desta matéria em formato PDF

Propaganda
Editorial
Revista
- Centro Universitário São Camilo - 2013;7(2):125-128
Um tributo a Edmund Pellegrino
No dia 13 de junho de 2013, faleceu, em
Washington D.C. (EUA), o renomado e mundialmente conhecido médico e bioeticista norte-americano Edmund Pellegrino, aos 92 anos e a poucos dias
de completar 93 anos de vida. Infelizmente, no Brasil
ele ainda não é muito conhecido, uma vez que nenhum de seus 23 livros como autor, coautor ou editor
e nenhum de seus mais de 600 artigos científicos, a
grande maioria deles escritos de madrugada, nas primeiras horas do dia em sua antiga máquina de escrever Olivetti, no âmbito da bioética, ética das virtudes,
filosofia da medicina e ética médica, tenham sido traduzidos em português. Felizmente, esse silêncio vem
sendo quebrado ultimamente com alguns bioeticistas,
filósofos e médicos brasileiros que escrevem alguns
artigos comentando e resgatando a importância do
humanismo de Pellegrino e sua perspectiva em ética
médica, bioética e filosofia da medicina e com algumas teses de doutoramento no contexto universitário,
especificamente no âmbito da filosofia, saúde e bioética.
Nos limites de uma nota editorial, apresentamos ao
leitor uma biografia sumária de alguns aspectos de sua
vida e obra que o colocam como um dos grandes pioneiros da bioética mundial.
Edmund Daniel Pellegrino nasceu em 22 de junho de 1920 em Newark (New Jersey). Graduou-se
pela St. John’s University (B.S) em 1937, recebendo
seu MD pela New York University em 1944. Durante a sua vida profissional como médico e bioeticista,
recebeu nada menos que 52 títulos de doutor honoris
causa, além de vários prêmios e honrarias, entre elas
o Prêmio Abraham Flexner, da Associação de Universidades Americanas, o Prêmio Benjamin Rush, da
Associação Médica Americana. Foi um dos fundadores e diretor do famoso Kennedy Institute of Ethics
(1983-1989) e do Centro Avançado de Estudos de Ética
Clínica (1989-1994) na Georgetown University (Jesuítas). Além disso, Pellegrino foi membro Honorário
ou Fellow de cerca de 20 sociedades científicas ou
profissionais.
Era professor de Medicina e Ética Médica no
Center for Clinical Bioethics, da Georgetown University, desde 2001. Foi nomeado Presidente do Conselho de Bioética do Presidente dos Estados Unidos de
2005-2009 (President’s Council of Bioethics), aos 85
anos. Questionado por um repórter numa entrevista concedida ao periódico espanhol Diário Médico a
respeito de sua avançada idade perante tão alta responsabilidade, ele respondeu: “Por que teria de deixar
de pensar a partir dos 85?”. Como Presidente desse
prestigioso Conselho de Bioética, produziu, sob sua
direção, entre outros documentos, um de inquestionável importância: Dignidade Humana e Bioética: ensaios encomendados pelo Presidente do Conselho de Bioética (março de 2008), que foi publicado pela Editora
da Universidade de Notre Dame (Indiana), em 2009.
O Professor Pellegrino foi membro da Pontifícia Academia da Vida desde sua instituição em
1994, pelo Papa João Paulo II, sendo que em 2000
foi nomeado membro emérito. Em 2004, foi convidado a integrar o Comitê Internacional de Bioética da UNESCO. Foi também cofundador, com
H. Tristram Engelhardt Jr, da prestigiosa publicação científica Journal of Medicine and Philosophy
(Revista de Medicina e Filosofia), publicada pela
Sociedade de Saúde e Valores Humanos e que visa
estimular a reflexão filosófica e bioética no âmbito
da medicina e da saúde em geral.
Ao completar seus 90 anos de vida, manifestou o
desejo de escrever mais três livros: “Desejo terminar
a segunda edição do livro Filosofia da Medicina, que
prevejo como um trabalho mais definitivo. E depois
quero escrever um livro sobre teoria e prática da medicina clínica, que não tem sido realmente abordada
convenientemente na perspectiva teórica. E então talvez um terceiro, sobre experiências pessoais que quero intitular ‘Alguém chamou um médico?’. Seria uma
série de pequenas vinhetas”.
Como vemos, idade nunca foi problema ou empecilho para Pellegrino inovar, criar e produzir cientificamente. Ele foi um cristão católico praticante de missa
125
Editorial
Revista
diária. A respeito de sua fé católica, disse que era “o elemento unificador mais importante de toda sua vida”. O
Cardeal de Washington Donald Wuerl assim se expressou a respeito da morte de Pellegrino: “Em todas as suas
múltiplas atividades e serviços, ele sempre apresentou
uma sólida combinação entre sua expertise científica e
uma profunda fé católica”.
Para Pellegrino, “o bem-estar do paciente deve estar sempre acima dos interesses do médico”, visto que
a medicina é uma “profissão especial”, por lidar com
pessoas em estado de vulnerabilidade.
Vejamos a seguir alguns aspectos da relação médico-paciente, numa entrevista dada à Revista Ser Médico
– Cremesp (edição de 2011 Set;56:4-5). Pellegrino elege o princípio da benevolência (desejar o bem) como o
mais importante no contexto da saúde. A benevolência
(desejar o bem) é a primeira virtude da Ética Médica,
e a Beneficência continua sendo o primeiro princípio
da Ética Deontológica. A virtude da benevolência implica proteção do paciente, a partir da observação da
vulnerabilidade trazida pela doença, da desigualdade
da dependência e da assimetria de poder. “Pacientes
devem confiar que o médico use seus conhecimentos
de forma sensata e voltada para o bem, pois é isso que
ele promete ao oferecer seus préstimos”.
O que seria um médico virtuoso para Pellegrino?
“É aquele que sempre se esforçará para levar em conta
o estado vulnerável do paciente. (...) Na prática, para
alcançar o bem e o bem-estar do paciente, o médico virtuoso deve demonstrar qualidades de caráter,
como: virtudes morais – benevolência, honestidade,
confiabilidade, fidelidade à promessa (...), compaixão
e humildade; e virtudes intelectuais – competência
técnica, habilidade, prudência e intuição. Para o médico religioso, poderíamos acrescentar virtudes como
a fé, a esperança e a caridade”.
- Centro Universitário São Camilo - 2013;7(2):125-128
Na situação de um médico ateu e seu paciente, a
relação seria incompleta em comparação com médico
que cultiva algum tipo de fé religiosa? Diz Pellegrino
que “sob o aspecto técnico, não tenho dúvidas de que
o profissional ateu é capaz de tratar de um paciente
tão bem quanto o que tem religião. Porém, o primeiro
está propenso a ignorar ou a depreciar o componente
espiritual envolvido no atendimento, ou a deixar de
apreciar o seu significado e, assim, falhar em relação
ao holismo (integralidade) presente no contexto da
cura. Penso ser insuficiente cuidar do paciente apenas
como um mecanismo biológico ou psicológico, pois
é ignorada a singularidade do ser humano entre as
criaturas da biosfera, e negada a possiblidade da vida
espiritual na qual ele acredita”.
Ele foi sempre um autor prolífico e professor de
grande projeção e erudição. Seus títulos acadêmicos
nos obrigariam a utilizar várias páginas. Com este
editorial, nossa Revista Bioethikos presta uma homenagem na despedida do decano de bioética mundial,
pioneiro e líder incontestável na sua área de atuação
profissional e intelectual; uma das raras unanimidades da área científica, um sábio humilde que ganhou
o respeito e admiração dos líderes das mais diferentes
correntes de pensamento filosófico, bioético e medicina científica atual.
Um artigo deste número intitulado “Edmund
Pellegrino: ícone da Bioética Cristã”, de autoria de
Raul Marino Jr, um dos seus admiradores, e por
que não dizer “discípulos” (“consideramos Edmund
Pellegrino como a alma da moderna bioética cristã
no último século”), nos ajuda a entender um pouco
mais o importante legado que nos deixa Pellegrino.
Leo Pessini*
William Saad Hossne*
* Doutor em Teologia/Bioética. Pós-graduado em Clinical Pastoral Education and Bioethics, St Luke’s Medical Center. Docente do Programa Stricto sensu em bioética do Centro
Universitário São Camilo-SP, Brasil. E-mail: [email protected]
** Médico. Professor Emérito (Cirurgia) da Universidade Estadual Paulista – UNESP, Faculdade de Medicina, campus Botucatu-SP, Brasil. Membro da Comissão Nacional de
Ética em Pesquisa – CONEP. Membro do Comitê Internacional de Bioética da UNESCO. Coordenador do programa Stricto sensu em bioética (Mestrado, Doutorado e Pós-Doutorado) do Centro Universitário São Camilo-SP, Brasil. E-mail: [email protected]
126
Download