Esquizofrenia e Transtorno Obsessivo

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Faculdade de Medicina da
Universidade de Coimbra
Introdução à Medicina II
1º Ano – 2009/2010
Valência de Psiquiatria
Nos dias 16 e 23 de Abril do presente ano de 2010 tive a oportunidade de me
deslocar com alguns colegas ao Hospital Psiquiátrico Sobral Cid, no âmbito da valência
de Psiquiatria da cadeira de Introdução à Medicina II. No primeiro dia ficámos a
conhecer melhor o conceito de Psiquiatria e a história desta especialidade médica,
enquanto que no segundo pudemos entrevistar dois doentes.
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No primeiro dia de valência de Psiquiatria, fomos recebidos pelo Dr. António Canhão no
pavilhão 9. Seguiu-se toda uma conversa e discussão com o Dr. Canhão sobre o conceito de
psiquiatria e a importância desta especialidade médica na comunidade. Preocupou-se em fazer
a distinção entre psiquiatria, psicanálise e psicologia clínica, bem como em fazer a
contextualização histórica da psiquiatria.
Começou por falar da psiquiatria como uma área do conhecimento médico que tem como
papel fundamental tratar as doenças mentais, e que se desenvolve como especialidade médica
a partir da doença.
João António Costa – 20091747
Introdução à Medicina II - Psiquiatria
Apesar dos primeiros médicos terem surgido aproximadamente em 5000 a.C., o
aparecimento da psiquiatria só aconteceu mais tarde, entre o século XVIII e o século XIX. Como
inicialmente o interesse pelas doenças mentais não era propriamente significante, os doentes
mentais eram usualmente isolados em pequenas sociedades, já que poderiam constituir perigo
para a sociedade dita saudável. Mas rapidamente aumentou o interesse pelas doenças
mentais, o que levou à necessidade de procura de tratamento para os doentes mentais.
Apesar do surgimento tardio deste interesse pela psiquiatria, as doenças mentais sempre
fizeram parte da história da humanidade.
No segundo dia da valência de Psiquiatria, fomos acolhidos pela Dra. Ilda Murta no Hospital
Psiquiátrico Sobral Cid, sendo que nos foram fornecidas algumas informações sobre a
estrutura do mesmo. O Hospital encontra-se separado por vários pavilhões:
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Pavilhão 1 – Serviço de internamento feminino
Pavilhões 2 e 13 – Residência para doentes mais graves e doentes sem apoio familiar
Pavilhões 3 – Serviço de adições, para a reabilitação alcoólicos e toxicodependentes
Pavilhão 6 – Hospital de Dia (9h as 16h, para doentes não internados)
Pavilhão 8 – Serviço de internamento masculino
Pavilhão 16 – Serviço de psiquiatria forense
Pavilhão 18 – Serviço de reabilitação (terapia ocupacional e cursos de formação profissional)
Após esta breve apresentação de alguns dos pavilhões existentes, tivemos hipótese de
entrevistar dois pacientes do Hospital Sobral Cid:
António
46 Anos
Esquizofrenia e Transtorno Obsessivo-compulsivo
O Sr. António entrou na sala algo apreensivo, uma vez que se encontrava à espera de poder
entrar há já alguns minutos. Perante a presença dos alunos, mostrou-se um pouco receoso,
mas nem por isso deixou de responder às perguntas da Dra. Ilda Murta.
Na altura da entrevista, encontrava-se internado há quase um mês no Hospital Psiquiátrico
Sobral Cid, de certo modo contra a sua vontade, já que preferia ter ido para os HUC, local que
diz ser mais confortável, mas onde não obteve vaga. Uma das primeiras coisas de que nos
falou foi a sequência de acontecimentos que o levou ao estado actual. O Sr. António era uma
pessoa com muitos amigos, brincava e era alegre. Gostava praticar várias actividades
desportivas, tais como futebol, basquetebol, voleibol. No momento em que começaram a
surgir os problemas, frequentava o 10º ano de escolaridade, na Figueira da Foz, onde vive,
sozinho, desde a morte do pai (provavelmente por AVC, uma vez que abusava do sal), da mãe
e do irmão (segundo o Sr. António, o irmão suicidou-se em 1989, por não lhe terem comprado
uma televisão a cores para assistir ao Mundial de Futebol ’86). Segundo as informações do Sr.
António, este sempre foi uma pessoa pontual, perfeccionista até de mais, o que o levava a
fazer apontamentos de tudo o que tinha que fazer relacionado com a gestão da sua vida
João António Costa – 20091747
Introdução à Medicina II - Psiquiatria
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(pagamento da água, luz, gás, etc). Tomava aliás diversos medicamentos para fortalecer a sua
capacidade de memória, de modo a não se esquecer de nada. Um dia, deixou de poder fazer
estes apontamentos, devido ao aumento das dores resultantes de reumatismo articular
agudo. A necessidade de fazer os apontamentos, associada à incapacidade de realizar essa
tarefa, causou-lhe um grande transtorno, tendo começado a procurar mais frequentemente
ajuda psiquiátrica. Dorme bem, se medicado. Quando questionado pela Dra. Ilda Murta sobre
se ouvia vozes, respondeu afirmativamente. Foi-lhe diagnosticada esquizofrenia, associada a
transtorno obsessivo-compulsivo.
Francisco Ferreira
40 Anos
Alcoolismo
Para a entrevista ao Sr. Francisco, a Dra. Ilda Murta ausentou-se da sala por alguns minutos, o
que nos possibilitou estabelecer por nós próprios um primeiro contacto com o paciente.
O Sr. Francisco, à altura da entrevista, encontrava-se internado já há dois meses, por vontade
própria, já que tinha problemas com álcool e voltou a consumir. Contou-nos como entrou no
mundo do álcool: era feliz enquanto pequeno, mas aos 13 anos começou a fumar,
nomeadamente haxixe, por influência de alguns conhecidos do local onde vivia, no Bairro da
Conchada, em Coimbra. Segundo o testemunho do Sr. Francisco, depois de fumar “ficava
estúpido” e “dizia coisas sem sentido”. Assim sendo, largou as drogas e entrou no álcool, que
“bebe por beber”, e também por ser tímido, característica disfarçada com o consumo, que o
tornava mais desinibido. Conta que a certa altura da sua vida, aproximadamente aos 20 anos,
quando comprava uma garrafa, sentia necessidade de a acabar no mesmo dia. Devido ao
consumo excessivo de álcool começava a sentir as mãos a tremer, principalmente de noite, o
que o impossibilitava de dormir as horas adequadas, sendo que só dormia entre 2 a 4 horas,
no máximo. As poucas horas de sono levavam-no a ficar inquieto no dia seguinte. Além de
levar um estilo de vida regrado, alimentava-se também mal, e a sua alimentação era quase só
à base de sandes. Segundo o próprio, foi sujeito a uma intervenção cirúrgica ao estômago.
Sente-se fisicamente bem desde que está no Sobral Cid (onde está integrado num programa
de formação profissional, que lhe poderá garantir um emprego no futuro) e contava ir-se
embora no início da semana seguinte. Não sabe no entanto, se será capaz de fugir ao vício do
álcool, porque os únicos “amigos” que tem são drogados e alcoólicos, dos quais se procura
afastar, mas com os quais acaba sempre por ir ter, voltando inevitavelmente a consumir
álcool, mesmo após 3 tratamentos. Acrescentou que se sente sozinho há já muitos anos.
Viveu 5 anos com uma mulher, que o deixou, porque não suportava os problemas resultantes
do consumo de álcool por parte do marido. Os pais já faleceram. Tem uma irmã casada, com a
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qual não mantém muito contacto. Não se dá bem com o cunhado, que não aceita os seus
problemas.
Caso – Problema
A esquizofrenia trata-se de uma perturbação mental grave caracterizada por:
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Perda de contacto com a realidade (psicose)
Alucinações
Delírios
Pensamento anormal
Mudança a nível social e laboral
Julga-se que a prevalência deste distúrbio na população mundial seja inferior a 1%, embora
haja certos países nos quais as pessoas esquizofrénicas ocupam aproximadamente ¼ das
camas dos hospitais.
São várias as perturbações que se assemelham com a esquizofrenia:
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Perturbações esquizofreniformes: sintomas presentes menos de 6 meses
Perturbações psicóticas breves: sintomas psicóticos entre um dia e um mês
Perturbação esquizoafectiva: presença de depressão ou mania, associadas a
sintomas típicos de esquizofrenia
Perturbação esquizotípica: perturbação de personalidade que partilha sintomas
de esquizofrenia, mas não tão graves para que seja considerada uma psicose
Causas
A causa específica da esquizofrenia é aparentemente desconhecida, a perturbação a ela
associada tem uma base biológica. Pode ser devido a “vulnerabilidade ao stress”, modelo que
considera a esquizofrenia como um fenómeno produzido em pessoas biologicamente
vulneráveis. A vulnerabilidade à esquizofrenia pode estar relacionada com predisposição
genética, problemas ocorridos antes ou depois do parto, ou mesmo a uma infecção viral do
cérebro. As pessoas afectadas por este transtorno manifestam usualmente défice de atenção,
dificuldade para processar informação e para um comportamento adequado em ambiente
social. Assim sendo, o stress ambiental pode estar na origem de psicose esquizofrénica em
indivíduos vulneráveis.
Sintomas
A instalação da esquizofrenia não tem um tempo definido e padrão em todos os indivíduos:
tanto pode ser súbita (espaço de dias ou semanas) como lenta (espaço de anos). No sexo
masculino, surge frequentemente entre os 18 e os 25 anos, enquanto que no sexo feminino
surge entre os 26 e os 45 anos. Além do tempo de instalação, também o tipo de
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sintomatologia pode variar significativamente. Os sintomas podem ser agrupados em três
categorias:
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Delírios – relacionados com má interpretação das percepções ou das experiências
o
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Alteração do pensamento e comportamento inhabitual
o
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Delírios persecutórios (sentir-se perseguido);
Delírios de referência (sentir que certas passagens de livros/jornais/canções se
referem especificamente a elas);
Delírios de roubo ou de imposição do pensamento (sentir que os outros podem ler a
mente ou que os pensamentos/impulsos são impostos por forças externas);
Alucinações de sons, visões, cheiros gostos, tacto.
Pensamento desorganizado, incoerente e sem finalidade;
Comportamento inhabitual (simplismos de carácter infatil, agitação ou aparência,
higiene ou comportamento inapropriados).
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Sintomas negativos ou por défice
o
o
Frieza de emoções;
Pobreza de expressão e associabilidade.
A esquizofrenia existe sob a forma de vários tipos:
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Esquizofrenia paranóide – preocupação por delírios o alucinações auditivas;
Esquizofrenia hebefrénica/desorganizada – expressão desorganizada, comportamento
desorganizado e emoções diminuídas ou inapropriadas;
Esquizofrenia catatónica – imobilidade, actividade motora excessiva, adopção de
posturas inhabituais.
Diagnóstico
Para a elaboração do diagnóstico, o psiquiatra baseia-se na avaliação da história da pessoa e
da sua sintomatologia. Só é possível estabelece o diagnóstico de esquizofrenia quando os
sintomas se arrastam há pelo menos 6 meses, associados à deterioração significativa do
trabalho, dos estudos ou do desenvolvimento social. É fundamental conhecer a informação
sobre a história familiar e de relacionamento com os amigos.
No processo de elaboração do diagnóstico é também importante afastar a possibilidade de
os sintomas psicóticos do doente serem causados por uma perturbação afectiva. É
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Introdução à Medicina II - Psiquiatria
necessário efectuar análises de laboratório para excluir o abuso de substâncias tóxicas ou uma
perturbação subjacente de tipo endócrino ou neurológico que possa parecer uma psicose. Nas
pessoas com esquizofrenia, podem ser detectadas anomalias cerebrais através de uma
tomografia axial computadorizada ou ressonância magnética.
Prognóstico
Curto prazo: o prognóstico está relacionado com o grau de fidelidade com que o plano
farmacológico é seguido. Sem esse tratamento, a possibilidade de reincidência de um episódio
de esquizofrenia 12 meses após o primeiro é de 70 a 80%. A administração adequada de
medicamentos pode reduzir para cerca de 30% a proporção de recaídas.
Longo prazo: geralmente, 1/3 dos casos consegue uma melhoria significativa e duradoura.
Outro terço melhora, mas tem recaídas intermitentes e incapacidade residual. O terço restante
experimenta incapacidade grave e permanente.
A esquizofrenia tem um risco associado de suicídio de 10% e diminuir em cerca de 10 anos
a esperança média de vida.
Tratamento
O tratamento tem como objectivos gerais:
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Reduzir a gravidade dos sintomas;
Prevenir o reaparecimento de episódios sintomáticos e a deterioração associada do
funcionamento do indivíduo.
Principais componentes do tratamento:
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Medicamentos antipsicóticos – reduzem/eliminam sintomas como delírios,
alucinações e pensamento desorganizado e pode reduzir substancialmente a
probabilidade de episódios futuros;

Reabilitação e actividades de apoio – ensinar as destrezas necessárias para conviver
em comunidade;

Psicoterapia – estabelecer relação de colaboração entre o doente, a família e o
médico.
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Conclusão
Foi-nos também explicado sucintamente o método de base para a relação entre o
médico e o doente. No caso específico da psiquiatria, há necessidade de seguir o dia-adia do doente, para conhecer a evolução dos seus sinais e sintomas. É essencial que o
doente se sinta bem com o médico e que haja uma certa relação de empatia, sem a
qual não seria possível comunicar com o doente com sucesso. Há que ter cuidado, no
entanto, para não criar uma relação demasiado próxima entre o doente e o médico.
À semelhança das outras valência que já tinha frequentado anteriormente (Centro
de Saúde, Cirurgia, Gastrenterologia), também considero esta bastante importante e
útil no início do meu percurso académico, já que me permite conhecer mais uma das
muitas áreas da Medicina, ainda para mais sendo uma especialidade médica sobre a
qual eu nutro algum interesse há já algum tempo.
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