A informação goyana: seus intelectuais, a história e política

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A INFORMAÇÂO GOYANA: SEUS INTELECTUAIS, A HISTÓRIA E A POLÍTICA
EM GOIÁS (1917-1935)
Maria de Araújo Nepomuceno*
A revista como
tema e
problema
Em agosto de 1917 A Informação Goyana foi lançada no Rio de Janeiro.
Circulou na Capital federal, em Goiás, nos principais estados do país e em
países estrangeiros, até 1935. No seu editorial de lançamento, declarou-se comprometida com
a divulgação dos atributos naturais e das possibilidades econômicas do Brasil Central.
Apesar do compromisso firmado com esta vasta região do Brasil, seus colaboradores
dedicaram especial atenção ao estado de Goiás. O núcleo do grupo que se articulou em torno
dela era constituído pelo seu mentor intelectual — Henrique Silva — e por intelectuais
goianos formados na Escola Militar da Praia Vermelha no fim do século XIX. As doutrinas
cientificistas que se disseminaram no Brasil desse tempo penetraram em todos os centros de
ensino superior do país. Essa escola, como se sabe, foi especialmente marcada por uma dessas
doutrinas: o pensamento filosófico positivista de Comte, por meio dos ensinamentos de
Benjamin Constant e dos debates travados nas associações de alunos que lá vicejaram. A
formação desse grupo, associada a seus interesses específicos, delineou os contornos técnicos,
políticos e educativos da revista por ele editada.
A Informação Goyana constituiu o objeto de estudo deste trabalho. Seu ciclo de vida
naturalmente delimitou o período investigado. A ordenação de seu variado conteúdo permitiu
a sua caracterização como uma revista regionalista de perfil enciclopédico, daí porque pode
ser considerada como um repositório de informações sobre o Brasil Central e, especialmente,
sobre Goiás. No editorial de lançamento, entre seus objetivos, consta o desejo de: tornar esse
estado conhecido e respeitado pelos recursos naturais que possuía e pela potencialidade
econômica que esses recursos encerravam; demonstrar cientificamente que, em face de tal
potencialidade e privilegiada localização, Goiás tinha condições de equiparar-se a qualquer
dos estados mais prósperos, estando, portanto, fadado a cumprir importante papel no futuro da
nação brasileira. Ora, diante de tão arrojado projeto, era de se perguntar: por que tornar Goiás
conhecido? O que pretendiam obter os intelectuais da revista com isso? Investigar, pois, a
revista, na busca de respostas a seus objetivos foi, usando uma expressão de Duby (1993,
p.23), mais ou menos como “abrir um cofre fechado” ha várias décadas, cheio de informações
*
Professora titular do Departamento de Educação e do Mestrado em Educação da Universidade Católica de
Goiás — UCG.
1
a serem destrinçadas, de atores históricos conhecidos e de atores históricos anônimos que
precisavam ganhar identidade; de indícios que precisavam ser decifrados, conforme ensina
Ginzburg (1989). Fazia-se mister, portanto, decidir sobre o melhor modo de extrair desse
“cofre” o que ele pudesse oferecer para responder às questões que o material nele guardado
suscitava. Porém, se A Informação fosse lida do ponto de vista de seus principais conteúdos
— economia, geografia, história e outros —, pouco ela teria a oferecer aos que se preocupam
com a educação. Apenas 1,70% dos textos publicados focalizaram-na, especificamente.
Entretanto, se fosse abordada como instrumento político-educativo de um grupo de
intelectuais que buscava por meio da revista intervir nos rumos econômicos que o estado de
Goiás deveria tomar, as conseqüências decorrentes seriam outras. Este foi o caminho tomado.
Partindo da reconstrução de seu ciclo de vida, pôde-se perceber que o núcleo do grupo
de intelectuais que a produziu pleiteava, dirigindo-se às autoridades políticas, à imprensa, aos
empresários, e aos próprios goianos, traçar um programa que indicasse o norte de uma
política econômica para o estado de Goiás. Daí porque se empenhou em: expor a situação
financeira do Estado; mostrar os recursos naturais da região; contribuir para a ocupação do
território; esmiuçar o problema dos transportes e propor possíveis soluções; resolver a questão
dos limites, para que as riquezas do Estado não escoassem sem qualquer tipo de controle. Daí
porque, esforçou-se ainda para decantar a fertilidade do solo e sua adequação para o cultivo
de vários produtos. Enfim, esforçou-se para criar uma revista educativa, deliberadamente
projetada com o objetivo de reunir, sistematizar e divulgar as informações ou as idéias que
queria tornar claras, a fim de formar uma certa consciência sobre Goiás, visando por meio
dela apertar os nós que frouxamente articulavam a economia de Goiás à economia dos demais
estados do país.
Esse modo de ler a revista encontrou no pensamento de Gramsci o respaldo necessário
para ser levado adiante. Esse filósofo italiano mostra, em uma de suas obras, “que todo
programa de reforma econômica” não é, senão, o “modo concreto através do qual se apresenta
toda reforma intelectual e moral” (1991: 9), que se pretenda levar a cabo numa determinada
sociedade. Ora, os escritores da revista não pretenderam outra coisa senão intervir nos rumos
da política e conômica do estado de Goiás, indicando-lhe uma nova direção. Assim, A
Informação pôde ser lida como um instrumento educativo — ou ainda, político-pedagógico1.
Esse modo de ver um programa econômico representa um alargamento do campo político em
1
No pensamento gramsciano os termos educativo e pedagógico têm sentido equivalente, ou seja, o termo
pedagógico não tem o sentido estrito que o caracteriza em outros discursos. Para maior esclarecimento sobre o
caráter formativo das revistas e jornais, cf. GRAMSCI, 1978: 168-76.
2
dois aspectos essenciais, isto é, no que diz respeito: ao lugar tradicionalmente reservado para
o exercício da política, que passa a incluir a esfera privada; e no que diz respeito ao conteúdo
específico da função pública, tradicionalmente limitada ao momento repressivo (garantia da
lei e da ordem), abrangendo, ainda, o momento do consenso. Rouanet (1978) mostra que a
novidade da contribuição de Gramsci à noção de Estado está no alargamento dessa noção,
herdada da tradição marxista. Para esta tradição, o Estado se limita à esfera da coação e da
violência, enquanto para Gramsci abrange, ainda, a esfera do consenso. Revendo, portanto, os
limites da tradição marxista e rompendo com os limites que restringem o âmbito do exercício
da ação política, Gramsci compreende o Estado em dois grandes “planos”: o da sociedade
civil (conjunto de organismos chamados de “privados”) e o da sociedade política ou Estado
(correspondente à função de hegemonia exercida pelo grupo dominante, e àquela de domínio
direto, que se expressa no Estado e no governo jurídico).
Esse alargamento da noção de Estado implica uma semelhante ampliação da noção de
intelectuais, permitindo maior proximidade com a realidade. Esse alargamento, pois, abriu
espaço para o filósofo italiano afirmar que todos os homens são intelectuais, embora nem
todos exerçam na sociedade a função de intelectuais. Logo, o que há são graus variados de
atividade intelectual, não existindo, portanto, separação entre o homo faber e o homo sapiens.
Em síntese, “todo homem (...) desenvolve uma atividade intelectual qualquer (...), possui uma
linha consciente de conduta moral, contribui (...) para manter ou para modificar uma
concepção do mundo, isto é, para promover novas maneiras de pensar” (1978: 7-8).
Gramsci operou ainda uma distinção entre as formas de formação histórica dos
intelectuais. Há as produzem os intelectuais “orgânicos” — aqueles que “cada nova classe
cria consigo e elabora em seu desenvolvimento” —, e as que implicam uma certa autonomia e
continuidade histórica e que produzem os intelectuais “tradicionais” — literatos, filósofos e
artistas. Acrescenta que os jornalistas, por identificarem-se com estes últimos, vêem-se como
os “verdadeiros” intelectuais de uma sociedade, por se considerarem independentes do grupo
dominante. Esta distinção atribuiu um novo papel social aos intelectuais, levando Gramsci a
escrever que o “modo de ser do novo intelectual não [podia] mais consistir na eloqüência (...),
mas num imiscuir-se ativamente na vida prática (...), como organizador...” (1978: 4-8). Se se
pensar no jornalista como intelectual, nesses marcos, esse pensar nos remete a uma concepção
de jornalismo que ele mesmo conceituou como sendo a “expressão de um grupo que pretende
(...) difundir [pela atividade publicista] uma visão integral do mundo” (1978: 201).
Ora, o grupo de intelectuais que produziu A Informação Goyana pretendeu por meio
dela imiscuir-se na vida prática com intenções que ultrapassavam o âmbito da divulgação de
3
uma visão de Goiás. Dizer isso significa afirmar que a revista, apesar de insinuar-se apenas
como informativa era de fato uma revista de opinião, ou seja, o que ela pretendia não era
apenas informar, mas principalmente formar uma certa consciência sobre Goiás. Assim,
defendeu que este estado era apenas possibilidade, e, sobretudo, promessa para os que
dispusessem de recursos e que quisessem com eles contribuir para o seu progresso social2, e,
por conseguinte, para o progresso do País. Tanto que escreveu no seu editorial de lançamento,
que um de seus primeiros esforços era: “collocar diante dos capitalistas, dos industriaes e dos
commerciantes as possibilidades economicas sem conta do Estado mais central e menos
conhecido do Brasil”. Que ela trazia, pois, “um fim e um programma que bem a [definiam] na
imprensa brasileira” (A Informação Goyana, 1(1):1, ago., 1917). Tal esforço levou o grupo de
intelectuais mentores da revista a envidar um arrojado esforço para reunir as mais ilustres
penas de Goiás em prol da defesa dos “interesses dessa terra”, isto é, eles recrutaram,
articularam e dirigiram, segundo eles próprios, “os mais competentes e conhecidos sabedores
das cousas do hinterland brasileiro”, no sentido de produzir um conhecimento que informasse e
formasse uma nova opinião sobre o sertão brasileiro, especialmente sobre o estado de Goiás3.
Com isso, ganharam divulgação os recursos naturais e as possibilidades econômicas da
região, a história de Goiás, seu folclore, seus costumes, suas lendas, sua literatura, a história
de seus homens “ilustres”, a coragem de seus habitantes e, mesclado a tudo isso, o desejo de
ver Goiás equiparado aos co-irmãos mais prósperos e integrado ao resto do País, a intenção de
vê-lo participando da construção da nação brasileira e, naturalmente, o ufanismo e o exagero,
quase sempre acrítico, de seus escritores.
A formação sui
generis do grupo de intelectuais da revista
A partir dos anos setenta do século XIX, os filhos das famílias abastadas de
Goiás começaram a rumar para os centros culturais mais avançados do País, a
fim de completarem seus estudos. Os principais colaboradores da revista
fizeram sua formação no Rio de Janeiro, na Faculdade de Medicina e na Escola Militar da
Praia Vermelha. Segundo Castro (1995), a quase totalidade dos oficiais “ilustrados”4 que o
país produziu algum tempo depois da Guerra do Paraguai (1864-1870) formou-se nesta
Escola. Entre eles, encontravam-se o mentor intelectual de A Informação Goyana — Henrique
Silva — e os que diretamente colaboraram com essa revista.
2
Progresso social, no contexto histórico dos anos vinte e trinta do século XX, equivale a progresso material, isto
é, “como condição primeira para superar-se o atraso e elevar o país a grande potência mundial” (Capelato, 1989).
3
Sobre a distinção entre jornais de informação e de opinião, cf., Gramsci, 1978: 187-90.
4
O termo “ilustrada” foi usado por Barros (1985) para caracterizar os jovens intelectuais do fim do Império e
início da República que pretendiam “ilustrar” o País pela ciência, fazendo das escolas “focos de luz”, de onde
deveria surgir uma nação transformada.
4
Alguns autores mostram que a separação entre o ensino militar e o ensino civil
ministrados, nessa época, foi menos real que formal, principalmente depois da entrada das
doutrinas cientificistas5 em todos os centros de ensino superior do País. A Escola Militar foi
exemplarmente marcada pelo pensamento positivista de Comte, com o ingresso ali, no início
dos anos setenta, de Benjamin Constant como professor de Matemática6. Os conteúdos
curriculares dos cursos oferecidos até 1904, quando a Escola foi fechada, atestam o caráter
“pouco ortodoxo” do ensino ministrado (Carvalho, 1985; Costa, 1990; Castro, 1995). Esse
caráter foi acentuado pelos debates travados no interior das sociedades científicas, filosóficas,
literárias e dramáticas ali existentes. Por meio delas apuravam-se o espírito crítico e o senso
estético que marcariam a trajetória da maior parte dos oficiais alunos. Pertencer, por exemplo,
aos quadros da Fênix Literária era privilégio de poucos, geralmente dos alferes-alunos — os
aprovados plenamente. Mais relevante que esse critério seletivo assentado na performance
escolar eram os seus objetivos. A Fênix visava criar um espaço acadêmico para debater temas
abrangentes, bem como pleiteava a difusão ampla dos resultados desse debate. Dessa
“vocação pedagógica” dos oficiais surgiu a Revista Mensal da Sociedade Fênix Literária,
visando contribuir para o desenvolvimento moral e intelectual do povo brasileiro.
Esse exemplo basta para ilustrar a fé irrestrita dos alunos no progresso e na posição de
destaque da ciência, bem como no papel de reorganizadores da sociedade, atribuído aos
cientistas, papel, aliás, que podia ser supostamente exercido sob o manto protetor da
neutralidade científica. Ele mostra, ainda, que não eram propriamente soldados o que produzia
a Escola Militar da Praia Vermelha, mas “bacharéis fardados” — políticos, engenheiros,
arquitetos, literatos, publicistas, sertanistas e “militares”. Em que pese o descompasso entre a
formação “pouco ortodoxa” ministrada pela Escola e a formação profissional que deveria
ministrar, a maioria de seus memorialistas afirma que a década que antecedeu a Proclamação
da República “correspondeu ao período áureo da Escola Militar” (Costa, 1990: 234).
O contexto de
surgimento da
revista
A economia de Goiás, no ocaso da mineração, agrarizou-se. A produção
agrícola
apresentou,
entretanto,
crescimento
inexpressivo
devido
à
conjugação de vários fatores e, principalmente, à precariedade dos meios de transporte,
mantendo-se organizada, na maior parte do Estado, como atividade subsidiária da produção
pecuarista. Esta, durante o século XIX e início do XX, pôde manter-se organizada dentro da
produção mercantil, exportando regularmente para o Centro-Sul e Norte-Nordeste, por contar
5
Tais doutrinas são qualificadas como “cientificistas” por supervalorizarem a ciência.
Embora, não tenha sido ele o introdutor do positivismo nessa Escola, foi devido à sua prática docente que essa
doutrina ali se consolidou, possibilitando à Escola ser considerada como o baluarte do positivismo.
6
5
com vastas áreas de pastagens nativas que garantiam o aumento natural dos rebanhos; o gado,
por se mover por si mesmo, pôde superar as grandes dificuldades de transporte que isolavam
Goiás dos centros dinâmicos da economia do país; as baixas densidades demográficas quase
não afetaram a produção pecuarista, que ocupava pouca força de trabalho (Cf. Nepomuceno,
1994: 43). Com a chegada da estrada de Ferro a Goiás (1912), a produção pecuarista
experimentou um significativo progresso. Todavia, a grande beneficiada com o fato foi a
agricultura, que começou a sair de sua condição de subsidiária da atividade pecuária, embora
já exportasse em pequena escala alguns poucos produtos, florescendo a partir dessa época,
paulatinamente. A introdução de meios de transporte ágeis concorreu para a ampliação e
melhora das condições de armazenamento, reduziu o custo dos fretes, garantiu preços
melhores para os produtos e, progressivamente, liberou capitais e mão de obra para a
atividade agrícola, transformando o Sul, o Sudeste e, posteriormente, o Sudoeste nas áreas
mais dinâmicas da economia goiana. Foi, pois, na condição de produtor e fornecedor de
alimentos e de matérias-primas que Goiás se integrou e se manteve no processo de expansão
da economia capitalista. Em contrapartida, os comerciantes do entorno agrário adquiriam
produtos industrializados do Centro-Sul, vendendo-os no mercado local. A economia
mercantil, na medida em que comprava, barato, a sua subsistência, ia ampliando o mercado
constituído pelas populações urbanas e garantindo taxas satisfatórias de remuneração do
capital, concorrendo, assim, para a superação do padrão econômico voltado para o mercado
externo (Cf. Martins, 1975: 13).
Assim como a economia agrária, outros aspectos da vida social, política e cultural de
Goiás também foram ganhando novo alento com a chegada dos caminhos de ferro. Algumas
cidades re-urbanizaram-se — aquelas já servidas pela linha. Outras surgiram, incorporando
lentamente energia elétrica, telégrafo, telefone, cinema, enfim, as invenções que o mundo
capitalista ia proporcionando. Articuladas à ferrovia, as estradas de rodagem, que foram sendo
abertas também desempenharam seu papel no processo de integração das regiões. O que se
pôde observar foi, portanto, um duplo e imbricado movimento de integração que se
materializou em uma marcha do Centro-Sul rumo ao Oeste e uma marcha de Goiás rumo ao
Leste. A chegada regular de jornais, por exemplo, acelerou as comunicações e concorreu para
modificar hábitos, idéias e valores que pareciam já cristalizados. Todavia, as perspectivas
econômicas promissoras abertas com a chegada dos caminhos de ferro “fecharam-se” com as
dificuldades de importação postas pela deflagração da Primeira Guerra. Os serviços de
prosseguimento da linha que adentraram Goiás em 1912 e que já tinham atingido a estação de
Roncador em 1914 ficaram paralisados até 1922, quando então foram retomados pelo
6
Governo federal. A Informação Goyana surgiu nesse contexto, fez denúncias e críticas
contínuas ao fato, não se calando nem mesmo depois de resolvido o problema.
O papel
políticoeducativo da
revista
Embora já existissem boas publicações sobre o estado Goiás quando a revista
surgiu, este estado era praticamente desconhecido. Mais que isso, a imprensa
da época, ao tratar dele, tecia seus argumentos apoiando-se apenas na idéia de
atraso. Deve-se lembrar, aqui, a importância do papel estratégico e político da revista como
instrumento educativo voltado para a discussão de Goiás como potencialmente importante
para a economia nacional. Não se pense com isso, todavia, que compusesse o horizonte de
seus mentores a compreensão da idéia de que o movimento de acumulação do capital, não só
criava e recriava o “progresso” que eles desejavam para Goiás, mas também, o “atraso” que
eles desejavam remover. Nesse sentido, deve-se acrescentar que não estava em discussão a
crença na legalidade da sociedade capitalista constituída. O que a revista questionava era a
situação desvantajosa de Goiás nesta sociedade, decorrente do isolamento geográfico deste
Estado dos centros mais dinâmicos da economia brasileira, isolamento determinado,
principalmente, por obstáculos naturais, que os meios de transportes tradicionais não eram
capazes de transpor. Conseqüentemente, olhando para o real através das lentes do progresso,
pleiteava-se a remoção daqueles, isto é, a remoção do “atraso”. Daí, o empenho infrene dos
intelectuais da revista na luta por meios de transportes modernos.
A natureza
A Informação Goyana surgiu em 1917, no final, pois, da Primeira Guerra.
educativa da
Este conflito pôs em debate questões econômicas que pareciam adormecidas.
revista
Além disso, o encaminhamento dos preparativos para a comemoração do
Centenário da Independência, bem antes de 1922, deu margem ao estudo dos problemas que
a sociedade brasileira vinha engendrando. Vale observar, a extrema proximidade existente
entre os temas básicos da revista e o que escreveu a comissão que formulou o Programma
para a Commemoração do Centenario. Segundo este, a Exposição Nacional do Centenário
deveria compreender “as principais modalidades do trabalho no Brasil, attinentes á lavoura, á
pecuária, á pesca, á indústria extrativa e fabril, ao transporte maritimo, fluvial, terrestre e
aereo, aos serviços de communicações telegraphicas e postais, ao comercio, ás sciencias e ás
bellas artes” (Centenário da Independência: 1822-1922: 7). Henrique Silva participou do
evento por Goiás, documentou a experiência e a divulgou, por meio da revista. Foi nesse
contexto de debates dos problemas brasileiros que afloraram ainda: os nacionalismos prenhes
de propostas; a necessidade de identificar e delinear a alma nacional; o desejo de diagnosticar
e de contribuir para a solução dos problemas nacionais; a vontade de contribuir para a
construção do progresso material e da nacionalidade brasileira. A bem da verdade, é bom
7
ressaltar que em nenhum momento ocupou-se a revista de esclarecer o leitor sobre a sua
noção de nacionalidade, nação, ou mesmo de região. Contudo, pode-se inferir do modo como
ela apresentou a região e do modo como entendeu a construção da nacionalidade — inviável
sem a integração desta região riquíssima, mas esquecida, ao “litoral” já bafejado pelo
progresso —, que se encontra inscrita nesses modos, a idéia de construção de uma
nacionalidade que deveria passar necessariamente pela superação das distâncias que
separavam o Brasil Central do “litoral”. Estava, portanto, no horizonte desse grupo a idéia de
construção de uma “pátria geográfica”7, ou seja, a construção de uma unidade nacional
territorial — entendida por nacionalidade. Não se tratava, pois, de adicionar o sertão ao
“litoral”, mas de articular com mais vigor esses espaços (leia-se: Sul, Sudeste e Sudoeste ao
Centro-Sul) recriando sobre novas bases o Brasil. A crença na idéia do poder integrador dos
meios de transporte e comunicação modernos era tal, que a campanha em prol deles pode ser
tomada como eixo articulador não só da campanha em prol deles, mas de todas as demais
campanhas e assuntos levados a cabo pela revista. Segundo esta, era por intermédio dos meios
de transporte e comunicação modernos que circulavam a riqueza material (a produção) e os
bens espirituais — idéias, hábitos, costumes, crenças —, enfim, os valores materiais, sociais e
culturais capazes de integrar o “sertão” e o “litoral”, recriando, portanto, sobre novas bases o
Brasil. É claro que tal crença não era algo que se pudesse atribuir apenas aos escritores da
revista. A crença nessa idéia já se encontrava disseminada, como se sabe, entre os “ilustres”
do Império e começos da República, inclusive em Goiás. Contudo, não se pode deixar de
reconhecer a importância da revista no sentido de reunir, organizar, discutir, sintetizar e
divulgar tal crença, bem como para conquistar espaço e adesão para as principais idéias que
circulavam em seu tempo tanto no Brasil como para além dele.
À guisa de
conclusão
A Informação Goyana e seu principal mentor intelectual — Henrique Silva —
desapareceram em maio de 1935. Ela não sobreviveu a seu criador. Porém, o
mesmo não pode ser dito a respeito das idéias que propagou, das lutas que travou, daquilo que
conseguiu conquistar, enfim, do papel efetivamente educativo que conseguiu exercer por meio
de sua atividade publicista. Duas das campanhas que ela assumiu como suas, entre várias, foi
a de transferência da Capital federal do litoral para o Planalto Central e a da Capital estadual
para Goiânia. Quando desapareceu, a pedra fundamental da nova Capital de Goiás já tinha
sido lançada (1933); as questões de limites entre Goiás e os estados visinhos já estavam
resolvidas, os problemas de transporte rodoviários e fluviais já estavam adequadamente
7
A expressão “pátria geográfica” é de Candice Vidal e Souza (SOUZA, 1997).
8
equacionados e, o que é mais importante, os trilhos e dormentes da Estrada de Ferro já tinham
chegado em Anápolis, cidade vizinha de Goiânia. A história da implantação dos caminhos de
ferro no estado de Goiás, portanto, não pode ser entendida desatrelada da história da revista. Pode-se
também atribuir a ela o mérito de ter contribuído para tornar Goiás conhecido e valorizado (as
correspondências que recebia dos vários estados do Brasil e de países estrangeiros comprovam o fato).
Pode-se, ainda, atribuir a ela o mérito de ter contribuído, ainda que não tenha sido este um de seus
objetivos, e nem tenha ela consciência do fato, para discutir, sintetizar e para dar expressão intelectual
às principais idéias da fração “ilustrada” da geração que se formou na Escola Militar da Praia
Vermelha.
Referências bibliográficas
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9
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