Infecção pelo Vírus da Hepatite B em Usuários de - IPTSP

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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
INSTITUTO DE PATOLOGIA TROPICAL E SAÚDE PÚBLICA
Renata Carneiro Ferreira
INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE B EM USUÁRIOS DE DROGAS
ILÍCITAS NA REGIÃO CENTRO-OESTE DO BRASIL: ASPECTOS
EPIDEMIOLÓGICOS E MOLECULARES
Orientadora:
Profª Drª Regina Maria Bringel Martins
Tese de Doutorado
Goiânia-GO, 2008
UNIVERSIDADE FEDERAL DE GOIÁS
INSTITUTO DE PATOLOGIA TROPICAL E SAÚDE PÚBLICA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM MEDICINA TROPICAL
Renata Carneiro Ferreira
INFECÇÃO PELO VÍRUS DA HEPATITE B EM USUÁRIOS DE DROGAS
ILÍCITAS NA REGIÃO CENTRO-OESTE DO BRASIL: ASPECTOS
EPIDEMIOLÓGICOS E MOLECULARES
Orientadora:
Profª Drª Regina Maria Bringel Martins
Tese submetida ao Programa de PósGraduação em Medicina Tropical/
Instituto de Patologia Tropical e Saúde
Pública da Universidade Federal de
Goiás, como requisito parcial para
obtenção do Grau de Doutor em
Medicina Tropical na área de
concentração de Microbiologia.
Este trabalho foi realizado com o auxílio financeiro do CNPq, processo nº
475823/2006-0
Goiânia-GO, 2008
II
Dedico este trabalho à minha família.
Aos meus pais, Marcos e Jane, por aceitarem e acreditarem na
minha criação e em meu crescimento pessoal e profissional;
À minha irmã Johen e ao meu irmão Max, pela ajuda, compreensão
e admiração que sempre dispensaram a mim;
Ao meu namorado, Rafael, pelo incentivo, apoio, compreensão e
carinho constantes.
III
AGRADECIMENTOS
À Deus, por seu amor incondicional e sua bondade em me presentear com
alegrias e dificuldades, que fizeram e fazem crescer e amadurecer. Que sua
presença seja constante em todos os momentos da minha existência.
À Professora Dra. Regina Maria Bringel Martins, por todas as oportunidades que
me foram oferecidas e por ensinamentos que me proporcionaram novos
caminhos a serem trilhados. Obrigada por sua orientação, dedicação, confiança,
paciência, carinho e compreensão.
À Professora Dra. Sheila Araújo Teles, pelo grande auxílio no desenvolvimento
deste projeto e na análise dos dados. Obrigada por sua amizade, alegria e
compreensão, bem como por sua contribuição na banca de qualificação.
À Professora Dra. Megmar Aparecida dos Santos Carneiro, por sua amizade,
confiança e apoio. Além da sua participação e contribuição durante a qualificação
deste trabalho. A sua presença em minha vida trouxe oportunidades das quais
não tenho como agradecer.
À Professora Dra. Marília Dalva Turchi, por sua participação e contribuição para o
engrandecimento deste trabalho durante a qualificação.
À Professora Ms. Carmen Luci Rodrigues, pessoa de coração singular, pela
companhia e dedicação durante todo o desenvolvimento deste trabalho. Por sua
consideração e preocupação comigo.
À Professora Dra. Márcia Alves Dias de Matos, minha “amiga-secreta” e vizinha
de mesa, pessoa a quem admiro muito. Na verdade, agradeço a Deus a
oportunidade de ter conhecido e convivido com você. Obrigada por tudo! Sua
amizade é uma honra para mim!
IV
À Professora Ms. Nádia Rúbia da Silva Reis, por nossa amizade. Pelo carinho,
consideração, cuidados que você sempre teve comigo. Amizade que me
acompanha desde o primeiro dia no laboratório e que se consolidou com todo
esse tempo de convivência. Cresci muito e você contribuiu para isso.
À amiga Laura Branquinho do Nascimento, da “turma dos pequenos” e que
acabou fazendo amizade com a “turma dos grandes”... e, na verdade somos do
mesmo tamanho e com gosto musical parecido. Agradeço muito por sua ajuda,
seu cuidado e atenção comigo. F.M.
À Ms. Aline Garcia Kozlowski, por sua ajuda e apoio no desenvolvimento do
trabalho. Sua amizade, determinação e competência foram essenciais. Obrigada!
À Ms. Nara Rúbia de Freitas, por sua amizade, seu carinho e atenção. Sua
postura diante da vida é um exemplo para mim. Admiro muito você.
À Viviane Rodrigues Tavares, amiga de sorriso inigualável e sincero. Sua
presença e apoio foram fundamentais. Obrigada!
À Thaís Augusto Marinho, pela força, apoio e, principalmente, por sua
contribuição para o desenvolvimento deste trabalho. Obrigada por seu carinho,
compromisso e ajuda.
À Tamíris Augusto Marinho, bolsista desse projeto, por sua dedicação e
compromisso. Além do apoio constante e carinho.
Ao amigo Ágabo Macedo Costa e Silva, por sua grande contribuição durante a
realização dos ensaios sorológicos e moleculares. Sua ajuda foi essencial.
Obrigada!
À amiga “granfa” Adriane Silveira Gomes, que mesmo distante demonstrou apoio,
carinho e amizade por mim. Amizade muito digna!
V
À Nativa Helena Alves Del’Rios, Láiza Alencar Santos Barros e Lyriane Apolinário
Araújo, recém chegadas ao Laboratório de Virologia, obrigada pelo apoio e
carinho.
À Fabiana Perez Rodrigues e Ana Rita Coimbra Motta Castro, pela realização
das coletas em Campo Grande, Mato Grosso do Sul, e à Antônia Novaes, pelas
coletas em Cuiabá, Mato Grosso. Obrigada por estarem sempre dispostas a me
ajudar no que fosse possível e, até mesmo no que parecia impossível. Sem o
apoio de vocês a realização deste trabalho teria sido mais difícil. Muito obrigada!
À Equipe do NUCLAIDS (FEN/UFG), pelo auxílio em algumas das coletas.
Obrigada!
Aos funcionários e professores do Instituto de Patologia Tropical e Saúde Pública
da Universidade Federal de Goiás.
Aos responsáveis pelos centros de tratamento de usuários de drogas, por
permitirem a realização do presente estudo.
Aos usuários de drogas que consentiram em participar deste estudo, tornando
possível a sua realização.
Ao Programa de Pós-Graduação em Medicina Tropical, por contribuir com o meu
desenvolvimento profissional.
Ao Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), pelo
apoio financeiro.
VI
“Devemos tratar nossas convicções como guerreiros
que chegam à praia inimiga e queimam
os navios para não haver retorno,
só vitória”
autor desconhecido
VII
SUMÁRIO
ÍNDICE DE TABELAS....................................................................................................XI
ÍNDICE DE FIGURAS..........................................................................................XII
ÍNDICE DE QUADROS........................................................................................XII
RESUMO.............................................................................................................XIII
SUMMARY..........................................................................................................XIV
1.0 INTRODUÇÃO................................................................................................01
1.1
Identificação
e
estrutura
do
vírus
da
hepatite
B..............................................01
Variabilidade
1.2
do
HBV......................................................................................05
Replicação
1.3
viral...............................................................................................08
1.4
Aspectos
clínicos
e
patogenia
da
infecção
pelo
HBV.....................................10
1.5
Tratamento
da
hepatite
B................................................................................14
1.6
Diagnóstico
laboratorial
da
infecção
pelo
HBV................................................15
1.7
Epidemiologia
da
infecção
pelo
HBV..............................................................19
1.8
Infecção
oculta
pelo
HBV................................................................................24
VIII
Prevenção
1.9
e
controle
da
infecção
pelo
HBV...................................................25
1.10 Hepatite B em usuários de drogas...............................................................28
1.11 Justificativa...................................................................................................34
2.0 OBJETIVOS....................................................................................................36
Objetivo
2.1
geral..................................................................................................36
Objetivos
2.2
específicos......................................................................................36
3.0 MATERIAL E MÉTODOS...............................................................................37
3.1 População estudada.......................................................................................37
Entrevista
3.2
e
coleta
de
sangue.........................................................................37
Testes
3.3
sorológicos..........................................................................................38
Detecção
3.3.1
do
HBsAg.....................................................................................38
3.3.2
Detecção
do
anti-HBc
total...........................................................................39
Detecção
3.3.3
do
anti-
HBs..................................................................................40
3.3.4
Detecção
do
HBeAg
e
anti-
HBe...................................................................40
3.3.5
Detecção
do
anti-
HCV..................................................................................42
IX
Detecção
3.3.6
do
anti-
HIV...................................................................................43
Detecção
3.4
e
genotipagem
do
HBV
DNA..........................................................45
Extração
3.4.1
do
HBV
DNA.................................................................................45
Reação
3.4.2
em
cadeia
da
polimerase
(PCR).....................................................46
Eletroforese
3.4.3
em
gel
de
agarose...................................................................47
Genotipagem através da análise do polimorfismo de comprimento dos
3.4.4
fragmentos de restrição (restriction fragment lenght polymorphism –
RFLP).............................................................................................................
.......47
Análise
3.5
dos
dados...........................................................................................48
4.0 RESULTADOS................................................................................................49
Características
4.1
da
população
estudada..........................................................49
Marcadores
4.2
sorológicos
dos
usuários
de
drogas
ilícitas.................................50
4.3
Perfil da infecção pelo HBV por tipo de usuário de droga e por
cidade..................................................................................................................
..51
X
4.4
Fatores sócio-demográficos e de risco associados à infecção pelo
HBV.....................................................................................................................
..52
4.5
Características
sorológicas
e
moleculares
dos
pacientes
HBsAg
positivos..............................................................................................................
...56
4.6
Infecção
oculta
pelo
vírus
da
hepatite
B.........................................................57
5.0 DISCUSSÃO...................................................................................................58
6.0 CONCLUSÕES...............................................................................................67
7.0 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...............................................................68
XI
ÍNDICE DE TABELAS
Tabela 1. Características sócio-demográficas dos 1002 usuários de drogas não
injetáveis (UDNI) e injetáveis (UDI) na Região Centro-Oeste, Brasil....................49
Tabela 2. Prevalência dos marcadores sorológicos para hepatite B em usuários
de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste, Brasil.................................................50
Tabela 3. Fatores sócio-demográficos e de risco associados à infecção pelo HBV
em usuários de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste, Brasil............................53
Tabela 4. Análise multivariada dos fatores de risco associados à infecção pelo
HBV em usuários de drogas na Região Centro-Oeste, Brasil...............................55
Tabela 5. Características sorológicas e moleculares das amostras HBsAg
positivas.................................................................................................................56
Tabela 6. Características dos usuários de drogas ilícitas com infecção oculta pelo
vírus da hepatite B.................................................................................................57
XII
ÍNDICE DE FIGURAS
Figura 1. A) Micrografia eletrônica mostrando a partícula completa (a) e
subpartículas (b) do HBV; B) Representação diagramática do genoma do vírus da
hepatite B..............................................................................................................03
Figura 2. Perfil sorológico da hepatite B aguda.....................................................17
Figura 3. Perfil sorológico da hepatite B crônica...................................................17
Figura 4. Distribuição mundial da hepatite B crônica............................................23
Figura 5. Prevalência da infecção pelo HBV em usuários de drogas não injetáveis
(UDNI) e injetáveis (UDI) nas cidades de Goiânia, Cuiabá e Campo Grande,
Região Centro-Oeste.............................................................................................51
ÌNDICE DE QUADROS
Quadro 1. Estudos sobre prevalência da infecção pelo HBV em usuários de
drogas injetáveis....................................................................................................31
XIII
Quadro 2. Estudos sobre prevalência da infecção pelo HBV em usuários de
drogas não injetáveis.............................................................................................33
Quadro 3. Seqüência dos primers utilizados na PCR-1 e PCR-2.........................47
RESUMO
Os usuários de drogas (UD) ilícitas apresentam risco aumentado de infecção pelo
vírus da hepatite B (HBV). Este estudo teve como objetivo investigar o perfil
soroepidemiológico e molecular da infecção pelo HBV em UD na Região CentroOeste do Brasil. Um total de 1002 usuários participou desta investigação, sendo
150 usuários de drogas injetáveis (UDI) e 852 não injetáveis (UDNI), os quais
foram entrevistados em 34 centros de recuperação e, amostras de sangue
coletadas para detecção dos marcadores sorológicos. As amostras HBsAg e antiHBc reagentes foram submetidas à detecção do HBV DNA, sendo as positivas
genotipadas pela análise do polimorfismo de comprimento de fragmentos de
restrição (RFLP). A prevalência global da infecção pelo HBV em UD ilícitas foi de
15,0% (IC 95%: 12,8-17,4), sendo 20,7% (IC 95%; 14,7-28,2) no grupo de UDI e
de 14,0% (IC 95%; 11,7-16,5) em UDNI. Os fatores de risco associados ao HBV
foram idade superior a 30 anos, procedência de Cuiabá, tempo de uso de drogas
ilícitas > 10 anos e soropositividade para o vírus da hepatite C (HCV) e vírus da
imunodeficiência humana (HIV). Dentre as 10 amostras HBsAg reagentes, o HBV
DNA foi detectado em 2/2 HBeAg e 5/7 (71,4%) amostras anti-HBe positivas.
Destas, 5 (71,4%) foram do genótipo A, 1 (14,3%) do genótipo D e 1 (14,3%) do
XIV
genótipo F. Um índice de infecção oculta pelo HBV de 3,6% foi encontrado nos
usuários anti-HBc reagentes. Apenas 7,8% da população estudada apresentaram
evidência sorológica de vacinação prévia contra hepatite B. Os achados deste
estudo mostraram que medidas preventivas, com ênfase na vacinação contra o
HBV, são necessárias para o controle desta infecção em usuários de drogas
ilícitas.
SUMMARY
Illicit drug users (DU) have shown an increased risk to hepatitis B virus (HBV).
This study aimed to investigate the seroepidemiological and molecular profile of
HBV infection among DU in Central-West Region of Brazil. A total of 1002 drug
users participated of this investigation, being 150 injection drug users (IDU) and
852 noninjecting drug users (NIDU). All of them were interviewed in 34 treatment
drug centers, and blood samples collected for serological markers. HBsAg and
anti-HBc reactive samples were subjected to the HBV DNA detection and positive
samples were genotyped by restriction fragment length polymorphism (RFLP).
The overall HBV infection prevalence was 15.0% (95% CI: 12.8-17.4) among DU,
being 20.7% (95% CI; 14.7-28.2) in the IDU group and 14.0% (95% CI; 11.7-16.5)
in NIDU. Risk factors associated to HBV infection were age > 30 years, living in
Cuiabá city, duration of illicit drug use > 10 years and seropositivity for hepatitis C
virus (HCV) and human immunodeficiency virus (HIV). Among the HBsAg-positive
samples (n=10), HBV DNA was detected in 2/2 HBeAg and 5/7 (71.4%) anti-HBe
positive samples. Of these, 5 (71.4%) were of genotype A, 1 (14.3%) of genotype
D and 1 (14.3%) of genotype F. HBV occult infection rate of 3.6% was found
XV
among the anti-HBc-positive drug users. Only 7.8% of this population showed
serological evidence of previous hepatitis B vaccination. The findings of this study
show that preventive measures, with emphasis on HBV vaccination, are needed
to control this infection in illicit drug users.
XVI
1.0 INTRODUÇÃO
1.1 Identificação e estrutura do vírus da hepatite B
Em 1965, Blumberg et al. descobriram, em uma amostra de soro de um
aborígine australiano, um antígeno que reagia especificamente com um anticorpo
presente no soro de um paciente hemofílico (denominado “antígeno Austrália” AU). Em 1968, observou-se que o AU (mais tarde denominado de antígeno de
superfície do vírus da hepatite B ou HBsAg) era encontrado especificamente no
soro de pacientes com hepatite B (Prince 1968, Okochi & Murakami 1968,
Hollinger 1996). Sua identificação proporcionou um grande avanço nas pesquisas
sobre hepatite, favorecendo o estudo da doença e da natureza do vírus (Bayer et
al. 1968, Almeida et al. 1969). Em 1970, Dane et al. identificaram a partícula
completa do vírus da hepatite B (HBV) (Dane et al. 1970).
A partícula viral completa, denominada inicialmente de partícula de Dane,
possui 42 nm de diâmetro (Figura 1A). Externamente, apresenta um envelope
contendo o HBsAg. Internamente, a partícula é formada por um nucleocapsídeo
icosaédrico de aproximadamente 30 nm de diâmetro, constituído pela proteína do
core, ou antígeno do core (HBcAg), que envolve o DNA viral e a enzima DNA
polimerase/transcriptase reversa (Blum 1993, Koff 1994, Kidd-Ljunggren 1996,
Hollinger 1996, Bruss 2007).
As proteínas antigênicas de superfície são também secretadas pelos
hepatócitos como partículas lipoprotéicas. Essas partículas subvirais são
esféricas e tubulares, possuindo aproximadamente 22 nm de diâmetro (Figura
1A). São encontradas circulando no sangue de indivíduos infectados pelo HBV,
em uma concentração de 10.000 vezes maior que os vírus. Além disso, se
diferem da partícula viral completa por não conterem nucleocapsídeo, portanto
não são infecciosas (Simon et al 1998, Hollinger 1996, Gilbert et al. 2005, Bruss
2007, Glebe 2007).
O
HBV,
classificado
na
família
Hepadnaviridae,
gênero
Orthohepadenavirus, apresenta um genoma extremamente compacto (Rapicetta
et al. 2002), composto por DNA circular de fita parcialmente dupla com 3.200
pares de bases (pb) (Figura 1B) (Kao & Chen 2002). Esse vírus apresenta em
seu genoma quatro seqüências abertas de leitura (ORF), que codificam as
proteínas virais, e quatro promotores, que regulam a atividade gênica (Ngui et al.
1999, Seeger & Mason 2000, Hatzakis et al. 2006).
A primeira ORF é a região Pré-S/S, que codifica as proteínas de superfície,
denominadas L (large), M (middle) e S (small), as quais são sintetizadas a partir
dos códons de iniciação das regiões Pré-S1, Pré-S2 e S, respectivamente, e no
final da região S, apresentam o mesmo códon de terminação (Nassal 1996,
Seeger & Mason 2000, François et al. 2001, Kao & Chen 2002). Essas proteínas
são componentes imunogênicos de superfície do HBV, desempenhando, assim,
um importante papel na indução da imunidade contra esse vírus (Heermann et al.
1987, Hourvitz et al. 1996, Leroux-Roels et al. 1997, Le Seyec et al. 1998, Kao &
Chen 2002).
A proteína de superfície large, de 39 kDa, codificada pelas regiões Pré-S1,
Pré-S2 e S, dependendo do genótipo apresenta 109 ou 118 aminoácidos (aa) e
tem um papel importante na montagem e infecciosidade do HBV. Além disso,
acredita-se que este seja o local de reconhecimento para a adsorção do vírus aos
hepatócitos (Le Seyec et al. 1998, Glebe 2007, Hollinger 2007). Codificada pelas
regiões Pré-S2 e S, a proteína middle de 31 kDa, possui 281 aa e sua função
2
ainda não está bem esclarecida. Sabe-se apenas que sua ausência não impede
a formação da partícula viral e nem a infecciosidade da mesma (Glebe 2007,
Hollinger 2007). A região S codifica a proteína small, formada por 226
aminoácidos e com 24 kDa, que apresenta o determinante “a”, o qual induz uma
resposta protetora em seres humanos, independente do subtipo do HBV (Howard
& Allison 1995, Glebe 2007, Hollinger 2007).
b
1A
a
1B
Figura 1 - A) Micrografia eletrônica mostrando a partícula completa (a) e
subpartículas (b) do HBV; B) Representação diagramática do genoma do vírus da
hepatite B
Fonte: A) www.sciencephoto.com/DR LINDA STANNARD,UCT/SCIENCE PHOTO LIBRARY; B) Hunt et al. 2000.
A região Pré-core/core, a segunda ORF, possui dois códons de iniciação
responsáveis por codificar as proteínas core (HBcAg) e antígeno e (HBeAg).
Durante a transcrição dessa região, é produzido um polipeptídeo precursor
formado por 214 aa, que é clivado posteriormente no retículo endoplasmático
(Sugiyama et al. 2007), sendo encontrado no citoplasma e núcleo dos
hepatócitos (Hadziyannis 1995). A proteína core apresenta capacidade de
3
automontagem para formação do nucleocapsídeo, sendo importante na etapa de
empacotamento do RNA pré-genômico. Além disso, independente das células T,
o HBcAg induz à produção de anticorpos (anti-HBc) (Gerlich et al. 2007). O
HBeAg é um peptídeo solúvel derivado de ambas as regiões pré-core/core, que é
processado e secretado pelas células hepáticas. Esse, comumente serve como
marcador de replicação viral ativa, por isso é encontrado durante a infecção
aguda ou nos portadores crônicos, podendo induzir tolerância imunológica e,
consequentemente, o desenvolvimento de hepatite crônica (Milich et al. 1990,
Kao & Chen 2002, Hatzakis et al.2006, Kay & Zoulim 2007).
A terceira ORF é a região X, responsável pela síntese de um polipeptídeo
pequeno de 17 kDa, o antígeno X (HBxAg) (Zoulim et al. 1994, Glebe 2007).
Algumas funções têm sido atribuídas a essa proteína, como a ação de ativadora
transcricional alterando a expressão de genes da célula hospedeira; a sua
capacidade de prejudicar o reparo do DNA, o que explicaria o aumento de
mutações celulares importantes; além da sua capacidade em interferir na
atividade da proteína p53, que apresenta a função supressora de tumor e
ativadora de apoptose, podendo ser então responsável pela evolução para
cirrose ou carcinoma hepatocelular nos pacientes cronicamente infectados
(Henkler & Koshy 1996, Kramvis & Kew 1998, Ogden et al. 2000, Seeger &
Mason 2000, Arbuthnot & Kew 2001, Diao et al. 2001, Glebe 2007).
A última ORF é maior e se sobrepõe as demais (Zuckerman & Zuckerman
2003), sendo conhecida como região P ou Pol. Essa região codifica a polimerase
viral e apresenta quatro domínios: (1) amino-terminal, que atua como proteína
terminal ou primase, necessária para o início da síntese da fita de DNA de
polaridade negativa; (2) espaçadora, que parece não ter função definida; (3) de
4
transcriptase reversa, responsável pela transcrição reversa do RNA prégenômico em DNA, e (4) carboxi-terminal, que exibe atividade de RNase H (Ngui
et al. 1999, Seeger & Mason 2000).
1.2 Variabilidade do HBV
Subtipos sorológicos
Estudos iniciados nos anos 70 identificaram variações antigênicas no
HBsAg, definidas por dois pares de determinantes alélicos mutuamente
exclusivos, d/y e w/r, que juntamente com o determinante comum a, resultam em
quatro diferentes subtipos sorológicos do HBV: adw, ayw, adr e ayr (Le Bouvier
1971, Bancroft et al. 1972). Ainda a identificação de subespecificidade do
subdeterminante w (w1-w4) e do determinante q permitiu uma classificação mais
ampla em nove subtipos sorológicos: adw2, adw4, ayw1, ayw2, ayw3, ayw4, adrq+,
adrq- e ayr (Couroucè et al. 1976, Couroucè-Pauty et al. 1978).
Genótipos
A divergência encontrada na seqüência genômica completa do HBV, em
mais de 8%, permite a identificação de oito genótipos, classificados de A a H.
Esses genótipos podem, ainda, ser divididos em subgrupos que apresentam
diferenças entre seus nucleotídeos (nt) entre 4% e 8%, sendo assim,
denominados subgenótipos. Já o termo clade define os grupos que, dentro dos
subgenótipos, apresentem uma divergência menor que 4% (Okamoto et al. 1988,
Kramvis et al. 2005).
5
Existe uma associação parcial entre os subtipos e genótipos do HBV. O
subtipo ayw1 corresponde aos genótipos A e B. O subtipo adw2 associa-se aos
genótipos A, B, C, e G. Os subtipos que apresentam o determinante r se
restringem ao genótipo C e, os subtipos ayw2 e ayw3, ao genótipo D. As amostras
ayw4 têm sido identificadas como do genótipo E e, as do subtipo adw4 como
genótipos F e H (Norder et al. 1992, Norder et al. 1993, Magnius & Norder 1995,
Stuyver et al. 2000, Arauz-Ruiz et al. 2002, Chu & Lok 2002, Kao 2002, Norder et
al. 2004).
Mutações
Durante o curso da infecção pelo HBV, erros espontâneos da transcriptase
reversa viral ocasionam mutações no genoma viral (Fattovich et al. 2008). Essas
variantes surgem de deleções, recombinações ou inserções de nucleotídeos que
podem ocorrer nos genes estruturais e não-estruturais, ou mesmo nos elementos
regulatórios do HBV (Blum et al. 1991, Baumert et al. 1996, Baumert et al. 2007).
Estudos têm observado que a mutação mais comum na região S é a
substituição da glicina pela arginina no códon 145 do HBsAg (G145R), ou de
aspartato pela alanina no códon 144 (D144A). As mudanças conformacionais que
ocorrem em resposta a essas substituições podem afetar o reconhecimento dos
vírus mutantes pelos anticorpos neutralizantes (Weber 2005). Assim, em
indivíduos que recebem imunização passiva ou ativa (imunoglobulina humana ou
vacina contra hepatite B), os vírus mutantes escapam do sistema imune e se
replicam. Há ainda a possibilidade de reativação da doença no portador crônico
do HBV, ou de falha na detecção do HBsAg nos ensaios sorológicos (Yamamoto
6
et al. 1994, Zuckerman & Zuckerman 2003, Weber 2005, Gonçales & Gonçales
Jr, 2006, Hatzakis et al. 2006).
Algumas mutações na região pré-core têm sido observadas em pacientes
HBeAg negativos que apresentam viremia. A mutação mais frequentemente
encontrada é a troca da guanina pela adenina (G1896A), que converte o códon
28 de triptofano (TGG) em um códon de parada de leitura (TAG), afetando a
tradução e síntese do HBeAg (Okamoto et al. 1990, Sato et al. 1995, Tacke et al.
2004). O nt 1896 se pareia com o nt 1858 e, esse pareamento está envolvido na
formação da alça (stem-loop), denominada epsilon (ε), que é necessária para
estabilização do sinal de encapsidação do RNA pré-genômico durante a
replicação viral. Entretanto, se não ocorrer a mutação no nt 1858, o pareamento
de bases é prejudicado, desestabilizando a estrutura ε, o que leva à diminuição
ou ausência da síntese do HBeAg (Hunt et al 2000, Locarnini 2004).
Nos genótipos B, D, E e G, bem como em alguns isolados do genótipo C,
há uma timina (T) na posição 1858. Assim, a mutação no códon de parada
G1896A estabiliza a estrutura ε. Já nos genótipos A, F e em alguns isolados do
C, o nt na posição 1858 é uma citosina (C), consequentemente a mutação précore raramente é detectada nesses genótipos (Locarnini 2004).
Mutações também ocorrem no promotor core do HBV. Dentre elas, duas
mutações pontuais são freqüentes e envolvem os nt 1762 e 1764, que reduzem a
tradução do RNAm core e pré-core (Hunt et al. 2000). A mutação dupla
A1762T/G1764A afeta a transcrição dessa região reduzindo também a expressão
do HBeAg e, parece aumentar a carga viral na tentativa de remover o efeito
inibitório da proteína pré-core (Hunt et al. 2000, Locarnini 2004, Tacke et al. 2004,
Gonçales & Gonçales Jr 2006). Essa mutação parece estar relacionada ao risco
7
aumentado de desenvolvimento de carcinoma hepatocelular (HCC) (Liu et al.
2006).
A região da polimerase apresenta uma seqüência altamente conservada,
denominada YMDD (tirosina-metionina-aspartato-aspartato), responsável pelo
sítio catalítico da transcriptase reversa, e considerada molécula alvo para
tratamento com lamivudina em pacientes com infecção crônica pelo HBV.
Entretanto, em pacientes sob tratamento prolongado com esse antiviral pode
ocorrer mutações na região da polimerase, por substituição da metionina por
valina (M500V) ou por isoleucina (M500I) no códon 500, gerando as regiões
YVDD e YIDD, respectivamente, em variantes resistentes a lamivudina (Allen et
al. 1998, Zoulim 2004, Gonçales & Gonçales Jr 2006).
1.3 Replicação Viral
A principal característica do ciclo replicativo do HBV é a síntese de uma
fita parcialmente dupla do DNA viral, por meio da transcrição reversa de um RNA
intermediário, denominado RNA pré-genômico (pgRNA) (Seeger & Mason 2000,
Ganem & Prince 2004, Beck & Nassal 2007).
Alguns mecanismos que envolvem a replicação desse vírus, como por
exemplo, a adsorção e penetração da partícula viral nos hepatócitos do
hospedeiro, ainda não estão totalmente esclarecidos. Entretanto, acredita-se que
a proteína large apresenta o sítio de reconhecimento para adsorção do vírus a
um receptor localizado na superfície da célula alvo (Hollinger 2007). Após a
penetração, o vírus perde seu envoltório, liberando o nucleocapsídeo contendo
DNA de fita parcialmente dupla circular (Beck & Nassal 2007), que é então
8
transportado até a membrana nuclear, onde o genoma viral atravessa os poros
nucleares chegando ao núcleo celular (Kann et al. 1997).
No interior do núcleo, o HBV DNA, pela ação da DNA polimerase, é
convertido em um DNA de fita dupla circular covalentemente fechada (cccDNA)
(Beck & Nassal 2007), que serve de molde para a transcrição de moléculas do
pgRNA (3,5 Kb) e outras moléculas de mRNA viral (0,7; 2,1 e 2,4 Kb). Essa
transcrição ocorre por ação da enzima celular RNA polimerase II (Gonçales JR
2002, Ganem & Prince 2004, Beck & Nassal 2007).
As moléculas de mRNA viral são transportadas para o citoplasma e
traduzidas em proteínas virais de superfície, core, polimerase e X. No citoplasma
da célula hospedeira, o nucleocapsídeo é formado, pela montagem do pgRNA
juntamente com a DNA polimerase/transcriptase reversa. Inicia-se então a
transcrição reversa do pgRNA dentro do nucleocapsídeo viral, onde há a
formação da primeira fita de cadeia longa (negativa) do DNA viral. Durante ou
após a síntese dessa fita, o pgRNA é degradado pela ação enzimática da RNase
H da polimerase e, por ação da DNA polimerase, ocorrendo a síntese incompleta
da fita positiva do DNA viral (Gonçales JR 2002, Ganem & Prince 2004, Beck &
Nassal 2007, Hollinger 2007).
Após a formação da fita de DNA circular parcialmente dupla, o
nucleocapsídeo adquire o envelope por meio do brotamento no retículo
endoplasmático. Em seguida, os vírions são liberados dos hepatócitos. Por outro
lado, algumas moléculas de DNA são transportadas de volta ao núcleo, podendo
ser convertidas em cccDNA, possibilitando a conservação intracelular das
mesmas (Seeger & Mason 2000, Ganem & Prince 2004, Beck & Nassal 2007).
Durante a replicação viral, há a produção de aproximadamente 1011
9
moléculas/dia, sendo que durante o pico da replicação esta taxa pode aumentar
de 100 a 1000 vezes (Hollinger 2007).
1.4 Aspectos clínicos e patogenia da infecção pelo HBV
A hepatite causada pelo HBV, considerada uma das doenças virais mais
importantes que afetam o homem, é uma infecção que pode ocasionar doença
hepática aguda e crônica, incluindo cirrose e carcinoma hepatocelular (HCC)
(Kao & Chen 2002, Xu & Chen 2006, Chang 2007, Chang & Lewin 2007). Estimase que cerca de 30-40% dos 400 milhões de portadores crônicos do HBV
progridam para cirrose, onde 1-5% desses indivíduos desenvolvam, a cada ano,
carcinoma hepatocelular (Maddrey 2001, Zuckerman & Zuckerman 2000,
Hilleman 2001, Lai et al. 2003, Liu & Kao 2007).
A doença hepática aguda pode ser assintomática ou sintomática. Essa
última pode ainda se manifestar na forma benigna, com completa recuperação do
dano hepático; prolongada, onde o curso da doença é longo, ou na forma grave
ou fulminante. Baseando-se na sua evolução, a hepatite aguda pode ser
classificada em quatro fases: período de incubação, fase prodrômica ou préictérica, fase ictérica e fase convalescente (Focaccia 2002, Chang 2007).
O período de incubação varia de 45 a 180 dias. A fase prodrômica, ou préictérica, ocorre alguns dias antes do início da icterícia, sendo caracterizada por
sintomas similares aos da gripe, como febre baixa, fadiga, anorexia, mialgia,
náuseas e vômitos, dores abdominais, dentre outros (Hollinger 1996, Befeler & Di
Bisceglie 2000, Gonçales JR 2002).
10
Na fase ictérica da hepatite viral aguda, há o surgimento de urina de
coloração escura, ou marrom-dourado, devido o aumento de bilirrubina; fezes
claras e coloração amarelada da pele e mucosas, onde cerca de 20% dos
indivíduos infectados apresentam icterícia reconhecida clinicamente. Os níveis
séricos de bilirrubina (principalmente da fração direta) e aminotransferases
(ALT/AST) encontram-se elevados, sendo que as últimas estão associadas à
presença de lesões hepáticas. Em 85% dos casos, essa fase se manifesta após
10 dias do início dos sintomas e geralmente dura cerca de 20 dias (Molner &
Meyer 1940, Zuckerman 1965, Gonçales JR 2002, Mendonça & Vigani 2006,
Chang 2007).
A fase de convalescença dura em média de 20 a 30 dias, com melhora
progressiva da sintomatologia clínica, marcada pela lenta diminuição da
hepatomegalia e esplenomegalia (quando presentes), além dos sintomas
dispépticos e relacionados à icterícia (Gonçales JR 2002).
Já a hepatite fulminante é caracterizada pela evolução rápida para
insuficiência hepática, com a presença de icterícia, encefalopatia hepática,
coagulopatia e níveis altos de aminotransferases. Acredita-se que a mesma
ocorra devido à maciça lise dos hepatócitos infectados pelo HBV mediada por
uma acentuada resposta imune do hospedeiro. Geralmente, essa forma de
doença hepática surge no período de oito semanas após o início da icterícia em
1% dos indivíduos infectados pelo HBV, sendo responsável por um alto índice de
mortalidade (Hollinger 1996, Inoue et al. 1998, Befeler & Di Bisceglie 2000,
Petrosillo et al. 2000, Raimondo et al. 2003, Gonçales JR 2002, Fattovich 2003,
Mendonça & Vigani 2006).
11
Por outro lado, o desenvolvimento da hepatite B crônica depende de
fatores como idade na qual a infecção é adquirida, a contínua replicação do HBV
no fígado e a resposta imune do hospedeiro à infecção, sendo que essa se
desenvolve naqueles pacientes incapazes de eliminar o vírus. Dessa forma,
quando a infecção é adquirida no período neonatal, cerca de 90% dos casos
evoluem para a cronicidade. Em crianças com idade de um a cinco anos, esse
índice é de 25% a 50% e, em adultos de 5% a 10% (Hyams 1995, Maddrey 2001,
Gonçales JR 2002, Jung & Pape 2002, Lai et al. 2003, Chang 2007).
Alguns dos pacientes cronicamente infectados podem não apresentar
evidências clínicas ou bioquímicas de doença hepática. Esses casos são
classificados como portadores assintomáticos da hepatite B ou simplesmente
portadores do HBsAg (De Franchis et al. 1993). Outros pacientes apresentam
sintomas inespecíficos como fadiga, podendo ter um padrão cíclico, com
elevação das transaminases e remissão, com níveis normais das enzimas
hepáticas (Maruyama et al. 1993).
A persistência da infecção pelo HBV por vários anos pode aumentar a
chance do desenvolvimento de cirrose e carcinoma hepatocelular (Kew 1998,
Arbuthnot & Kew 2001, Gonçales JR 2002, Feitelson & Lee 2007). Alguns fatores
podem contribuir para a progressão da doença hepática relacionada ao HBV,
dentre eles, o sexo masculino, o consumo de álcool, história familiar de HCC,
infecção na infância pelo HBV, presença do antígeno e do HBV e do genoma viral
(cccDNA), além da presença de co-infecção por outros vírus hepatotrópicos
(Baffis et al. 1999, Mendonça & Vigani 2006).
O vírus da hepatite B é responsável por induzir dano tecidual de gravidade
variável, não causando efeito citopático direto nos hepatócitos (Ferrari et al. 2003,
12
Chang & Lewin 2007). Esse comprometimento do tecido hepático inicia-se após a
estimulação da resposta imune celular e humoral do hospedeiro contra antígenos
virais específicos, presentes na superfície das células hepáticas infectadas pelo
vírus (Gonçales JR 2002, Ferrari et al. 2003).
A eliminação viral é realizada pela lise das células infectadas,
principalmente por linfócitos T citotóxicos CD8+, responsáveis pela resposta
direcionada contra múltiplos epítopos do core, da polimerase e das proteínas do
envelope do HBV (Rehermann et al. 1996, Rapicetta et al. 2002, Ganem & Prince
2004, Vierling 2007). Porém, a destruição celular não é a única estratégia capaz
de eliminar o HBV (Ferrari et al. 2003). Por meio de mecanismos não-citolíticos,
os linfócitos T citotóxicos liberam citocinas como interferon-gama (IFN-γ) e fator
de necrose tumoral-alfa (TNF-α) no fígado, que regulam a replicação do HBV
sem destruir a célula infectada. Assim, o IFN-γ inibe a expressão gênica do vírus,
sem ocasionar a morte direta dos hepatócitos, além de ser o principal
responsável pelo recrutamento e ativação de células da resposta imune inata no
fígado, como macrófagos e células natural killer. Outro mecanismo não-citolítico
envolve a resposta imune humoral, onde linfócitos B produzem anticorpos
específicos, responsáveis por formar um complexo com as partículas virais livres,
prevenindo a infecção de hepatócitos susceptíveis (Gonçales JR 2002, Rapicetta
et al. 2002, Ferrari et al. 2003, Ganem & Prince 2004, Inchauspé & Michel 2007).
Durante a fase aguda, os hepatócitos infectados pelo HBV expressam em
sua superfície um complexo formado por proteínas do HBV e proteínas HLA de
classe I e II (antígeno leucocitário humano), sendo esse complexo apresentado
aos linfócitos T citotóxico CD8+ e auxiliar CD4+ (naive), respectivamente. Após o
reconhecimento, os linfócitos T atuam eliminando a célula infectada e produzem
13
interleucinas e interferon-α (IFN-α), responsáveis por induzir a produção de IFN-γ
e proliferação de células T citotóxicas (Ferrari et al. 1991, Penna et al. 1996,
Gonçales JR 2002, Chang & Lewin 2007, Inchauspé & Michel 2007, Vierling
2007). Além disso, linfócitos T CD4+ ativados produzem células T antígenoespecífica (Th1 e Th2) que, além de atuar na expansão clonal de linfócitos CD8+,
liberam citocinas responsáveis por ativar os linfócitos B para produção de
anticorpos específicos (Vierling 2007). Quando a resposta imune do hospedeiro é
eficiente, essa contribui para a eliminação viral. Entretanto, fatores virais e/ou do
hospedeiro podem contribuir para uma resposta ineficiente, levando ao
desenvolvimento de uma infecção persistente (Rapicetta et al. 2002, Vierling
2007).
1.5 Tratamento da hepatite B
O tratamento da infecção causada pelo HBV tem como objetivos principais
o controle da replicação viral e a indução da remissão da doença hepática antes
da cirrose e do desenvolvimento do carcinoma hepatocelular (Badur & Akgün
2001, Conjeevaram & Lok 2003, Lai et al. 2003, Xu & Chen 2006, Pawlotsky et al
2008). Fatores como idade do paciente, gravidade da doença hepática,
probabilidade de resposta, além da possibilidade de reações adversas e
complicações, devem ser considerados na decisão do tratamento (De Franchis et
al. 2003, Dienstang 2008).
Os pacientes com hepatite B aguda não necessitam de tratamento antiviral
específico, já que cerca de 90% dos adultos são curados espontaneamente em
um período de três meses. Aos pacientes com hepatite B fulminante, recomendase o transplante de fígado (De Franchis et al. 2003, Pérez 2007).
14
O tratamento da hepatite B crônica é indicado para os pacientes coinfectados com os vírus das hepatites C e D (HCV e HDV) e da imunodeficiência
humana (HIV), HBeAg positivos, HBeAg negativos e HBsAg positivos com
manifestações extra-hepáticas que apresentem atividade replicativa significante
do HBV, sendo, portanto necessária a determinação quantitativa do HBV DNA (>
20.000 UI/mL para os pacientes HBeAg positivos e > 2.000 UI/mL para os
negativos) nesses pacientes. Além desse marcador, a elevação persistente de
aminotransferases séricas (duas vezes acima do limite normal) e biópsia hepática
demonstrando hepatite crônica com ou sem cirrose são parâmetros para a
indicação de tratamento antiviral (De Franchis et al. 2003, Pawlotsky 2003, Araújo
& Barone 2006, Lai & Yuen 2007, Dienstang 2008).
Há duas categorias de antivirais usados no tratamento da hepatite B:
agentes imunoregulatórios (o interferon alfa convencional e o interferon alfapeguilado) e os análogos de nucleosídeos (lamivudina, entecavir e telbivudina) ou
de nucleotídeos (adefovir e tenofovir) que atuam inibindo a transcrição reversa do
HBV (Xu & Chen 2006, Chang & Lewin 2007, Pawlotsky et al 2008). Atualmente,
são cinco os antivirais disponíveis para o tratamento de hepatite B crônica no
Brasil: interferon alfa convencional e o peguilado, lamivudina, entecavir e adefovir
dipivoxil (BRATS 2006).
1.6 Diagnóstico laboratorial da infecção pelo HBV
A infecção causada pelo HBV pode ser diagnosticada por testes
sorológicos capazes de detectar a presença dos marcadores específicos, como
antígenos (HBsAg e HBeAg) e anticorpos (anti-HBs, anti-HBe e anti-HBc), bem
15
como pela pesquisa do DNA viral utilizando técnicas moleculares (Hollinger 1996,
Gonçales & Cavalheiro 2006). Além disso, a avaliação hepática dos portadores
do HBV pode ser realizada pela dosagem de bilirrubinas, fosfatase alcalina,
gama-glutamiltransferase (γ-GT), desidrogenase lática, aspartato aminotrasferase
(AST) e alanina aminotrasferase (ALT), indicadoras de dano hepatocelular
(Hollinger 1996).
O HBsAg, primeiro marcador sérico detectado na infecção pelo HBV, pode
estar presente antes do início dos sintomas e, geralmente surge por volta da
quarta semana após a exposição ao vírus (Figura 3). Nos pacientes em que
ocorre a recuperação da infecção, os títulos de HBsAg declinam, desaparecendo
dentro de quatro a seis semanas. Após esse período, há o desenvolvimento de
anticorpos específicos para esse antígeno (anti-HBs), cuja presença indica
recuperação clínica e imunidade ao HBV (Hollinger 1996, Ferreira 2000, Badur &
Akgun 2001, Marinho & Agostinho 2003, Gonçales & Cavalheiro 2006).
O HBcAg é um antígeno intracelular, expresso nos hepatócitos infectados,
não sendo encontrado no soro dos pacientes mas, rotineiramente, detecta-se os
anticorpos direcionados contra ele (anti-HBc). O marcador anti-HBc
IgM
normalmente é detectável no início dos sintomas, aparecendo pouco depois do
HBsAg e diminuindo com a resolução da infecção. Já o anti-HBc total persiste por
toda a vida, sendo considerado um marcador de exposição ao HBV (Badur &
Akgün 2001, Gonçales & Cavalheiro 2006).
16
Sintomas
HBeAg
anti-HBe
anti-HBc Total
Título
anti-HBc IgM
HBsAg
anti-HBs
0
4
8
12
16
20
24
28
32
36
52
100
semanas após a exposição
Figura 2 - Perfil sorológico da hepatite B aguda
Fonte: CDC – www.cdc.gov/ncidod/diseases/hepatitis/slideset (modificado)
Crônica
(Anos)
Aguda
(6 semanas)
HBeAg
anti-HBe
HBsAg
Título
anti-HBc Total
anti-HBc IgM
0
4
8
12 16 20 24 28 32 36
52
Anos
semanas após a exposição
Figura 3 - Perfil sorológico da hepatite B crônica
Fonte: CDC – www.cdc.gov/ncidod/diseases/hepatitis/slideset (modificado)
17
Outro antígeno que surge na fase aguda é o HBeAg, cuja presença está
associada à replicação viral e infecciosidade. Esse antígeno é detectável no início
do curso da infecção, desaparecendo algumas semanas após a resolução da
fase aguda. Em resposta ao
HBeAg,
anticorpos anti-HBe são detectados,
indicando a diminuição ou ausência de replicação viral. Durante a infecção
aguda, esses anticorpos associam-se a uma provável resolução espontânea da
infecção. Contudo, em alguns pacientes HBeAg negativos e anti-HBe positivos, o
DNA viral pode ser detectado em função das mutações na região pré-core e
promotora do core (Hollinger 1996, Ferreira 2000, Badur & Akgün 2001, De
Franchis et al. 2003, Allain 2006, Gonçales & Cavalheiro 2006).
A presença do DNA viral no soro do paciente ocorre dentro de poucos dias
após o início da infecção e associa-se à replicação do vírus, sendo considerado o
marcador mais confiável de infecção presente, além de ser um parâmetro
importante para decisões terapêuticas e monitoramento da resposta ao
tratamento. Durante a infecção aguda, os níveis do HBV DNA aumentam,
atingindo um pico e, em seguida, ocorre o declínio progressivo desse marcador,
sendo que o seu desaparecimento indica infecção aguda espontaneamente
resolvida. Métodos moleculares sensíveis podem detectar o HBV DNA de 10 a 20
dias antes da detecção do HBsAg (De Franchis et al. 2003, Pawlotsky 2003, Diaz
& Mendonça 2006, Gonçales & Cavalheiro 2006).
A cronicidade da hepatite B pode ser diagnosticada sorologicamente, pela
persistência do HBsAg por seis meses ou mais no soro, podendo, ainda, ser
detectados os marcadores anti-HBc total e HBeAg ou anti-HBe (Figura 4). Além
disso, a detecção do DNA viral no soro fornece uma valiosa informação de
18
prognóstico para a infecção pelo HBV, como o risco de progressão da hepatite
crônica para cirrose e carcinoma hepatocelular. Segundo Chen et al. (2006), a
presença de níveis séricos do genoma do HBV acima de 10.000 cópias/mL é
considerada um fator para o desenvolvimento de carcinoma hepatocelular
(Juszczyk 2000, Pawlotsky 2003, Gonçales & Cavalheiro 2006, Liu & Kao 2007).
Na infecção crônica, diferentes padrões sorológicos e níveis séricos do
HBV DNA relacionam-se diretamente com as fases de desenvolvimento da
infecção (De Franchis et al. 2003, Pawlotsky 2003). A fase imunotolerante ou
replicativa é caracterizada pela presença do HBsAg por um período superior a 6
meses, onde a maioria dos indivíduos apresenta positividade para HBeAg, e a
minoria, para o anti-HBe. Além disso, essa fase é marcada pela replicação ativa
com níveis séricos do HBV DNA acima de 105 cópias/mL e níveis persistentes ou
elevados de ALT/AST (Lok & McMahon 2001, Raimondo et al. 2003, Mello &
Alves 2006). Durante a fase de imunoliberação, ou fase não replicativa ou
replicativa baixa, o HBsAg permanece elevado por mais de seis meses,
ocorrendo negativação do HBeAg e a positividade do anti-HBe. Os níveis séricos
do HBV-DNA estão abaixo de 105 cópias/mL e as enzimas hepáticas ALT/AST
apresentam níveis normais (Lok & McMahon 2001, Fattovich 2003, Gonçales &
Gonçales JR 2006, Mello & Alves 2006).
1.7 Epidemiologia da infecção pelo HBV
Transmissão
As principais formas de transmissão do HBV são as vias vertical, sexual e
parenteral/percutânea (Hou et al. 2005). Esse vírus é encontrado em diversos
19
fluidos corpóreos de indivíduos infectados, mas o sangue, sêmen, secreções
vaginais, líquido menstrual e saliva são considerados como infecciosos (Alter
2003). Alguns estudos relatam ainda a presença do HBsAg no leite materno,
lágrima, urina, secreções pancreáticas, bile e fluídos ascítico, pleural,
cerebroespinhal e nasofaríngeo. Além disso, o HBV é estável em superfícies
ambientais por mais de sete dias, podendo ocorrer a transmissão indireta do
vírus por objetos inanimados (Villarejos et al. 1974, Bond et al. 1981, Davison et
al. 1987, Hollinger 1996, Alter 2003, Lavanchy 2004, Shepard et al. 2006, Tengan
& Araujo 2006).
A transmissão vertical caracteriza-se pela transmissão do HBV da mãe
cronicamente infectada para o bebê. Existem três possíveis rotas dessa forma de
transmissão, a transplacentária, durante e após o parto. Esta última pode ocorrer
pelo leite materno ou por contato com a mãe infectada (Hou et al. 2005). Outra
forma de disseminação do HBV é pela via sexual, permitindo classificar a hepatite
B como doença sexualmente transmissível (DST). Esse modo de transmissão
ocorre principalmente entre adultos com atividade sexual de risco, levando-se em
consideração fatores como número de parceiros sexuais, anos de atividade
sexual, não uso ou uso irregular de preservativos e história de outras doenças
sexualmente transmissíveis (Alter 2003, Hou et al. 2005). Já a transmissão por
via parenteral/percutânea tem o sangue ou produtos sangüíneos contaminados
com o HBV como fonte de infecção. Pessoas com risco de infecção por essa via
são pacientes que necessitam de transfusões sangüíneas, como hemodialisados,
hemofílicos e portadores de neoplasias, além de profissionais de saúde e
usuários de drogas injetáveis (Ivey & Clifton 1970, Lai et al. 1989, Covas et al.
20
1993, Cendoroglo Neto et al. 1995, Alter 2003, Hou et al. 2005, Tengan & Araujo
2006).
Distribuição da infecção pelo HBV
Segundo a Organização Mundial de Saúde (OMS), atualmente cerca de
dois bilhões de pessoas apresentam evidência sorológica de infecção passada
ou presente pelo HBV, sendo que aproximadamente 400 milhões são portadores
crônicos do HBV no mundo e, estima-se que cerca de um milhão dos indivíduos
cronicamente infectados morram anualmente por complicações hepáticas
relacionadas a esse vírus (Mast et al. 1999, Fabrizi et al. 2002, Alter 2003,
Fattovich 2003, Lai et al. 2003, Sáez-López & Aguero-Balbin 2006, DehesaViolante & Nuñez-Nateras 2007).
Acredita-se que cerca de 45% da população mundial viva em áreas de
endemicidade alta, onde a prevalência do HBsAg é superior ou igual a 8% e o
risco de infecção pelo vírus é maior que 60%. As infecções ocorrem
principalmente no período perinatal ou na infância. Essas regiões são
consideradas em desenvolvimento e apresentam uma densidade populacional
elevada, como África sub-Sahariana, sudeste Asiático e Bacia Amazônica (Figura
5). Nas regiões de endemicidade intermediária, a prevalência do HBsAg varia de
2 a 7% e, as infecções ocorrem em crianças, adolescentes e adultos, onde 20 a
50% da população apresentam marcadores sorológicos de exposição prévia ao
HBV, e estima-se que 43% da população mundial vivem nessas áreas, que
compreendem parte das Américas do Sul e Central, como Equador, República
Dominicana, Suriname, Peru e Venezuela, países do leste e sul Europeu, Oriente
Médio, Japão, norte da África e Rússia. Já o norte e oeste Europeu, América do
Norte, Austrália e alguns países da América Latina, como Argentina, Barbados,
21
Chile, Colômbia, Costa Rica, México e Porto Rico, são consideradas regiões de
endemicidade baixa, onde a prevalência do HBsAg está abaixo de 2%, sendo
essa infecção mais comum em adolescentes e adultos jovens, principalmente em
grupos em risco, ocorrendo por transmissão sexual ou parenteral (Maynard et al.
1989, Struve et al. 1992, Hollinger 1996, André 2000, Poovorawan et al. 2002,
Alter 2003, Hou et al. 2005, Paraná & Almeida 2005, Tengan & Araujo 2006).
O Brasil é classificado como de endemicidade intermediária, mesmo
apresentando variação nas taxas de prevalência nas diferentes regiões do País,
até mesmo, dentro de um mesmo estado. A Região Sul é referida como uma área
de baixa endemicidade, com exceção do município de Francisco Beltrão, no
Paraná, que apresenta índice elevado de positividade para o HBsAg (8,3%) e
focos no Estado de Santa Catarina (10,0%). Já na Região Norte, área de alta
endemicidade, existem áreas de prevalência intermediária, como oeste do Estado
do Acre (3,3%), ou mesmo com índice baixo para HBsAg (1,6%) como a cidade
de Barcelos no Amazonas. As Regiões Centro-Oeste, Nordeste e Sudeste são
consideradas como de endemicidade intermediária, sendo que na cidade de
Vargem Alta, localizada no Estado do Espírito Santo, o índice de positividade
para o HBsAg foi de 9,0% (Fonseca 1989, Ferreira et al. 1993, Arboleda et al.
1995, Souto et al. 1996, Souto 1999, Tanaka 2000, Carrilho 2001, Brasil et al.
2003, Paraná & Almeida 2005, Viana et al. 2005).
Distribuição dos genótipos
Geograficamente, os genótipos do HBV são distribuídos da seguinte
forma: o genótipo A é prevalente nos Estados Unidos, parte da África (regiões
22
central, leste e sul), norte da Europa e Índia, sendo também encontrado nas
Filipinas e Hong Kong. O genótipo B é mais freqüente em áreas de alta
endemicidade, como a Ásia. O genótipo C acompanha a distribuição geográfica
do B, sendo também encontrado em populações presentes nas Ilhas do Pacífico.
O genótipo D encontra-se distribuído mundialmente, mas apresenta maior
prevalência no Mediterrâneo, Ásia Ocidental e Índia. O genótipo E é restrito à
África Ocidental, e o F circula na América do Sul (da Argentina à Colômbia),
Polinésia e na América Central. O genótipo G foi identificado em amostras
provenientes da França, América do Norte e Alemanha e, finalmente, o genótipo
H que circula nos Estados Unidos, Nicarágua e México (Norder et al. 1993,
Magnius & Norder 1995, Stuyver et al. 2000, Arauz-Ruiz et al. 2002, Clarke &
Bloor 2002, Kao 2002, Kao & Chen 2002, Kidd-Ljunggren et al. 2002,
Poovorawan et al. 2002, Sánchez-Tapias et al. 2002, Lai et al. 2003, Devesa et
al. 2004, Allain 2006, Kay & Zoulim 2007).
Alguns estudos mostraram a circulação dos genótipos A, B, C, D, F e G no
Brasil. Entretando observa-se predominantemente os genótipos A, D e F (Moraes
et al. 1996, De Castro et al. 2000, Teles et al. 2002, Araújo et al. 2004, Carrilho et
al. 2004, Sitnik et al. 2004, Motta-Castro et al. 2005, Lobato et al. 2006,
Bottecchia et al, 2008).
Prevalência do HBsAg
≥ 8% - endemicidade alta
2 a 7% - endemicidade intermediária
< 2% - endemicidade baixa
23
Figura 4 - Distribuição mundial da hepatite B crônica
Fonte:1.8
CDCInfecção
– www.cdc.gov/ncidod/diseases/hepatitis/slideset
(modificado)
oculta pelo HBV
Essa infecção é caracterizada pela detecção do HBV viral no soro e/ou
tecido hepático de indivíduos HBsAg soronegativos. A hepatite B oculta é uma
forma crônica da infecção relacionada à persistência do cccDNA no fígado dos
indivíduos infectados e a uma forte supressão da replicação viral e da expressão
gênica (Raimondo et al. 2007).
A identificação da infecção oculta pelo HBV é dificultada pelo baixo nível
de HBV DNA encontrado no soro dos indivíduos infectados, geralmente menor
que 500 UI/ml (Allain 2006). Assim, é necessária a utilização de técnicas de
biologia molecular altamente sensíveis e específicas. Essa detecção pode ocorrer
na presença de anticorpos anti-HBc e/ou anti-HBs e, mesmo na ausência de
qualquer marcador sorológico de infecção pelo HBV (Yuki et al 2003, Raimundo
et al. 2007).
A infecção oculta pelo HBV apresenta uma distribuição mundial, podendo
ser detectada em diferentes populações e regiões geográficas (Chemin & Trepo
2005, Raimondo et al. 2007). A persistência do HBV DNA em indivíduos HBsAg
soronegativos tem sido observada em pacientes com infecção crônica pelo HBV,
com carcinoma hepatocelular, indivíduos cronicamente infectados pelo HCV e em
indivíduos sem doença hepática, como doadores de sangue e de órgãos (Bréchot
et al. 2001).
Transmitida por transfusão sanguínea, transplante de órgãos ou mesmo
após reativação em caso de imunossupressão, essa forma de infecção pode
24
ainda favorecer o desenvolvimento de doença hepática crônica e de carcinoma
hepatocelular. Entretanto, o significado clínico, patogenia e freqüência da
infecção oculta pelo HBV precisam ser melhor esclarecidos (Conjeevaram & Lok
2001, Raimondo et al. 2003, Liu et al. 2006, Raimondo et al. 2007).
1.9 Prevenção e controle da infecção pelo HBV
As estratégias atualmente disponíveis para controlar a disseminação do
HBV e prevenir a hepatite B são as modificações comportamentais que
favorecem a transmissão viral, a imunização ativa e o uso da imunoprofilaxia
passiva (Rizzetto & Zanetti 2002, Alter 2003, Hou et al. 2005).
Para prevenir a transmissão do HBV, algumas mudanças comportamentais
devem ser consideradas, como a prática sexual segura e a não reutilização, ou
compartilhamento, de seringas e agulhas. Além disso, a triagem obrigatória dos
doadores de sangue, a melhoria dos métodos utilizados para inativação viral dos
hemoderivados e práticas adequadas de biossegurança nos estabelecimentos de
saúde são também medidas que reduzem o risco da transmissão do HBV (Hou et
al. 2005, BRASIL 2005a).
Mesmo com todas essas medidas eficazes para redução ou eliminação do
risco de transmissão do HBV, a medida de prevenção mais eficaz e segura no
controle da hepatite B é a vacinação contra o HBV (Joshi & Kumar 2001,
Lavanchy 2004, Alter 2003, BRASIL 2005a).
Disponibilizada a partir de 1982, a primeira geração de vacina contra
hepatite B, derivada de plasma de portadores do HBV, era composta por uma
grande quantidade de partículas subvirais e de partículas de Dane inativadas
25
(Joshi & Kumar 2001, Hou et al. 2005). Com o avanço da tecnologia do DNA
recombinante, houve o desenvolvimento da vacina de segunda geração,
composta pelo HBsAg recombinante purificado e adsorvido a um adjuvante, que
foi disponibilizada para uso a partir de 1986 (Joshi & Kumar 2001, Koff 2003,
Shouval 2003, Hou et al. 2005). A OMS, em 1992, estabeleceu como meta a
inclusão da vacina contra hepatite B nos programas universais de vacinação
infantil de todos os países até 1997 (CDC 2003, Chang 2007). Atualmente,
observa-se taxa de cobertura vacinal para hepatite B acima de 80% em crianças
de vários países como Mongólia, China, Estados Unidos e Brasil (BRASIL 2006,
Shepard et al. 2006, CDC 2007, Davaalkham et al. 2007, CDC 2008).
Administrada por via intramuscular, a vacina contra hepatite B deve ser
aplicada seguindo um esquema de três doses, com um intervalo de um mês entre
primeira e segunda dose, e a terceira deve ser administrada seis meses após a
primeira dose (0, 1 e 6 meses), sendo que a indução dos anticorpos protetores
ocorre em mais de 90% dos adultos e jovens sadios, e acima de 95% em
lactentes, crianças e adolescentes (Lopes 2006, Bruguera 2006). Esse esquema
pode variar de acordo com o perfil da população, como prematuros com menos
de 33 semanas, candidatos ao transplante, recém-nascidos de mães infectadas
pelo HBV, hemodialisados e pacientes imunocomprometidos (Joshi & Kumar
2001, Lopes 2006, Bruguera 2006).
Outra medida utilizada na prevenção da infecção causada pelo HBV é a
imunoprofilaxia passiva, pelo uso da imunoglobulina humana hiperimune antihepatite B (HBIG). Essa imunoglobulina contém altos níveis de anti-HBs
preparados a partir do plasma de doadores, e tem se mostrando eficaz na
prevenção da transmissão pré-exposição, em casos em que ocorre a falta da
26
vacina, ou pós-exposição viral, conferindo uma imunidade passiva temporária
(Joshi & Kumar 2001, Bruguera 2006). Comumente associada à vacinação, a
HBIG é indicada para uso em recém-nascido cuja mãe é HBsAg positiva,
imediatamente após o parto ou até 12 horas após o nascimento. Outros casos
indicados para profilaxia passiva são: após exposição acidental com sangue
HBsAg positivo, após exposição sexual com indivíduos HBsAg positivo ou
mesmo naqueles pacientes submetidos ao transplante hepático (Holinger 1996,
Joshi & Kumar 2001, BRASIL 2002, Hou et al. 2005, Lopes 2006, Bruguera
2006).
No Brasil, a vacina recombinante contra a hepatite B passou a ser
oferecida no ano de 1992, fazendo parte, inicialmente, do calendário básico da
Amazônia Legal, Paraná, Espírito Santo, Santa Catarina e Distrito Federal para
menores de cinco anos. Em 1994, foi oferecida a grupos “de risco” como:
profissionais de saúde, politransfundidos, hemodialisados, profissionais do sexo e
usuários de drogas ilícitas. A seguir, em 1996 foram redefinidas as
recomendações e a vacina foi ampliada para menores de um ano. Porém, isso só
ocorreu de fato em 1998. Em 2001, e gradativamente até 2003, a vacina foi
ampliada para todos os indivíduos com idade igual ou inferior a 20 anos em todo
o País (BRASIL 2003). A partir de 2007, o início do esquema vacinal,
preferenciamente, nas primeiras 12 horas de vida tem sido adotado em vários
estados, inclusive em Goiás (BRASIL 2005b).
Além disso, ações de redução de danos e políticas de atenção à saúde
são estratégias e medidas que visam prevenir e controlar a hepatite B e outras
doenças infecciosas que acometem os usuários de drogas ilícitas, por meio da
27
implantação de práticas que minimizem as conseqüências adversas ao uso de
drogas (Queiroz 2001).
No Brasil, o primeiro projeto de redução de danos implantado teve início na
Bahia em 1995 e, visava à troca de seringas e ações preventivas entre usuários
de drogas injetáveis, experiência bem sucedida nos países da Europa e Austrália
(Andrade et al. 2003).
Em 2005, o Ministério da Saúde, por meio da Portaria nº 1.028 de 1º de
julho do mesmo ano, regulamentou as ações que visam à redução de danos
sociais e à saúde decorrentes do uso de produtos, substâncias ou drogas que
causem dependência considerando, dentre outras designações, a urgência em
diminuir os índices de infecção pelo HBV, HCV e HIV entre usuários de drogas
injetáveis. Essas ações incluem a informação, educação e aconselhamento para
estimular a adoção de comportamentos mais seguros no consumo de produtos,
substâncias ou drogas que causem dependência, e nas práticas sexuais de seus
consumidores e parceiros sexuais, como informar os possíveis riscos e danos
relacionados ao consumo de drogas, o não compartilhamento de equipamentos
utilizados para o preparo e consumo das drogas, além de práticas sexuais
seguras (BRASIL 2005c).
1.10 Hepatite B em usuários de drogas
A origem da palavra droog é holandesa e significa folha seca. Esse nome
era utilizado para denominar, antigamente, os medicamentos que eram feitos à
base de vegetais. Hoje, o termo droga define qualquer substância capaz de
modificar a função dos organismos vivos, resultando em mudanças fisiológicas
28
ou de comportamento. As drogas chamadas psicotrópicas ou psicoativas são
aquelas que atuam sobre o cérebro e alteram os sentidos, induzindo à calma ou
à excitação, potencializando alegrias, tristezas e fantasias (CEBRID 2003,
Abramovay & Castro 2005).
De acordo com a atividade que a droga psicotrópica exerce no cérebro,
essa pode ser classificada em três grupos: depressores, estimulantes e
perturbadores da atividade do sistema nervoso central (SNC). Dentre os
depressores,
estão
o
álcool,
os
soníferos
(barbitúricos),
ansiolíticos
(benzodiazepínicos), opiáceos ou narcóticos (morfina e heroína) e inalantes ou
solventes (colas, tintas e removedores). As drogas classificadas como
estimulantes são as anorexígenas, como as anfetaminas, utilizadas para diminuir
a fome, e a cocaína. Já os perturbadores das atividades do SNC podem ter
origem vegetal, como alguns cogumelos e a maconha, ou sintética, como o
dietilamida do ácido lisérgico (LSD) e o ecstasy (CEBRID 2003).
Dentre as drogas ilícitas consumidas no Brasil, as principais são a
Erythroxylon coca e a Cannabis sativa, além dos produtos derivados dessas duas
plantas (Iulianelli 2004). Extraída das folhas da Erythroxylon coca, uma planta
exclusiva da América do Sul, a cocaína pode ser consumida na forma de um sal
(cloridrato de cocaína) através da aspiração ou dissolvida em água para uso
endovenoso. Há também o consumo dessa droga na forma de base ou pasta. A
base, denominada crack, apresenta um aspecto de “pedra”, sendo assim,
consumida pela fumaça produzida pelo uso de “cachimbos”, e a forma de pasta,
conhecida como merla, que pode ser consumida por meio do fumo (Leite 1999).
Em relação à maconha, nome dado à Cannabis sativa, existe relatos de que essa
planta era utilizada para o encordoamento e para compor as velas das naus
29
utilizadas pelos europeus durante a conquista das Américas e, principalmente,
para o uso medicinal. Contudo, com a utilização abusiva dessa planta e os efeitos
maléficos descritos a esse abuso, a planta foi proibida no mundo ocidental nos
últimos 50 a 60 anos (CEBRID 2003, Iulianelli 2004).
Classificado como uma droga sintética, o LSD (dietilamina do ácido
lisérgico) é utilizado habitualmente por via oral, embora possa ser misturado
ocasionalmente
com
tabaco
e
fumado.
Já
a
MDMA
(3,4-
metilenodioximetanfetamina), denominada ecstasy, foi sintetizada em 1912 para
diminuir o apetite, mas como não teve utilidade clínica os estudos foram
abandonados. Em 1970, alguns acreditavam que a substância deixava a pessoa
mais solta, e o uso recreativo da droga entre os jovens dos Estados Unidos
cresceu. Em 1985, o ecstasy foi incluído na lista de substâncias proibidas
naquele país e, em seguida a OMS considerou a droga como de restrição
internacional. Durante a década de 90, o consumo de ecstasy cresceu na
Europa, chegando até o Brasil (CEBRID 2003).
Os usuários de drogas ilícitas, principalmente de drogas injetáveis,
apresentam risco aumentado de infecção pelo HBV, além dos vírus das hepatites
A, C e D, bem como para o HIV e vírus linfotrópico de células T humanas (HTLV)
(Rodríguez et al. 1998, Estrada 2002, Toro et al. 2005, La Fuente et al. 2006,
Quaglio et al. 2006).
A eficiência da transmissão desses patógenos entre os usuários de drogas
ilícitas varia de acordo com os comportamentos de risco, tais como: o tipo de
droga e a freqüência de exposição, compartilhamento de seringas, agulhas,
“canudo” intranasal e dos equipamentos utilizados para o preparo da droga. Além
de práticas sexuais de risco, como múltiplos parceiros, atividade sexual sem
30
proteção e a prática comercial do sexo (Rodríguez et al. 1998, Oliveira et al.
1999, Hwang et al. 2000, Shirin et al. 2000, Estrada 2002, Gyarmathy et al. 2002,
Kuo et al. 2004, Quaglio et al. 2006, Reimer et al. 2007). No entanto, alguns
estudos apontam o compartilhamento de seringas e agulhas como fator de risco
mais importante para essa infecção (Wodak 1998, Hwang et al. 2000, Shirin et al.
2000).
A infecção pelo HBV pode ocorrer logo no início do uso de drogas
injetáveis, resultando em taxas de elevada soropositividade nos primeiros anos
de uso, o que sugere uma alta eficiência desse mecanismo na transmissão viral
(CDC 2001, Judd et al. 2007).
Estudos mostraram que a prevalência global (HBsAg e/ou anti-HBc) ou
para o marcador anti-HBc em usuários de drogas injetáveis variou de 12,5% em
São Paulo, Brasil, a 96,0% em Baltimore, Estados Unidos (Turchi 2000,
Torbenson et al. 2004). Para o marcador HBsAg, essa taxa teve uma variação de
0,0% a 40,0% (Barata et al. 1993, Maayan et al. 1994) (Quadro 1).
Quadro 1 – Estudos sobre prevalência da infecção pelo HBV em usuários de
drogas injetáveis
Referência
Local
N
HBsAg
(%)
anti-HBc
(%)
Global
(%)
Barata et al. 1993
Bauru-SP, Brasil
91
40,0
-
-
Patti et al. 1993
Roma, Itália
571
9,3
-
65,0
Maayan et al. 1994
Jerusalém, Israel
51
0,0
-
26,0
Levine et al. 1995
Baltimore, E.U.A.
2558
8,1
73,1
75,4
Baozhang et al. 1997
Yunnan, China
104
23,1
35,6
55,7
Crofts & Aitken 1997
Victoria, Austrália
531
-
45,2
-
Broers et al. 1998
Genebra, Suíça
576
-
-
53,4
31
Kemp et al. 1998
Nova Zelândia
241
1,0
40,0
-
Lamden et al. 1998
Liverpool, Inglaterra
666
-
49,0
-
Rodríguez et al. 1998
Gran Canária, Espanha
122
8,2
55,0
-
Fábrega et al. 1999
Barcelona, Espanha
355
6,2
29,9
-
Oliveira et al. 1999
Rio de Janeiro-RJ, Brasil
102
7,8
55,8
-
Bastos et al. 2000
Rio de Janeiro-RJ, Brasil
24
-
29,2
-
Denis et al. 2000
Bélgica
244
-
-
35,7
Edeh & Spalding 2000
Inglaterra
88
1,1
20,4
-
Hwang et al. 2000
Texas, E.U.A.
185
-
48,1
-
Shirin et al. 2000
Dhaka, Bangladesh
129
6,2
31,8
-
Turchi 2000
São Paulo-SP, Brasil
150
-
33,1
-
Christensen et al. 2001
Dinamarca
140
9,3
64,3
64,3
Cook et al. 2001
Inglaterra
334
-
26,6
-
Long et al. 2001
Irlanda
173
-
17,9
-
Gyarmathy et al. 2002
Nova York, E.U.A.
146
-
48,6
-
Baltimore, E.U.A.
267
-
81,0
-
Denver, E.U.A.
289
-
72,0
-
Detroit, E.U.A.
235
-
60,0
-
Newark, E.U.A.
300
-
60,0
-
San Franscisco, E.U.A.
355
-
50,0
-
Seatle, E.U.A.
271
-
62,0
-
Calleja et al. 2003
Asturias, Espanha
111
10,6
-
-
González et al. 2003
Barcelona, Espanha
25
-
72,0
-
Quaglio et al. 2003
Veneto, Itália
965
-
-
46,5
Taketa et al. 2003
Chiang Mai, Tailândia
98
13,0
77,0
-
Kuo et al. 2004
Baltimore, E.U.A.
200
-
37,0
-
Maher et al. 2004
Sidney, Austrália
267
2,7
28,0
-
Torbenson et al. 2004
Baltimore, E.U.A.
188
4,0
96,0
-
Oliveira et al. 2005
Rio de Janeiro-RJ, Brasil
609
3,4
-
27,1
Osimani et al. 2005
Montevideo, Uruguai
200
4,5
15,0
19,5
Rich et al. 2006
Providence, E.U.A.
72
-
-
27,8
Backmund et al. 2006
Munique, Alemanha
1018
-
31,7
40,2
Murril et al. 2002
32
Gerlich et al. 2006
Zurique, Suíça
167
-
53,3
-
Hellard et al. 2006
Melbourne, Austrália
127
0,8
59,0
60,6
Shapatava et al. 2006
Georgia, E.U.A.
583
-
-
55,2
Uusküla et al. 2006
Tallinn, Estônia
162
21,3
85,1
-
Zhao et al. 2006
Shagai, China
141
-
-
31,9
Alam et al. 2007
Paquistão
250
22,4
-
-
Judd et al. 2007
Inglaterra
29922
-
31,0
-
Neaigus et al. 2007
Nova York, E.U.A.
259
-
20,2
-
Reimer et al. 2007
Alemanha
1512
-
53,0
-
Tseng et al. 2007
São Francisco, E.U.A.
2190
-
80,5
-
Amesty et al. 2008
Nova York, E.U.A.
386
-
-
35,8
Jindal et al. 2008
Amritsar, Índia
157
17,8
-
-
Lum et al. 2008
São Francisco, E.U.A.
831
2,3
20,8
21,3
Ainda são poucos os estudos em usuários de drogas não injetáveis. A
prevalência global (HBsAg e/ou anti-HBc) ou para o marcador anti-HBc variou de
1,2% na Irlanda a 45,8% em Yunnan, na China (Baozhang et al. 1997, Long et al.
2001). Já as taxas para o marcador HBsAg, variaram de 0,5% na Dinamarca a
4,4% em Dhaka, Bangladesh (Christensen et al. 2000, Shirin et al. 2000).
Quadro 2 – Estudos sobre prevalência da infecção pelo HBV em usuários de
drogas não injetáveis
N
HBsAg
(%)
anti-HBc
(%)
Global
(%)
Jerusalém, Israel
131
-
-
33,0
Thomas et al. 1994
Baltimore, E.U.A.
1257
-
15,3
-
Baozhang et al. 1997
Yunnan, China
59
-
-
45,8
Broers et al. 1998
Genebra, Suíça
119
-
-
6,3
Lamden et al. 1998
Liverpool, Inglaterra
30
-
17,0
-
Referência
Local
Maayan et al. 1994
33
Rodríguez et al. 1998
Gran Canária, Espanha
263
2,7
20,7
-
Bastos et al. 2000
Brasil
201
-
12,9
-
Denis et al. 2000
Bélgica
85
-
-
8,3
Hwang et al. 2000
Texas, E.U.A.
222
-
14,0
-
Shirin et al. 2000
Dhaka, Bangladesh
137
4,4
24,1
-
Smikle et al. 2000
Jamaica
301
0,6
28,7
-
Turchi 2000
São Paulo-SP, Brasil
689
-
7,9
-
Christensen et al. 2001
Dinamarca
185
0,5
13,0
13,5
Long et al. 2001
Irlanda
420
-
1,2
-
Gyarmathy et al. 2002
Nova York, E.U.A.
337
-
23,4
-
Quaglio et al. 2003
Veneto, Itália
130
-
-
13,0
Kuo et al. 2004
Baltimore, E.U.A.
124
-
19,0
-
Rich et al. 2006
Providence, E.U.A.
92
-
-
20,7
Amesty et al. 2008
Nova York, E.U.A.
825
-
-
22,7
Rossi et al. 2008
Argentina
504
-
-
9,0
1.11 Justificativa
Por fazer fronteira a oeste com os países produtores de drogas e, a leste
apresentar um grande litoral banhado pelo Oceano Atlântico, a geografia do
Brasil faz desse país a principal rota de tráfico de drogas para Europa e Estados
Unidos (Iulianelli 2004, Silva & Yonamine 2004, UNODOC 2007). Fatores como a
disponibilidade de drogas, privação econômica e ausência de leis eficazes nas
fronteiras do País, fizeram do Brasil não só uma rota regular do tráfico, mas um
potencial mercado de usuários de drogas, sendo que o abuso de drogas passou
a ser um problema de saúde pública e de segurança para a sociedade brasileira
(Silva & Yonamine 2004).
34
Em usuários de drogas ilícitas, as hepatites virais são consideradas
importantes problemas de saúde. A hepatite B tem sido descrita, tanto em
usuários injetáveis, quanto naqueles não-injetáveis de drogas ilícitas, e pode ser
transmitida pelo compartilhamento de equipamentos contaminados pelo HBV
quando do consumo da droga, como seringas e agulhas, além dos fogareiros,
cânulas intranasais e da água de enxágüe utilizada para o preparo da droga;
além da transmissão do vírus por prática sexual de risco (Quaglio et al. 2006).
As drogas lícitas, como tabaco e álcool, são os principais tipos de drogas
consumidas atualmente no Brasil, seguidas pelas ilícitas, como a maconha,
cocaína em pó, cocaína endovenosa, crack e medicamentos endovenosos (van
der Meer Sanchez & Nappo 2002). Dentre essas substâncias ilícitas, a cocaína é
a mais consumida entre os usuários de drogas injetáveis. Muitos desses usuários
compartilham agulhas e seringas e estão expostos a várias infecções, dentre elas
a hepatite B. Além disso, usuários de crack, principalmente mulheres, geralmente
prostituem-se sob o efeito da droga, praticando sexo sem segurança e, assim,
são expostas às doenças sexualmente transmissíveis, como a hepatite B,
podendo ainda transmitir o vírus a seus parceiros sexuais (CEBRID 2003). O
comportamento sexual de risco, a exposição ao sangue e seus derivados e o
compartilhamento de equipamentos utilizados para preparo e uso de drogas
facilitam a transmissão sexual e parenteral do HBV em usuários de drogas ilícitas
(Shirin et al. 2000, Quaglio et al. 2006).
Apesar da importância da hepatite B em usuários de drogas, são poucos
os estudos sobre a infecção pelo HBV nesse grupo populacional no Brasil (Barata
et al. 1993, Oliveira et al. 1999, Bastos et al. 2000, Carvalho et al. 2003, Oliveira
et al. 2005). Considerando que, na Região Centro-Oeste, ainda não foram
35
realizados estudos epidemiológicos e moleculares sobre esse agente em
usuários de drogas ilícitas, as informações obtidas nesta tese poderão auxiliar na
elaboração de programas de prevenção e controle dessa infecção em nossa
região.
36
2.0 OBJETIVOS
2.1. Objetivo geral
- Investigar o perfil soroepidemiológico e molecular da infecção pelo vírus
da hepatite B em usuários de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste do
Brasil.
2.2. Objetivos específicos
- Estimar a prevalência global da infecção pelo HBV em usuários de
drogas ilícitas na Região Centro-Oeste, incluindo os grupos de usuários
injetáveis e não injetáveis;
- Comparar as taxas de prevalência desta infecção considerando os
grupos estudados por cidade;
- Analisar os fatores de risco associados a esta infecção;
- Identificar os genótipos do HBV circulantes nesta população;
- Verificar o índice de infecção oculta pelo HBV em usuários de drogas
anti-HBc reagente.
3.0 MATERIAL E MÉTODOS
3.1- População estudada
Estudo observacional, analítico, de corte transversal, que foi realizado de
agosto de 2005 a novembro de 2006, em 34 centros de tratamento de uso de
drogas, sendo 18 em Goiânia, Goiás (n = 422), oito em Campo Grande, Mato
Grosso do Sul (n = 269) e oito em Cuiabá, Mato Grosso (n = 311), Região
Centro-Oeste do Brasil.
A população do estudo foi composta de 1002 usuários de drogas ilícitas,
sendo 150 injetáveis e 852 não injetáveis, os quais corresponderam à quase
totalidade da população-alvo no período do estudo. Foram considerados usuários
de drogas injetáveis indivíduos que referiram uso de drogas ilícitas por via venosa
e, usuários de drogas não injetáveis aqueles que nunca utilizaram drogas ilícitas
por via venosa.
Todos os usuários de drogas ilícitas foram convidados a participar da
presente investigação, tendo sido adotados os seguintes critérios de inclusão:
idade igual ou superior a 18 anos, ter usado drogas ilícitas injetáveis ou não
injetáveis e consentir em participar do estudo mediante a assinatura do termo de
Consentimento Livre e Esclarecido. Apesar de todos os usuários terem
consentido em participar desta investigação, não foi possível coletar sangue de
30 (3,0%). Este estudo foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa do
Hospital Materno Infantil (CEP-HMI nº022/06), em Goiânia-GO.
3.2- Entrevista e coleta de sangue
Para a entrevista, foi utilizado um questionário padronizado sobre dados
sócio-demográficos (idade, sexo, raça, estado civil, escolaridade e renda
familiar), fatores relacionados ao consumo de drogas ilícitas (tipo, tempo e via de
consumo de droga, compartilhamento de seringas e agulhas ou de outros
instrumentos), atividades sexuais de risco (número de parceiros sexuais,
parceiros do mesmo sexo, parceiro UDI, uso de preservativo e relato de DST) e
outros fatores associados ao HBV (antecedente de hepatite na família, transfusão
sanguínea, tatuagem, piercing, acupuntura, compartilhamento de objetos de
higiene pessoal e história de prisão), além de vacinação prévia contra hepatite B.
Em seguida, foi realizada coleta sangüínea por punção venosa, sendo
obtidos 10 mL de sangue de cada participante. O sangue foi centrifugado e
separado em duas alíquotas, sendo em seguida, armazenadas à –20ºC até a
realização dos testes sorológicos e moleculares.
3.3 - Testes sorológicos
Inicialmente, todas as amostras foram testadas para a detecção dos
marcadores
sorológicos
HBsAg,
anti-HBc
e
anti-HBs
pelo
de
ensaio
imunoenzimático (ELISA) utilizando-se reagentes comerciais. Nas amostras
HBsAg reagentes, foi realizada a detecção do HBeAg e anti-HBe pela mesma
metodologia. Todas as amostras foram testadas ainda para a detecção de
anticorpos para o HCV e HIV.
3.3.1 - Detecção do HBsAg
39
A detecção do marcador HBsAg foi realizada empregando-se reagentes
comerciais (Hepanostika HBsAg Uni-Form II, Biomérieux-Alemanha). Este teste
consiste em um ELISA baseado no princípio de sandwich em uma única etapa.
Em uma microplaca sensibilizada com anticorpos anti-HBs monoclonais e
contendo uma esfera de conjugado (anti-HBs marcado com peroxidase), foram
adicionadas as amostras e controles em suas respectivas câmaras. Após este
procedimento, a placa foi incubada e, posteriormente, lavada. Em seguida, o
substrato (peróxido de uréia) foi adicionado juntamente com o cromógeno
(tetrametilbenzidina - TMB). Após nova incubação, a reação foi interrompida pela
adição de ácido sulfúrico a 1N.
Conforme as instruções do fabricante, a leitura espectrofotométrica da
reação foi realizada em 450 nm. Foram consideradas positivas as amostras que
apresentaram absorbâncias maiores ou iguais ao valor do cut-off, obtido através
da média das absorbâncias dos controles negativos + 0,050.
3.3.2 - Detecção de anti-HBc total
Para detectar o marcador anti-HBc total, utilizou-se reagentes comerciais
(Hepanostika anti-HBc Uni-Form, Biomérieux-Holanda). O princípio da reação
baseou-se na inibição competitiva onde cada câmara da placa foi revestida com
HBcAg. As amostras em teste e os controles negativo e positivo foram incubados
juntamente com o conjugado (constituído de anticorpos anti-HBc humano ligado à
enzima peroxidase) durante 90 minutos a 37ºC e, em seguida, a placa foi lavada
com
o
tampão
fosfato.
Posteriormente,
foi
adicionada
a
solução
substrato/cromógeno (tetrametilbenzidina/peróxido de uréia) e a reação incubada
40
por 30 minutos. A mesma foi interrompida com ácido sulfúrico a 1N e a leitura
espectrofotométrica realizada em 450 nm. O valor do cut-off foi obtido pela
fórmula: 0,25 (CNx + 3CPx), onde “CNx” é igual ao valor médio das absorbâncias
dos controles negativos e “CPx” ao dos controles positivos. Assim, foram
consideradas amostras positivas, aquelas que apresentaram absorbância menor
ou igual ao valor do cut-off.
3.3.3 - Detecção de anti-HBs
A
detecção
de
anticorpos
anti-HBs
foi
realizada
pelo
método
imunoenzimático direto, tipo sandwich em microplacas sensibilizadas com HBsAg
(ad e ay), desenvolvido pela Biokit (Bioelisa anti-HBs). As amostras e controles
foram adicionados às suas respectivas câmaras. A placa foi incubada e, em
seguida, lavada. Após a adição do conjugado (HBsAg marcado com peroxidase),
a
placa
foi
incubada
novamente.
Realizada
a
lavagem,
a
mistura
substrato/cromógeno foi adicionada, sendo a placa mais uma vez incubada.
Então, a reação foi bloqueada pela ação de ácido sulfúrico, e a leitura (filtros de
450 nm e 620 nm) realizada.
O cut-off foi definido por (CNx + 0,040), onde “CNx” é igual a média de
absorbância dos controles negativos. Os resultados foram obtidos pela razão
entre a absorbância da amostra e o valor do cut-off. As amostras com relação
absorbância/cut-off
≥
1,0
foram
consideradas
positivas;
com
relação
absorbância/cut-off < 0,9 foram negativas e, quando esta razão foi igual a 0,9 as
mesmas foram indeterminadas.
41
3.3.4 - Detecção do HBeAg e anti-HBe
Os testes ELISA Diasorin HBeAg (direto não competitivo) e anti-HBe
(competitivo) foram realizados em câmaras de poliestireno revestidas com
anticorpos monoclonais de camundongos contra o antígeno e do HBV.
No ensaio para a detecção do HBeAg, amostras, controles e calibradores
foram incubados com o tampão de incubação (IgG murina não específica) na
microplaca sensibilizada com anticorpos anti-HBe. Em seguida, foi realizada a
lavagem e acrescentado o conjugado enzimático (anti-HBe de rato conjugado
com a peroxidase). Após a incubação e a lavagem, a reação foi revelada pela
adição do substrato/cromógeno (peróxido de uréia e TMB). A reação foi
interrompida, sendo considerada positiva a leitura espectrofotométrica (filtro 450
nm) cuja absorbância foi maior ou igual ao cut-off, definido de acordo com as
instruções do fabricante, determinado pela adição de 0,060 à absorbância média
dos valores do calibrador depois de subtrair o branco do substrato.
Para detecção do anti-HBe, em microplaca sensibilizada com anticorpos
monoclonais de rato contra o antígeno e do HBV, foram adicionadas as amostras,
controles e calibradores, juntamente com uma solução contendo HBeAg
recombinante. Durante a incubação, os anticorpos presentes na amostra
competem com os anticorpos monoclonais pelo HBeAg. Após a lavagem, o
complexo antígeno-anticorpo formado em excesso é removido, o conjugado
enzimático é adicionado e a placa incubada novamente. A atividade do
conjugado indica, de maneira inversamente proporcional, a presença de
anticorpos
anti-HBe
na
amostra.
Após
a
lavagem,
foi
adicionado
substrato/cromógeno, procedendo-se nova incubação. A reação foi interrompida,
sendo consideradas positivas as amostras que apresentaram absorbância menor
42
que o cut-off, determinado pela adição de 0,500 à absorbância média dos
calibradores depois de subtrair o branco do substrato.
3.3.5 - Detecção do anti-HCV
ELISA - Todas as amostras foram testadas para detecção de anticorpos antiHCV pelo ensaio imunoenzimático (ELISA) de terceira geração, empregando-se
reagentes comerciais (Hepanostika anti-HCV Ultra Biomedical, China). Amostras
e controles positivos e negativos foram incubados em uma placa previamente
sensibilizada com os antígenos recombinantes core, NS3, NS4 e NS5 do HCV.
Em seguida a placa foi lavada e, adicionado o conjugado (anticorpos antiimunoglobulina humana marcados com peroxidase). Após uma nova incubação
foi realizada uma segunda lavagem, e em seguida adicionado o substrato
(peróxido de hidrogênio e solução cromógena tetrametilbenzina – TMB). Depois
de 30 minutos, a reação foi interrompida pela adição de ácido sulfúrico 1N. A
leitura espectofotométrica foi realizada em 450 nm. O cut-off obtido pela fórmula:
0,27 x CPx, onde “CPx” é igual ao valor médio das absorbâncias dos controles
positivos. Foram consideradas positivas as amostras que apresentaram
absorbância maior ou igual a esse valor.
Immunoblot - As amostras reagentes para o anti-HCV foram retestadas por
immunoblot (Bioblot HCV, Biokit, Espanha). Amostras, controles positivos e
negativos foram incubados individualmente junto a tiras de nitrocelulose contendo
as seguintes proteínas recombinantes do HCV: core, NS3, NS4 e NS5. Após a
lavagem das fitas, adicionou-se o conjugado (anticorpos anti-imunoglobulina
43
humana associados à fosfatase alcalina). Novos processos de incubação e
lavagem foram realizados. A seguir, foi adicionado o substrato (bromo-cloro-indolfosfato e nitroazul de tetrazolio) e, após 15 minutos de incubação, o mesmo foi
aspirado. Após a secagem das fitas, as mesmas foram visualmente avaliadas,
comparando-se a intensidade da cor das bandas correspondentes aos diferentes
antígenos com as linhas controles (+1 a +3) e ao número de bandas reagentes.
As amostras consideradas positivas apresentaram reatividade a dois ou mais
antígenos, indeterminadas quando reagentes a um único antígeno e negativo na
ausência de reatividade.
3.3.6 - Detecção do anti-HIV
ELISA - A pesquisa de anticorpos para o HIV foi realizada por dois métodos de
ELISA, HIV test (Wiener, Argentina) e Murex HIV-1.2.0 (Abbott, UK).
Para o primeiro, amostras e controles foram diluídos nas câmaras da
placa, revestidas com antígenos do HIV (peptídeos sintéticos correspondentes às
regiões pol, gag e env). Durante incubação, os anticorpos presentes na amostra
se ligaram aos antígenos, formando um complexo no fundo da câmara. Após
lavagem, foi adicionado o conjugado (anti-imunoglobulina humana conjugada
com peroxidase), realizada nova incubação, seguida de lavagem. Foram
adicionados os reveladores A (peróxido de hidrogênio 60 mmol/l em tampão
citrato 50 mmol/l) e B (tetrametilbenzidina – TMB – 0,01mmol/l em ácido clorídrico
0,1N), e realizada nova incubação. A reação foi interrompida, sendo considerada
positiva a leitura espectrofotométrica (filtro 450 nm) com absorbância maior que o
44
cut-off, definido de acordo com as instruções do fabricante, pela adição de 0,150
à absorbância média dos valores do controle negativo.
Para o segundo ELISA, utilizou-se câmaras revestidas com uma mistura
de antígenos (polipeptídeo sintético de uma região imunodominante do HIV-1,
uma proteína recombinante derivada do envelope do HIV-1/2 e uma proteína do
core do HIV). Após diluição das amostras e controles na placa, a reação foi
incubada. Durante a incubação, os anticorpos contra o HIV da amostra ou
controles positivos ligaram-se aos antígenos. Em seguida, procedeu-se a
lavagem e adição do conjugado (mistura dos epítopos mencionados, marcados
com peroxidase) que se ligou aos anticorpos específicos. Foram realizadas nova
incubação
e
lavagem,
seguidas
pela
adição
do
substrato
(3-3’,
5-
5’-tetrametilbenzidina – TMB e peróxido de hidrogênio). A reação foi interrompida,
sendo consideradas positivas as amostras que apresentaram absorbância igual
ou maior que o cut-off, determinado pela adição de 0,2 à absorbância média dos
controles negativos.
Western-Blot - Todas as amostras reagentes para o HIV pelo ELISA foram
submetidas ao teste confirmatório New Lav Blot I (Bio-Rad, França). Inicialmente,
tiras de nitrocelulose contendo todas as proteínas estruturais do HIV-1 e um
controle interno anti-IgG foram re-hidratados com solução de lavagem/diluente.
As amostras e controles foram adicionados e a reação incubada. Em seguida,
procedeu-se aspiração do diluente, lavagem de cada uma das tiras e a adição do
conjugado (anticorpos de cabra anti-IgG humana marcados com fosfatase
alcalina). Após nova incubação e lavagem, foi adicionada a solução de revelação
(5 Bromo – 4 Cloro – 3 Indolil Fostato/BCIP e NitroBlue Tetrazolium/NBT em
45
solução tampão de revelação) e sob agitação observou-se o aparecimento da
coloração nas tiras reagentes. A reação foi interrompida pela remoção da solução
de revelação e enxágüe das tiras com água destilada.
Na leitura e interpretação dos resultados, observou-se inicialmente a
reatividade do controle positivo e do controle interno de cada tira, sendo
considerado o aparecimento de bandas específicas (azul violeta) na posição das
proteínas virais, conforme as instruções do fabricante e da OMS. Assim, a
amostra foi considerada positiva quando houve reatividade para duas proteínas
env, ou para uma proteína env e uma proteína gag ou pol; indeterminada quando
apresentou perfil diferente dos anteriores e, negativa na ausência de qualquer
banda.
3.4 - Detecção e genotipagem do HBV DNA
3.4.1 - Extração do HBV DNA
As amostras HBsAg e anti-HBc reagentes foram submetidas à extração do
ácido nucléico viral, realizada em duas etapas (Niel et al. 1994). A primeira
consistiu na adição de 250 µL do soro em 80 µL de solução de lise, sendo esta
composta por solução A (Tris 200 mM, SDS 1%, NaCl 700 mM, EDTA 20 mM e
tRNA 0,1 mg/mL) e solução B (proteinase K 2 mg/mL dissolvida em solução de
CaCl2 0,36 mM; o pH final foi ajustado para 9,0 utilizando o HCl). Os soros,
juntamente com a solução de lise, foram incubados por 4 horas. O DNA viral foi
extraído pelo uso de fenol/clorofórmio, centrifugado, e a fase superior transferida
para tubos contento etanol. Estes foram mantidos a –20ºC durante a noite.
46
A segunda etapa da reação, caracterizou-se pela centrifugação do material
e a formação de um precipitado, que em seguida foi lavado com etanol a 70%,
seco e ressuspenso em 30 µL de água milliQ (auloclavada).
3.4.2 - Reação em cadeia da polimerase (PCR)
Após a extração do DNA, o mesmo foi submetido a uma semi-nested PCR,
para amplificação e detecção do DNA viral relativo a região pré-S/S, que foi
realizada em duas etapas (Motta-Castro et al. 2005).
Para a primeira, denominada PCR-1, utilizou-se uma mistura contendo 1
pmol dos primers PS1 e S2/S22 (Quadro 3) (Invitrogen), responsáveis pela
amplificação do fragmento de DNA do nucleotídeo 2826 a 841 do genoma;
0,2mM de cada dNTP (dATP, dTTP, dCTP, dGTP), 3mM de Cloreto de magnésio
(MgCl2) e 1 U de Taq DNA polimerase, num volume final de 50 µl. O HBV DNA de
cada amostra extraído na fase anterior (2 µL) foi misturado aos componentes
descritos acima, e esta mistura levada ao termociclador seguindo o seguinte
programa: 94ºC por 3 minutos (desnaturação inicial), 30 ciclos de 95ºC por 30
segundos, 52ºC por 40 segundos e 72ºC por 2 minutos (desnaturação,
anelamento e extensão, respectivamente) e 72ºC por 7 minutos (alongamento
final). O produto final desta reação era composto de 1236 pares de bases (pb).
A segunda etapa (PCR-2), foi realizada empregando-se os primers PS1 e
SR (Quadro 3) (Invitrogen), além dos mesmos componentes mencionados acima.
O produto da PCR1 foi adicionado à nova mistura da reação e levado ao
termociclador, seguindo o seguinte programa: 94ºC por 3 minutos (desnaturação
inicial), 30 ciclos de 94ºC por 20 segundos, 55ºC por 20 segundos e 72ºC por 1
47
minuto (desnaturação, anelamento e extensão, respectivamente) e 72ºC por 7
minutos (alongamento final). O produto da PCR-2 era composto de 1099 pares
de bases (pb).
Quadro 3 - Seqüência dos primers utilizados na PCR-1 e PCR-2
Primers
Sentido
Seqüência (5’ → 3’)
PS1
sense
CCATATTCTTGGGAACAAGA
S2
anti-sense
GGGTTTAAATGTATACCCAAAGA
S22
anti-sense
GTATTTAAATGGATACCCACAGA
SR
anti-sense
CGAACCACTGAACAAATGGC
3.4.3 - Eletroforese em gel de agarose
Ao gel de agarose preparado a 1% em tampão TBE (Tris-Borato EDTA),
foi acrescentado brometo de etídio em uma concentração final de 0,5 µg/mL. Os
produtos obtidos durante a PCR-2 e o marcador de peso molecular (100 pb Invitrogen) foram misturados ao corante azul de bromofenol, aplicados ao gel e
submetidos à eletroforese. As bandas formadas durante a corrida foram
visualizadas através de luz ultravioleta com auxílio de um transluminador.
3.4.4 - Genotipagem pela análise do polimorfismo de comprimento dos
fragmentos de restrição (restriction fragment length polymorphism - RFLP)
O fragmento de DNA amplificado foi analisado pelo método de RFLP,
utilizando-se três enzimas de restrição ou endonucleases (Araújo et al. 2004). As
enzimas EcoRI, BamHI e StuI (New England BioLabs) foram diluídas segundo o
48
fabricante, tendo como componentes água milliQ (8 µL), tampão específico (2
µL) para cada enzima e as enzimas (10 U).
Dez microlitros do produto obtido após a PCR-2 foram incubados a 37ºC
durante a noite com igual volume da mistura acima.
Após este período, as
amostras contendo DNA digerido foram misturadas a 5 µL de azul de bromofenol,
aplicadas em gel de agarose a 3% e submetidas à eletroforese. Utilizou-se,
também, um marcador (1 µL/mL do marcador 100 pb, 10 µL de TBE e 5 µL de
azul de bromofenol). As bandas formadas foram visualizadas através de luz
ultravioleta com o auxílio de um transluminador. A interpretação dos padrões
eletroforéticos proporcionaram a distinção entre os genótipos A, D e F.
3.5 - Análise dos dados
Os dados das entrevistas, bem como os resultados dos testes sorológicos
e moleculares, foram analisados empregando-se o programa EpiInfo versão 6.04
(Centers for Disease Control and Prevention, Atlanta, GA). Prevalência e
estimativas de risco foram calculadas com intervalo de confiança de 95%.
Fatores de risco associados à exposição ao HBV (positividade ao HBsAg e/ou
anti-HBc) pela análise univariada (p ≤ 0,10) foram analisados posteriormente por
regressão logística hierárquica por meio do programa SPSS versão 11.0 for
Windows, para identificar as possíveis variáveis confundidoras. Os testes Quiquadrado, Qui-quadrado para tendência e exato de Fisher foram utilizados
quando apropriados. Valores de p < 0,05 foram considerados estatisticamente
significantes.
49
50
4.0 RESULTADOS
4.1 Características da população estudada
A Tabela 1 mostra as características sócio-demográficas dos 1002
indivíduos estudados, em centros de tratamento de uso de drogas na Região
Centro-Oeste. A média de idade foi de 28,3 anos (desvio padrão = 8,6). A maioria
dos usuários era do sexo masculino, branca, solteira e apresentava baixa
escolaridade. Quanto à renda familiar, 34,0% relataram renda familiar menor ou
igual a um salário mínimo; 45,7% apresentaram renda variando de dois a cinco
salários e 16,1% acima de cinco salários.
Tabela 1- Características sócio-demográficas dos 1002 usuários de drogas (UD)
ilícitas na Região Centro-Oeste, Brasil
Características
Média de idade (dp) 28,3 (8,6)
Sexo
Masculino
Feminino
Raça/Etnia
Branca
Amarela
Mulata
Negra
Estado civil
Solteiro
Casado/união consensual
Separado/viúvo
Escolaridade
≤ 8 anos
9-12 anos
> 12 anos
Renda familiara
≤ um salário mínimo
2 a 5 salários mínimos
> 5 salários mínimos
a
N
%
916
86
91,4
8,6
582
35
234
151
58,1
3,5
23,3
15,1
603
222
177
60,2
22,1
17,7
660
282
60
65,9
28,1
6,0
341
458
161
34,0
45,7
16,1
Foram considerados os indivíduos que informaram a renda familiar
4.2 Marcadores sorológicos dos usuários de drogas ilícitas
Os marcadores sorológicos para infecção pelo HBV (Tabela 2) foram
detectados em 150 usuários de drogas, resultando em uma prevalência global de
15,0% (IC 95%:12,8-17,4). O marcador anti-HBc foi detectado isoladamente em
4,4% dos indivíduos estudados. Este mesmo marcador, quando associado ao
anti-HBs foi reagente em 9,6% dos usuários e, quando associado ao HBsAg,
esteve presente em 0,8%. Ainda dentre os indivíduos infectados, dois
apresentaram positividade isolada para o HBsAg.
Em 78 (7,8%) usuários de drogas, verificou-se positividade isolada para o
marcador anti-HBs, os quais referiram vacinação prévia contra hepatite B.
A suscetibilidade ao HBV, caracterizada pela ausência de qualquer
marcador para a hepatite B, foi observada em 774 (77,2%) usuários de drogas.
Tabela 2 – Prevalência dos marcadores sorológicos para hepatite B em usuários
de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste, Brasil
Positivo
Categoria
Marcadores
IC 95%
N
%
HBsAg
2
0,2
0,0 – 0,8
anti-HBc
44
4,4
3,2 – 5,9
anti-HBc/HBsAg
8
0,8
0,4 – 1,6
anti-HBc/anti-HBs
96
9,6
7,9 – 11,6
Total
150
15,0
12,8 – 17,4
Imunes
anti-HBs
78
7,8
6,2 – 9,7
Suscetíveis
ausência de marcador
774
77,2
74,5 – 79,8
Infectados
IC: intervalo de confiança
4.3 Perfil da infecção pelo HBV por tipo de usuário de droga e por cidade
As taxas de prevalência da infecção pelo HBV em UDI e UDNI foram de
20,7% (IC 95%: 14,7-28,2) e 14,0% (IC 95%: 11,7-16,5), respectivamente. A
Figura 5 mostra os índices da infecção pelo HBV em UDNI e UDI, por cidade
52
estudada. Em usuários de drogas não injetáveis, as taxas foram de 9,4% (IC
95%: 6,1-14,1) em Campo Grande, 13,5% (IC 95%: 10,2-17,6) em Goiânia e
18,6% (IC 95%: 14,2-24,0) em Cuiabá. Já em usuários de drogas injetáveis, os
índices foram de 14,3% (IC 95%: 5,4-31,0), 20,9% (IC 95%: 12,3-32,9) e 25,0%
(IC 95%: 14,1-39,9), respectivamente.
A prevalência global encontrada em usuários de drogas ilícitas em Campo
Grande-MS foi de 10,0% (IC 95%: 6,8-14,4), em Goiânia-GO de 14,7% (IC 95%:
11,5-18,5) e em Cuiabá-MT de 19,6% (IC 95%: 15,4-24,6).
25,0%
20,9%
25
14,3%
20
15
10
UDNI
UDI
18,6%
UDI
UDNI
13,5%
9,4%
5
0
Campo Grande
UDI
Goiânia
UDNI
Cuiabá
Figura 5 – Prevalência da infecção pelo HBV em usuários de drogas não
injetáveis (UDNI) e injetáveis (UDI) nas cidades de Campo Grande, Goiânia e
Cuiabá, Região Centro-Oeste.
4.4 Fatores sócio-demográficos e de risco associados à infecção pelo HBV
A Tabela 3 apresenta as razões de chance de prevalência para os fatores
de risco associados à infecção pelo HBV, com seus respectivos intervalos de
confiança a 95%, em usuários de drogas. Dentre os fatores analisados, aqueles
53
que se mostraram estatisticamente significativos pela análise univariada foram:
idade, estado civil, cidade do estudo, tempo e via de uso de drogas, número de
parceiros sexuais na vida, parceiros do mesmo sexo, não uso de preservativo,
antecedentes DST, transfusão de sangue, bem como a soropositividade para o
HCV e para o HIV.
Após análise multivariada (Tabela 4), verificou-se que os usuários de
drogas com idade superior a 30 anos apresentaram 2,2 (IC 95%: 1,4-3,4; p <
0,01) vezes mais chance de exposição ao HBV quando comparados aos que
tinham 30 anos ou menos. De acordo com a localidade, os usuários de drogas
provenientes da cidade de Cuiabá mostraram 2,2 (IC 95%: 1,3–3,7; p < 0,01)
vezes mais chance de infecção pelo HBV quando comparado àqueles
provenientes da cidade de Campo Grande. Os indivíduos que fizeram o uso de
drogas ilícitas por um período acima de 10 anos apresentaram 1,6 (IC 95%: 1,0–
2,6; p = 0,04) vezes mais chance de adquirirem hepatite B quando comparados
àqueles que consumiram essas drogas por até 10 anos. Os usuários HCV e HIV
soropositivos mostraram 2,3 (IC 95%: 1,3–4,3; p < 0,01) e 5,2 (IC 95%: 2,1–13,3;
p < 0,01) vezes mais chance de infecção pelo HBV, respectivamente, quando
comparados aos usuários soronegativos.
Tabela 3 – Fatores sócio-demográficos e de risco associados à infecção pelo
HBV em usuários de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste, Brasil
Fator de risco
Idade
≤ 30 anos
> 30 anos
Sexo
Feminino
HBV
Positivo / Total (%)
Odds ratio
(IC 95%)
65/667 (9,7)
85/335 (24,8)
1,0
3,2 (2,2-4,5)
11/86 (12,8)
1,0
P
< 0,01
54
Masculino
Raça
Branca
Amarela
Mulata/negra
Estado Civil
Solteiro
Casado
Divorciado
Grau de instrução
> 12 anos
9-12 anos
≤ 8 anos
Renda
≥ 5 salários mínimo
2 a 5 salários mínimo
≤ 1 salário mínimo
SI 42
Cidade-Estado
Campo Grande-MS
Goiânia-GO
Cuiabá-MT
Tempo de uso de droga
≤ 10 anos
> 10 anos
SI 11
Via de uso de droga
Não injetável
Injetável
Número de parceiros na vida
≤ 10
> 10
SI 30
Parceiros do mesmo sexo
Não
Sim
SI 30
Parceiro UDI
Não
Sim
SI 171
139/916 (15,2)
1,2 (0,6-2,4)
0,55
79/582 (13,6)
5/35 (14,3)
66/385 (17,1)
1,0
1,1 (0,4-3,0)
1,3 (0,9-2,0)
0,91
0,13
75/603 (12,4)
33/222 (14,9)
42/177 (23,7)
1,0
1,2 (0,8-1,9)
2,2 (1,4-3,4)
0,36
< 0,01
8/60 (13,3)
40/282 (14,2)
102/660 (15,5)
1,0
1,1 (0,4-2,6)
1,2 (0,5-2,8)
0,86
0,66
28/161 (17,4)
60/458 (13,1)
57/341 (14,9)
1,0
0,7 (0,4-1,2)
0,9 (0,6-1,6)
0,18
0,85
27/269 (10,0)
62/422 (14,7)
61/311 (19,6)
1,0
1,5 (0,9-2,6)
2,2 (1,3-3,6)
0,07
< 0,01
41/464 (8,8)
106/527 (20,1)
1,0
2,6 (1,8-3,8)
< 0,01
119/852 (14,0)
31/150 (20,7)
1,0
1,6 (1,0-2,5)
0,03
45/411 (10,9)
102/561 (18,2)
1,0
1,8 (1,2-2,6)
< 0,01
98/716 (13,7)
48/256 (18,8)
1,0
1,5 (1,0-2,1)
0,05
95/708 (13,4)
22/123 (17,9)
1,0
1,4 (0,8-2,3)
0,19
Tabela 3 – Fatores sócio-demográficos e de risco associados à infecção pelo
HBV em usuários de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste, Brasil (cont.)
Fator de risco
Uso de preservativo
Sempre
Ocasionalmente
Nunca
SI 19
HBV
Positivo / Total (%)
Odds ratio
(IC 95%)a
15/157 (9,6)
103/691 (14,9)
29/135 (21,5)
1,0
1,7 (0,9-3,1)
2,6 (1,3-5,4)
p
0,08
< 0,01
55
Antecedentes de DST
Não
Sim
SI 31
Antecedentes de prisão
Não
Sim
SI 4
Hepatite na família
Não
Sim
SI 122
Transfusão de sangue
Não
Sim
SI 25
Tatuagem/piercing
Não
Sim
Acupuntura
Não
Sim
SI 10
Compartilhamento de objetos
de higiene pessoal
Não
Sim
SI 4
Anti-HCV
Negativo
Positivo
Anti-HIV
Negativo
Positivo
79/656 (12,0)
66/315 (21,0)
1,0
1,9 (1,3-2,8)
< 0,01
44/341 (12,9)
106/657 (16,1)
1,0
1,3 (0,9-1,9)
0,18
99/761 (13,0)
22/119 (18,5)
1,0
1,5 (0,9-2,5)
0,11
122/876 (13,9)
23/101 (22,8)
1,0
1,8 (1,1-3,0)
0,02
69/430 (16,0)
81/572 (14,2)
1,0
0,9 (0,6-1,2)
0,41
144/953 (15,1)
4/39 (10,3)
1,0
0,6 (0,2-1,8)
0,40
63/429 (14,7)
86/569 (15,1)
1,0
1,0 (0,73-1,47)
0,85
124/934 (13,3)
26/68 (38,2)
1,0
4,0 (2,4-6,8)
< 0,01
137/978 (14,0)
13/24 (54,2)
1,0
1,9 (1,3-2,9)
0,00
IC: intervalo de confiança; SI: sem informação; UDI: usuários de drogas injetáveis; DST: doença
sexualmente transmissível; HCV: vírus da hepatite C; HIV: vírus da imunodeficiência humana.
Tabela 4 – Análise multivariada dos fatores de risco associados à infecção pelo
HBV em usuários de drogas na Região Centro-Oeste, Brasil
Fatores de risco
Idade
≤ 30 anos
> 30 anos
Estimativa de risco (IC 95%)a
Não ajustada
Ajustadab
1,0
3,2 (2,2-4,5)
1,0
2,2 (1,4-3,4)
p
< 0,01
Estado civil
56
Solteiro
Casado
Divorciado
1,0
1,2 (0,8-1,9)
2,2 (1,4-3,4)
1,0
1,0 (0,6-1,6)
1,4 (0,8-2,3)
0,92
0,19
Cidade-Estado
Campo Grande-MS
Goiânia-GO
Cuiabá-MT
1,0
1,5 (0,9-2,6)
2,2 (1,3-3,6)
1,0
1,4 (0,8-2,3)
2,2 (1,3-3,7)
0,20
< 0,01
Tempo de uso de droga
≤ 10 anos
> 10 anos
1,0
2,6 (1,8-3,8)
1,0
1,6 (1,0-2,6)
0,04
Via de uso de droga
Não injetável
Injetável
1,0
1,6 (1,0-2,5)
1,0
0,9 (0,5-1,6)
0,69
Número de parceiros na vida
≤ 10
> 10
1,0
1,8 (1,2-2,6)
1,0
1,4 (0,9-2,1)
0,14
Parceiro do mesmo sexo
Não
Sim
1,0
1,5 (1,0-2,1)
1,0
1,1 (0,7-1,7)
0,72
Uso de preservativo
Sempre
Ocasionalmente
Nunca
1,0
1,7 (0,9-3,1)
2,6 (1,3-5,4)
1,0
1,5 (0,8-2,9)
1,9 (0,9-4,1)
0,20
0,08
Antecedentes de DST
Não
Sim
1,0
1,9 (1,3-2,8)
1,0
1,0 (0,7-1,6)
0,92
Transfusão de sangue
Não
Sim
1,0
1,8 (1,1-3,0)
1,0
1,1 (0,6-1,9)
0,84
Anti-HCV
Negativo
Positivo
1,0
4,0 (2,4-6,8)
1,0
2,3 (1,3 -4,3)
< 0,01
Anti-HIV
Negativo
1,0
1,0
Positivo
1,9 (1,3-2,9)
5,2 (2,1-13,3)
< 0,01
a
IC: intervalo de confiança; b Ajustada para idade, sexo, estado civil, cidade-Estado, tempo de uso de
droga, via de uso de droga, número de parceiros na vida, parceiro do mesmo sexo, uso de preservativo,
antecedentes de doença sexualmente transmissível (DST), vírus da imunodeficiência humana (HIV) e
vírus de hepatite C (HCV)
4.5 Características sorológicas e moleculares dos pacientes HBsAg
positivos
As características sorológicas e moleculares das amostras HBsAg
reagentes estão apresentadas na Tabela 5.
57
Todas as dez amostras HBsAg reagentes foram submetidas à detecção
dos marcadores sorológicos HBeAg/anti-HBe e genotipadas. Destas, duas
amostras (20%) apresentaram positividade para o marcador HBeAg, sete (70%)
para anti-HBe e apenas uma (10%) foi negativa para ambos os marcadores.
O HBV DNA pode ser detectado em sete amostras (70%), sendo que
destas, cinco eram do genótipo A e provenientes de Cuiabá; uma do genótipo D e
uma do genótipo F, ambas provenientes da cidade de Goiânia.
Tabela 5 – Características sorológicas e moleculares das amostras HBsAg
positivas
Amostra
Local
HBeAg
Anti-HBe
HBV DNA
Genótipo
UDI 548
Goiânia
-
-
-
-
UDNI 289
Goiânia
-
+
+
D
UDNI 590
Goiânia
+
-
+
F
UDNI 206
Cuiabá
+
-
+
A
UDNI 67
Cuiabá
-
+
+
A
UDNI 198
Cuiabá
-
+
+
A
UDNI 241
Cuiabá
-
+
+
A
UDNI 250
Cuiabá
-
+
+
A
UDNI 28
Cuiabá
-
+
-
-
UDNI 290
Campo
Grande
-
+
-
-
UDNI: usuário de droga não injetável; UDI: usuário de droga injetável.
4.6 Infecção oculta pelo vírus da hepatite B
As amostras anti-HBc foram submetidas à pesquisa do HBV DNA para
investigar a presença de infecção oculta pelo HBV neste grupo de usuários de
drogas. De 44 amostras anti-HBc isoladas, 2 (4,5%) foram HBV DNA positivas e,
dentre 96 amostras anti-HBc/anti-HBs reagentes, 3 (3,1%) apresentaram
58
positividade para o DNA viral, resultando, assim, em um índice de infecção oculta
de 3,6% (5/140) em usuários de drogas anti-HBc reagentes.
As características dos indivíduos portadores de infecção oculta pelo HBV
podem ser observadas na Tabela 6. Todos eram do sexo masculino, com idade
entre 19 e 37 anos, sendo que destes, três eram usuários de drogas não
injetáveis por mais de 10 anos. Quanto ao perfil sorológico, três amostras
apresentaram positividade para os marcadores anti-HBc/anti-HBs, e destas, uma
foi positiva também para anti-HCV. Já o marcador anti-HBc foi detectado
isoladamente em duas amostras, sendo ambas também reagentes para anti-HIV.
Tabela 6 – Características dos usuários de drogas ilícitas com infecção oculta
pelo vírus da hepatite B
Amostra
Idade
Sexo
Tipo de
droga
Tempo de
uso de
Perfil sorológico
droga
UD 206
21
M
UDI
≤ 10 anos
anti-HBc + anti-HIV
UD 207
32
M
UDNI
> 10 anos
anti-HBc + anti-HIV
UD 304
19
M
UDI
≤ 10 anos
anti-HBc/anti-HBs
UdCb 16
36
M
UDNI
> 10 anos
anti-HBc/anti-HBs
UdCb 61
37
M
UDNI
> 10 anos
anti-HBc/anti-HBs +
anti- HCV
UD: usuário de drogas - Goiânia; UdCb: usuário de drogas - Cuiabá; M: masculino; UDI:
usuário de droga injetável; UDNI: usuário de droga não injetável.
59
5.0 DISCUSSÃO
O presente trabalho consiste no primeiro estudo da infecção pelo vírus da
hepatite B em usuários de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste. Embora esta
investigação tenha sido conduzida em centros de tratamento de uso de drogas,
não representando, assim, toda a população-alvo, os resultados encontrados são
relevantes para estabelecer o perfil soroepidemiológico e molecular da mesma
nesse grupo de risco, para subsidiar políticas/ações de prevenção e controle da
hepatitie B em usuários de drogas ilícitas no Brasil.
Considerando os dados sócio-demográficos, observou-se que população
estudada foi constituída predominantemente de adultos jovens, do sexo
masculino, brancos, solteiros, com baixo nível de escolaridade e renda familiar
até cinco salários mínimos. Estas características mostraram-se semelhantes às
observadas em outros estudos realizados no Brasil em usuários de drogas ilícitas
(Turchi et al. 2002, Ferreira Filho et al. 2003, Pechansky et al. 2004, Pechansky
et al. 2006, Guindalini et al. 2006).
A prevalência global de 15,0% (IC 95%: 12,8–17,4), encontrada em
usuários de drogas ilícitas neste estudo, mostrou-se elevada quando comparada
à observada em doadores de sangue na Região Centro-Oeste (10,7%; IC 95%:
10,4-10,9) por Martelli et al. (1999). Por outro lado, considerando os estudos em
usuários de drogas ilícitas no Brasil, esta prevalência foi semelhante às
estimadas por Bastos et al. (2000), na cidade do Rio de Janeiro (14,7%; IC 95%:
10,4-20,1),
e
por
Carvalho
et
al.
(2003)
em
adolescentes
infratores
institucionalizados usuários de drogas, na cidade de São Paulo (16,0%; IC 95%:
8,7-25,1). Entretanto, este índice foi inferior aos reportados em outros países
(23,6% a 72,0%), como nos Estados Unidos, Itália e Espanha (Fábrega et al.
1999, Hwang et al. 2000, Gyarmathy et al. 2002, Calleja et al. 2003, Quaglio et al.
2003, Kuo et al. 2004, Rich et al. 2006, Amesty et al. 2008).
Neste estudo, a prevalência do HBsAg (1,0%; IC 95%: 0,5-1,9), marcador
de infecção ativa, foi semelhante à observada em doadores de sangue na Região
Centro-Oeste (0,8%; IC 95%: 0,8-0,9) (Martelli et al. 1999) e em usuários de
drogas ilícitas no Rio de Janeiro (0,4%; IC 95%: 0,0-2,8) (Bastos et al. 2000)
indicando, assim, um perfil de baixa endemicidade para o HBsAg na população
estudada. Interessantemente, dois pacientes apresentaram este marcador na
ausência do anti-HBc, resultado que pode ser explicado pelo fato do HBsAg ser o
primeiro marcador sorológico que surge durante o curso da infecção pelo HBV,
podendo estar presente antes mesmo do início dos sintomas (Hatzakis et al.
2006).
O índice global para o marcador anti-HBc foi de 14,8%, sendo que em oito
indivíduos (0,8%) este esteve associado ao HBsAg, indicando infecção presente
para o HBV. A presença do marcador anti-HBc associado ao anti-HBs, que indica
infecção passada pelo HBV, foi verificada em 9,6% dos usuários. Em 4,4% dos
indivíduos estudados, o anti-HBc foi detectado isoladamente. Este perfil
sorológico pode ser encontrado no período conhecido como “janela imunológica”,
no qual há o desaparecimento do HBsAg e a não detecção do anti-HBs, em
função da baixa concentração desse anticorpo ou porque o mesmo não foi
sintetizado. Esta situação pode ocorrer, ainda, devido a mutações na região S do
genoma viral, particularmente na que codifica o determinante “a”, levando à
diminuição dos títulos do HBsAg ou, até mesmo a não expressão desse antígeno
61
(Badur & Akgün 2001, Weber et al. 2001, Alhababi et al. 2003, Gonçales &
Cavalheiro 2006).
Tendo em vista as cidades estudadas, a prevalência global para hepatite B
em usuários de drogas ilícitas em Cuiabá (19,6%; IC 95%: 15,4-24,6) foi maior
que em Campo Grande (10,0%; IC 95%: 6,8-14,4), mas próxima à observada em
Goiânia (14,7%: IC 95%: 11,5-18,5). Ao comparar estas taxas com as
encontradas em primodoadores de sangue nas respectivas cidades, notou-se
que as mesmas foram semelhantes em Campo Grande (10,7%; IC 95%: 7,813,0) e Goiânia (12,8%; IC 95%: 10,8-15,0) (Martelli et al. 1991, Aguiar et al.
2001), porém em Cuiabá a prevalência em usuários foi maior que em
primodoadores (12,5%; IC 95%: 12,3-12,7) (Souto et al. 2006).
Dentre os indivíduos que fizeram uso de drogas não injetáveis, a
prevalência global de 14,0% (IC 95%: 11,7-16,5) foi semelhante à estimada por
Bastos et al. (2000) (12,9%; IC 95%: 8,8-18,6) em UDNI. Apesar de poucos
estudos sobre a prevalência da hepatite B nesses usuários em outros países, a
mesma variou de 1,2% na Irlanda, a 45,8%, na China (Baozhang et al. 1997,
Long et al. 2001). Assim sendo, os índices estimados em UDNI em Campo
Grande, Goiânia e Cuiabá estão de acordo com os reportados na literatura.
Em relação ao grupo de usuários de drogas injetáveis, a prevalência global
da infecção pelo HBV de 20,7% (IC 95%: 14,7-28,2) mostrou-se semelhante à
encontrada nesses usuários por Bastos et al. (2000) (29,2%; IC 95%: 13,4-51,2).
Quanto aos índices reportados em outros países, a prevalência para hepatite B
verificada nessa população variou de 19,5%, no Uruguai, a 75,4% nos Estados
Unidos da América (Levine et al. 1995, Osimani et al. 2005). Confrontando os
dados deste estudo aos da literatura, observou-se que os índices em UDI em
62
Campo Grande, Goiânia e Cuiabá mostram-se concordantes com os demais
estudos.
Dentre fatores de risco associados à infecção pelo HBV na população
estudada de usuários de drogas ilícitas, verificou-se que indivíduos com idade
superior a 30 anos apresentaram 2,2 (IC 95%: 1,4-3,4) vezes mais chance de
adquirir hepatite B quando comparados aqueles com idade inferior a 30 anos.
Nos estudos realizados por Lamden et al. (1998), Bastos et al. (2000), Hwang et
al. (2000) e Gyarmathy et al. (2002), também foi encontrada associação entre
infecção pelo HBV e idade superior a 30 anos em usuários de drogas. Em
regiões de baixa endemicidade (HBsAg < 2,0%), como a do presente estudo, a
infecção pelo HBV ocorre mais freqüentemente em adolescentes e adultos
jovens, grupos nos quais a transmissão associa-se a aspectos comportamentais
adquiridos ao longo da vida, como atividade sexual de risco, uso de drogas
ilícitas e outras formas de exposição percutânea (Souza et al. 2004).
De fato, os indivíduos que fizeram uso de drogas ilícitas por mais de 10
anos mostraram 1,6 (IC 95%: 1,0-2,6) vezes mais chances de positividade para
hepatite B que aqueles com tempo menor. Outros estudos também reportaram o
uso prolongado de drogas com fator de risco para essa infecção (Levine et al.
1995, Lamden et al. 1998, Gyarmathy et al. 2002, Backmund et al. 2006, Rich et
al. 2006, Reimer et al. 2007, Lum et al. 2008).
Dentre aqueles que apresentaram soropositividade para o HCV, a chance
de exposição ao HBV foi 2,3 (IC 95%: 1,3-4,3) vezes maior do que os anti-HCV
não reagentes. Em UDI, sabe-se que os dois vírus são facilmente transmitidos
pelo
contato
com
sangue
ou
fluidos
sanguíneos
contaminados
pelo
compartilhamento de seringas, agulhas e de recipientes para o preparo da droga
63
(Quaglio et al. 2006, Neaigus et al. 2007). Nos UDNI, pode ocorrer também o
compartilhamento dos equipamentos utilizados para o preparo e uso das drogas,
como fogareiros, cachimbos e cânulas intranasais usados para o consumo de
cocaína ou de outras drogas (Rodríguez et al. 1998, Quaglio et al. 2006).
Segundo Conry-Cantilena et al. (1996), o uso de cocaína por via intranasal (odds
ratio: 8,0; IC 95%: 3,9-16,5) foi considerado fator de risco para infecção pelo HCV
em doadores de sangue de Maryland, E.U.A., dos quais 29% relataram a
ocorrência de epistaxe durante o uso de cocaína e 27% observaram epistaxe em
outros usuários.
Já dentre aqueles que apresentaram sorologia positiva para o HIV, a
chance de infecção com o HBV foi 5,2 (IC 95%: 2,1-13,3) vezes maior do que
aqueles com sorologia negativa. A soropositividade para estes dois agentes pode
ser explicada por vias comuns de transmissão, sendo ambos eficientemente
transmitidos pela via sexual (Rodríguez et al. 1998, Shirin et al. 2000, Gyarmathy
et al. 2002). De fato, estudos demonstraram que o comportamento sexual de
risco é um fator importante na transmissão e disseminação do HBV em usuários
de drogas (Oliveira et al. 1999, Taketa et al. 2003, Rich et al. 2006, Zhao et al.
2006). Nesta investigação, variáveis como múltiplos parceiros, parceiros do
mesmo sexo, antecedentes de DST e não uso de preservativos mostraram-se
associadas à infecção pelo HBV na análise univariada.
Geograficamente, a Região Centro-Oeste do Brasil faz fronteira com
países produtores de drogas, como Paraguai e Bolívia, e ao comparar as taxas
verificadas na população estudada, a cidade de Cuiabá, capital do Estado de
Mato Grosso, apresentou prevalência mais alta para infecção pelo HBV, tanto em
usuários de drogas não injetáveis quanto nos injetáveis. Esse Estado faz fronteira
64
com a Bolívia, localizando-se na rede de produção e tráfico de drogas, que
entram no Brasil por via terrestre, fluvial e aérea, sendo distribuídas de acordo
com a conveniência dos traficantes e a demanda do mercado consumidor
(UNODOC 2005). Além disso, o mesmo pertence à Amazônia Legal, região
considerada de elevada endemicidade para o HBV (Souto 1999, Martelli et al.
1999). De fato, os usuários de drogas ilícitas provenientes de Cuiabá
apresentaram 2,2 (IC 95%:1,3–3,7) vezes mais chance de exposição ao HBV
quando comparados àqueles provenientes da cidade de Campo Grande, o que
pode ser explicado ainda por comportamentos sexuais de risco, como relação
sexual com parceiros de mesmo sexo (36,5% vs. 13,4%), antecedentes de DST
(35,6% vs. 28,0%) e não uso ou uso ocasional de preservativo (96,1% vs. 78,4);
fatores estes relatados mais freqüentemente pelos usuários de Cuiabá (dados
não mostrados).
Dentre as amostras HBsAg reagentes, duas (20,0%) apresentaram
positividade para o HBeAg, considerado marcador de replicação viral, bem como
para o DNA viral. Este foi detectado ainda em cinco das sete amostras anti-HBe
positivas (71,4%), indicando a presença do vírus independente do status HBeAg,
o que poderia ser explicado pela presença de mutações nas regiões pré-core
e/ou promotora basal do core, que levam à uma diminuição na expressão desse
antígeno (Hadziyannis & Vassilopoulos 2001, Hennig et al. 2002). Além disso, em
uma amostra HBsAg reagente, não foram detectados os marcadores HBeAg,
anti-HBe e o DNA viral. Este resultado pode ocorrer em função de uma carga
viral baixa e, assim o DNA não ter sido detectado pela metodologia utilizada
neste estudo, ou pela presença de antigenemia vacinal (Martín-Ancel et al. 2004).
65
O genótipo A foi predominante (71,4%), seguido dos genótipos D (14,3%)
e F (14,3%). Estes achados são concordantes com os reportados em um amplo
estudo realizado recentemente em doadores de sangue provenientes das cinco
regiões geográficas do Brasil, no qual o genótipo A também foi o mais prevalente
(48,5%), seguido pelos genótipos D (38,5%) e F (13%) (Mello et al. 2007); assim
como os reportados em outras investigações realizadas no Brasil, onde se
observa uma maior circulação desses genótipos (Carrilho et al. 2004, Ribeiro et
al. 2006, Palumbo et al. 2007, Bottecchia et al. 2008).
A presença do HBV DNA em indivíduos HBsAg negativos é indicativa de
infecção oculta pelo HBV. Uma das principais preocupações com o diagnóstico
dessa infecção é devido ao risco da transmissão do HBV por transfusão de
sangue e transplante de órgãos (Raimondo et al. 2007). A prevalência de 3,6%
para infecção oculta pelo HBV em indivíduos anti-HBc reagentes foi semelhante à
verificada em usuários de drogas injetáveis também anti-HBc reagentes na Itália
(3,2%) (Vitale et al. 2008), mas inferior à observada em usuários de drogas
injetáveis anti-HCV e anti-HBc positivos (45,0%) em Baltimore, Estados Unidos
(Torbenson et al. 2004). Essa diferença pode ser devido à utilização de métodos
diferentes de extração do DNA, ou pelo emprego de primers de regiões distintas
do HBV DNA na PCR, bem como por se tratar de populações com características
diferentes (Raimondo et al. 2007).
A positividade isolada para o marcador anti-HBs foi verificada em 7,8% dos
indivíduos, indicando que uma pequena parte desta população apresentou
evidência sorológica de vacinação prévia contra hepatite B. Esta taxa indica baixa
cobertura vacinal nos usuários de drogas estudadas, o que é concordante com
estudos realizados no Brasil (0,8%) (Oliveira et al. 2005) e em países da Europa
66
e EUA (2,0-25%) (Fábrega et al. 1999, Shirin et al. 2000, Quaglio et al. 2003,
Rich et al. 2006, Backmund et al 2006, Koblin et al 2007, Tseng et al. 2007,
Amesty et al. 2008, Lum et al. 2008).
Neste estudo, verificou-se que a maioria dos vacinados (61,5%)
apresentou idade menor ou igual a 25 anos (dado não mostrado), o que reflete a
disponibilização da vacina contra hepatite B na rede pública para indivíduos de
até 19 anos de idade desde 2001 (BRASIL 2003). No entanto, este percentual é
baixo, uma vez que, considera-se como boa cobertura vacinal quando 95% da
população alvo encontra-se imunizada (BRASIL 2001).
A baixa cobertura vacinal em usuários de drogas pode estar associada a
fatores econômicos e sociais (baixa renda, falta de infra-estrutura adequada de
saúde pública e ausência de programas efetivos de vacinação para este grupo de
risco), além da dificuldade de adesão ao atual esquema vacinal (três doses; 0, 1
e 6 meses) (Quaglio et al. 2006). Na tentativa de aumentar a cobertura vacinal
nessa população, alguns estudos têm sugerido um programa acelerado de
imunização, atingindo resultados favoráveis, tanto de resposta vacinal quanto de
conclusão do esquema de três doses (Rogers & Lubman 2005, Macdonald et al.
2007). Além disso, recomenda-se a implantação do esquema vacinal nos centros
de recuperação de usuários de drogas, prisões, nos programas de redução de
danos e de triagens de doenças sexualmente transmissíveis (Quaglio et al. 2006,
Sutton et al. 2006).
Sendo assim, a baixa cobertura vacinal e o alto índice de suscetibilidade
observado (77,2%), aliados aos comportamentos de risco da população em
estudo, podem contribuir para o aumento da circulação do vírus entre os usuários
de drogas ilícitas na Região Centro-Oeste. Assim, torna-se necessário que seja
67
implantado um conjunto de ações específicas, como a disponibilidade da vacina
nos centros de recuperação, facilitando a adesão ao esquema vacinal completo,
implementação de programas de redução de danos visando diminuir os prejuízos
biológicos, econômicos e sociais trazidos pelo uso e abuso de drogas, não
implicando necessariamente no abandono do consumo, considerando que,
naquele momento, algumas pessoas não querem ou não conseguem parar de
usar drogas.
Além disso, há necessidade de integração das ações públicas, como os
serviços de atenção básica à saúde por meio de atividades educativas para a
promoção da saúde, com ênfase na prevenção de doenças, em particular da
hepatite B, e o manejo adequado dos usuários de drogas (BRASIL 2006). Assim
como a implementação da política nacional antidrogas, aprovada pelo Conselho
Nacional Antidrogas (CONAD), que visa, dentre outras atribuições, a busca da
conscientização do usuário e da sociedade em geral de que o uso de drogas
ilícitas alimenta as atividades e organizações criminosas que têm, no
narcotráfico, sua principal fonte de recursos financeiros e tratar de forma
igualitária, sem discriminação, as pessoas usuárias ou dependentes de drogas
lícitas ou ilícitas (BRASIL 2004).
Portanto, ações educativas para a promoção da saúde, a vacinação efetiva
contra o HBV, medidas de redução de danos e políticas de prevenção do
consumo de drogas são necessárias para o controle da infecção pelo HBV em
usuários de drogas ilícitas. Além disso, novos estudos são importantes para
estabelecer o perfil da hepatite B em usuários de drogas ilícitas em outras
regiões do nosso País.
68
6.0 CONCLUSÕES
- A prevalência global da infecção pelo HBV em usuários de drogas na Região
Centro-Oeste foi de 15,0%, sendo de 20,7% no grupo de UDI e de 14,0% nos
UDNI; índices estes superiores aos observados em doadores de sangue na
mesma Região;
- As taxas de prevalência em UDI foram semelhantes às encontradas nos
UDNI em Campo Grande-MS, Goiânia-GO e Cuiabá-MT;
- Após análise multivariada, idade superior a 30 anos, uso de drogas ilícitas
por mais de 10 anos, ser proveniente da cidade de Cuiabá e soropositividade
para o HCV e HIV foram fatores de risco para aquisição do HBV nesta
população;
- Os genótipos A (71,4%), D (14,3%) e F (14,3%), identificados nesta
população, corroboram os resultados de outros estudos conduzidos no Brasil,
mostrando ser os mesmos predominantes no País;
- Um índice de 3,6% para infecção oculta pelo HBV foi observado nos usuários
anti-HBc reagentes.
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