UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO – UFOP INSTITUTO DE CIÊNCIAS EXATAS E BIOLÓGICAS – ICEB DEPARTAMENTO BIODIVERSIDADE, EVOLUÇÃO E MEIO AMBIENTE – DEBIO LUANA DA SILVA FREITAS INFLORESCÊNCIAS DA HOLOPARASITA DE RAÍZES LANGSDORFFIA HYPOGAEA (BALANOPHORACEAE) COMO RECURSO CHAVE PARA UMA FAUNA GENERALISTA NA ESTAÇÃO SECA OURO PRETO – MINAS GERAIS 2012 F866i Freitas, Luana da Silva. Inflorescências da holoparasita de raízes Langsdorffia Hypogaea (Balanophoraceae) como recurso chave para uma fauna generalista na estação seca [manuscrito] / Luana da Silva Freitas - 2012. 68f.: il., color; grafs.; tabs.; mapas. Orientador: Prof. Dr. Sérvio Pontes Ribeiro. Dissertação (Mestrado) - Universidade Federal de Ouro Preto. Instituto de Ciências Exatas e Biológicas. Departamento de Biodiversidade, Evolução e Meio Ambiente. Programa de Pós-Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais. Área de concentração: Evolução e Funcionamento de Ecossistemas. 1. Ecossistemas montanos - Teses. 2. Estratégias reprodutivas - Teses. 3. Morfologia vegetal - Teses. 4. Predação (Biologia) - Teses. 5. Formiga Brachymyrmex sp - Teses. I. Universidade Federal de Ouro Preto. II. Título. CDU: 574.4:581.4 Catalogação: [email protected] LUANA DA SILVA FREITAS INFLORESCÊNCIAS DA HOLOPARASITA DE RAÍZES LANGSDORFFIA HYPOGAEA (BALANOPHORACEAE) COMO RECURSO CHAVE PARA UMA FAUNA GENERALISTA ASSOCIADA À ESTAÇÃO SECA. Dissertação apresentada ao Colegiado do Programa de Pós Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais da Universidade Federal de Ouro Preto como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Ecologia de Biomas Tropicais Banca Examinadora: Orientador: Prof. Dr. Sérvio Pontes Ribeiro Departamento de Evolução e Biodiversidade, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto. Profa. Dra. Ana Paula Fortuna Perez Departamento de Evolução e Biodiversidade, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto. Profa. Dra. Rosy Mary dos Santos Isaias Universidade Federal de Minas Gerais, Departamento de Botânica. Instituto de Ciências Biológicas, AGRADECIMENTOS Muitas pessoas foram importantes colaboradoras e incentivadoras desse trabalho, agradeço a todas elas e especialmente: Ao meu pai, José de Freitas por facilitar meus campos com suas “engenhocas científicas” e minha mãe Lourdes por manter a comida sempre fresquinha e quentinha e compreender minha ausência à mesa. Aos meus irmãos e em especial minha irmã por me ensinar tanto com seu amplo conhecimento. Aos meus bichos, Nina e Barriga por me aliviarem a tensão. Ao meu noivo e melhor amigo pela companhia na vida e no campo, sem se importar com os hematófagos e as madrugadas “congelantes” de julho. Ao meu orientador Prof. Dr. Sérvio Pontes Ribeiro pelos preciosos ensinamentos, na ciência e na vida e por ter acreditado em mim. Obrigada pelos atendimentos aos domingos de manhã e dia das mães (mesmo que relutante). Ao meu co-orientador Prof. Dr. Hildeberto Caldas de Sousa pelo apoio, incentivo e pela amizade. Minha eterna gratidão e respeito. Ao colaborador Prof. Dr. Leandro Márcio Moreira por participar desse trabalho mesmo que diante de tantas dificuldades. Obrigada por não desistir e pelos valiosíssimos ensinamentos aos quais pretendo dar continuidade. Ao Prof.Dr. Diego Demarco pela receptividade e conhecimentos imensuráveis. Ao Eng. Florestal, amigo e mestre Alberto Vieira de Mello Matos (IEF/MG), por ser o grande responsável por tudo isso e ter me mostrado “ o caminho das flores da terra”, me acompanhando e incentivando desde o início. Ao pesquisador Leandro Cardoso, pelos esclarecimentos sobre essa planta fantástica e misteriosa. Às minhas ajudantes de campo Érica Felestrino, Eliane Rangel, Thaís Rosada e à Carolina Morais pelas “missões impossíveis”. Aos professores e pesquisadores Dr. Leonardo Galetto (Universidad Nacional de Córdoba), Dr. Gianfranco Curletti (Museo Civico di Storia Naturale, Italy), Dr. Paolo Audísio (Sapienza Universitá di Roma, Italy), Dra. Renata Guerra (LBBM/UFOP), Dr. Gregório Ceccantini, (USP), Dr. Udson Santos (UFOP), Dr. Rubem Ávila (Unipampa), Msc. Leandro Scoss, Msc Flávio Siqueira, Ivan Fiorini, Msc. Roberth Fagundes pela Identificação dos insetos, disponibilização de materiais e ricas discussões. A todos do Laboratório de Ecologia Evolutiva de Insetos de Dossel (onde fiz grandes amizades) e Sucessão Natural e do Laboratório de Bioquímica e Biologia Molecular pelo apoio e descontração, em especial Karina Barbosa, Roberta Versiani, Isabel Braga, Cíntia Monteiro, Walmir Silva e Vítor Fernandes amei conviver com vocês. Ao secretário Rubens, o melhor de todos, obrigada pela ajuda e compreensão. Aos meus queridos amigos “bambas”, por me tornarem uma pessoa mais feliz. À Fapemig pela concessão de bolsa de mestrado. Ao Programa de Pós Graduação em Ecologia de Biomas Tropicais da Universidade Federal de Ouro Preto. LISTA DE FIGURAS Fig.1. Mapa de distribuição da família Balanophoraceae no mundo ............................. 10 Fig.2. Morfologia externa de um indivíduo de Langsdorffia hypogaea MART.......................................... 20 Fig.3.Distribuição espacial dos agrupamentos de L. hypogaea em sua área de ocorrência no Parque Estadual do Itacolomi ................................................................. 22 Fig.4. Aspecto de um agrupamento de inflorescências femininas de L.hypogaea.... 23 Fig.5. Aspecto das estruturas reprodutivas de L.hypogaea ........................................... 28 Fig.6. Microscopia eletrônica de varredura das flores de L.hypogaea ........................... 29 Fig.7. Época de pluviosidade nos anos de estudo e sua correlação positiva com a fenofase botão de L. hypogaea nos anos de 2010 e 2011. Época de ocorrência do período reprodutivo da planta e da fenofase botão em 2010 e 2011 ... 30 Fig. 8. Número de indivíduos nas fenofases floração de L.hypogaea, frutos imaturos e frutos maduros em 2010 e 2011, com seus respectivos picos de atividade e época de duração .......................................................................................................... 32 Fig.9. Região vegetativa subterrânea de L.hypogaea, senescente no período de pós-reprodução em 2010 .............................................................................................. 34 Fig. 10. Visitas às inflorescências de L.hypogaea nos períodos noturno e diurno pelas principais ordens de artrópodes ocorrentes nas inflorescências da planta............................... 39 Fig.11. Aspectos de predação às inflorescências de L. hypogaea ................................ 40 Fig.12. Corte longitudinal de um fruto múltiplo de L.hypogaea mostrando as regiões utilizadas para a extração do DNA genômico ............................................................... 60 Fig.13. Aspecto do produto final de extração do DNA (pelete) de L. hypogaea retirado de brácteas, escapo e eixo da inflorescência ................................................... 62 Fig. 14. Eletroforese em gel de agarose 1% corado com brometo de etídio caracterizando a obtenção do DNA genômico extraído de 3g de tecido de L.hypogaea retirado de amostras necrosadas com o uso de CTAB 7% e CTAB 2%.Produto final de PCR-RAPD realizado a partir de tecidos frescos com o oligonucleotídeo S118.................. 63 Fig. 15. Dendrograma de similaridade genética baseado no critério UPGMA ............... 67 LISTA DE TABELAS Tabela 1. Animais visitantes das inflorescências de Langsdorffia hypogaea, número de visitas por maior taxa, porcentagem de flores visitadas por menor taxa e recursos consumidos ......................................................................................................37 Tabela 2. Identificação dos oligonucleotídeos RAPD testados para o estudo de L. hypogaea, suas respectivas sequências de nucleotídeos e o polimorfismo expresso por cada um deles...........................................................................................................66 SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO GERAL .......................................................................................... 7 1.1. O HÁBITO PARASÍTICO ................................................................................. 7 1.2. FAMÍLIA BALANOPHORACEAE..................................................................... 9 1.3. FAUNA VISITANTE ....................................................................................... 11 2. CAPÍTULO 1: INFLORESCÊNCIAS DA HOLOPARASITA DE RAIZES LANGSDORFFIA HYPOGAEA (BALANOPHORACEAE) COMO RECURSO CHAVE PARA UMA FAUNA GENERALISTA ASSOCIADA À ESTAÇÃO SECA .................. 13 2.1. NTRODUÇÃO.............................................................................................. 18 2.2. MATERIAL E MÉTODOS ............................................................................ 19 2.2.1. ANISMO DO ESTUDO ............................................................................... 19 2.2.2. AL DO ESTUDO E DELINEAMENTO EXPERIMENTAL ............................ 20 2.2.3. MORFOLOGIA FLORAL ............................................................................ 23 2.2.4. FENOLOGIA REPRODUTIVA .................................................................... 24 2.2.5. VISITANTES FLORAIS .............................................................................. 25 2.3. ESULTADOS ................................................................................................. 26 2.3.1. MORFOLOGIA FLORAL ............................................................................ 26 2.3.2. FENOLOGIA REPRODUTIVA .................................................................... 29 2.3.3.VISITANTES FLORAIS ................................................................................ 34 2.4. DISCUSSÃO ................................................................................................... 40 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................... 44 4. APÊNDICE ........................................................................................................... 51 7 1. INTRODUÇÃO GERAL 1.1. HÁBITO PARASÍTICO A maioria das angiospermas conhecidas é autotrófica. No entanto, existe um número significante de plantas parasitas que adotam o heterotrofismo total ou parcial, buscando suas fontes de carbono, nutrientes e água em outros organismos (Nickrent, 2002). Algumas plantas parasitas são adaptadas a viverem em ambientes perturbados por atividades antrópicas, geralmente são habitat-específicas, dependentes da comunidade ecológica onde suas hospedeiras estão inseridas (Musselman & Mann, 1977; Nickrent, 2002; Watson et al, 2007). A interação plantaplanta pode ocorrer nas partes aéreas, como é o caso da família Loranthaceae ou de forma subterrânea, através das raízes, como as Balanophoraceae. De acordo com seus padrões nutricionais, essas plantas podem ser classificadas em duas categorias, hemiparasitas e holoparasitas. As hemiparasitas são clorofiladas e fotossintéticas durante parte de seu ciclo de vida, sendo o fenômeno presente em Lorantaceae, Opiliaceae, Santalaceae e Scrophulariaceae. As holoparasitas são totalmente aclorofiladas e, portanto, não fotossintéticas. Obtêm água e nutrientes através do xilema e floema de plantas hospedeiras, algumas delas parasitando raízes (Nickrent, 2002). O holoparasitismo ocorre em Balanophoraceae, Cynomoriaceae, Hydnoraceae, Rafflesiaceae, Cuscutaceae, Lennoaceae e Orobanchaceae, sendo apenas Cynomoriaceae, Hydnoraceae, Lennoaceae e Balanophoraceae, parasitas de raízes (Nickrent, 2002). Através de fixação via haustório, as parasitas retiram nutrientes e água da hospedeira célula a célula, conectado ao xilema por haustórios. (Nickrent, 2002). Os haustórios são uma 8 espécie de raíz modificada que promove o contato morfológico e fisiológico entre a planta e seu hospedeiro (Kuijt, 1969). Embora a maioria das plantas parasitas cresça na parte exterior da hospedeira, existem algumas espécies que possuem o hábito endoparasítico, cujos tecidos são praticamente incorporados aos da hospedeira (Kuijt, 1969), só possuindo as estruturas reprodutivas livres, como é o caso do gênero Pilostyles (Apodanthaceae). Segundo Ejeta (2005), essa peculiaridade é determinada pela forma com a qual essas plantas interagem com suas hospedeiras, fator que as tornam muitas vezes importantes agentes patogênicos no setor agrícola de alguns países. O parasitismo pode ter um efeito que leva desde o enfraquecimento do hospedeiro, causando prejuízos no seu investimento em biomassa e estruturas reprodutivas, até sua morte. Um conhecido exemplo é o gênero Striga (Orobanchaceae), uma erva holoparasita de raízes que ataca plantações em muitas regiões da África, parte da Ásia e Estados Unidos, tendo com principais hospedeiros, dentre outras culturas, o milho (Zea mays L.), sorgo (Sorghum bicolor (L.) Moench) e o arroz (Oryza sativa L.) (Dörr, 1997). Uma das maiores dificuldades em se combater essa planta está em seu hábito hipógeo, que permite que sua identificação somente ocorra quando o parasitismo já está intimamente estabelecido (Ejeta et al., 1991; Ejeta, 2005), ou seja, na época reprodutiva, quando as flores podem ser visualizadas. Estudos fisiológicos e bioquímicos têm sido realizados no intuito de melhorar o entendimento sobre estas interações. Um caso bastante discutido é o strigol, um composto químico liberado pelas plantas hospedeiras que induz a germinação das sementes parasitas e a posterior formação dos haustórios, que por sua vez surgem após receptarem um segundo sinal (Ejeta, 2005). Estudos realizados com 9 Scrophulariaceae (Estabrook e Yoder, 1998; Yoder, 1999; Yoder, 2001) mostraram que esses sinais são flavonóides e outros compostos fenólicos, tais como gás etileno, e que dentro de cerca de 24 horas após captar essa substância, já é possível visualizar o crescimento do tecido haustorial parasítico. Esse comportamento de germinação e formação de haustório após contato com a rizosfera da hospedeira também foi observado por Govindappa e Shivamurthy (1976) para Balanophora abbreviata Blume. Entretanto, a maioria dos mecanismos de contato, crescimento e escolha de hospedeiro é completamente desconhecida. De fato, para holoparasitas subterrâneas, devido à dificuldade de acesso, até mesmo o entendimento básico sobre arquitetura e estrutura populacional é escasso ou inexistente. 1.2. FAMÍLIA BALANOPHORACEAE Balanophoraceae é uma família de angiospermas constituída por espécies herbáceas, dióicas, raramente monóicas, aclorofiladas e holoparasitas de raízes. Os indivíduos são formados basicamente por um rizoma subterrâneo dotado de haustórios responsáveis pelo parasitismo e inflorescências carnosas, unissexuais ou hermafroditas circundadas por folhas modificadas em brácteas (Falcão, 1975), de aspecto coriáceo, que assim como o rizoma, são desprovidas de clorofila e estômatos (Kuijt e Dong, 1990). A família possui distribuição quase exclusivamente tropical (Fig. 1), com casos raros nas regiões subtropicais e temperadas, e é representada por 18 gêneros e 44 espécies (Hansen, 1980). No Brasil, são descritos seis gêneros: Helosis, Scybalium, Lophophytum, Lathrophytum, Ombrophytum e Langsdorffia e as 11 seguintes espécies: Helosis cayennensis var. cayennensis (Swartz) Sprengel, Helosis cayennensis var. mexicana (Liebm.) B. Hansen, Lophophytum leandri Eichl., Lophophytum mirabile subsp. Mirabile Schott & Endl. e Langsdorffia hypogaea Mart. (Falcão 1975; Hansen, 1980), Scybalium fungiforme Schott & Endl. e Langsdorffia heterotepala (para a região fluminense do Rio de Janeiro - Cardoso et al. 2011). Existe uma grande carência de informação sobre a área de distribuição destes taxa devida a pouca coleta e identificação incorreta de algumas coleções. Figura 1 – Mapa de distribuição www.parasiticplant.siu.edu da família Balanophoraceae no mundo. Fonte: Diferentemente dos gêneros Helosis (Hsiao et al 1993), Ombrophytum (Mauseth et al,1992) e Dactylanthus (Moore 1940), o padrão haustorial de Langsdorffia hypogaea é complexo, sendo essa interface parasita/hospedeira constituída de dois tipos de organização (Hsiao et al, 1994): uma simples e limitada, formada apenas pelos feixes de L. hypogaea e uma composta, formada por uma íntima ligação entre os tecidos vasculares da planta hospedeira e da parasita, aspecto denominado quimeral. Segundo Hsiao et al. (1994), essa característica 10 representa uma vantagem adaptativa em relação à estrutura simples, por aumentar a habilidade da parasita na translocação de nutrientes para si. Outro aspecto importante da espécie é o fato do parasitismo ocorrer através da penetração de elementos traqueais da parasita, onde não há contato direto entre os vasos do xilema de ambas (Hsiao et al. 1993; Mauseth et al. 1992). 1.3. FAUNA VISITANTE A fauna edáfica associada a raízes de plantas parasitas, no geral formigas e besouros, é considerável, mas estas interações são parcialmente estudadas, sendo a maioria dos estudos descritivos e qualitativos. O coleoptera Hydnorobius hydnorae (Belidae) tem sido registrado em plantas de Hydnoraceae (Marvaldi, 2005), já Alloxycorynus bruchi Heller foi coletada em flores de Ombrophytum (Balanophoraceae) e dois exemplares do gênero Oxycorynus (Belidae), foram coletados em Lophophytum, pertencente à mesma família. Um novo gênero de Curculionidae, nomeado como Balanophorobius, foi descrito por Anderson (2005) como parasita de outra espécie de Balanophoraceae, que o autor sugere ser Helosis cayennensis. A espécie holoparasita de raízes Cytinus hypocistis (Cytinacae), foi documentada por de Vega et al. (2009) como sendo polinizada por dez diferentes espécies de formigas, uma de Halictidae (Hymenoptera), uma de Halictidae e uma de díptera. A espécie indiana Balanophora abbreviata Blume, reportada por Govindappa e Shivamurthy (1975) foi observada sendo visitada por abelhas da espécie Apis floreaI enquanto as espécies Balanophora kuroiwai Makino e B. tobiracola Makino são visitadas por formigas, baratas, mariposas e moscas, (Kawakita e Kato, 2002). Na Costa Rica, as inflorescências dos gêneros Helosis e 12 Corinae servem de atrativos para moscas (Gómez, 1983) e no Brasil, a espécie amazônica Lophophytum mirabile, polinizada por pequenos coleópteras, dentre eles, duas espécies da família Nitidulidae, e pilhada por abelhas, como documentado por Borchsenius e Olesen (1990). O único mamífero registrado até o momento visitando espécies de Balanophoraceae, foi o lêmure de Madagascar Propithecus diadema, que Irwin et al. (2007) observaram forrageando Langsdorffia sp. e Cytinus sp. (Cytinaceae). Os mesmos autores ainda relatam que esse comportamento de forrageio no chão utilizando o olfato para localizar o alimento, é pouco comum dentre os primatas. Outro relato foi feito por Ecroyd (1996), que descreve vários aspectos da ecologia de Dactylanthus taylorii Hook.f. e sua polinização por morcegos e ratos. 12 2. CAPÍTULO 1: LANGSDORFFIA INFLORESCÊNCIAS HYPOGAEA DA HOLOPARASITA DE (BALANOPHORACEAE) COMO RAÍZES RECURSO CHAVE PARA UMA FAUNA GENERALISTA NA ESTAÇÃO SECA LUANA DA S. FREITAS2; RUBEM S. ÁVILA3; DIEGO DEMARCO.4; HILDEBERTO C SOUSA2 AND SÉRVIO P. RIBEIRO2 2 Departamento de Evolução e Biodiversidade, Instituto de Ciências Exatas e Biológicas, Universidade Federal de Ouro Preto, Campus Morro do Cruzeiro s/n° CEP 35400-000 Ouro Preto, Minas Gerais, Brasil. 3 Universidade Federal do Pampa, campus São Gabriel, Av. Antônio Trilha 1847. CEP 97300-000. São Gabriel, RS.Brasil. 4. Departamento de Botânica, Instituto de Biociências, Universidade de São Paulo, Caixa Postal 11461, CEP. 05508-090, São Paulo, SP, Brasil. O manuscrito foi submetido à Botanical Journal of the Linnean Society 14 RESUMO Plantas que se reproduzem no período de baixa disponibilidade de recursos são importantes para a manutenção temporal de polinizadores e herbívoros. Foi testada a hipótese de que as inflorescências de Langsdorffia hypogaea são recursos-chave para parte da fauna em florestas sazonais por surgirem na estação seca e emitirem variados recursos em época de escassez. É esperada a existência de mecanismos para minimizar a herbivoria e otimizar a polinização. A reprodução da planta foi estudada em 2010 e 2011, em relação a sua duração, padrão fenológico, sincronia populacional e correlação com a pluviosidade. Baseado na morfologia floral e no comportamento dos animais visitantes procurouse averiguar a potencial síndrome de polinização e levantar indícios de possíveis polinizadores e predadores. Após o término do período reprodutivo ocorrido em 2009 e 2010, os rizomas foram escavados para análise da estratégia reprodutiva (monocarpia ou policarpia). A floração é anual, de março a setembro, abrangendo todo o período de seca e parte do chuvoso. Houve sincronia populacional na floração de 2011 e emissão de botões em ambos os anos, sendo este correlacionado com a pluviosidade. A mortalidade pós evento reprodutivo sugere monocarpia (N= 21). As inflorescências são morfologicamente distintas, anteras com deiscência extrosa, estigma exposto acima do perianto e ausência de síndromes de polinização. Foram observados 259 artrópodes visitantes, a maioria Hymenoptera/Formicidae (149 indivíduos, 17 espécies), oito espécies de Aranae e quatro de outros insetos. Uma espécie de Coleoptera/Nitidulidae, o potencial polinizador, foi mais abundante (28% do total de 15 visitantes na fase adulta), representados por adultos e larvas e apenas 12,5% dos agrupamentos de inflorescências chegaram à frutificação, em decorrência de predações. O alto investimento em reprodução atrai um grande número de herbívoros. Em contrapartida, a planta intercala períodos de alta e baixa sincronia populacional e oferta seus recursos reprodutivos no inverno, reduzindo a taxa de predação e aumentando a efetividade da polinização. Adicionalmente, o recurso em pleno período árido consiste de um recurso-chave ao atender as necessidades de uma fauna variada, principalmente espécies generalistas e oportunistas. PALAVRAS-CHAVE: Brachymyrmex sp.; ecossistemas montanos; estratégias reprodutivas; morfologia floral; predação em massa; interação multitrófica. 16 ABSTRACT Premise of the study: Plants that reproduce during periods of low resource abundance support the temporal fauna. We tested the hypothesis that Langsdorffia hypogaea inflorescences are key resources for part of the fauna in seasonal forests due to their emergence in the dry season and varied resources. Mechanisms to minimize herbivory and optimize pollination are expected. Methods: We investigated the following reproductive traits in 2010 and 2011: duration of reproductive events, phenological pattern, population synchrony and correlation with rainfall. Based on floral morphology and analysis of flower visitors we gathered evidence of some potential pollinator and predator species. Plants were excavated for analysis of reproductive strategy (monocarpy or polycarpy). Key results: Flowering is annual, from March to September, during dry and wet seasons. Population synchrony present in the 2011 flowering event and bud emergence in both years, the latter correlated with rainfall. Post-reproductive death (N = 21) suggested monocarpy. The inflorescences are morphologically different, anthers with extrorse dehiscence, stigma exposed above the perianth, and absence of pollination syndromes. In total, 259 arthropods visited the plants, mostly Hymenoptera/Formicidae (149 individuals, 17 species), eight species of Aranae and four species of other insects. A species of Coleoptera/Nitidulidae, and potential pollinator, was the most abundant (28% of total visitors), represented by adults and larvae. In both years, only 12.5% of all patches fructified due to predation. Conclusions: The plant alternates periods of high and low population synchrony and allocates its reproductive resources in winter to escape from predators 17 attracted by the large investment in reproduction that results in high resource supply, while ensuring pollination and acting as a key resource in the system by supporting a varied fauna. The beetle of the family Nitidulidae is a potential pollinator of L. hypogaea. Keywords: Brachymyrmex sp., phenology, floral morphology, high montane seasonal forests, trophic guilds, mass predation. 18 2.1. INTRODUÇÃO Estruturas florais elaboradas podem representar uma demanda evolutiva conflituosa entre custos e benefícios para a planta, pois enquanto aumentam a eficiência da polinização, atraem animais herbívoros (Shaanker & Ganeshaiah, 1988). Algumas plantas conseguem driblar esse efeito antagônico através do saciar do predador, primeiro descrito por Janzen (1976) para o bambu Phyllostachys bambusoides Siebold & Zucc. A produção massiva e sincronizada de sementes dentro da população sacia os herbívoros predadores, fazendo com que parte desse banco de sementes seja poupada para a perpetuação da população (Crawley, 1997). Durante a estação seca, momento em que há baixa atividade fotossintética média em florestas estacionais alto montanas, a holoparasita Langsdorffia hypogaea Mart. (Balanophoraceae) se reproduz, lançando uma quantidade significativa de recursos próximos ao solo, podendo representar um recurso-chave para alguns representantes da fauna. Além disso, quando a fenologia de uma planta é ajustada de forma que o recurso seja previsível no tempo, especialmente em momentos de escassez, a importância do produtor para a fauna daquele ambiente é ainda maior (Develey & Peres, 2000; Barea & Watson, 2007). Entretanto, esta é exatamente uma situação em que o benefício da polinização contrapõe aos custos da predação. No caso, quando o recurso de maior interesse não é semente, mas frutos e flores, a possibilidade de escapar de toda uma guilda de predadores é mais difícil no tempo, podendo resultar no espaço. O entendimento desta relação evolutiva com a paisagem biótica carece do entendimento básico sobre a biologia reprodutiva desta espécie. Assim, este 19 trabalho tem como objetivo apresentar a fenologia, morfologia floral e fauna associada à L. hypogaea. Como a floração é sincronizada e ocorre na estação seca, é relativamente fácil de ser encontrada por polinizadores. Por outro lado, espera-se que exista alguma estratégia de variação espacial no surgimento das flores de um ano para o outro, de forma a minimizar a previsibilidade das mesmas para seus predadores. Foi testada a hipótese de que a planta representa um recurso-chave para a fauna associada e é polinizada por formigas e besouros de solo, por ser uma planta herbácea, hipógea e de flores diminutas. 2.2. MATERIAL E MÉTODOS 2.2.1. ANISMO DO ESTUDO A planta Langsdorffia hypogaea é uma das 44 espécies descritas de Balanophoraceae, constituída por ervas dioicas, suculentas, aclorofiladas e holoparasitas de raízes, geralmente de árvores. Para o Brasil, existem atualmente seis espécies registradas (Falcão, 1975; Cardoso et al. 2011). Morfologicamente, L. hypogaea se divide em duas regiões: um corpo vegetativo irregularmente cilíndrico, alongado e hipógeo, de aspecto tomentoso e carnoso, denominado rizoma ou tubérculo, a partir do qual surgem os tecidos responsáveis pelo parasitismo, chamados haustórios (Hansen, 1980) e unidades reprodutivas, representadas por inflorescências de eixo suculento e unissexuais, que irrompem dos escapos, circundadas na base pela bainha de brácteas, sendo os frutos aquênios e diminutos (Fig. 2). A morfologia floral de Balanophoraceae não é muito clara (Souza e Lorenzi, 2008, Eberwein et al., 2009). A espécie está restrita às regiões tropicas, em florestas 21 montanas e campos cerrados, com altitudes que variam de 400 a 3100m, onde foi encontrada parasitando Geonoma sp., Iriartea sp., Mimosa sp., Byrsonima sp., Trichilia sp., Ficus sp. (Hansen, 1980), pertencentes a quatro famílias filogeneticamente não relacionadas entre si. 2 cm Figura 2 – Morfologia externa de um indivíduo de Langsdorffia hypogaea mostrando as estruturas reprodutivas (setas pretas), o rizoma (setas cinzas) e raízes hospedeiras (setas brancas). 2.2.2. LOCAL DO ESTUDO E DELINEAMENTO EXPERIMENTAL O Parque Estadual do Itacolomi se situa entre os municípios de Ouro Preto e Mariana – MG e ocupa uma área de aproximadamente 7.500 ha. A altitude média do Parque é de 1.350 metros e o clima é do tipo Cwb, de acordo com a classificação de 20 Koppen, com duas estações bem definidas, uma seca e uma chuvosa, verões suaves concentrando cerca de 90% da precipitação anual que varia de 1.100mm a 1.800mm e temperatura média anual de 17,4°C a 19,8°C (Gomes, 1998). A composição florística nestas áreas possui variações, principalmente quanto à altitude, disponibilidade de água e nível de interferência antrópica (Pedreira e Sousa, 2011). A área amostral está localizada na microbacia do córrego do Manso e possui uma vegetação secundária, caracterizada como Floresta Estacional Alto-Montana, dotada de um solo frequentemente raso (Pedreira e Sousa, 2011) (Fig. 3). A ocorrência da população de L. hypogaea foi registrada em duas áreas distantes 370 m uma da outra e localizadas a 1347m de altitude. A primeira área é em encosta rasa e aberta com monodominância de Eremanthus erythroppapus (DC.) McLeish (Asteraceae) (20°26' S e 43°30' W), distante 5 m de uma trilha. A segunda área é em floresta mista secundária, mais abaixo na encosta, a quatro metros de uma estrada (20°25' S e 43°30' W). Por não ser possível distinguir visualmente os indivíduos de L.hypogaea pelo fato da mesma ser hipógea, a nomenclatura utilizada para este estudo foi agrupamento de inflorescências. Para individualizar os agrupamentos ou pseudoindivíduos, estabeleceu-se uma distância mínima de 20 cm entre a inflorescência da borda e sua vizinha mais próxima (Fig. 3 e 4). A fim de determinar o número de agrupamentos e a densidade destes, em cada área foi feita uma minuciosa varredura ao longo de dois transectos de 1000x5 m, ambos paralelos e marginais aos acessos (estrada e trilha, respectivamente), já que esta espécie ocorre frequentemente próxima aos acessos humanos. Nesta varredura de 20.000 m², as florações surgiram nos mesmos locais nos anos de 2009 22 (observação prévia), 2010 e 2011. Para analisar o tipo de estratégia reprodutiva da planta, 21 agrupamentos foram escavados e desenraizados, sendo que sete deles se reproduziram em 2009 e o restante em 2010. Medidas de comprimento e número de ramificações de cada rizoma foram coletadas. D≥20 cm Figura 3 – Distribuição espacial dos agrupamentos de L. hypogaea em sua área de ocorrência no Parque Estadual do Itacolomi. Cada círculo preto representa um agrupamento de inflorescências, e as mesmas são representadas pelos círculos vermelhos. As distâncias entre os agrupamentos são maiores ou iguais a 20 cm. 23 4 cm Figura 4 – Agrupamento de inflorescências femininas de L.hypogaea. 2.2.3. MORFOLOGIA FLORAL A morfologia das flores foi realizada em material fixado em FAA 50 (Johansen, 1940) com o auxílio de microscópio estereoscópico e de microscópio eletrônico de varredura. Para esta última análise, flores masculinas e femininas foram isoladas, desidratadas em série etílica, secas pelo método de ponto crítico, montadas e metalizadas com ouro. As observações e o registro de imagens foram efetuados em microscópio eletrônico de varredura Zeiss DSM 940 a 10 kV com câmera digital acoplada. 24 2.2.4. FENOLOGIA REPRODUTIVA As observações fenológicas foram realizadas semanalmente, durante os anos de 2010 e 2011, nas quais foram marcados 22 e 10 agrupamentos de inflorescências respectivamente, num total de 109 inflorescências. Para averiguar a ocorrência de apomixia (produção de sementes na ausência de fecundação) na população, uma amostra de três agrupamentos femininos, num total de oito inflorescências foi isolada de visitações, com sacos de nylon fino, desde o período de botão até o final do estudo. A duração de cada fenofase na população foi investigada e a classificação do padrão fenológico encontrado seguiu a proposta de Newstron et al. (1994). Foram analisadas: emissão de botões, floração, frutos imaturos e frutos maduros. O Índice de atividade foi utilizado para estimar a sincronia, indicando a proporção de indivíduos que manifestaram determinado evento fenológico ao mesmo tempo. Assim, para valores inferiores a 20%, a população foi classificada como assincrônica, 20 a 60% pouco sincrônica e para valores maiores que 60%, assumese que a população possua uma alta sincronia fenológica (Bencke and Morellato, 2002). Foram elaborados fenogramas englobando os meses reprodutivos, baseado na porcentagem de indivíduos em cada fenofase por mês e ano. Os dados de botões não visualizados foram estimados como dados perdidos a partir do cálculo da mediana dos dias em que houve frutificação, acrescida da diferença entre número de inflorescências e botões. Para verificar se houve correlação entre a fenologia e a pluviosidade, foi feita uma correlação de Spearman (Zar, 1996), considerando como 25 variáveis a frequência de indivíduos manifestando determinada fenofase mensal e a pluviosidade em ambos os anos do estudo. 2.2.5. VISITANTES FLORAIS Os dados foram coletados durante quatro noites por dois observadores entre 19h00min e 07h00min e sete dias por um observador entre 07h00min e 19h00min totalizando 180 horas de campo e 45 inflorescências analisadas, pertencentes a 15 agrupamentos populacionais. Foi utilizada uma lanterna com luz vermelha para minimizar os impactos do efeito de iluminação nos visitantes noturnos, como sugerido por Peitsch et al. (1992). Os animais que não puderam ser identificados no campo foram coletados e encaminhados ao Laboratório de Ecologia Evolutiva de Herbívoros de Dossel e Sucessão Natural da Universidade Federal de Ouro Preto, no caso das formigas e Coleoptera, e para o Laboratório de Aracnologia do Departamento de Zoologia da Universidade Federal de Minas Gerais, no caso das aranhas. Após a identificação em nível de família, Coleoptera da família Nitidulidae e larvas foram encaminhados para identificação na Sapienza Universitá di Roma, Roma Italy. Para visualizar os Hemiptera, foi necessária a retirada da serapilheira em torno do escapo. A condição para ser classificado como potencial polinizador foi que a mesma morfoespécie visitasse ambos os sexos de flores, tocando as anteras e estigmas sem destruir essas estruturas. Animais de maior ocorrência também foram categorizados dessa forma através do percentual de ocorrência do evento de visitação em relação ao total de visitantes e em relação ao percentual de flores visitadas. 26 Para avaliar se houve diferença na quantidade de visitas em relação ao período noturno e diurno foi utilizado o Teste U de Mann Whitney. Para analisar se os principais grupos de visitantes responderam igualmente ao recurso, foi aplicado o teste Qui-quadrado (Zar, 1996), utilizando a contagem de visitas destes animais. O tipo de estrutura explorada pelos visitantes também foi registrado e quando possível, os animais foram classificados em guildas tróficas. Para diferenciar predação por mamíferos e insetos herbívoros, cinco inflorescências (três masculinas e duas femininas) foram protegidas por grades de arame, por onde o acesso à inflorescência foi limitado aos mamíferos. 2.3. ESULTADOS 2.3.1. MORFOLOGIA FLORAL As inflorescências masculinas e femininas de L. hypogaea divergem em vários aspectos. A inflorescência masculina é um racemo circundado por um anel de brácteas presentes de forma uniforme em sua base (Fig. 5C) e espalhadas ao longo de todo o escapo. As flores são pediceladas (Figs. 5C,6A,B), monoclamídeas, dialitépalas, trímeras (eventualmente com duas ou quatro tépalas), com androceu isostêmone, monadelfo (Figs. 5C, 6A –C). As anteras possuem deiscência extrorsa (Fig.6C). As flores exalam um aroma adocicado e gotas de néctar foram observadas na superfície de toda a inflorescência. A inflorescência feminina se assemelha a uma espádice com um anel de brácteas em sua base (Fig. 5B), no ápice de um escapo. Ambas as inflorescências são congestas e possuem um eixo suculento, mas as flores femininas são sésseis, 27 monoclamídeas, gamotépalas, tubulares (Figs.6D,E), irregulares lobadas, com gineceu sincárpico. Observa-se um único estilete e estigma filiforme (Fig. 6F) que se projeta acima do tubo do perianto (Fig.6D). Essas flores também exalam um aroma adocicado, mas o néctar foi observado apenas na base da inflorescência, sobre as brácteas (Fig. 5F). O fruto múltiplo imaturo possui uma morfologia externa semelhante à inflorescência. Os aquênios, de coloração avermelhada, ficam fixos ao eixo (Fig.5D), até o completo amadurecimento (Fig. 5E). 28 1 cm 1 cm 1 cm 1 cm 1 cm Figura 5 - Aspecto das estruturas reprodutivas de L.hypogaea A - F. A. Botão da inflorescência com brácteas coriáceas e tricomas nas bordas. B. Inflorescências femininas. C. Inflorescência masculina. D. Fruto múltiplo imaturo. (Fotos: L. Freitas, 2010). E. Aquênio. (Foto: L. Cardoso). F. Néctar (setas pretas) produzido pela inflorescência feminina (Foto: L. Freitas, 2010). 29 Figura 6 - Microscopia eletrônica de varredura das flores de L.hypogaea. A-C. Flores masculinas dialitépalas pediceladas. A. Flor trímera. B. Flor com duas tépalas. C. Detalhe das três anteras livres entre si abertas. D-F. Flores femininas gamotépalas tubulares. E. Detalhe da base das flores sésseis .F. Detalhe do estigma (Fotos: D.Demarco, 2011). 2.3.2. FENOLOGIA REPRODUTIVA A razão sexual encontrada nos agrupamentos de inflorescências foi de 15 inflorescências femininas para sete masculinas (2:1) em 2010 e cinco inflorescências femininas para cinco masculinas (1:1) em 2011. O padrão de floração da planta foi do tipo anual, com duração de sete meses. A época reprodutiva coincidiu com o fim da época chuvosa, se estendeu por toda a seca e finalizou com o início das chuvas, compreendendo o final do mês de março até o final de setembro, em um total de 210 dias. Não houve registros de apomixia. No ano de 2010, a fenofase botão (Fig.5A) 31 teve duração de 38 dias, iniciando em março e finalizando em maio com um total de 73 botões (N=22 agrupamentos, média de 4,3 botões por agrupamento, DP = 4,2) com pico de atividade em abril e alta sincronia em 2010 (63,6%) e em 2011(60%) na população. O coeficiente de Spearman mostrou que a fenofase botão apresentou correlação positiva e significativa com a pluviosidade (rs=0,77; P=0,044) em 2010 e 2011 (rs=0,76; P=0.046)(Fig.7). 250.0 80 70 60 50 150.0 40 100.0 30 Botões (%) Pluviosidade (mm) 200.0 Botões Pluviosidade 20 50.0 Sep-11 0 Aug-11 Jul-11 Jun-11 May-11 Apr-11 Mar-11 Feb-11 Jan-11 Dec-10 Nov-10 Oct-10 Sep-10 Aug-10 Jul-10 Jun-10 May-10 Mar-10 0.0 Apr-10 10 Figura 7 - Época de pluviosidade nos anos de estudo e sua correlação positiva com a fenofase botão de L. hypogaea nos anos de 2010 (rs=0,77; P=0,044) e 2011 (rs=0,76; P=0.046) (Correlação de Spearman). Época de ocorrência do período reprodutivo da planta e da fenofase botão (N=22) em 2010 e (N=10) em 2011. No mês de março de 2010, quando 25% dos indivíduos observados apresentavam 30 botões florais (N=4 agrupamentos, média de 7,5 botões por agrupamento, DP=6,5), foi registrada a primeira floração, sendo que em 35 dias, 58% dos agrupamentos estavam no momento de pico da fenofase (N=11 plantas) e no final de maio, todos (N=73 inflorescências) já haviam florido (N=19 agrupamentos, média por agrupamento=3,8, DP=3,0) (Fig.8). Em 2011, os botões florais (N=19) ocorreram nos meses de março e abril (N=7 agrupamentos, média de 30 4,7 botões por agrupamento, DP=4,1) e seu pico de atividade registrado neste último mês (N=6 agrupamentos, média de 4,3 botões por agrupamento, DP=4,9) em 13 botões (Fig. 7). O surgimento das primeiras 14 inflorescências em 2011 ocorreu no mês de abril, mesma época em que sua máxima atividade foi registrada. (N=6 agrupamentos, média de 2,3 inflorescências por agrupamento, DP=1,9) e após 29 dias, em maio, essa fenofase terminou, totalizando 19 inflorescências (N=7 agrupamentos, média de 2,7 inflorescências por agrupamento, DP=2,0) (Fig.8). A fenofase de inflorescência não apresentou correlação com a pluviosidade (correlação de Spearman rs=0,65; P=0,114) para o ano de 2010 ou 2011 (r s=0.49; P=0,259), com baixa sincronia populacional (57,9%) em 2010 e alta sincronia (85,8%) no ano seguinte. No ano de 2010, no mês de maio, enquanto ainda ocorria floração, as primeiras frutificações foram registradas em sete agrupamentos e 60 dias depois, estavam maduros. A frutificação imatura teve seu pico de atividade em junho, quando foram observados ao todo 54 frutos múltiplos (N= 16 agrupamentos, média de 3,3 frutos múltiplos por agrupamento, DP = 2,0) ao longo então de 36 dias (Fig.8). Nesse primeiro ano do estudo, a população mostrou baixa sincronia (56,2%) e não apresentou correlação significativa com a pluviosidade (correlação de Spearman r s= 0.17; P=0,072), sendo que no pico de frutificação, 26% dos agrupamentos já haviam tido seus frutos totalmente dispersos ou predados e sete dias após o registro do mesmo, seis agrupamentos com 17 frutos múltiplos, ou seja, 89% desapareceram, causando um brusco decréscimo na população. 32 No ano seguinte não foi possível avaliar sincronização desta fenofase, pois das 19 inflorescências geradas apenas uma frutificou, sendo que demais foram predadas. A ocorrência de frutos imaturos (Fig. 5D) perdurou 36 dias, até final de junho, com o surgimento de frutos maduros no mês seguinte (Fig. 8). Em 2011, o amadurecimento foi registrado em setembro. Esta fenofase não pôde ser correlacionada de forma robusta com pluviosidade, devido ao número extremamente pequeno de indivíduos que chegaram a produzir frutos maduro (Fig. 5E). Nominalmente, para 2010 tivemos três indivíduos nos meses de julho (n=1) e setembro (n=2), e apenas um em 2011, em setembro. No entanto, devido ao período de floração sempre começando no início da seca e ao tempo de desenvolvimento da fase reprodutiva, invariavelmente os frutos maduros surgiram ainda em meses secos. 12 Número de agrupamentos 10 8 6 Inflorescências Frutos múltiplos imaturos 4 Frutos múltiplos maduros 2 mar apr may jun jul aug sep mar apr may jun jul aug sep 0 2010 2011 Figura 8 - Número de indivíduos nas fenofases floração de L.hypogaea em 2010 (N= 19) e 2011 (N=7), frutos imaturos em 2010 (N=16) e 2011 (N=1) e frutos maduros em 2010 (N=3) e em 2011 (N=1), com seus respectivos picos de atividade e época de duração. 33 Em média, após o amadurecimento, os frutos compostos levaram 22 dias para serem dispersos ou predados. Após o primeiro fruto amadurecer em um agrupamento, leva em média 26 dias até que todos tivessem se dispersado, quando caem ao solo, agregados uns aos outros, por gravidade ou atividade de insetos atraídos pelo eixo suculento, e 228 dias desde a primeira inflorescência surgir. Este valor foi estimado para 2010 que teve um número substancial de frutos. Um fenômeno importante segue-se ao desaparecimento do fruto, que é a aparente morte do próprio indivíduo, o que nos faz sugerir pela primeira vez que esta espécie seja monocárpica. Os rizomas dos 21 agrupamentos escavados apresentaram uma média de 11,8 cm de comprimento e cinco ramificações e todos estavam em estado de decomposição, que era mais ou menos avançado de acordo com a época em que ocorreu a reprodução. A epiderme desta região apresentava-se levemente acinzentada e nas plantas que se reproduziram em 2009, foram observados pontos de necrose. Em relação à morfologia, em todas as plantas, tanto a epiderme quanto os pêlos que a reveste estavam intactos. As ramificações das plantas que se reproduziram em 2009 estavam quebradiças, fator que dificultou a escavação, no entanto, naquelas cuja reprodução foi mais recente, 2010, a arquitetura foi mantida na maioria das coletas. A região interna dos rizomas encontrava-se escurecida, em estágio de apodrecimento. Não foram encontrados vestígios de ataques por parasitas nestes tecidos. Além da região vegetativa, em boa parte dos casos, o escapo com as brácteas das inflorescências permaneceram anexados aos rizomas, fator que facilitou a localização exata dos indivíduos no campo. Em 11 indivíduos que se 34 reproduziram em 2010 foram encontradas raízes de hospedeiras em estágio de decomposição e soltas da planta de origem, acopladas à L. hypogaea (Fig. 9). Figura 9 - Região vegetativa subterrânea de L.hypogaea, senescente no período de pósreprodução em 2010, mostrando a epiderme intacta, brácteas e escapos vestigiais (setas brancas) e raízes mortas das hospedeiras (setas pretas). 2.3.3. VISITANTES FLORAIS As inflorescências de L. hypogaea foram visitadas por 259 artrópodes ao todo, representantes das ordens Hymenoptera, Hemiptera, Dermaptera, Blattodea, Araneae e Coleoptera. Além disto, indícios encontrados nas plantas (marcas de dentes e demais aspectos do forrageio) sugerem visitação por pequenos mamíferos. Foram identificadas 17 espécies de formigas pertencentes às subfamílias 35 Myrmicinae, Formicinae, Dolichoderinae e Ponerinae. Além destes, também foi observada uma espécie da ordem Blattodea e uma espécie da ordem Hemiptera, uma espécie da ordem Dermaptera e uma morfoespécie do gênero Stelidota, (Nitidulidae), o qual foi o invertebrado mais dominante no sistema (veja abaixo). Afora insetos, oito espécies da ordem Araneae pertencentes às famílias Salticidae, Theridiidae, Lycosidae, Gnaphosidae, Thomisidae e Linyphiidae (Tabela 1). O grupo taxonômico mais frequente foi Formicidae, com 149 indivíduos observados (57% do total de indivíduos observados; três formigas por inflorescência monitorada). A quantidade de ocorrências de formigas nas inflorescências não foi significativamente diferente em relação aos turnos diurno e noturno (Mann Whitney Z = 1,88; P = 0,058) (Fig. 10A). As espécies de formigas foram observadas utilizando fontes de açúcar (exsudato de hemíptera e néctar), cortando tecidos e eixo floral ou predando outras formigas (Tabela 1). Apesar de estes insetos terem visitado uma grande quantidade de flores de ambos os sexos, estes não foram visualizados tocando o estigma, e assim desconsideramos a possibilidade de atuação como agentes polinizadores da planta. O gênero de Nitidulidae, Stelidota sp. (Coleoptera) observada foi a mais abundante (73 indivíduos –28% do total de visitantes), com maior ocorrência à noite (Mann Whitney Z = -2.07; P = 0,037. Estes insetos foram observados forrageando o néctar e em 13,7% das ocorrências foi registrado o comportamento de cópula, seguido pela perfuração das flores até atingir o eixo da inflorescência, onde ocorria a ovoposição. Em uma coleta complementar de 13 inflorescências, foram encontradas 68 larvas se alimentando do escapo e eixo dessa estrutura. Além de terem feito visitas nos períodos diurno e noturno (Fig.10B), sendo este último na época de produção de néctar, aroma e antese masculina (in prepp.), tocavam as partes 36 reprodutivas das flores masculinas, carregando grãos de pólen durante a coleta de néctar, e das flores femininas durante a cópula, além de terem visitado 55% das inflorescências amostradas (N= 25). As aranhas observadas utilizavam as inflorescências de L. hypogaea como sítios de forrageamento para captura de presas. Para esses animais também não foi observada diferença significativa nas visitas em relação aos períodos noturnos e diurnos (Mann Whitney Z=1,79; P=0,072) (Fig. 10C). Foram registrados dois indivíduos da ordem Dermaptera, que também utilizavam as inflorescências para forragear presas durante o dia. As cochonilhas foram encontradas em 4% dos eventos e duas morfoespécies de baratas não identificadas foram observadas coletando néctar durante o dia. A análise de Qui-quadrado mostrou uma coocorrência entre os grupos de maior visitação, Nitidulidae e Formicidae no período noturno (X²=3,345; df=3; P>0,05) ou diurno (X²=4,033; df=6;P>0,05). 37 Tabela 1 - Visitantes das inflorescências de 15 plantas de duas populações de Langsdorffia hypogaea, nos meses de março a setembro de 2010 e 2011. O número de visitações por maior taxa é apresentado bem como a porcentagem de flores visitadas por menor taxa e os recursos consumidos. Classe Espécies/menor taxa Ordem Nº de animais Nº de flores Recurso /taxa visitadas /menor consumido taxa Família Insecta Hymenoptera Formicidae 149 Acromyrmex sp. 11 Escapo flora, eixo da inflorescência, flores Acromyrmex cf. subterraneus 1 Forel, 1893 Escapo da flora, eixo inflorescência, flores Brachymyrmex heeri 4 Néctar Brachymyrmex sp.1 17 Néctar Brachymyrmex sp.2 2 Néctar Camponotus melanoticus 4 Néctar Crematogaster sp. 16 Hemiptera Hypoponera sp. 2 Presas Linepithema cf. pulex Wild, 1 Néctar, Hemiptera Linepithema sp.1 15 Néctar, Hemiptera Pheidole cf. flavens Roger, 4 Néctar Pheidole sp.1 2 Néctar Pheidole sp.2 3 Néctar Pheidole sp.3 4 Néctar Pheidole sp.4 2 Néctar Solenopsis sp. 2 Néctar Wasmannia sp. 1 Hemiptera 55 Escapo flora, eixo Emery, 1894 2007 1863 Coleoptera Stelidota sp.(adultos) 73 da inflorescência, 38 flores Stelidota sp. (larvae) 68 13* Escapo flora, eixo da inflorescência Dermaptera 4 Dermaptera sp. 4,5 Formigas 4,5 Néctar 18 Seiva Salticidae sp. 1 Presas Theridiidae sp. 1 Presas Lycosidae sp. 3 Presas Camillina sp. 1 Presas Eilica aff.modesta Keyserling, 2 Presas Thomisidae sp. 3 Presas Sphecozone castanea 2 Presas Linyphiidae sp. 3 Presas 72** Escapo Blattodea 4 Blattodea sp. Hemiptera 11 Hemiptera sp. Araneae Arachnidae 17 Salticidae Theridiidae Lycosidae Gnaphosidae 1891 Thomisidae Linyphiidae Mammalia 11 da flora, eixo inflorescência, flores e rizoma Notes: * Coleta complementar de inflorescências ** A visitação por mamíferos está relacionada ao número total de plantas (n=32) do estudo. 39 Figura 10 – Visitações às inflorescências de L.hypogaea nos períodos noturno e diurno. A-C Principais ordens ocorrentes nas inflorescências da planta. A. Formicidae. B. Nitidulidae. C. Aranae. Mediana e percentis: 25% e 75%. Em ambos os anos do trabalho, somente 12,5% dos 32 agrupamentos de L. hypogaea observados completaram seu ciclo de vida em decorrência principalmente de predação das inflorescências e dos frutos múltiplos imaturos. Indícios deixados nas estruturas parcialmente predadas e no local, tais como marcas de dentes (Fig.11B), apontaram para pequenos roedores ou marsupiais (L. Scoss; Pontífica Universidade Católica, comunicação pessoal). Foram encontrados casos em que animais se alimentaram somente do escapo, eixo da inflorescência e flores, poupando brácteas e parte aérea do rizoma (Fig. 11B), enquanto em outros casos, além dessas estruturas, o animal escavou o solo superficial e se alimentou também de parte do rizoma (Fig. 11C). Todas as cinco inflorescências engaioladas apresentaram o padrão de forrageamento feito por formigas do gênero Acromyrmex (Fig. 11A), que cortavam os pedicelos das flores masculinas e em seguida, o eixo da inflorescência. 41 B A C Figura 11 - Aspectos de predação às inflorescências de L. hypogaea. A – C. A. Flores e parte do eixo da inflorescência masculina cortados por formigas do gênero Acromyrmex. B. Inflorescência feminina possivelmente predada por um roedor, fato evidenciado pela marca de dentes (setas pretas). C. Predação de flores, escapo, eixo da inflorescência e parte do rizoma. 2.4. ISCUSSÃO A reprodução das plantas é geralmente sincronizada para o melhor aproveitamento da disponibilidade sazonal de polinizadores e dispersores e influenciada por fatores climáticos (Janzen,1976; Howe & Westley,1997; Lambert et al.,2010). O teste de correlação de Spearman mostrou que, com exceção à emissão de botões, as fenofases perduraram por toda a seca, tornando o recurso flores suculentas e frutos, disponível para atrair esses animais. Somente a emissão de botões em ambos os anos e a floração em 2011 apresentaram alta sincronia populacional, sugerindo que a vantagem adaptativa da sincronia parece ser superada pela necessidade de minimizar a previsibilidade deste recurso para predadores. Mais que sincronizada, a fenofase botão apresentou correlação positiva 40 com a pluviosidade, época em que o mesmo se desenvolve recoberto por brácteas coriáceas de borda margeada por tricomas (Fig.5A), até que aconteça a floração no início da seca. Isso pode representar uma demanda evolutiva conflitiva, já que a planta parece necessitar de água para iniciar sua reprodução e na época das chuvas a presença de predadores generalistas é maior. Ou seja, é possível que tenha havido uma forte pressão seletiva na direção de brácteas coriáceas dotadas de tricomas marginais, e um retardamento na época de abertura das mesmas, para que este desenvolvimento precoce seja feito integralmente de forma protegida, com a abertura dos botões ocorrendo apenas após o início da seca. Embora vários animais ativos nesse período venham a usar a inflorescência, este dano é potencialmente menor do que poderia ser caso ocorresse na época chuvosa. Plantas que se reproduzem fora do pico reprodutivo da comunidade em que estão inseridas são importantes para manutenção da fauna por desempenharem o papel de recursos-chave (ou espécie-chave, sensu Terborgh, 1986a; Barea & Watson, 2007). Esse trabalho mostrou que L. hypogaea assume um importante papel ao sustentar uma cadeia trófica que se conecta em função de suas estruturas reprodutivas, através da ocorrência concentrada de inflorescências de cor atrativa em um mesmo espaço e tempo, com numerosas flores suculentas ricas em néctar e produtoras de odores, seguidas da disponibilidade de frutos. Para muitos animais na época de seca, estes recursos surgem em um momento em que a oferta de nutrientes é pequena, e são suficientemente perenes para sustentar populações de invertebrados pelo período mais seco e frio destas regiões montanas. A reprodução da holoparasita se estendeu por todo o inverno, com picos de frutificação em junho e julho, épocas mais extremas da estação. Durante sete meses por ano, as estruturas florais foram exploradas no período noturno e diurno, por uma variada fauna da qual 42 29 espécies foram ao todo coletadas, enquanto buscavam nutrientes da planta, sítios reprodutivos, local de nidificação e presas. Entretanto, por serem recursos para uma fauna relativamente diversa e abundante, as estruturas reprodutivas destas plantas estão inevitavelmente sob risco. Uma estratégia evolutiva capaz de minimizar a ação de predação é a síndrome do saciar do predador (Janzen, 1976). Esta estratégia pode explicar a variação na sincronização da floração entre anos, e passa pelo escape de longo prazo via alternância de fornecimento de recursos abundantes e previsíveis em um ano, e dispersos e escassos no ano seguinte. Em um ano, a grande quantidade de recursos disponibilizada ao mesmo tempo pode saciar os herbívoros sem prejudicar a transferência efetiva do pólen ao estigma (ou por mera probabilidade, garantir o escape de algumas sementes da predação). No ano seguinte, a inesperada redução da quantidade de recurso disponibilizado resultaria na súbita redução da capacidade de suporte para as populações dos predadores e seu eventual colapso. Embora não seja esperado que flores masculinas e femininas de uma mesma espécie difiram em relação à fusão de tépalas e presença de pedicelo, esse é um fato comum em Langsdorffia e diversas variações quanto ao perianto são encontradas nos diferentes gêneros de Balanophoraceae (Eberwein, et al., 2009). Por outro lado, a morfologia distinta dessas flores associada à grande proximidade entre elas, gera uma superfície da inflorescência onde grãos de pólen e estigma são encontrados em abundância. As flores masculinas dialitépalas mantêm as anteras totalmente expostas com gotas de néctar em diversos locais, sugerindo um polinizador generalista que forrageie a inflorescência como um todo. As flores femininas são gamopétalas, mas apresentam o estigma exserto que, por ser 43 reduzido e as flores estarem muito próximas umas das outras, aumenta a área receptiva da inflorescência como um todo, também sugerindo um polinizador generalista. A presença de perfume noturno também indica a atração de polinizadores que respondem a esse tipo de estímulo nesse período, tais como os representantes das ordens Hymenoptera, Coleoptera e Blattodea aqui relacionados. 44 3. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ANDERSON, S.R. 2005. New Oxycoryninae from Central and South America: phylogenetic and biogeographical implications (Coleoptera: Belidae). Systematic Entomology 30: 644-652. BAREA, L.P. WATSON, D.M. 2007. 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Para tal, o protocolo de extração do DNA genômico foi otimizado às peculiaridades da planta, que não possui folhas verdadeiras ou meristemas disponíveis, além de apresentar uma grande quantidade de mucilagem e compostos secundários. Após esse procedimento, o DNA extraído do escapo, brácteas e eixo floral de 26 inflorescências pertencentes a 17 agrupamentos ou (pseudoindivíduos) foi avaliado a partir do uso de 12 oligonucleotídeos (primers) mediante técnica de RAPD. Destes, sete foram testados pela primeira vez nesta família botânica, ao passo que o restante foi previamente descrito como eficientes para outras espécies da família Balanophoraceae. Dos oligonucleotídeos testados, apenas cinco apresentaram bandas polimórficas passíveis de serem analisadas, sendo que o S118 foi o mais eficiente para esta análise. De acordo com os resultados encontrados, este oligonucleotídeo apresentou um considerável potencial para a caracterização de diversidade desta espécie. Com base nos polimorfismos gerados, foi construído um dendrograma seguindo o critério UPGMA, que revelou uma maior diversidade genética entre inflorescências do mesmo agrupamento do que entre inflorescências de agrupamentos diferentes. Apesar de este padrão ser próprio de plantas com reprodução cruzada, o que é o caso de L hypogaea, a escassez de oligonucleotídeos, limitação no número de bandas obtidas e de amostras pode ter induzido tal resultado. 53 INTRODUÇÃO Existem atualmente diversas técnicas na área da biologia molecular que possibilitam a detecção de variabilidade genética entre organismos ao nível de DNA (Ferreira e Gratapaglia, 1996). Através do uso de marcadores de DNA é possível analisar um elevado número de genótipos em um curto prazo e por um custo relativamente baixo, com o benefício de não serem influenciados pelas condições ambientais e podendo amostrar um alto grau de polimorfismo caso exista (Williams et al.,1990) Para a manipulação do DNA de qualquer organismo é necessário submetê-lo a uma série de reações, afim de que o material genético extraído apresente qualidade e quantidade satisfatórias para investigações moleculares. Entretanto, algumas espécies de plantas apresentam características que podem dificultar o procedimento de extração e amplificação, como a presença de mucilagens e polifenóis, ou quando os tecidos disponíveis para o estudo se restringem aos de proteção e sustentação, por serem geralmente rígidos e compactos, compostos por células mortas, portanto, sem DNA. Metabólitos secundários como os flavonóides, terpenóides e alcalóides, por exemplo, são investimentos de proteção das plantas contra herbivoria, patógenos (Herms & Mattson 1992, Meijden 1996) e radiação solar (Markhan et al.,1998). A contaminação por esses compostos polifenólicos tornam o DNA escurecido (Romano & Brasileiro,1999), alterando sua migração no gel bem como a interação com proteínas, fundamental à realização de técnicas moleculares. Isso pode ser facilmente detectado na amostra extraída, tornando necessário o uso de 54 procedimentos que isolem ou reduzam as concentrações dessas substâncias, típicas das plantas nativas do cerrado e caatinga. A técnica molecular chamada PCR (Polymerase Chain Reaction), ou reação em cadeia da polimerase, é bastante robusta para este tipo de manejo e dentre suas variações mais usadas estão o RAPD, VNTR e RFLP. A técnica de RAPD (Randomly Amplified Polymorphic DNA), ou polimorfismo de DNA amplificado ao acaso, possibilita amplificar regiões casuais do genoma do organismo, utilizando oligonucleotídeos aleatórios e curtos que se anelam no DNA genômico em diferentes regiões (Fungaro, 2001). A técnica utiliza apenas um oligonucleotídeo de sequência aleatória, com 10 nucleotídeos, em contraste à clássica reação de PCR que faz uso de um par de oligonucleotídeos. Apesar de apresentar a desvantagem de ser pouco reprodutível e consistente, a técnica de RAPD é recomendada para organismos dos quais não se possui conhecimentos genéticos prévios (Lacerda et al., 2002), pois consegue mapear todo o genoma, já que faz uso de oligonucleotídeos aleatórios. Além disso, possui um custo relativamente reduzido, menor tempo de execução, menor número de etapas e é menos complexa de se implementar (Schuster, 1965). A técnica de microssatélites tem sido mais amplamente utilizada para estes fins em contraposição ao RAPD em alguns aspectos, pois é altamente reprodutível, já que utiliza oligonucleotídeos específicos. No entanto, para a obtenção dos mesmos, é necessário ter um conhecimento prévio do genoma em questão que permita identificar as regiões com sequências repetitivas (Schuster, 1965), o que não é concebível para a espécie em estudo, já que esta é a primeira tentativa de estudos deste tipo para este modelo vegetal. 55 Parte dos problemas de entendimento sobre as espécies de plantas da família Balanophoraceae está na falta de dados sobre o tamanho populacional. De fato, há pouca informação sobre a estrutura genética das manchas populacionais de indivíduos normalmente encontradas em campo. Embora existam ferramentas mais robustas para estudos de diversidade genética e outras pesquisas do gênero, até o momento, nenhuma técnica molecular foi empregada para análise de diversidade de L. hypogaea, não havendo, portanto, banco de dados moleculares disponíveis para esta espécie. O banco de genes do NCBI (National Center of Biotechnology Information) por exemplo, possui apenas duas sequências depositadas para a espécie, uma sequência parcial do gene que codifica para o RNAr 18S (GenBank: L25683.1) e uma sequência parcial para um gene que codifica para a subunidade menor do RNAr mitocondrial (GenBank: U82654.1). Com base nesta falta de conhecimento molecular em associação ao fato de que L. hypogaea é uma planta cujo modelo de interação a seu hospedeiro é negligenciado por estudos, essa investigação científica torna-se pertinente. MATERIAL E MÉTODOS AMOSTRAGEM Para essa análise, foram coletadas 26 inflorescências pertencentes a 17 agrupamentos (Fig. 4). Quando possível, dado o pequeno número de inflorescências disponíveis, coletou-se mais de uma amostra do mesmo agrupamento. Pelo fato de ser hipógea e não possuir folhas verdadeiras ou meristemas acessíveis, os tecidos utilizados foram o eixo da inflorescência, escapo e brácteas (Fig. 12). Sendo estes 56 dois últimos tecidos constituídos em grande parte por tecido morto e rígido, tornando necessária a utilização de uma massa relativamente alta para que o isolamento de DNA pudesse ser satisfatório. Após testes preliminares utilizando massas distintas de amostras congeladas, conservadas em álcool 70%, frescas e até mesmo em fase avançado de decomposição (na carência de material fresco), estabeleceu-se o uso de aproximadamente dois gramas de tecido fresco retirado do escapo, eixo floral (isento de flores) e brácteas. O fator que nos levou a estes testes preliminares tem relação direta com a fenologia da floração desta espécie bem como o número disponível de indivíduos na região. Vale ressaltar que os rizomas não foram coletados para minimizar a injúria à planta e evitar pegar fragmentos da hospedeira bem como resíduos de rizosfera. Os tecidos foram transportados em caixas de isopor até o laboratório e acondicionados em temperatura de 4°C por até 24 horas antes do tratamento. EXTRAÇÃO DO DNA GENÔMICO O material genético foi isolado utilizando um protocolo de extração baseado em Doyle e Doyle (1990), ajustado para as condições morfoestruturais encontradas em L. hypogaea. Ao que parece, além da grande quantidade de mucilagem (observação pessoal), a planta é rica em polifenóis que dificultaram o isolamento do DNA, além de ter conferido a coloração que varia do amarelo claro ao marrom escuro ao produto final (pelete) (Fig.13A - C). Para eliminar possíveis ectoparasitas, o material foi imerso em hipoclorito de sódio durante cinco minutos, lavado em água destilada e seco com guardanapo de 57 papel. Para facilitar e otimizar o processo de rompimento das paredes celulares, os tecidos foram fragmentados com o auxílio de um bisturi esterilizado e então macerados na presença de nitrogênio liquido em almofariz de cobre até a obtenção de um pó fino e homogêneo. Para rompimento das membranas celulares e acesso ao DNA, foi empregada uma solução extratora de 20 ml de CTAB 2% (5,6 mL de Nacl 5M, 2 mL de Tris-Hcl 0,1M, 0,4g de CTAB 2% (p/v),0,8 mL de EDTA 0,5M, 100µl de beta-mercaptoetanol, 0,4 g de PVP-40, 625 µl de proteinase K 20 mg/ml) e água destilada até completar o volume de 20 mL. O macerado foi mantido em banho-maria a 55°C por três horas, agitando ocasionalmente o tubo para manter o extrato ressuspendido. Para purificação do DNA e eliminação de proteínas e polifenóis, acrescentou-se duas lavagens com solução de clorofórmio: álcool isoamílico (24:1 v/v) intercaladas com três centrifugações a 5.000g. Posteriormente, ao sobrenadante desta solução foi adicionado 2,5 volumes de etanol absoluto gelado a 4°C e novamente o extrato foi centrifugado, dessa vez por 20 minutos sob a mesma velocidade. O produto de DNA gerado (pelete) foi lavado com dois mL de etanol 70% (v/v) e seco por inversão em papel-toalha por aproximadamente um minuto. Na sequência, as amostras foram ressuspendidas em 150 µL de tampão TE, com determinação de sua concentração aproximada definida por espectrofotometria e armazenadas a 4°C para uso posterior. Para que o isolamento genômico das amostras não-frescas ou oriundas de tecidos duros fosse possível, foi necessário acrescentar uma fase adicional ao processo descrito acima, imediatamente após a remoção da fase aquosa, repetindose a incubação do sobrenadante em outro tampão CTAB, desta vez a 7%, sem adição de BSA 1%, incubando a solução a 55°C por 1 hora. O DNA precipitado foi 58 recuperado e lavado com etanol 70% (v/v) por duas vezes. Esse processo foi necessário em função de, no início do trabalho, não haver plantas frescas, cuja floração e consequente localização da população, aconteceram sete meses depois. ELETROFORESE A integridade do DNA genômico isolado foi revelada por eletroforese em gel de agarose 1% que foi preparado fundindo-se 0.5 g de agarose no volume de 50 ml de tampão TBE (Tris/Borato/EDTA) 1x em forno de microondas. Após a solidificação, as amostras contendo 10 µl do material (DNA), 3 µl de tampão de amostra 5x ( azul de bromofenol, 0,125% xilenocianol, 0,125% e glicerol 50%) e 2µl de brometo de etídeo (10mg/ml) foram aplicadas nos poços do gel e submetidas a uma voltagem de 100V em tampão de corrida TBE 1x por 40 minutos para então serem visualizadas e fotografadas sob luz UV. A quantidade de material genético foi estimada por espectrofotometria 260/280nm. SELEÇÃO DE OLIGONUCLEOTÍDEOS E AMPLIFICAÇÃO DO DNA POR RAPD As amostras de DNA de cada material genético foram diluídas em fatores de 1:650 a 1:1000 de acordo com os perfis de rendimento observados no gel de agarose e quantificados por espectrofotometria para que fossem amplificadas via PCR. Foram testados 12 oligonucleotídeos, sete da linhagem S, depositados no Genemark (http://www.genemark.com.tw/106-primers.htm), além de cinco oligonucleotídeos previamente descritos por Holzapfel et al.(2002) em trabalho realizado com outras espécies de plantas da família Balanophoraceae (Tab. 1). 59 Foram realizados ensaios para a padronização da técnica através de variações nas quantidades de alguns reagentes, na temperatura de anelamento dos oligonucleotídeos e nos tempos nos ciclos de amplificação do termociclador. Ao término dos ensaios-piloto, as reações de amplificação foram padronizadas em um volume total de 50 µL contendo 3µL de DNA diluído (ver fatores de diluição acima), 3µL de MgCl2 25mM, 10 µL de tampão PCR 10x, 1 µL de dNTP 10 µM, 16 µL do oligonucleotídeo RAPD ,1 µL da enzima Taq polimerase (1 U.μL-1) e 16 µL, QSP de água destilada. As amplificações foram efetuadas no termociclador Biocycler, versão 3.2, programado para 35 ciclos, cada uma constituído pela seguinte sequência: três minutos a 94°C, um minuto a 46°C e dois minutos a 72°C. Na sequência foi realizada uma etapa de extensão de 10 minutos a 72°C e redução para 4°C. Aos produtos das reações foram adicionados 5 µL de azul de bromofenol e submetidos a eletroforese em gel de agarose 0,8% corado com brometo de etídio na presença de tampão TBE 1x . A separação eletroforética foi de 6 horas a 70 volts. Por fim, os géis foram fotografados sob luz ultravioleta. Os fragmentos de DNA amplificados foram computados como ausência ou presença de bandas. 61 Figura 12 – Corte longitudinal de um fruto múltiplo de L.hypogaea mostrando as regiões utilizadas para a extração do DNA genômico. (Seta preta – escapo, seta branca – eixo do fruto, setas cinzas – brácteas) (Foto: Freitas L, 2010). RESULTADOS E DISCUSSÃO EXTRAÇÃO DO DNA GENÔMICO A extração de DNA do material não fresco foi possível após a adição da etapa de lavagem com CTAB 7% ao protocolo e utilizando uma massa igual ou superior a 3g. No entanto, o produto final apresentou-se degradado, como era esperado (Fig 14A). Conservando-se a mesma massa, porém de tecidos recém coletados, a etapa do CTAB 7% foi retirado do processo e o rendimento do material genético foi mantido. Apesar do produto final do material fresco também ter ficado ligeiramente 60 corado ainda assim foi possível utilizá-lo. A coloração do mesmo dependeu do tipo de tecido utilizado. No caso das brácteas, por ficarem escuras após a floração, quando utilizadas geraram um pelete escurecido (Fig 13A). Foi evitado o uso desse tecido quando possível. O escapo, apesar de ser uma região de coloração mais clara que as brácteas, é rico em mucilagem e pêlos e constituído por um tecido duro e fibroso que dificultou a maceração e produziu um produto final um pouco mais claro que o anterior (Fig. 13B). A região de melhor manipulação e produto final foi o eixo da inflorescência que além de não possuir pigmentação escura, é um tecido mole de fácil maceração e que também gerou um produto final de cor clara (Fig. 13C). No entanto, sua disponibilidade na planta foi ínfima, sendo necessária a utilização de outras partes em todas as realizações do procedimento. A quantificação do DNA por espectrofotometria mostrou um rendimento médio de 15,0 µg a partir de uma massa média de 3,0 gramas e valor médio de A260nm/A280nm=1,846, indicando baixa contaminação com polifenóis, proteínas e carboidratos. A pureza do DNA obtido foi satisfatória, visível no gel de agarose (Fig. 14B) e mostrando-se amplificável à técnica de PCR (Fig 14C). Reduzindo a quantidade de material sob este novo protocolo, a integridade do DNA genômico de L. hypogaea se mostrou tão satisfatória quanto em massas maiores, tornando-o ideal para este modelo de planta de tecidos duros e reduzidos. Além disso, houve uma otimização de tempo na execução da metodologia e uma economia considerável de reagentes utilizados no preparo do CTAB 7%. Todas as amostras obtidas com o novo protocolo se mostraram íntegras, o que é fundamental para a nitidez e reprodutibilidade de produtos de PCR. 62 Figura 13 – Aspecto do produto final de extração do DNA (pelete) de L. hypogaea de três tecidos diferentes da planta, brácteas (a), escapo (b) e eixo da inflorescência (c) (Foto: L. Freitas, 2010). 63 Figura 14 - Eletroforese em gel de agarose 1% corado com EtBr caracterizando a obtenção do DNA genômico extraído de 3g de tecido de L.hypogaea retirado de amostras necrosadas com o uso de CTAB 7% (a) 2g de tecido retirado de plantas frescas (15µg) com o uso de CTAB 2% (b) e produto final de PCR-RAPD realizado a partir de tecidos frescos (c). O oligonucleotídeo utilizado na PCR foi o S118, utilizado pela primeira vez e com êxito na família Balanophoraceae (Foto: L. Freitas, 2012). 64 SELEÇÃO DE OLIGONUCLEOTÍDEOS E AMPLIFICAÇÃO DO DNA POR RAPD Dos 12 oligonucleotídeos testados, foram selecionados apenas cinco (S118, OP-P02, OP-P10, OP-20, OP-A20) por apresentarem padrões de bandas polimórficas mais consistentes (Tab. 1). Um total de 28 fragmentos polimórficos foi selecionado fazendo uso deste conjunto de oligos. O oligonucleotídeo S118 apresentou-se como o mais eficiente (dez bandas) (Fig. 14C), sendo que o registro deste para a família Balanophoraceae é inédito e fundamental para que uma biblioteca de oligos família específica seja consolidada. A partir da leitura dos géis, gerou-se uma matriz binária em que os indivíduos foram genotipados quanto à presença (1) ou ausência (0) de fragmentos RAPD com a qual se estimou o coeficiente de similaridade de Jaccard. Os dados foram analisados e uma matriz de similaridade genética utilizada para construir um dendrograma (Fig. 15) pelo critério UPGMA utilizando o software TREECON W (Van de Peer & De Wachter, 1994) e considerando 1000 rodadas de bootstraps. O dendrograma gerado presumiu a existência de maior variabilidade genética dentro dos agrupamentos de inflorescências que entre agrupamentos distintos, sendo que esse perfil é normalmente esperado para populações de plantas que possuem fecundação cruzada em decorrência da alta movimentação de genes (Brown, 1979; Reis, 1996) e também foi observado por Holzapfel, et al. (2002) para Dactylanthus tayloori, pertencente à Balanophoraceae. Ao contrário do resultado encontrado por esse autor, a linhagem de oligonucleotídeos OP gerou pouco polimorfismo para L. hypogaea. No entanto, um novo oligonucleotídeo foi caracterizado como interessante para amplificação desta espécie (S118) já que foi capaz de amplificar o maior 65 número de bandas polimórficas em relação aos demais. Apesar do perfil sugestivo apresentado pelo dendrograma, a baixa quantidade de oligonucleotídeos utilizada, a limitação no número de indivíduos, em detrimento de seu reduzido número na área de ocorrência bem como a ausência de um grupo externo pode ter induzido um resultado os resultados encontrados, necessitando, portanto de aprofundamento de análises dessa natureza. Apesar de grande parte das inflorescências serem predadas, os poucos frutos que permanecem no ambiente conseguem amadurecer e dispersar centenas de sementes, que por sua vez devem ser provenientes de polinização cruzada. De fato, o amplo investimento da planta em atrativos para a reprodução, somado à morfologia das flores masculinas e femininas e à variedade de animais visitantes, levanta fortes indícios de que a mesma possua polinizadores generalistas que mantêm seu sucesso reprodutivo através da eficiente transferência de pólen. 66 Tabela 2 - Identificação dos oligonucleotídeos RAPD testados para o estudo de L. hypogaea, suas respectivas sequências de nucleotídeos e o polimorfismo expresso por cada um deles. Oligonucleotídeo Sequência Referência Bandas polimórficas Bandas polimórficas de de Dactylanthus tayloori L.hypogaea S2 5’ – TGATCCCTGG – 3’ Este trabalho Não amplificou Não avaliado S97 5’ – ACGACCGACA – 3’ Este trabalho Não amplificou Não avaliado S118 5’ – GAATCGGCCA – 3’ Este trabalho Dez Não avaliado S201 5’ – GGGCCACTCA – 3’ Este trabalho Não amplificou Não avaliado S346 5’ – TCGTTCCGCA – 3’ Este trabalho Não amplificou Não avaliado *LL 5’ – TAATTAGGATGCA – 3’ Este trabalho Não amplificou Não avaliado *LM 5’ - AAGTGGAGTAAT – 3 Este trabalho Não amplificou Não avaliado OP-P02 5’- TCGGCACGCA – 3’ Holzapfel et Seis 20 Cinco 14 Não amplificou 14 Cinco 15 Dois 21 al.(2002) OP-P10 5 ’- TCCCGCCTAC – 3’ Holzapfel et al.(2002) OP-P11 5’ – AACGCGTCGG – 3’ Holzapfel et al.(2002) OP-P16 5’ – CCAAGCTGCC – 3’ Holzapfel et al.(2002) OP-P20 5’ – GTTGCDISSEGATCC – Holzapfel et 3’ al.(2002) * Os oligonucleotídeos LL e LM foram acrescentados de nucleotídeos na tentativa de aumentar a especificidade. 67 Figura 15 – Dendrograma de similaridade genética baseado no critério UPGMA para as 27 inflorescências de L. hypogaea mostrando uma maior variação genética dentro dos agrupamentos que entre agrupamentos de inflorescências. A letra A significa agrupamento e a letra i significa inflorescência.