Estudo etnobotânico em duas comunidades rurais (Limeira e

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Estudo etnobotânico em duas comunidades rurais (Limeira e Ribeirão Grande) de
Guaratuba (Paraná, Brasil)
1*
2
NEGRELLE, R.R.B. ; FORNAZZARI, K.R.C.
2
Laboratório OIKOS, Departamento de Botânica; Bióloga. Universidade Federal do Paraná, Caixa Postal 19031,
Curitiba, Paraná, Brasil. CEP 81531-990. *Correspondência: [email protected]
1
RESUMO: Realizou-se levantamento etnobotânico em duas comunidades rurais etnicamente
distintas (Limeira e Ribeirão Grande) de Guaratuba (Paraná, Brasil) para identificar plantas
utilizadas na terapêutica popular, utilizando-se entrevistas semi-estruturadas (n= 11 e n= 7,
respectivamente). Além de informações sócio-econômicas sobre a população amostrada, as
seguintes informações sobre o uso de plantas medicinais foram registradas: nome popular,
indicação terapêutica, parte usada, modo de preparo e forma de uso. Adicionalmente, buscou-se
comparar os resultados obtidos com a bibliografia especializada, no sentido de detectar
discrepâncias sobre o uso e informações complementares sobre toxicidade das espécies citadas.
Todos os entrevistados indicaram fazer uso de plantas como recurso terapêutico, cuja informação
foi geralmente transmitida pelos seus ancestrais. Na comunidade de Limeira foram citadas 81
espécies medicinais, incluindo espécies exóticas, sendo que Plectranthus barbatus Andr. (boldo),
Phyllanthus niruri L. (quebra-pedra) e Melissa officinalis L. (erva-cidreira) foram citadas com maior
freqüência nas entrevistas. Em Ribeirão Grande foram citadas 54 espécies medicinais, dentre
elas algumas espécies exóticas, sendo Tanacetum vulgare L. (catinga-de-mulata), Rosmarinus
officinalis L. (alecrim) e Plectranthus barbatus Andr. (boldo) as de maior freqüência. Detectou-se
44,4% de similaridade entre as duas listagens de plantas indicando que as comunidades avaliadas
apresentam diferenças significativas no seu conhecimento relacionado a plantas medicinais.
Palavras-chave: Etnobotânica, plantas medicinais, comunidades litorâneas, comunidades
tradicionais.
ABSTRACT: Ethnobotanical study in two rural communities (Limeira and Riberião Grande)
in Guaratuba (Paraná, Brazil). An ethnobotanical survey was carried out among the rural
population of two small villages (Limeira and Ribeirão Grande) at Guaratuba (Paraná State, Brazil),
interviews with 18 local families were performed. During the interview, besides the general information
about socio-economic conditions of the interviewed, the following information about the plants
used was recorded: vernacular name, part used, preparation and mode of administration. Additionally,
a comparative analysis of the interview and literature data was performed, searching for inconsistency
and complementary information. All the interviewed families reported the phytoterapic usage as a
heritage/ familiar knowledge.The Limeira families reported 81 species including exotic as well as
native ones. Plectranthus barbatus Andr. (boldo), Phyllanthus niruri L. (quebra-pedra) and Melissa
officinalis L. (erva-cidreira) were the most cited ones.The Ribeirão Grande families reported 53
species also including some exotic ones. Tanacetum vulgare L. (catinga-de-mulata), Rosmarinus
officinalis L. (alecrim) and Plectranthus barbatus Andr. (boldo) were the most cited plants in this
village. The similarity among these two floristic lists was 44.4%, indicating that both communities
have significant differences on their ethnobotanical knowledge.
Key words: Ethnobotany, medicinal plants, coastal communities, traditional communities,
medicinal plants.
Recebido para publicação em 21/09/2004
Aceito para publicação em 13/09/2006
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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INTRODUÇÃO
No contexto brasileiro, a maior parte do
conhecimento em relação à utilidade de plantas
nativas se refere à Floresta Amazônica, dada sua
importância e interesse mundial. Entretanto, ainda é
bastante incipiente o conhecimento sobre a relação
das comunidades litorâneas com os recursos naturais
da Floresta Atlântica, sejam estes de origem vegetal,
animal ou mineral (Fonseca & Sá, 1997; Lima &
Negrelle, 1998; Fonseca- Kruel & Peixoto, 2004).
No que concerne ao litoral paranaense, os
poucos estudos de cunho etnobotânico realizados
estão concentrados na região norte, mais
precisamente em Guaraqueçaba. Esta região é
reconhecida pela UNESCO, desde 1992, como uma
das áreas-núcleo da Reserva da Biosfera da Mata
Atlântica, devido a contar com áreas bastante intactas
ou pouco devastadas, onde estão inseridas
populações tradicionais (Sociedade de Pesquisa em
vida silvestre e educação ambiental-SPVS, 1995). O
litoral sul, embora também conte com comunidades
tradicionais localizadas em áreas relativamente bem
conservadas, tem sido praticamente negligenciado
no que diz respeito ao registro de plantas medicinais
e outras utilizadas pela população.
Desta forma, este estudo foi realizado no
intuito de contribuir para ampliar o conhecimento não
apenas das plantas, mas também dos costumes
gerais das comunidades litorâneas. Adicionalmente,
visou-se gerar subsídios para futuros estudos autoecológicos, agrícolas e de mercado de plantas
medicinais identificadas, proporcionando base
consistente para a proposição de alternativas de renda
para as comunidades litorâneas, de modo que estas
sejam beneficiadas com o retorno das informações
obtidas.
Com esta finalidade, realizou-se
levantamento etnobotânico em duas comunidades
rurais relativamente isoladas (Limeira e Ribeirão
Grande) do Município de Guaratuba, inseridas na Área
de Proteção Ambiental (APA) de Guaratuba. Este
Município foi escolhido devido a representar uma região
com deficiência em estudo etnobotânico; possuir
núcleos populacionais isolados com modo de vida
essencialmente artesanal e conter importantes
remanescentes de Floresta Atlântica.
Especificamente, buscou-se responder às
seguintes questões:
- Como estão caracterizadas estas
comunidades étnicamente distintas (Limeira e
Ribeirão Grande), em relação ao uso de espécies
vegetais na terapêutica popular?
- Qual o padrão de transferência de
conhecimento relativo às plantas utilizadas?
- Os usos populares das plantas medicinais
utilizadas nas comunidades rurais estudadas estão
em consonância com as propriedades citadas para
as mesmas espécies na literatura especializada?
- Entre as plantas citadas, qual a
potencialidade da ocorrência de princípios ativos
tóxicos determinantes de risco à população local,
segundo dados bibliográficos?
- Qual o nivel de similaridade entre o perfil de
utilização de plantas medicinais nas comunidades
estudadas e outras comunidades reportadas na
literatura?
MATERIAL E MÉTODO
O Município de Guaratuba
O Município de Guaratuba localiza-se no
litoral paranaense (25º 52' S, 48º 34' W Gr; sede a 6
m s.n.m.), pertencendo à APA de Guaratuba. Está
limitado ao norte com o Município de Paranaguá; a
leste com o Oceano Atlântico; ao sul com o Estado
de Santa Catarina; a oeste com o Município de São
José dos Pinhais; e a noroeste com o Município de
Morretes, abrangendo 1372 km2. É atravessado pela
Serra do Mar, que recebe várias denominações, tais
como Serra do Piraí, do Araçatuba, Araraquara,
Guarapari, do Cubatão, da Linha, da Igreja,
Canavieiras e Serra da Prata (Mafra, 1952). Os
acessos principais fazem-se via BR-277 e BR-376
(Paraná, 1996a, 1996b) (Figura 1).
De acordo com a classificação de Köppen,
o Município de Guaratuba apresenta dois tipos
diferenciados de clima em função das variações
altitudinais. A região escarpada apresenta o clima Cfa,
subtropical, úmido, mesotérmico, sem estação seca,
com verão quente, temperaturas médias do mês mais
frio abaixo de 18ºC e temperaturas médias do mês
mais quente abaixo de 22ºC. Nas porções mais
baixas (planície litorânea) o clima é do tipo Af, tropical
superúmido, sem estação seca, com temperatura
média de todos os meses superior a 18ºC, isento de
geadas e com precipitação no mês mais seco acima
de 60 mm. A precipitação média anual é de 2100
mm. A média anual da umidade relativa do ar é de
85% e a evapotranspiração potencial anual é de 800900 mm, provocando excedentes hídricos anuais
superiores a 1.200 mm (IAPAR, 1994 apud Paraná,
1996a).
Segundo os critérios de classificação das
regiões fitoecológicas do IBGE (1992), na área
correspondente ao Município de Guaratuba são
encontradas as tipologias Floresta Ombrófila Densa
das Terras Baixas e Submontana associadas às
Formações Pioneiras de Influência Marinha,
Fluviomarinha e Fluvial (Paraná, 1996b).
De acordo com o IBGE (2000), o Município
de Guaratuba conta com 27.242 habitantes,
distribuídos na zona urbana (85%) e na zona rural
(15%); registrando-se taxa de crescimento populacional
negativa (-3,67%) para o período de 1996-2000.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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Comunidade de Limeira
A Comunidade de Limeira localiza-se no interior
da Baía de Guaratuba, com acesso pela margem direita
da BR-277, sentido Curitiba - Paranaguá. Seu núcleo
populacional localiza-se a 25 km do entroncamento
com a BR-277, na margem esquerda do rio Canavieiras,
estendendo-se por 13 km em direção à rodovia (Figura
1). O acesso a esta comunidade se faz por estrada
não pavimentada com trechos bastante acidentados.
As casas são, em geral, de madeira ou alvenaria.
Não há um registro preciso do número total
de habitantes de Limeira, dado que os censos do IBGE
apenas indicam o valor total da população rural de
Guaratuba, não considerando individualmente as
comunidades. Com base no número de eleitores da
região (210)1 , que também inclui os habitantes de
Rasgadinho (em torno de 20 famílias) e Cubatãozinho
(cerca de 5 famílias), estima-se a existência de
aproximadamente 80 famílias nas comunidades de
Limeira e Ribeirão Grande juntas, levando em
consideração dois eleitores por família.
De acordo com informação dos moradores
locais, a Comunidade de Limeira é formada
essencialmente por imigrantes alemães ou por seus
descendentes. Os primeiros moradores locais
chegaram há cerca de 50 a 100 anos atrás, vindos de
Santa Catarina ou diretamente da Alemanha. Estes
colonizadores entraram pela Baía de Guaratuba e
subiram de barco pelo rios Cubatão e Canavieiras
chegando ao vale, onde a comunidade atual está
inserida, e aí se fixaram. Até a abertura da Rodovia
BR-277, em 1970, apenas um reduzido número de
famílias habitava o local.
Quando da realização desta pesquisa, o Posto
de Saúde (PS) contava com 410 pessoas cadastradas,
abrangendo outras comunidades da redondeza como
Ribeirão Grande, Cubatãozinho e Rasgadinho. Os
atendimentos eram na área médica e odontológica, um
dia da semana a cada 15 dias, com número restrito de
pacientes. Casos mais graves eram encaminhados para
a cidade (Morretes ou Guaratuba). Os problemas mais
freqûentemente tratados eram verminoses tanto em
adultos quanto em crianças, hipertensão, gripe,
infecções de garganta e bronquite. Alguns médicos que
prestavam atendimento neste PS explicitaram
recomendar o uso de chás de ervas medicinais em
associação com remédios alopáticos. A auxiliar de
enfermagem responsável pelo PS informou não possuir
capacitação técnica para orientar o uso de plantas
medicinais pela comunidade.
Comunidade de Ribeirão Grande
Ribeirão Grande abrange uma faixa de cerca
de 6 km situada na margem oposta do rio Canavieiras,
praticamente em frente à Comunidade de Limeira. O
1
acesso a esta comunidade se dá pela estrada de acesso
a Limeira, cruzando-se o rio, a pé, pela ponte pênsil.
Veículos que utilizam este acesso devem atravessar o
leito do rio, dada a inexistência de ponte. Outra forma
de acesso é pela estrada que se inicia em Garuva,
passa por Cubatãozinho e termina no rio Canavieiras
(Figura 1).Esta comunidade não apresenta infraestrutura
própria, sendo dependente da que existe em Limeira.
As propriedades são relativamente menores que as de
Limeira, sendo a maioria das casas pequenas e
construídas de pau-a-pique. O interior destas
residências é bastante simples, poucas apresentam
aparelhos de TV ou rádio, mas todos possuem energia
elétrica.
Segundo informação local, a maioria dos
moradores de R. Grande é de origem indígena.
Conforme Mafra (1952) e Bigarella (1991), antes da
chegada dos colonizadores que fundaram a Vila de
Guaratuba, esta região era habitada pelos Carijós, tribo
da nação indígena Tupi-guarani que vivia no sul do Brasil
na época do descobrimento.
Há cerca de 10 anos existia uma escola nesta
comunidade. Com a intenção de melhorar o
atendimento dos alunos, foram unificadas as escolas
de Ribeirão Grande e Limeira, funcionando atualmente
apenas a de Limeira. Segundo os moradores locais,
esta unificação também beneficiou o relacionamento
social entre as duas comunidades.
Procedimento metodológico
Para descrição das características sócioeconômicas, assim como para coleta de informações
sobre as espécies vegetais utilizadas na terapêutica
popular pelas comunidades de Limeira e Ribeirão
Grande, executou-se pesquisa exploratório-descritiva
envolvendo entrevistas semi-estruturadas junto às
comunidades alvo e levantamento bibliográfico. A coleta
de dados de campo foi realizada nos meses de janeiro
e fevereiro de 2001.
A abordagem feita aos entrevistados foi em
forma de diálogo, seguindo um roteiro básico. Além da
informação sobre a identificação pessoal (nome
completo, endereço, idade, sexo), durante o diálogo
foram anotados dados sobre as plantas medicinais
utilizadas, modo de uso, finalidade e origem deste
conhecimento. A obtenção de dados sócio-econômicos
se deu de modo informal, possibilitando uma maior
flexibilidade no contato entre entrevistador e entrevistado.
A duração de cada entrevista variou de acordo com
cada entrevistado, dependendo da sua disponibilidade
e número de citações apresentadas, chegando ao
máximo de 2 horas e mínimo de 30 minutos. Todas as
entrevistas realizadas em ambas as comunidades
avaliadas envolveram, além da pessoa foco da
entrevista, a família presente no momento.
Informação obtida junto a Prefeitura Municipal de Guaratinguetá
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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FIGURA 1. Mapa de localização da área de estudo (Limeira e Ribeirão Grande) em Guaratuba (Paraná, Brasil).
Como indicado por Amorozo & Gély (1988),
os esforços amostrais foram concentrados sobre os
moradores que sabiam mais a respeito do uso
terapêutico das plantas, sendo estes encontrados por
indicação da própria comunidade (método “snow ball”).
A determinação da suficiência amostral foi efetuada
através de curvas do esforço-amostral, construídas a
partir do registro cumulativo das novas espécies citadas
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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nas distintas entrevistas. Com base na interpretação
visual, buscou-se localizar o ponto de inflexão da curva,
ou onde houve tendência à estabilidade, indicando
suficiência amostral conforme Negrelle (1995).
Sempre que possível, realizou-se a coleta e
herborização das plantas citadas. A identificação do
material coletado seguiu os padrões da taxonomia
clássica, feita com base em caracteres morfológicos
florais e utilizando-se, quando possível, vários
exemplares. As determinações foram efetuadas através
de chaves analíticas e comparações com materiais
depositados no herbário UPCB. Após devidamente
identificado, o material botânico foi incorporado ao
Herbário UPCB.
A diversidade etnobotânica foi calculada
utilizando-se o índice de Shannon (H’), conforme
Fonseca-Kruel & Peixoto (2004). A similaridade florística
dos registros obtidos junto às comunidades foi analisada
com base no índice de Sfrensen (Mueller-Dombois &
Ellenberg, 1974).
RESULTADO E DISCUSSÃO
O número de entrevistados representou cerca
de 9% da população de Limeira e 14 % da população
de Ribeirão Grande. Para Limeira, detectou-se o ponto
de inflexão e estabilidade de indicação de novas
espécies a partir da quarta entrevista, pelo que se
considerou suficiente a amostra de sete entrevistados
(Figura 2a). Em Ribeirão Grande, pode-se detectar um
ponto de inflexão e inexpressivo incremento a partir da
oitava entrevista, pelo que se considerou suficiente a
amostra de onze entrevistados (Figura 2b).
Caracterização sócio-econômica dos
entrevistados
As dezoito entrevistas realizadas em Limeira
e Ribeirão Grande englobaram indivíduos entre 33 a 92
anos, em sua maioria do sexo feminino (Figura 3, Tabela
1). Entre outros aspectos, as duas populações
amostrais avaliadas apresentavam-se diferenciadas
principalmente em relação ao nível de escolaridade e
alfabetização (mais elevado em Limeira) e
representatividade de nativos locais (pronunciadamente
maior em Ribeirão Grande) (Tabela 1).
Uso de espécies vegetais na terapêutica
popular
Igualmente ao detectado em outras
comunidades tradicionais, o uso de plantas
medicinais foi registrado como prática comum entre
os moradores de Limeira e Ribeirão Grande. Todos
os entrevistados, em ambas as comunidades,
independentemente de sexo ou idade, indicaram fazer
uso freqüente de plantas medicinais (85,7% e 91%,
respectivamente) ou eventualmente (14,3% e 9%,
respectivamente), explicitando cultivo doméstico da
Suficiência amostral
FIGURA 2. Esforço cumulativo amostral em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Limeira
(a) e Ribeirão Grande (b), Guaratuba, PR. (jan-fev/2001
FIGURA 3. Incidência de indivíduos representativos
de diferentes faixas etárias em levantamento
etnobotânico realizado nas comunidades de Limeira
(n= 7) e Ribeirão Grande (n=11), Mun. Guaratuba,
PR. (jan-fev/2001)
maioria das plantas medicinais das quais fazem uso.
Aproximadamente 80% das espécies citadas
puderam ser vistas nos quintais e/ou hortas durante
as entrevistas, sendo algumas espécies indicadas
como espontâneas. Os remanescentes de Floresta
Atlântica nas redondezas (mata) também foram citados
como fontes de algumas espécies medicinais. Em
poucos casos, foram mencionadas outras fontes
alternativas como amigos, parentes, farmácia e
supermercado para obtenção destes recursos.
Em ambas as comunidades, este uso foi
referenciado como uma primeira tentativa de alívio ou
cura de enfermidades. Caso esta alternativa não surtisse efeito, buscavam atendimento no Posto de Saúde ou no hospital mais próximo, em Morretes.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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TABELA 1: Síntese das informações sócio-econômicas dos entrevistados em levantamento etnobotânico realizado
nas comunidades de Limeira (n= 7) e Ribeirão Grande (n=11), Mun. Guaratuba, PR. (jan-fev/2001)
* todos se auto-intitularam agricultores mas, adicionalmente, desempenhavam outras funções na comunidade,
incluindo professor da escola local (3), auxiliar de enfermagem (1) e comércio (1)
No total, registraram-se 105 espécies vegetais,
pertencentes a 53 famílias. Junto à Comunidade de Limeira, obteve-se 250 registros de plantas de uso medicinal
doméstico, com média de 35,7 registros por entrevista. Estes
registros englobaram 81 espécies pertencentes a 74 gêneros e 46 famílias botânicas, com média de 12 espécies por
entrevista realizada. Na Comunidade de Ribeirão Grande,
obteve-se 195 indicações de plantas de uso doméstico,
com média de 17,7 registros por entrevista. Estes registros
englobaram 54 espécies, pertencentes a 45 gêneros e 29
famílias botânicas, com média de 5 espécies por entrevista
realizada (Tabela 2).
Em ambas as comunidades avaliadas,
Asteraceae e Lamiaceae destacaram-se como as famílias botânicas com maior número de registros nas entrevistas. Entretanto, este padrão de similaridade não se
estendeu para as famílias com menor freqûência (Figura
4). Em termos de composição específica, os registros
da Comunidade de Limeira apresentaram 44,4% de similaridade com os da Comunidade de Ribeirão Grande
(Tabelas 2 e 3). Os índices de diversidade obtidos para
as espécies citadas foram, respectivamente, H’ = 4,21
(var = 0,0001) e H’ = 3,01 (var = 0,0231), sendo estes
valores significativamente diferentes (Teste t’, p < 0,0001).
Detectou-se, também, baixa similaridade entre
Ribeirão Grande e Limeira no que concerne às espécies
mais freqûentemente citadas. Na Comunidade de Limeira,
Plectranthus barbatus Andr. (boldo) destacou-se como
espécie de uso muito freqüente, sendo citada pelo menos
uma vez em cada entrevista realizada. Phyllanthus niruri
L. (quebra-pedra), Melissa officinalis L. (erva-cidreira),
Echinodorus grandiflorus (Cham. & Schltdl.) Mich.
(chapéu-de-couro) e Aloe succotrina Lam. (babosa) foram
citadas em 57% das entrevistas, ou seja, por pelo menos
4 entrevistados (Figura 5a, Tabela 2).
FIGURA 4. Famílias botânicas com maior freqûência de citação em levantamento etnobotânico realizado nas
comunidades de Limeira e Ribeirão Grande, Mun. Guaratuba, PR. (jan-fev/2001)
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2. Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim),
Mun. Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo
USFDA (2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada.
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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2. Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim), Mun.
Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo USFDA
(2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada. (cont.)
43
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2. Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim), Mun.
Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo USFDA
(2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada. (cont.)
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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2. Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim), Mun.
Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo USFDA
(2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada. (cont.)
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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2: Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim), Mun.
Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo USFDA
(2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada. (cont.)
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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2. Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim), Mun.
Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo USFDA
(2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada. (cont.)
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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2. Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim), Mun.
Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo USFDA
(2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada. (cont.)
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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
TABELA 2. Espécies referenciadas como medicinais em levantamento etnobotânico realizado nas comunidades de Ribeirão Grande (RG) e Limeira (Lim), Mun.
Guaratuba (PR) / (jan-fev/2001), ordenadas alfabeticamente por famílias botânicas sendo FA = freqüência absoluta. Indicação de toxicidade segundo USFDA
(2004), sendo nc= nada consta. Indicação de uso medicinal em negrito = não referenciada na literatura consultada. (cont.)
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Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
50
Em Rio Grande, Tanacetum vulgare L.
(catinga-de-mulata), Rosmarinus officinalis L.
(alecrim), Plectranthus barbatus Andr. (boldo) e
Artemisia absinthium L. (losna), foram as espécies
mais freqûêntes sendo citadas pelo menos uma vez
por 7 dos 11 entrevistados. Tanacetum sp. (marcelinha
galega), Ruta graveolens L. (arruda), Mentha cf.
suaveolens Ehrh. (hortelã) e Cunila microcephala
Benth. (poejo/hortelã-pimenta) obtiveram freqüência
de 54,5% (6 entrevistados) (Figura 5b, Tabela 2). Em
ambas as comunidades, o restante das espécies
apresentou freqüência menor que 50%, sendo citadas
em apenas uma ou duas entrevistas.
A menor riqueza florística e diversidade
registradas na Comunidade de Ribeirão Grande não
podem explicitamente serem relacionadas a distinta
composição étnica em relação a Limeira. Em parte,
esta diferença poderia ser devida ao próprio método
de coleta de dados. Uma vez que esta é uma
comunidade isolada e sendo os entrevistados mais
idosos, talvez o tempo de pesquisa não tenha sido
suficiente para obter a confiança dos entrevistados.
Também, apesar de não explicitamente comentado
nas entrevistas, na Comunidade de Ribeirão Grande
pode-se observar um certo temor na divulgação da
utilização de recursos vegetais presentes na mata
local por se tratar de uma Área de Proteção Ambiental
com restrições legais de uso.
De forma similar, nas duas comunidades, as
espécies citadas foram freqûentemente associadas
a mais de uma indicação de uso. Em Limeira, as
espécies associadas a maior número de atividades
terapêuticas foram Plantago major L. (tanchagem),
Lepidium sativum L. (mentruz) e Aristolochia sp. (cipómilhomem) com 6 registros diferentes para cada uma,
seguidas de Salvia officinalis L. (salvia), Rosmarinus
officinalis L. (alecrim), Ocimum basilicum L. (alfavaca),
Citrus sinensis (L.) Osbeck (laranjeira), Matricaria
recutita L. (camomila) e Aloe succotrina Lam. (babosa)
com 5 registros para cada. Em Ribeirão Grande, as
FIGURA 5. Espécies com maior freqûência de citação em levantamento etnobotânico realizado em a) Comunidade
de Limeira e b) Comunidade de Ribeirão Grande, Mun. Guaratuba, PR. (jan-fev/2001)
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
51
espécies indicadas com maior número de atividades
terapêuticas diferentes foram Rosmarinus officinalis
L. (alecrim) e Cymbopogon citratus (DC.) Stapf (canasanta) com 5 registros diferentes para cada uma,
seguidas de Ruta graveolens L. (arruda), Plectranthus
barbatus Andr. (boldo), Mentha piperita L. (hortelãpimenta), Cunila microcephala Benth. (poejo) e
Bauhinia forficata Link (pata-de-vaca) com 4 registros
para cada.
Um total de 40 propriedades terapêuticas
foram associadas às espécies citadas, havendo
também pouca divergência entre as comunidades
neste aspecto. As propriedades terapêuticas com
maior número de registros de espécies diferentes
foram “analgésica” (27 espécies, Ribeirão Grande) e
“digestiva” (15 espécies, Limeira e 14 espécies, Ribeirão
Grande). Outras propriedades com alta diversidade
específica foram “calmante” e “antinflamatório” (11
espécies, Limeira) e “antigripal” (9 espécies, Ribeirão
Grande) (Figuras 6a, 6b e Tabela 2).
A folha foi a parte mais freqûentemente
referenciada como utilizada pelos entrevistados de
ambas as comunidades avaliadas, seguida por planta
toda, raiz e casca. Dentre as diferentes formas de
preparo e uso explicitadas nas entrevistas em Limeira
e Ribeirão Grande, a mais freqûentemente
mencionada foi “chá” feito a partir da fervura da planta
em água (decocção) e empregado para ingestão oral
e/ou em banhos. Soluções alcoólicas, utilizando
álcool comercial, cachaça e conhaque foram também
indicadas, além da utilização da planta macerada em
água, leite e álcool. O açúcar e o mel foram referenciados
com freqûência no preparo de xaropes (Tabela 2).
Qual o padrão de transferência de conhecimento
relativo às plantas utilizadas?
A totalidade dos entrevistados indicou a
família (mãe e/ou avó) como fonte primária da
informação sobre plantas enquanto recurso medicinal.
Alguns poucos (29% em Limeira e 18% em Ribeirão
Grande), indicaram buscar informação adicional junto
aos médicos do Posto de Saúde ou em livros
especializados.
FIGURA 6. Indicações terapêuticas associadas a maior diversidade de espécies citadas em levantamento
etnobotânico realizado em: a) Comunidade de Limeira (n= 81 espécies) e b) Comunidade de Ribeirão Grande (n =
54 espécies), Mun. Guaratuba, PR.
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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Esta transferência do conhecimento
etnobotânico é caracterizada como “transgeracional”.
Ou seja, de forma oral, onde a passagem de
conhecimento é feita a partir de contato intenso entre
gerações, principalmente em grupo doméstico e de
parentesco, conforme indicado em Amorozo (1996).
Este tipo de transmissão é diretamente dependente
da integridade familiar e da ausência de pressões
migratórias que podem levar os jovens para fora da
comunidade. Nesta eventualidade, o conhecimento
é perdido com o falecimento dos indivíduos mais
velhos.
Infelizmente, no caso específico das
localidades estudadas, há risco de quebra desta
corrente de transmissão de conhecimentos. Segundo
Marchioro (1998), a população rural do litoral
paranaense sofre devido à falta de oportunidades de
trabalho e de condições adequadas de vida,
principalmente para os jovens, fatores que têm
favorecido o processo migratório em direção a centros
urbanos mais próximos, como evidenciado em IBGE
(2000). Desta forma, como sugerido em Lima et al.
(2000), há necessidade do estabelecimento de
estratégia de manutenção deste saber popular, no
âmbito do gerenciamento da APA onde estas
comunidades se inserem.
Os usos populares das plantas medicinais
utilizadas nas comunidades rurais estudadas
estariam em consonância com as propriedades
citadas para as mesmas espécies na literatura
especializada?
No geral, as indicações de uso mencionadas
pelos entrevistados de ambas as comunidades
estavam em concordância com a literatura
especializada. No entanto, para 48% das espécies
registraram-se indicações de uso não previamente
referenciadas como, por exemplo, Thunbergia
grandiflora Roxb. (antigripal), Syagrus romanzoffiana
(Cham.) Glassm.(hepatoprotetor) e Calydorea sp.
(anti-desintérico, analgésico e antigripal) (Tabela 2).
Estas indicações discrepantes tanto podem
ser novas e corretas indicações de uso quanto podem
representar erros freqûentemente cometidos quando
da identificação de determinada espécie (p.ex.
Thunbergia grandiflora Roxb em relação ao verdadeiro
“guaco” – Mikania glomerata Spreng, usado como
antigripal). O erro de identificação também pode estar
associado ao uso do nome vulgar, dado que este não
é um indicador seguro da correta identificação de uma
espécie. Várias espécies botânicas, muitas vezes
de gêneros e/ou famílias distintas, são referenciadas
por um mesmo nome vulgar sem no entanto terem
os mesmos princípios ativos, como por exemplo “erva
cidreira” – nome vulgar utilizado tanto para
Cymbopogon citratus (DC) Stapf (Poaceae) quanto
para Melissa officinalis L. (Lamiaceae).
Também, ao analisar-se a relação nome
vulgar versus especie identificada observa-se que os
entrevistados podem estar utilizando de maneira
inadvertida determinadas espécies que são
morfologicamente semelhantes a outras corretamente
indicadas como medicinais, como por Pelargonium x
horturum L.H. Bailey e Malva sylvestris L.
Entre as plantas citadas, qual a potencialidade da
ocorrência de princípios ativos tóxicos
determinantes de risco à população local, segundo
dados bibliográficos?
Em Limeira, 42,8% dos entrevistados afirmaram
utilizar qualquer dosagem, pois “planta não faz mal à
saúde” e somente 14,3% indicaram buscar confirmação
científica (médico e bibliografia) para dosagem. Em
Ribeirão Grande, 81,8% indicaram utilizar qualquer
dosagem (ou “até que faça efeito”), 72,7% referiramse a orientação de dosagem dos antepassados e
18,2% mencionaram recomendação médica. Mais de
50 % dos entrevistados relataram fazer “experiências”,
ou seja, utilizar uma vez e se der certo passar a
utilizar sempre determinada planta tida como
medicinal pelos seus familiares. Esta indicação de
“experiências” foi relacionada ao fato de nunca terem
presenciadouma intoxicação por remédio caseiro.
Desta forma, acreditam que não correm perigo ao se
utilizarem de qualquer planta para qualquer sintoma
ou não ter maiores cuidados com a dosagem.
Entretanto, a partir da literatura consultada
(USFDA, 2004), pode-se averiguar que 61% das
espécies citadas como de uso terapêutico pela
população apresentam algum tipo de toxicidade ou
contra-indicação de uso, especialmente se
desconsideradas as dosagens adequadas (Tabela 2).
Vale salientar que esta porcentagem pode estar
subestimada em virtude de não haver informação
disponível para várias das espécies citadas. Em
muitos casos, a ausência de informação não significa
ausência de toxicidade ou contra-indicação, mas sim
falta de estudos a esse respeito.
Dentre as espécies com alguma indicação de
toxicidade ou contra-indicação de uso, ressalta-se
que muitas constam na literatura como alergizantes
e fotossenbilizantes (p.ex Plectranthus barbatus
Andr.), outras são indicadas como abortifacientes e/
ou não recomendadas durante a gravidez ou lactação
(p.ex. Chenopodium ambrosioides L.). Várias são
referenciadas como portadoras de compostos
cianogênicos (p. ex. Phyllanthus niruri L.),
carcinogênicas, degenerativas do sistema nervoso,
promotoras de alucinações e convulsões (p.ex.
Artemisia absinthium L.) e indutor da formação de
tumores malignos na bexiga e fígado (p.ex.
Symphytum officinale L.). A ingestão do chá desta
última espécie, como também de Tanacetum vulgare
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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L., de Passiflora sp.(folha) e de Petiveria alliacea L.
é totalmente desaconselhada face à alta toxicidade
destas (USFDA, 2004; Tabela 2).
Qual o nível de similaridade entre o perfil de
utilização de plantas medicinais nas comunidades
estudadas e outras comunidades reportadas na
literatura?
As informações etnobotânicas, no que
concerne a partes usadas, formas de uso e principais
indicações terapêuticas, explicitadas pelos
entrevistados de Limeira e Ribeirão Grande, puderam
ser identificadas como bastante similares às
reportadas para outras comunidades rurais litorâneas,
considerando Begossi et al. (1993); Figueiredo et
al.(1993); Figueiredo et al. (1997); Lima et al.(2000),
Hanazaki et al. (2000); Fonseca-Kruel & Peixoto
(2004) e Medeiros et al. (2004). Entretanto, a
similaridade específica (Is) entre estas diferentes
comunidades foi relativamente baixa (Tabela 3), o que
de certa forma era esperado considerando-se as
peculiaridades florísticas e alto nível de endemismos
das distintas tipologias vegetacionais litorâneas
associados e também à intensa interferência antrópica
em certas áreas com explicitado em IBGE (1992).
Apesar do reduzido número de informantes, as
comunidades de Limeira e Ribeirão Grande
apresentaram expressivos valores de riqueza florística
(S) e de diversidade etnobotânica (H’), comparativamente
aos outros sítios analisados (Tabela 3).
Segundo Lima et al. (2000), a obtenção de
valores elevados para índices de diversidade
etnobotânica estaria relacionada a áreas
relativamente bem conservadas e a populações com
significativo conhecimento botânico, o que parece ser
o caso especialmente para a Comunidade de Limeira.
De acordo com Begossi et al. (2002), a alta diversidade
dos distintos ecossistemas que compôe a Floresta
Atlântica seria o principal determinante da baixa
similaridade entre distintos locais assim como da
obtenção dos elevados indices de diversidade
registrados nestes locais.
Considerações finais
No transcorrer do presente estudo, percebeuse que a utilização de plantas na terapia popular, pelas
comunidades de Limeira e Ribeirão Grande, em
Guaratuba, é bastante difundida e presente. A
transferência do conhecimento etnobotânico nestas
comunidades segue os padrões de comunidades
tradicionais. Entretanto, registram-se pressões
determinantes de bloqueios ou rupturas neste
processo na região avaliada.
Tabela 3. Síntese da informação etnobotânica de algumas localidades costeiras, sendo Is = índice de similaridade
de Sørensen; H’ = índice de diversidade de Shannon (base e); ni= não informado.
O uso sem orientação médica apropriada é
um fator de preocupação que deve ser considerado
pelos atores sociais do setor de saúde bem como
por aqueles envolvidos na educação comunitária, dada
a incidência de espécies com registro de toxicidade
e contra-indicações de uso. Muitas plantas
representam remédios poderosos e eficazes,
entretanto o risco de intoxicação causada pelo uso
indevido das mesmas deve ser sempre levado em
consideração. A observância às dosagens prescritas
e o cuidado na correta identificação do material
utilizado podem evitar uma série de acidentes, como
apontado por Lorenzi & Matos (2002).
A não consonância das indicações de uso
registradas junto às comunidades estudadas em
relação àquelas citadas na bibliografia consultada,
pode servir de referencial para estudos adicionais no
sentido de ampliar as possibilidades de uso destas
ou mesmo comprovar a ineficácia ou impropriedade
da citada utilização.
Visualizando-se o contexto sócio-econômicoambiental regional, o conhecimento das comunidades
representadas neste estudo poderia servir de base para
a proposição de plano de manejo sustentável para a
APA de Guaratuba. Esta área está sob a responsabilidade
do governo estadual e, desde a sua criação, há mais
Rev. Bras. Pl. Med., Botucatu, v.9, n.2, p.36-54, 2007.
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de 10 anos, ainda não possui um plano de manejo.
Segundo Arruda (1997), ao se valorizar a identidade,
os conhecimentos, as práticas e os direitos de
cidadania das populações tradicionais, valorizando
seu padrão de uso dos recursos naturais, poder-seia construir uma forma de manejo sustentável ideal
para as Unidades de Conservação. Nesta perspectiva,
as plantas medicinais poderiam não ser apenas recursos
terapêuticos, mas também econômicos, que poderiam
subsidiar a melhoria da qualidade de vida destas
comunidades.
AGRADECIMENTO
As autoras agradecem a disponibilidade e
boa vontade dos moradores de Limeira e Riberião
Grande (Guaratuba, PR), fundamentais para a
realização deste trabalho; ao Prof. Olavo Guimarães
(UFPR), Dr. Sandro Menezes Silva e Biól. Marilia
Borgo pelo auxílio na identificação do material
botânico; ao NIMAD- Núcleo Interdisciplinar de Meio
Ambiente e Desenvolvimento da Universidade Federal
do Paraná pelo apoio logístico; à Dra. Vanilde CitadiniZanette e aos dois revisores ad-hoc pela leitura crítica
e valiosas sugestões.
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