1 A influência da Revolução Francesa no debate sobre a educação como política pública estatal e a democratização do ensino no Brasil. RESSINETI, Telma Renata. [email protected] COSTA, Áurea de Carvalho. [email protected] Eixo 4: Pesquisa, Políticas Públicas e Direito à Educação MODALIDADE: Pôster. Resumo: Pretende-se, neste artigo, discutir a influência da revolução francesa no debate ao direito à educação pública, gratuita e laica no Brasil. O texto é composto por duas partes: primeiramente discorremos sobre a história do período revolucionário francês e em que momento a educação tornou-se estatuto de políticas de Estado, para, posteriormente analisarmos a influência exercida no debate da democratização da educação pública no Brasil. Os intelectuais franceses que pensaram a educação nacional fomentaram importantes reflexões que até hoje tem contribuído para a elaboração de um programa educacional para a classe trabalhadora. Temos como hipótese que a classe hegemônica no poder cedeu/cede o direito à educação à classe trabalhadora em conjunturas específicas, tais como: formação de força de trabalho, propagação da ideologia da classe burguesa. Este artigo foi elaborado tendo como opção metodológica a abordagem qualitativa e como procedimentos a análise bibliográfica. Nosso referencial teórico-metodológico é o materialismo histórico e dialético. Palavras-Chave: Políticas de Estado, Direito à Educação Pública, Revolução Francesa. INTRODUÇÃO O ideário da escola pública, universal, laica, obrigatória e gratuita, hoje propagado como sustentáculo da democracia e requisito indispensável à consecução da cidadania, incorporou em sua formulação a herança das consignas da Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade, embora saibamos que, para além do debate sobre expansão do direito à educação elementar como direito humano, jamais esse ideário deixou de justificar uma apropriação da educação escolar, pela sociedade capitalista, como estratégia para responder às demandas do modo de produção capitalista, que se relacionam à formação para o trabalho, o desenvolvimento da racionalidade e da civilidade, nesse novo contexto: Chegamos agora ao segundo ramo de ensino que distinguimos: o ensino da natureza. Vimos como esse ensino adquiriu seu lugar em 2 nosso sistema escolar: foi por razões de ordem utilitária e profissional. A importância crescente da vida econômica é que fez sentir, na metade do século XVIII, a necessidade de uma nova cultura, que preparasse melhor os jovens para as profissões industriais, da quais o humanismo só poderia desviá-los (DURKHEIM, 1995, p. 314). A revolução francesa foi a expressão máxima do ascenso da classe burguesa, sendo reconhecida amplamente pelos historiadores como marco da idade contemporânea, tendo em vista a transformação nas forças produtivas de ordem quantitativa e qualitativa, constituindo-se como momento de passagem da produção em corporações de ofício para a industrial, demandando uma nova forma de qualificação da força de trabalho na escola, que se converteu na forma histórica mais desenvolvida do ensino naquele momento, por isso, se convertendo em objeto de políticas estatais: Na segunda metade do Setecentos assiste-se ao desenvolvimento da fábrica e, contextualmente, à supressão, de fato e de direito, das corporações de arte e ofícios, e também da aprendizagem artesanal como única forma popular de instrução. Este duplo processo, de morte da antiga produção artesanal e de renascimento da nova produção de fábrica, gera o espaço para o surgimento da moderna instituição escolar pública. Fábrica e escola nascem juntas. As leis que criam as escolas de Estado vem juntas com as leis que suprimem a aprendizagem corporativa [...] (MANACORDA, 1992, p. 249). Na década de 1870, a França pré-revolucionária encontrava-se em situação econômica de recessão, devido aos fatores naturais como tempestades, furações, chuvas de granizo, que alteraram o ritmo da agricultura e aos elevados dispêndios que comprometeram as finanças do reino com a Guerra dos Sete Anos (1756-1763) – que resultou em derrota - e à participação no processo de independência dos Estados Unidos (1776-1783). Como resultado das adversidades enfrentadas pelos franceses houve a redução das rendas dos setores burgueses, trabalhadores urbanos (sansculottes), e camponeses, os quais eram os únicos a contribuir com as receitas públicas por meio do pagamento de impostos. Na tentativa de reverter esse impasse os ministros do rei Luis XVI propuseram a inclusão dos nobres na condição de contribuintes, ao par daqueles setores que compunham o Terceiro Estado. Tal medida agravou a crise política, decorrente do enfrentamento do Estado com o clero e a nobreza que, apesar de ser base de apoio estatal se recusavam a sustentá-lo financeiramente. Diante da conjuntura, o rei convocou Estados Gerais formados por representantes das três ordens do reino, quais sejam: Primeiro Estado: clero, Segundo Estado: nobreza e por fim, Terceiro Estado: burgueses, trabalhadores urbanos e camponeses. Para a nomeação dos delegados aos Estados Gerais cada ordem organizou assembleias de base e redigiram os cahiers; que constituíam em 3 documentos sistematizadores das queixas de todos os setores, mas o documento do Terceiro Estado contemplava prioritariamente as demandas burguesas, revelando uma desigualdade na correlação de forças no interior do próprio setor, o que viria a gerar tensões e cisões (SOBOUL, 1981). Havia um consenso entre os setores do Terceiro Estado quanto às queixas contra o absolutismo, a favor de uma Constituição que limitasse os poderes do rei, a reivindicação de uma reorganização da política fiscal, a reforma da justiça e da legislação penal; no entanto, divergiam no que diz respeito à igualdade de direitos, sendo a educação um dos pontos de polêmica (LOPES, 2008). Na reunião dos Estados Gerais, o Terceiro Estado reivindicou o direito à votação censitária e o aumento do número de deputados. Alguns deputados do baixo clero e da nobreza liberal identificavam-se com as reivindicações do Terceiro Estado apoiando a votação censitária e, depois de algumas semanas de embates as três ordens se uniram numa só assembleia que logo se declararam “constituintes”. O rei Luis XVI cedeu, vindo a dobrar o número de deputados do Terceiro Estado. Iniciou-se a Revolução no plano jurídico. Luis XVI convocou o exército para dissolver a assembleia e iniciou-se nos campos e nas cidades revoltas populares, conhecidas como o “grande medo”. Foi em tal contexto que aconteceu a queda da Bastilha em 14 de julho de 1789 – evento considerado o marco inaugural da própria revolução. A Assembleia Nacional, composta por deputados das três ordens se autoproclamou Assembleia Constituinte (1789-1791) e a educação pública foi ponto de discussão na Assembleia Constituinte. Talleyrand, membro do comitê de constituição, apresentou o Rapport sobre a instrução pública, com os principais fundamentos para a democratização da educação escolar, que se constituem em base para toda a construção teórica em defesa da escola pública, universal, laica, obrigatória e gratuita. No referido documento propunha-se a instrução universal para ambos os sexos, no entanto, apenas a instrução primária seria gratuita; os cidadãos nesse nível de ensino seriam ensinados a conhecer a constituição, defendê-la e aperfeiçoá-la, o que consiste na chamada formação para a cidadania, na conjuntura do nascimento de um novo modelo de Estado: o nacional. Tratava-se de educar para pensar a sociedade, bem como de uma instrumentalização da escola para a reprodução de ideologias e relações de sociabilidade que viriam a se configurar como burguesas. Os outros níveis de escolarização destinar-se-iam a um determinado número de pessoas, selecionados conforme seus talentos, e/ou que não precisassem trabalhar. Por fim, o último grau de instrução seria o Instituto Nacional de Instrução, com a finalidade de formar a elite governante. E os professores em todos os níveis de ensino seriam nomeados pelo rei (LOPES, 2008). Salientamos dois aspectos importantes para pensar a democratização do ensino até os dias atuais. O primeiro é que, na medida em que a escola é compreendida como lócus de qualificação da força 4 de trabalho para as demandas do mercado e como estrutura com potencial para a reprodução de ideologias da classe hegemônica, tal democratização passa a ser assumida como plataforma da burguesia – embora esta persiga o controle sobre o que e o quanto deve ser ensinado à classe trabalhadora, de modo que o segundo aspecto refere-se justamente à universalização do ensino somente no nível elementar. Em tempo, no caso brasileiro, por exemplo, o ensino obrigatório, gratuito é direito público subjetivo, isto é, que pode ser reivindicado em juízo pelos representantes legais da criança garantido pela Lei de Diretrizes e bases vigente, somente para a faixa etária de 6 a 14 anos. No contexto da Revolução Francesa, os representantes dos três Estados criticavam a ausência de políticas públicas estatais para a educação, que era oferecida pelas congregações religiosas, predominantemente, e reivindicavam a educação pública nacional, sem a interferência do Rei. Quando foi assinada a constituição por Luis XVI, instalando a monarquia constitucional na França, a Assembleia Constituinte foi dissolvida sem ter aprovado a proposta de Talleyrand. E uma vez empossada a Assembleia Legislativa, nomeou-se um Comitê de Instrução Pública, sob presidência de Marquês de Condorcet, com a finalidade de elaborar um projeto de organização do ensino público nacional na França. O Rapport de Condorcet escrito pelo comitê de Instrução Pública tinha convergências com o de Talleyrand na função social da educação pública estatal de distribuição dos sujeitos na divisão social do trabalho, servindo para colocar cada um no seu lugar embora o último relatório tivesse avanços em relação ao anterior (DURKHEIM,1995). O importante a pontuar é que a educação pública estatal é apresentada, desde o início, como instituição para adaptação dos indivíduos à sociedade de classes, daí a justificativa de um processo de democratização do ensino circunscrito aos interesses burgueses de controle e exploração da classe trabalhadora. O Rapport de Condorcet foi apresentado na Assembleia Legislativa no ano de 1792, mas não chegou a ser discutido devido à situação de instabilidade da França. No século XIX, o mesmo plano foi abordado como modelo em muitos países, dentre eles, o Brasil. Condorcet (2008) era defensor de uma escola pública, gratuita em todos os níveis, laica, única - para ambos os sexos e universal, de acordo com as possibilidades materiais da Nação. Para tanto, nas condições daquele momento apenas o ensino primário seria efetivado e, nessa etapa de instrução, deveriam ser ensinadas às crianças e aos jovens as habilidades de leitura, escrita, aritmética, bem como os conhecimentos sobre a Nação, a descrição dos produtos produzidos no país e entendimento sobre as leis promulgadas. A instrução para além do nível primário seria para preparar os jovens para algumas profissões. Nesse sentido, o ensino secundário seria para ajudá-los a suportar a monotonia do trabalho fabril. O terceiro nível de instrução seria de responsabilidade dos Institutos e o 5 saber científico seria ensinado de uma forma mais desenvolvida. Por fim, os alunos mais talentosos poderiam concorrer aos níveis mais elevados de ensino, tais como os liceus – destinados a produção e divulgação do conhecimento mais elaborado. Caso as crianças e os jovens da classe trabalhadora tivessem seus talentos naturais desenvolvidos, caberia ao Poder Público financiá-los. A rede escolar deveria ter autonomia dos poderes do Estado para que não cedesse às pressões políticas e econômicas. Para Condorcet (2008) caberia ao Estado a intervenção na criação de escolas, a remuneração dos professores e a escolha dos livros didáticos nos três primeiros graus de ensino; nos liceus os professores teriam o poder de decidir sobre que material pedagógico utilizar em aula. Por fim, o trabalho de fiscalização e regulação deveria ser feito pelo nível imediatamente superior. No topo da estruturação do ensino haveria a Sociedade Nacional das Ciências e das Artes, formada por cientistas de diversas áreas. Essa instância atuaria como elemento aglutinador dos diversos níveis de ensino, e divulgaria didaticamente o conhecimento produzido academicamente. Na gênese da escola pública na França, na conjuntura revolucionária, a escola deveria ser, necessariamente, seletiva, pois a defesa não era por uma instrução universal nos quatro graus de ensino, mas a inserção das crianças do Terceiro Estado na pirâmide educacional mediante o mérito, pois, “O que essa pedagogia tem de mais característico, aliás, é o sentido social que é sua mola. Trata-se, antes de tudo, de por a criança em condição de exercer suas funções na sociedade (DURKHEIM, 1995, p. 270). Condorcet reconheceu a igualdade de direitos sociais e oportunidades, no entanto, entendia que a desigualdade entre os homens seria decorrente da Natureza, assim, os indivíduos utilizam suas aptidões de maneiras diferenciadas, segundo sua capacidade; nesse sentido, a desigualdade deriva da natureza e não da propriedade privada que gera a desigualdade na apropriação dos direitos políticos e sociais. Essa expressão da naturalização da desigualdade contribuiu e ainda contribui na contemporaneidade para tornar a escola um lócus de distribuição dos indivíduos na divisão social do trabalho, em que apenas os alunos mais aptos, segundo os critérios valorizados pelo sistema educacional estatal destinam-se a frequentar os níveis mais elevados de ensino. O rei Luis XVI formou um Ministério Girondino, os direitos políticos foram reservados aos proprietários e foi aprovada a Lei Chapelier que proibia o direito de greve. Somou-se a essa conjuntura o fato de a França ter perdido as primeiras batalhas contra as potências estrangeiras que queriam restabelecer o antigo regime e a monarquia foi responsabilizada pelos súditos por pactuar com o inimigo. A população de Paris ocupou o palácio Real de Tueileries, destituindo e aprisionando Luis XVI, assim foi derrubada a monarquia na França e o Ministério Girondino foi investido de seus poderes. Esse período é caracterizado por lutas entre os Girondinos e os 6 Jacobinos com vistas ao poder do aparelho de Estado. Os Jacobinos defendiam a participação dos trabalhadores no processo revolucionário como um meio de ganhar a luta política. A cisão exacerbou-se durante o processo de Luis XVI; os Girondinos eram contrários a sua morte, e, em oposição os Jacobinos se proferiam a favor da pena capital. No entanto, em todos os momentos optou-se pela continuidade do Comitê de Instrução Pública e os planos elaborados tiveram como base o plano de ensino de Condorcet. Lanthenas, deputado da Convenção Nacional Girondina e membro do Comitê de Instrução Pública, elaborou um documento com foco na gratuidade e universalidade do nível primário em que o objetivo maior das instituições deveria ser ensinar a todos os cidadãos a língua francesa para promover a unidade nacional. O documento foi rejeitado pela Convenção Nacional devido ao fato de demandar o dispêndio de grandes montantes de verbas estatais pelo governo republicano para promover a universalização do acesso ao nível primário. Após a morte de Luis XVI inicia-se a convenção Jacobina, em que tentou governar tanto para a burguesia quanto para os trabalhadores do campo e da cidade. Na área social foram promulgadas leis atendendo às reivindicações dos camponeses, referentes à forma de venda dos bens dos emigrados, a supressão sem indenização dos tributos feudais, dentre outros. A democratização da educação pública, gratuita, laica e obrigatória foi uma plataforma política utilizada pela burguesia jacobina para conseguir o apoio dos trabalhadores, já que era uma reivindicação desde o regime monárquico e uma via privilegiada para a classe burguesa legitimar o seu poder, produzindo consensos sobre temas que lhe interessavam, mas também fazendo raras concessões. A Convenção sancionou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1793, afirmando em seu artigo 22, o direito à instrução. No mesmo ano foi votada a Constituição de 1793 fixando as características de um regime democrático representativo mediante o voto universal. O direito à instrução constou no artigo 122. Dentre os vários projetos debatidos na Convenção ao longo do período Jacobino, destaca-se o “Plano de Educação Comum” de Louis-Michel Lepeletier de Saint-Fargeau, apresentado por Robespierre em julho de 1793. Segundo o projeto, as crianças e jovens frequentariam a escola primária, controlada pelo Estado, obrigatória para todos, e em regime de internato. Os conteúdos pedagógicos seriam os já propostos por Condorcet, a obrigatoriedade seria limitada a faixa etária de seis a doze anos para os meninos e de cinco a onze anos para as meninas. A gratuidade das instituições educativas dar-se-ia mediante uma contribuição paga pelos pais ricos, pelo rendimento do trabalho das crianças internas, e por uma complementação provida pelo Estado. O ensino deveria ser laico. Após sucessivos debates foi aprovada a proposta de Lepeletier. No entanto, outros planos educacionais surgiram, sendo alguns contrários às ideias do primeiro, ao incentivarem a livre 7 iniciativa e a concorrência entre as escolas. A Convenção Jacobina, numa tentativa de conciliação de classes, aprovou projetos conflitantes, porém, nenhum foi posto em prática. A política agregadora da Convenção Jacobina não logrou êxito tanto internamente, - enfrentou uma oposição - quanto externamente, não conseguindo impedir a extensão da guerra civil. Houve insurreições federalistas feitas por girondinos e monarquistas: os trabalhadores do campo e da cidade reivindicavam o abastecimento dos produtos de primeira necessidade. A França enfrentava a guerra externa contra a coligação Inglaterra, Áustria, Prússia, Holanda e Espanha e, diante dessa conjuntura, os Jacobinos tiveram que aceitar a proposta popular de economia dirigida reivindicada principalmente pelos sans-culottes. Nesse momento, todo o poder da Convenção Nacional foi centralizado no Comitê de Salvação Pública, cuja Convenção elegera Robespierre como líder. A Constituição, os direitos políticos e sociais foram suprimidos. Foi instituído o Tribunal Revolucionário para julgar os opositores da Revolução. Iniciouse o “Período do Terror”. Ao final de 1793 diminuiu-se o tabelamento dos preços dos gêneros de primeira necessidade. Progressivamente, os Jacobinos assumiram aos princípios econômicos do liberalismo. Por fim, os Girondinos retomaram o poder mediante um golpe de Estado. A “Convenção Termidoriana” modificou e reorganizou todo o aparelho administrativo. Foi aprovada uma nova Constituição (1795); o sufrágio universal foi abolido e apenas os proprietários passaram a ter direito ao voto para eleger os ocupantes do aparelho de Estado. No setor da educação, a Constituição consagrou seis artigos, marcados pela não-obrigatoriedade do poder público em prover educação e a coexistência de escolas públicas e particulares, aprofundando assim, a desigualdade de instrução entre as diferentes classes sociais. Desde então, apenas os meninos teriam direito à instrução primária, mediante um pagamento - já que o salário do professor fora suprimido. O acesso universal à escola primária, laica, se institucionalizou na III República, após 1870, momento em que eclodiu a guerra francoprussiana, a criação da nação alemã e a comuna de Paris (março a maio de 1871). Nessa conjuntura, o Estado francês promulgou leis com vistas a instituir um ensino primário, obrigatório, gratuito e laico para as crianças de seis a doze anos e investiu na construção de estabelecimentos de ensino. Essa obra estava inserida em um projeto maior: enfrentar a crise de hegemonia do Estado burguês fazendo algumas concessões à instrução da classe trabalhadora e propagar a ideologia da classe hegemônica e, para tanto, o Estado francês centralizou a elaboração do material didático e o distribuiu a todas as regiões. A revolução política burguesa da França no período entre 1789 a 1874 trouxe consequências decisivas para o desenvolvimento econômico e social do país. A revolução francesa influenciou os acontecimentos mundiais naquele período histórico e contribuiu no decurso dos movimentos nacionais e revolucionários do século 8 XIX nas colônias localizadas na América Latina, com destaque para o Brasil, assim como na discussão acerca do direito à educação. 1) O legado de Condorcet e sua influência no debate da democratização da educação pública no Brasil As ideias iluministas, as quais serviram de aporte para a revolução burguesa, eram aprendidos pelos filhos da elite brasileira que estudavam em universidades francesas, inglesas e portuguesas; e os livros chegavam ao Brasil por meio de navios com mercadorias contrabandeadas. Somou-se a isso, o fato de a colônia estar em uma conjuntura de crise econômica com aumento de impostos na maioria das capitanias, contribuindo para a reverberação de movimentos políticos: Inconfidência Mineira (1789), Conjuração Baiana (1798) e Revolução Pernambucana (1817). No período imperial, a discussão sobre o direito social à educação pública, gratuita e laica foi realizada pelo Comitê de Instrução Pública eleito pela Assembleia Constituinte e Legislativa de 1823 e tiveram como base o plano integral de ensino francês apresentado por Condorcet à assembleia legislativa no ano de 1792. Martim Francisco Ribeiro de Andrada elaborou um plano de educação aos moldes franceses para a Província de São Paulo em 1816, no entanto, modificou as ideias de acordo com o contexto brasileiro, não incluindo a palavra „igualdade‟, sequer no plano jurídico. Apresentou o documento à Assembleia Constituinte, mas não foi discutido. Já, o projeto intitulado “Projeto de Reforma Januário da Cunha Barbosa” foi elaborado com vistas à organização e criação de um sistema nacional de ensino, também realizado sob o modelo de Condorcet (XAVIER, 1992). Na constituinte de 1823, uma comissão de instrução pública sugeriu que se estimulasse a elaboração de um tratado completo de educação, por intelectuais brasileiros. Mediante as pressões para que a Comissão apresentasse um plano, Gomide, um de seus participantes apresentou um parecer elogioso do documento “Memória sobre a reforma dos Estudos Menores da Província de São Paulo”, de autoria de Martin Francisco Andrada e recomendou a sua impressão, que jamais se concretizou, por motivos de divergências políticas, não voltando a ser debatido (CHIZZOTI, 1995). Tal qual na França, para a concretização do direito à educação pública de acordo com o plano integral de ensino seria necessário um dispêndio de investimento público a curto, médio e longo prazos. Então, a classe hegemônica no aparelho de Estado decidiu não votar um plano de educação. A mesma Comissão de Instrução Pública ofereceu à Câmara dos Deputados um novo tratado de educação, mas, destinado especificamente à educação primária. Após várias emendas o projeto foi lido e aprovado, consistindo na lei 1º outubro de 1827, a primeira lei sobre a instrução pública do império do Brasil. No entanto, os objetivos proclamados na letra da lei não corresponderam aos esforços empreendidos pelo governo para a realização 9 do direito à educação. A constituição de 1824 estabeleceu a gratuidade da educação sem qualquer outra regulamentação da matéria. O Ato Adicional de 1834, regulamentado pela lei n. 16, de 12 de agosto, “[...] veio apenas para legalizar uma situação de fato – a omissão do poder central em relação à educação popular” (Xavier, 1992, p. 63), pois descentralizou o poder político para as províncias, as quais teriam autonomia para legislar sobre economia, a justiça e a educação, com a atribuição da criação das instituições escolares. Durante o período imperial, houve a discussão sobre a gratuidade, porém, não havia uma política pública que sistematizasse o ensino no território nacional, de modo que a gratuidade era apenas formal, limitada a quatro anos de instrução para crianças em cidades mais populosas. Aquelas que viviam mais distantes da estrutura oferecida pelo Estado podiam ser atendidas nas paróquias. Na Primeira República, houve retrocessos no que tange a gratuidade e obrigatoriedade, e não houve avanço na universalização da instrução, mas esboçou-se uma primeira organização de um sistema público de ensino nos níveis primário e secundário, permanecendo a convivência de instituições públicas e privadas de ensino. Não estava prevista a obrigatoriedade nem para o Estado nem para a família. Na conjuntura do Estado Novo, os “Pioneiros da Educação Nova” reivindicaram laicidade, gratuidade, obrigatoriedade e coeducação, progressiva extensão do ensino obrigatório até 18 anos - os mesmos princípios educacionais da Revolução Francesa. A educação foi assumida na letra da lei como dever do estado na Constituição de 1946, mas na medida de suas possibilidades. Os níveis ulteriores ao primário seriam ofertados gratuitamente somente aos extratos mais pauperizados da população, na faixa etária de 7 a 12 anos. Contudo, houve avanço na sistematização da educação sob a forma das “Leis Orgânicas do Ensino”. A primeira “Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional”, Lei 4024/61 buscou legislar sobre todos os níveis de ensino, ratificou a convivência de sistemas público e privado de ensino, as escolas confessionais, o Estado impôs o ensino primário como obrigação da família, suspensa em casos de pobreza, doença, falta vagas. Assim, no século XX a luta pelo direito à educação foi apropriada tanto sob a justificativa de ser estratégica para consolidar a cidadania, como direito, quanto como questão estratégica de qualificação massiva da mão de obra (HORTA, 1998). Considerações Finais Os intelectuais burgueses que pensaram a educação do povo na conjuntura da Revolução Francesa, dos quais destacamos Condorcet pela sua influência nos primeiros debates, no Brasil, fomentaram importantes reflexões, que até hoje têm contribuído para a elaboração de um programa educacional para a classe trabalhadora a partir de alguns questionamentos. No que tange à gratuidade e à universalidade, as disputas ideológicas se dão em torno de determinadas questões como, por exemplo, 10 qual é a população alvo da educação: somente as crianças ou também os jovens e adultos? Os nativos ou também os estrangeiros, as minorias étnicas, os povos de regiões distantes e isoladas ou somente os moradores de locais alcançados mais facilmente pelo aparelho estatal? Qual é o critério de distribuição do direito ao ensino gratuito: a faixa etária, a condição socioeconomia ou o estatuto de cidadania, que é universal? Qual é a concepção de gratuidade: apenas a garantia de vagas gratuitas em instituições de ensino públicas ou privadas ou garantia também de condições de acesso, frequência, permanência e conclusão dos estudos e em que nível de terminalidade? No que tange à obrigatoriedade da educação, a quem compete tal responsabilidade: ao Estado, ou deve ser compartilhada com a família, a comunidade? O seu financiamento deve ser exclusivo da iniciativa privada, ou do Estado ou, ainda, compartilhado? Quais os instrumentos legais disponíveis para a garantia do cumprimento da obrigatoriedade? No que tange à laicidade, hoje o debate se dirige a, pelo menos três dimensões: uma escola alheia à discussão religiosa, ecumênica ou aquela que oportunize uma discussão sobre a transcendência do ser humano? Todas essas questões são objeto de disputa entre as classes e estão sujeitas às correlações de força entre a burguesia que detém a hegemonia, o controle sobre o Estado e, consequentemente, as políticas públicas e a classe trabalhadora, que tem como instrumento de luta as urnas e os movimentos sociais. Referências Bibliográficas: CONDORCET, M. de. M. J. A. N. C. Cinco Memórias sobre a instrução pública. São Paulo: UNESP, 2008. CHIZZOTTI, A. A constituinte de 1823 e a educação. In: FAVERO, O. (Org.) A educação nas constituintes brasileiras 1823-1988. 3.ed. São Paulo: Autores Associados, 2005. DURKHEIM, E. A evolução pedagógica. Porto Alegre: Artes Médicas, 1995. HORTA, S. B. Direito à educação e obrigatoriedade escolar. Cadernos de Pesquisa, nº104, p. 5-34, jul, 1998. LOPES, E, M. S. T. As origens da educação pública: a instrução na revolução burguesa do século XVIII. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2008. MANACORDA, M. A. História da Educação: da antiguidade aos nossos dias. 3.ed. São Paulo Cortez/Autores associados, 1992. SOBOUL, A. História da Revolução Francesa. Rio de Janeiro: Zahar editores, 1981. XAVIER, M. E. S. P. Poder político e educação de elite. 3ed. São Paulo: Cortez Editora: Autores Associados, 1992.