CONTENÇÃO DO CRUZAMENTO ENTRE GENÓTIPOS DE ALGODÃO POR BARREIRAS IIESTADO DO MATO GROSSO (*) Paulo A. V. Barroso (Embrapa Algodão / [email protected]), Lúcia V. Hoffmann (Embrapa Algodão), Patrícia S. F. Brunetta (Grupo Brunetta), Édio Brunetta (Grupo Brunetta), Eleusio Curvelo Freire (Embrapa Algodão). RESUMO - Conter a fecundação cruzada em acessos de bancos de germoplasma, cultivares e populações de melhoramento é importante para a manutenção da pureza genética. O cultivo de variedades geneticamente modificadas inclui novos componentes na já intrincada estrutura genética do algodoeiro no Brasil, aumentando ainda mais a importância de conter o fluxo de genes entre os diferentes tipos de população existentes. Este trabalho avaliou métodos de conter a fecundação cruzada entre lavouras de algodoeiro no Estado do Mato Grosso. Verificou-se que as taxas de cruzamentos podem ser substancialmente reduzidas usando barreiras de milho com 100m de largura, não realizando o aproveitamento das sementes produzidas nas bordaduras das lavouras e separando fisicamente lavouras de genótipos diferentes. As medidas de contenção podem ser usadas de modo isolado ou em associação, dependendo do nível de fecundação cruzada admitida. Palavras-chave: taxa de cruzamento, fluxo gênico, algodoeiro. OUTCROSSING CONTENTION AMONG COTTON FIELDS BY BARRIERS – II MATO GROSSO ABSTRACT - Outcrossing among cotton genotypes is not desirable when purity must be preserved. Introduction of transgenic cotton cultivars will increase the Brazilian cotton genetic complexity, raise the importance of gene flow. This work evaluated the effect of different barriers on contention of outcrossing among cotton genotypes under Mato Grosso State environmental conditions. It was find that 100m maize barrier, physical separation of fields and despise seeds produced near from field borders could reduce substantially gene flow among cotton fields. These contention procedures can be used alone or associated, and the strategy must be defined by acceptable outcrossing levels. Key words: outcrossing rate, gene flow, cotton INTRODUÇÃO Não é desejável que haja fecundação entre genótipos de algodão que necessitam serem mantidos puros. A conservação da integridade genética vai se tornar ainda mais importante quando variedades transgênicas estiverem disponíveis no mercado. Métodos que reduzam a fecundação cruzada deverão ser adotados para evitar que contaminações indesejáveis de algodoeiros convencionais com os transgenes. Este trabalho teve como objetivo determinar como o cruzamento entre lavouras de algodão ocorre e quais medidas podem ser empregadas para evitar que cruzamentos entre variedades convencionais e geneticamente modificadas de algodão ocorram sob as condições ambientais existentes no estado do Mato Grosso. MATERIAL E MÉTODOS Os experimentos foram realizados na Fazenda Itaquerê, localizada em Novo São Joaquim (MT) entre dezembro de 2002 a julho de 2004. As taxas de cruzamento foram determinadas usando a ausência de glândulas de gossipol como marcador morfológico. Esta característica é condicionada por dois genes recessivos (gl2gl2 gl3gl3) de modo que oosferas de plantas sem glândulas de gossipol fecundadas por pólen proveniente de plantas convencionais, com glândulas de gossipol (Gl2Gl2 Gl3Gl3) produzem sementes com glândulas. Padrão de polinização dentro de uma lavoura de algodão: O padrão de polinização cruzada dentro de uma lavoura de algodão foi determinado pela distribuição de parcelas armadilha sem glândulas de gossipol (gl2gl2 gl3gl3) no interior de um talhão comercial de 1850 x 1350m de dimensão (Gl2Gl2 Gl3Gl3). Cada parcela era composta por duas linhas de cinco metros. Cinco conjuntos de parcelas foram alocados. Em dois conjuntos, as parcelas distavam 0, 5, 10, 20, 30, 40, 50, 75, 100, 150, 200, 300, 400, 500, 750, 1000, 1250 e 1500 metros da bordadura do talhão vizinho a uma área de vegetação nativa. Os demais conjuntos possuem 5 parcelas a 0, 25, 50, 100 e 200m da bordadura do talhão. As plantas de cada parcela foram colhidas em “Bulk”, as sementes beneficiadas e uma amostra de 500 sementes de cada parcela foi avaliada quanto à presença de glândulas de gossipol. Barreira de milho - Três parcelas de 10 linhas de 10m foram plantadas com o genótipo Empire Glandless a 100m de uma lavoura da variedade convencional. Cada parcela estava lateralmente distante 50m uma da outra e, em média, a 30m de uma mata ciliar ao fundo. Ao redor das parcelas foi plantado milho. As parcelas foram implantadas e conduzidas segundo procedimentos e tratos culturais similares aos utilizados em lavouras comerciais do Estado do Mato Grosso. Foram amostradas vinte plantas por linha - uma a 0,5m, das quais se colheu todos os capulhos. Quatrocentas sementes de cada planta foram cortadas individualmente e avaliadas quanto à presença de glândulas de gossipol. Barreira de Algodão - Uma parcela experimental contendo 100 linhas de 50 metros foi plantada com Empire Glandless. Esta parcela foi cercada por algodoeiro com glândulas de gossipol. As parcelas foram implantadas e conduzidas utilizando procedimentos e tratos culturais similares aos utilizados em lavouras comerciais. Ao final do ciclo foram amostradas plantas de modo que as taxas de cruzamentos no sentido transversal e longitudinal às linhas pudessem ser estimadas. Foram amostradas as linhas 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7, 8, 9, 10, 15, 20, 25, 30, 35, 45, 50, 55, 60, 65, 70, 75, 80, 85, 90, 91, 92, 93, 94, 95, 96, 97, 98, 99 e 100. De cada linha colheu-se todos os capulhos de duas plantas situadas a 0, 1, 2, 3, 4, 5, 7.5, 10, 15, 20, 25, 30, 35, 40, 42.5, 45, 46, 47, 48, 49 e 50m da bordadura. Duzentas sementes de uma planta de cada ponto amostral foram cortadas e avaliadas quanto à presença de glândulas de gossipol. A taxa de cruzamento estimada em cada planta corresponde à percentagem de sementes com glândulas de gossipol. A outra planta de cada amostrada em cada ponto será posteriormente avaliada. Separação física: O efeito da separação física sem barreiras na contenção da fecundação cruzada foi estimado por meio de um experimento em que dois conjuntos de parcelas de plantas sem glândulas de gossipol (gl2gl2 gl3gl3) foram colocadas a de 10, 20, 40, 60, 80, 100, 200, 300, 400, 500, 750, 1000, 1500 e 2000m da lavoura comercial fonte de pólen (Gl2Gl2 Gl3Gl3). Cada parcela era composta por duas linhas de cinco metros dispostas dentro de uma lavoura de soja. RESULTADOS E DISCUSSÃO No experimento em que parcelas de plantas sem glândulas de gossipol foram colocadas dentro de uma lavoura comercial foram avaliadas 15.200 sementes, sendo verificadas 1176 com glândulas de gossipol e 14.024 sementes sem glândulas, o que fornece uma taxa média de cruzamento de 7,74%. Considerando o conjunto contendo 18 parcelas, com distância máxima da bordadura vizinha ao cerrado de 1500 metros, verifica-se que as taxas de cruzamento foram similares, não havendo acréscimos ou decréscimos significativos (Fig. 1A). O valor máximo foi verificado a 200 metros da bordadura, com taxa de 17,5%. Os quatro conjuntos de parcelas que se estendiam até 200 metros da bordadura do talão apresentaram comportamento similar, ou seja, não houve relação entre a localização da parcela dentro da lavoura e o percentual de sementes com glândulas de gossipol (Fig. 1B). Neste experimento as plantas sem glândulas não estavam sempre ao lado das plantas com glândulas, permitindo inferir o modo com que a fecundação cruzada ocorre dentro da lavoura. A ausência de qualquer padrão indica que os polinizadores, essenciais para que ocorram cruzamentos, atuaram de maneira similar em todo o talhão e, por conseqüência, a taxa de fecundação cruzada entre as plantas foi relativamente homogênea ao longo da área. No experimento em que plantas sem gossipol estavam protegidas pela barreira de milho foram avaliadas 102.249 sementes, das quais 155 apresentaram glândulas de gossipol e 102.094 não possuíam glândulas. Portanto, a taxa média de cruzamento foi de 0,15%. As taxas médias de cruzamento de cada linha podem ser observadas na Figura 2A. Verifica-se que as maiores percentagens de sementes com glândulas foram obtidas nas linhas mais próximas à lavoura fonte de pólen (0,4%). À medida que as linhas ficavam mais distantes da fonte de pólen, as taxas foram reduzindo. Apesar da correlação linear ter sido significativa, a equação com melhor ajuste foi exponencial (r2=0,91). A posição da planta dentro da linha não foi um fator importante na distribuição da fecundação cruzada (Figura 2B). Isto deve ter acontecido em razão de todas as plantas dentro de cada linha estarem a mesma distância da fonte externa de pólen. Caso a orientação das parcelas experimentais fosse diferente, com as linhas dispostas de maneira perpendicular à fonte de pólen, é provável que fosse verificado que o efeito da posição da planta dentro da linha. 8 A 17.5 Taxa de cruzamento (%) Taxa de cruzamento (%) 20.0 15.0 12.5 10.0 7.5 5.0 2.5 0.0 0 200 400 600 B 7 6 5 4 3 2 800 1000 1200 1400 1600 0 25 50 75 100 125 150 175 200 Distância da bordadura do talhão (m) Distância do início do talhão (m) Figura 1. Taxas de cruzamento em parcelas com plantas sem gossipol dentro de uma lavoura comercial de algodão, segundo a distância da parcela à extremidade mais próxima ao cerrado. A. um conjunto de parcela disposto até 1500m; B. média de quatro conjuntos dispostos até 200m. A 0.40 Sementes com glândula (%) Sementes com glândula (%) 0.45 0.35 0.30 0.25 0.20 0.15 0.10 0.05 0.00 B 0,5 0,4 0,3 0,2 0,1 0 1 2 3 4 5 Linha 6 7 8 9 10 0 1 2 3 4 5 6 7 8 9 10 Distância da extremidade esquerda da parcela (m) Figura 2. Sementes com glândulas de gossipol (%) segundo a linha (A) e a posição dentro da linha (B). A separação física entre a lavoura e as parcelas com plantas sem glândulas de gossipol resultaram em menores taxas de cruzamento à medida que as distâncias se tornavam maiores (Fig. 3). A partir de 500m, nenhuma semente avaliada foi proveniente de fecundação cruzada. No experimento que a parcela de 100 linhas de 50m com plantas sem glândulas estava cercada por plantas com gossipol foram avaliadas 145.595 sementes. O comportamento da taxa de cruzamento ao longo do campo não foi igual. Observou-se que a medida em que as plantas amostradas distanciavam da fonte de pólen de plantas convencionais, a taxa de cruzamento entre as lavouras se reduzia, tanto no sentido transversal às linhas (Fig. 1A) quanto ao longo das linhas (Fig. 1B). Resultados similares foram observados por diversos outros autores (MORESCO et al., 2002; XANTHOPOULOS e KECHAGIA, 2000; QUEIROGA et al., 1993; QUEIROGA et al., 1993, UMBECK et al., 1991; LLEWELLYN e FITT, 1996; YASUOR et al., 2000; JIA, 2002). A distribuição foi relativamente simétrica, com freqüência de cruzamentos similares em todas as extremidades. Cerca de 10m ou 10 linhas após o início da parcela a taxa de cruzamento se estabilizou em valores abaixo de 1%. Isto indica que o descarte dos grãos produzidos nas partes periféricas da parcela permitiria reduzir substancialmente a percentagem de sementes provenientes do cruzamento com a variedade convencional que cercava a parcela. Taxa de cruzamento (%) 8 7 6 5 4 3 2 1 0 0 500 1000 1500 2000 Distância (m) Figura 3. Taxas médias de cruzamento segundo a distância entre, a lavoura comercial e as parcelas com algodoeiros sem glândulas de gossipol. 5 A 7 Fecundação cruzada (%) Fecundação cruzada (%) 8 6 5 4 3 2 1 0 0 10 20 30 40 50 Linha 60 70 80 90 100 B 4 3 2 1 0 0 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 Distância da margem esquerda da parcela (m) Figura 4. Taxa de cruzamento segundo a posição das plantas dentro das linhas (A) e a posição da linha dentro do campo (B). Os resultados mostraram que apesar da taxa de cruzamento ser homogênea dentro de uma lavoura, as taxas de cruzamento entre duas lavouras vizinhas ou separadas por barreiras de plantas mais altas são menores em porções mais internas da lavoura. Esta aparente contradição pode ser explicada pelo comportamento dos polinizadores e pela provável concentração de pólen externo sob seu corpo. Quando um inseto polinizador com o corpo recoberto por pólen entra em uma lavoura, ele tende a visitar em primeiro lugar as flores mais próximas ao início da área. Nestas flores ele deixa parte do pólen aderido ao seu corpo (proveniente de outras lavouras) e adquire grande quantidade de pólen (da última flor visitada). Com isso, ele dilui o pólen externo e passa a realizar cada vez mais cruzamentos entre plantas da mesma variedade. Como cruzamentos entre indivíduos da mesma variedade este são de difícil detecção e sem significado biológico, conseqüentemente a contaminação genética em porções mais internas de uma lavoura é muito menor do que em sua periferia. As medidas incluídas em estratégias visando conter o fluxo gênico entre lavouras devem ser escolhidas de acordo com as necessidades. Para os casos em que os caroços serão destinados à produção de óleos e derivados para mercados que exigem a ausência de produtos geneticamente modificados, medidas relativamente simples podem ser adotadas para manter a polinização abaixo dos limites. O plantio entre cultivares convencionais e as transgênicas separadas por mais de 500m, o uso de barreiras de 100m intercalando os dois tipos de cultivares e a colheita separada dos 20m de bordadura da lavoura podem ser usados isoladamente para garantir que os caroços estejam dentro dos limites aceitáveis, mesmo da União Européia, mercado mais exigente. Não há, ainda, uma posição definida pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a respeito dos limites aceitáveis de contaminação de semente convencionais com o transgene. O bom senso diz que devem ser respeitados os mesmos limites de contaminação genética hoje permitidos. Para o caso de produção de sementes, deverá ser necessário associar as estratégias descritas acima. Considerando que os bons produtores de sementes já realizam práticas muito similares às descritas, basta um pouco mais de rigor durante a safra para obter sementes com o nível necessário de pureza genética. Cabe considerar que a fibra formada em sementes oriundas de cruzamento provém do tegumento do óvulo, sendo, portanto, de origem materna. Assim, todas as sementes, mesmo aquelas formadas por cruzamento, são recobertas por fibra de formada exclusivamente em células maternas. Isto significa que uma planta convencional fecundada por pólen transgênico produzirá fibra exclusivamente não transgênica. Este importante detalhe genético pode permitir que a fibra produzida em lavouras de plantas convencionais seja classificada como não transgênica. CONCLUSÃO É possível reduzir a taxa de fecundação cruzada entre lavouras de algodoeiros convencionais e transgênicos no estado do Mato Grosso com o uso de barreiras de plantas mais altas, separação física entre as lavouras e pelo descarte das sementes produzidas nas bordaduras das lavouras. Tais métodos podem ser usados isoladamente ou em associação, dependendo do destino das sementes e grãos produzidos. (*) Trabalho realizado com financialmento do FACUAL. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS JIA, S. Studies on Gene Flow in China – A Review. INTERNATIONAL SYMPOSIUM ONTHE BIOSAFETY OF GENETICALLY MODIFIED ORGANISMS, 7. Proceedings... Disponível em <http://www.worldbiosafety.net>. Acesso em 15/10/2002. LLEWELLYN, D.; FITT, G. Pollen dispersal from two field trials of transgenic cotton in the Namoi Valley, Australia. Molecular Breeding, v. 2, n. 2, p.157-166, 1996. MORESCO, E. R.; VELLO, N. A.; AGUIAR, P. H.; FARIAS, F. J. C. Taxa de cruzamento do algodoeiro herbáceo em seis localidades do Estado do Mato Grosso. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE MELHORAMENTO GENÉTICO. Anais...Disponível em <http:www.sbmg.org.br>. Acesso em 10/10/2003. QUEIROGA, V. P.; MENEZES NETO, J.; MATOS, V. P. Determinação da taxa de dispersão do pólen, em algodoeiro arbóreo, com o uso do azul de metileno. Revista Ceres, v. 40, n. 230, p. 413-417, 1993. UMBECK, P. F.; BARTON, K. A.; NORDHEIM, E. V.; MCCARTY, J. C.; PARROTT, W. L.; JENKINS, J. N. Degree of pollen dispersal by insects from a field test of genetically engineered cotton. Journal of Economic Entomology, v. 84, n. 6, p. 1943-1950, 1991. XANTHOPOULOS, F. P.; KECHAGIA, U. E.. Natural crossing in cotton (Gossypium hirsutum L.) Australian Journal of Agriculture Research, v. 51, p. 979-983. 2000 YASUOR, H; SIBONY, M; RUBIN, B; LITVAK, M; FLASH, I; GAT, E; DUGGER, P; RICHTER, D. 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