Valor Econômico, 16 de fevereiro de 2016 Destruição não-criativa Pedro Cavalcanti Ferreira e Renato Fragelli EPGE-FGV Além da redução cíclica do produto devido à forte recessão que o país enfrenta, as políticas equivocadas do passado estão levando a perdas permanentes de capital humano e capital físico, uma destruição não-criativa de capacidade produtiva que não deixará nada mais eficiente ou tecnologicamente avançado no lugar. Neste momento em que o país padece da mais profunda recessão de sua história, pode-se prever que o experimento econômico liderado por Dilma Rousself, denominado Nova Matriz Econômica, deixará consequências permanentes – e não só temporárias - sobre sua capacidade produtiva. O excelente artigo “A Conta do Desemprego”, publicado no Valor da última sexta-feira, chamou atenção para o crescimento do desemprego entre trabalhadores mais experientes e qualificados. Apresenta também evidências de que muitos deles estão migrando para outras ocupações, ou para o trabalho por conta própria, situações em que recebem menores remunerações. Um aspecto destacado é a imensa perda dos investimentos em formação profissional, treinamento e aquisição de habilidades específicas durante os últimos anos. Somente o SENAI do Rio de Janeiro formou cerca de 200 mil profissionais em cursos direta ou indiretamente ligados aos setores de petróleo, gás e indústria naval. No ano passado, 25 mil trabalhadores destes setores foram demitidos. Mesmo após a superação da atual recessão – que só deve ocorrer após o mandato presidencial atual –, muito dessa formação profissional específica terá sido perdida, pois dificilmente os trabalhadores retornarão aos setores para os quais foram preparados. Isto porque foram treinados para atuar em indústrias artificialmente incentivadas por políticas industriais equivocadas, apostas baseadas em boas intensões e más avaliações, sem contar os muitos casos de corrupção. Houve destruição permanente de capital humano, e não somente uma redução temporária de postos de trabalho comum aos ciclos econômicos. Some-se à perda de capital humano específico a perda de capital físico, decorrente de investimentos que não geraram aumento de capacidade produtiva. Exemplos gritantes são as refinarias de Abreu Lima (PE) e Comperj (RJ) que entrarão em atividade por já estarem em estágio avançado de construção, e as de Amarante (CE) e Bacabeira (MA) hoje abandonadas e tomadas pelo mato. Além disto, setores incapazes de sobreviver sem subsídios, proteção tarifária, e leis de componentes domésticos, como é o caso da Construção Naval e sua cadeia de suprimento, não sobreviverão em um ambiente de crise fiscal e baixa proteção. Há razões de livro texto para se desconfiar de políticas industriais muito ativas, como as adotadas no país nos últimos anos. Como identificar falhas de mercado que impedem a expansão de determinado setor? Como saber se determinado setor, mais do que outro, possui potencial de crescimento no futuro? Como calcular se os ganhos com a intervenção do Estado serão maiores que seus custos? A todos estes problemas - virtualmente ignorados pelos seus defensores no Brasil - some-se problemas de implementação, que no caso brasileiro foi catastrófica, e o repúdio de nossos burocratas à avaliação de resultados. Além da abundância de gastos sem critérios, decorrente da propensão do atual governo a sucumbir a pressões de grupos de interesse organizados, constata-se uma enorme incoerência entre discurso e prática. No intuito de se gerar ganhos de escala, gastou-se uma fortuna para se “consolidar” setores ditos estratégicos – como frigoríficos. Em direção oposta, apostou-se numa indústria naval bastante descentralizada, com estaleiros espalhados pelo Brasil afora por razões políticas – e por motivos menos republicanos –, o que gerou grande ineficiência devido à pequena escala dos estaleiros. Políticas baseadas em más teorias geram incoerências desse tipo. E o irônico é que o fiasco foi levado a cabo por economistas que gastaram parte de seu tempo (e capital humano) estudando políticas setoriais e maneiras de incentivar setores “chaves” que liderariam o crescimento do país. Mais uma vez o resultado foi uma política industrial sem fôlego e sem resultados duradouros, que muito beneficiou os donos das industriais com brutais transferências de renda, mas pouco fez pelas indústrias em si. É provável que uma parte da imensa queda da produção industrial – de 20% entre 2010 e 2015 – seja revertida quando o país voltar a ter uma política econômica coerente. Entretanto, uma boa parte desta enorme queda será permanente, pois decorre de destruição de capacidade produtiva, tanto sob forma de capital humano como de capital físico, como ilustrado anteriormente. Joseph Schumpeter, ao estudar o fenômeno do desenvolvimento, celebrizou-se introduzindo o conceito de destruição criativa – novas tecnologias mais produtivas e eficientes expulsam tecnologias antigas menos produtivas. Dilma Rousself e seus assessores desenvolvimentistas criaram a destruição não-criativa. A indústria naval brasileira não vai diminuir por que algo mais eficiente ou produtivo tomará o seu lugar. Não serão carroças suplantadas por automóveis ou as cartas por e-mails. A indústria naval desaparecerá sem que nada tome seu lugar. Isto porque a indústria naval já era inviável quando foi recriada por políticas que pouco fizeram para aumentar sua produtividade. E isto se aplica a vários outros setores industriais. Eis assim a “destruição não criativa” de capital humano e de capital físico. Some-se a isto o aumento geral da ineficiência e da perda de produtividade da economia como um todo, devido ao fechamento da economia, às intervenções e mudanças de regras nos setores elétrico e de petróleo, às distorções dessas mesmas políticas industriais, etc. O quadro final é um de crescimento futuro mais lento que partirá de um nível de produto permanentemente mais baixo.