso, cada um é observado melhor não em seu habitat natural, mas sob circunstâncias especiais (traduzido pela autora) Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 32 “dor real” e a “dor imaginária” lhe parece fundamental para um cirurgião (Szasz, 1963). Para ele, a transferência, geralmente usada para descrever um tipo de experiência que o paciente em análise tem e que outras pessoas, em outras ocasiões, também sentiriam, como uma experiência de autojulgamento, sem que o analista precise dizer nada. Lacan avalia que introduziu o conceito de transferência de modo “problemático”, na lição intitulada a “presença do analista”, por ter se fundamentado nas “dificuldades que ele impõe ao analista” (1964/1988, p. 130): isso se justifica, para ele, por uma crise vivida pela psicanálise, uma “crise de consciência na função do analista” (p. 131), que só interessou a Lacan de modo lateral, devido a maneira unilateral com que os analistas teorizavam a prática da análise da transferência (p. 131). Lacan adverte sobre a “multiplicidade e a discordância das fórmulas que os analistas deram da função da transferência” (p. 138) e conclui, nesse seminário de 1964, que a transferência “é ao mesmo tempo obstáculo à rememoração e presentificação do fechamento do inconsciente, que é a falta, sempre no momento preciso, do bom encontro” (p. 139). Nesse sentido, a crítica que faz em textos como o de Thomas Szasz, dirige-se à sua perspectiva sobre a “realidade da situação analítica, isto é, os dois sujeitos reais que ali estão presentes” (Lacan, 1964/1988, p. 130) e seu engodo, apresentado por Lacan nesse seminário, é que essa “relação se inaugura num plano que não é de modo algum recíproco, de modo algum simétrico” (p. 131), nesse sentido, “na prática analítica, referir o sujeito em relação à realidade, tal como a supomos nos constituindo, e não em relação ao significante, vem já cair na degradação da constituição psicológica do sujeito” (p.135). Por mais que esse aspecto possa interessar ao psicólogo, “dar resultados, ter efeitos, permitir compor tabelas”, a advertência colocada no texto que nos orienta aqui, adverte para uma realidade forjada pelos próprios profissionais, por exemplo diante das tarefas organizadas pelos próprios profissionais: “é o domínio de validade do que se chama de psicologia, que não tem nada a ver com o nível em que mantemos a experiência psicanalítica e que, se assim posso dizer, reforça incrivelmente a miséria do sujeito” (Lacan, 1964/1988, p. 136). Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 33 Nesse sentido, é justamente nesse ano em que recoloca o que está no cerne da descoberta freudiana, ao mesmo tempo em que marca que “é de realidade que se trata, é a esse plano que entendo levar a crítica” (Lacan, 1964/2003, p. 139), ele diz. Assim, com Lacan, vimos que “a transferência não é a atualização da ilusão que nos levaria a essa identificação alienante que constitui qualquer conformização, ainda que a um modelo ideal, de que o analista, em caso algum, poderia ser suporte – a transferência é a atualização da realidade do inconsciente” (1964/1988, p. 139). Isso faz toda a diferença, especialmente por que “o que se anuncia aqui é justamente o que mais se tenta evitar na análise da transferência” (p.142). Se há divergências, nesse período, entre Lacan e esses autores - que fomos levados a ler em função de nosso interesse pelo texto lacaniano (em que as afirmações se dão em meio às divergências) – tais divergências referem-se, particularmente, ao modo como articulam a função do analista no manejo da transferência e sobre a própria concepção de experiência analítica: embora tenham em comum a referência a Freud – a cujo texto retornaremos em breve - mas interpretam seu texto de modos distintos. Isso interfere na maneira como concebem a experiência analítica e o lugar do analista, na direção do tratamento psicanalítico, essa “presença do analista”, que nos interessa aqui. Tornou-se necessário empreender, portanto, um retorno a Freud, nos textos em que apresenta orientações sobre a prática clínica àqueles que se interessam pela psicanálise e que, além disso, se interessam pelos meios através dos quais uma psicanálise é levada a acontecer, a cada caso – como vimos, com a leitura lacaniana do texto freudiano, desde a década de cinquenta – mas não em qualquer direção. Nesse sentido, funda, em 1964, a Escola Francesa de Psicanálise, que “afirma-se antes de tudo freudiana”, em meio a essas divergências. No Ato de Fundação (1964/2003), Lacan dedica uma sessão à “psicanálise aplicada, o que significa de terapêutica e clínica médica”, assegurando, em sua escola, um espaço para contribuições no campo da experiência psicanalítica: “pela crítica de suas indicações em seus resultados; pela experimentação dos termos categóricos e das estruturas que introduzi Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 34 como sustentando a linha direta da práxis freudiana” (Lacan, 1964/2003, p. 237). Os vários lugares onde um praticante da psicanalista pode atuar - levando em conta que o psicanalista aqui não se confunde com o “ser”, a “pessoa”, como vimos nas definições encontradas no texto lacaniano – esses diversos campos (educação, saúde, saúde mental, direito, defesa social, assistência social) a partir dos quais muitos profissionais interrogam a teoria analítica, se seguimos o percurso teórico, aberto pelo texto lacaniano, encontramos Freud no horizonte. Trata-se, portanto, de um “reachado”: como disse Lacan, em 1964. Em que ponto da teoria psicanalítica, desde Freud a Lacan poderíamos nos apoiar para circunscrever o tratamento psicanalítico, nos dias de hoje e, mais exatamente sobre a “presença do analista”, independentemente do cenário onde ela possa acontecer? Nesse sentido, não é dispensável o retorno a “Variantes do Tratamento Padrão”, afinal, se Lacan nos diz que “a psicanálise não é uma terapêutica como as outras”, o que ele destacava naquele período e ao longo de seu ensino, é que esse “variantes”, de que se trata em seu ensino, não se refere à “adaptação do tratamento, com base em critérios empíricos nem, digamos, clínicos, à variedade dos casos, nem uma referência às variáveis pelas quais se diferencia o campo da psicanálise” (1955/1998d, p. 326): isso nos serve como orientação, ao longo da dissertação. Trata-se, para Lacan, de “rigor de alguma forma ético, fora do qual qualquer tratamento, mesmo recheado de conhecimentos psicanalíticos, não pode ser senão psicoterapia” (p. 326). Até aquele momento, não se havia conseguido avançar, no sentido de uma formalização teórica, distinta de um “formalismo prático” do que deve ou não ser feito. Nesse sentido, encontramos uma pergunta feita por Lacan nesse texto, que se mostrou bastante orientadora para a leitura em torno do que se estabelece nessa pesquisa: ao dizer do lugar do analista, Lacan assegurava que em psicanálise se admite a cura como um benefício adicional do tratamento psicanalítico, ele [psicanalista] se precavém contra qualquer abuso do desejo de curar, e o faz de maneira tão habitual que, ao simples fato de uma inovação motivar-se neste, inquieta-se em seu foro íntimo, ou reage no foro do Capítulo 1 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 35 grupo através da pergunta automática que desponta de um ‘será que isso ainda é psicanálise? (p. 327). Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 36 2 - UMA RETOMADA AOS PRINCÍPIOS DA TÉCNICA: O MANEJO DA TRANSFERÊNCIA EM FREUD O percurso que seguimos, na trilha aberta por Freud, deve-se à tentativa de reencontrar recursos para a sustentação de uma prática orientada pela psicanálise, mesmo em situações ainda não experimentadas, ou suficientemente verificadas, situações que interrogaram a teoria. O tema da pesquisa aqui empreendida – a “presença do analista” – depreendeu-se de uma pluralidade de práticas que encontramos atualmente e que, em nossa experiência, interrogaram sobre o lugar do analista, mais além do lugar da psicanálise, na contemporaneidade. Descobrimos, desde Freud e depois com Lacan, que esses termos preservam entre si uma relação intrínseca, já que “uma psicanálise, para ele, é o tratamento dispensado por um psicanalista (1964/1988). É à luz das indicações de Lacan que retomamos o texto freudiano, os artigos que dedicou à técnica da psicanálise, escritos entre 1911 e 1915 e mais tarde, suas conferências dedicadas a elucidação da técnica psicanalítica, em que destacamos o lugar do analista e o manejo da transferência. Freud reconhece que a técnica que apresenta é depreendida de sua própria experiência e “é a única apropriada à [sua] individualidade” (1912/1996e, p. 125); trata-se de um pautado pela clínica, pelas situações que encontra, demandas que lhe eram endereçadas, e para as quais ainda não tinha respostas. Freud permitiu que a experiência adquirida a partir dos casos o conduzisse à formulação e alterações em torno da direção para o tratamento, ou, nas palavras de Peter Gay: O laboratório de Freud era seu divã. Desde o começo dos anos de 1890, os pacientes de Freud haviam lhe ensinado muito do que ele sabia, obrigando-o a refinar sua técnica, abrindo perspectivas impressionantes para novos pontos de partida teóricos, confirmando ou forçando-o a corrigir – ou mesmo abandonar – hipóteses acalentadas (1989, p. 255). Nesse sentido, tornou-se interessante percorrer aquilo que o próprio Freud designou como indicações relevantes sobre a técnica da psicanálise, o modo como a descreveu, permitindo a transmissão de uma perspectiva sobre a prática psicanálise e, especialmente, sobre aquilo que concerne o lugar do analista no tratamento, desde os Artigos sobre técnica, até situações limite, em Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 37 que a psicanálise encontra outros campos, dada sua relevância, cada vez mais ampla, em outros contextos, além dos contextos particulares de tratamento. 2.1 - Sobre os princípios da direção do tratamento em Freud, e seus meios. O editor inglês das obras completas de Freud chama atenção para o fato de que depois dos “Estudos sobre a Histeria” Freud não publicara nada especificamente sobre a técnica, por mais de 15 anos (1996e, p. 93). O que poderia ser encontrado sobre o método psicanalítico, poderia ser inferido através dos casos clínicos que apresentou no decorrer da publicação de seus trabalhos. Se iniciamos essa leitura do texto freudiano de modo não cronológico, é por encontrar na “Autobiografia” de Freud (1925/2011), com suas próprias palavras, um pouco sobre a história da técnica psicanalítica empreendida por ele desde o princípio, bem como os métodos utilizados no início de sua prática como “médico dos nervos”, desde que seu “arsenal terapêutico incluía somente duas armas, a eletroterapia e a hipnose” (p. 88). Ele conta que o primeiro abandonou por volta de 1886, mantendo a “sugestão hipnótica” como principal instrumento de seu trabalho ainda que ele próprio faça aí uma ressalva: a de que, desde o início, fizera outra aplicação da hipnose, além da sugestão hipnótica (p. 91). Utilizou essa outra aplicação para interrogar os pacientes sobre o surgimento do seu sintoma, do qual ele quase não sabia, quando estava desperto. Para Freud tal método pareceu mais eficaz, como ele disse, do que “o mero ordenar ou proibir pela sugestão”, procedimento que chega a descrever como “monótono” (p. 92). As memórias relatadas nessa autobiografia, apresentam o inicio de sua prática e de modificações do método; além de deixarem clara a trilha que Freud decide tomar para tratar seus pacientes. O contato com Josef Breuer permitiu a Freud iniciar-se nos estudos e na prática do método “catártico”, “forma especial de tratamento” (1925/2011, p. 92), cujo objetivo era “fazer com que o montante de afeto empregado na manutenção do sintoma, que caíra em trilhas erradas e nelas permanecera como que entalado, tomasse as vias normais, onde podia chegar à descarga (ab-reagir)” (p. 96). O método desse tratamento trazia certa novidade, e resultara de uma “observação casual” que fez Freud perceber “que Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 38 ela poderia ser livrada daquelas turvações da consciência se ele a induzisse a expressar em palavras a fantasia que no momento a dominava. A partir dessa experiência, Breuer chegou a um método de tratamento.” (p. 93). Para o médico, entretanto, incomodava o fato de que a paciente soubesse tanto em estado de hipnose, a ponto de ser curada dos sintomas que apresentava, mas, ao despertar, nada sabia dizer sobre aquilo que ela própria revelara. Breuer conseguira, através desse procedimento50, livrá-la de todos os sintomas. A essa altura, Freud se perguntava se “cabia generalizar o que ele havia encontrado num só caso clínico” e, certo de que “só a experiência poderia decidir” (1925/2011, p. 95), utilizou, ele próprio, as investigações de Breuer, em seus pacientes (p. 95), até propor a alteração decisiva, “da catarse para a psicanálise propriamente” (p. 97): procurou substituí-la por outro método, “desejava superar a limitação do tratamento a estados histeriformes” (p. 102). A partir de sua experiência com a catarse, utilizada em casos além da histeria, “com as doenças nervosas em geral” (p. 102), essa nova perspectiva “surgiu como um conhecimento aparentemente original”: Freud “já supunha a existência de um jogo de forças, a ação de intenções e tendências, como aquelas observadas na vida normal” (p.97). Foi levado, pelo que se apresentava em sua clínica, a “perceber as neuroses, de maneira bastante geral, como distúrbios da função sexual” (p. 100). Freud passara a duvidar da própria utilização da hipnose, da catarse, por que até os melhores resultados desapareciam depois de desfeita “a relação pessoal com o paciente” (p. 102). Ele “havia iniciado a pesquisa sobre neuróticos sem ideia preconcebida” (p. 98) e não se considerava preparado para o resultado encontrado, de que excitações, de natureza sexual, agiam por trás dos fenômenos da neurose, mas, ainda que sentindo-se despreparado não recuou diante dos efeitos e das perguntas que sua experiência, apresentava ao mundo. Remontando à experiência com uma paciente51 de Breuer (atendida por ele entre 1880 e 1882), Freud lembra que, quando o trabalho da catarse 50 Quando a enferma, hipnotizada, recordava uma situação dessas de forma alucinatória, e posteriormente realizava até o fim o ato psíquico então suprimido, dando livre curso ao afeto, o sintoma era removido e não tornava a aparecer (Freud, 1925/2011, p. 94). 51 “Essa paciente, que Breuer chamou ‘Anna O.’ era Bertha Peppenheim (1859-1936)” (apud Freud, 1925/2011) Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 39 parecia concluído, ela entrou num estado de “amor transferencial”, que Breuer, relacionar esse estado à “doença”, acabou se afastando, embaraçado e sem nenhuma maneira para lidar com aquilo. Além da possibilidade de um efeito catártico, os sintomas comportavam outros elementos que, Freud percebia que deveriam ser considerados, analisados, decifrados. Ele relata que esse seu trabalho com as doenças nervosas em geral (além da histeria, com que lidava na maioria dos casos que atendia) o fez alterar a técnica da catarse. Ele se inquietava, por exemplo, com a seguinte limitação do efeito catártico: o melhor dos resultados desaparecia após ter sido concluída a relação pessoal do paciente com seu médico. Desse modo, Freud constata que “a relação afetiva pessoal era mais forte que todo trabalho de catarse” (Freud, 1925/2011, p. 102) e relembra o “momento” que o fez renunciar, decididamente, ao “tratamento hipnótico”: após alívio do sofrimento, uma de suas pacientes, desperta da hipnose e lhe joga os braços ao redor do pescoço. Cabe ressaltar o comentário que Freud faz sobre o gesto da paciente: Fui razoável o bastante para não lançar o incidente à conta de meu charme pessoal irresistível, e acreditei haver apreendido então a natureza do elemento místico que age por trás da hipnose. Para excluí-lo, ou ao menos isolá-lo, tive que abandonar o hipnotismo (Freud, 1925/2011, p. 103). Freud, desde os primórdios da psicanálise, colocou sob investigação o valor que a intervenção do analista tem para a condução do tratamento, bem como os efeitos produzidos a partir do encontro de um paciente com um analista e, com relação às mudanças que ele inicialmente imprime à sua prática, encontramos a utilização da técnica de Berheim, que consistia em por as mãos sobre a testa do paciente, com a função de “empurrar para a consciência os fatos e nexos esquecidos” (Freud, 1925/2011, p. 103). Ele decide, então, preservar do hipnotismo “apenas a recomendação de o paciente se deitar num sofá” enquanto o analista deveria ficar “sentado atrás dele, de modo que o via mas não era visto” (p. 104). Com a mudança da técnica, também o efeito catártico passava a ser problematizado em sua resolução do sintoma. Afinal, o hipnotismo, que visava tal efeito, encobria um jogo de forças, agora revelado, que exigia do médico um dispêndio de energia “evidentemente à medida da resistência por parte do doente” (p. 105). Nesse novo contexto, Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 40 encontramos a seguinte declaração: “não mais chamei de catarse o procedimento de investigação e cura, e sim de psicanálise” (p. 106) e, “em vez de instar o paciente a dizer algo sobre certo tema, solicitávamos que ele se entregasse à livre associação, que dissesse o que lhe vinha à mente...” (p. 121). Essa regra psicanalítica fundamental, a associação livre - utilizada até hoje – é colocada em contraste, por Freud, em relação ao método que se pautava pelo efeito catártico, e apresenta grandes vantagens em relação a este último “não apenas por ser menos trabalhoso”, mas também por expor “o analisando ao mínimo grau de coerção” sem perder “o contato com o presente real”, garantindo “em boa medida que o analista não deixe de ver nenhum fato da estrutura da neurose e não introduza nela algum tanto de sua própria expectativa” (p. 123). Por tal via, Freud chega a um conceito da maior relevância para a psicanálise e muito articulado ao tema desta dissertação percorre: a transferência produzida em todo o tratamento analítico “sem que o médico faça alguma coisa para isso” e que se apresenta como “uma forte relação emocional do paciente com a pessoa do analista”.(Freud, 1925/2011, p. 124). Ainda que, no decorrer do tratamento a transferência apareça sob a forma de resistência, ainda assim, Freud afirma: “não haveria sentido em buscar evitá-la; uma análise sem transferência é algo impossível” (p. 124). 2.2 - Das questões técnicas à ética daí depreendida No texto A dinâmica da transferência (1912), um dos “Artigos sobre técnica” em que Freud se dedica a esclarecer a transferência, - e mostrar como ela é “necessariamente ocasionada durante o tratamento psicanalítico” (Freud, 1912/1996e, p. 111) - Freud chega a supor que a transferência seja mais intensa em indivíduos em análise do que “fora” dela, mas essa hipótese não resiste a um exame pormenorizado e ele prefere atribuir as características da transferência à própria neurose e não à psicanálise, já que esse fenômeno não é exclusividade desse procedimento clínico. É inegável que a transferência ocupa um lugar central no tratamento psicanalítico, mas Freud considera o conceito complexo e entende que, para Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 41 entendê-lo, é fundamental compreender a transferência sob a luz das relações entre esta e as resistências “o papel que a transferência desempenha no tratamento só pode ser explicado se entrarmos na consideração de suas relações com as resistências” (Freud, 1912/1996e, p. 116). Sobre as relações entre transferência e resistência, Freud apresenta uma consideração bastante interessante: seria de se esperar que a transferência para o médico facilitaria as confissões, mas o que se verifica é justo o contrário, pois ela “torna as coisas mais difíceis” (p.116) e é com isso que o analista se vê obrigado a lidar, no tratamento. Segundo Freud, diante de uma situação de forte resistência transferencial, o analisando é lançado “para fora de sua relação real com o médico” e “se sente então em liberdade para desprezar a regra fundamental da psicanálise52” (p. 118). Freud jamais subestimou o valor da transferência, mesmo na sua face de resistência e sustenta que a luta entre médico e paciente, travada quase exclusivamente, nos fenômenos da transferência, se dá “entre intelecto e a vida instintual, entre a compreensão e a procura da ação” (Freud, 1912/1996e, p. 119). Nesse embate, a presença do analista, para retomarmos a expressão que nos interessa elucidar nesta dissertação, adquire uma função decisiva: Não se discute que controlar os fenômenos da transferência representa para o psicanalista as maiores dificuldades; mas não se deve esquecer que são precisamente eles que nos prestam o inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos eróticos e esquecidos do paciente. Pois, quando tudo está dito e feito, é impossível destruir alguém in absentia ou in effigie (p. 119). Em “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise” (1912/1996e), Freud apresenta algumas orientações alcançadas a partir de sua experiência clínica. Entre elas, destaca-se uma espécie de regra que ele reconhece como apropriada à sua individualidade e é “bastante simples”, como diz: “consiste simplesmente em não dirigir o reparo para algo específico e em manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ ... em face de tudo o que se escuta” (p. 125). De acordo com Freud, a regra de prestar igual atenção a tudo, mas sempre mantendo uma suspensão para não se concentrar em um 52 Não se pode deixar de notar que esse é o primeiro “emprego do que doravante tornou-se a descrição regular da regra técnica essencial” (Freud, 1912/1996e, p. 118, nota de rodapé) Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 42 ponto específico, consiste, do lado do analista, na “contrapartida necessária da exigência feita ao paciente, de que comunique tudo o que lhe ocorre, sem crítica ou seleção”: se o médico se comportar de outro modo, estará jogando fora a maior parte da vantagem que resulta de o paciente obedecer à ‘regra fundamental da psicanálise’” (p. 127), à associação livre. Notamos, através desse exemplo, como as técnicas apresentadas nesse trabalho convergem para o seguinte ponto: o lugar do analista no tratamento. Do lado do paciente, temos a regra fundamental de dizer tudo o que ocorre ao analista e este, por seu turno, se encarregará de “colocar-se em posição de fazer uso de tudo o que lhe é dito para fins de interpretação e identificar o material inconsciente oculto, sem substituir sua própria censura pela seleção de que paciente abriu mão” (Freud, 1912/1996e, p. 129). Para tanto, Freud faz uma advertência: o psicanalista “não pode tolerar quaisquer resistências em si próprio” e que, para isso “não basta que ele próprio seja uma pessoa aproximadamente normal” (Freud, 1912/1996e, p. 129) e recomenda aos praticantes da psicanálise atenção, para não colocar “sua própria individualidade livremente no debate” (p. 131), indicando que essa é mais uma das diferenças entre as “relações psicanalíticas” e o que se passa com a “psicologia da consciência”, por suas características de “sugestão” e “indução” do paciente. Os riscos que Freud aponta referem-se ao fato de que “ela pode induzir o paciente a apresentar, mais cedo e com menos dificuldade, coisas que já conhece, mas que, de outra maneira, esconderia por certo tempo, mediante as resistências convencionais. Mas esta técnica não consegue nada no sentido de revelar o que é inconsciente ao paciente” (Freud, 1912/1996e, p. 131). Além disso, o paciente efetivamente, nos diz Freud, “gostaria de inverter a situação, e acha a análise do médico mais interessante que a sua” (p. 131). Ele não hesita em “condenar este tipo de técnica como incorreto” e sustenta que “o médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado” (p. 131).Sobre esse posicionamento de neutralidade – que Freud sustentará ao longo de seu ensino – e, mais especificamente, sobre a metáfora do “espelho”, utilizada por Freud, ela nos remete a um ponto de discordância teórica, apresentada por Sasha Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 43 Nacht (Nacht, 1963/1967), em seu livro sobre a Presença do analista53, ele chega a dizer que é preferível “en la perspectiva de la curación, uma interpretación medíocre apoyada por uma buena transferência, y no ló contrario”54(p.161), e isso por que, em sua opinião, esse “papel del ‘espejo’(...) puede tornarse paralizante para el analista y privarlo de uma disponibilidad emocional indispensable para la curación”55 (p. 61). Nesse sentido, a leitura que Nacht faz é que uma “neutralidade bondosa” seria mais desejável, por parte do analista e só então, ele diz, “la interpretación dará buenos frutos y las sucesivas tomas de conciencia, indispensáveis 56 tratamiento, se harán posibles y fecundas” para el progreso del (p. 160). Para ele, o fundamental para o tratamento é a “atitude profunda” do analista, no tratamento , uma “actitud gratificante, técnicamente adaptada, que no se exprese, por supuesto, ni por palabras, ni por gestos afectuosos, sino solo por uma manera de ser interior, puede permitir AL enfermo aceptar su necessidad de amar y de ser amado, y espresarla sin temores” 57 (Nacht, 1963/1967, p. 161). Considera que o essencial “situa-se mais além do nível verbal (...) só essa outra forma de relação, não verbal, pode ser sentida como tranquilizadora” e reconhece sua predileção, nesse ponto, por certa “objetividade”, que lhe parece indispensável. No fim desse mesmo artigo, Freud concentra as recomendações que fariam referência ao objetivo para onde convergem as diferentes regras apresentadas por ele: “todas elas se destinam a criar, para o médico, uma contrapartida à ‘regra fundamental da psicanálise’, estabelecida para o paciente” (1912/1996e, p. 129) do lado do analista, adverte, portanto, 1) para os perigos de se “trabalhar cientificamente num caso enquanto o tratamento ainda está continuando”; 2) que o sentimento mais perigoso para um analista 53 Livro comentado no primeiro capítulo, no item 1.1. 54 uma “interpretação medíocre apoiada por uma boa transferência, e não o contrário (traduzido pela autora). 55 papel de espelho (...) pode tornar-se paralisante para o analista e privá-lo de uma disponibilidade emocional indispensável à cura (traduzido pela autora). 56 a interpretação dará bons frutos, e as sucessivas tomadas de consciência, indispensáveis para o progresso do tratamento se farão possíveis e fecundas (traduzido pela autora). 57 atitude gratificante, tecnicamente adaptada, que não se expresse nem por palavras, nem por gestos afetuosos, e só por uma maneira de ser interior, pode permitir ao paciente aceitar sua necessidade de ser amado e expressá-la sem temores (traduzido pela autora). Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 44 seria sua “ambição terapêutica de alcançar (...) algo que produza efeito convincente sobre outras pessoas” (p. 128); 3) sobre a importância de não ser tomadas notas, durante a sessão. Cada uma dessas recomendações sobre a “atitude do analista” tem, como vimos, o objetivo de servir como contrapartida, uma espécie de regras fundamentais, do lado do analista. Em seu conjunto, notamos que dispõem sobre a menor interferência possível, pelo analista, riscos que suas “intenções” poderiam acarretar. Passando às recomendações que se referem ao tratamento do paciente, Freud não chega a condenar a prática de terapeutas que conjugariam aspectos da análise a certa influência sugestiva, buscando resultados por tempo mais curto, tal como seria necessário nas instituições, mas afirma que, quando se fizer assim, não se tenha “dúvida quanto ao que está fazendo e saiba que o seu método não é o da verdadeira psicanálise” (Freud, 1912/1996e, p. 131). No fim desse artigo, chama atenção também para a tentação educativa que se poderia supor como uma tarefa do analista: reconhece “a ambição natural” para “transformar em especialmente excelente uma pessoa que ele lutou para livrar da neurose”, mas propõe que o analista “deve controlar-se e guiar-se pelas capacidades do paciente, em vez de por seus próprios desejos” (p. 132). Nesse viés, conclui que a “ambição educativa é de tão pouca utilidade quanto a ambição terapêutica” e que, no caso de se pensar que a pressão no sentido da sublimação e cerceamento de satisfações libidinais seriam parte da tarefa do analista, destaca o quanto é preciso ser, antes de tudo, “tolerante com a fraqueza do paciente” e que essas pressões e cerceamentos tornariam a vida “ainda mais árdua do que (os pacientes) a sentem ser”. Por isso, em sua opinião, “esforços no sentido de usar o tratamento analítico para ocasionar a sublimação do instinto (...) estão longe de ser aconselháveis em todos os casos”(p. 132). É possível notar aí como, mais uma vez, Freud reafirma a impossibilidade de recomendar um tratamento prêt-à-porter, aplicável em todo caso, chega a nomear como “errado” o procedimento de “determinar tarefas ao paciente, tais como coligir suas lembranças ou pensar sobre um período específico de sua vida” (Freud, 1912/1996e, p. 132), já que os enigmas da neurose só podem ser descobertos ao “se obedecer pacientemente à regra analítica” (p. 132), e Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira Capítulo 2 45 propõe que os analistas aprendam “por experiência pessoal” um conhecimento que considera mais amplo que aquele capaz de ser transmitido por toda a literatura (p. 133). Ressaltamos a especial atenção a ser dada, a nosso ver, aos que são considerados “casos mais bem sucedidos”. Freud os vê da seguinte forma: são aqueles em que se avança, por assim dizer, sem qualquer intuito em vista, em que se permite ser tomado de surpresa por qualquer reviravolta neles, e sempre se o enfrenta com liberalidade, sem quaisquer pressuposições (p. 128). Nesse sentido, a liberdade atribuída às associações do paciente, na teoria freudiana, estende-se ao analista, que não deve prender-se a qualquer concepção prévia, tendo como tarefa principal, ignorar tudo o que sabe58. No texto “Sobre o início do tratamento” Freud (1913/1996e) opõe-se a qualquer mecanização da técnica, porque aposta na “diversidade de constelações psíquicas, plasticidade dos processos mentais e riqueza dos determinantes”. Reforça o quanto circunstâncias que permitem um curso de ação possa ser bem sucedidas em um caso e não em outro, mas essa variabilidade de possibilidades, o “caso a caso” não impediu que Freud se concentrasse na construção de um trabalho sobre um “procedimento, em média, eficaz” (p. 139), como considera. Agora, seu interesse se volta para questões técnicas relacionadas com o tratamento analítico pode se estabelecer inicialmente e, nesse viés, se dedica, por exemplo, aos modos como tempo e dinheiro podem ser manejados. No que concerne ao tempo de duração do tratamento (proposto por Freud), na época em que escreveu seus artigos sobre técnica, ele concebia a psicanálise “sempre questão de longos períodos de tempo” (Freud, 1913/1996e, p. 143), recebia seus pacientes seis vezes por semana e considerava que “mesmo interrupções breves” poderiam ter efeitos “ligeiramente obscurecedores sobre o trabalho: “quando as horas de trabalho são menos frequentes, há o risco de não manter o passo com a vida real do paciente e de o tratamento perder contato com o presente e ser forçado a 58 Referência a um subtítulo de Variantes do tratamento padrão, “O que o psicanalista deve saber: ignorar o que ele sabe” (Lacan, 1955/1998, p. 351) Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 46 utilizar atalhos” (p. 143). Embora considerasse legítima, naquele período (1913), a preocupação de alguns colegas em abreviar a duração do tratamento, ressaltava a importância de se observar que a “atemporalidade dos processos inconscientes” se articula à imprevisibilidade dos efeitos que se poderia obter do tratamento, já que, para ele, “o analista é certamente capaz de fazer muito, mas não pode determinar de antemão exatamente quais os resultados produzirá” (Freud, 1913/1996e, p. 145). Outro aspecto que discute nos artigos técnicos, é o pagamento das sessões: Considera o tratamento psicanalítico inacessível para as pessoas pobres e coloca o trabalho do analista próximo daquele do cirurgião, que na época concebeu como “franco e caro”, por ter à sua disposição métodos úteis para o tratamento. Ao mesmo tempo que sugere que o psicanalista abstenha-se de fornecer tratamento gratuito - já que, do ponto de vista das “razões externas”, isso significaria dispensar uma parte considerável do tempo que poderia dedicar a um tratamento, o que contaria de modo significativo para sua própria sobrevivência -, entretanto, ele próprio relata que reservou, ao longo de aproximadamente dez anos de sua prática clínica, uma hora por dia (às vezes duas), para tratamentos gratuitos (Freud, 1913/1996e, p. 147). Freud também considera as “ ‘razões internas’, em que a gratuidade do tratamento poderia acarretar um aumento das resistências” (p. 147), porém, não nos deteremos nesse aspecto aqui, em função dos limites da dissertação e pelo fato de que o próprio Freud considera que essa avaliação pode ser feita caso a caso, pois, mesmo naquele momento ele atestava que era possível lidar com pessoas “que se acham desamparadas (...) nas quais o tratamento não remunerado não se defronta com nenhum dos obstáculos (...) e conduz a excelentes resultados” (p. 148). No período que ficou conhecido como “Entre Guerras”, Freud viu-se novamente impelido a um comentário sobre esse ponto, considerando, dessa vez, em função da devastação causada pela Guerra na Europa, outra perspectiva acerca desse mesmo ponto (em que a gratuidade do tratamento poderia ser pensada, caso a caso): em 1918, considera a possibilidade de que o tratamento analítico pudesse alcançar um maior número de pessoas, podendo ser fornecido gratuitamente, já que reconhecia que “as neuroses ameaçavam a saúde pública não menos que a tuberculose” e um trabalho Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 47 diante delas não poderia ser deixado ao que chamou “cuidados impotentes de membros individuais da comunidade” (Freud, 1918/1996d, p. 180). Nesse sentido, o sofrimento mental aparece, já nesse momento como um importante problema no campo da “nascente saúde pública”, como comenta Sérgio Laia (2010). Esse autor comenta, nesse texto, que essa indicação de Freud é fundamental para o que chamou “sobrevivência da psicanálise” no mundo. Além disso, o que destacamos, aqui, nesse ponto, é o quanto Freud mostra a flexibilidade de seu método, em função do caso e da situação que se coloca diante dele, ou, mais além, diante dos impasses de interesse publico, sobre os quais a psicanálise poderia, em seu nome, adotar uma posição. As considerações que fará sobre a “posição na qual o tratamento é realizado” (1915/1996e, p. 149), levam Freud a um comentário sobre o uso do divã que, além dessa dimensão histórica é mantido como parte da técnica, por algumas razões: Freud reconhecia que suas expressões exerciam certa influência sobre as associações do analisando, o que era desaconselhável em sua técnica, além disso, afirma que, pessoalmente, se incomodava em ser encarado fixamente por cerca de oito horas por dia. Logo, o uso do divã contribui para que o analista pudesse “isolar a transferência”, permitindo-a aparecer “no devido tempo, nitidamente definida como resistência” (Freud, 1913/1996e, p. 149), aquilo que, de fato, é objeto da intervenção psicanalítica, para Freud. No manejo da transferência - “o mais delicado de todos os procedimentos” (p. 154) – Freud recomenda que o analista aguarde até que a transferência se apresente em sua vertente de resistência, para que, só então, faça suas comunicações: “enquanto as comunicações e ideias do paciente fluírem sem qualquer obstrução, o tema transferência não deve ser aflorado” (p. 154). Sugere cuidado, “em não fornecer ao paciente a solução de um sintoma ou a tradução de um desejo até que ele esteja tão próximo delas que só tenha de dar mais um passo para conseguir a explicação por si próprio” (p. 155). Com base em sua própria experiência clínica, Freud constatou também que “a comunicação prematura de uma solução punha ao tratamento um fim intempestivo, devido não apenas às resistências que assim subitamente despertava, mas também ao alívio que a solução trazia consigo” (1913/1996e, Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 48 p. 155). Segundo Freud, só merece o nome de psicanálise se, diferente da sugestão, a intensidade da transferência foi utilizada para a superação das resistências. Somente então – ele conclui – a enfermidade tornou-se impossível, mesmo quando a transferência foi mais uma vez desfeita, o que é seu destino (p. 158). Logo no início de seu trabalho intitulado “Recordar, repetir e elaborar” (Freud, 1915/1996e), Freud comemora o fato de ter-se desenvolvido a técnica que “abandona a tentativa de colocar em foco um momento ou problema específicos” (p. 163). Esclarece que “quando a hipnose foi abandonada, a tarefa transformou-se em descobrir, a partir das associações livres do paciente, o que ele deixava de recordar” (p. 163). Nesse sentido, o paciente não “recorda” algo esquecido, recalcado, mas “expressa-se pela atuação ou atua-o” reproduzindo-o “não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem, naturalmente, saber o que está repetindo” (p. 165). A diferença que Freud estabelece é que a repetição na hipnose é semelhante a um experimento realizado em laboratório, ao passo que a técnica que ela inventava daria lugar a um tipo de repetição que “evoca um fragmento da vida real” (p. 167). Considera que o manejo da transferência é o “instrumento principal para reprimir a compulsão do paciente à repetição e transformá-la num motivo para recordar” (Freud, 1915/1996e, p. 168). Assim, a transferência cria, uma “região intermediária entre a doença e a vida real” (p. 170). Diante das resistências que se erguem, e do fato de que algumas comunicações do analista não surtiam o efeito desejado, Freud admite que é preciso … dar ao paciente tempo para conhecer melhor esta resistência com a qual acabou de se familiarizar, para elaborá-la, para superá-la, pela continuação, em desafio a ela, do trabalho analítico segundo a regra fundamental da psicanálise (p. 170). Em cada um desses textos sobre a técnica, Freud indica o lugar do analista no tratamento, evidenciando várias formas de se colocar a disposição do paciente para o tratamento de seus sintomas e, ao mesmo tempo, distinguindo isso de seu aspecto sugestivo, de que Freud abriu mão, na própria fundação da psicanálise. Trata-se de uma presença bastante pontual: Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 49 … só quando a resistência está em seu auge é que pode o analista, trabalhando em comum com o paciente, descobrir os impulsos pulsionais recalcados que estão alimentando a resistência; e é este tipo de experiência que convence o paciente da existência e do poder de tais impulsos (Freud, 1915/1996e, p. 170), tradução modificada). Freud é ainda mais preciso em sua indicação sobre como o analista deve se portar frente aos modos como os sintomas perpassam o tratamento analítico e requisitam sua intervenção: para ele, o analista “nada mais tem a fazer senão esperar e deixar as coisas seguirem seu curso, que não pode ser evitado nem continuamente apressado” (1915/1996e, p. 171). Na conferência XXVII (1916/1996b), pela primeira vez Freud tornava publico um trabalho sobre a transferência e declarava que o psicanalista deveria estar atento ao conflito de forças contrastantes que esse campo apresenta, “que não deve ser confundido com uma luta normal” (p. 435), atento o bastante para não buscar solucionar esse conflito, seja apostando no triunfo de uma dessas forças, seja por qualquer “influência direta” que pudesse ser exercida pelo médico. Acredita que, em muito poucos casos, “o conflito é tão instável, que um fator desse, com o de o médico tomar partido, possa decidi-lo” (p. 435) e afirma que “tais casos efetivamente não necessitam do tratamento analítico” (p. 435). Freud concorda com Bernheim ao evocar que, no início de sua prática, havia afirmado que as pessoas são sugestionáveis, mas sabe que está lidando com “forças altamente explosivas” (1915/1996e, p. 187) e, nesse sentido, assevera que “estão muito mal informados” os que supõem “que o conselho e a orientação nos assuntos da vida façam parte integral da influência analítica” (1916/1996b, p. 435). Para Freud, ao contrário, “tudo o que procuramos levar a efeito é, de preferência, que o paciente venha a tomar as decisões por si mesmo” (1916/1996b, p. 435). Propõe que, apenas em alguns casos, como o de “pessoas muito jovens, ou muito carentes de ajuda ou instáveis, não conseguimos pôr em prática a desejada limitação de nosso papel”. Apenas nesses casos, propõe a combinação das “funções de médico e de educador; mas, sendo essa situação, estamos cônscios de nossa responsabilidade e nos conduzimos com a devida cautela” (p. 436). Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 50 Essa não foi a primeira vez que Freud apresenta a possibilidade de que o tratamento analítico encontre uma espécie de zona fronteiriça, onde os limites de uma psicanálise propriamente dita ficam mais nítidos e, antes de recuar diante dessa zona de fronteira, Freud utiliza sua aparente confusão para delimitar os campos e o faz a partir da ação do analista: em geral, o momento em que uma prática se distingue do que seria exigido, para ele, na técnica analítica, isso se mostra por meio da exigência de que o analista retire-se de uma posição de neutralidade, para, diante de um determinado problema ou público, passar a atuar através da sugestão, ou mesmo da educação. Relembra que o próprio Bernheim, para construção da base de sua teoria dos fenômenos hipnóticos59 teria se apoiado na tese de que “toda pessoa, de alguma forma é sugestionável” (Freud, 1916/1996b, p. 447). O que ele não pode esclarecer – sobre como surgia e o que era a sugestão, foi formulado pelo próprio Freud, já que ele diz que a sugestionabilidade suposta por Bernheim era a própria tendência à transferência, sem considerar sua vertente negativa. Na Conferência XXVIII, dedicada ao tema da “Terapia Analítica” (1917/1996c), Freud estabelece uma aproximação e uma diferença entre a hipnose e a psicanálise: embora ambas utilizem-se da sugestão, se servem dela de modos diferentes. A hipnose tinha ação cosmética - e autoritária – cujo objetivo de proibir os sintomas, deixando inalterados os processos que os levaram a ele; enquanto a psicanálise, agindo como cirurgia, “faz seu impacto mais retrospectivamente, em direção às raízes, onde os conflitos que originaram os sintomas, e utiliza a sugestão a fim de modificar o resultado desses conflitos (...) na psicanálise, agimos sobre a própria transferência” (p. 452). Considerando os propósitos dessa dissertação acerca do lugar do analista, sua presença, no tratamento, desde Freud até Lacan, uma afirmação de Freud merece atenção, já que designa o lugar do analista na transferência: 59 A teoria de Bernheim, marcadamente interessou a Freud – e colaborou para que abrisse mão da hipnose – já que Bernheim afirmava que a “sugestão era o elemento essencial nos fenômenos do hipnotismo, que a própria hipnose já era o resultado da sugestão, um estado sugerido; e ele preferia praticar a sugestão em estado de vigília, que pode conseguir os mesmos efeitos da sugestão sob hipnose” (Freud,1917, p.449) Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 51 Temos acompanhado essa nova edição do distúrbio antigo desde seu início, temos observado sua origem e seu crescimento e estamos especialmente aptos a nos situar dentro dele, de vez que, por sermos seu objeto, estamos colocados em seu próprio centro. Todos os sintomas de paciente abandonam seu significado original e assumem novo sentido que se refere à transferência; ou apenas tais sintomas persistem, por serem capazes de sofrer essa transformação. Mas dominar essa neurose nova, artificial, equivale a eliminar a doença inicialmente trazida ao tratamento – equivale a realizar nossa tarefa terapêutica. Uma pessoa que se tornou normal e livre da ação de impulsos instintuais reprimidos em sua relação com o médico, assim permanecerá em sua própria vida, após o médico haver-se retirado dela (p. 445). Diferente da reinterpretação feita por alguns pós-freudianos (como Sasha Nacht (1963/1967), por exemplo), para Freud, não se trata, em psicanálise, de promover um fortalecimento do eu, e nem mesmo de fazer-se presente de modo apaziguador, evitando uma frustração que inclusive consideramos, a partir da psicanálise, estrutural. Nas considerações sobre o manejo da transferência, Freud mostra que o lugar do analista é muito específico e se dá nesse campo de batalha que é a transferência: no lugar dos “objetos irreais da libido, aparece um único objeto e, mais uma vez, um objeto imaginário, na pessoa do analista” (1917/1996c, p. 455). Sérgio Laia, em uma leitura sobre essa, propõe uma aproximação desse objeto evidenciado por Freud ao que encontramos em Lacan, uma espécie de “vestígio antecipado do ‘objeto a’” (Laia, 2008), que Lacan pudera isolar, em seu ensino, na década de sessenta, além de colocar esse termo no centro do debate sobre o lugar do analista, sua presença, uma presença tão específica, no tratamento. Retornaremos a esse ponto no capítulo seguinte, a fim de verificar de que modo Lacan produziu essa aproximação entre o objeto pequeno “a” e a presença do analista, na direção do tratamento, no final de seu seminário sobre os conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1988). Antes, porém, interessa ainda ,percorrer em Freud, além do modo como se interessou em trazer à tona os principais impasses encontrados em sua clínica, impasses que se encontram ao longo de toda sua obra, e que o fizeram escolher os casos clínicos que publicou. Freud mostra, a cada momento, o quanto o interessava lançar luz sobre os impasses próprios a sua clínica e a seu tempo. Nesse sentido, antes de retornar às inquietações clínicas próprias ao momento atual, ou no mínimo, antes de recolocar reflexões dirigidas à teoria analítica, com base em uma prática contemporânea, torna-se importante considerar os aspectos políticos, próprios ao tempo de Freud, um contexto que Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 52 produziu algumas reflexões, no período entre guerras, reflexões que iam de encontro ao futuro da psicanálise, bem como seu lugar no mundo. Nesse sentido, Freud aponta para aquilo que lhe parece passível de ser modificado, assim como para aquilo que faria a psicanálise perder-se em seu fim, através de seus meios. 2.3 - Os fins da psicanálise e seu futuro: que lugar para o analista? Como sabem, nunca nos vangloriamos da inteireza e do acabamento definitivo de nosso conhecimento e de nossa capacidade. Estamos tão prontos agora, como estávamos antes, a admitir as imperfeições da nossa compreensão, a aprender novas coisas e a alterar os nossos métodos de qualquer forma que os possa melhorar (Freud, 1918, p.173) A partir da leitura dos artigos de Freud sobre a técnica psicanalítica, pareceu-nos indispensável comentar as apostas de Freud sobre o futuro da psicanálise. No ano de 1918, pouco depois do armistício, que pôs fim à Primeira Guerra Mundial, Freud fez um importante pronunciamento, no Quinto Congresso de Budapeste, em 1918: frente à destruição em que se encontrava a Europa transcorreram graves problemas sociais, que se agravaram e passaram a exigir intervenções que poderiam tratá-los ou mesmo solucionálos. Antes de seu pronunciamento em Budapeste (1918/1996d), o tema do futuro da psicanálise fora abordado por Freud em 1910, mesmo ano de fundação da Escola Internacional de Psicanálise. No texto intitulado “Perspectivas futuras da terapia analítica” (1910/1996a), Freud pauta as “inovações da técnica relacionadas com o próprio médico” (p. 150), a partir do momento em que a contratransferência passa a ser considerada. Isso implica, para Freud, que o analista “deva iniciar sua atividade por uma auto-análise”60. 60 Uma nota de rodapé, na página 151 desse texto, mostra que Freud depois passou a considerar as análises didáticas com outra pessoa. Isso mostra o quanto as formulações de Freud acompanhavam os desdobramentos que ele podia fazer, conforme os impasses que se colocavam diante dele, como analista, mas também o ocupavam enquanto inventor da psicanálise. É isso que justifica sua afirmação sobre as auto-analises: nesse tempo, o psicanalista era Freud e poucos que buscavam em seu contato com ele, saber sobre a psicanálise e utiliza-la. Esse texto coincide com o período em que a Escola nacional de Psicanálise se estabelecia, em função, justamente, do crescimento do interesse pela psicanálise no mundo. Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 53 Segundo Freud, “o tratamento analítico era inexorável e exaustivo. O doente tinha que dizer tudo de si e a atividade do médico consistia em pressioná-lo incessantemente. As coisas, hoje – ele diz – possuem atmosfera mais cordial” (1910/1996a, p. 147). No mesmo ano, escreve esse texto, que aponta para o futuro da psicanálise e outro texto, no final do ano de 1910, sobre a “Psicanálise Selvagem” (Freud, 1910/1996f). No primeiro texto, Freud mostra as inovações na técnica, relacionadas ao próprio médico (1910/1996a, p. 150) e, nesse sentido, diz que os analistas já estariam cumprindo seu dever, ao tratar psicanaliticamente seus pacientes, pois acredita que, assim não se está trabalhando somente a serviço da ciência, e nem somente oferecendo um remédio eficaz para o sofrimento de seus pacientes, mas “estarão contribuindo, com a sua parcela, para o esclarecimento da comunidade, através do qual esperamos alcançar a profilaxia mais radical, contra as perturbações neuróticas, ao longo do caminho indireto da autoridade social” (p. 156). Freud acreditava que a sociedade não teria pressa alguma em conferir essa “autoridade” ao psicanalista, uma vez que ele adota, em relação a ela, uma postura crítica ao assinalar, por exemplo, “que ela própria desempenha papel importante em causar neuroses”, ou por que “destruímos ilusões, somos acusados de comprometer os ideais” (p. 153). No segundo artigo em questão, escrito por Freud em 1910 (1910/1996a), lemos a preocupação com o destino da psicanálise, evidente no comentário de uma situação clínica. Trata-se de uma senhora que busca um jovem analista por vivenciar uma grande angustia após divorciar-se de seu marido, e procura Freud por que sua angústia se intensificara após a consulta ao jovem médico, que lhe informara que a razão de sua angustia seria a falta de satisfação sexual. Ele lhe diz, num primeiro encontro entre os dois, que ela teria três alternativas para seu sofrimento: todas elas, tarefas que envolviam a busca por uma suposta satisfação sexual que ele atribuía à teoria freudiana, mostrando, nesse mesmo ato, desconhecê-la, ou tê-la compreendido mal. Dessa vinheta clínica Freud extrai duas importantes indicações, sendo a primeira delas o fato de que nenhuma das “ três alternativas61 terapêuticas desse assim chamado 61 As alternativas consistiam em “voltar para o marido, ter um amante ou obter satisfação sexual consigo mesma” (p.233). Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 54 psicanalista não deixam lugar para a... psicanálise!” (p. 236). A segunda indicação, que se refere ao erro técnico de “informar ao paciente aquilo que ele não sabe por que ele reprimiu” (p. 237), desdobra-se em duas condições: o paciente deve, através de preparação, ter alcançado ele próprio a proximidade daquilo que ele reprimiu e segundo, ele deve ter formado uma ligação suficiente (transferência) com o médico para que seu relacionamento emocional com este torne uma nova fuga [para neurose] impossível (p. 237). Nesse sentido, Freud critica as tentativas de surpreender o paciente na primeira consulta (1910/1996a, p. 237) e destaca que debruçou-se a pensar e desenvolver regras técnicas para que se distinga entre o que é do campo psicanalítico e o que é do “indefinível ‘tato médico’, que se considera um dom especial” (p. 238).Chama atenção do médico que deseja se orientar pela psicanálise, para que esteja familiarizado com a técnica, que não pode ser adquirida nos livros, mas “com aqueles que já são experimentados nela” (p. 238). É nesse ponto que Freud justifica a criação da IPA62 , “em face dos perigos para os pacientes e para a causa da psicanálise”, afinal, “os analistas ‘selvagens’ causam mais dano à causa da psicanálise do que aos pacientes individualmente” e, diante desse quadro, conclui: “não tivemos outra escolha” (p. 238). O ano de 1918 é um ano decisivo para o comentário de Freud sobre o “futuro da psicanálise” porque é nele que Freud faz um importante pronunciamento no Quinto Congresso Psicanalítico Internacional, em Budapeste. Nesse Congresso, Freud renovava seu entusiasmo diante da possibilidade de “aprender novas coisas e alterar nossos métodos de qualquer forma que os possa melhorar” (1918/1996d, p. 173). Apesar dessa disposição, afirma que nada teria a modificar, no momento, acerca da necessidade de trazer à tona a revelação de resistências, com o apoio da transferência, muito embora esteja claro para ele que nem sempre a revelação de tais resistências garante que serão superadas. É marcante, nesse texto de 1918 a referência à abertura de “um novo campo de técnica analítica, cujo desenvolvimento exigirá cuidadosa aplicação, 62 Fundada no Segundo Congresso Psicanalítico, em fins de março de 1910, conforme indicado em nota de rodapé (Freud, 1910/1996a, p. 238) do mesmo texto. Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 55 e que levará a regras de procedimento bem definidas”, embora ainda em evolução, naquele tempo (1918/1996d, p. 176). Apresenta “um princípio fundamental que provavelmente irá dominar o nosso trabalho nesse campo” e que se define nos seguintes termos: “o tratamento analítico deve ser efetuado, na medida do possível, sob privação – num estado de abstinência” (p. 176). Muito diferente do modo como Sasha Nacht interpreta o lugar adequado para o analista, cuja presença serviria para aplacar as frustrações (que atribui ao comportamento do analista, durante o tratamento), Freud lembra nesse texto que “foi uma frustração que tornou o paciente doente e seus sintomas servem-lhe de satisfações substitutivas” e, à medida em que se recupera, reduz a força instintual que o impele à recuperação (1918/1996d, p. 176). Nesse sentido, Freud adverte, “devemos cuidar para que o sofrimento do paciente, em um grau de modo ou de outro efetivo, não acabe prematuramente”, afinal, o perigo que se corre o de “jamais conseguir senão melhoras insignificantes e transitórias” (p. 176). Ao defender que uma “condição de privação deve ser mantida durante o tratamento” (Freud, 1918/1996d, p. 178), Freud refere-se a uma recusa do analista em decidir o destino de seu paciente em seu lugar, “impor-lhe os nossos próprios ideais , e, com o orgulho de um Criador, a forma-lo à nossa própria imagem e verificar que isso é bom” (p. 178): ele próprio relata ter podido ajudar pessoas com as quais nada tinha em comum, sem que isso alterasse sua individualidade. Freud opõe-se, ainda, à idéia de que a psicanálise fosse colocada como uma perspectiva filosófica sobre o mundo a ser imposta ao paciente, com o propósito de enobrecer a mente. Sobre isso, Freud é bastante firme: “na minha opinião, em ultima análise, isso é apenas usar de violência, ainda que se revista dos motivos mais honrosos”(p. 178). Freud propõe tocar, ainda que de relance, segundo ele, numa situação que pode parecer fantástica à plateia que o escutava, já que se referia ao futuro da psicanálise: após considerar, mais uma vez, que as “necessidades de sobrevivência” dos analistas “limitam o nosso trabalho às classes abastadas” (1918/1996d, p. 180), reconhece que naquele momento nada poderia ser feito pelas camadas sociais mais amplas, embora considere que “as neuroses ameaçam a saúde pública não menos que a tuberculose” (p. 180). A aposta Capítulo 2 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 56 que Freud lança nesse Congresso é que seja possível aumentar os “nossos números em medida suficiente para tratar uma considerável massa da população”, já que localiza os limites de uma prática que efetivamente atue no âmbito da saúde publica por se tratar de “apenas um pequeno grupo e, mesmo trabalhando muito, cada um pode dedicar-se, num ano, somente a um pequeno número de pacientes” (p. 180). Nesse ponto, o comentário de Sérgio Laia é preciso, ao afirmar que no texto apresentado nesse Congresso, Freud “parecia querer forçar a entrada da terapêutica psicanalítica no espaço público como uma estratégia para antecipar seu reconhecimento pela sociedade” (Laia, 2010). Se o período compreendido entre 1918 e 1938 foi um período extremamente fecundo para o exercício da psicanálise como tratamento nas clínicas para pacientes externos, criadas em toda a Europa, depois de 1938 “com a propagação do Nazismo, as iniciativas psicanalíticas europeias comprometidas com o que Danto nos convida a chamar de ‘justiça social’ são quase totalmente desbaratadas” (Laia, 2010). Com relação à ampliação do alcance da psicanálise no mundo, e da perspectiva apresentada por Freud, de que trataria de tornar os psicanalistas mais numerosos, a fim de que incidissem de modo mais contundente diante da “miséria do mundo”, Laia apresenta uma resposta que Lacan dá à pergunta que lhe foi feita pela radio francesa, em Televisão: Naquele momento, ao ser questionado sobre “como se comportar com a cultura?”, Lacan respondera: “por que justamente não elevar o nível (...) a quem vocês têm que aglomerar?”: se Sérgio Laia recupera essa fala de Lacan, é para marcar que “quando os analistas se põem a falar para as massas ou quando, em nossos consultórios privados e nas instituições públicas, trabalhamos para a extensão da psicanálise, não se trata de nos propor como novos significantes-mestre capazes de aglomerar as pessoas” (2010). Trata-se, antes, de “dar lugar, como nos indicou Dominique Laurent, não ao que faz tropa, mas ao que se pode apresentar como exceções” (Éric Laurent citado por Laia, 2010). Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 57 3 - A PRESENÇA DO ANALISTA: DE QUE “REALIDADE” SE TRATA? “uma psicanálise, padrão ou não, é o tratamento que se espera de um psicanalista” (Lacan, 1955/1998d, p. 331) Vimos, ao longo do percurso realizado até aqui, que cada um dos analistas estudados nesse trabalho, debate, a seu modo, o conceito de transferência e o campo em que se circunscreve a expressão “presença do analista”, que pretendemos esclarecer. Neste capítulo, retomaremos suas principais constatações, buscando esclarecer nosso objeto. Colocar em relação os textos de Sasha Nacht e Lacan, no primeiro capítulo, mostrou divergências importantes para a compreensão do que cada um pretendia. e sobre o que torna a psicanálise de orientação lacaniana especialmente interessante, principalmente no que concerne ao eixo dessa pesquisa, que visa localizar, na teoria, orientações sobre a prática da psicanálise, mesmo quando não realizada nos consultórios particulares, ou seja, quando não configurada como um tratamento padrão. Nesse sentido, um dos principais pontos de nossa reflexão até aqui, aborda a relação do analista e a “realidade” em que se inscreve. Sasha Nacht propõe que, se o analista não está inicialmente inserido na “realidade para o paciente”, ele deve se integrar “suave e firmemente na realidade exterior, objetiva” (1963/1967, p. 68) e, a partir daí ele deve conduzir o paciente para o “mundo real”. Nacht teoriza que, “quanto maior for a firmeza com que se estabeleça o analista na realidade, mais rapidamente ele abandonará o campo afetivo do paciente” (p. 68). Lacan discorda da objetividade com a qual Nacht pretende iluminar a “presença do analista”. Ao mesmo tempo em que propõe esse modo de presença, critica a “neutralidade” proposta desde Freud, e interpreta que sua função seria a de estabilizar o paciente, “tranquila y firmemente em la neurosis de transferência”63 (Nacht, 1963/1967, p. 67), que, de acordo com ele, retira o sujeito da realidade, à qual deve ser devolvido pelo analista, através de uma presença “apaziguadora”. 63 tranquila e firmemente na neurose de transferência (traduzido pela autora). Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 58 Sasha Nacht entende que a neutralidade necessariamente resulta em frustração. A tarefa do analista seria evitá-la ou tornar-se realmente capaz de conseguir isso, por esse modo de presença que recomenda e que ele não demonstra como funciona. Freud, por outro lado, assegura a importância de não se subestimar os efeitos que podem se produzir a partir da abstinência que propõe, por parte do analista e Lacan, por seu turno, afirma que essa frustração que os teóricos pos freudianos insistiram em evitar é, na realidade, estrutural: a partir de sua concepção do tratamento, não é aí, na realidade objetiva, na própria relação entre o psicanalista e o paciente, que o analista deva concentrar sua intervenção. Curioso notar que Nacht evoca uma carta de Freud a Ferenczi, para apontar uma espécie de excessivo cuidado de Freud com as regras da psicanálise, o que as teriam tornado uma espécie de “tabu” que ele, naquele momento, propunha modificar. O que parece ter escapado a ele é que, o que Freud escreve, no começo da citação - e que destacamos aqui, novamente – ele teria dito que os analistas “no han entendido la elasticidas de las reglas”64 (Nacht, 1963/1967, p. 159)65, o que, no caso em questão, parece, justamente, aplicar-se ao próprio Nacht. Nossa retomada da obra freudiana, ou ao menos nos textos que dedica à técnica, sua posição sobre o modo como o analista deve se engajar no tratamento analítico é bem diferente disso. Cabe retomarmos que Freud fundou uma teoria a partir de sua prática, e a cada vez que um novo caso trazia uma dificuldade clínica, Freud não hesitava em rever aquilo que tinha exposto até o momento e introduzir uma nova perspectiva, ou, ao menos, sinalizar o limite ao qual havia chegado. Freud, em sua “Autobiografia” (Freud, 1925/2011), chama de “arte de interpretação”, esse fazer do analista cujo emprego bem sucedido requer tato e exercício e que, segundo ele, não é difícil de aprender (p. 123). Freud deixa muito clara sua escolha por abrir mão da “sugestão” que fazia parte do método hipnótico: optou pelo “mínimo grau de coerção”, “não perder contato com o 64 não entenderam a elasticidade das regras (traduzido pela autora) 65 Relembrando a citação (necessária essa nota?), Freud teria escrito para Ferenczi, Nacht escreve em seu livro: “Eu considerava que a coisa mais importante que que ‘habia que decir’ era o que não há que se fazer, a fim de evitar o que pudesse distanciar do espírito da análise. O resultado é que os analistas não teriam entendido a elasticidade das regras que estabeleci, e que fizeram delas ‘tabus’” (Correspondência de Freud a Ferenczi citado em Nacht, 1963/1967, p. 159) Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 59 presente real”, além de uma outra vantagem, a de que o médico não introduza sua própria expectativa (Freud, 1925/2011, p. 123). Inclui a suas recomendações, a “abstinência” por parte do analista. Ressalta que “tudo o que procuramos levar a efeito é, de preferência, que o paciente venha a tomar as decisões por si mesmo” (Freud, 1916, p.435). Além disso, Freud se preocupava com o fato de que, na técnica utilizada antes da psicanálise, propriamente dita, “os melhores resultados como que desapareciam subitamente quando a relação pessoal com o paciente se anuviava”, o que confirmou para Freud a ideia de que a relação afetiva era mais forte que todo trabalho da catarse (Freud, 1925/2011, p. 103). Isso, ao mesmo tempo, mostrou para Freud a fragilidade das soluções que se apresentavam sob efeito da sugestão, e, ao mesmo tempo, isolou a transferência, fenômeno com o qual Freud entendeu que era preciso lidar. De modo diferente do que Nacht pensava, Freud fundou a psicanálise com a neutralidade pensada assim. Lacan, em sua atenta leitura do texto freudiano, escreve, que “nada extraviaria mais o psicanalista do que procurar guiar-se por um pretenso contato experimentado com a realidade do sujeito” (Lacan, 1953/1998b, p. 254): para ele, se o analista deixa de contar com a fala do paciente, isso seria um erro, já que este é o único meio de ação do analista e, caso isso aconteça, ele “irá buscar uma realidade que preencha esse vazio” (p. 249). Vimos que Freud, ainda que tenha se empenhado em descrever os detalhes sobre o tratamento analítico, incluindo o uso do divã e outros detalhes da sessão, como a importância do dinheiro, da regularidade e frequência diária às “horas de análise” o que estava em questão, para ele, era encontrar meios para isolar aquilo de que viabilizaria o tratamento, a transferência. Muito diferente de um simples afeto, com Lacan, a transferência ganhou outra perspectiva: graças ao que se passa em sua teoria, especialmente a partir de sua concepção de inconsciente, que recuperada por ele no ano de seu seminário sobre os Conceitos Fundamentais da Psicanálise, segundo ele o inconsciente se havia refechado sobre sua mensagem, graças aos cuidados desse sativos ortopedeutas em que se tornaram os analistas da segunda e da terceira geração, que se dedicaram , no que psicologizando a teoria psicanalítica, a suturar essa hiância (Lacan, 1964/1988, p. 28) Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 60 Esse seminário é, portanto, um divisor de águas, pois ele marca uma posição clara de Lacan, em relação ao texto freudiano, tanto no que se refere ao inconsciente, quanto aos avanços que ele próprio fazia, a partir da concepção de “inconsciente estruturado como linguagem” (Lacan, 1964/1988, p. 27), quanto a partir de sua experiência, do cenário que vivia na França, nos anos sessenta e toda a discussão política em torno da habilitação que a IPA concederia ao analista e a separação de Lacan desse modelo criado por essa instituição, ou pelo menos, pelos que estiveram à frente dela, naqueles anos, o que incluía Sasha Nacht. Para além do embate institucional, o que nos interessa aqui é depreender daí o que ele afirma, sobre a teoria Freud-lacaniana e como ela pode ser útil, ainda hoje. As divergências que ficaram expostas naquele tempo, tinham relação com a técnica da psicanálise, como o debate sobre quanto tempo duraria a sessão, por exemplo, uma das razões para que a excomunhão de Lacan da IPA viesse a acontecer. No artigo intitulado Um Retorno a Freud, Cristian Dunker destaca que, se Freud tivesse escrito uma carta para Lacan fazendo-lhe observar as diferenças substanciais que este estava a introduzir no sistema psicanalítico certamente esta carta teria chegado em outubro de 1963. Três meses depois Lacan iniciaria uma revisão de seu primeiro inconsciente freudiano. (Dunker, 2008, p. 118) Ainda segundo Dunker, a marca clínica do Inconsciente, a partir daí “não é mais o que retorna ao mesmo lugar, mas a descontinuidade, o caráter não antecipável de sua ocorrência. Não é o lugar de retorno que o caracteriza, mas seu tempo.” (Dunker, 2008, p. 118) É neste sentido que, em 1964, o inconsciente lacaniano apresenta-se como hiância, fenda, descontinuidade, algo da ordem de um acontecimento, um achado que, uma vez apresentado, é um “reachado, e mais ainda, sempre está prestes a escapar de novo instaurando a dimensão da perda” (Lacan, 1964/1988, p. 30). Nesse contexto, se insere a definição lacaniana de inconsciente como fenômeno, em 1964, apresentando-se entre tropeços. Isso se mostra relevante, na medida em que Lacan afirma que não pode separar o conceito de inconsciente da presença do analista” (p. 121). Na definição que dá nesse seminário, “a presença do analista é ela própria uma manifestação do Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 61 inconsciente”. Segundo ele, num tom a que já nos acostumamos, essa expressão, “presença do analista - é um termo muito belo que estaríamos errados em reduzir a essa espécie de pregação lacrimejante (....) que encarna um livro66 que foi publicado com esse título” (p. 121). Lacan aproxima, nessa lição, isso que se manifesta, à “pulsação temporal” (Lacan, 1964/1988, p. 125) em que se pode localizar a “presença do analista”: ele relembra já haver indicado que “era preciso ver no inconsciente os efeitos da fala sobre o sujeito – na medida em que esses efeitos são tão radicalmente primários que são propriamente o que determina o estatuto do sujeito como sujeito. Aí está – diz Lacan – uma proposição destinada a restituir o inconsciente freudiano ao seu lugar” (p. 121). Se este ponto está marcado por ele durante a lição que dedica à “presença do analista”, no fim dessa mesma lição, depois de seu comentário sobre os textos de Thomas Szasz67 (1963), mostra o passo que pretende dar, nesse seminário, a propósito de sua “concepção de dinâmica inconsciente” e sobre a crítica que recebia na época, de que sua proposta era a de uma intelectualização da análise, já que punha ali em primeira ordem a função do significante, . A propósito, defende: Será que não se vê aparecer que nesse modo operatório – no qual tudo funciona pela confrontação de uma realidade e de uma conotação de ilusão portada sobre o fenômenos de transferência – é que muito bem reside a pretendida intelectualização? (Lacan, 1964, p.128) O que Lacan teria para mostrar, no final dessa lição, é que o que causa radicalmente o fechamento que comporta a transferência “e que será a outra face de nosso exame dos conceitos de transferência – é o que designei pelo objeto a68” (p.128) 3.1 - Analista: o objeto da transferência “o analista, eu lhes disse, mantém esse lugar, no que ele é o objeto da transferência” (Lacan, 1964, p.221). 66 Ele se refere ao livro de Sasha Nacht, comentado nesse trabalho. 67 Trabalhado aqui no item 1.3, dessa dissertação. 68 Conceito que ele estabeleceu no seu Seminário dedicado à Angústia (1962/1963) Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 62 Nos anos cinquenta, vimos, com Lacan que o “único objeto que está ao alcance do analista é a relação imaginária que o liga ao sujeito como o eu” (Lacan, 1953, p.255), nem por isso, entretanto, é deste lugar que Freud e Lacan propuseram que o analista se apresente, na direção do tratamento psicanalítico. E isso desde seu primeiro seminário, quando comenta os escritos técnicos de Freud e afirma que, “se a palavra é tomada como ela deve ser, como ponto central de perspectiva, é numa relação a três, e não numa relação a dois, que se deve formular, na sua completude, a experiência analítica” (Lacan, 1954, p.21). Nesse seminário, Lacan justifica a leitura do texto de Freud, não propriamente para que nos debrucemos sobre a presença de Freud e sua ação, mas em função da questão “o que fazemos quando fazemos análise?”, para mostrar a atualidade da técnica freudiana (p.19), por que o método freudiano nos faz ultrapassar o simples catálogo formal de procedimentos e categorias conceituais (p.37). Já nesse seminário, ele localiza que o que ensina é diferente de uma dimensão intelectual, pois, se há um lugar em que se situa o intelectual, seria nos fenômenos do ego, o que ensina é “o sentido e a função da ação da palavra, na medida em que é aí que está o elemento da interpretação” (p.357)69. Nesse tempo, ele dizia que o passo além que a psicanálise daria, seria “ao mesmo tempo, uma volta à aspiração da sua origem” (p.358) Ele aponta, ali, que depois, tratar-se-ia de buscar uma compreensão mais autentica do fenômeno da transferência, que ele parece conseguir no décimo primeiro seminário. Se o analista é o “homem a quem se fala livremente. Está ali para isso” (Lacan, 1955/1998d, p. 349), mesmo assim, isso acontece por que a pessoa do analista serve como suporte ao fenômeno da transferência. É preciso estar advertido quanto ao fato de que a relação de um sujeito com um contexto real poderia ter relevância na experiência psicológica, que “pode dar resultados, ter efeitos, permitir compor tabelas” (Lacan, 1964/1988, p. 135), mas ele a separa da perspectiva psicanalítica, através da qual a transferência não se confunde com um simples meio (...) não é a atualização da ilusão que levaria a essa identificação alienante que constitui qualquer conformização, ainda que a um 69 Variantes do tratamento-padrão (Lacan, 1955/1998, p.325-364) Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 63 modelo ideal, de que o analista, em caso algum poderia ser o suporte – a transferência é a atualização da realidade do inconsciente (p. 139) A partir daí, veremos que isso quer dizer que é na “transferência que devemos ver inscrever-se o peso da realidade sexual” (Lacan, 1964/1988, p. 147) e o ponto nodal, de ligação entre esta realidade e a pulsação inconsciente, é o desejo que, por sua vez, corre como indeterminação “por debaixo” da demanda: esse “elemento necessariamente em impasse, insatisfeito, impossível, desconhecido, elemento que se chama desejo” (p. 146). Se para Lacan, nesse momento, a transferência “é afirmação do laço do desejo do analista com o desejo do paciente” (Lacan, 1964/2003, p. 240), com Marie Helene Brousse, no livro “Para ler o Seminário 11 de Lacan” (Brousse, 1997), nos perguntamos: entre “os conceitos fundamentais da psicanálise”- tema desse seminário - por que Lacan prefere tratar da Pulsão e não do Desejo? Brousse lança sua hipótese: por que o desejo é uma invenção de Lacan, e ele sabia disso, naquela época. A invenção de Lacan é a noção do desejo do analista, que não se encontra na obra de Freud. Está implícito em Freud, definido como a busca da verdade. Freud está buscando a verdade nos seus casos, mas não podemos dizer que Lacan esteja na mesma posição (p.118). Não entraremos nas questões concernentes ao desejo do analista, para nos mantermos circunscritos ao da “presença do analista”, que seria, antes, a realização desse desejo. Assim, retomando a existência da transferência além da psicanálise, Brousse, a partir das relações que estabelece entre a transferência e a pulsão, afirma que “não existe inconsciente sem transferência” (Brousse, 1997, p. 119), afinal, se a transferência está presente em vários lugares, na vida social e política, não é tomada como realidade do inconsciente. Para ela, a “diferença é que, a partir de Freud, a transferência surge como realidade do inconsciente” (p. 119) e a associação livre, a “única regra fundamental da psicanálise (...) produz tanto a transferência, quanto o inconsciente como tal” (p. 120). Jacques Alain Miller, em seu curso de 2008, “Sutilezas analíticas”, retomou a perspectiva do desejo do analista, “em que se presentifica, na Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 64 experiência, a incidência sexual” (2008, p. 149), situando-o, não na ordem do fazer: Consiste essencialmente na suspensão de qualquer demanda por parte do analista, na suspensão de qualquer demanda de ser: não se pede que sejam inteligentes, não se pede que sejam verdadeiros, não se pede que sejam bons, não se pede que sejam decentes, só se pede que falem o que se passa em sua cabeça. Se pede que entreguem o mais superficial que vem a sua consciência. (p. 41) Em outro texto, “Elementos da Biologia Lacaniana” (1999), Jacques Alain Miller se propõe a um “esboço fenomenológico da operação analítica” (p. 27), destacando que, na operação analítica, o mínimo que se pode dizer é que ela “recomenda uma abstenção corporal”. Assim, ao mesmo tempo “a presença dos corpos, de dois corpos, é uma condição da operação analítica (...) mesmo reduzido ao mínimo da sua presença, o corpo vivo não pode ser subtraído” (p. 28) e tampouco considerado. Deste modo, o paciente pode se apoiar nesse que irremediavelmente “paga com sua pessoa, na medida em que ele a empresta como suporte aos fenômenos singulares que a análise descobriu na transferência” (Lacan, 1958/1998a, p. 593), com o objetivo de se analisar. A presença do analista introduz, portanto, “antes de qualquer intervenção, a dimensão do diálogo” (Lacan, 1951/1998c, p. 251), uma espécie de “intimação secreta que [o analista] não pode afastar nem mesmo ao se calar” (1955/1998d, p. 333). É possível encontrar algumas elaborações a este respeito, como a que Josée Marti nos empresta: “O analista, engajado na transferência, engaja seu desejo: a realidade da sua presença terá esta propriedade paradoxal de ser ao mesmo tempo o suporte, o apoio do nada de toda demanda, e a presentificação em ato, num apagamento, daquilo que o causa. O analista é esta figura dionisíaca do sempre outro, do deslocado, do movido” (Marti, 1997, p. 20) Desse modo, cabe manter a atenção voltada para o fato de que a “presença do analista”, proposta por Lacan, vai muito além da presença corporal do praticante da psicanálise diante do paciente a quem busca atender e se aqui não nos propomos esgotar esse tema, ao menos parece-nos imprescindível reabrir esse debate, mesmo em contextos que podem desviar o Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 65 analista em formação, daquilo que seria uma função para o analista, independente do contexto em que se encontre. 3.2 - Práticas de atendimento a “a céu aberto” e a interrogação que colocam para a psicanálise qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir, quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais efetivos e mais importantes, continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à psicanálise estrita, e não tendenciosa (Freud, 1918/1996e, p. 181). Na leitura apresentada no segundo capítulo, pudemos observar que Freud, em pelo menos dois momentos importantes, nos anos de 1910 (1910/1996b) e 1918 (1918/1996e), lançou-se ao desafio de comentar sobre o lugar que a Psicanálise poderia ter, no futuro. Se em Lacan encontramos uma recomendação ao psicanalista, para que esteja atento à subjetividade de seu tempo, Miller, mais recentemente, em seu curso de 2008, “Sutilezas analíticas” (2008) - traduzido para o português (ainda inédito) como “Coisas de fineza em psicanálise” - posiciona-se acerca do horizonte da psicanálise e sobre os riscos de que ela seja “arrastada pelo movimento do mundo” atual. (p. 13). Jacques Alain Miller vê-se diante do que chamou uma escolha forçada: a de proceder a um retorno a Lacan, expressão que usa pela primeira vez neste curso, em razão do que chamou de “frenesi de psicanálise aplicada” (2008, p. 17), algo que poderia produzir uma sujeição do discurso analítico ao discurso do Mestre, ou, se Miller não estiver sendo pessimista, devemos estar atentos a que “a psicanálise possa morrer por sua complacência com relação ao discurso do mestre” (Miller, 2008, p. 25). Vimos que, em 1918, Freud toca de relance, como ele mesmo diz, numa situação que pertence ao futuro, situação que chega a designar como “fantástica” (1918/1996e, p. 180) propunha que a psicanálise ampliasse o número de analistas, para lidar com a “massa da população” (1918/1996e), vemos que no ano do seminário, central em nossa investigação (Lacan, 1964/1988) é também o ano que Lacan funda sua Escola, a Escola Francesa de Psicanálise e um comentário bastante célebre que faz, no Ato de Fundação dessa Escola, é que não precisaria “de uma lista numerosa, mas de Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 66 trabalhadores decididos”, como se considerava, naquele momento. No texto intitulado “A psicanálise aplicada a terapêutica e a política da psicanálise hoje” (2010), Sérgio Laia, diante da entrevista que Lacan forneceu à rádio francesa, em 1970 – diante da pergunta que lhe foi feita, sobre como se colocar na cultura - Lacan responde: “a quem vocês querem aglomerar?”. Laia depreende daí uma orientação lacaniana que aponta para a sobrevivência da psicanálise, para a preservação de sua utilidade no mundo, “não se trata de nos propor como novos significantes-mestres capazes de aglomerar as pessoas. A extensão da psicanálise de orientação lacaniana não deve ser feita com o lançamento de ‘palavras de ordem’”, mas, antes, aceitando essa ampliação, “trata-se de capturar o mais próprio de cada um” (Laia, 2010). Desse modo, se Lacan se opunha a uma perspectiva numerosa para se pensar a ampliação da psicanálise, nem por isso ele deixou de se ocupar dessa pergunta, sobre como a psicanálise poderia responder aos impasses de sua época, preservando sua utilidade, na sociedade contemporânea. Hoje em dia, em todo o mundo, é comum percebermos a ampliação dos campos de atuação, onde se poderia encontrar praticantes da psicanálise: hospitais, escolas, medidas socioeducativas, unidades prisionais, centros de saúde, consultórios particulares, projetos de extensão universitária, hospitais psiquiátricos, acompanhamentos terapêuticos. Nota-se que o campo de atuação não coloca o psicanalista sempre na mesma função, diante daquele que receberá, em atendimento. Os impasses que se destacam na cena contemporânea, parecem inscrever-se, ainda – ou ao menos é o que ganha destaque nessa dissertação – entorno do manejo da transferência, pelo analista, em situações diferentes das que se encontrava, nas épocas de Freud e de Lacan. A prática que disparou essa reflexão, circunscreve-se ao contexto brasileiro e à questões que concernem ao modo de vida experimentado por uma série de adolescentes e jovens, brasileiros, especialmente aqueles que vivem nas periferias dos centros urbanos Atualmente, algumas políticas públicas passaram a dirigir-se àqueles que busca atender, ampliando o alcance das políticas, dada a vulnerabilidade daquele sujeito, assim, pressupõe-se o atendimento como necessário, antes que isso seja buscado pelo próprio sujeito. Diante dos problemas, colocados na Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 67 ordem do dia, através de inúmeras estatísticas que apontam para um problema referente à juventude brasileira, sobre como está exposta ao risco e à falta de proteção ou orientação para a construção de um projeto de vida, e o quanto os jovens desse país tem se envolvido em situações de violência - vivida tanto entre eles, quanto na violência institucional contra eles -, foram adotadas inúmeras medidas para interferir na realidade própria a esse contexto. Exemplo destas práticas é a da implementação do Estatuto da criança e do adolescente, (Lei n. 8069 de 13 jul. 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, 1990), que tem a tarefa de regular os direitos fundamentais deste publico, assim como seus deveres e meios de cumpri-los: existem, portanto, desde medidas protetivas à socioeducativas, em meio aberto ou em privação de liberdade. Em cada um destes modos de atendimento, por exemplo, podemos encontrar praticantes da psicanálise. Um dos trabalhos marcados por essa forma de atuação é o trabalho que realizei ao longo de cinco anos, entre 2005 e 2010, no Programa de controle de homicídios entre jovens: Fica Vivo! (Decreto 43.334, de 20/05/2003 Dispõe sobre a criação do Programa de Controle de Homicídios do Estado de Minas Gerais e dá outras providências, 2003). Essa política é parte da política de prevenção à criminalidade, da Secretaria do Estado de Defesa Social/MG, que contratava psicólogos e outros profissionais da área de ciências humanas para trabalhar na vertente da “Proteção Social”, braço dessa política, que se estendia até as regiões conhecidas pelas pesquisas, como aquelas que continham os mais altos índices de homicídios entre jovens. A partir daí, uma equipe com dois “técnicos sociais” e dois estagiários era responsável pela base local desse Programa, em uma determinada área: cada núcleo atende adolescentes e jovens, entre 12 e 24 anos, através de práticas coletivas, como as oficinas de arte, cultura e esporte, além de assegurar a possibilidade de atendimento individual a cada adolescente que precisasse. Além disso, esperava-se desse “técnico”, que realizasse uma interlocução com a rede de proteção social Uma das várias possibilidades de intervenção dos técnicos sociais junto a esse público nesta metodologia (criada em 2002) consiste no “atendimento psicossocial”, cuja característica peculiar é a de fazer-se “a céu aberto” (Faria, Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 68 2006), nas ruas, becos, “bocas de fumo”, centros de internação, quadras esportivas, em meio a alguma oficina e, em alguns momentos, na sala de atendimento, no núcleo de referencia: ou seja, independente do espaço onde uma demanda se endereçasse ao profissional desse serviço, que se colocava a disposição para apoiar os jovens, especialmente aqueles mais ligados ao crime e envolvidos com as rivalidades que muitas vezes envolviam conflitos próprios ao território e circunscritos à própria juventude. Isso inverte uma lógica tradicional, que se realiza entre quatro paredes (no caso da psicanálise, contando com o uso do divã): nessas situações, o enquadre não determina o atendimento, mas, antes, o endereçamento de um jovem àquele profissional, ou seu encaminhamento pela rede de atendimento, ou até mesmo pela família ou outro jovem que indica ao amigo. Esses atendimentos aqui exemplificados , atendimento não era determinado pela justiça, como muitas vezes acontecia com esses jovens: muitos deles, em algum momento de sua vida - ou boa parte dela – cumpriram alguma medida sem medidas socioeducativas, seja em meio aberto ou em privação de liberdade. - e portanto, por acontecer, inclusive a “céu aberto”, ganhou diversos envoltórios, que talvez tenham permitido a formulação dessa questão, dada a variabilidade de cenários onde um atendimento poderia acontecer. Nessa prática, diante da oferta de um espaço para a palavra, alguns jovens puderam se colocar, diante dos problemas que viviam: desde um jovem que havia tentado matar outro “por causa de mulher” e a culpa o estava atormentando; até um jovem que pedia apoio para lidar com a vida, com a namorada e com o mundo que o cercava, a partir da recente perda da visão; uma jovem que se colocava o tempo todo em risco e queria se ver “livre da droga”: sofria por causa de seu envolvimento (não com o crime), mas com um traficante que amava e ao longo de suas elaborações conseguiu apoio para se abrigar (diferente de ser abrigada, destino dado pelo Conselho Tutelar a vários primos, em sua família); há ainda situações como a do jovem que foi atingido com oito tiros e queria se ver livre da “paranoia” (como ele dizia) que o acometeu depois desse fato.:, mas não parava de “olhar para trás” até poder falar, no atendimento, sobre o velório do pai (“todo furado de tanto tiro que Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 69 tomou”) e separar-se disso. Sua proximidade com a Igreja foi um elemento a mais no caso desse jovem que volta a ser jardineiro (profissão de que gostava muito), torna-se pai, realiza o sonho de aprender a tocar violão e não só sustentou que não tinha intenção de “revidar” os tiros que recebera, como me contou, anos depois, que chegou a perdoar o jovem vizinho que atirara nele. Seguiu sua vida. Muitos desses jovens com os quais lidávamos, nesse Programa, eram falados na rede como jovens “impossíveis”, tratados muitas vezes como “casos perdidos”, cujo alcance da “medida socioeducativa” mostrou seu limite, ou simplesmente tratados como aqueles para quem as ofertas haviam se esgotado, é comum ouvirmos eles “não aderem” ao que lhes é oferecido. Em alguns casos, encontramos um acompanhamento realizado há anos, por exemplo, pelo Conselho Tutelar, (que acompanhava a família de uma adolescente que atendi) por causa de negligencia por parte da mãe (nesse caso) , ou qualquer outro dado da realidade objetiva dessas pessoas, sem que de fato, a posição diante da vida, desses sujeitos atendidos, tenha se alterado. É um desafio contemporâneo o acompanhamento desse público, que, inclusive, muito raramente se endereça, em busca de “refugio, auxílio, orientação” - o que, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, é, inclusive, um direito, compreendido no capítulo intitulado “Do direito à liberdade, a respeito e à dignidade” (Lei n. 8069 de 13 jul. 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, 1990, n. Capitulo II). Muitas vezes sua “realidade” toma o lugar das questões que de fato acometem o sujeito, mais além daquilo que é esperado ou do que aparenta. Vários atendimentos aconteceram nos cinco anos em que estive às voltas com essa política (2005 a 2010), nesse trabalho, “a céu aberto”. Apesar de terem sido poucos os jovens que produziram esse tipo de endereçamento – dentre os vários que o Programa atendia naquela comunidade, por meio das atividades coletivas – ainda assim, diante da liberdade que tinham de ser ou de não ser atendidos, já que nenhuma medida judicial (seja protetiva ou punitiva) o obrigava a tal. Nesse sentido, não se apresentam de modo significativo, nas estatísticas de atendimento: não contam por seu número, mas por que Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 70 puderam mostrar, na prática na qual estivemos concernidos, que o analista pode ser útil se está à disposição. Práticas como essa ainda são muito recentes e parece extremamente necessário, diante de um contexto em que muito tem sido feito em relação a esse publico, que a psicanálise possa compor o debate, reintroduzindo, se não o modo de atendimento individual (mesmo que não padrão), mas pelo menos afirmando a importância que a palavra desses sujeitos tem, diante do mal estar que vivem e do qual são testemunha. Além dessa prática que tive oportunidade de realizar ao longo de cinco anos, outras práticas também inauguram um novo modo de intervenção no campo de trabalho que aqui destacamos: uma prática que se estende mais além dos ambulatórios e do quadro protegido (Lacan, 1960/1992, p. 23), dos consultórios, para citar dois exemplos, é o que acontece como trabalho dos Acompanhantes Terapêuticos (AT), que serviram de apoio à lógica da reforma psiquiátrica (do tratamento em liberdade) e, mais recentemente, o trabalho dos Consultórios de Rua. Neste caso, a rua possibilita o encontro entre um praticante da psicanalise e alguém que dele possa precisar. A função conhecida como “A.T.” (acompanhantes terapêuticos) foi fundamental por proporciona que o sujeito, antes confinado num Hospital Psiquiátrico, pudesse passar a frequentar efetivamente a cidade, lançando mão dos recursos nela existentes, deparando-se aos poucos com as limitações, ampliando e estabelecendo laços além do Hospital, lugar que passa a tornar-se aquilo que é essencialmente: um lugar destinado ao tratamento e não à moradia, abrigo. Tornou-se fundamental, dada a complexidade que encontravam, no encontro com a cidade e sua imprevisibilidade, que pudessem ser acompanhados, ou se apoiar. Praticantes da psicanálise puderam colocarse as voltas com esse cenário, assim como desenvolver um trabalho, graças ao empenho que colocou as questões encontradas na prática, diante da teoria psicanalítica, fazendo dela uma via orientadora para esse tipo de trabalho. Para Analice Palombini, por exemplo, em seu livro Acompanhamento Terapêutico na Rede Pública: a clínica em movimento (2008), trata-se de “transferir a psicanálise para o fora que constitui a loucura, numa transgressão às normas e preceitos da razão”, para ela, o AT “certamente pode ser descrito como uma clínica em ato, onde o setting é a cidade: a rua, a praça, a casa, o bar” e sua Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 71 tarefa é a de “suportar a ignorância para não precipitar um saber que aliena” (p. 78). Nesse sentido, um praticante da psicanálise pode assegurar a devida neutralidade, mesmo se o único sustentáculo daquele encontro é seu próprio corpo e o do sujeito em atendimento, na cidade:, e nossa aposta é que também possa fazê-lo em uma prisão isso dependerá do modo como o praticante da psicanálise se coloca. Ao enunciar as “Perspectivas futuras”, Freud certamente não pode prever o que se pensaria, a partir da psicanálise tantos anos após sua invenção. Se hoje retomamos sua obra, assim como a de Lacan, é por que encontramos em sua teoria, orientações que cabem à prática, ainda hoje. E, embora contraindicasse o tratamento gratuito, à época de seus Artigos sobre a técnica, dizia ele próprio realiza-lo, além de ter vislumbrado, em suas “Linhas de Progresso da terapia analítica” (Freud, 1918/1996e) uma “situação que pertenc[ia] ao futuro”, como ele diz, “é possível prever que, mais cedo ou mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência a sua mente, quando o tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a saúde pública não menos do que a tuberculose, de que, como esta, também não podem ser deixadas aos cuidados impotentes de membros individuais da comunidade” (Freud, 1918/1996e). Interessou-nos notar que nessa Conferência de Budapeste, Freud, mais uma vez revê sua teoria e perspectiva, em função do que acontecia. Ainda que em suas “Recomendações aos médicos que exercem a psicanálise” (1912/1996f), Freud tenha contraindicado a gratuidade do tratamento, tenha relatado sobre seu pedido de que os pacientes comparecessem todos os dias, no mesmo horário durante longos períodos de tempo às sessões, mesmo assim, diante do período que sucedeu a Primeira Guerra Mundial, diante da destruição que assolou a Europa, Freud não apenas ajudava financeiramente em uma outra circulação da moeda para assegurar os atendimentos, ele também reconheceu, conforme apresenta em Budapeste, um interesse em lidar com os problemas sociais que atingiam a Europa e, além, se propõe que a psicanálise se dedique a situações assim, em condições diferentes e até opostas àquela que ele propôs, é certamente por Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 72 acreditar que o que define uma analise, bem como seu sucesso, não é aí que se encontra. Ainda com Freud, em tom profético: “Quando isso acontecer haverá instituições ou clínicas para pacientes externos para os quais serão designados médicos analiticamente preparados, de modo que homens que de outra forma cederiam à bebida, mulheres que praticamente sucumbiriam ao seu fardo de privações, crianças para as quais não existe escolha a não ser o embrutecimento ou a neurose, possam tornar-se capazes, de resistência e de trabalho eficiente” (Freud, 1918/1996e, p. 180) Se, portanto, a psicanálise se inscreve nesse contexto, nos dias de hoje, se se relaciona com a contemporaneidade de seu tempo ,– se falamos da psicanálise, o que Freud propõe e aqui revalidamos, é que o“ analista não pode determinar de antemão exatamente quais resultados produzirá” e “o sentimento mais perigoso para um psicanalista é a ambição terapêutica de alcançar, mediante este método novo [o da psicanálise em si] e muito discutido, algo que produza efeito convincente sobre outras pessoas” (Fred, 1912/1996f, p. 128) Com Lacan, vimos uma indicação, presente já na década de cinquenta, em que, segundo ele, “para saber como responder ao sujeito na análise, o método consiste em reconhecer primeiro o lugar em que está o seu ego, em saber através de quem e a quem o sujeito formula sua pergunta” (Lacan, 1953/1998b, p. 304). Assim, o simples fato de fazer caber a pergunta que o sujeito pode colocar – independente do contexto que se encontre – parece ser uma das tarefas do praticante da psicanálise, nesse campo, aberto. Nesse sentido, esse encontro pode variar desde a “intimação secreta” da posição de ouvinte (Lacan, 1955/1998d, p. 333) que o analista apresenta, se ele é “o homem a quem se fala livremente” (Lacan, 1958/1998a, p. 622). Para Lacan “propor tarefas organizadas por nós” seria parte do domínio de validade do que se chama de psicologia, que não tem nada a ver com o nível em que mantemos a experiência psicanalítica e que, se assim posso dizer, reforça incrivelmente a miséria do sujeito” (1964/1988, p. 136). Se, como vimos aqui, o material com que o analista lida é a palavra daquele a quem atende e se o que o distingue é “fazer de uma função que é comum a todos os homens um uso que não está ao alcance de todo mundo, quando ele porta a palavra falada” (Lacan, 1955/1998d, p. 352) parece claro, a partir dessa Capiítulo 3 Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 73 afirmação que a palavra é o campo de ação do analista e trata-se, portanto, de manter o rigor ético “fora do qual qualquer tratamento, mesmo recheado de conhecimentos psicanalíticos não pode ser, senão, psicoterapia” (p. 326). De modo geral, nas políticas públicas, espera-se, ao que parece, por um técnico – capaz de executar as tarefas próprias àquela política e, para tanto, o ideal é que domine sua metodologia, aplicando-a, e também atingindo marcas e metas e apresentando resultados contabilizáveis. Tal papel não é necessariamente exercido por um psicólogo (que tem, no bojo de sua profissão, o atendimento clínico como uma perspectiva, um instrumento de intervenção). Cabe comentar que não é possível, com tudo o que vimos até aqui, afirmar a existência do analista, uma vez que essa função não é o que ocorre, eventualmente, no encontro entre dois. Nesse sentido, ao praticante da psicanálise, o desafio contemporâneo é o de localizar, em meio a praticas tão diversas (cuja metodologia de cada política evidencia), como encontrar uma perspectiva que o permita aplicar a psicanálise, a cada vez, preservando os princípios, que fizeram dela o que é. Em todo o percurso realizado até aqui, parece-nos que não há qualquer sinal de que a psicanálise possa dispensar a transferência como elemento motor do tratamento analítico, ainda que este aconteça em outros contextos, do lado de fora do consultório e que, nesse campo, a transferência ganhe novos contornos. Pode ser fundamental, entretanto, que o psicanalista que trabalha em políticas públicas esteja à disposição para oferecer-se como referência para o endereçamento do sujeito a quem se dispõe a atender e, a cada vez que um novo desafio se impuser o praticante da psicanálise poderá lançar mão de uma pergunta orientadora: “será que isso ainda é psicanálise Considerações Finais Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 74 CONSIDERAÇÕES FINAIS O percurso realizado até aqui revelou que essa expressão, a “presença do analista”, pode ser entendida além da simples presença que se coloca á disposição a fim de tratar um outro. Cada um dos termos, “presença” e “analista” dariam uma pesquisa, por suas particularidades conceituais. Aqui, não pudemos empreender uma pesquisa sobre o primeiro termo: embora possamos isolar o termo “presença” e, já que ele é apresentado por Lacan como “uma manifestação” (Lacan, 1964/1988, p. 121), poderíamos ter sido conduzidos pela perspectiva aberta no debate sobre a tiquê, no primeiro capítulo , rumo a um esclarecimento sobre a perspectiva temporal aí colocada. Poderíamos ter colocado a “presença” em Lacan, em relação àquela encontrada em Heidegger, propondo uma interlocução entre os autores, buscando em “Ser e o tempo” (1926/2006), uma perspectiva filosófica para o problema da “Presença do analista”, mas isso nos distanciaria demais do tema aqui proposto, bem como ao contexto a que se circunscreve, ainda que o sexto capítulo do livro tenha um título bastante curioso para o tema aqui debatido: “a cura como ser da presença”. Já que a perspectiva lacaniana é a que nos interessa, nossa decisão foi por deixar-nos conduzir pelo objeto dessa pesquisa, por meio das vias abertas por Lacan, em seu décimo primeiro seminário (Lacan, 1964/1988). Deste modo, o estudo sobre a “presença do analista” – tema que mostrou-se bastante fugidio - realizou-se em torno do campo da Transferência, à luz da teoria freudiana, e em meio às criticas feitas por ele, aos psicanalistas Sasha Nacht e Thomas Szasz. Encontramos, no contexto da década de sessenta, que a leitura de Lacan sobre a psicanálise e o lugar do analista no tratamento psicanalítico é muito mais próxima de Freud, do que de Nacht e Szasz . Mais próxima, primeiro por que propõe que o analista considere exclusivamente a fala do paciente, depois por que revisita a teoria freudiana sobre a transferência: Lacan sabe que, o silêncio do analista faz falar o analisante, e que este é o campo de ação do analista. Considerações Finais Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 75 O estudo aqui empreendido apresentou como Sasha Nacht indicava para o analista um modo standard de se colocar diante do paciente, um modo de se colocar que buscava evitar tanto o silêncio do analista, quanto sua interpretação, sob o argumento de que ambos poderiam gerar ainda mais frustração. Ele contraria a proposta de neutralidade que vimos aqui com Freud e Lacan, aparentemente por não entender sua função e insiste na presença “apaziguadora” do analista como tratamento padrão. Para Lacan, essa frustração é inerente ao próprio discurso (Lacan, 1953/1998b, p. 250). Vimos, ao longo desse estudo, o quão atual é a posição de Freud e como ele se dispunha a atualizar a psicanálise a cada caso: nesse sentido é Freud que nos encoraja a não recuar diante dos impasses de nosso tempo, ainda que os problemas com que lidamos hoje, pareçam de solução impossível. Hoje em dia, como dissemos, muitos praticantes da psicanálise encontram-se trabalhando diante de diversos impasses, nas áreas de educação, saúde, assistência social, direito... e isso modifica o estatuto da clínica. Ganhou destaque, ao longo da pesquisa aqui empreendida, a recomendação de que o praticante da psicanálise possa manejar a transferência que se coloca, a cada novo caso, buscando apresentar, em sua intervenção, o mínimo grau de coerção, além de estar à disposição para escutar aquele que se dispõe a atender. Valorizando a palavra daquele que atende em qualquer contexto em que se inscreva, o praticante da psicanálise permitirá que se possa escutar aquilo que não está escrito em sua ficha criminal, em seu histórico psiquiátrico, laudo judicial, ou, ainda, através das palavras de profissionais da rede de atendimento que também podem calar o sujeito, sob o nome daquilo que buscam curar nele, como, por exemplo, os termos criminoso, hiperativo e tantos outras nomenclaturas que compõem o cenário contemporâneo aqui apresentado. Assim, caberá ao praticante da psicanálise abrir um intervalo em meio ao poder e à diversidade de anseios acerca dos adolescentes e jovens. Se, como vimos, a realidade desses jovens justifica a existência de políticas publicas voltadas para atendê-lo lá onde vive esse sujeito, nesses casos, a própria realidade do sujeito se impõe e, nesse caso, é preciso atravessá-la e permitir-se estar presente aí, nesse contexto, mais além da Considerações Finais Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 76 objetividade. Ao contrário do que Sasha Nacht propunha, estar presente, não deve estar atrelado ao sentido de se inserir na realidade propriamente dita, a realidade objetiva, embora, em alguns casos, a complexidade objetiva na vida dos jovens convida o profissional a esse desvio, apontando para uma perspectiva de ação puramente objetiva. Antes de propor a si mesmo a pergunta de como servir como analista em contextos assim, à. primeira pergunta, seguirá a próxima: Como introduzir-se na realidade inconsciente? Haveria um padrão? Sabemos que a psicanálise de orientação lacaniana não contraindicará a psicanálise, ao mesmo tempo em que não propõe prever onde produzirá efeitos e em quanto tempo, tampouco pode garanti-los. Se até aqui chegamos a conclusão de que o analista lida exclusivamente com a palavra, e que a psicanálise acontece através da transferência, o modo como esses termos(a palavra, a transferência, o tempo) se apresentam em nossa clínica contemporânea ainda precisa ser muitas vezes colocado em questão, pois não acontecem do mesmo modo como aconteciam no período que Freud criou a psicanálise e tampouco ao modo como Lacan a reintroduziu na França, na década de sessenta. Como vimos, nem a palavra se coloca mais do mesmo modo, nem tampouco a transferência. Mesmo a “presença”, hoje em dia, é algo a ser questionado, especialmente depois do advento da internet e, ultimamente, das redes sociais onde as pessoas encontraram um novo modo de se comunicar e de se fazerem presentes. Um modo novo, que tem se mostrado de fato eficiente no que diz respeito a organização de ações coletivas entre pessoas que se encontram distantes umas das outras. Recentemente, por exemplo, foi publicada no Jornal Estado de São Paulo, uma matéria chamada “Divã virtual” (“Terapia online inaugura o divã virtual,” 2012) e que se perguntava sobre a possibilidade de uma psicanálise acontecer à distância. Se tal indagação antes parecia um advento da ficção científica, hoje, existem várias as clínicas de consultas online, encontradas pela internet, inclusive vinculadas a universidades e atestadas pelo Conselho Federal de Psicologia. Ao psicanalista cabe não se colocar como um trabalhador, já que a psicanálise não é uma profissão e tampouco uma Considerações Finais Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 77 categoria profissional, se Lacan sempre se indispôs contra os Standards e se, defendia uma analise única a cada vez, era por defender a proposta freudiana: aí sim caberia a um comentário sobre “elasticidade das regras” - que Freud atribuía à psicanálise, em uma carta a Ferenczi, que Nacht recupera - por sua capacidade de mostrar que a psicanálise aplica-se em todo o caso, mas não em qualquer direção. Se uma experiência inédita é inaugurada por um analista, que se aplica a cada caso, consideraria que, tão importante quanto a inserção da psicanálise em outros contextos, distantes do consultório, é sua capacidade de localizar aquilo que concerne à psicanálise e transmissão de sua importância e utilidade na nos dias de hoje, diante dos impasses que se colocam diante dos praticantes da psicanálise. Nesse sentido, se Freud propôs, em 1918, que a psicanálise possa servir para um número cada vez maior de pessoas e, por que não, políticas públicas. Ou, como indicou Eric Laurent, fazer da particularidade, um instrumento útil, para todos (Laurent, 2007). Isso não é a mesma coisa que pensar a psicanálise como o saber diretor de outros campos do conhecimento em que se inscreve, num determinado contexto. Seria equivocado, portanto, utilizar a psicanálise para a construção de novos standards, criando generalidades e técnicas, capazes de incidir sobre um grupo de sujeitos, por que a própria psicanálise impõe aí seu limite. Apesar de não ter aprofundado nesse ponto, Freud destacou que a desejada “limitação de nosso papel” muitas vezes encontra um limite na interface com outras áreas e pondera que, em alguns casos, seria preciso lançar mão da sugestão; de que em alguns casos se trataria de reeducação, diferente da psicanálise; ou que, dadas as circunstâncias, seria obrigado a misturar o cobre da sugestão ao ouro puro da psicanálise, mas isso não seria mais a psicanálise Freud dizia que a análise era sempre questão de longos períodos de tempo e dizia isso num momento em que seus casos clínicos mais conhecidos foram atendidos por ele por menos de um ano, embora a regularidade fosse constante – uma vez por dia, seis dias por semana – o que tem se mostrado cada vez mais raro nos dias de hoje. Essa mudança, no entanto, não interfere na estrutura da psicanálise. Interessante notar que, mesmo que tenha colocado Considerações Finais Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 78 diante dos médicos que exerciam a psicanálise, alguns comentários sobre os detalhes da sessão, antes de sedimentar um standard, o que eles mostram, depois de tanto tempo e tantas transformações, é que a psicanálise não é uma prática capaz de ser identificada tão facilmente como muitas vezes é retratada: onde há um divã, há um analista. Primeiro por que, ao se comprovar que houve um analista no tratamento, pelo menos um analista tal como Lacan indica, isso acontece porque tal analista passou pela experiência analítica . Ou seja, stricto sensu, nem sempre se poderia dizer que o que está em ação, mesmo no setting clássico, é um analista. Mas isso vai além do que propusemos, até aqui. Um dos casos mais conhecidos, entre os que foram publicados por Freud é o caso do Pequeno Hans (Freud, 1909/1996a), o de uma fobia de uma criança de cinco anos conduzida de modo extremamente diferente do modo como Freud propunha que uma psicanálise acontecesse: era seu pai, naquele caso, quem escutava as perturbações da criança, em sua fobia de cavalos, na Viena do começo do Século XX, . Boa parte da análise do Pequeno Hans foi realizada nessa correspondência entre Freud e o pai de Hans, a quem o primeiro recomendava, eventualmente, intervenções. Assim, criou-se uma atmosfera de saber em torno daquele que Hans e o pai chamavam “O professor”, a quem se endereçavam cartas acerca do sofrimento do menino.. Sem entrar propriamente no caso, destacamos dele a via pouco padrão através da qual essa análise aconteceu e a presença pontual de Freud, que encontrou Hans apenas uma vez. É surpreendente que, nesse caso, ainda que ele seja um dos casos célebres, de uma analise de uma criança, - bastante trabalhado e comentado até os dias de hoje - Freud teve somente um encontro com o próprio Hans, que foi levado pelo pai até Freud, num momento em que sua doença se agravara bastante. Não seria acessório dizer que esse encontro único entre Freud e Hans produziu um efeito que impressionou o pai, um tempo depois, ao notar que a fobia cedera. Mesmo que parecesse absurdo para a época, aquilo que Hans dizia era levado em conta por Freud, mesmo que em alguns momentos o jovenzinho tivesse que se esquivar da influência do pai e seguir firme no seu propósito de dizer tudo o que vem a cabeça, dando a Freud não só a oportunidade de intervir naquele caso, mas de produzir conhecimento, Considerações Finais Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 79 digamos, de utilidade pública, a partir do que descobriu diante do caso do Pequeno Hans. Freud não apresentou somente casos bem sucedidos, capazes de mostrar como a psicanálise se acomoda a determinadas situações, ou mesmo às regras que disponibilizou em suas “recomendações”, mas, antes, o quanto é imprevisível a demanda que será endereçada a um psicanalista, a um praticante da psicanálise. Embora o encontro pontual entre Freud e o pequeno Hans pudesse ser destacado como ponto a lançar luz sobre os efeitos de uma psicanálise, ainda que num único encontro, não foi possível, aqui, nos dedicar a esse caso e muito menos a esse aspecto singular desse trabalho de Freud. Torna-se necessário considerar que, atualmente, há praticantes da psicanálise inseridos nos mais diversos setores da sociedade , dispostos a lidar com impasses do campo jurídico, da educação, da saúde, mesmo assim, sua inscrição nesses lugares não será exatamente a do trabalhador, como já assinalamos. Embora Lacan tenha articulado o termo “trabalhadores decididos” (1964, p.239) associado à figura do analista, vimos que para Lacan, o analista está entre aqueles que “podem testemunhar dos problemas cruciais, os pontos vivos em que eles se encontram para a análise, especialmente enquanto eles próprios estão na tarefa, ou, ao menos, estão na brecha de resolvê-la”. Para Pierre Naveau, citando Lacan na Proposição de 1967, ele diz que “estar na brecha implica que o fato de colocar um problema não basta (...) é preciso simultaneamente colocar um problema e o ato de resolve-lo” (Naveau, 2001, p. 91). Ainda na década de sessenta, encontramos Lacan dizer, na Proposição, que “a psicanálise constitui o acesso a ela” (Lacan, 1967/2003, p.258), e parece-me interessante que os psicanalistas que hoje estão nos serviços públicos, trabalhando com as mais variadas áreas mantenham sua disponibilidade, para estar na brecha, pois o contexto brasileiro, exige de nós, coragem. Referências Sobre a presença do analista na direção do tratamento: algumas reflexões atuais sobre o tema Joanna Angelo Ladeira 80 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS Assoun, P.-L. (2009). Dictionnaire thématique, historique et critique des oeuvres psychanalytiques. Paris: Presses Universitaire de France. Brousse, M. H. (1997). A pulsão I. In R. Feldsteins, B. Fink, & M. Jaanus (Eds.), D. D. 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