JOANNA ANGELO LADEIRA Sobre a presença do analista na

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JOANNA ANGELO LADEIRA
Sobre a presença do analista
na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Belo Horizonte
2014
JOANNA ANGELO LADEIRA
Sobre a presença do analista
na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Dissertação apresentada na Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas da Universidade Federal de Minas Gerais, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicologia. Área de concentração: Estudos Psicanalíticos Orientadora: Profª Drª Andrea Maris Campos Guerra Co-­‐orientador: Profº Drº Sérgio Augusto das Chagas Laia Belo Horizonte
Março/2014
I
AGRADECIMENTOS
Agradeço ao encontro adorável com os colegas dessa turma de
mestrado, pela alegria compartilhada nos intervalos e as trocas em sala:
agradeço, em especial, à Débora e ao Marcus, pela proximidade conquistada
nesse ultimo ano.
Aos que encontro na Real da Rua pelo papo reto que me ensina e intriga.
Agradeço pelos encontros do “Entre as Fronteiras da prática socioeducativa”
(CIEN), pela possibilidade de ampliar perspectivas.,. Obrigada aos parceiros da
Pacto: aos sócios fundadores pela coragem compartilhada e aos que hoje
compõem essa organização não governamental interessada na convivência
nas cidades, É com Ângela Guerra, Ludmila Zago, Guilherme Del Debbio e
Rafael Rocha que divido as maiores inquietações sobre a cidade, com vocês
encaro com prazer a Real da Rua e a Vida Loka (projetos de ação e pesquisa
criados entre nós). Muito obrigada.
A Célio Garcia por sua presença no consultório e na cidade : por não
recuar diante dos impasses de seu tempo! Agradeço aos professores Márcia
Rosa e Jesus Santiago pelos apontamentos fundamentais para minha
pesquisa.
Ao Sérgio Laia pelo rigor e precisão com relação àquilo que o objeto de
pesquisa exige. À Andrea Guerra, pelo percurso compartilhado até aqui, pelas
inquietações divididas acerca da vida dos jovens, pela aposta na capacidade
das pessoas que trabalham com você e pelo apoio, nos momentos delicados.
Ao Antonio Teixeira, pela contribuição orientadora na banca de
qualificação desse projeto, pelo esforço de transmitir as teorizações mais
difíceis do modo mais claro e leve Obrigada Fernanda Otoni, pela interlocução
iniciada graças ao CIEN, por sua coragem em enfrentar os impasses
contemporâneos ao lado dessa geração cheia de perguntas. Obrigada ao
Oswaldo por aceitar o convite à interlocução.
Ao Dário, pelo suporte
na reta final. Agradeço aos amigos pelas
“horinhas de descuido” compartilhadas: é vital! Agradeço a minha mãe pela
torcida e carinho de sempre. Agradeço ao Le pela construção de uma vida e
pelo amor declarado.
Por fim, agradeço à CAPES por ter tornado viável a realização desse
projeto de pesquisa.
II
SUMÁRIO
Sumário ..................................................................................................................... II Resumo .................................................................................................................... III Abstract ................................................................................................................... IV Introdução ................................................................................................................ 1 1 – Sobre a presença do analista segundo Jacques Lacan ............................................ 6 1.1 -­‐ Sasha Nacht e uma atitude denominada de presença ................................................ 7 1.2 – Sobre direção do tratamento , segundo Lacan, nos anos cinquenta ......................... 15 1.3 -­‐ A presença do analista: uma perspectiva lacaniana, em 1964 .................................. 27 2 -­‐ Uma retomada aos princípios da técnica: o manejo da transferência em Freud .. 36 2.1 -­‐ Sobre os princípios da direção do tratamento em Freud, e seus meios. .................... 37 2.2 -­‐ Das questões técnicas à ética daí depreendida ........................................................ 40 2.3 -­‐ Os fins da psicanálise e seu futuro: que lugar para o analista? ................................. 52 3 -­‐ A presença do analista: de que “realidade” se trata? .......................................... 57 3.1 -­‐ Analista: o objeto da transferência .......................................................................... 61 3.2 -­‐ Práticas de atendimento a “a céu aberto” e a interrogação que colocam para a psicanálise ............................................................................................................... 65 Considerações finais ................................................................................................ 74 Referências Bibliográficas ........................................................................................ 80 Outras Referências .................................................................................................. 83 III
RESUMO
LADEIRA, J. A. (2014). Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema. Dissertação de mestrado,
Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de
Minas Gerais, Belo Horizonte.
Esta dissertação objetiva elucidar a expressão “presença do analista”,
cunhada por Jacques Lacan, em seu Seminário sobre os Conceitos
Fundamentais da Psicanálise (1964/1988): tema eleito a partir de uma reflexão
sobre algumas práticas clínicas que, atualmente, se realizam “à céu aberto”. A
pergunta que sustentamos como norte ao longo de todo o trabalho é sobre
como as indicações freudo-lacanianas sobre a “presença do analista” expressão que circunscreve-se no campo do debate sobre a “transferência” –
podem colaborar para a clínica contemporânea. Vimos ao longo do percurso
aqui empreendido o quanto a psicanálise possui uma “elasticidade” em suas
regras, afirmação que depreendemos da ideia de que ela se aplica à
particularidade de cada caso. Percorremos o tema a partir das indicações que
o próprio texto lacaniano abriu naquele seminário e, portanto, apresentamos
algumas divergências entre Lacan e alguns pós-freudianos, assim como o que
Lacan estabelecia, em meio à crítica que fazia. Não perdemos de vista que a
atualidade da questão coloca acento sobre o setting em que acontece uma
psicanálise e mostraremos, ao longo desse trabalho, que lá onde se buscam
orientações técnicas, ao menos em Freud e Lacan, o que se encontra são
perspectivas éticas.
Palavras Chaves: transferência, neutralidade, tratamento, presença, cidade
IV
ABSTRACT
LADEIRA, J. A. (2014). On the analyst’s presence towards the treatment: some
current reflexions on the subject. Dissertação de mestrado, Faculdade de
Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais,
Belo Horizonte.
This dissertation aims to elucidate the expression " analyst’s presence "
introduced by Jacques Lacan in his Seminar about the Fundamental Concepts
of Psychoanalysis (1964/1988): it is an issue raised from a reflection on some
clinical practices that currently take place on " the sky open ". The question that
we hold as the north for the work is on how can Freud-lacanians directions
about " analyst’s presence " - an expression that is limited in the field of debate
about " transfer " - contribute to the contemporary clinic. We have along the
course undertaken here how much has psychoanalysis an " elasticity " in its
rules, a statement which inferred the idea that it applies to the particularity of
each case. We have covered from theme of the indications on that the Lacanian
text itself opened that seminar on and therefore present some differences
between Lacan and some pos-Freudians, as well as what Lacan established
amid criticism he did. We didn’t lose sight of the relevance the question puts
accent on the setting in which a psychoanalysis happen and we intend to show,
throughout this work, that there where you seek technical guidance, at least in
Freud and Lacan , what lies are ethical perspectives.
Keywords: transfer, neutrality, treatment, presence, city
Introdução
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
1
INTRODUÇÃO
Houve um tempo em que se tinha clareza e contornos bem definidos,
tanto do que representava o sofrimento psíquico, do que não seguia uma certa
norma de conduta que delimitava um pouco como acolher e como tratar em
psicanálise . Assim, sabia-se onde estavam os loucos, onde estavam os
bandidos, e a cada enfermidade ou desajuste correspondia um tratamento
padrão (conforme o tempo e o lugar) onde a sociedade deixava estar o que lhe
parecia sintomático, sem lugar.
No que se refere especificamente à psicanálise, o ritual era apontado,
como forma de definir as posições, em uma espécie de imagem da função do
analista, tantas vezes representado, retratado, insinuado, inclusive em filmes
de humor e drama e algumas charges, como as do famoso The New Yorker
Cartoons (Sérgio Augusto (trad.)2009), ou o brasileiro “Analista de Bagé
(Veríssimo, 1982). Neste contexto, o divã é a marca invariável, que compõe o
estereótipo do psicanalista.
Entretanto, no Brasil, sabemos que psicanalistas, para além do divã e de
outras referências com a qual são em geral identificados, acompanharam – e
sustentaram – a reforma psiquiátrica, ao lado de outros profissionais,
favorecendo um tratamento que não detivesse o sujeito por meio de
contenções corporais e que lhe engessavam a fala com instrumentos como o
isolamento, a camisa de força ou a medicação. Marcus André Vieira, no livro
“Urgência sem Emergência?” (2008) diz que “mais que ‘psiquiátrica, ela é a
reforma de uma mentalidade com relação às ações sociais sobre a loucura em
nosso país(...) sustentar a cada vez que nem sempre o bem universal é o
melhor para alguém já justificaria, por si só, a presença dos analistas neste
campo” (p. 105).
A psicanálise defende, portanto, uma prática clínica que preserva a
liberdade em geral e a liberdade inconsciente dos processos em particular, que
toca o corpo e possibilita um tratamento, mesmo se este não acontece mais
necessariamente dentro de quatro paredes, e sobretudo dentro de paredes
como as das prisões e dos manicômios. Desse modo, com a reforma
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psiquiátrica, a psicanálise estende sua prática, além dos muros dos Hospitais
Psiquiátricos e das quatro paredes de um consultório particular.
Em função do que pretendemos circunscrever nesta Dissertação, sem
que nos detenhamos numa abordagem puramente histórica (cuja tarefa seria
destacar as transformações ocorridas na prática clínica asilar e não asilar, bem
como os pontos teóricos que apoiaram a reforma psiquiátrica) ressaltaríamos a
seguinte perspectiva: a concepção de liberdade para o tratamento da loucura
implicou novas orientações para o trabalho ambulatorial e isso não foi sem
efeito para a psicanálise no Brasil.
O alcance do trabalho de um psicanalista demonstrou-se, então, ainda
mais amplo, para além dos hospitais psiquiátricos, dos ambulatórios e mesmo
das quatro paredes de seu consultório particular. Nesse sentido, cabe
questionar: que característica teria a psicanálise para servir a esse tipo de
transformação política, intervindo no modo como são tratados os pacientes de
uma determinada época, independente de que impasse se coloque?
Particularmente hoje no Brasil, a psicanálise de orientação lacaniana responde
a desafios que evocam a proposição de Lacan, no final de “Função e campo da
fala e da linguagem em psicanálise”, de que o psicanalista estivesse à altura de
“alcançar em seu horizonte a subjetividade de sua época” (1953/1998b, p.
322). Afinal, cada vez mais ela se faz presente nos serviços públicos, sejam
eles considerados de saúde mental ou de educação, assim como nos hospitais,
nos serviços de segurança pública, na gestão de políticas públicas, na
assistência social, nos aglomerados, favelas e até mesmo na rua.
Uma pesquisa sobre a “presença do analista” ganha importância quando,
por exemplo, nos perguntamos sobre a contemporaneidade das intervenções
do analista, uma vez que seu lugar na sociedade não se encontra mais tão
isolado e circunscrito como é imaginado pelo senso comum. Hoje em dia, um
analista não restringe seu trabalho aos consultórios, tampouco a hospitais
psiquiátricos e à universidade. Ações derivadas ou articuladas à psicanálise se
fazem cada vez mais presente em diversos campos: escolas, prisões, gestão
de políticas públicas, hospitais, centros de saúde, favelas e mesmo nas ruas.
Muito tem sido debatido sobre a diversidade de situações em que a psicanálise
(e mesmo um psicanalista) poderia intervir.
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Se os analistas não estão mais restritos ao que Lacan nomeou como o
“quadro mais protegido de todos, o do consultório analítico” (1960/1992, p. 23),
se, diante de práticas e intervenções contemporâneas norteadas pela
psicanálise, tem-se simplesmente, como endereçamento, o corpo de quem
pratica e intervém, nos perguntamos como a leitura de Lacan e de Freud
poderia indicar coordenadas através das quais um analista em formação
poderia se orientar, em relação prática psicanalítica, mesmo em situações
pouco usuais. Se vai à rua e o atendimento se desloca pela cidade - seja por
um calculo clínico em um caso, pontualmente, seja por diretriz metodológica
própria à política - produzindo um encontro pontual entre o praticante da
psicanálise e as pessoas que passa a atender (situação cada vez mais
frequente em nossos dias), tais práticas interrogam os textos lidos.
A diversidade dos modos da intervenção interessa, na medida em que o
recorte feito aqui aponta para os meios através dos quais uma psicanálise se
realiza: sua técnica, seu método, sua ética, seus princípios. Bastaria o desejo
do analista – que não é sem suporte – para que uma psicanálise fosse
possível? Merece destaque o fato de que também no clássico setting contando
com a possibilidade do uso do divã, é regra, na psicanálise, que ela se aplique
a cada novo caso com ineditismo, reinaugurando uma prática de cada vez, a
partir da da particularidade de cada pessoa, de cada situação: esse é um
princípio freudiano e envolve um manejo clínico em nada padronizado.
Importante considerar o que diz Lacan, que os “desgastes”, os “deslizamentos”
da técnica psicanalítica acontecem pela “desconceitualização” (1958/1998c, p.
615).
Nesse sentido, retomando a experiência freudiana e o retorno que Lacan
se propôs a fazer com relação a ela, poderemos dizer que, mesmo no setting
analítico clássico, nada asseguraria a presença de um analista (e portanto, a
existência de uma psicanálise, como tal).
No caso desse trabalho, a partir da banca de qualificação destacou-se a
importância de situar essa pesquisa a partir do referencial lacaniano e dedicar
atenção especial ao Seminário 11, sobre os Quatro Conceitos Fundamentais
de Psicanálise, seminário de 1964, em que Lacan dedica uma lição ao tema a
que nos dedicamos aqui: “presença do analista”(1964/1988). Ao longo do
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estudo empreendido para a realização desse trabalho, o caminho que mostrouse mais adequado foi seguir aquilo que o próprio Lacan indicara em seu
seminário, especialmente, na lição que dedica ao tema dessa pesquisa.
Chegamos, assim, ao livro publicado por Sasha Nacht, em 1963, com o título
“A presença do analista” (1963/1967). Embora Lacan não mencione
nominalmente Nacht, não é difícil chegar a seu livro, já que comenta sobre um
“livro publicado com este título” (Lacan, 1964/1988, p. 121), além do fato de
que sua crítica dirige-se aos pós-freudianos conhecidos como teóricos do eu, e
Nacht é um representante desta tendência. Lacan tece seu argumento em meio
às críticas que desfere contra esse autor e contra Thomas Szasz, psicanalista
norte americano, de quem comenta um artigo que foi publicado também em
1963, na Internacional Journal of Psychoanalysis (Szasz, 1963).
Tornou-se fundamental percorrer essas fontes primárias, apresentando-as
ao lado de Lacan no primeiro capítulo, assim como empreender um estudo de
alguns dos mais importantes textos que Lacan escreveu, na década de
cinquenta, sobre o tratamento analítico, buscando cernir aí, mais precisamente,
algumas indicações de Lacan sobre o lugar do analista, alguns pontos que
sustenta em seu ensino, desde o Relatório de Roma.
Se a proposta de estudar o tema “presença do analista” surgiu a partir de
uma reflexão sobre uma prática contemporânea que nomeamos “a céu aberto”
(Faria, 2006), passamos a circunscrever nossa pergunta em torno do setting
analítico e, ao mesmo tempo, em relação à posição do analista no manejo da
transferência, desde Freud. Nesse sentido, retomamos seus principais textos
sobre a técnica e buscamos localizar, a partir deles, uma perspectiva freudiana
sobre o manejo da transferência: nosso comentário, nesse capítulo, vai desde
a decisão de Freud pela “associação livre” como regra fundamental da
psicanálise, momento em que decide romper com a sugestão e a hipnose
como meio de ação; até as indicações de Freud sobre o futuro da psicanálise.
Se Freud recomendava “abstinência” por parte do analista, ele, por sua vez
nunca se absteve de responder ao mal estar de seu tempo, em suas
Conferências e não recuou diante de novos casos, buscando mostrar sempre
mostrar ao seu leitor as possibilidades de uso da psicanálise, assim como seus
limites.
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Por fim, no terceiro capítulo, buscaremos perceber de que forma os
avanços conceituais empreendidos por Lacan em seu seminário de 1964
afetam sua concepção de transferência e consequentemente de “presença do
analista”. O debate aberto por Lacan com o texto dos pós-freudianos, deixa
entrever a importância de uma elucidação acerca da noção de realidade, sobre
a noção de inconsciente freudiana e lacaniana (que ganha novo contorno a
partir desse seminário), a pulsação temporal própria a essa teorização
lacaniana e o modo como ela inspira a direção do tratamento a partir daí.
Cientes dos limites de uma dissertação de mestrado, deixamos indicadas
algumas perspectivas teóricas abertas a partir do fim desse seminário e, ao
mesmo tempo, apresentamos o contexto vivido nos dias atuais, pelos
praticantes da psicanálise e o modo como essa prática interroga os textos
lidos.
Esse trabalho surge como uma questão circunscrita à pratica
contemporânea da psicanálise e busca extrair das indicações deixadas por
Freud e por Lacan, indicações que permitam enfrentar as novidades da
atualidade, nesse “contexto em que a inventividade do terapeuta parece ter
mais importância do que o procedimento protocolar do cientista” (Teixeira,
2012, p. 69). Isso supõe que se possa acolher, “nas instituições abertas, a
solução subjetiva singular que se apresenta ao modo de um elemento não
previsível, não codificado pelos saberes prévios” (p. 69). Nesse sentido, se
revisitamos os textos desses teóricos é por que essa perspectiva, a da
psicanálise Freud-lacaniana, é nossa orientação. Parafraseando Freud e Lacan
– que depois o retoma no mesmo ponto – não se trata aqui de retomar
recomendações que sirvam a todos, mas a algo que, de fato, está referido a
um interesse particularizado pela psicanálise.
Capítulo 1
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1 – Sobre a presença do analista segundo Jacques Lacan
Na década de sessenta, tanto Sasha Nacht quanto Lacan se dedicaram a
um debate em torno da “presença do analista”. Em 1963, Sasha Nacht
(1963/1967) lançou um livro com esse título (“La presencia del psicoanalista”),
ao passo que Lacan reintroduziu essa reflexão, em uma lição de seu seminário
de dedicado aos “Quatro conceitos fundamentais da psicanálise” (1964/1988),
lição que inclui essa reflexão na sessão sobre a “Transferência e pulsão”. A
respeito da expressão que se destacou naquele ano e que pretendemos
elucidar nesta dissertação – “presença do analista” – Lacan (1964/1988) a
definiu do seguinte modo:
A presença do analista é ela própria uma manifestação do inconsciente, de modo
que quando ela se manifesta hoje em dia em certos encontros, como recusa do
inconsciente – é uma tendência, e confessada, no pensamento que formulam alguns –
isso mesmo deve ser integrado no conceito de inconsciente (...) um movimento do
sujeito que só se abre para tornar a se fechar, numa certa pulsação temporal (...)
(1964/1988, p. 121)
Assim, para retornarmos à citação acima, Lacan a toma como
“manifestação do inconsciente”, mas a hipótese aqui apresentada é a de que
Nacht seja uma das referências dessa “tendência” que faz de tal presença uma
“recusa do inconsciente” que deve ser incluída, segundo Lacan, ao próprio
conceito de inconsciente em sua pulsação de abrir-e-fechar. Torna-se,
portanto, indispensável conhecer o diálogo travado entre Lacan e alguns pósfreudianos participantes dessa “tendência” que envolvia também concepções
sobre o tratamento psicanalítico, o manejo da transferência e o lugar ocupado
pelo psicanalista. Considerando os limites próprios a uma Dissertação de
Mestrado e o fato de que a expressão que nos interessa esclarecer se
encontrar no título de um livro de Nacht, será particularmente esse pósfreudiano que privilegiaremos aqui, além de Thomas Szasz (1963), cujos
artigos criticados por Lacan, apresentamos adiante. Assim, entendemos ser
pertinentes questionar o que seria portanto, a “presença do analista” para
Nacht e Lacan? Como Lacan demarca uma outra perspectiva sobre a
“presença do analista”?
Capítulo 1
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1.1 - Sasha Nacht e uma atitude denominada de presença
Medida técnica alguna puede llevar la cura a um fin satisfactorio, si la realidad Del
psicoanalista, su ‘presencia’, no están alli para proteger al sujeto contra sus miedos
inconscientes y liberarlo progresivamente de ellos. Las ‘tomas de conciencia’ sucesivas,
indispensables para la curación, son imposibles o ineficaces si el enfermo no encuentra
1
el apoyo seguro que Le ofrece cierta calidad de ‘presencia’ de su médico. (1963/1967,
p. 8)
Sasha Nacht é um psicanalista de origem romena, conhecido como uma
“référé au courant de la ‘psychologie du moi’”2 (Assoun, 2009, p. 1416). Ele
inicia seu curso de medicina na Romênia, onde fica até se mudar para Paris,
em 1919, e se torna um dos mais importantes expoentes da SPP, tendo sido
nomeado Membro Efetivo, dessa instituição psicanalítica, aos vinte e oito anos,
configurando-se como um dos mais jovens da segunda geração a adquirir tal
título. Embora tenha se deslocado até Viena para se analisar com Freud, o fato
de praticamente não falar alemão fez com que fosse aconselhado por este
último a analisar-se com Hartmann (Roudinesco, 1988, p. 226).
Nacht,
“num
encontro
franco-britânico,
apresenta
sua
primeira
contribuição significativa sobre o papel do ego na técnica” e “retomará esse
tema de diversas maneiras, nos anos cinquenta, recusando e posteriormente,
aceitando a corrente da psicologia do ego. (Roudinesco, 1988, p. 226)” É a
partir desse ponto que nos interessa acompanhar o que esse psicanalista
romeno concebe como “presença do analista”, uma vez que tal expressão,
como já assinalamos, será utilizada também por Lacan – cujo ensino orienta
essa Dissertação – de modo bem diferente e até mesmo oposto.
No âmbito histórico, temos um debate político-institucional que buscava
uma normatização da psicanálise contra a qual Lacan lutava, apoiando-se na
inventividade da descoberta freudiana. Interessa-nos aprofundar na dimensão
teórica desse debate porque ele comporta também, uma divergência clínica
que afeta o modo como a psicanálise pode ser uma referência em situações
1
Medida técnica nenhuma pode levar a cura a um fim satisfatório, se a realidade do
psicanalista, sua presença, não estão ali para proteger o sujeito contra seus medos
inconscientes e liberá-lo progressivamente deles. As tomadas de consciência sucessivas,
indispensáveis para a cura, são impossíveis ou ineficazes se o enfermo não encontra apoio
seguro que lhe oferece certa qualidade de presença de seu médico. (Traduzido pela autora)
2
referência da corrente da ‘psicologia do eu’(Traduzido pela autora)
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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8
relativas ao consultório particular, mas também – o que se faz central nessa
Dissertação – em contextos mais amplos, associados a instituições e projetos
sociais, quando a clínica sai do setting e é irremediavelmente afetada pelo
contexto em que se insere. Nacht propõe uma "nova psicanálise", que levaria
em conta, "simultaneamente, o reforço do ego e a integração adaptada das
forças agressivas” (Roudinesco, 1988, p. 195). Roudinesco propõe que o
questionamento de Lacan, relativo a essa “nova psicanálise” porque ela
efetivamente retrocede à inventividade da descoberta freudiana ao “recentrar a
teoria do inconsciente numa psicologia da consciência, reduzindo a experiência
do tratamento a um trabalho adaptativo, o desejo à necessidade e o psíquico
ao biológico (1988, p. 195).”
O livro de Nacht (1963/1967) que privilegiaremos aqui é, como já
assinalamos, A presença do analista, publicado em 1963, na França. Tal
publicação, portanto, aconteceu, na França, um ano antes do Seminário 11
(1964/1988), em que Lacan utiliza essa mesma expressão “presença do
analista”, reinventando-a3. O livro é um compilado de conferências, proferidas
por Nacht, a partir de junho de 1957, e o último texto cuja data está registrada é
de 1960. O autor aborda temas diversos, mas “ todos esclarecen, desde
distintos ángulos, dos elementos fundamentales del tratamiento psicoanalítico:
(...) por uma parte el miedo como factor esencialmente patógeno, por la outra ló
que más adelante denominaré presencia del psicoanalista, cuyo papel es
capital”4 (Nacht, 1963/1967, p. 7). Já na introdução desse livro, Nacht salienta o
que, a nosso ver, apresenta um efeito dessa “presença do analista” (expressão
que aparece invariavelmente em destaque caracterizado pelo uso do itálico das
aspas): “ el apaciguamiento del miedo o su eventual eliminación son
principalmente uma función de la actitud inconsciente profunda del analista em
la situación analítica”5 (p. 7).
3
Título dado à décima lição do seminário de Lacan, dedicado aos quatro Conceitos
Fundamentais da Psicanálise (Lacan, 1964/1988).
4
todos esclarecem, a partir de ângulos distintos, dois elementos fundamentais do tratamento
psicanalítico (...): por um lado o medo como fator essencialmente patógeno, por outro lado,
a presença do psicanalista, cujo papel considera capital (traduzido pela autora).
5
o apaziguamento do medo ou sua eventual eliminação são principalmente uma função da
atitude inconsciente profunda do analista na situação analítica (traduzido pela autora).
Capítulo 1
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algumas reflexões atuais sobre o tema
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9
Um dos pontos onde se apoia a crítica de Nacht à teoria clássica da
psicanálise é a aparente desconexão da realidade, proporcionada pelo próprio
tratamento psicanalítico. Preocupa-lhe as ““situações emocionais criadas pela
transferência” e as “ frustraciones técnicamente impuestas por el analista”6
(Nacht, 1963/1967, p. 60). Lembra-nos de que “Freud siempre insistió em el
carácter espontáneo del fenômeno de transferência”7(p. 59), com uma espécie
de independência em relação ao analista que teria como função não atrapalhar
que a transferência se instalasse. Nacht teme, no entanto, que a neurose de
transferência torne-se irredutível, dando lugar a uma análise interminável.
Quanto à função da “presença do analista” nesse contexto transferencial e
clínico, seu texto oferece o seguinte esclarecimento:
el enfermo deba percibir em esa “presencia” uma constante disponibilidad y uma
acogida incondicional, uma paciência ilimitada y uma capacidad de entrega, que
resumen para El esse amor del cual se siente separado desde la infância y del que tiene
necesidad para aprender a vivir. Por ello me parece que esa actitud profunda del analista
– siempre que sea auténtica – debe sustituir, durante ciertas fases del tratamiento, a la
8
actitud de “neutralidad” clásicamente prescrita y a menudo demasiado rígida (Nacht,
1963/1967, p. 9).
Nacht não ignora que sua proposta “no concuerda com la actitud
generalmente prescrita por la técnica psicoanalítica clásica” 9 (1963/1967, p.
38). Toma o tratamento psicanalítico através da perspectiva do fortalecimento
do eu e que tem na “presença do analista” um aliado decisivo: “todo sucede
como si lós rastros dejados por las antiguas experiências afectivas dolorosas
solo pudiesen ser borrados por la experiencia afectiva nueva, vivida junto al
6
frustrações tecnicamente impostas pelo analista (traduzido pela autora)
7
Freud sempre insistiu no caráter espontâneo do fenômeno de transferência (traduzido pela
autora).
8
o enfermo deve perceber nessa presença uma constante disponibilidade e uma acolhida
incondicional, uma paciência ilimitada e uma capacidade de entrega que resumem para ele
esse amor do qual se sente separado desde a infância e de que tem necessidade para
aprender a viver. Por isso me parece que essa atitude profunda do analista – sempre que
for autentica – deve substituir, durante certas fases do tratamento, a atitude de ‘neutralidade’
classicamente prescrita e frequentemente demasiado rígida (traduzido pela autora).
9
não concorda com a atitude geralmente prescrita pela técnica psicanalítica clássica (traduzido
pela autora).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
10
analista” 10 (p. 37). Propõe uma distinção entre a “realidad psíquica” 11 e a
realidade objetivamente traumatizante, destacando as situações em que “el
impacto de la realidad ambiente es demasiado violento lãs mencionadas
posibilidades de defensa se encuentran desbordadas” 12 (p. 36). Nesse
contexto, sua aposta é de que as funções do eu não escapariam à
desintegração e sua função de controle e “armonioso domínio de los estímulos
externos e internos” 13 estaria profundamente alterada (p. 37). A estas
alterações produzidas externamente no “eu”, ele chama de deformações e é
diante dessas situações que Nacht espera do analista uma “actitud profunda
real” 14 (p. 39). Sem a pretensão de aprofundar aqui o que exatamente é
estabelecido como tais deformações do eu, interessa-nos destacar que essa
alteração externa, que afeta objetivamente a vida dos pacientes como uma
“doença orgânica” (Nacht, 1963/1967, p. 37) ou “situações reais de violência e
miséria” (p. 39), incidiria diretamente no modo como o analista se posiciona
diante do paciente, o que estabelece uma posição clara frente aos objetivos da
psicanálise.
Nacht reconhece que as alterações que propõe trariam “riesgos de grave
alteración de la situación de la situación analítica”15, mas ele próprio também
aposta que “todo depende de la calidad y de la personalidad del analista, del
domínio que posea em el manejo de su posición contratransferencial” 16
(1963/1967, p. 39).” Diz que a “manera de ser profunda”17 do analista produziria
uma abertura que permitiria a um paciente “no chocar ya contra la superfície
10
tudo sucede como se os rastros deixados por antigas experiências afetivas dolorosas só
pudessem ser apagadas pela experiência afetiva nova, vivida junto ao analista (traduzido
pela autora).
11
realidade psíquica (traduzido pela autora).
12
o impacto da realidade ambiente é demasiado violenta, as mencionadas possibilidades de
defesa estariam extrapoladas (traduzido pela autora).
13
harmonioso domínio entre estímulos externos e internos (traduzido pela autora).
14
atitude profunda (traduzido pela autora)
15
riscos de grave alteração da situação analítica (traduzido pela autora).
16
tudo depende da qualidade e da personalidade do analista, do domínio que possua no
manejo de sua posição contratransferencial (traduzido pela autora).
17
maneira profunda de ser (traduzido pela autora).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
11
lisa de um ‘espejo’ que Le devuelve únicamente su propia imagem”18 (p. 39). A
situação analítica, para Nacht, evoca necessidades primárias, estabelecendo a
perspectiva transferencial primeira, em que mãe e filho viviam de modo
indistinto. Ele se preocupa com uma regressão profunda, provocada pela
neurose de transferência19:
Nous penson qu'il est capital d'éviter que le malade ne descende marche après
march l'échelle de la régression et n'aboutisse à un stade si archaïque d'union qu'il ne
puisse plus renoncer à ces délices. Dans ces conditions on pourra encore sans doute
mettre fin à l'analyse - on ne mettra jamais fin à la régression. Et ce n'est pas de fixer un
terme à l'analyse qui fixera un terme a la régression. On aura ainsi conduit le malade à
s'immobiliser à um stade de régression qui réalise au niveau le plus profond une
aspiration si essentielle qu'il n'est plus de mesure technique capable de l'y faire renoncer:
20
le moyen, la situacion analytique, est devenu une fin en soi (p. 60)
Mostra-se sensível a esses riscos, de que o paciente se mantivesse numa
espécie de interior da transferência, que desconsidera destacada da vida real e
mais uma vez critica a “ ‘neutralidad’, demasiado supersticiosamente
respetada”21 e propõe que ela seja substituída por uma “actitud de ‘presencia’,
la única capaz de poner um obstáculo al mundo cerrado e irreal em la cual se
arraiga la regresión (Nacht, 1963/1967, p. 55). 22 Desse modo,
el psicoanalista no aceptará ya encarnar um mito. (...) Esta ‘presencia’ nueva del
terapeuta tiende a romper al encanto fantasmático de la regresión y a introducir em la
18
não se chocar diante da superfície lisa do espelho, que lhe devolve unicamente sua própria
imagem (traduzido pela autora).
19
Assim como Freud, Nacht também pensa que o destino da transferência é sua dissolução,
entretanto, a forma como propõe que isso se dê é muito distinta daquela pensada e
proposta por Freud e mesmo pela leitura lacaniana de um final de análise.
20
Pensamos que é fundamental evitar que o doente desça passo a passo a escada da
regressão e chegue a um estágio tão arcaico de união que ele não possa mais renunciar a
essas delícias. Nestas condições poderíamos ainda, sem dúvida, por fim a análise – jamais
poremos fim à regressão. Não é por fixar um fim a análise que se fixará um fim à regressão.
Teremos assim conduzido o doente a imobilizar-se em um estágio de regressão que realiza
no nível mais profundo uma aspiração tão essencial que não há mais medida técnica capaz
de fazê-lo renunciar: o meio, a situação analítica é tornada um fim em si (traduzido pela
autora que, nesse caso, diante de uma dificuldade de compreensão do texto em castellano,
precisou recorrer ao texto original, em francês)
21
neutralidade demasiado supersticiosamente respeitada (traduzido pela autora).
22
atitude de ‘presença’, a única capaz de por um obstáculo ao mundo fechado e irreal no qual
se arraiga a regressão (traduzido pela autora).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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12
situación analítica el principio de realidad del cual el psicoanalista debe ser para su
23
paciente el representante más seguro (p. 55)
Nesse mesmo contexto onde a presença do analista, para Nacht, faz
valer o princípio de realidade e rompe com o mundo fantasioso da neurose de
transferência, a palavra do analista (a interpretação) “es sentida como um
distanciamiento intolerable y como la ruptura de la unión, evoca com fuerza la
Idea de um vínculo primário, de uma indistinción em la cual el sujeto tiende a
condirse com su objeto em uma unidad indiferenciada (1963/1967, p. 51).”24
Nacht acredita na importância de se evitar a frustração no paciente
decorrente de uma atitude de neutralidade absoluta por parte do analista.
Assim, considera fundamental que a atitude de neutralidade, “prescrita al
analista por la técnica clásica” (Nacht, 1963/1967, p. 64)25, seja “respeitada”
somente num primeiro momento do tratamento, ao passo que, depois, numa
fase avançada do tratamento, sugere o “término da neutralidade”,. Acreditava
que a neutralidade teria “perdido su eficácia, e inclusive paralizaba, em mayor o
menor medida, la marcha del tratamiento: la ‘neutralidad’ se había convertido
em uma espécie de rutina que permitia al paciente estabilizarse tranquila y
firmemente em la neurosis de transferência”26 (Nacht, 19631967, p. 67).
Ao longo dos textos de Nacht, compilados no seu livro que nos serve aqui
de referência, vemos a expressão “presença do analista” é associada a
algumas qualidades: “apaziguadora”, “gratificante”, “tranquilizadora”, “apoio
seguro” – esses são alguns dos predicados que acompanham a reflexão
proposta por Nacht sobre a atitude do analista, na situação analítica. Trata-se,
segundo suas indicações, de “hacerse “presente” de outra manera”27 (Nacht,
23
o psicanalista não aceitará encarnar um mito. (...) Esta nova ‘presença’ do terapeuta tende a
romper o encanto fantasmático da regressão e a introduzir na situação analítica o princípio
de realidade do qual o psicanalista deve ser para seu paciente o representante mais seguro
(traduzido pela autora)
24
é sentida como um distanciamento intolerável e como a ruptura da união, evoca com força a
ideia de um vínculo primário, de uma indistinção na qual o sujeito tende a confundir-se com
seu objeto numa unidade indiferenciada (traduzido pela autora).
25
prescrita pela técnica clássica (traduzido pela autora).
26
perdido sua eficácia e inclusive paralisava, em maior ou menor medida, o ritmo do
tratamento: a neutralidade se havia convertido em uma espécie de rotina que permitiria ao
paciente estabilizar-se tranquila e firmemente na neurose de transferência (traduzido pela
autora).
27
fazer-se presente de outra maneira (traduzido pela autora).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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13
1963/1967, p. 68). Afinal, de início, o analista não está “insertado em la realidad
para el enfermo” 28 , mas, à medida que o tratamento avança, “es preciso
ayudarloa ello”29” nessa inserção e isso só é possível quando o analista se
integra “suave pero firmemente, em la realidad exterior, objetiva”30 através das
interpretações que conduzirão o paciente “cada vez más hacia el mundo real, y
cada vez menos hacia el mundo cerrado de la transferencia”31, de modo que
“cuanto mayor sea la firmeza con que se establezca el analista em la realidad,
más rápidamente abandonará el campo afectivo del enfermo”32 (p. 68)
Segundo Nacht, “la suerte de este depende menos, em definitiva, de las
habilidades técnicas que de las actitudes profundas, reales, del analista. Lo que
este dice o hace tiene, por cierto, suma importância, pero no más de la que
tiene ló que es”.”33 (Nacht, 1963/1967, p. 72) Se assim podem ser nomeadas,
as “recomendações” que Nacht apresenta ao psicanalista, como veremos mais
adiante divergem do que Lacan vai propor como “presença do analista”.
Segundo Nacht, “no lês basta com esperar, com imaginar que el analista es
indulgente o inclusive Bueno. Es preciso que ló sea, sin equívocos”34 (Nacht,
1963/1967, p. 71). Ele assinala que a leitura das publicações psicanalíticas
sugere que se analisava, naquele tempo (1963), exatamente como trinta ou
cinquenta anos antes, e destaca, no capítulo dedicado aos “Fatores de cura”,
que as enfermidades não eram mais as mesmas que no período dos trabalhos
de Freud: naquele momento lidavam com o chamado “Mal do século” 35 e,
28
inserido na realidade para o paciente (traduzido pela autora).
29
é preciso ajudá-lo (traduzido pela autora).
30
suave, mas firmemente, na realidade exterior, objetiva (traduzido pela autora).
31
cada vez mais para o mundo real e cada vez menos para o mundo fechado da transferência
(traduzido pela autora).
32
quanto maior for a firmeza com que se estabeleça o analista na realidade, mais rapidamente
abandonará o campo afetivo do paciente((traduzido pela autora).
33
o sucesso do tratamento depende menos das habilidades técnicas do que das atitudes
profundas, “reais” do analista: o que este diz ou faz tem, por certo, suma importância, mas
não mais do que tem o que é (traduzido pela autora).
34
não basta esperar, imaginar que o analista é indulgente ou inclusive bom. É preciso que ele o
seja, sem equívocos.(traduzido pela autora).
35
que sofrem simplesmente de viver (...) o homem de hoje sofre, antes que nada, por não
poder desplegar sus cargas no mundo em que vive (e por conseguinte, a si mesmo) de
forma satisfatória. Sua capacidade de amar – e portanto sua atitude para viver plenamente
– é sufocada por uma agressividade que a vida moderna alimenta sem cessar e reprime a
cada vez .(tradução da autora).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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14
segundo Nacht, não há dúvidas de que essa é uma das razões pelas quais os
conflitos que o homem deveria encarar, naquela época, “o levam, em uma
medida muito maior, pelo caminho da regressão a etapas preedipicas”
(1963/1967, p. 156). Para ele, “a relação do ser com o mundo a que o doente
estabelecerá, necessariamente na situação analítica, não é idêntica a que
existia quando Freud enunciou a técnica psicanalítica” (p. 156).
Sasha Nacht aposta, portanto, num método adaptado àquilo que ele
reconhece como as mudanças próprias a seu tempo, mudanças técnicas, em
que a “atitude interior profunda”, a “pessoa do analista” são os fatores decisivos
para a cura, bem mais importantes do que, por exemplo, a interpretação,
muitas vezes considerada, por autores diversos como o principal “meio de
ação” do analista. Centra, portanto, sua perspectiva numa nova proposta
técnica: a “qualidade” (1963/1967, p. 158) da pessoa do analista e a
necessidade de que sua atitude não “frustre” ainda mais o analisando. Para ele
o reforço do “eu” só pode acontecer “em um clima de quietude, de segurança: o
doente só o encontrará em uma relação realmente tranquilizadora com o
analista” (p. 158). Para ele, no trabalho terapêutico, “o que o analista é,
autenticamente, no mais profundo de si mesmo, importa mais do que o que ele
decide ser, de maneira racional, ao lado de seu paciente”(p. 158). Citando
Hipócrates 36 , defenderá que “a atitude do analista, quando está cheia de
bondade incondicional, se converte então, e só então, nesse apoio e essa força
necessários ao paciente, para vencer o temor que obstaculiza o caminho para
a cura” (p. 164).
Nacht utiliza uma orientação freudiana para justificar a adaptação que
propõe e, podemos inferir, a partir dos textos lidos, que Lacan faria outra leitura
dessa afirmação de Freud (em carta a Ferenczi), retomada por Sasha Nacht:
“Yo consideraba que la cosa más importante que había que decir era lo
que no hay que hacer, a fin de evitar lo que pueda alejar del espíritu del
análisis. El resultado es que lós analistas no han entendido la elasticidas de lãs
36
“’Muitos doentes, tão conscientes como são do perigo, voltam a encontrar a saúde e a
alegria que lhes inspira a bondade de seu médico.’” (Hipocrates apud Nacht, 1963/1967, p.
164).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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15
reglas que estabeleci, y que hicieron de ellas ‘tabús’”37 (Freud apud Ferenczi
apud Nacht, 1963/1967, p. 159). Veremos, portanto, que a posição de Lacan,
com relação à lógica na direção do tratamento, em sua leitura freudiana, desde
a década de cinquenta e, mais exatamente, nesse momento histórico, em que
o debate sobre a presença do analista de fato se destaca, entre os
psicanalistas.
1.2 – Sobre direção do tratamento , segundo Lacan, nos anos cinquenta
De acordo com a “História do da Psicanálise na França”, "Lacan se opõe
... à psicologia do ego e designa o ego como o 'síndico das mais móveis
funções pelas quais o homem se adapta à realidade” (Roudinesco, 1988, p.
194). De fato, ele não foi o único a fazer tal oposição: os psicanalistas da
chamada segunda geração na França não concordavam com essa, digamos,
adaptação da psicanálise à realidade. Mesmo assim, Lacan ocupa "uma
posição de vanguarda, pelo fato de seus trabalhos da juventude já terem
promovido uma ruptura na história do movimento francês” e foi “o único a
fabricar os instrumentos teóricos necessários a uma reformulação realmente
'freudiana' da obra freudiana”, realizando o paradoxo de tornar-se “lacaniano
por ser freudiano” (p. 195). No que concerne mais especificamente a sua
diferença com o que pretendia Sasha Nacht, a proposta de Lacan “não recusa
nem a via universitária nem a via médica, mas faz com que ambas dependam
do primado de uma política da psicanálise” e, “por conseguinte, é a uma nova
ortodoxia, diferente da de Nacht, que se prende o projeto lacaniano”, - analisa
Roudinesco - uma vez que “Lacan é o primeiro mestre da segunda geração a
dotar o movimento francês de uma política da psicanálise articulada com uma
teoria da formação” (pp. 244-245).
Roudinesco considera Dolto e Lacan “os únicos de sua geração, na
SFP38, a ensinar um saber freudiano desembaraçado de todo vínculo com a
37
Eu considerava que a coisa mais importante que havia para ser dita era o que o não se deve
fazer a fim de evitar o que poderia aniquilar o espírito da análise. O resultado é que os
analistas não entenderam a elasticidade das regras que estabeleci, e fizeram delas tabus
(traduzido pela autora).
38
Sociedade Freudiana de Paris
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
16
tradição francesa da psicologia universitária.” (Roudinesco, 2008, p. 333)
Segundo a autora, Lacan teria realizado
uma perfeita síntese entre as duas grandes vias sempre necessárias para a
implantação do freudismo em qualquer país: a via médica, pela qual uma ciência da
clínica apropria-se do domínio da loucura, e a via intelectual (literária ou filosófica), a
única capaz de dotar uma doutrina de um fundamento teórico. (p. 334)
No verão de 1953, Lacan foi pela primeira vez reprovado em um dos
“exames de candidatura” da SPP39. Um dos argumentos que tornavam Lacan
inaceitável para a SPP, nesse ano, era sua desobediência a um “padrão”.
Segundo Roudinesco, a avaliação realizada apontou que Françoise Dolto e
Jacques Lacan, embora não se assemelhassem no modo como formavam os
alunos,
não controlavam estritamente suas intervenções em função da transferência, da
contratransferência e das resistências. Não interpretavam os enunciados, de seus
pacientes em momentos muito precisos do desenrolar da análise, não eram adeptos do
cronômetro e não seguiam sistematicamente a regra das quatro ou cinco sessões
40
semanais obrigatórias. Lacan (...) fora analisado por um puro técnico ipeísta ele
passava a abominar as regras que este lhes impusera. E foi a essa falta de ‘tecnicidade’
que foram sensíveis os membros da comissão. (Roudinesco, 2008, p. 335)
Depois de revisitar essa História da Psicanálise na França, fica ainda
mais claro por que Lacan colocou acento tão rigoroso em alguns pontos
teóricos sobre a direção do tratamento analítico, especialmente a partir de seu
pronunciamento, no Congresso de Roma (1953), texto que publicou nos
Escritos (1953/1998b) sob o nome de “Função e campo da fala e da linguagem
em psicanálise”: “o Relatório de Roma e a conferência que o antecede
constituem um primeiro passo para a elaboração de uma teoria do tratamento,
sua direção, sua temporalidade e suas pontuações (Roudinesco, 2008, p. 274)”
e este é o ponto que nos interessa ressaltar aqui –, a perspectiva teórica da
clínica psicanalítica, feita por Lacan, a partir da diferença que ele sustentou
frente à IPA especialmente entre 1953 e 1964. Além de se recusar a uma
normatização exigida pelas regras técnicas preconizadas pela IPA e debatidas,
39
Sociedade Psicanalítica de Paris
40
Referente à IPA, Associação Internacional de Psicanálise, fundada por Freud, mas não
dirigida diretamente por ele.
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
17
de modo explícito ou não, nos primeiros anos de seu ensino, Lacan fundou
uma possibilidade de construir uma teoria da clínica que estaria, sim, apoiada
em Freud, mas que comportasse os desvios, exigidos pelo caso a caso e pela
exigência de se reinventar, a cada vez, a psicanálise, em relação ao
“tratamento padrão41”.
Lacan se dedica, desde “Função e campo da fala e da linguagem em
psicanálise”, a conceitualizar e atualizar o que estava implicado na direção do
tratamento desde a fundação da “talking cure” 42. No contexto de 1953, Lacan
julgava importante fazer este retorno aos princípios freudianos, destacando,
naquele momento, os estudos sobre a função da fala como fundamentais:
“desde Freud, esse campo central de nosso domínio caiu no abandono”
(1953/1998b, p. 245). Trata-se de uma resposta de Lacan diante do que
verificava como “problemas atuais” daquele período: 1) a função do imaginário,
2) as noções das relações libidinais de objeto e 3) a importância da
contratransferência. Esses três problemas teriam um traço comum: “trata-se da
tentação que se apresenta ao analista de abandonar o fundamento da fala,
justamente em campos em que sua utilização, por confinar com o inefável,
exigiria mais do que nunca seu exame: a saber, a pedagogia materna, a ajuda
samaritana e a mestria/dominação dialética.” (p. 244). Anos antes, no texto
intitulado “Intervenção sobre a transferência” (1951/1998c), Lacan coloca que
“numa psicanálise, com efeito, o sujeito propriamente dito constitui-se por um
discurso em que a simples presença do psicanalista introduz, antes de
qualquer intervenção, a dimensão do diálogo” (p. 215).
Segundo Lacan, a técnica “não pode ser compreendida nem corretamente
aplicada, portanto, quando se desconhecem os conceitos que a fundamentam”
e que “só adquirem pleno sentido ao se orientarem num campo de linguagem,
ao se ordenarem na função da fala” porque “a psicanálise dispõe de apenas
um meio: a fala do paciente” (1953/1998b, pp. 247–248)”. Nesse mesmo
contexto, ele ressalta que “não há fala sem resposta, mesmo que depare
apenas com o silêncio, desde que ela tenha um ouvinte, e que é esse o cerne
41
Referência ao texto “Variantes do tratamento padrão” (1955), publicado nos Escritos (1966).
42
“Talking cure” (“tratamento pela fala”) foi como Anna O., paciente de Breuer e, denominou o
método de tratamento instaurado Freud como psicanálise.. (Lacan, 1953/1998b, p. 255)
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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de sua função na análise” (p. 249). Se o psicanalista ignorar essa premissa, “é
para-além da fala que irá buscar uma realidade que preencha esse vazio” e,
“assim, ele passa a analisar o comportamento do sujeito para ali encontrar o
que ele não diz” (Lacan, 1953/1998b, p. 249). Lacan analisa, também
criticamente, a noção de “frustração” a que Nacht, entre outros analistas dessa
época, faz constante referência. No caso dessa noção, em um parágrafo
acrescentado em 1966, poderemos ler o seguinte:
de onde vem essa frustração? Será do silêncio do analista? Uma resposta à fala
vazia, mesmo e sobretudo probatória, frequentemente mostra por seus efeitos que é
bem mais frustrante do que o silêncio. Não se tratará, antes, de uma frustração que seria
inerente ao próprio discurso do sujeito? (p. 250)
Lacan, nesse momento de sua obra, tecia uma crítica direta aos teóricos
que se orientavam pelo reforço do eu:
“Esse ego, cuja força nossos teóricos definem agora pela capacidade de suportar
uma frustração, é frustração em sua essência. (...) frustração em segundo grau, portanto,
e de tal ordem que, viesse o sujeito a reduzir-lhe a forma em seu discurso à imagem
apassivadora pela qual o sujeito se faz objeto na exibição do espelho, não poderia
satisfazer-se com ela, uma vez que, mesmo atingindo nessa imagem sua mais perfeita
semelhança, seria ainda o gozo do outro que ele faria reconhecer ali. É por isso que não
há resposta adequada para esse discurso, pois o sujeito tomará por desprezo qualquer
fala que se comprometa com seu equívoco” (Lacan, 1953/1998b, p. 251).
As indicações de Lacan apontam para uma crítica de certa “objetividade
da psicanálise” pautada pela realidade: “nada extraviaria mais o psicanalista do
que procurar guiar-se por um pretenso contato experimentado com a realidade
do sujeito (Lacan, 1953/1998b, p. 254).” Lacan busca “resgatar o sentido da
experiência” (p. 268) da psicanálise a fim de não “degenerar sua técnica”, mas
não deixa de considerar que já nesse tempo, tal degeneração é um fato contra
o qual é preciso se posicionar (p. 268): não considera nada melhor, para esse
fim, “do que retornar à obra de Freud” (p. 268). Para ele, a “arte do analista”
estaria no lugar da suspensão das certezas do sujeito, “até que se consumem
suas últimas miragens. E é no discurso que deve escandir-se a resolução
delas” (p. 253) e não num “objeto para-além da fala do sujeito”. Ele esclarece
sua posição:
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
19
“O único objeto que está ao alcance do analista é a relação imaginária
que o liga ao sujeito como o eu , e, na impossibilidade de eliminá-la, é-lhe
possível servir-se dela para regular o afluxo de seus ouvidos (...) ouvidos para
não ouvir, ou, dito de outra maneira, para fazer a detecção do que deve ser
ouvido” (Lacan, 1953/1998b, p. 255). A proposta de Lacan implica que o sujeito
espera, com sua fala, uma resposta do outro – e “uma reação não é uma
resposta” - , uma vez que “a função da linguagem não é informar, mas evocar”
(p. 301). Nesse sentido, se o sujeito se constitui por sua pergunta mesma –
como afirma Lacan, nesse texto - para se fazer reconhecer pelo outro, então, a
“responsabilidade do analista, toda vez que ele intervém pela fala”, a “função
decisiva de sua própria resposta, e que não é apenas como se diz, a de ser
aceita pelo sujeito como aprovação ou rejeição de seu discurso, mas
realmente, a de reconhecê-lo ou aboli-lo como sujeito” (Lacan, 1953/1998b, p.
301). Isso faz toda diferença. Estreitando sua crítica à “ortopedia psicológica”
que tomou conta da Europa naquele período, é apresentada ainda a seguinte
advertência:
“para saber como responder ao sujeito na análise, o método consiste em
reconhecer primeiro o lugar em que está seu ego, esse ego que o próprio Freud definiu
como ego formado por um núcleo verbal; em outras palavras, em saber através de quem
e a quem o sujeito formula sua pergunta” (p. 304).
Com Lacan, é possível afirmar que “é sempre, portanto, na relação do eu
do sujeito com o [eu] de seu discurso que vocês precisam compreender o
sentido do discurso (Lacan, 1953/1998b, p. 305).”
Lacan mostra que o erro de alguns pós-freudianos, ao interpretar Freud,
pode ter sido inspirado pela “terminologia da tópica, demasiado tentadora para
o pensamento objetivante, permitindo-lhe deslizar do eu, definido como o
sistema percepção consciência, isto é, como o sistema das objetivações do
paciente” (Lacan, 1953/1998b, p. 305). Situa a “abstinência do analista, sua
recusa a responder” como um elemento da “realidade da análise” (p. 310) e
sustenta que a “neutralidade” aplicada “estritamente” como “regra” manteria a
via de um “não-agir” do analista e que conviria à experiência analítica (p. 315).
Esse “não-agir”, entretanto, tem limites, ou, então, como o próprio Lacan
pontua, “não haveria intervenção” (p. 315).” É justamente nesse viés, o da
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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20
intervenção do analista, que Lacan enfatiza ao longo de seu ensino e
particularmente nesse contexto dos anos 1950 em que é forte o apelo pela
normatização do método psicanalítico defendido pela IPA visando a uma
pretensa unidade dessa sociedade de formação de analistas e cuja tarefa seria
a de regular a atuação dos seus membros.
No texto, Variantes do tratamento padrão (1955/1998d), Lacan esclarece
que o termo “variantes”, do título de seu artigo, não se refere à adaptação do
tratamento e nem à variedade dos casos, mas, sim a “uma preocupação,
inquieta até, com a pureza nos meios e fins”. Trata-se, ele continua, “de um
rigor de alguma forma ético, fora do qual qualquer tratamento, mesmo
recheado de conhecimentos psicanalíticos, não pode ser senão psicoterapia”
(p. 326). Isso por que Lacan defende que a “a psicanálise não é uma
terapêutica como as outras (p. 326)”. O rigor a que ele se dedica, para
diferenciar a psicanálise de uma psicoterapia, exige formalização teórica
acerca do método psicanalítico, mais além das concepções de cura ou mesmo
do furor sanandi (p. 326) a que muitos analistas estariam entregues. Ainda que
tenha adotado uma perspectiva que soa como uma tautologia, ele propõe
“apenas um único critério” por ser este “o único de que dispõe o médico” (no
caso, o psicanalista): “uma psicanálise, padrão ou não, é o tratamento que se
espera de um psicanalista” (p. 331).
Lacan destaca a dimensão irônica desse critério porque, ao procurar
responder a um impasse sobre as variantes do tratamento analítico perante a
resposta dogmática que elas recebem da IPA com a proposição de um padrão,
tal critério não deixa de reiterar, mas de modo irônico, um dogma ao se
formular como “um juízo sintético a priori” (1955/1998d, p. 331). Essa
expressão “juízo sintético a priori” é, como evoca Lacan em sua menção à
“razão prática” (p. 331), kantiana, e indica o que não é derivado da experiência,
mas que dá a esta sua condição de possibilidade. Assim, onde a IPA apresenta
um padrão para regular a experiência analítica de modo a tal ponto dogmático
que justificará, por exemplo, em 1964, a expulsão de Lacan do quadro de seus
membros, Lacan faz valer, com um pouco menos de uma década de
antecedência e com ironia, um critério dogmático, mas com influência kantiana.
Os limites inerentes a esse texto nos impede de aprofundar nessa discussão
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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onde a filosofia de Kant é introduzida, mas nos pareceu importante assinalar tal
introdução e sua ironia. Interessa-nos, muito mais, o que Lacan vai propor a
seguir: “...se a via da psicanálise é contestada, na questão de suas variantes”,
do que não segue o padrão exigido então pela IPA (4 sessões semanais, hora
de 50 minutos, etc), a psicanálise passa a ter “uma existência tão precária” a
ponto de pressupor “que um homem a sustente, e que seja um homem real” (p.
332).
A responsabilidade que Lacan atribui a um psicanalista, a partir desse
texto, ele a estabelece a partir de “sua posição de ouvinte (...) por estar a seu
critério como intérprete, repercute numa intimação secreta, que ele não pode
afastar nem mesmo ao se calar (1955/1998d, p. 333)”. Nesse sentido, Lacan
parece-nos continuar e aprofundar, nesse texto, em muitas de suas
proposições do Relatório de Roma, dedicando-se, inclusive, a três pontos43 que
destacou como impasses para a psicanálise, naquela ocasião, além de manter
sua investigação acerca do lugar que o analista ocupa na situação analítica.
Desenvolve uma reflexão acerca do lugar do Eu no tratamento, bem como
aprofunda nos aspectos relacionados ao imaginário da situação analítica,
assim como sobre a chamada “contratransferência”, que em nota que
acrescentou em 1966 descreve como “a transferência no analista (Lacan,
1953/1998b, p. 241)”. Retoma a importância de que o analista se analise e
relembra que Freud teria dito sobre a impossibilidade de se atingir um grau de
normalidade em si a que gostaria que chegassem os pacientes (Lacan,
1955/1998d, p. 342). Deste modo, o analista não se distinguiria por ter
necessariamente concluído sua análise e alcançado dado modo de
normalidade, mas “por fazer de uma função que é comum a todos os homens
um uso que não está ao alcance de todo o mundo, quando ele porta a palavra
falada (p. 352).” Este ponto Lacan aprofunda ao longo de toda sua teoria sobre
o lugar do psicanalista no tratamento.
Para precisarmos a concepção lacaniana da “presença do analista” e
suas diferenças com relação à de Nacht, é importante verificar como Lacan lida
com o destaque dado ao imaginário:
43
Os três pontos são: a função do imaginário, as noções das relações libidinais de objeto e a
importância da contratransferência (ver p.18 dessa dissertação).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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22
desmitificando o sentido do que a teoria chama de ‘identificações primárias’,
digamos que o sujeito sempre impõe ao outro, na diversidade radical dos modos de
relação, que vão desde a invocação da fala até a simpatia mais imediata, uma forma
imaginária (...) e essa forma não é outra senão o Eu (Lacan, 1955/1998d, p. 348).
Lacan problematiza o imaginário na análise, pois a Psicologia do Ego e
mesmo o padrão preconizado pela IPA davam um lugar determinante a essa
instância psíquica atormentada pelos conflitos com o que se traduziu como “Id”
e como “Superego”, sem no entanto se darem conta de sua dimensão
imaginária e mesmo alienada. Outra justificativa para essa problematização
realizada por Lacan é a tendência do sujeito neurótico de concentrar sua fala e
suas questões nesse registro e isso requer que o analista seja, portanto,
“invisível para o sujeito”: “ele sabe que não lhe convém responder aos apelos
(...) sob pena de ver ganhar corpo o amor transferencial (...) e o analista sabe
também que conforme a carência de sua resposta, provocará no sujeito a
agressividade ou até o ódio da transferência negativa (1955/1998d, p. 349).”
Neste ponto, Lacan insiste sobre a importância do lugar a que se responde:
ao simplesmente acomodar sua visada no objeto do qual o Eu do sujeito é a
imagem (...) ele se colocará, não menos ingenuamente do que faz o próprio sujeito, sob
a influência dos artifícios de seu próprio Eu. E o efeito, aqui, não é tanto para ser medido
nas miragens que eles produzem, mas na distância que determinam de sua relação com
o objeto (p. 349).
Na sessão desse texto, que dedica ao tema Do Eu na análise e de sua
finalidade no analista, Lacan considera fundamental a virada na técnica da
psicanálise, que Freud imprimiu em 1920: à pergunta ‘quem resiste?’, a
primeira doutrina responderia “o Eu”. É nesse ponto que Lacan deflagra o
engodo da “nova orientação da técnica”, pois “ela responde da mesma
maneira, desprezando o fato de estar-se opondo ao Eu cujo sentido o seu
oráculo, Freud, acaba de modificar, ao instalá-lo em sua nova tópica, em que
(...) a resistência não é privilégio do Eu, mas também do Isso e do Supereu”
(Lacan, 1955/1998d, p. 336). Ele critica a “função sintética do eu”, “objetivada
pelos psicólogos” que seria uma espécie de “miragem do domínio de suas
funções.” (p. 347). Critica, também, a leitura confusa que os pós-freudianos
fizeram do texto freudiano ao não distinguirem muito claramente a “resistência”
e a “defesa” empreendidas pelo “Eu” (p. 338). Utilizando o texto de Anna Freud
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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23
como exemplo44, e comenta que o “simples emprego semântico que (...) faz do
termo Eu, como sujeito do verbo, mostra suficientemente a transgressão que
ela lhe consagra, e mostra que, no desvio desde então aceito, o Eu é
realmente o sujeito objetivado cujos mecanismos de defesa constituem a
resistência” (p. 338). Desse modo, Lacan compara esse tipo de tratamento a
um “ataque que postula como princípio a existência de uma sucessão de
sistemas de defesa no sujeito” (p. 338): ele indica certa confusão por parte
desses analistas, na interpretação que fazem do eu e também da presença do
sujeito em análise, afinal, o discurso do sujeito vinha sendo, em sua opinião,
desvalorizado como signo: “qualquer outra manifestação da presença do
sujeito logo parece dever ser-lhe preferida”, desde o modo como se apresenta,
na chegada a sessão, até o cumprimento, na despedida, por exemplo. Deste
modo, se sua “atitude na sessão prende mais a atenção do que um erro de
sintaxe” (p. 339), Lacan propõe que essa perspectiva teórica, que critica,
coloca a necessidade de que o analista “se torne um aliado da parte sadia do
Eu do sujeito”, ou, ainda, que “o término da análise implica a identificação do
sujeito com o Eu do analista, na medida em que este Eu o analisa”(p. 340). O
problema, para Lacan é que,
ao excluir sua relação com o sujeito de qualquer fundamentação da fala, o analista
nada pode comunicar-lhe que não extraia de um saber preconcebido ou de uma intuição
imediata, Isto é, que não esteja submetido à organização de seu próprio Eu (p. 341).
É nesse sentido que Lacan acrescenta, posteriormente, uma nota de
rodapé (1966), em que a contratransferência aparece como a “transferência no
analista” (1955/1998d, p. 341), ao mesmo tempo em que lança uma pergunta que tomamos aqui como orientação -a respeito do Eu do analista: “não será
esse osso que exige que o psicanalista tenha que ser psicanalisado (...)” (p.
342)?
A questão da “pessoa”, do “homem real” e mesmo da neutralidade, do
modo como o analista ocupará seu lugar na situação analítica ganhou
destaque e importantes divergências teóricas sobre a clínica e isso ocupa os
44
Livro citado por Lacan: Freud, A. (1982). O ego e os mecanismos de defesa. Rio de Janeiro:
Civilização Brasileira.
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
24
principais psicanalistas daquele tempo, sendo tema recorrente em colóquios e
conferências internacionais, além de ser debatido ao longo do ensino de Lacan.
Ele próprio, em Variantes do Tratamento Padrão dirá que “a recomendação
corrente de uma neutralidade benevolente não traz uma indicação suficiente
(Lacan, 1955/1998d, p. 350).” Entretanto, para Lacan, o analista se distingue
de um “homem como todo mundo”, mas não porque foi purificado pelo
tratamento analítico adquirindo um “Ego” mais forte ou mais livre dos conflitos.
Como vimos, o analista para Lacan é diferente de um “homem como todo
mundo”, de um “homem real”, “por fazer de uma função que é comum a todos
os homens [a função da fala] um uso que não está ao alcance de todo o
mundo, quando ele porta a palavra falada” (p. 352). Afinal, continua Lacan, pelo
simples fato de acolher a fala do sujeito “no silêncio do ouvinte” (p. 352), ao
efetivamente escutá-lo calando-se “em vez de responder”, essa resposta
silenciosa do analista é o que marca sua diferença. Numa conversa qualquer,
as pessoas são/se sentem impelidas, pelas mais diversas razões, a responder
ao que lhes é dito, muitas vezes com um conselho, por exemplo. A função do
analista, para Lacan, não reside aí, numa comunicação qualquer.
Alguns anos mais tarde, em 1958, Lacan escreve um artigo que é
apresentado no Colóquio Internacional de Royaumont (Assoun, 2009, p. 418) e
publicado primeiramente em La Psychanalyse, intitulado “A direção do
tratamento e os princípios de seu poder”. Lacan retoma com veemência as
questões que vinha debatendo anteriormente, destacando que é “pelo lado do
analista” que o tema ressaltado nesse título seria retomado (Lacan,
1958/1998a, p. 593). Ele evoca a perspectiva de uma direção por parte do
analista ao afirmar que este último é quem dirige o tratamento, mas isso não
coincide com uma direção do paciente, “uma direção de consciência, no
sentido do guia moral” porque “a direção do tratamento é outra coisa”,
consistindo, “em primeiro lugar, em fazer com que o sujeito aplique a regra
analítica” (p. 592).
Lacan localiza mais precisamente o lugar do analista na situação
analítica afastando-o de uma referência à realidade que, como vimos, está em
jogo na perspectiva da “presença do analista” concebida nos parâmetros de
Nacht: o analista “paga com sua pessoa, na medida em que, haja o que
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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houver, ele a empresta como suporte aos fenômenos singulares que a análise
descobriu na transferência” (Lacan, 1958/1998a, p. 593). Contrapondo-se à
concepção, também depreendida do texto de Nacht, de um “ser” que se
confundiria com o próprio analista com sua pessoa, Lacan, sobre o manejo da
transferência, diz que a liberdade do analista “vê-se alienada pelo
desdobramento que nela sofre minha pessoa, e ninguém ignora que é aí que
se deve buscar o segredo da análise”. Para ele, o analista é ainda “menos livre
naquilo que domina a estratégia e a tática, ou seja, em sua política, onde ele
faria melhor situando-a em sua falta-a-ser do que em seu ser (p. 596)”.
O problema que Lacan destaca, nessa divergência conceitual sobre a
prática da psicanálise, está no fato de que o sujeito “imputa ao analista ser (ser
que está alhures) que é possível uma interpretação voltar ao lugar de onde
pode ter peso” (1958/1998a, p. 597). Essa interpretação, quando é feita pelo
analista, “é recebida como proveniente da pessoa que a transferência lhe
imputa ser” – e Lacan continua, lançando nova pergunta – “aceitará ele
beneficiar-se desse erro de pessoa? ”(p. 597). Nesse sentido, Lacan se dedica
a uma reflexão sobre a interpretação, na sessão seguinte do mesmo texto, e
afirma que não há espaço ali (e tampouco há, nessa dissertação), para
“fornecer as regras da interpretação” (p. 601). Ao mesmo tempo, ele adverte
que a crítica que julga pertinente, naquele momento, não buscava denunciar o
que a psicanálise teria de antifreudiano - já que “ela se vangloria de ultrapassar
aquilo que aliás ignora” (p. 592) -, mas considera grave que os autores daquele
tempo propusessem a interpretação quase como “apenas um balbucio,
comparada à abertura de uma relação maior onde, enfim, se é compreendido
(´por dentro´, sem dúvida)” (p. 601). E ele conclui, não sem um humor, que lhe
é peculiar:
Se a transferência retira sua virtude do ser reconduzida à realidade da qual o
analista é o representante, e se se trata de fazer o Objeto amadurecer na estufa de uma
situação confinada, já não resta ao analisado senão um objeto, se nos permitem a
expressão, em que fincar os dentes, e este é o analista” (p. 613).
De fato esclarece que o analista “é o homem a quem se fala e a quem se
fala livremente. Está ali para isso” (Lacan, 1958/1998a, p. 622). Destaca,
entretanto, que é preciso que sua função seja diferente daquilo que se faz,
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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comumente, “fora da análise”, e propõe: “eu me calo” (Lacan, 1958/1998a, p.
623). Nesse sentido, Lacan diverge de modo radical do que propõe Sasha
Nacht, com sua “atitude de presença”. A atitude de não responder – e com que
frustra o falante, com frequência - ele justifica como uma frustração derivada do
fato de que o sujeito demanda justamente que o analista lhe responda, mas,
“ele sabe muito bem que isso seriam apenas palavras, tais como as recebe de
quem quiser (p. 623)”.
Se, portanto, o analista “dá sua presença”, para Lacan, “só depois ela se
faz notar”:“a princípio ela é apenas a implicação de sua escuta, e esta é
apenas a condição da fala”(1958/1998a, p. 624), e o “sentimento mais agudo
de sua presença está ligado a um momento em que o sujeito só pode se calar,
isto é, em que recua até mesmo ante a sombra da demanda” (p. 624). Deste
modo, diferente do que sustenta Sasha Nacht ao longo de seu livro, Lacan
apresenta o analista como aquele que “sustenta a demanda (...) não para
frustrar o sujeito, mas para que reapareçam os significantes em que sua
frustração está retida” (p. 624).
À pergunta “para onde vai, portanto a direção do tratamento?”, Lacan
responde com uma retomada do que discutiu ao longo do texto, afirmando que
para chegar a essa resposta, “talvez baste interrogar seus meios, para defini-la
em sua retidão” (1958/1998a, p. 647). Por fim, indica novamente o silêncio a
que deve se obrigar o analista “para que a interpretação reencontre o horizonte
desabitado do ser em que deve se desdobrar sua virtude alusiva45 (p. 648).
Encontramos uma proximidade (lógica) entre este último comentário de Lacan,
sobre a posição do analista no tratamento psicanalítico, do qual isolamos a
chamada “virtude alusiva”, e aquilo que
destacamos do texto de 1951,
Intervenção sobre a transferência, em que Lacan caracterizou como “nosso
papel”: “a transferência tem sempre o mesmo sentido, de indicar os momentos
de errância e também de orientação do analista, o mesmo valor de nos
convocar à ordem de nosso papel: um não-agir positivo, com vistas a
ortodramatização da subjetividade do paciente” (Lacan, 1951/1998c, p. 225). A
45
Nesse ponto, Lacan indica a figura do “São João, de Leonardo” da Vinci: seu dedo erguido
que Lacan destaca, dessa obra, serve aqui para mostrar essa “virtude alusiva”, essa
interpretação que incide no desejo que a analise visa e por que por sua vez “se produz para
além da demanda” (Lacan, 1958/1998a, p. 635).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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fim de avançar, na direção que se deixa entrever nesses textos de Lacan,
escritos nos anos cinquenta, resta ainda percorrer o seu Seminário de 1964,
ano que dedicou ao estudo dos “Quatro Conceitos Fundamentais da
Psicanálise”, em que uma das sessões é dedicada à Transferência e Pulsão,
sendo justamente aí que circunscreve o tema de pesquisa que aqui
abordamos: “a presença do analista”. Se Lacan afirma que “não existe
autoanalise, nem mesmo quando a imaginamos” (Lacan, 1962-1963/2005),
pode-se tirar como consequência que a política da falta-a-ser, proposta por ele,
não se dá por via de sua ausência, mas, como apontou Miller, de uma
presença que permanece entre parênteses (1999, p. 45).
1.3 - A presença do analista: uma perspectiva lacaniana, em 1964
“É questão de saber o que, da psicanálise se pode, se deve esperar, e o que se
deve homologar como freio, senão como impasse” (Lacan, 1964/1988, p. 13).
Lacan dá início a seu décimo primeiro seminário, dedicado aos conceitos
fundamentais da psicanálise, reintroduzindo mais uma vez, a questão sobre “o
que é a psicanálise” (1964/1988, p. 11), da qual se ocupa desde o início de seu
ensino. E, ao recolocá-la, evoca o que apresentara, anos antes, em Variantes
do Tratamento Padrão: “uma psicanálise, padrão ou não, é o tratamento que se
espera de um psicanalista” (Lacan, 1955/1998d, p. 331). Diante do cenário
político que se estabeleceu naquele ano, coube a ele “trazer alguma luz
concernente a seus fins, seus limites, seus efeitos” (Lacan, 1964/1988, p. 13) e,
a partir daí, colocar um questionamento sobre “o que funda a psicanálise como
práxis” (p. 14), já que práxis, para ele, é “o termo mais amplo para designar
uma ação realizada pelo homem, qualquer que ela seja, que o põe em
condição de tratar o real pelo simbólico” (p. 14). Acrescenta que, se nisso ele
encontra “menos ou mais imaginário tem aqui valor apenas secundário” (p.
14).46
46
Em função de nossa leitura dos textos posteriores de Lacan (ainda que não estejam em foco
nessa pesquisa), o que destacamos dessa frase não é o privilégio dado por Lacan, aqui, ao
registro do simbólico, mas, antes, consideraremos a articulação entre os registros, sem que
haja primazia de um sobre o outro. Nesse sentido, o imaginário não será colocado em
segundo plano: será mantido como um registro fundamental, com que o analista deverá
estar atento, no manejo da transferência.
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
28
A perspectiva do inconsciente, aberta por Freud, era considerada por
Lacan como esquecida, naquele momento, “graças aos cuidados desses ativos
ortopedeutas (...) que se dedicam no que psicologizando a teoria psicanalítica,
a suturar essa hiância(Lacan, 1964/1988, p. 28), e, se Lacan insiste em mantêla como tal, é por sustentar que “o inconsciente nos mostra a hiância por onde
a neurose se conforma a um real – real que pode, ele sim, não ser
determinado. Nessa hiância, alguma coisa acontece” (p. 27). Trata-se, para
Lacan, de levar ao limite o conceito freudiano de inconsciente, que nada tem a
ver com as outras formas que o precederam, “não é de modo algum o
inconsciente romântico da criação imaginante” (Lacan, 1964/1988, p. 29). Isso
que fala “funciona de modo tão elaborado quanto o do nível consciente, que
perde assim o que parecia seu privilégio” (p. 29). Caracterizado pela forma de
tropeço, “esse não-sei-o-quê que nos toca”, o inconsciente como fenômeno, é
marcado,
desde
Freud,
por
uma
“estranha
temporalidade”,
uma
“descontinuidade”, uma “surpresa”, pela qual o sujeito se sente ultrapassado (p.
30).
Se o que Lacan defende é que “nenhuma práxis, mais do que a análise, é
orientada para aquilo que, no coração da experiência é o núcleo do real”
(1964/1988, p. 55) e se Lacan afirma que “o real está para além do autômaton,
do retorno, da volta, da insistência dos signos aos quais nos vemos
comandados pelo princípio do prazer” (p. 56), será no âmbito da tiquê que a
noção de “presença do analista”, ao menos a partir da orientação lacaniana,
encontra sua melhor referência. A dimensão da “tiquê”, ou como Lacan a
traduz, a dimensão do “como por acaso” ou, ainda, “o encontro com o real”,
noção que considera essencial para “retificar o que é o dever do analista na
interpretação da transferência” (p. 64).
Comumente apresentada como um afeto, qualificado facilmente de
negativo e positivo, a transferência é tratada por Lacan, nesse seminário, como
termo que requer um novo emprego, já que “estrutura todas as relações
particulares a esse outro que é o analista”, trata-se de um conceito que,
segundo Lacan, “dirige o modo de tratar os pacientes. Inversamente, o modo
de tratá-los comanda o conceito” (Lacan, 1964/1988, p. 120). Na lição que abre
a sessão dedicada à “Transferência e a pulsão” e cujo tema é propriamente a
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
29
“presença do analista”, Lacan propõe coerência na abordagem dos conceitos
que fundam a psicanálise, como o conceito de inconsciente, que ele não pôde
separar da noção de “presença do analista” (p. 121).
No que se refere ao debate político que acontecia na década de sessenta,
diante do obscurantismo que Lacan aponta – tanto proveniente do
autoproclamado American Way of Life, quanto daquela que considerou uma
“pregação lacrimejante (...) que encarna um livro que foi publicado com este
título”47 (1964/1988, p. 121) – naquele ano, Lacan posicionava-se teoricamente
e também politicamente, inclusive diante do fato de que fora impedido de
continuar seu trabalho como analista didata pela IPA: é o mesmo ano que
funda a Escola Francesa de Psicanálise (Lacan, 1964/2003, p. 235). O texto
depreendido da fala de Lacan, nesse seminário, é, portanto, entrecortado de
comentários sobre a situação da psicanálise, em 1964, e sobre os textos dos
quais Lacan busca separar seu ensino: trata-se, para ele, de nos guiar pelos
caminhos do que nomeia “uma exploração escolhida” (1964/1988, p. 124), e
não promover um percurso exaustivo entre a multiplicidade de concepções que
foram formuladas sobre a transferência. Esse “obscurantismo” da função da
psicanálise, naquele tempo, deve-se, à “revalorização de noções há muito
tempo refutadas no campo da psicanálise, tais como a predominância das
funções do eu” (p. 123). É nesse sentido que, marcando uma diferença em
relação ao que havia sido colocado no texto de Nacht, Lacan defende que a
própria noção de “presença do analista” seja incluída no conceito de
inconsciente, já que “justifica a manutenção, no interior da análise, de uma
posição conflitual, necessária à existência mesma da análise” (p. 123).
Se a crítica de Lacan vai de encontro ao valor dado à aparência da
transferência, aspecto imaginário a que se apegam alguns pós-freudianos
criticados por ele, o que propõe, a partir de Freud, é atentarmos para esse
“ponto de aparição” do conceito da transferência, momento que considera
“muito significativo da passagem de poderes do sujeito ao Outro, aquele que
chamamos o grande Outro (A), o lugar da fala, virtualmente o lugar da verdade”
(Lacan, 1964/1988, p. 125): esse “ponto de aparição” – ele diz – “é o que ele é
47
Deduzimos que trata-se do livro de Sasha Nacht, intitulado “A presença do analista”,
publicado em 1963, e comentado, anteriormente, no item 1.1, deste capítulo.
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
30
na aparência”. Deste modo, retomando Freud, Lacan adverte que este ponto
não é simplesmente um ponto de desaparecimento do sujeito/inconsciente que
esse “momento do fechamento do inconsciente, pulsação temporal” (p. 125)
pode ser marcado como a “causa do que chamamos transferência” e ele
esclarece que “o Outro, latente ou não, está, desde antes, presente na
revelação subjetiva (..) o Outro está lá, em toda abertura por mais fugidia que
ela seja, do inconsciente” e, nesse sentido, “longe de ser a passagem de
poderes ao inconsciente, a transferência é, a contrário, seu fechamento”
(p. 125). Nesse ponto, Lacan delimita o que para ele, seria “a linha de divisão
da boa e da má maneira de conceber a transferência” (p. 125): sua perspectiva,
já que freudiana, propõe que o analista, no tratamento, sustente o paradoxo de
aguardar a transferência para iniciar a oferecer uma interpretação.
Ainda que existam muitas formas de se colocar na prática da psicanálise,
e que algumas delas não se excluam, necessariamente, pode-se assinalar,
com Lacan, divergências irredutíveis, como a concepção “que quer que a
análise da transferência proceda sobre o fundamento de uma aliança com a
parte sã do eu do sujeito, e que ela consista em apelar para o seu bom-senso,
para fazê-lo notar o caráter ilusório de tais de suas condutas no interior da
relação com o analista” (Lacan, 1964/1988, p. 126). Para ele essa é a “tese que
subverte” aquilo que vem insistindo em assinalar, desde a década de
cinquenta: “apelar para uma parte sã do sujeito, que estaria lá no real, apta a
julgar com o analista o que se passa na transferência, é desconhecer que é
justamente essa tal parte que está interessada na transferência, que é ela que
fecha a porta” (p. 126). Esse é um ponto que torna decisiva a interpretação,
para que se possa, então, acessar o que está alhures. Nesse sentido, a crise
conceitual que Lacan assinala nesse período, teria relação com a maneira
como se concebe a “função da transferência (...) nisso mesmo que, em relação
ao inconsciente, ela é o momento de fechamento” (p. 126). Aí estão que, para
Lacan, justifica tratar a função da transferência como um nó.
Buscando desatar esse nó, no fim de sua lição sobre a “presença do
analista”, no Seminário 11 (1964/1988), Lacan faz menção ao artigo de
Thomas Szasz, publicado no Internacional Journal of Psychoanalysis (Szasz,
1963), considerado por Lacan como um “caso limite”, alvo de uma crítica tecida
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
31
por ele, acerca do conceito de transferência trabalhado nesse artigo, de Szasz.
Para Lacan é “absolutamente notável que um autor, aliás, um dos mais
estimados em seu círculo, que é o da psicanálise exatamente americana,
considere a transferência como nada mais que uma defesa do psicanalista...”
(Lacan, 1964/1988, p. 127). Intitulado “O conceito de transferência”,
encontramos esse texto dividido em duas partes: a primeira delas dedicada à
“lógica da análise” e a segunda, ao “conceito de transferência como defesa
para o analista”: é esse o título do artigo, em que se vê a confusão apontada,
em seu seminário, a de que a “integridade do analista e da situação analítica
pode nos salvar da extinção do diálogo único entre analista e analisado” (p.
127). No primeiro dos dois textos, Szasz coloca em tensão os termos
“transferência” e “realidade”, ao mesmo tempo em que lança a pergunta : “who
shall say now wich is ‘reality’ and wich ‘transference’”48 (1963, p. 1)? Para
Szasz, definir a transferência em termos da situação analítica, ou seja, reduzila a isso, seria como
defining microbes as little objects appearing under a microscope. (...) As the
occurrence os bactéria is not limited to laboratories, so the occurrence of transference is
not confined to the analystic situation; however, each is observed and studied Best, not in
49
its natural habitat, but under special circumstances (p. 2).
Ao longo do texto, ele estabelece uma divisão entre a percepção do
analista e a do paciente, na situação analítica, e, diante de uma leitura sobre a
situação transferencial no tratamento das pacientes histéricas, como as que
Freud atendia: diante de uma afirmação, por parte da paciente de que estaria
apaixonada por seu médico, Szasz destaca que esse tipo de situação foi
definido por Freud, como ilusão – e nisso a visão do médico seria considerada
por Freud como correta e, consequentemente, a visão do paciente seria
incorreta e considerada “transferência”. Nesse sentido é que os conceitos de
“Transferência” e “Realidade” são colocados em relação por Szasz, distinção
que ele considera tão importante para o psicanalista quanto a diferença entre a
48
quem para dizer o que é ‘realidade’ e o que é ‘transferência’? (traduzido pela autora)
49
definir micróbios como pequenos objetos aparecendo sob o microscópio (...) a ocorrência da
bactéria não é limitada aos laboratórios, também a ocorrência da transferência não é
confinada à situação analítica. Apesar disso, cada um é observado melhor não em seu
habitat natural, mas sob circunstâncias especiais (traduzido pela autora)
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
32
“dor real” e a “dor imaginária” lhe parece fundamental para um cirurgião (Szasz,
1963). Para ele, a transferência, geralmente usada para descrever um tipo de
experiência que o paciente em análise tem e que outras pessoas, em outras
ocasiões, também sentiriam, como uma experiência de autojulgamento, sem
que o analista precise dizer nada.
Lacan avalia que introduziu o conceito de transferência de modo
“problemático”, na lição intitulada a “presença do analista”, por ter se
fundamentado nas “dificuldades que ele impõe ao analista” (1964/1988, p.
130): isso se justifica, para ele, por uma crise vivida pela psicanálise, uma
“crise de consciência na função do analista” (p. 131), que só interessou a
Lacan de modo lateral, devido a maneira unilateral com que os analistas
teorizavam a prática da análise da transferência (p. 131). Lacan adverte sobre
a “multiplicidade e a discordância das fórmulas que os analistas deram da
função da transferência” (p. 138) e conclui, nesse seminário de 1964, que a
transferência “é ao mesmo tempo obstáculo à rememoração e presentificação
do fechamento do inconsciente, que é a falta, sempre no momento preciso, do
bom encontro” (p. 139).
Nesse sentido, a crítica que faz em textos como o de Thomas Szasz,
dirige-se à sua perspectiva sobre a “realidade da situação analítica, isto é, os
dois sujeitos reais que ali estão presentes” (Lacan, 1964/1988, p. 130) e seu
engodo, apresentado por Lacan nesse seminário, é que essa “relação se
inaugura num plano que não é de modo algum recíproco, de modo algum
simétrico” (p. 131), nesse sentido, “na prática analítica, referir o sujeito em
relação à realidade, tal como a supomos nos constituindo, e não em relação ao
significante, vem já cair na degradação da constituição psicológica do sujeito”
(p.135). Por mais que esse aspecto possa interessar ao psicólogo, “dar
resultados, ter efeitos, permitir compor tabelas”, a advertência colocada no
texto que nos orienta aqui, adverte para uma realidade forjada pelos próprios
profissionais, por exemplo diante das tarefas organizadas pelos próprios
profissionais: “é o domínio de validade do que se chama de psicologia, que não
tem nada a ver com o nível em que mantemos a experiência psicanalítica e
que, se assim posso dizer, reforça incrivelmente a miséria do sujeito” (Lacan,
1964/1988, p. 136).
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
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33
Nesse sentido, é justamente nesse ano em que recoloca o que está no
cerne da descoberta freudiana, ao mesmo tempo em que marca que “é de
realidade que se trata, é a esse plano que entendo levar a crítica” (Lacan,
1964/2003, p. 139), ele diz.
Assim, com Lacan, vimos que “a transferência não é a atualização da
ilusão que nos levaria a essa identificação alienante que constitui qualquer
conformização, ainda que a um modelo ideal, de que o analista, em caso
algum, poderia ser suporte – a transferência é a atualização da realidade do
inconsciente” (1964/1988, p. 139). Isso faz toda a diferença, especialmente por
que “o que se anuncia aqui é justamente o que mais se tenta evitar na análise
da transferência” (p.142). Se há divergências, nesse período, entre Lacan e
esses autores - que fomos levados a ler em função de nosso interesse pelo
texto lacaniano (em que as afirmações se dão em meio às divergências) – tais
divergências referem-se, particularmente, ao modo como articulam a função do
analista no manejo da transferência e sobre a própria concepção de
experiência analítica: embora tenham em comum a referência a Freud – a cujo
texto retornaremos em breve - mas interpretam seu texto de modos distintos.
Isso interfere na maneira como concebem a experiência analítica e o lugar do
analista, na direção do tratamento psicanalítico, essa “presença do analista”,
que nos interessa aqui.
Tornou-se necessário empreender, portanto, um retorno a Freud, nos
textos em que apresenta orientações sobre a prática clínica àqueles que se
interessam pela psicanálise e que, além disso, se interessam pelos meios
através dos quais uma psicanálise é levada a acontecer, a cada caso – como
vimos, com a leitura lacaniana do texto freudiano, desde a década de cinquenta
– mas não em qualquer direção. Nesse sentido, funda, em 1964, a Escola
Francesa de Psicanálise, que “afirma-se antes de tudo freudiana”, em meio a
essas divergências. No Ato de Fundação (1964/2003), Lacan dedica uma
sessão à “psicanálise aplicada, o que significa de terapêutica e clínica médica”,
assegurando, em sua escola, um espaço para contribuições no campo da
experiência psicanalítica: “pela crítica de suas indicações em seus resultados;
pela experimentação dos termos categóricos e das estruturas que introduzi
Capítulo 1
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
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34
como sustentando a linha direta da práxis freudiana” (Lacan, 1964/2003, p.
237).
Os vários lugares onde um praticante da psicanalista pode atuar - levando
em conta que o psicanalista aqui não se confunde com o “ser”, a “pessoa”,
como vimos nas definições encontradas no texto lacaniano – esses diversos
campos (educação, saúde, saúde mental, direito, defesa social, assistência
social) a partir dos quais muitos profissionais interrogam a teoria analítica, se
seguimos o percurso teórico, aberto pelo texto lacaniano, encontramos Freud
no horizonte. Trata-se, portanto, de um “reachado”: como disse Lacan, em
1964. Em que ponto da teoria psicanalítica, desde Freud a Lacan poderíamos
nos apoiar para circunscrever o tratamento psicanalítico, nos dias de hoje e,
mais exatamente sobre a “presença do analista”, independentemente do
cenário onde ela possa acontecer?
Nesse sentido, não é dispensável o retorno a “Variantes do Tratamento
Padrão”, afinal, se Lacan nos diz que “a psicanálise não é uma terapêutica
como as outras”, o que ele destacava naquele período e ao longo de seu
ensino, é que esse “variantes”, de que se trata em seu ensino, não se refere à
“adaptação do tratamento, com base em critérios empíricos nem, digamos,
clínicos, à variedade dos casos, nem uma referência às variáveis pelas quais
se diferencia o campo da psicanálise” (1955/1998d, p. 326): isso nos serve
como orientação, ao longo da dissertação. Trata-se, para Lacan, de “rigor de
alguma forma ético, fora do qual qualquer tratamento, mesmo recheado de
conhecimentos psicanalíticos, não pode ser senão psicoterapia” (p. 326). Até
aquele momento, não se havia conseguido avançar, no sentido de uma
formalização teórica, distinta de um “formalismo prático” do que deve ou não
ser feito. Nesse sentido, encontramos uma pergunta feita por Lacan nesse
texto, que se mostrou bastante orientadora para a leitura em torno do que se
estabelece nessa pesquisa: ao dizer do lugar do analista, Lacan assegurava
que em psicanálise se admite a cura como um benefício adicional do
tratamento psicanalítico, ele [psicanalista] se precavém contra qualquer abuso
do desejo de curar, e o faz de maneira tão habitual que, ao simples fato de uma
inovação motivar-se neste, inquieta-se em seu foro íntimo, ou reage no foro do
Capítulo 1
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grupo através da pergunta automática que desponta de um ‘será que isso
ainda é psicanálise? (p. 327).
Capítulo 2
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2 - UMA RETOMADA AOS PRINCÍPIOS DA TÉCNICA: O
MANEJO DA TRANSFERÊNCIA EM FREUD
O percurso que seguimos, na trilha aberta por Freud, deve-se à tentativa
de reencontrar recursos para a sustentação de uma prática orientada pela
psicanálise,
mesmo
em
situações
ainda
não
experimentadas,
ou
suficientemente verificadas, situações que interrogaram a teoria. O tema da
pesquisa aqui empreendida – a “presença do analista” – depreendeu-se de
uma pluralidade de práticas que encontramos atualmente e que, em nossa
experiência, interrogaram sobre o lugar do analista, mais além do lugar da
psicanálise, na contemporaneidade. Descobrimos, desde Freud e depois com
Lacan, que esses termos preservam entre si uma relação intrínseca, já que
“uma psicanálise, para ele, é o tratamento dispensado por um psicanalista
(1964/1988). É à luz das indicações de Lacan que retomamos o texto
freudiano, os artigos que dedicou à técnica da psicanálise, escritos entre 1911
e 1915 e mais tarde, suas conferências dedicadas a elucidação da técnica
psicanalítica, em que destacamos o lugar do analista e o manejo da
transferência. Freud reconhece que a técnica que apresenta é depreendida de
sua própria experiência e “é a única apropriada à [sua] individualidade”
(1912/1996e, p. 125); trata-se de um pautado pela clínica, pelas situações que
encontra, demandas que lhe eram endereçadas, e para as quais ainda não
tinha respostas. Freud permitiu que a experiência adquirida a partir dos casos o
conduzisse à formulação e alterações em torno da direção para o tratamento,
ou, nas palavras de Peter Gay:
O laboratório de Freud era seu divã. Desde o começo dos anos de 1890, os
pacientes de Freud haviam lhe ensinado muito do que ele sabia, obrigando-o a refinar
sua técnica, abrindo perspectivas impressionantes para novos pontos de partida
teóricos, confirmando ou forçando-o a corrigir – ou mesmo abandonar – hipóteses
acalentadas (1989, p. 255).
Nesse sentido, tornou-se interessante percorrer aquilo que o próprio
Freud designou como indicações relevantes sobre a técnica da psicanálise, o
modo como a descreveu, permitindo a transmissão de uma perspectiva sobre a
prática psicanálise e, especialmente, sobre aquilo que concerne o lugar do
analista no tratamento, desde os Artigos sobre técnica, até situações limite, em
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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37
que a psicanálise encontra outros campos, dada sua relevância, cada vez mais
ampla, em outros contextos, além dos contextos particulares de tratamento.
2.1 - Sobre os princípios da direção do tratamento em Freud, e seus
meios.
O editor inglês das obras completas de Freud chama atenção para o fato
de que depois dos “Estudos sobre a Histeria” Freud não publicara nada
especificamente sobre a técnica, por mais de 15 anos (1996e, p. 93). O que
poderia ser encontrado sobre o método psicanalítico, poderia ser inferido
através dos casos clínicos que apresentou no decorrer da publicação de seus
trabalhos. Se iniciamos essa leitura do texto freudiano de modo não
cronológico, é por encontrar na “Autobiografia” de Freud (1925/2011), com
suas próprias palavras, um pouco sobre a história da técnica psicanalítica
empreendida por ele desde o princípio, bem como os métodos utilizados no
início de sua prática como “médico dos nervos”, desde que seu “arsenal
terapêutico incluía somente duas armas, a eletroterapia e a hipnose” (p. 88).
Ele conta que o primeiro abandonou por volta de 1886, mantendo a “sugestão
hipnótica” como principal instrumento de seu trabalho ainda que ele próprio
faça aí uma ressalva: a de que, desde o início, fizera outra aplicação da
hipnose, além da sugestão hipnótica (p. 91). Utilizou essa outra aplicação para
interrogar os pacientes sobre o surgimento do seu sintoma, do qual ele quase
não sabia, quando estava desperto. Para Freud tal método pareceu mais
eficaz, como ele disse, do que “o mero ordenar ou proibir pela sugestão”,
procedimento que chega a descrever como “monótono” (p. 92).
As memórias relatadas nessa autobiografia, apresentam o inicio de sua
prática e de modificações do método; além de deixarem clara a trilha que Freud
decide tomar para tratar seus pacientes. O contato com Josef Breuer permitiu a
Freud iniciar-se nos estudos e na prática do método “catártico”, “forma especial
de tratamento” (1925/2011, p. 92), cujo objetivo era “fazer com que o montante
de afeto empregado na manutenção do sintoma, que caíra em trilhas erradas e
nelas permanecera como que entalado, tomasse as vias normais, onde podia
chegar à descarga (ab-reagir)” (p. 96). O método desse tratamento trazia certa
novidade, e resultara de uma “observação casual” que fez Freud perceber “que
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
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38
ela poderia ser livrada daquelas turvações da consciência se ele a induzisse a
expressar em palavras a fantasia que no momento a dominava. A partir dessa
experiência, Breuer chegou a um método de tratamento.” (p. 93).
Para o médico, entretanto, incomodava o fato de que a paciente soubesse
tanto em estado de hipnose, a ponto de ser curada dos sintomas que
apresentava, mas, ao despertar, nada sabia dizer sobre aquilo que ela própria
revelara. Breuer conseguira, através desse procedimento50, livrá-la de todos os
sintomas. A essa altura, Freud se perguntava se “cabia generalizar o que ele
havia encontrado num só caso clínico” e, certo de que “só a experiência
poderia decidir” (1925/2011, p. 95), utilizou, ele próprio, as investigações de
Breuer, em seus pacientes (p. 95), até propor a alteração decisiva, “da catarse
para a psicanálise propriamente” (p. 97): procurou substituí-la por outro
método, “desejava superar a limitação do tratamento a estados histeriformes”
(p. 102). A partir de sua experiência com a catarse, utilizada em casos além da
histeria, “com as doenças nervosas em geral” (p. 102), essa nova perspectiva
“surgiu como um conhecimento aparentemente original”: Freud “já supunha a
existência de um jogo de forças, a ação de intenções e tendências, como
aquelas observadas na vida normal” (p.97). Foi levado, pelo que se
apresentava em sua clínica, a “perceber as neuroses, de maneira bastante
geral, como distúrbios da função sexual” (p. 100). Freud passara a duvidar da
própria utilização da hipnose, da catarse, por que até os melhores resultados
desapareciam depois de desfeita “a relação pessoal com o paciente” (p. 102).
Ele “havia iniciado a pesquisa sobre neuróticos sem ideia preconcebida” (p. 98)
e não se considerava preparado para o resultado encontrado, de que
excitações, de natureza sexual, agiam por trás dos fenômenos da neurose,
mas, ainda que sentindo-se despreparado não recuou diante dos efeitos e das
perguntas que sua experiência, apresentava ao mundo.
Remontando à experiência com uma paciente51 de Breuer (atendida por
ele entre 1880 e 1882), Freud lembra que, quando o trabalho da catarse
50
Quando a enferma, hipnotizada, recordava uma situação dessas de forma alucinatória, e
posteriormente realizava até o fim o ato psíquico então suprimido, dando livre curso ao
afeto, o sintoma era removido e não tornava a aparecer (Freud, 1925/2011, p. 94).
51
“Essa paciente, que Breuer chamou ‘Anna O.’ era Bertha Peppenheim (1859-1936)” (apud
Freud, 1925/2011)
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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parecia concluído, ela entrou num estado de “amor transferencial”, que Breuer,
relacionar esse estado à “doença”, acabou se afastando, embaraçado e sem
nenhuma maneira para lidar com aquilo. Além da possibilidade de um efeito
catártico, os sintomas comportavam outros elementos que, Freud percebia que
deveriam ser considerados, analisados, decifrados.
Ele relata que esse seu trabalho com as doenças nervosas em geral
(além da histeria, com que lidava na maioria dos casos que atendia) o fez
alterar a técnica da catarse. Ele se inquietava, por exemplo, com a seguinte
limitação do efeito catártico: o melhor dos resultados desaparecia após ter sido
concluída a relação pessoal do paciente com seu médico. Desse modo, Freud
constata que “a relação afetiva pessoal era mais forte que todo trabalho de
catarse” (Freud, 1925/2011, p. 102) e relembra o “momento” que o fez
renunciar, decididamente, ao “tratamento hipnótico”: após alívio do sofrimento,
uma de suas pacientes, desperta da hipnose e lhe joga os braços ao redor do
pescoço. Cabe ressaltar o comentário que Freud faz sobre o gesto da paciente:
Fui razoável o bastante para não lançar o incidente à conta de meu
charme pessoal irresistível, e acreditei haver apreendido então a natureza do
elemento místico que age por trás da hipnose. Para excluí-lo, ou ao menos
isolá-lo, tive que abandonar o hipnotismo (Freud, 1925/2011, p. 103).
Freud, desde os primórdios da psicanálise, colocou sob investigação o
valor que a intervenção do analista tem para a condução do tratamento, bem
como os efeitos produzidos a partir do encontro de um paciente com um
analista e, com relação às mudanças que ele inicialmente imprime à sua
prática, encontramos a utilização da técnica de Berheim, que consistia em por
as mãos sobre a testa do paciente, com a função de “empurrar para a
consciência os fatos e nexos esquecidos” (Freud, 1925/2011, p. 103). Ele
decide, então, preservar do hipnotismo “apenas a recomendação de o paciente
se deitar num sofá” enquanto o analista deveria ficar “sentado atrás dele, de
modo que o via mas não era visto” (p. 104). Com a mudança da técnica,
também o efeito catártico passava a ser problematizado em sua resolução do
sintoma. Afinal, o hipnotismo, que visava tal efeito, encobria um jogo de forças,
agora revelado, que exigia do médico um dispêndio de energia “evidentemente
à medida da resistência por parte do doente” (p. 105). Nesse novo contexto,
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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40
encontramos a seguinte declaração: “não mais chamei de catarse o
procedimento de investigação e cura, e sim de psicanálise” (p. 106) e, “em vez
de instar o paciente a dizer algo sobre certo tema, solicitávamos que ele se
entregasse à livre associação, que dissesse o que lhe vinha à mente...” (p.
121). Essa regra psicanalítica fundamental, a associação livre - utilizada até
hoje – é colocada em contraste, por Freud, em relação ao método que se
pautava pelo efeito catártico, e apresenta grandes vantagens em relação a este
último “não apenas por ser menos trabalhoso”, mas também por expor “o
analisando ao mínimo grau de coerção” sem perder “o contato com o presente
real”, garantindo “em boa medida que o analista não deixe de ver nenhum fato
da estrutura da neurose e não introduza nela algum tanto de sua própria
expectativa” (p. 123).
Por tal via, Freud chega a um conceito da maior relevância para a
psicanálise e muito articulado ao tema desta dissertação percorre: a
transferência produzida em todo o tratamento analítico “sem que o médico faça
alguma coisa para isso” e que se apresenta como “uma forte relação emocional
do paciente com a pessoa do analista”.(Freud, 1925/2011, p. 124). Ainda que,
no decorrer do tratamento a transferência apareça sob a forma de resistência,
ainda assim, Freud afirma: “não haveria sentido em buscar evitá-la; uma
análise sem transferência é algo impossível” (p. 124).
2.2 - Das questões técnicas à ética daí depreendida
No texto A dinâmica da transferência (1912), um dos “Artigos sobre
técnica” em que Freud se dedica a esclarecer a transferência, - e mostrar como
ela é “necessariamente ocasionada durante o tratamento psicanalítico” (Freud,
1912/1996e, p. 111) - Freud chega a supor que a transferência seja mais
intensa em indivíduos em análise do que “fora” dela, mas essa hipótese não
resiste a um exame pormenorizado e ele prefere atribuir as características da
transferência à própria neurose e não à psicanálise, já que esse fenômeno não
é exclusividade desse procedimento clínico.
É inegável que a transferência ocupa um lugar central no tratamento
psicanalítico, mas Freud considera o conceito complexo e entende que, para
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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41
entendê-lo, é fundamental compreender a transferência sob a luz das relações
entre esta e as resistências “o papel que a transferência desempenha no
tratamento só pode ser explicado se entrarmos na consideração de suas
relações com as resistências” (Freud, 1912/1996e, p. 116). Sobre as relações
entre transferência e resistência, Freud apresenta uma consideração bastante
interessante: seria de se esperar que a transferência para o médico facilitaria
as confissões, mas o que se verifica é justo o contrário, pois ela “torna as
coisas mais difíceis” (p.116) e é com isso que o analista se vê obrigado a lidar,
no tratamento. Segundo Freud, diante de uma situação de forte resistência
transferencial, o analisando é lançado “para fora de sua relação real com o
médico” e “se sente então em liberdade para desprezar a regra fundamental da
psicanálise52” (p. 118).
Freud jamais subestimou o valor da transferência, mesmo na sua face de
resistência e sustenta que a luta entre médico e paciente, travada quase
exclusivamente, nos fenômenos da transferência, se dá “entre intelecto e a vida
instintual, entre a compreensão e a procura da ação” (Freud, 1912/1996e, p.
119). Nesse embate, a presença do analista, para retomarmos a expressão
que nos interessa elucidar nesta dissertação, adquire uma função decisiva:
Não se discute que controlar os fenômenos da transferência representa para o
psicanalista as maiores dificuldades; mas não se deve esquecer que são precisamente
eles que nos prestam o inestimável serviço de tornar imediatos e manifestos os impulsos
eróticos e esquecidos do paciente. Pois, quando tudo está dito e feito, é impossível
destruir alguém in absentia ou in effigie (p. 119).
Em
“Recomendações
aos
médicos
que
exercem
a
psicanálise”
(1912/1996e), Freud apresenta algumas orientações alcançadas a partir de sua
experiência clínica. Entre elas, destaca-se uma espécie de regra que ele
reconhece como apropriada à sua individualidade e é “bastante simples”, como
diz: “consiste simplesmente em não dirigir o reparo para algo específico e em
manter a mesma ‘atenção uniformemente suspensa’ ... em face de tudo o que
se escuta” (p. 125). De acordo com Freud, a regra de prestar igual atenção a
tudo, mas sempre mantendo uma suspensão para não se concentrar em um
52
Não se pode deixar de notar que esse é o primeiro “emprego do que doravante tornou-se a
descrição regular da regra técnica essencial” (Freud, 1912/1996e, p. 118, nota de rodapé)
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
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Joanna Angelo Ladeira
42
ponto específico, consiste, do lado do analista, na “contrapartida necessária da
exigência feita ao paciente, de que comunique tudo o que lhe ocorre, sem
crítica ou seleção”: se o médico se comportar de outro modo, estará jogando
fora a maior parte da vantagem que resulta de o paciente obedecer à ‘regra
fundamental da psicanálise’” (p. 127), à associação livre.
Notamos, através desse exemplo, como as técnicas apresentadas nesse
trabalho convergem para o seguinte ponto: o lugar do analista no tratamento.
Do lado do paciente, temos a regra fundamental de dizer tudo o que ocorre ao
analista e este, por seu turno, se encarregará de “colocar-se em posição de
fazer uso de tudo o que lhe é dito para fins de interpretação e identificar o
material inconsciente oculto, sem substituir sua própria censura pela seleção
de que paciente abriu mão” (Freud, 1912/1996e, p. 129).
Para tanto, Freud faz uma advertência: o psicanalista “não pode tolerar
quaisquer resistências em si próprio” e que, para isso “não basta que ele
próprio seja uma pessoa aproximadamente normal” (Freud, 1912/1996e, p.
129) e recomenda aos praticantes da psicanálise atenção, para não colocar
“sua própria individualidade livremente no debate” (p. 131), indicando que essa
é mais uma das diferenças entre as “relações psicanalíticas” e o que se passa
com a “psicologia da consciência”, por suas características de “sugestão” e
“indução” do paciente. Os riscos que Freud aponta referem-se ao fato de que
“ela pode induzir o paciente a apresentar, mais cedo e com menos dificuldade,
coisas que já conhece, mas que, de outra maneira, esconderia por certo tempo,
mediante as resistências convencionais. Mas esta técnica não consegue nada
no sentido de revelar o que é inconsciente ao paciente” (Freud, 1912/1996e, p.
131). Além disso, o paciente efetivamente, nos diz Freud, “gostaria de inverter
a situação, e acha a análise do médico mais interessante que a sua” (p. 131).
Ele não hesita em “condenar este tipo de técnica como incorreto” e sustenta
que “o médico deve ser opaco aos seus pacientes e, como um espelho, não
mostrar-lhes nada, exceto o que lhe é mostrado” (p. 131).Sobre esse
posicionamento de neutralidade – que Freud sustentará ao longo de seu ensino
– e, mais especificamente, sobre a metáfora do “espelho”, utilizada por Freud,
ela nos remete a um ponto de discordância teórica, apresentada por Sasha
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
43
Nacht (Nacht, 1963/1967), em seu livro sobre a Presença do analista53, ele
chega a dizer que é preferível “en la perspectiva de la curación, uma
interpretación medíocre apoyada por uma buena transferência, y no ló
contrario”54(p.161), e isso por que, em sua opinião, esse “papel del ‘espejo’(...)
puede tornarse paralizante para el analista y privarlo de uma disponibilidad
emocional indispensable para la curación”55 (p. 61). Nesse sentido, a leitura
que Nacht faz é que uma “neutralidade bondosa” seria mais desejável, por
parte do analista e só então, ele diz, “la interpretación dará buenos frutos y las
sucesivas tomas de conciencia, indispensáveis
56
tratamiento, se harán posibles y fecundas”
para el progreso del
(p. 160).
Para ele, o fundamental para o tratamento é a “atitude profunda” do
analista, no tratamento , uma “actitud gratificante, técnicamente adaptada, que
no se exprese, por supuesto, ni por palabras, ni por gestos afectuosos, sino
solo por uma manera de ser interior, puede permitir AL enfermo aceptar su
necessidad de amar y de ser amado, y espresarla sin temores” 57 (Nacht,
1963/1967, p. 161). Considera que o essencial “situa-se mais além do nível
verbal (...) só essa outra forma de relação, não verbal, pode ser sentida como
tranquilizadora” e reconhece sua predileção, nesse ponto, por certa
“objetividade”, que lhe parece indispensável.
No fim desse mesmo artigo, Freud concentra as recomendações que
fariam referência ao objetivo para onde convergem as diferentes regras
apresentadas por ele: “todas elas se destinam a criar, para o médico, uma
contrapartida à ‘regra fundamental da psicanálise’, estabelecida para o
paciente” (1912/1996e, p. 129) do lado do analista, adverte, portanto, 1) para
os perigos de se “trabalhar cientificamente num caso enquanto o tratamento
ainda está continuando”; 2) que o sentimento mais perigoso para um analista
53
Livro comentado no primeiro capítulo, no item 1.1.
54
uma “interpretação medíocre apoiada por uma boa transferência, e não o contrário (traduzido
pela autora).
55
papel de espelho (...) pode tornar-se paralisante para o analista e privá-lo de uma
disponibilidade emocional indispensável à cura (traduzido pela autora).
56
a interpretação dará bons frutos, e as sucessivas tomadas de consciência, indispensáveis
para o progresso do tratamento se farão possíveis e fecundas (traduzido pela autora).
57
atitude gratificante, tecnicamente adaptada, que não se expresse nem por palavras, nem por
gestos afetuosos, e só por uma maneira de ser interior, pode permitir ao paciente aceitar
sua necessidade de ser amado e expressá-la sem temores (traduzido pela autora).
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
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seria sua “ambição terapêutica de alcançar (...) algo que produza efeito
convincente sobre outras pessoas” (p. 128); 3) sobre a importância de não ser
tomadas notas, durante a sessão. Cada uma dessas recomendações sobre a
“atitude do analista” tem, como vimos, o objetivo de servir como contrapartida,
uma espécie de regras fundamentais, do lado do analista. Em seu conjunto,
notamos que dispõem sobre a menor interferência possível, pelo analista,
riscos que suas “intenções” poderiam acarretar.
Passando às recomendações que se referem ao tratamento do paciente,
Freud não chega a condenar a prática de terapeutas que conjugariam aspectos
da análise a certa influência sugestiva, buscando resultados por tempo mais
curto, tal como seria necessário nas instituições, mas afirma que, quando se
fizer assim, não se tenha “dúvida quanto ao que está fazendo e saiba que o
seu método não é o da verdadeira psicanálise” (Freud, 1912/1996e, p. 131). No
fim desse artigo, chama atenção também para a tentação educativa que se
poderia supor como uma tarefa do analista: reconhece “a ambição natural” para
“transformar em especialmente excelente uma pessoa que ele lutou para livrar
da neurose”, mas propõe que o analista “deve controlar-se e guiar-se pelas
capacidades do paciente, em vez de por seus próprios desejos” (p. 132). Nesse
viés, conclui que a “ambição educativa é de tão pouca utilidade quanto a
ambição terapêutica” e que, no caso de se pensar que a pressão no sentido da
sublimação e cerceamento de satisfações libidinais seriam parte da tarefa do
analista, destaca o quanto é preciso ser, antes de tudo, “tolerante com a
fraqueza do paciente” e que essas pressões e cerceamentos tornariam a vida
“ainda mais árdua do que (os pacientes) a sentem ser”. Por isso, em sua
opinião, “esforços no sentido de usar o tratamento analítico para ocasionar a
sublimação do instinto (...) estão longe de ser aconselháveis em todos os
casos”(p. 132).
É possível notar aí como, mais uma vez, Freud reafirma a impossibilidade
de recomendar um tratamento prêt-à-porter, aplicável em todo caso, chega a
nomear como “errado” o procedimento de “determinar tarefas ao paciente, tais
como coligir suas lembranças ou pensar sobre um período específico de sua
vida” (Freud, 1912/1996e, p. 132), já que os enigmas da neurose só podem ser
descobertos ao “se obedecer pacientemente à regra analítica” (p. 132), e
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
Capítulo 2
45
propõe que os analistas aprendam “por experiência pessoal” um conhecimento
que considera mais amplo que aquele capaz de ser transmitido por toda a
literatura (p. 133). Ressaltamos a especial atenção a ser dada, a nosso ver,
aos que são considerados “casos mais bem sucedidos”. Freud os vê da
seguinte forma:
são aqueles em que se avança, por assim dizer, sem qualquer intuito em vista, em
que se permite ser tomado de surpresa por qualquer reviravolta neles, e sempre se o
enfrenta com liberalidade, sem quaisquer pressuposições (p. 128).
Nesse sentido, a liberdade atribuída às associações do paciente, na teoria
freudiana, estende-se ao analista, que não deve prender-se a qualquer
concepção prévia, tendo como tarefa principal, ignorar tudo o que sabe58.
No texto “Sobre o início do tratamento” Freud (1913/1996e) opõe-se a
qualquer mecanização da técnica, porque aposta na “diversidade de
constelações psíquicas, plasticidade dos processos mentais e riqueza dos
determinantes”. Reforça o quanto circunstâncias que permitem um curso de
ação possa ser bem sucedidas em um caso e não em outro, mas essa
variabilidade de possibilidades, o “caso a caso” não impediu que Freud se
concentrasse na construção de um trabalho sobre um “procedimento, em
média, eficaz” (p. 139), como considera. Agora, seu interesse se volta para
questões técnicas relacionadas com o tratamento analítico pode se estabelecer
inicialmente e, nesse viés, se dedica, por exemplo, aos modos como tempo e
dinheiro podem ser manejados.
No que concerne ao tempo de duração do tratamento (proposto por
Freud), na época em que escreveu seus artigos sobre técnica, ele concebia a
psicanálise “sempre questão de longos períodos de tempo” (Freud,
1913/1996e, p. 143), recebia seus pacientes seis vezes por semana e
considerava
que
“mesmo
interrupções
breves”
poderiam
ter
efeitos
“ligeiramente obscurecedores sobre o trabalho: “quando as horas de trabalho
são menos frequentes, há o risco de não manter o passo com a vida real do
paciente e de o tratamento perder contato com o presente e ser forçado a
58
Referência a um subtítulo de Variantes do tratamento padrão, “O que o psicanalista deve
saber: ignorar o que ele sabe” (Lacan, 1955/1998, p. 351)
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
46
utilizar atalhos” (p. 143). Embora considerasse legítima, naquele período
(1913), a preocupação de alguns colegas em abreviar a duração do tratamento,
ressaltava a importância de se observar que a “atemporalidade dos processos
inconscientes” se articula à imprevisibilidade dos efeitos que se poderia obter
do tratamento, já que, para ele, “o analista é certamente capaz de fazer muito,
mas não pode determinar de antemão exatamente quais os resultados
produzirá” (Freud, 1913/1996e, p. 145). Outro aspecto que discute nos artigos
técnicos, é o pagamento das sessões: Considera o tratamento psicanalítico
inacessível para as pessoas pobres e coloca o trabalho do analista próximo
daquele do cirurgião, que na época concebeu como “franco e caro”, por ter à
sua disposição métodos úteis para o tratamento. Ao mesmo tempo que sugere
que o psicanalista abstenha-se de fornecer tratamento gratuito - já que, do
ponto de vista das “razões externas”, isso significaria dispensar uma parte
considerável do tempo que poderia dedicar a um tratamento, o que contaria de
modo significativo para sua própria sobrevivência -, entretanto, ele próprio
relata que reservou, ao longo de aproximadamente dez anos de sua prática
clínica, uma hora por dia (às vezes duas), para tratamentos gratuitos (Freud,
1913/1996e, p. 147). Freud também considera as “ ‘razões internas’, em que a
gratuidade do tratamento poderia acarretar um aumento das resistências” (p.
147), porém, não nos deteremos nesse aspecto aqui, em função dos limites da
dissertação e pelo fato de que o próprio Freud considera que essa avaliação
pode ser feita caso a caso, pois, mesmo naquele momento ele atestava que
era possível lidar com pessoas “que se acham desamparadas (...) nas quais o
tratamento não remunerado não se defronta com nenhum dos obstáculos (...) e
conduz a excelentes resultados” (p. 148).
No período que ficou conhecido como “Entre Guerras”, Freud viu-se
novamente impelido a um comentário sobre esse ponto, considerando, dessa
vez, em função da devastação causada pela Guerra na Europa, outra
perspectiva acerca desse mesmo ponto (em que a gratuidade do tratamento
poderia ser pensada, caso a caso): em 1918, considera a possibilidade de que
o tratamento analítico pudesse alcançar um maior número de pessoas,
podendo ser fornecido gratuitamente, já que reconhecia que “as neuroses
ameaçavam a saúde pública não menos que a tuberculose” e um trabalho
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
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diante delas não poderia ser deixado ao que chamou “cuidados impotentes de
membros individuais da comunidade” (Freud, 1918/1996d, p. 180). Nesse
sentido, o sofrimento mental aparece, já nesse momento como um importante
problema no campo da “nascente saúde pública”, como comenta Sérgio Laia
(2010). Esse autor comenta, nesse texto, que essa indicação de Freud é
fundamental para o que chamou “sobrevivência da psicanálise” no mundo.
Além disso, o que destacamos, aqui, nesse ponto, é o quanto Freud mostra a
flexibilidade de seu método, em função do caso e da situação que se coloca
diante dele, ou, mais além, diante dos impasses de interesse publico, sobre os
quais a psicanálise poderia, em seu nome, adotar uma posição.
As considerações que fará sobre a “posição na qual o tratamento é
realizado” (1915/1996e, p. 149), levam Freud a um comentário sobre o uso do
divã que, além dessa dimensão histórica é mantido como parte da técnica, por
algumas razões: Freud reconhecia que suas expressões exerciam certa
influência sobre as associações do analisando, o que era desaconselhável em
sua técnica, além disso, afirma que, pessoalmente, se incomodava em ser
encarado fixamente por cerca de oito horas por dia. Logo, o uso do divã
contribui para que o analista pudesse “isolar a transferência”, permitindo-a
aparecer “no devido tempo, nitidamente definida como resistência” (Freud,
1913/1996e, p. 149), aquilo que, de fato, é objeto da intervenção psicanalítica,
para Freud. No manejo da transferência - “o mais delicado de todos os
procedimentos” (p. 154) – Freud recomenda que o analista aguarde até que a
transferência se apresente em sua vertente de resistência, para que, só então,
faça suas comunicações: “enquanto as comunicações e ideias do paciente
fluírem sem qualquer obstrução, o tema transferência não deve ser aflorado”
(p. 154). Sugere cuidado, “em não fornecer ao paciente a solução de um
sintoma ou a tradução de um desejo até que ele esteja tão próximo delas que
só tenha de dar mais um passo para conseguir a explicação por si próprio” (p.
155).
Com base em sua própria experiência clínica, Freud constatou também
que “a comunicação prematura de uma solução punha ao tratamento um fim
intempestivo, devido não apenas às resistências que assim subitamente
despertava, mas também ao alívio que a solução trazia consigo” (1913/1996e,
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
48
p. 155). Segundo Freud, só merece o nome de psicanálise se, diferente da
sugestão,
a intensidade da transferência foi utilizada para a superação das resistências.
Somente então – ele conclui – a enfermidade tornou-se impossível, mesmo quando a
transferência foi mais uma vez desfeita, o que é seu destino (p. 158).
Logo no início de seu trabalho intitulado “Recordar, repetir e elaborar”
(Freud, 1915/1996e), Freud comemora o fato de ter-se desenvolvido a técnica
que “abandona a tentativa de colocar em foco um momento ou problema
específicos” (p. 163). Esclarece que “quando a hipnose foi abandonada, a
tarefa transformou-se em descobrir, a partir das associações livres do paciente,
o que ele deixava de recordar” (p. 163). Nesse sentido, o paciente não
“recorda” algo esquecido, recalcado, mas “expressa-se pela atuação ou atua-o”
reproduzindo-o “não como lembrança, mas como ação; repete-o, sem,
naturalmente, saber o que está repetindo” (p. 165). A diferença que Freud
estabelece é que a repetição na hipnose é semelhante a um experimento
realizado em laboratório, ao passo que a técnica que ela inventava daria lugar
a um tipo de repetição que “evoca um fragmento da vida real” (p. 167).
Considera que o manejo da transferência é o “instrumento principal para
reprimir a compulsão do paciente à repetição e transformá-la num motivo para
recordar” (Freud, 1915/1996e, p. 168). Assim, a transferência cria, uma “região
intermediária entre a doença e a vida real” (p. 170). Diante das resistências que
se erguem, e do fato de que algumas comunicações do analista não surtiam o
efeito desejado, Freud admite que é preciso
… dar ao paciente tempo para conhecer melhor esta resistência com a qual acabou
de se familiarizar, para elaborá-la, para superá-la, pela continuação, em desafio a ela, do
trabalho analítico segundo a regra fundamental da psicanálise (p. 170).
Em cada um desses textos sobre a técnica, Freud indica o lugar do
analista no tratamento, evidenciando várias formas de se colocar a disposição
do paciente para o tratamento de seus sintomas e, ao mesmo tempo,
distinguindo isso de seu aspecto sugestivo, de que Freud abriu mão, na própria
fundação da psicanálise. Trata-se de uma presença bastante pontual:
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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49
… só quando a resistência está em seu auge é que pode o analista, trabalhando em
comum com o paciente, descobrir os impulsos pulsionais recalcados que estão
alimentando a resistência; e é este tipo de experiência que convence o paciente da
existência e do poder de tais impulsos (Freud, 1915/1996e, p. 170), tradução
modificada).
Freud é ainda mais preciso em sua indicação sobre como o analista deve
se portar frente aos modos como os sintomas perpassam o tratamento analítico
e requisitam sua intervenção: para ele, o analista “nada mais tem a fazer senão
esperar e deixar as coisas seguirem seu curso, que não pode ser evitado nem
continuamente apressado” (1915/1996e, p. 171).
Na conferência XXVII (1916/1996b), pela primeira vez Freud tornava
publico um trabalho sobre a transferência e declarava que o psicanalista
deveria estar atento ao conflito de forças contrastantes que esse campo
apresenta, “que não deve ser confundido com uma luta normal” (p. 435), atento
o bastante para não buscar solucionar esse conflito, seja apostando no triunfo
de uma dessas forças, seja por qualquer “influência direta” que pudesse ser
exercida pelo médico. Acredita que, em muito poucos casos, “o conflito é tão
instável, que um fator desse, com o de o médico tomar partido, possa decidi-lo”
(p. 435) e afirma que “tais casos efetivamente não necessitam do tratamento
analítico” (p. 435). Freud concorda com Bernheim ao evocar que, no início de
sua prática, havia afirmado que as pessoas são sugestionáveis, mas sabe que
está lidando com “forças altamente explosivas” (1915/1996e, p. 187) e, nesse
sentido, assevera que “estão muito mal informados” os que supõem “que o
conselho e a orientação nos assuntos da vida façam parte integral da influência
analítica” (1916/1996b, p. 435).
Para Freud, ao contrário, “tudo o que procuramos levar a efeito é, de
preferência, que o paciente venha a tomar as decisões por si mesmo”
(1916/1996b, p. 435). Propõe que, apenas em alguns casos, como o de
“pessoas muito jovens, ou muito carentes de ajuda ou instáveis, não
conseguimos pôr em prática a desejada limitação de nosso papel”. Apenas
nesses casos, propõe a combinação das “funções de médico e de educador;
mas, sendo essa situação, estamos cônscios de nossa responsabilidade e nos
conduzimos com a devida cautela” (p. 436).
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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50
Essa não foi a primeira vez que Freud apresenta a possibilidade de que o
tratamento analítico encontre uma espécie de zona fronteiriça, onde os limites
de uma psicanálise propriamente dita ficam mais nítidos e, antes de recuar
diante dessa zona de fronteira, Freud utiliza sua aparente confusão para
delimitar os campos e o faz a partir da ação do analista: em geral, o momento
em que uma prática se distingue do que seria exigido, para ele, na técnica
analítica, isso se mostra por meio da exigência de que o analista retire-se de
uma posição de neutralidade, para, diante de um determinado problema ou
público, passar a atuar através da sugestão, ou mesmo da educação.
Relembra que o próprio Bernheim, para construção da base de sua teoria
dos fenômenos hipnóticos59 teria se apoiado na tese de que “toda pessoa, de
alguma forma é sugestionável” (Freud, 1916/1996b, p. 447). O que ele não
pode esclarecer – sobre como surgia e o que era a sugestão, foi formulado
pelo próprio Freud, já que ele diz que a sugestionabilidade suposta por
Bernheim era a própria tendência à transferência, sem considerar sua vertente
negativa.
Na Conferência XXVIII, dedicada ao tema da “Terapia Analítica”
(1917/1996c), Freud estabelece uma aproximação e uma diferença entre a
hipnose e a psicanálise: embora ambas utilizem-se da sugestão, se servem
dela de modos diferentes. A hipnose tinha ação cosmética - e autoritária – cujo
objetivo de proibir os sintomas, deixando inalterados os processos que os
levaram a ele; enquanto a psicanálise, agindo como cirurgia, “faz seu impacto
mais retrospectivamente, em direção às raízes, onde os conflitos que
originaram os sintomas, e utiliza a sugestão a fim de modificar o resultado
desses conflitos (...) na psicanálise, agimos sobre a própria transferência” (p.
452).
Considerando os propósitos dessa dissertação acerca do lugar do
analista, sua presença, no tratamento, desde Freud até Lacan, uma afirmação
de Freud merece atenção, já que designa o lugar do analista na transferência:
59
A teoria de Bernheim, marcadamente interessou a Freud – e colaborou para que abrisse mão
da hipnose – já que Bernheim afirmava que a “sugestão era o elemento essencial nos
fenômenos do hipnotismo, que a própria hipnose já era o resultado da sugestão, um estado
sugerido; e ele preferia praticar a sugestão em estado de vigília, que pode conseguir os
mesmos efeitos da sugestão sob hipnose” (Freud,1917, p.449)
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
51
Temos acompanhado essa nova edição do distúrbio antigo desde seu início, temos
observado sua origem e seu crescimento e estamos especialmente aptos a nos situar
dentro dele, de vez que, por sermos seu objeto, estamos colocados em seu próprio
centro. Todos os sintomas de paciente abandonam seu significado original e assumem
novo sentido que se refere à transferência; ou apenas tais sintomas persistem, por
serem capazes de sofrer essa transformação. Mas dominar essa neurose nova, artificial,
equivale a eliminar a doença inicialmente trazida ao tratamento – equivale a realizar
nossa tarefa terapêutica. Uma pessoa que se tornou normal e livre da ação de impulsos
instintuais reprimidos em sua relação com o médico, assim permanecerá em sua própria
vida, após o médico haver-se retirado dela (p. 445).
Diferente da reinterpretação feita por alguns pós-freudianos (como Sasha
Nacht (1963/1967), por exemplo), para Freud, não se trata, em psicanálise, de
promover um fortalecimento do eu, e nem mesmo de fazer-se presente de
modo apaziguador, evitando uma frustração que inclusive consideramos, a
partir da psicanálise, estrutural. Nas considerações sobre o manejo da
transferência, Freud mostra que o lugar do analista é muito específico e se dá
nesse campo de batalha que é a transferência: no lugar dos “objetos irreais da
libido, aparece um único objeto e, mais uma vez, um objeto imaginário, na
pessoa do analista” (1917/1996c, p. 455).
Sérgio Laia, em uma leitura sobre essa, propõe uma aproximação desse
objeto evidenciado por Freud ao que encontramos em Lacan, uma espécie de
“vestígio antecipado do ‘objeto a’” (Laia, 2008), que Lacan pudera isolar, em
seu ensino, na década de sessenta, além de colocar esse termo no centro do
debate sobre o lugar do analista, sua presença, uma presença tão específica,
no tratamento. Retornaremos a esse ponto no capítulo seguinte, a fim de
verificar de que modo Lacan produziu essa aproximação entre o objeto
pequeno “a” e a presença do analista, na direção do tratamento, no final de seu
seminário sobre os conceitos fundamentais da psicanálise (1964/1988). Antes,
porém, interessa ainda ,percorrer em Freud, além do modo como se interessou
em trazer à tona os principais impasses encontrados em sua clínica, impasses
que se encontram ao longo de toda sua obra, e que o fizeram escolher os
casos clínicos que publicou. Freud mostra, a cada momento, o quanto o
interessava lançar luz sobre os impasses próprios a sua clínica e a seu tempo.
Nesse sentido, antes de retornar às inquietações clínicas próprias ao
momento atual, ou no mínimo, antes de recolocar reflexões dirigidas à teoria
analítica, com base em uma prática contemporânea, torna-se importante
considerar os aspectos políticos, próprios ao tempo de Freud, um contexto que
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
52
produziu algumas reflexões, no período entre guerras, reflexões que iam de
encontro ao futuro da psicanálise, bem como seu lugar no mundo. Nesse
sentido, Freud aponta para aquilo que lhe parece passível de ser modificado,
assim como para aquilo que faria a psicanálise perder-se em seu fim, através
de seus meios.
2.3 - Os fins da psicanálise e seu futuro: que lugar para o analista?
Como sabem, nunca nos vangloriamos da inteireza e do acabamento definitivo de
nosso conhecimento e de nossa capacidade. Estamos tão prontos agora, como
estávamos antes, a admitir as imperfeições da nossa compreensão, a aprender novas
coisas e a alterar os nossos métodos de qualquer forma que os possa melhorar (Freud,
1918, p.173)
A partir da leitura dos artigos de Freud sobre a técnica psicanalítica,
pareceu-nos indispensável comentar as apostas de Freud sobre o futuro da
psicanálise. No ano de 1918, pouco depois do armistício, que pôs fim à
Primeira Guerra Mundial, Freud fez um importante pronunciamento, no Quinto
Congresso de Budapeste, em 1918: frente à destruição em que se encontrava
a Europa transcorreram graves problemas sociais, que se agravaram e
passaram a exigir intervenções que poderiam tratá-los ou mesmo solucionálos.
Antes de seu pronunciamento em Budapeste (1918/1996d), o tema do
futuro da psicanálise fora abordado por Freud em 1910, mesmo ano de
fundação da Escola Internacional de Psicanálise. No texto intitulado
“Perspectivas futuras da terapia analítica” (1910/1996a), Freud pauta as
“inovações da técnica relacionadas com o próprio médico” (p. 150), a partir do
momento em que a contratransferência passa a ser considerada. Isso implica,
para Freud, que o analista “deva iniciar sua atividade por uma auto-análise”60.
60
Uma nota de rodapé, na página 151 desse texto, mostra que Freud depois passou a
considerar as análises didáticas com outra pessoa. Isso mostra o quanto as formulações de
Freud acompanhavam os desdobramentos que ele podia fazer, conforme os impasses que
se colocavam diante dele, como analista, mas também o ocupavam enquanto inventor da
psicanálise. É isso que justifica sua afirmação sobre as auto-analises: nesse tempo, o
psicanalista era Freud e poucos que buscavam em seu contato com ele, saber sobre a
psicanálise e utiliza-la. Esse texto coincide com o período em que a Escola nacional de
Psicanálise se estabelecia, em função, justamente, do crescimento do interesse pela
psicanálise no mundo.
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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53
Segundo Freud, “o tratamento analítico era inexorável e exaustivo. O doente
tinha que dizer tudo de si e a atividade do médico consistia em pressioná-lo
incessantemente. As coisas, hoje – ele diz – possuem atmosfera mais cordial”
(1910/1996a, p. 147). No mesmo ano, escreve esse texto, que aponta para o
futuro da psicanálise e outro texto, no final do ano de 1910, sobre a
“Psicanálise Selvagem” (Freud, 1910/1996f). No primeiro texto, Freud mostra
as inovações na técnica, relacionadas ao próprio médico (1910/1996a, p. 150)
e, nesse sentido, diz que os analistas já estariam cumprindo seu dever, ao
tratar psicanaliticamente seus pacientes, pois acredita que, assim não se está
trabalhando somente a serviço da ciência, e nem somente oferecendo um
remédio eficaz para o sofrimento de seus pacientes, mas “estarão contribuindo,
com a sua parcela, para o esclarecimento da comunidade, através do qual
esperamos alcançar a profilaxia mais radical, contra as perturbações
neuróticas, ao longo do caminho indireto da autoridade social” (p. 156). Freud
acreditava que a sociedade não teria pressa alguma em conferir essa
“autoridade” ao psicanalista, uma vez que ele adota, em relação a ela, uma
postura crítica ao assinalar, por exemplo, “que ela própria desempenha papel
importante em causar neuroses”, ou por que “destruímos ilusões, somos
acusados de comprometer os ideais” (p. 153).
No segundo artigo em questão, escrito por Freud em 1910 (1910/1996a),
lemos a preocupação com o destino da psicanálise, evidente no comentário de
uma situação clínica. Trata-se de uma senhora que busca um jovem analista
por vivenciar uma grande angustia após divorciar-se de seu marido, e procura
Freud por que sua angústia se intensificara após a consulta ao jovem médico,
que lhe informara que a razão de sua angustia seria a falta de satisfação
sexual. Ele lhe diz, num primeiro encontro entre os dois, que ela teria três
alternativas para seu sofrimento: todas elas, tarefas que envolviam a busca por
uma suposta satisfação sexual que ele atribuía à teoria freudiana, mostrando,
nesse mesmo ato, desconhecê-la, ou tê-la compreendido mal. Dessa vinheta
clínica Freud extrai duas importantes indicações, sendo a primeira delas o fato
de que nenhuma das “ três alternativas61 terapêuticas desse assim chamado
61
As alternativas consistiam em “voltar para o marido, ter um amante ou obter satisfação
sexual consigo mesma” (p.233).
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
54
psicanalista não deixam lugar para a... psicanálise!” (p. 236). A segunda
indicação, que se refere ao erro técnico de “informar ao paciente aquilo que ele
não sabe por que ele reprimiu” (p. 237), desdobra-se em duas condições:
o paciente deve, através de preparação, ter alcançado ele próprio a proximidade
daquilo que ele reprimiu e segundo, ele deve ter formado uma ligação suficiente
(transferência) com o médico para que seu relacionamento emocional com este torne
uma nova fuga [para neurose] impossível (p. 237).
Nesse sentido, Freud critica as tentativas de surpreender o paciente na
primeira consulta (1910/1996a, p. 237) e destaca que debruçou-se a pensar e
desenvolver regras técnicas para que se distinga entre o que é do campo
psicanalítico e o que é do “indefinível ‘tato médico’, que se considera um dom
especial” (p. 238).Chama atenção do médico que deseja se orientar pela
psicanálise, para que esteja familiarizado com a técnica, que não pode ser
adquirida nos livros, mas “com aqueles que já são experimentados nela” (p.
238). É nesse ponto que Freud justifica a criação da IPA62 , “em face dos
perigos para os pacientes e para a causa da psicanálise”, afinal, “os analistas
‘selvagens’ causam mais dano à causa da psicanálise do que aos pacientes
individualmente” e, diante desse quadro, conclui: “não tivemos outra escolha”
(p. 238).
O ano de 1918 é um ano decisivo para o comentário de Freud sobre o
“futuro da psicanálise” porque é nele que Freud faz um importante
pronunciamento
no
Quinto
Congresso
Psicanalítico
Internacional,
em
Budapeste. Nesse Congresso, Freud renovava seu entusiasmo diante da
possibilidade de “aprender novas coisas e alterar nossos métodos de qualquer
forma que os possa melhorar” (1918/1996d, p. 173). Apesar dessa disposição,
afirma que nada teria a modificar, no momento, acerca da necessidade de
trazer à tona a revelação de resistências, com o apoio da transferência, muito
embora esteja claro para ele que nem sempre a revelação de tais resistências
garante que serão superadas.
É marcante, nesse texto de 1918 a referência à abertura de “um novo
campo de técnica analítica, cujo desenvolvimento exigirá cuidadosa aplicação,
62
Fundada no Segundo Congresso Psicanalítico, em fins de março de 1910, conforme indicado
em nota de rodapé (Freud, 1910/1996a, p. 238) do mesmo texto.
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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55
e que levará a regras de procedimento bem definidas”, embora ainda em
evolução, naquele tempo (1918/1996d, p. 176). Apresenta “um princípio
fundamental que provavelmente irá dominar o nosso trabalho nesse campo” e
que se define nos seguintes termos: “o tratamento analítico deve ser efetuado,
na medida do possível, sob privação – num estado de abstinência” (p. 176).
Muito diferente do modo como Sasha Nacht interpreta o lugar adequado
para o analista, cuja presença serviria para aplacar as frustrações (que atribui
ao comportamento do analista, durante o tratamento), Freud lembra nesse
texto que “foi uma frustração que tornou o paciente doente e seus sintomas
servem-lhe de satisfações substitutivas” e, à medida em que se recupera,
reduz a força instintual que o impele à recuperação (1918/1996d, p. 176).
Nesse sentido, Freud adverte, “devemos cuidar para que o sofrimento do
paciente, em um grau de modo ou de outro efetivo, não acabe
prematuramente”, afinal, o perigo que se corre o de “jamais conseguir senão
melhoras insignificantes e transitórias” (p. 176).
Ao defender que uma “condição de privação deve ser mantida durante o
tratamento” (Freud, 1918/1996d, p. 178), Freud refere-se a uma recusa do
analista em decidir o destino de seu paciente em seu lugar, “impor-lhe os
nossos próprios ideais , e, com o orgulho de um Criador, a forma-lo à nossa
própria imagem e verificar que isso é bom” (p. 178): ele próprio relata ter
podido ajudar pessoas com as quais nada tinha em comum, sem que isso
alterasse sua individualidade. Freud opõe-se, ainda, à idéia de que a
psicanálise fosse colocada como uma perspectiva filosófica sobre o mundo a
ser imposta ao paciente, com o propósito de enobrecer a mente. Sobre isso,
Freud é bastante firme: “na minha opinião, em ultima análise, isso é apenas
usar de violência, ainda que se revista dos motivos mais honrosos”(p. 178).
Freud propõe tocar, ainda que de relance, segundo ele, numa situação
que pode parecer fantástica à plateia que o escutava, já que se referia ao
futuro da psicanálise: após considerar, mais uma vez, que as “necessidades de
sobrevivência” dos analistas “limitam o nosso trabalho às classes abastadas”
(1918/1996d, p. 180), reconhece que naquele momento nada poderia ser feito
pelas camadas sociais mais amplas, embora considere que “as neuroses
ameaçam a saúde pública não menos que a tuberculose” (p. 180). A aposta
Capítulo 2
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
56
que Freud lança nesse Congresso é que seja possível aumentar os “nossos
números em medida suficiente para tratar uma considerável massa da
população”, já que localiza os limites de uma prática que efetivamente atue no
âmbito da saúde publica por se tratar de “apenas um pequeno grupo e, mesmo
trabalhando muito, cada um pode dedicar-se, num ano, somente a um pequeno
número de pacientes” (p. 180).
Nesse ponto, o comentário de Sérgio Laia é preciso, ao afirmar que no
texto apresentado nesse Congresso, Freud “parecia querer forçar a entrada da
terapêutica psicanalítica no espaço público como uma estratégia para antecipar
seu reconhecimento pela sociedade” (Laia, 2010).
Se o período compreendido entre 1918 e 1938 foi um período
extremamente fecundo para o exercício da psicanálise como tratamento nas
clínicas para pacientes externos, criadas em toda a Europa, depois de 1938
“com a propagação do Nazismo, as iniciativas psicanalíticas europeias
comprometidas com o que Danto nos convida a chamar de ‘justiça social’ são
quase totalmente desbaratadas” (Laia, 2010).
Com relação à ampliação do alcance da psicanálise no mundo, e da
perspectiva apresentada por Freud, de que trataria de tornar os psicanalistas
mais numerosos, a fim de que incidissem de modo mais contundente diante da
“miséria do mundo”, Laia apresenta uma resposta que Lacan dá à pergunta
que lhe foi feita pela radio francesa, em Televisão: Naquele momento, ao ser
questionado sobre “como se comportar com a cultura?”, Lacan respondera:
“por que justamente não elevar o nível (...) a quem vocês têm que aglomerar?”:
se Sérgio Laia recupera essa fala de Lacan, é para marcar que “quando os
analistas se põem a falar para as massas ou quando, em nossos consultórios
privados e nas instituições públicas, trabalhamos para a extensão da
psicanálise, não se trata de nos propor como novos significantes-mestre
capazes de aglomerar as pessoas” (2010). Trata-se, antes, de “dar lugar, como
nos indicou Dominique Laurent, não ao que faz tropa, mas ao que se pode
apresentar como exceções” (Éric Laurent citado por Laia, 2010).
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
57
3 - A PRESENÇA DO ANALISTA: DE QUE “REALIDADE” SE
TRATA?
“uma psicanálise, padrão ou não, é o tratamento que se espera de um psicanalista”
(Lacan, 1955/1998d, p. 331)
Vimos, ao longo do percurso realizado até aqui, que cada um dos
analistas estudados nesse trabalho, debate, a seu modo, o conceito de
transferência e o campo em que se circunscreve a expressão “presença do
analista”, que pretendemos esclarecer. Neste capítulo, retomaremos suas
principais constatações, buscando esclarecer nosso objeto.
Colocar em relação os textos de Sasha Nacht e Lacan, no primeiro
capítulo, mostrou divergências importantes para a compreensão do que cada
um pretendia. e sobre o que torna a psicanálise de orientação lacaniana
especialmente interessante, principalmente no que concerne ao eixo dessa
pesquisa, que visa localizar, na teoria, orientações sobre a prática da
psicanálise, mesmo quando não realizada nos consultórios particulares, ou
seja, quando não configurada como um tratamento padrão.
Nesse sentido, um dos principais pontos de nossa reflexão até aqui,
aborda a relação do analista e a “realidade” em que se inscreve. Sasha Nacht
propõe que, se o analista não está inicialmente inserido na “realidade para o
paciente”, ele deve se integrar “suave e firmemente na realidade exterior,
objetiva” (1963/1967, p. 68) e, a partir daí ele deve conduzir o paciente para o
“mundo real”. Nacht teoriza que, “quanto maior for a firmeza com que se
estabeleça o analista na realidade, mais rapidamente ele abandonará o campo
afetivo do paciente” (p. 68).
Lacan discorda da objetividade com a qual Nacht pretende iluminar a
“presença do analista”. Ao mesmo tempo em que propõe esse modo de
presença, critica a “neutralidade” proposta desde Freud, e interpreta que sua
função seria a de estabilizar o paciente, “tranquila y firmemente em la neurosis
de transferência”63 (Nacht, 1963/1967, p. 67), que, de acordo com ele, retira o
sujeito da realidade, à qual deve ser devolvido pelo analista, através de uma
presença “apaziguadora”.
63
tranquila e firmemente na neurose de transferência (traduzido pela autora).
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
58
Sasha Nacht entende que a neutralidade necessariamente resulta em
frustração. A tarefa do analista seria evitá-la ou tornar-se realmente capaz de
conseguir isso, por esse modo de presença que recomenda e que ele não
demonstra como funciona. Freud, por outro lado, assegura a importância de
não se subestimar os efeitos que podem se produzir a partir da abstinência
que propõe, por parte do analista e Lacan, por seu turno, afirma que essa
frustração que os teóricos pos freudianos insistiram em evitar é, na realidade,
estrutural: a partir de sua concepção do tratamento, não é aí, na realidade
objetiva, na própria relação entre o psicanalista e o paciente, que o analista
deva concentrar sua intervenção. Curioso notar que Nacht evoca uma carta de
Freud a Ferenczi, para apontar uma espécie de excessivo cuidado de Freud
com as regras da psicanálise, o que as teriam tornado uma espécie de “tabu”
que ele, naquele momento, propunha modificar. O que parece ter escapado a
ele é que, o que Freud escreve, no começo da citação - e que destacamos
aqui, novamente – ele teria dito que os analistas “no han entendido la
elasticidas de las reglas”64 (Nacht, 1963/1967, p. 159)65, o que, no caso em
questão, parece, justamente, aplicar-se ao próprio Nacht. Nossa retomada da
obra freudiana, ou ao menos nos textos que dedica à técnica, sua posição
sobre o modo como o analista deve se engajar no tratamento analítico é bem
diferente disso. Cabe retomarmos que Freud fundou uma teoria a partir de sua
prática, e a cada vez que um novo caso trazia uma dificuldade clínica, Freud
não hesitava em rever aquilo que tinha exposto até o momento e introduzir uma
nova perspectiva, ou, ao menos, sinalizar o limite ao qual havia chegado.
Freud, em sua “Autobiografia” (Freud, 1925/2011), chama de “arte de
interpretação”, esse fazer do analista cujo emprego bem sucedido requer tato e
exercício e que, segundo ele, não é difícil de aprender (p. 123). Freud deixa
muito clara sua escolha por abrir mão da “sugestão” que fazia parte do método
hipnótico: optou pelo “mínimo grau de coerção”, “não perder contato com o
64
não entenderam a elasticidade das regras (traduzido pela autora)
65
Relembrando a citação (necessária essa nota?), Freud teria escrito para Ferenczi, Nacht
escreve em seu livro: “Eu considerava que a coisa mais importante que que ‘habia que
decir’ era o que não há que se fazer, a fim de evitar o que pudesse distanciar do espírito da
análise. O resultado é que os analistas não teriam entendido a elasticidade das regras que
estabeleci, e que fizeram delas ‘tabus’” (Correspondência de Freud a Ferenczi citado em
Nacht, 1963/1967, p. 159)
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
59
presente real”, além de uma outra vantagem, a de que o médico não introduza
sua própria expectativa (Freud, 1925/2011, p. 123).
Inclui a suas recomendações, a “abstinência” por parte do analista.
Ressalta que “tudo o que procuramos levar a efeito é, de preferência, que o
paciente venha a tomar as decisões por si mesmo” (Freud, 1916, p.435). Além
disso, Freud se preocupava com o fato de que, na técnica utilizada antes da
psicanálise,
propriamente
dita,
“os
melhores
resultados
como
que
desapareciam subitamente quando a relação pessoal com o paciente se
anuviava”, o que confirmou para Freud a ideia de que a relação afetiva era
mais forte que todo trabalho da catarse (Freud, 1925/2011, p. 103). Isso, ao
mesmo tempo, mostrou para Freud a fragilidade das soluções que se
apresentavam sob efeito da sugestão, e, ao mesmo tempo, isolou a
transferência, fenômeno com o qual Freud entendeu que era preciso lidar. De
modo diferente do que Nacht pensava, Freud fundou a psicanálise com a
neutralidade pensada assim.
Lacan, em sua atenta leitura do texto freudiano, escreve, que “nada
extraviaria mais o psicanalista do que procurar guiar-se por um pretenso
contato experimentado com a realidade do sujeito” (Lacan, 1953/1998b, p.
254): para ele, se o analista deixa de contar com a fala do paciente, isso seria
um erro, já que este é o único meio de ação do analista e, caso isso aconteça,
ele “irá buscar uma realidade que preencha esse vazio” (p. 249). Vimos que
Freud, ainda que tenha se empenhado em descrever os detalhes sobre o
tratamento analítico, incluindo o uso do divã e outros detalhes da sessão, como
a importância do dinheiro, da regularidade e frequência diária às “horas de
análise” o que estava em questão, para ele, era encontrar meios para isolar
aquilo de que viabilizaria o tratamento, a transferência. Muito diferente de um
simples afeto, com Lacan, a transferência ganhou outra perspectiva: graças ao
que se passa em sua teoria, especialmente a partir de sua concepção de
inconsciente, que recuperada por ele no ano de seu seminário sobre os
Conceitos Fundamentais da Psicanálise, segundo ele
o inconsciente se havia refechado sobre sua mensagem, graças aos cuidados
desse sativos ortopedeutas em que se tornaram os analistas da segunda e da terceira
geração, que se dedicaram , no que psicologizando a teoria psicanalítica, a suturar essa
hiância (Lacan, 1964/1988, p. 28)
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
60
Esse seminário é, portanto, um divisor de águas, pois ele marca uma
posição clara de Lacan, em relação ao texto freudiano, tanto no que se refere
ao inconsciente, quanto aos avanços que ele próprio fazia, a partir da
concepção de “inconsciente estruturado como linguagem” (Lacan, 1964/1988,
p. 27), quanto a partir de sua experiência, do cenário que vivia na França, nos
anos sessenta e toda a discussão política em torno da habilitação que a IPA
concederia ao analista e a separação de Lacan desse modelo criado por essa
instituição, ou pelo menos, pelos que estiveram à frente dela, naqueles anos, o
que incluía Sasha Nacht.
Para além do embate institucional, o que nos interessa aqui é depreender
daí o que ele afirma, sobre a teoria Freud-lacaniana e como ela pode ser útil,
ainda hoje. As divergências que ficaram expostas naquele tempo, tinham
relação com a técnica da psicanálise, como o debate sobre quanto tempo
duraria a sessão, por exemplo, uma das razões para que a excomunhão de
Lacan da IPA viesse a acontecer. No artigo intitulado Um Retorno a Freud,
Cristian Dunker destaca que,
se Freud tivesse escrito uma carta para Lacan fazendo-lhe observar as diferenças
substanciais que este estava a introduzir no sistema psicanalítico certamente esta carta
teria chegado em outubro de 1963. Três meses depois Lacan iniciaria uma revisão de
seu primeiro inconsciente freudiano. (Dunker, 2008, p. 118)
Ainda segundo Dunker, a marca clínica do Inconsciente, a partir daí “não
é mais o que retorna ao mesmo lugar, mas a descontinuidade, o caráter não
antecipável de sua ocorrência. Não é o lugar de retorno que o caracteriza, mas
seu tempo.” (Dunker, 2008, p. 118)
É neste sentido que, em 1964, o inconsciente lacaniano apresenta-se
como hiância, fenda, descontinuidade, algo da ordem de um acontecimento,
um achado que, uma vez apresentado, é um “reachado, e mais ainda, sempre
está prestes a escapar de novo instaurando a dimensão da perda” (Lacan,
1964/1988, p. 30). Nesse contexto, se insere a definição lacaniana de
inconsciente como fenômeno, em 1964, apresentando-se entre tropeços. Isso
se mostra relevante, na medida em que Lacan afirma que não pode separar o
conceito de inconsciente da presença do analista” (p. 121). Na definição que dá
nesse seminário, “a presença do analista é ela própria uma manifestação do
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
61
inconsciente”. Segundo ele, num tom a que já nos acostumamos, essa
expressão, “presença do analista - é um termo muito belo que estaríamos
errados em reduzir a essa espécie de pregação lacrimejante (....) que encarna
um livro66 que foi publicado com esse título” (p. 121).
Lacan aproxima, nessa lição, isso que se manifesta, à “pulsação
temporal” (Lacan, 1964/1988, p. 125) em que se pode localizar a “presença do
analista”: ele relembra já haver indicado que “era preciso ver no inconsciente
os efeitos da fala sobre o sujeito – na medida em que esses efeitos são tão
radicalmente primários que são propriamente o que determina o estatuto do
sujeito como sujeito. Aí está – diz Lacan – uma proposição destinada a restituir
o inconsciente freudiano ao seu lugar” (p. 121). Se este ponto está marcado
por ele durante a lição que dedica à “presença do analista”, no fim dessa
mesma lição, depois de seu comentário sobre os textos de Thomas Szasz67
(1963), mostra o passo que pretende dar, nesse seminário, a propósito de sua
“concepção de dinâmica inconsciente” e sobre a crítica que recebia na época,
de que sua proposta era a de uma intelectualização da análise, já que punha ali
em primeira ordem a função do significante, . A propósito, defende:
Será que não se vê aparecer que nesse modo operatório – no qual tudo funciona
pela confrontação de uma realidade e de uma conotação de ilusão portada sobre o
fenômenos de transferência – é que muito bem reside a pretendida intelectualização?
(Lacan, 1964, p.128)
O que Lacan teria para mostrar, no final dessa lição, é que o que causa
radicalmente o fechamento que comporta a transferência “e que será a outra
face de nosso exame dos conceitos de transferência – é o que designei pelo
objeto a68” (p.128)
3.1 - Analista: o objeto da transferência
“o analista, eu lhes disse, mantém esse lugar, no que ele é o objeto da
transferência” (Lacan, 1964, p.221).
66
Ele se refere ao livro de Sasha Nacht, comentado nesse trabalho.
67
Trabalhado aqui no item 1.3, dessa dissertação.
68
Conceito que ele estabeleceu no seu Seminário dedicado à Angústia (1962/1963)
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
62
Nos anos cinquenta, vimos, com Lacan que o “único objeto que está ao
alcance do analista é a relação imaginária que o liga ao sujeito como o eu”
(Lacan, 1953, p.255), nem por isso, entretanto, é deste lugar que Freud e
Lacan propuseram que o analista se apresente, na direção do tratamento
psicanalítico. E isso desde seu primeiro seminário, quando comenta os escritos
técnicos de Freud e afirma que, “se a palavra é tomada como ela deve ser,
como ponto central de perspectiva, é numa relação a três, e não numa relação
a dois, que se deve formular, na sua completude, a experiência analítica”
(Lacan, 1954, p.21). Nesse seminário, Lacan justifica a leitura do texto de
Freud, não propriamente para que nos debrucemos sobre a presença de Freud
e sua ação, mas em função da questão “o que fazemos quando fazemos
análise?”, para mostrar a atualidade da técnica freudiana (p.19), por que o
método freudiano nos faz ultrapassar o simples catálogo formal de
procedimentos e categorias conceituais (p.37). Já nesse seminário, ele localiza
que o que ensina é diferente de uma dimensão intelectual, pois, se há um lugar
em que se situa o intelectual, seria nos fenômenos do ego, o que ensina é “o
sentido e a função da ação da palavra, na medida em que é aí que está o
elemento da interpretação” (p.357)69. Nesse tempo, ele dizia que o passo além
que a psicanálise daria, seria “ao mesmo tempo, uma volta à aspiração da sua
origem” (p.358) Ele aponta, ali, que depois, tratar-se-ia de buscar uma
compreensão mais autentica do fenômeno da transferência, que ele parece
conseguir no décimo primeiro seminário.
Se o analista é o “homem a quem se fala livremente. Está ali para isso”
(Lacan, 1955/1998d, p. 349), mesmo assim, isso acontece por que a pessoa do
analista serve como suporte ao fenômeno da transferência. É preciso estar
advertido quanto ao fato de que a relação de um sujeito com um contexto real
poderia ter relevância na experiência psicológica, que “pode dar resultados, ter
efeitos, permitir compor tabelas” (Lacan, 1964/1988, p. 135), mas ele a separa
da perspectiva psicanalítica, através da qual a transferência
não se confunde com um simples meio (...) não é a atualização da ilusão que levaria
a essa identificação alienante que constitui qualquer conformização, ainda que a um
69
Variantes do tratamento-padrão (Lacan, 1955/1998, p.325-364)
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
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modelo ideal, de que o analista, em caso algum poderia ser o suporte – a transferência é
a atualização da realidade do inconsciente (p. 139)
A partir daí, veremos que isso quer dizer que é na “transferência que
devemos ver inscrever-se o peso da realidade sexual” (Lacan, 1964/1988, p.
147) e o ponto nodal, de ligação entre esta realidade e a pulsação
inconsciente, é o desejo que, por sua vez, corre como indeterminação “por
debaixo” da demanda: esse “elemento necessariamente em impasse,
insatisfeito, impossível, desconhecido, elemento que se chama desejo”
(p. 146). Se para Lacan, nesse momento, a transferência “é afirmação do laço
do desejo do analista com o desejo do paciente” (Lacan, 1964/2003, p. 240),
com Marie Helene Brousse, no livro “Para ler o Seminário 11 de Lacan”
(Brousse, 1997), nos perguntamos: entre “os conceitos fundamentais da
psicanálise”- tema desse seminário - por que Lacan prefere tratar da Pulsão e
não do Desejo? Brousse lança sua hipótese:
por que o desejo é uma invenção de Lacan, e ele sabia disso, naquela época. A
invenção de Lacan é a noção do desejo do analista, que não se encontra na obra de
Freud. Está implícito em Freud, definido como a busca da verdade. Freud está buscando
a verdade nos seus casos, mas não podemos dizer que Lacan esteja na mesma posição
(p.118).
Não entraremos nas questões concernentes ao desejo do analista, para
nos mantermos circunscritos ao da “presença do analista”, que seria, antes, a
realização desse desejo. Assim, retomando a existência da transferência além
da psicanálise, Brousse, a partir das relações que estabelece entre a
transferência e a pulsão, afirma que “não existe inconsciente sem
transferência” (Brousse, 1997, p. 119), afinal, se a transferência está presente
em vários lugares, na vida social e política, não é tomada como realidade do
inconsciente. Para ela, a “diferença é que, a partir de Freud, a transferência
surge como realidade do inconsciente” (p. 119) e a associação livre, a “única
regra fundamental da psicanálise (...) produz tanto a transferência, quanto o
inconsciente como tal” (p. 120).
Jacques Alain Miller, em seu curso de 2008, “Sutilezas analíticas”,
retomou a perspectiva do desejo do analista, “em que se presentifica, na
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
64
experiência, a incidência sexual” (2008, p. 149), situando-o, não na ordem do
fazer:
Consiste essencialmente na suspensão de qualquer demanda por parte do analista,
na suspensão de qualquer demanda de ser: não se pede que sejam inteligentes, não se
pede que sejam verdadeiros, não se pede que sejam bons, não se pede que sejam
decentes, só se pede que falem o que se passa em sua cabeça. Se pede que entreguem
o mais superficial que vem a sua consciência. (p. 41)
Em outro texto, “Elementos da Biologia Lacaniana” (1999), Jacques Alain
Miller se propõe a um “esboço fenomenológico da operação analítica” (p. 27),
destacando que, na operação analítica, o mínimo que se pode dizer é que ela
“recomenda uma abstenção corporal”. Assim, ao mesmo tempo “a presença
dos corpos, de dois corpos, é uma condição da operação analítica (...) mesmo
reduzido ao mínimo da sua presença, o corpo vivo não pode ser subtraído” (p.
28) e tampouco considerado. Deste modo, o paciente pode se apoiar nesse
que irremediavelmente “paga com sua pessoa, na medida em que ele a
empresta como suporte aos fenômenos singulares que a análise descobriu na
transferência” (Lacan, 1958/1998a, p. 593), com o objetivo de se analisar. A
presença do analista introduz, portanto, “antes de qualquer intervenção, a
dimensão do diálogo” (Lacan, 1951/1998c, p. 251), uma espécie de “intimação
secreta que [o analista] não pode afastar nem mesmo ao se calar”
(1955/1998d, p. 333). É possível encontrar algumas elaborações a este
respeito, como a que Josée Marti nos empresta:
“O analista, engajado na transferência, engaja seu desejo: a realidade da sua
presença terá esta propriedade paradoxal de ser ao mesmo tempo o suporte, o apoio do
nada de toda demanda, e a presentificação em ato, num apagamento, daquilo que o
causa. O analista é esta figura dionisíaca do sempre outro, do deslocado, do movido”
(Marti, 1997, p. 20)
Desse modo, cabe manter a atenção voltada para o fato de que a
“presença do analista”, proposta por Lacan, vai muito além da presença
corporal do praticante da psicanálise diante do paciente a quem busca atender
e se aqui não nos propomos esgotar esse tema, ao menos parece-nos
imprescindível reabrir esse debate, mesmo em contextos que podem desviar o
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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65
analista em formação, daquilo que seria uma função para o analista,
independente do contexto em que se encontre.
3.2 - Práticas de atendimento a “a céu aberto” e a interrogação que
colocam para a psicanálise
qualquer que seja a forma que essa psicoterapia para o povo possa assumir,
quaisquer que sejam os elementos dos quais se componha, os seus ingredientes mais
efetivos e mais importantes, continuarão a ser, certamente, aqueles tomados à
psicanálise estrita, e não tendenciosa (Freud, 1918/1996e, p. 181).
Na leitura apresentada no segundo capítulo, pudemos observar que
Freud, em pelo menos dois momentos importantes, nos anos de 1910
(1910/1996b) e 1918 (1918/1996e), lançou-se ao desafio de comentar sobre o
lugar que a Psicanálise poderia ter, no futuro. Se em Lacan encontramos uma
recomendação ao psicanalista, para que esteja atento à subjetividade de seu
tempo, Miller, mais recentemente, em seu curso de 2008, “Sutilezas analíticas”
(2008) - traduzido para o português (ainda inédito) como “Coisas de fineza em
psicanálise” -
posiciona-se acerca do horizonte da psicanálise e sobre os
riscos de que ela seja “arrastada pelo movimento do mundo” atual. (p. 13).
Jacques Alain Miller vê-se diante do que chamou uma escolha forçada: a
de proceder a um retorno a Lacan, expressão que usa pela primeira vez neste
curso, em razão do que chamou de “frenesi de psicanálise aplicada” (2008, p.
17), algo que poderia produzir uma sujeição do discurso analítico ao discurso
do Mestre, ou, se Miller não estiver sendo pessimista, devemos estar atentos a
que “a psicanálise possa morrer por sua complacência com relação ao discurso
do mestre” (Miller, 2008, p. 25).
Vimos que, em 1918, Freud toca de relance, como ele mesmo diz, numa
situação que pertence ao futuro, situação que chega a designar como
“fantástica” (1918/1996e, p. 180) propunha que a psicanálise ampliasse o
número de analistas, para lidar com a “massa da população” (1918/1996e),
vemos que no ano do seminário, central em nossa investigação (Lacan,
1964/1988) é também o ano que Lacan funda sua Escola, a Escola Francesa
de Psicanálise e um comentário bastante célebre que faz, no Ato de Fundação
dessa Escola, é que não precisaria “de uma lista numerosa, mas de
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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trabalhadores decididos”, como se considerava, naquele momento. No texto
intitulado “A psicanálise aplicada a terapêutica e a política da psicanálise hoje”
(2010), Sérgio Laia, diante da entrevista que Lacan forneceu à rádio francesa,
em 1970 – diante da pergunta que lhe foi feita, sobre como se colocar na
cultura - Lacan responde: “a quem vocês querem aglomerar?”. Laia depreende
daí uma orientação lacaniana que aponta para a sobrevivência da psicanálise,
para a preservação de sua utilidade no mundo, “não se trata de nos propor
como novos significantes-mestres capazes de aglomerar as pessoas. A
extensão da psicanálise de orientação lacaniana não deve ser feita com o
lançamento de ‘palavras de ordem’”, mas, antes, aceitando essa ampliação,
“trata-se de capturar o mais próprio de cada um” (Laia, 2010). Desse modo, se
Lacan se opunha a uma perspectiva numerosa para se pensar a ampliação da
psicanálise, nem por isso ele deixou de se ocupar dessa pergunta, sobre como
a psicanálise poderia responder aos impasses de sua época, preservando sua
utilidade, na sociedade contemporânea.
Hoje em dia, em todo o mundo, é comum percebermos a ampliação dos
campos de atuação, onde se poderia encontrar praticantes da psicanálise:
hospitais, escolas, medidas socioeducativas, unidades prisionais, centros de
saúde, consultórios particulares, projetos de extensão universitária, hospitais
psiquiátricos, acompanhamentos terapêuticos. Nota-se que o campo de
atuação não coloca o psicanalista sempre na mesma função, diante daquele
que receberá, em atendimento. Os impasses que se destacam na cena
contemporânea, parecem inscrever-se, ainda – ou ao menos é o que ganha
destaque nessa dissertação – entorno do manejo da transferência, pelo
analista, em situações diferentes das que se encontrava, nas épocas de Freud
e de Lacan. A prática que disparou essa reflexão, circunscreve-se ao contexto
brasileiro e à questões que concernem ao modo de vida experimentado por
uma série de adolescentes e jovens, brasileiros, especialmente aqueles que
vivem nas periferias dos centros urbanos
Atualmente, algumas políticas públicas passaram a dirigir-se àqueles que
busca atender, ampliando o alcance das políticas, dada a vulnerabilidade
daquele sujeito, assim, pressupõe-se o atendimento como necessário, antes
que isso seja buscado pelo próprio sujeito. Diante dos problemas, colocados na
Capiítulo 3
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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ordem do dia, através de inúmeras estatísticas que apontam para um problema
referente à juventude brasileira, sobre como está exposta ao risco e à falta de
proteção ou orientação para a construção de um projeto de vida, e o quanto os
jovens desse país tem se envolvido em situações de violência - vivida tanto
entre eles, quanto na violência institucional contra eles -, foram adotadas
inúmeras medidas para interferir na realidade própria a esse contexto. Exemplo
destas práticas é a da implementação do Estatuto da criança e do adolescente,
(Lei n. 8069 de 13 jul. 1990. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do
Adolescente e dá outras providências, 1990), que tem a tarefa de regular os
direitos fundamentais deste publico, assim como seus deveres e meios de
cumpri-los: existem, portanto, desde medidas protetivas à socioeducativas, em
meio aberto ou em privação de liberdade. Em cada um destes modos de
atendimento, por exemplo, podemos encontrar praticantes da psicanálise.
Um dos trabalhos marcados por essa forma de atuação é o trabalho que
realizei ao longo de cinco anos, entre 2005 e 2010, no Programa de controle de
homicídios entre jovens: Fica Vivo! (Decreto 43.334, de 20/05/2003 Dispõe
sobre a criação do Programa de Controle de Homicídios do Estado de Minas
Gerais e dá outras providências, 2003). Essa política é parte da política de
prevenção à criminalidade, da Secretaria do Estado de Defesa Social/MG, que
contratava psicólogos e outros profissionais da área de ciências humanas para
trabalhar na vertente da “Proteção Social”, braço dessa política, que se
estendia até as regiões conhecidas pelas pesquisas, como aquelas que
continham os mais altos índices de homicídios entre jovens. A partir daí, uma
equipe com dois “técnicos sociais” e dois estagiários era responsável pela base
local desse Programa, em uma determinada área: cada núcleo atende
adolescentes e jovens, entre 12 e 24 anos, através de práticas coletivas, como
as oficinas de arte, cultura e esporte, além de assegurar a possibilidade de
atendimento individual a cada adolescente que precisasse. Além disso,
esperava-se desse “técnico”, que realizasse uma interlocução com a rede de
proteção social
Uma das várias possibilidades de intervenção dos técnicos sociais junto
a esse público nesta metodologia (criada em 2002) consiste no “atendimento
psicossocial”, cuja característica peculiar é a de fazer-se “a céu aberto” (Faria,
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
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2006), nas ruas, becos, “bocas de fumo”, centros de internação, quadras
esportivas, em meio a alguma oficina e, em alguns momentos, na sala de
atendimento, no núcleo de referencia: ou seja, independente do espaço onde
uma demanda se endereçasse ao profissional desse serviço, que se colocava
a disposição para apoiar os jovens, especialmente aqueles mais ligados ao
crime e envolvidos com as rivalidades que muitas vezes envolviam conflitos
próprios ao território e circunscritos à própria juventude. Isso inverte uma lógica
tradicional, que se realiza entre quatro paredes (no caso da psicanálise,
contando com o uso do divã): nessas situações, o enquadre não determina o
atendimento, mas, antes, o endereçamento de um jovem àquele profissional,
ou seu encaminhamento pela rede de atendimento, ou até mesmo pela família
ou outro jovem que indica ao amigo.
Esses atendimentos aqui exemplificados , atendimento não era
determinado pela justiça, como muitas vezes acontecia com esses jovens:
muitos deles, em algum momento de sua vida - ou boa parte dela – cumpriram
alguma medida sem medidas socioeducativas, seja em meio aberto ou em
privação de liberdade. - e portanto, por acontecer, inclusive a “céu aberto”,
ganhou diversos envoltórios, que talvez tenham permitido a formulação dessa
questão, dada a variabilidade de cenários onde um atendimento poderia
acontecer.
Nessa prática, diante da oferta de um espaço para a palavra, alguns
jovens puderam se colocar, diante dos problemas que viviam: desde um jovem
que havia tentado matar outro “por causa de mulher” e a culpa o estava
atormentando; até um jovem que pedia apoio para lidar com a vida, com a
namorada e com o mundo que o cercava, a partir da recente perda da visão;
uma jovem que se colocava o tempo todo em risco e queria se ver “livre da
droga”: sofria por causa de seu envolvimento (não com o crime), mas com um
traficante que amava e ao longo de suas elaborações conseguiu apoio para se
abrigar (diferente de ser abrigada, destino dado pelo Conselho Tutelar a vários
primos, em sua família); há ainda situações como a do jovem que foi atingido
com oito tiros e queria se ver livre da “paranoia” (como ele dizia) que o
acometeu depois desse fato.:, mas não parava de “olhar para trás” até poder
falar, no atendimento, sobre o velório do pai (“todo furado de tanto tiro que
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
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tomou”) e separar-se disso. Sua proximidade com a Igreja foi um elemento a
mais no caso desse jovem que volta a ser jardineiro (profissão de que gostava
muito), torna-se pai, realiza o sonho de aprender a tocar violão e não só
sustentou que não tinha intenção de “revidar” os tiros que recebera, como me
contou, anos depois, que chegou a perdoar o jovem vizinho que atirara nele.
Seguiu sua vida.
Muitos desses jovens com os quais lidávamos, nesse Programa, eram
falados na rede como jovens “impossíveis”, tratados muitas vezes como “casos
perdidos”, cujo alcance da “medida socioeducativa” mostrou seu limite, ou
simplesmente tratados como aqueles para quem as ofertas haviam se
esgotado, é comum ouvirmos eles “não aderem” ao que lhes é oferecido. Em
alguns casos, encontramos um acompanhamento realizado há anos, por
exemplo, pelo Conselho Tutelar, (que acompanhava a família de uma
adolescente que atendi) por causa de negligencia por parte da mãe (nesse
caso) , ou qualquer outro dado da realidade objetiva dessas pessoas, sem que
de fato, a posição diante da vida, desses sujeitos atendidos, tenha se alterado.
É um desafio contemporâneo o acompanhamento desse público, que,
inclusive, muito raramente se endereça, em busca de “refugio, auxílio,
orientação” - o que, conforme o Estatuto da Criança e do Adolescente, é,
inclusive, um direito, compreendido no capítulo intitulado “Do direito à
liberdade, a respeito e à dignidade” (Lei n. 8069 de 13 jul. 1990. Dispõe sobre o
Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências, 1990, n.
Capitulo II). Muitas vezes sua “realidade” toma o lugar das questões que de
fato acometem o sujeito, mais além daquilo que é esperado ou do que
aparenta.
Vários atendimentos aconteceram nos cinco anos em que estive às voltas
com essa política (2005 a 2010), nesse trabalho, “a céu aberto”. Apesar de
terem sido poucos os jovens que produziram esse tipo de endereçamento –
dentre os vários que o Programa atendia naquela comunidade, por meio das
atividades coletivas – ainda assim, diante da liberdade que tinham de ser ou de
não ser atendidos, já que nenhuma medida judicial (seja protetiva ou punitiva) o
obrigava a tal. Nesse sentido, não se apresentam de modo significativo, nas
estatísticas de atendimento: não contam por seu número, mas por que
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
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puderam mostrar, na prática na qual estivemos concernidos, que o analista
pode ser útil se está à disposição. Práticas como essa ainda são muito
recentes e parece extremamente necessário, diante de um contexto em que
muito tem sido feito em relação a esse publico, que a psicanálise possa compor
o debate, reintroduzindo, se não o modo de atendimento individual (mesmo que
não padrão), mas pelo menos afirmando a importância que a palavra desses
sujeitos tem, diante do mal estar que vivem e do qual são testemunha.
Além dessa prática que tive oportunidade de realizar ao longo de cinco
anos, outras práticas também inauguram um novo modo de intervenção no
campo de trabalho que aqui destacamos: uma prática que se estende mais
além dos ambulatórios e do quadro protegido (Lacan, 1960/1992, p. 23), dos
consultórios, para citar dois exemplos, é o que acontece como trabalho dos
Acompanhantes Terapêuticos (AT), que serviram de apoio à lógica da reforma
psiquiátrica (do tratamento em liberdade) e, mais recentemente, o trabalho dos
Consultórios de Rua. Neste caso, a rua possibilita o encontro entre um
praticante da psicanalise e alguém que dele possa precisar.
A função conhecida como “A.T.” (acompanhantes terapêuticos) foi
fundamental por proporciona que o sujeito, antes confinado num Hospital
Psiquiátrico, pudesse passar a frequentar efetivamente a cidade, lançando mão
dos recursos nela existentes, deparando-se aos poucos com as limitações,
ampliando e estabelecendo laços além do Hospital, lugar que passa a tornar-se
aquilo que é essencialmente: um lugar destinado ao tratamento e não à
moradia,
abrigo.
Tornou-se
fundamental,
dada
a
complexidade
que
encontravam, no encontro com a cidade e sua imprevisibilidade, que pudessem
ser acompanhados, ou se apoiar. Praticantes da psicanálise puderam colocarse as voltas com esse cenário, assim como desenvolver um trabalho, graças
ao empenho que colocou as questões encontradas na prática, diante da teoria
psicanalítica, fazendo dela uma via orientadora para esse tipo de trabalho. Para
Analice Palombini, por exemplo, em seu livro Acompanhamento Terapêutico na
Rede Pública: a clínica em movimento (2008), trata-se de “transferir a
psicanálise para o fora que constitui a loucura, numa transgressão às normas e
preceitos da razão”, para ela, o AT “certamente pode ser descrito como uma
clínica em ato, onde o setting é a cidade: a rua, a praça, a casa, o bar” e sua
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
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Joanna Angelo Ladeira
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tarefa é a de “suportar a ignorância para não precipitar um saber que aliena” (p.
78). Nesse sentido, um praticante da psicanálise pode assegurar a devida
neutralidade, mesmo se o único sustentáculo daquele encontro é seu próprio
corpo e o do sujeito em atendimento, na cidade:, e nossa aposta é que também
possa fazê-lo em uma prisão isso dependerá do modo como o praticante da
psicanálise se coloca.
Ao enunciar as “Perspectivas futuras”, Freud certamente não pode prever
o que se pensaria, a partir da psicanálise tantos anos após sua invenção. Se
hoje retomamos sua obra, assim como a de Lacan, é por que encontramos em
sua teoria, orientações que cabem à prática, ainda hoje.
E, embora contraindicasse o tratamento gratuito, à época de seus Artigos
sobre a técnica, dizia ele próprio realiza-lo, além de ter vislumbrado, em suas
“Linhas de Progresso da terapia analítica” (Freud, 1918/1996e) uma “situação
que pertenc[ia] ao futuro”, como ele diz, “é possível prever que, mais cedo ou
mais tarde, a consciência da sociedade despertará, e lembrar-se-á de que o
pobre tem exatamente tanto direito a uma assistência a sua mente, quando o
tem, agora, à ajuda oferecida pela cirurgia, e de que as neuroses ameaçam a
saúde pública não menos do que a tuberculose, de que, como esta, também
não podem ser deixadas aos cuidados impotentes de membros individuais da
comunidade”
(Freud,
1918/1996e).
Interessou-nos
notar
que
nessa
Conferência de Budapeste, Freud, mais uma vez revê sua teoria e perspectiva,
em função do que acontecia. Ainda que em suas “Recomendações aos
médicos que exercem a psicanálise” (1912/1996f), Freud tenha contraindicado
a gratuidade do tratamento, tenha relatado sobre seu pedido de que os
pacientes comparecessem todos os dias, no mesmo horário durante longos
períodos de tempo às sessões, mesmo assim, diante do período que sucedeu
a Primeira Guerra Mundial, diante da destruição que assolou a Europa, Freud
não apenas ajudava financeiramente em uma outra circulação da moeda para
assegurar os atendimentos, ele também reconheceu, conforme apresenta em
Budapeste, um interesse em lidar com os problemas sociais que atingiam a
Europa e, além, se propõe que a psicanálise se dedique a situações assim, em
condições diferentes e até opostas àquela que ele propôs, é certamente por
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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acreditar que o que define uma analise, bem como seu sucesso, não é aí que
se encontra.
Ainda com Freud, em tom profético:
“Quando isso acontecer haverá instituições ou clínicas para pacientes externos para
os quais serão designados médicos analiticamente preparados, de modo que homens
que de outra forma cederiam à bebida, mulheres que praticamente sucumbiriam ao seu
fardo de privações, crianças para as quais não existe escolha a não ser o
embrutecimento ou a neurose, possam tornar-se capazes, de resistência e de trabalho
eficiente” (Freud, 1918/1996e, p. 180)
Se, portanto, a psicanálise se inscreve nesse contexto, nos dias de hoje,
se se relaciona com a contemporaneidade de seu tempo ,– se falamos da
psicanálise, o que Freud propõe e aqui revalidamos, é que o“ analista não pode
determinar de antemão exatamente quais resultados produzirá” e “o sentimento
mais perigoso para um psicanalista é a ambição terapêutica de alcançar,
mediante este método novo [o da psicanálise em si] e muito discutido, algo que
produza efeito convincente sobre outras pessoas” (Fred, 1912/1996f, p. 128)
Com Lacan, vimos uma indicação, presente já na década de cinquenta,
em que, segundo ele, “para saber como responder ao sujeito na análise, o
método consiste em reconhecer primeiro o lugar em que está o seu ego, em
saber através de quem e a quem o sujeito formula sua pergunta” (Lacan,
1953/1998b, p. 304). Assim, o simples fato de fazer caber a pergunta que o
sujeito pode colocar – independente do contexto que se encontre – parece ser
uma das tarefas do praticante da psicanálise, nesse campo, aberto. Nesse
sentido, esse encontro pode variar desde a “intimação secreta” da posição de
ouvinte (Lacan, 1955/1998d, p. 333) que o analista apresenta, se ele é “o
homem a quem se fala livremente” (Lacan, 1958/1998a, p. 622).
Para Lacan “propor tarefas organizadas por nós” seria parte do domínio
de validade do que se chama de psicologia, que não tem nada a ver com o
nível em que mantemos a experiência psicanalítica e que, se assim posso
dizer, reforça incrivelmente a miséria do sujeito” (1964/1988, p. 136). Se, como
vimos aqui, o material com que o analista lida é a palavra daquele a quem
atende e se o que o distingue é “fazer de uma função que é comum a todos os
homens um uso que não está ao alcance de todo mundo, quando ele porta a
palavra falada” (Lacan, 1955/1998d, p. 352) parece claro, a partir dessa
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Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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afirmação que a palavra é o campo de ação do analista e trata-se, portanto, de
manter o rigor ético “fora do qual qualquer tratamento, mesmo recheado de
conhecimentos psicanalíticos não pode ser, senão, psicoterapia” (p. 326).
De modo geral, nas políticas públicas, espera-se, ao que parece, por um
técnico – capaz de executar as tarefas próprias àquela política e, para tanto, o
ideal é que domine sua metodologia, aplicando-a, e também atingindo marcas
e metas e apresentando resultados contabilizáveis. Tal papel não é
necessariamente exercido por um psicólogo (que tem, no bojo de sua
profissão, o atendimento clínico como uma perspectiva, um instrumento de
intervenção).
Cabe comentar que não é possível, com tudo o que vimos até aqui,
afirmar a existência do analista, uma vez que essa função não é o que ocorre,
eventualmente, no encontro entre dois. Nesse sentido, ao praticante da
psicanálise, o desafio contemporâneo é o de localizar, em meio a praticas tão
diversas (cuja metodologia de cada política evidencia), como encontrar uma
perspectiva que o permita aplicar a psicanálise, a cada vez, preservando os
princípios, que fizeram dela o que é. Em todo o percurso realizado até aqui,
parece-nos que não há qualquer sinal de que a psicanálise possa dispensar a
transferência como elemento motor do tratamento analítico, ainda que este
aconteça em outros contextos, do lado de fora do consultório e que, nesse
campo, a transferência ganhe novos contornos. Pode ser fundamental,
entretanto, que o psicanalista que trabalha em políticas públicas esteja à
disposição para oferecer-se como referência para o endereçamento do sujeito
a quem se dispõe a atender e, a cada vez que um novo desafio se impuser o
praticante da psicanálise poderá lançar mão de uma pergunta orientadora:
“será que isso ainda é psicanálise
Considerações
Finais
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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CONSIDERAÇÕES FINAIS
O percurso realizado até aqui revelou que essa expressão, a “presença
do analista”, pode ser entendida além da simples presença que se coloca á
disposição a fim de tratar um outro. Cada um dos termos, “presença” e
“analista” dariam uma pesquisa, por suas particularidades conceituais.
Aqui, não pudemos empreender uma pesquisa sobre o primeiro termo:
embora possamos isolar o termo “presença” e, já que ele é apresentado por
Lacan como “uma manifestação” (Lacan, 1964/1988, p. 121), poderíamos ter
sido conduzidos pela perspectiva aberta no debate sobre a tiquê, no primeiro
capítulo , rumo a um esclarecimento sobre a perspectiva temporal aí colocada.
Poderíamos ter colocado a “presença” em Lacan, em relação àquela
encontrada em Heidegger, propondo uma interlocução entre os autores,
buscando em “Ser e o tempo” (1926/2006), uma perspectiva filosófica para o
problema da “Presença do analista”, mas isso nos distanciaria demais do tema
aqui proposto, bem como ao contexto a que se circunscreve, ainda que o sexto
capítulo do livro tenha um título bastante curioso para o tema aqui debatido: “a
cura como ser da presença”. Já que a perspectiva lacaniana é a que nos
interessa, nossa decisão foi por deixar-nos conduzir pelo objeto dessa
pesquisa, por meio das vias abertas por Lacan, em seu décimo primeiro
seminário (Lacan, 1964/1988). Deste modo, o estudo sobre a “presença do
analista” – tema que mostrou-se bastante fugidio - realizou-se em torno do
campo da Transferência, à luz da teoria freudiana, e em meio às criticas feitas
por ele, aos psicanalistas Sasha Nacht e Thomas Szasz. Encontramos, no
contexto da década de sessenta, que a leitura de Lacan sobre a psicanálise e o
lugar do analista no tratamento psicanalítico é muito mais próxima de Freud, do
que de Nacht e Szasz .
Mais próxima, primeiro por que propõe que o analista considere
exclusivamente a fala do paciente, depois por que revisita a teoria freudiana
sobre a transferência: Lacan sabe que, o silêncio do analista faz falar o
analisante, e que este é o campo de ação do analista.
Considerações
Finais
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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O estudo aqui empreendido apresentou como Sasha Nacht indicava para
o analista um modo standard de se colocar diante do paciente, um modo de se
colocar que buscava evitar tanto o silêncio do analista, quanto sua
interpretação, sob o argumento de que ambos poderiam gerar ainda mais
frustração. Ele contraria a proposta de neutralidade que vimos aqui com Freud
e Lacan, aparentemente por não entender sua função e insiste na presença
“apaziguadora” do analista como tratamento padrão. Para Lacan, essa
frustração é inerente ao próprio discurso (Lacan, 1953/1998b, p. 250).
Vimos, ao longo desse estudo, o quão atual é a posição de Freud e como
ele se dispunha a atualizar a psicanálise a cada caso: nesse sentido é Freud
que nos encoraja a não recuar diante dos impasses de nosso tempo, ainda que
os problemas com que lidamos hoje, pareçam de solução impossível.
Hoje em dia, como dissemos, muitos praticantes da psicanálise
encontram-se trabalhando diante de diversos impasses, nas áreas de
educação, saúde, assistência social, direito... e isso modifica o estatuto da
clínica. Ganhou destaque, ao longo da pesquisa aqui empreendida, a
recomendação de que o praticante da psicanálise possa manejar a
transferência que se coloca, a cada novo caso, buscando apresentar, em sua
intervenção, o mínimo grau de coerção, além de estar à disposição para
escutar aquele que se dispõe a atender. Valorizando a palavra daquele que
atende em qualquer contexto em que se inscreva, o praticante da psicanálise
permitirá que se possa escutar aquilo que não está escrito em sua ficha
criminal, em seu histórico psiquiátrico, laudo judicial, ou, ainda, através das
palavras de profissionais da rede de atendimento que também podem calar o
sujeito, sob o nome daquilo que buscam curar nele, como, por exemplo, os
termos criminoso, hiperativo e tantos outras nomenclaturas que compõem o
cenário contemporâneo aqui apresentado.
Assim, caberá ao praticante da psicanálise abrir um intervalo em meio ao
poder e à diversidade de anseios acerca dos adolescentes e jovens.
Se, como vimos, a realidade desses jovens justifica a existência de
políticas publicas voltadas para atendê-lo lá onde vive esse sujeito, nesses
casos, a própria realidade do sujeito se impõe e, nesse caso, é preciso
atravessá-la e permitir-se estar presente aí, nesse contexto, mais além da
Considerações
Finais
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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objetividade. Ao contrário do que Sasha Nacht propunha, estar presente, não
deve estar atrelado ao sentido de se inserir na realidade propriamente dita, a
realidade objetiva, embora, em alguns casos, a complexidade objetiva na vida
dos jovens convida o profissional a esse desvio, apontando para uma
perspectiva de ação puramente objetiva. Antes de propor a si mesmo a
pergunta de como servir como analista em contextos assim, à. primeira
pergunta, seguirá a próxima: Como introduzir-se na realidade inconsciente?
Haveria um padrão?
Sabemos que a psicanálise de orientação lacaniana não contraindicará a
psicanálise, ao mesmo tempo em que não propõe prever onde produzirá
efeitos e em quanto tempo, tampouco pode garanti-los. Se até aqui chegamos
a conclusão de que o analista lida exclusivamente com a palavra, e que a
psicanálise acontece através da transferência, o modo como esses termos(a
palavra, a transferência, o tempo) se apresentam em nossa clínica
contemporânea ainda precisa ser muitas vezes colocado em questão, pois não
acontecem do mesmo modo como aconteciam no período que Freud criou a
psicanálise e tampouco ao modo como Lacan a reintroduziu na França, na
década de sessenta.
Como vimos, nem a palavra se coloca mais do mesmo modo, nem
tampouco a transferência. Mesmo a “presença”, hoje em dia, é algo a ser
questionado, especialmente depois do advento da internet e, ultimamente, das
redes sociais onde as pessoas encontraram um novo modo de se comunicar e
de se fazerem presentes. Um modo novo, que tem se mostrado de fato
eficiente no que diz respeito a organização de ações coletivas entre pessoas
que se encontram distantes umas das outras.
Recentemente, por exemplo, foi publicada no Jornal Estado de São
Paulo, uma matéria chamada “Divã virtual” (“Terapia online inaugura o divã
virtual,” 2012) e que se perguntava sobre a possibilidade de uma psicanálise
acontecer à distância. Se tal indagação antes parecia um advento da ficção
científica, hoje, existem várias as clínicas de consultas online, encontradas pela
internet, inclusive vinculadas a universidades e atestadas pelo Conselho
Federal de Psicologia. Ao psicanalista cabe não se colocar como um
trabalhador, já que a psicanálise não é uma profissão e tampouco uma
Considerações
Finais
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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categoria profissional, se Lacan sempre se indispôs contra os Standards e se,
defendia uma analise única a cada vez, era por defender a proposta freudiana:
aí sim caberia a um comentário sobre “elasticidade das regras” - que Freud
atribuía à psicanálise, em uma carta a Ferenczi, que Nacht recupera - por sua
capacidade de mostrar que a psicanálise aplica-se em todo o caso, mas não
em qualquer direção.
Se uma experiência inédita é inaugurada por um analista, que se aplica a
cada caso, consideraria que, tão importante quanto a inserção da psicanálise
em outros contextos, distantes do consultório, é sua capacidade de localizar
aquilo que concerne à psicanálise e transmissão de sua importância e utilidade
na nos dias de hoje, diante dos impasses que se colocam diante dos
praticantes da psicanálise. Nesse sentido, se Freud propôs, em 1918, que a
psicanálise possa servir para um número cada vez maior de pessoas e, por
que não, políticas públicas. Ou, como indicou Eric Laurent, fazer da
particularidade, um instrumento útil, para todos (Laurent, 2007).
Isso não é a mesma coisa que pensar a psicanálise como o saber diretor
de outros campos do conhecimento em que se inscreve, num determinado
contexto. Seria equivocado, portanto, utilizar a psicanálise para a construção
de novos standards, criando generalidades e técnicas, capazes de incidir sobre
um grupo de sujeitos, por que a própria psicanálise impõe aí seu limite.
Apesar de não ter aprofundado nesse ponto, Freud destacou que a
desejada “limitação de nosso papel” muitas vezes encontra um limite na
interface com outras áreas e pondera que, em alguns casos, seria preciso
lançar mão da sugestão; de que em alguns casos se trataria de reeducação,
diferente da psicanálise; ou que, dadas as circunstâncias, seria obrigado a
misturar o cobre da sugestão ao ouro puro da psicanálise, mas isso não seria
mais a psicanálise
Freud dizia que a análise era sempre questão de longos períodos de
tempo e dizia isso num momento em que seus casos clínicos mais conhecidos
foram atendidos por ele por menos de um ano, embora a regularidade fosse
constante – uma vez por dia, seis dias por semana – o que tem se mostrado
cada vez mais raro nos dias de hoje. Essa mudança, no entanto, não interfere
na estrutura da psicanálise. Interessante notar que, mesmo que tenha colocado
Considerações
Finais
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
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diante dos médicos que exerciam a psicanálise, alguns comentários sobre os
detalhes da sessão, antes de sedimentar um standard, o que eles mostram,
depois de tanto tempo e tantas transformações, é que a psicanálise não é uma
prática capaz de ser identificada tão facilmente como muitas vezes é retratada:
onde há um divã, há um analista. Primeiro por que, ao se comprovar que
houve um analista no tratamento, pelo menos um analista tal como Lacan
indica, isso acontece porque tal analista passou pela experiência analítica . Ou
seja, stricto sensu, nem sempre se poderia dizer que o que está em ação,
mesmo no setting clássico, é um analista. Mas isso vai além do que
propusemos, até aqui.
Um dos casos mais conhecidos, entre os que foram publicados por Freud
é o caso do Pequeno Hans (Freud, 1909/1996a), o de uma fobia de uma
criança de cinco anos conduzida de modo extremamente diferente do modo
como Freud propunha que uma psicanálise acontecesse: era seu pai, naquele
caso, quem escutava as perturbações da criança, em sua fobia de cavalos, na
Viena do começo do Século XX, . Boa parte da análise do Pequeno Hans foi
realizada nessa correspondência entre Freud e o pai de Hans, a quem o
primeiro recomendava, eventualmente, intervenções. Assim, criou-se uma
atmosfera de saber em torno daquele que Hans e o pai chamavam “O
professor”, a quem se endereçavam cartas acerca do sofrimento do menino..
Sem entrar propriamente no caso, destacamos dele a via pouco padrão
através da qual essa análise aconteceu e a presença pontual de Freud, que
encontrou Hans apenas uma vez. É surpreendente que, nesse caso, ainda que
ele seja um dos casos célebres, de uma analise de uma criança, - bastante
trabalhado e comentado até os dias de hoje - Freud teve somente um encontro
com o próprio Hans, que foi levado pelo pai até Freud, num momento em que
sua doença se agravara bastante. Não seria acessório dizer que esse encontro
único entre Freud e Hans produziu um efeito que impressionou o pai, um tempo
depois, ao notar que a fobia cedera. Mesmo que parecesse absurdo para a
época, aquilo que Hans dizia era levado em conta por Freud, mesmo que em
alguns momentos o jovenzinho tivesse que se esquivar da influência do pai e
seguir firme no seu propósito de dizer tudo o que vem a cabeça, dando a Freud
não só a oportunidade de intervir naquele caso, mas de produzir conhecimento,
Considerações
Finais
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
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digamos, de utilidade pública, a partir do que descobriu diante do caso do
Pequeno Hans.
Freud não apresentou somente casos bem sucedidos, capazes de
mostrar como a psicanálise se acomoda a determinadas situações, ou mesmo
às regras que disponibilizou em suas “recomendações”, mas, antes, o quanto é
imprevisível a demanda que será endereçada a um psicanalista, a um
praticante da psicanálise. Embora o encontro pontual entre Freud e o pequeno
Hans pudesse ser destacado como ponto a lançar luz sobre os efeitos de uma
psicanálise, ainda que num único encontro, não foi possível, aqui, nos dedicar
a esse caso e muito menos a esse aspecto singular desse trabalho de Freud.
Torna-se necessário considerar que, atualmente, há praticantes da
psicanálise inseridos nos mais diversos setores da sociedade , dispostos a lidar
com impasses do campo jurídico, da educação, da saúde, mesmo assim, sua
inscrição nesses lugares não será exatamente a do trabalhador, como já
assinalamos. Embora Lacan tenha articulado o termo “trabalhadores decididos”
(1964, p.239) associado à figura do analista, vimos que para Lacan, o analista
está entre aqueles que “podem testemunhar dos problemas cruciais, os pontos
vivos em que eles se encontram para a análise, especialmente enquanto eles
próprios estão na tarefa, ou, ao menos, estão na brecha de resolvê-la”. Para
Pierre Naveau, citando Lacan na Proposição de 1967, ele diz que “estar na
brecha implica que o fato de colocar um problema não basta (...) é preciso
simultaneamente colocar um problema e o ato de resolve-lo” (Naveau, 2001, p.
91).
Ainda na década de sessenta, encontramos Lacan dizer, na Proposição,
que “a psicanálise constitui o acesso a ela” (Lacan, 1967/2003, p.258), e
parece-me
interessante que os psicanalistas que hoje estão nos serviços
públicos, trabalhando com as mais variadas áreas mantenham sua
disponibilidade, para estar na brecha, pois o contexto brasileiro, exige de nós,
coragem.
Referências
Sobre a presença do analista na direção do tratamento:
algumas reflexões atuais sobre o tema
Joanna Angelo Ladeira
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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