Construções com verbo-suporte com o verbo dar no Português do Brasil e geben no Alemão: alguns contrastes. Orientador: Maria Helena Voorsluys Battaglia Autor: Antonio Augusto Castro do Nascimento Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Universidade de São Paulo [email protected] Resumo A polifuncionalidade do verbo dar, no português do Brasil, pode ser percebida mesmo se partirmos de uma análise superficial da língua, visto que sua ocorrência é diversa em muitos sistemas linguísticos e interacionais. Para o presente trabalho, o interesse recai sobre o verbo dar enquanto verbo-suporte, em construções como: dar uma resposta, dar um conselho, dar permissão, etc. E tenciona-se o seu contraste com o correspondente em alemão, geben (eine Antwort geben, einen Rat geben, Erlaubnis geben, etc), cujas construções com verbo-suporte (em alemão, “ Funktionsverbgefüge”) são, muitas vezes, equivalentes às portuguesas. Pretende-se comparar nove construções em português e alemão e, a partir delas, explicitar as características destas construções de verbo-suporte, os estudos feitos na área e colaborar para os objetivos do projeto do Ensinar com pesquisa, “Levantamento de construções com verbo-suporte no par de línguas português - alemão para o Dicionário eletrônico de construções com verbo-suporte (CVS) e colocações em Português do Brasil/Alemão – Alemão/Português do Brasil (Verbos G a K)”, que serão explicitados no decorrer deste artigo resumido e no qual este trabalho está inserido. Palavras Chave: Verbo-suporte; colocações; linguística contrastiva. Abstract The polyfunctionality of the verb dar, in Brazilian Portuguese, can be perceived even if we make a superficial analysis of the language, since its occurrence is diverse in several linguistic and interactive systems. In the present paper, the interest lies on the verb dar as a support-verb in constructions as: “ dar uma resposta”, “ dar um conselho”, “ dar permissão”, etc. And it intends to contrast with its counterpart in German, geben (eine Antwort geben, einen Rat geben, Erlaubnis geben, etc.), whose constructions with support verb (in German, Funktionsverbgefüge) are often equivalent to the Portuguese ones. The intention is to compare eight constructions in Portuguese and German and, from them, explain the features of these support-verb constructions, the recent studies made in the area and to collaborate with the goals of the project “Levantamento de construções com verbo-suporte no par de línguas português - alemão para o Dicionário eletrônico de construções com verbosuporte (CVS) e colocações em Português do Brasil/Alemão – Alemão/Português do Brasil (Verbos G a K)”, which will be explained throughout this short paper, in which this work is inserted. Key words: Support-verb; collocations; contrastive linguistics. SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP Introdução O presente trabalho está sendo desenvolvido a partir do projeto “Levantamento de construções com verbo-suporte no par de línguas português - alemão para o Dicionário eletrônico de construções com verbosuporte (CVS) e colocações em Português do Brasil/Alemão – Alemão/Português do Brasil (Verbos G a K)” que conta com bolsa do Ensinar com Pesquisa, sob orientação da Professora Doutora Maria Helena Voorsluys Battaglia. A pesquisa sobre construções com verbo-suporte no Brasil, nas últimas décadas, tem encontrado maior ressonância entre pesquisadores do português. E, desde os anos 90, as gramáticas funcionais tem passado a especificar o uso e as características desse tipo de construção, o que evidencia sua importância nos estudos linguísticos e gramaticais. Moura Neves, na Gramática de usos do português, define os verbos-suporte como “verbos de significado bastante esvaziado que formam, com seu complemento (objeto direto), um significado global, geralmente correspondente ao que tem um outro verbo na língua” (NEVES, 2000, 23, meu grifo). O fato do verbo-suporte ter seu “significado bastante esvaziado” é ponto comum entre os estudiosos – e não apenas os da língua portuguesa; Ana Scher, ao definir o termo “verbo leve” (equivalente a “verbo-suporte”), explica o estudo de Jespersen datados de 1954 sobre os light verbs: “Sua intenção era fazer referência a uma tendência geral do inglês moderno de fazer uso de um verbo tematicamente vazio, marcado para pessoa e tempo, ao qual se associa um elemento nominal, responsável pela ideia ‘realmente importante’ da sentença, ou seja, pelo evento ou ação expressos por ela.” (SCHER, 2003, 205). A partir de um simples exemplo, como as frases a seguir, tal característica se torna mais clara: (1) “Luiza dá pulos de alegria quando sua tia chega em casa. ” (2) “Eduardo deu uma olhada nas crianças.” “Dar pulos” e “deu uma olhada” são verbos-suporte, que no caso estão concordando com “Luiza” e “Eduardo”, sujeitos e agentes das ações em questão. Porém, tais ações não estão semanticamente expressas por “dar”, mas sim por “pulos” e “olhada”, os elementos nominais da sentença. O verbo “dar”, neste caso, indica ação e/ou atividade e não tem seu significado pleno em uso, afinal, “dar pulos” corresponde ao verbo “pular” e “dar uma olhada” a olhar. Helbig e Buscha dão várias características das 1 Funktionsverbgefüge em língua alemã, dentre elas: “Dentro da FVG, a FV atua primariamente com uma função gramatical e tem seu significado lexical parcialmente ou completamente perdido. O significado real do predicado é deslocado para os membros nominais fora do FV (especialmente em complementos preposicionados e acusativos)” (HELBIG e BUSCHA, 2001 71, minha tradução). O projeto também se ocupa com a caracterização das colocações verbais na língua portuguesa e na língua alemã. Tal como Tagnin define: “O termo collocation foi introduzido pelo linguista britânico J.R.Firth para designar casos de co-ocorrência léxico-semântica, ou seja, palavras que usualmente “andam juntas”. Há casos em que essa co-ocorrência é extremamente restrita, ou seja, tem alto grau de fixidez.” (TAGNIN, 2013, 63). Nessa linha, são colocações verbais expressões como “escovar os dentes”. Há, portanto, uma preocupação com a diferenciação entre construções com verbo-suporte (doravante CVS) e colocações verbais na construção do dicionário. Levando em conta as definições acima, este trabalho está focado em construções com o verbo “dar” e “geben”, explicitadas na parte dos “Resultados” deste resumo. O estudo contrastivo destas estruturas permite evidenciar as características das construções de verbo-suporte presentes em ambas as línguas. Objetivos O projeto do dicionário de construções com verbo-suporte e colocações vem sendo desenvolvido pelas professoras Eva Maria Ferreira Glenk e Maria Helena Voorsluys Battaglia desde 2011. Partindo de construções com verbos-suporte e colocações no português brasileiro e alemão, pretende-se elaborar um dicionário que reúna tais construções. Com o objetivo de suprir uma lacuna nas línguas em questão, um dicionário focado em tais construções torna-se importante para o trabalho de professores, tradutores linguistas e estudantes de alemão e português. Com base nessas considerações, as atividades desenvolvidas ao longo do primeiro semestre letivo de 2014 permitiram um aprofundamento no conhecimento sobre língua portuguesa e alemã, principalmente no que confere às CVS. O presente trabalho visa, utilizando-se das leituras e discussões realizadas e partindo das construções com o verbo dar e geben, construir a noção em torno do termo “verbo-suporte”, partindo de teóricos tanto brasileiros e portugueses quanto alemães e explorar perguntas relativas ao uso de tais construções, sua importância nos estudos linguísticos e de ensino de língua estrangeira, etc. 1 Tais informações estão presentes na Deutsche Grammatik: Ein Handbuch für den Ausländer (Berlin: Langenscheidt, 2001) Materiais e métodos No projeto Ensinar com pesquisa, cada um dos bolsistas é responsável por uma letra (de G a K) e devese realizar o levantamento sistemático de verbos em dicionários monolíngues de língua portuguesa e alemã e bilíngues Português/Alemão e Alemão/Português, procurando por verbos que podem aparecer como suportes e com quais substantivos deverbais e/ou adjetivos estão ligados. A partir disso, cada um dos verbos encontrados – que também podem ser colocações – são catalogados em uma ficha lexicográfica que leva em conta as relações paradigmáticas da construção; sua valência, usos e restrições; as suas ocorrências prototípicas e entradas encontradas em dicionários. No projeto, fiquei responsável pela letra H, mas decidi, para apresentação de trabalho do SIICUSP, apresentar um estudo contrastivo das CVS com “dar” e “geben”. Resultados As CVS geben foram todas apresentadas por Helbig e Buscha. Os autores, no capítulo referente aos Funktionsverben, fazem observações relativas a um rol de verbos que podem ser suportes em língua alemã. Dentre as construções possíveis com geben – os autores enumeram dezoito – foram selecionadas oito para este trabalho (que seguem abaixo, na Tabela 1), por terem correspondentes em língua portuguesa e apresentarem um vasto campo de utilização nas duas línguas. A diferença destas construções para um verbo pleno seguido de complemento é que todas possuem um substantivo verbo nominal e um verbo semanticamente esvaziado, que é o suporte – características básicas para a conceitualização de uma CVS. Tabela 1: Funktionsverbgefüge com geben e seus correspondentes com dar. Funktionsverben (Deutsch) Infinitiv Verben (Deutsch) Verbos suporte (Português) Verbos no infinitivo (português) Antwort geben antworten, beantworten dar uma resposta responder Rat geben Erlaubnis geben Anregung geben Befehl geben Garantie geben Einwilligung geben raten erlauben anregen befehlen garantieren einwilligen dar um conselho dar permissão dar sugestão dar uma ordem dar garantia dar consentimento aconselhar permitir sugerir ordenar garantir consentir Vorzug geben vorziehen dar preferência preferir Lapa, na Estilística da língua portuguesa, ressalta a forte tendência do verbo dar na formação de locuções: ”a maior parte das vezes um verbo simples pode substituir-se por um grupo fraseológico portador do mesmo significado (...) o verbo dar presta-se sobretudo a isso (acreditar = dar crédito; combater = dar combate).” (LAPA, 1973, 66). Embora não utilize o termo “verbo-suporte”, o autor ainda tece uma teoria sobre a motivação do falante para utilizar este tipo de construção: “(...) esta construção de formas perifrásticas tem duplo valor: permite variar o estilo, evitando repetições e adoça ainda a crueza de certos verbos simples (...) dar crédito atenua um pouco a ideia de acreditar.” (ibidem, 65). Scher confronta dar como verbo-suporte com a sua conceitualização enquanto verbo pleno bitransitivo. Para isso, a autora utiliza-se da definição proposta por Basílio et al. (1994): ”causação voluntária de um evento de transferência de um objeto de um causador (ponto de partida) animado para um receptor também animado, que será afetado por essa transferência.” (BASILIO, 1994 apud SCHER, 2003, 210). Ao estudar ocorrências de dar não como suporte (leve), Scher conclui: “A ampliação do conjunto de sentenças com usos de dar diferentes do uso canônico, bitransitivo deste verbo, para incluir outros tipos de construções com o verbo leve dar revela, então, que, para estes casos estamos diante de uma variação importante da estrutura conceitual básica sugerida por dar. De modo generalizado, em seu uso leve, o verbo dar não inclui evento de transferência de posse em sua estrutura conceitual.” (ibidem, 213, meu grifo). Ao prestarmos atenção nos verbos-suporte em português na Tabela 1, tais características tornam- se mais claras. As oito construções podem ser substituídas por verbos simples e sua ocorrência estará, em geral, ligada a escolhas estilísticas. Algumas ocorrências encontradas em corpus, destas construções, estão listadas abaixo. (3) “Estamos sós no universo? Poluição extraterrestre pode dar a resposta.” (Fonte: http://noticias.terra.com.br/ciencia/sustentabilidade/estamos-sos-no-universo-poluicao-extraterrestre-podedar-a-resposta. Acesso em 31/07/2014 às 21h49) (4) “Freire já deu garantia de apoio do PPS a Eduardo.” (Fonte: http://www.robsonpiresxerife.com/notas/freire-ja-deu-garantia-de-apoio-do-pps-a-eduardo/ Acesso em 31/07/2014 às 22h05) (5) “Corte deu permissão à NSA para espionar 193 países, exceto quatro.” (Fonte: http://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2014/07/01/corte-deu-permissao-a-nsa-para-espionar-193-paises-no-mundo- exceto-quatro.htm Acesso em 31/07/2014 às 23h00). Nas três frases, as construções poderiam ser substituídas por “responder”, “garantir” e “permitir”, respectivamente. Isso permite avaliar a ocorrência substancial dessas estruturas no português brasileiro, incluindo meios de comunicação. Como Scher (2003, 65) coloca, em nenhuma delas há ideia de transferência de posse no sentido pleno de dar – o significado das frases está dado através do elemento nominal delas – resposta, garantia e permissão, todos substantivos deverbais abstratos. O mesmo ocorre com as correspondentes em alemão. Embora as Funktionsverbgefüge sejam mais comuns na linguagem técnica e acadêmica, também são encontradas na linguagem jornalística e midiática como uma pesquisa de corpus indicou: (6) “Sie gibt mir keine Antwort!” (Fonte: http://www.gutefrage.net/frage/sie-gibt-mir-keine-antwortAcesso em 03/08/2014 às 21h29) (7) “Es gibt keine Garantie für die Sicherheit von Staaten" (Fonte: integration.de/artikel/einstufung -bosnien-herzegowina-mazedonien-serbien-als-sichereAcesso em 01/08/2014 às 15h00 ) (8) “Klubführung gibt Erlaubnis für Schaafs http://mediendienst herkunftsstaaten.html Entlassung.“ http://www.welt.de/sport/fussball/bundesliga/werder -bremen/article115465067/Klubfuehrung-gibtSchaafs-Entlassung.html Acesso em 01/08/2014 às 15h30 ) (Fonte: Erlaubnis-fuer- As construções de 3 a 5 tem as correspondentes, em alemão, das construções usadas em 6 a 8, e apresentam as características já listadas acima: o núcleo semântico é dado pelo substantivo deverbal abstrato, no caso Antwort, Garantie e Erlaubnis e o verbo geben tem seu significado original esvaziado. Pois, com o uso do verbo “geben”, espera-se a transferência de um objeto/ de algo, o que nos exemplos não acontece: não há, em nenhum dos casos, transferência de um objeto. Conclusões É possível concluir que as construções com verbo-suporte com o verbo “dar” e “geben” são recorrentes em ambas as línguas, aparecendo em diversos contextos e possuem características semelhantes, ou seja, em combinação com substantivos abstratos deverbais assumem a função de verbo-suporte. É possível confundir estas expressões com colocações verbais. Porém é importante notar que, diferentemente das colocações, nas CVS não há o que se espera de verbos como “dar” e “geben”, que é a transferência de um objeto para o receptor. As colocações verbais que se ocupam com objetos concretos – tal como “deixar uma mensagem”, “escovar os dentes”: os verbos, além de não perderem seu significado original, não estão ligados a um substantivo deverbal abstrato. . Logo, mantemos a classificação como CVS. Não cabe, pelo tamanho deste trabalho, analisar as motivações dos emissores para a escolha destas determinadas construções, porém é importante notar que sua estrutura corresponde à descrição teórica explicitada pelos estudiosos neste resumo, sendo assim, o estudo contrastivo das línguas permite aproxima-las e denotar suas particularidades nos estudos da linguística. Referências bibliográficas BORBA, F. S. Uma Gramática de Valências para o Português. São Paulo: Ática, 1996. BORBA, F. S. Dicionário de Usos do Português do Brasil. São Paulo: Ática, 2002 ESTEVES, Giselle Aparecida Toledo. Construções com o verbo DAR + Sintagma Nominal: a gramaticalização desse verbo e a alternância em perífrases verbo-nominais e predicadores simples. 2008. Dissertação de Mestrado. Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro. HELBIG, Gehard e BUSCHA, Joachim. Deutsche Grammatik: ein Handbuch für den Ausländerunterricht. Berlin: Langenscheidt, 2001 LAPA, Manoel Rodrigues. 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