HABILIDADES SOCIAIS E DESEMPENHO ACADÊMICO: PESQUISA E INTERVENÇÃO NO ENSINO FUNDAMENTAL VERONICA APARECIDA PEREIRA1, MARINEIDE AQUINO DE SOUZA ARAN2, FRANCIELY OLIANI PIETROBOM2 1 Psicóloga, Docente do Curso de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas - FCH - Universidade Federal da Grande Dourados – [email protected], 2 Acadêmicas do Curso de Psicologia, Faculdade de Ciências Humanas - FCH - Universidade Federal da Grande Dourados – UFGD. [email protected] e [email protected] RESUMO O PET/ Conexão de Saberes Psicologia tem atuado junto às escolas da rede municipal de uma cidade no interior do Mato Grosso do Sul. É apresentado aqui o relato da atuação de duas bolsistas do programa. A intervenção parte da premissa de que o treinamento em habilidades sociais dos alunos participantes levaria a uma melhora no seu desempenho acadêmico e social, tendo como objetivo propiciar melhores condições de aprendizagem social e acadêmica. Participam desse treinamento as turmas do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental. As intervenções são acompanhadas pelas professoras regentes e, em algumas salas, pela professora especialista. A pesquisa-intervenção foi estruturada em fases: diagnóstico de necessidades da escola, devolutiva às professoras, intervenção – treino de habilidades sociais. Os resultados apontam para um reconhecimento da validade social da pesquisa, aproximando os pesquisadores da realidade da escola e disponibilizando para as professoras o desenvolvimento de estratégias de inclusão escolar. Palavras-chave: habilidades sociais, desempenho acadêmico, inclusão escolar. Introdução Segundo Del Prette & Del Prette (2001) as habilidades sociais definem-se como “[...] a existência de diferentes classes de comportamentos sociais no repertório do indivíduo para lidar de maneira adequada com as demandas das situações interpessoais”( p. 31). Para o desenvolvimento de habilidades sociais, de acordo com os autores supramencionados, faz-se necessário o planejamento de interações sociais na escola com um objetivo educativo, desde a primeira infância, por meio de estímulos originados em interações sociais. O desenvolvimento de habilidades sociais pode levar a criança não só ao sucesso acadêmico, como a um melhor ajustamento social. Com o compromisso de propiciar ações educativas que promovam tanto o desenvolvimento acadêmico como o social, o presente projeto tem como objetivo geral: Promover condições para aprofundamento das discussões conceituais e metodológicas pertinentes a educação inclusiva, promovendo a retirada de barreiras que se interpõem à construção de uma escola pública verdadeiramente inclusiva. Como objetivos específicos, busca-se: 1) identificar crianças com deficiência ou dificuldades de aprendizagem, segundo indicação dos professores; 2) Comparar o desempenho acadêmico e social de alunos dos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental, em relação ao que é esperado para o período em que se encontram matriculados e em relação aos pares; 3) Discutir com o professor práticas de ensino diferenciadas, em razão do desempenho observado; 4) Atuar junto aos alunos e professores implementando programas que favoreçam o desenvolvimento de comportamentos pró-sociais e desempenho acadêmico. Materiais e Método Participam do estudo 10 professores, de duas escolas públicas, e seus respectivos alunos dos dois primeiros ciclos do Ensino Fundamental da rede municipal de uma cidade do interior do Mato Grosso do Sul. Para assegurar de forma explicita o compromisso de sigilo e cumprimento dos objetivos do projeto, os participantes que aceitaram participar assinaram o Termo de consentimento livre e esclarecimento (TCLE), assegurando todos os direitos previstos pelo Conselho Nacional de Ética em Pesquisa (BRASIL, 1996). A avaliação do desempenho acadêmico foi realizada com o Teste de Desempenho Escolar –TDE (Stein, 1994), composto por avaliações de escrita (escrita do nome e ditado de 34 palavras contextualizadas em frases), leitura (70 palavras com diferentes dificuldades ortográficas, considerando-se pronuncia correta, inclusive em relação a acentuação) e aritmética (parte oral, com três problemas de simples resolução, sem utilização da escrita, e operações de soma, subtração, multiplicação, divisão, potência, raiz quadrada, operações entre frações, números decimais e noção de horas. O TDE é indicado a alunos de 7 a 12 anos de idade, que estejam cursando da primeira à sexta série do Ensino Fundamental. Para avaliação das habilidades sociais, foi utilizado o Questionário de Comportamentos Socialmente Adequados (Bolsoni-Silva, 2003) para Professores (QCSA-PR), composto por uma lista de 24 comportamentos pró-sociais. Cada item tem três alternativas de resposta, no qual os professores devem responder se um comportamento se aplica (escore 2), se aplica em parte (escore 1) ou não se aplica (escore 0). Os escores são somados, resultando no escore total da criança avaliada. Para avaliar os problemas de comportamento, será utilizada a Escala Infantil de B. de Rutter (Graminha, 1994) – para professores (ECI), composto por uma lista de 26 descrições de problemas de comportamento. As indicações de frequência seguem a mesma orientação do QCSA-PR. Para a fase de avaliação foram utilizados: Roteiro de entrevista inicial; escalas comportamentais (Questionário de Comportamentos Socialmente Adequados (BolsoniSilva, 2003) para Professores (QCSA-PR) e Escala de problemas de comportamento de Rutter (Graminha, 1994). As professoras indicaram uma amostra de alunos que consideravam com problema de comportamento (IPC) e outros que apresentavam bom desempenho (ICSA). Esses alunos foram avaliados por meio do Teste de Desempenho Escolar –TDE (Stein, 1994), composto por avaliações de escrita, leitura e aritmética. Para caracterização de repertório acadêmico e social, foram indicados 44 alunos. Os dados obtidos na fase de avaliação possibilitaram o planejamento de intervenções pautadas nas necessidades levantadas. O conteúdo das entrevistas foi analisado de acordo com os pressupostos de Bardin (1996). O resultado do TDE e das escalas comportamentais foi organizado em tabelas e gráficos, possibilitando o comparativo entre grupos, atentando-se à necessidade de destacar repertórios iniciais dos alunos como ponto de partida para a intervenção. Após a apresentação dos resultados às docentes participantes do estudo, foram propostas intervenções semanais, com ênfase no treinamento de habilidades sociais. A intervenção teve início em setembro de 2011 e continua em 2012. Resultados e discussão Adesão das escolas à proposta e flexibilização dos objetivos às necessidades A atuação do psicólogo na escola encontra alguns desafios para a proposição de práticas inclusivas. Muitas vezes, os professores recusam-se a participar de projetos com esse objetivo, por responderem a históricos de trabalhos que não geraram ganhos significativos para a escola. Entre as críticas apontadas pelas professoras, destacam-se ações de pesquisadores que utilizam dados da escola para pesquisa, criticam as falhas pedagógicas e estruturais, mas não oferecem a esta mesma escola possibilidades de trilhar novos caminhos. Caracterização das crianças com deficiência, problemas de diagnóstico comportamento: Da amostra de 44 alunos indicados para a pesquisa, as professoras apontaram que 56,81% apresentavam problemas de aprendizagem e/ou comportamento e, destes últimos, 72% eram do sexo masculino. Apenas 2,3% dos alunos tinha diagnóstico de deficiência. Das dificuldades acadêmicas, a dificuldade de leitura e interpretação/compreensão foram as mais citadas, sendo que também foram mencionadas pelas professoras a dificuldade em matemática, dificuldade de se expressar verbalmente, dificuldade em acompanhar a classe, em fazer as tarefas, em se concentrar. Dentre os problemas de comportamento identificados pelas professoras, os externalizantes chamam mais atenção, como por exemplo - “ser agressivo”. Talvez isso justifique o fato de maior indicação de alunos do sexo masculino. Os comportamentos internalizantes e os problemas de saúde foram menos citados. Isso pode ser devido a que esses comportamentos interferem menos na dinâmica da aula e, portanto, são pouco perceptíveis. Ao final da entrevista, as professoras apresentaram como sugestões para melhora do comportamento em sala de aula, a atenção individualizada, apoio e participação da família. Foram sugeridos também acompanhamento psicológico, diagnóstico, atendimento especializado e outras intervenções capazes de promover a autonomia, disciplina, e socialização. Avaliação e comparação do desempenho acadêmico e social dos alunos indicados, em relação à série e em relação aos pares Quanto ao desempenho escolar, as professoras acreditam que seja necessário, principalmente, o apoio e a participação da família. Apontam também a importância do desenvolvimento de práticas pedagógicas diferenciadas, atendimento psicológico institucional, atendimento psicológico individual, participação do aluno, diagnóstico especializado. Comparando-se o desempenho acadêmico dos grupos de alunos indicados, podemos observar índices inferiores ao esperado para a série, com maior incidência no grupo de alunos com indicativos de problemas de comportamento, confirmando dados da literatura e referendando a necessidade da intervenção. Conclusões Para o estabelecimento de práticas inclusivas na escola, persiste o grande desafio de promover condições de equidade, para uma sociedade tão desigual, que busque atender a coletividade, sem perder de vista as necessidades individuais do aluno. Para tanto, o professor terá um papel crucial, mas não se trata de uma tarefa que deva realizar sozinho. Para que ele possa obter êxito, estratégias precisam ser planejadas, por toda a equipe escolar, de forma a realizar-se a tarefa educacional de modo competente e colaborativo. A proposta desta pesquisa estende-se a outras cinco escolas da região, havendo, a princípio, uma proposta de compreender a realidade das escolas e oferecer cursos de formação continuada para um ou dois professores de cada escola, em horário de serviço, em uma parceria estabelecida com a secretaria municipal. Nesta proposta, os participantes da formação deveriam retornar a sua escola como mediadores entre o processo formativo e a realidade escolar. Entretanto, as professoras apontaram que este modelo já foi vivenciado pelas escolas e, na prática, o professor que retornava da formação pouco contribuía para mudanças efetivas na realidade da escola. Apontaram que só participariam do projeto com ações dentro de cada escola, para todos os professores e também para os alunos. Ouvir a avaliação inicial das professoras sobre suas experiências de formação continuada e dispor-se a flexibilizar a proposta foi essencial para realização do projeto, gerando condições para o estabelecimento de uma estreita relação entre o projeto e a necessidade da escola. Contudo, foi importante esclarecer que haveria a necessidade de permanecer na escola por mais tempo (dois anos ao invés de um) e que o planejamento de ações voltadas aos alunos não se limitaria aos alunos indicados com problemas de comportamento e ou aprendizagem, e sim, à escola como um todo. Agradecimentos Às professoras e crianças participantes do projeto e ao FNDE e à Capes, pelo apoio financeiro destinado ao projeto. Referências BARDIN, L. Análisis de contenido. Madrid, Akal ediciones, 1996. BOLSONI-SILVA, A. T. Habilidades Sociais Educativas, variáveis contextuais e problemas de comportamento: comparando pais e mães de pré-escolares. 2003. 210 f. Tese (Doutorado em Psicologia) - Programa de Pós-Graduação em Psicologia: Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto – USP, Ribeirão Preto, 2003. .BRASIL. Resolução nº 196, de 10 de outubro de 1996. Conselho Nacional de Saúde. 1996. Disponível em: conselho.saude.gov.br/docs/Reso196.doc. DEL PRETTE,A.; DEL PRETTE, Z. Psicologia das Relações interpessoais: vivências para o trabalho em grupo. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2001. GRAMINHA,S.S.V. A Escala Comportamental Infantil de Rutter A2: estudos de adaptação e fidedignidade. Estudos de Psicologia, Campinas, v. 11, n.3, p. 3442. 1994. STEIN,L.M. TDE - Teste de Desempenho Escolar. São Paulo: Casa do Psicólogo, 1996.