Doing Business in Brazil Legal Guidelines and Main Industries

Propaganda
ALIANÇA DE ADVOCACIA EMPRESARIAL – ALAE
Coordenação Prof. Dr. Paulo Roberto Coimbra Silva
Doing Business in Brazil
Legal Guidelines and Main Industries
ALIANÇA DE ADVOCACIA
EMPRESARIAL – ALAE
DOING BUSINESS IN BRAZIL –
LEGAL GUIDELINES AND MAIN INDUSTRIES
Paulo Roberto Coimbra Silva
Organizador e Coordenador
DOING BUSINESS IN BRAZIL –
LEGAL GUIDELINES AND MAIN INDUSTRIES
Belo Horizonte
2011
“A todas as empresas, investidores, gestores e empresários que, com
espírito e coragem dos pioneiros, vizualizam, acreditam, investem e
exploram, de forma sustentável, o enorme potencial e aproveitam
as inúmeras oportunidades oferecidas pelo mercado brasileiro.”
iv
Gostaríamos de hipotecar nossa gratidão e reconhecimento,
a todos os escritórios aliados da ALAE, que com sua capacidade
técnica e experiência profissional tornaram realidade a ambiciosa
ideia de um Brazilian Legal Guide de nossa entidade,
aos autores, que acreditaram, abraçaram e prestaram seu
valioso e inteligência na realização desse projeto.
Prof. Dr. Paulo Roberto Coimbra Silva.
Apresentação
O Brasil passou por profundas mudanças na década de 1990, devendo
ser apontados como exemplos o processo de privatização e a celebração
do Tratado de Assunção, com a conseqüente criação do Mercosul. Além
disso, foi na década de 1990 que, por meio do Plano Real, o país obteve o
controle da inflação, o que foi sobremaneira importante para a estabilização econômica e política do país.
O cenário econômico brasileiro atual apresenta indicadores que revelam fatores favoráveis a um crescimento econômico a médio e a longo
prazo, tais como a estabilidade econômica e a segurança jurídica, o fortalecimento das instituições políticas e democráticas e o mercado potencial
de consumo, em decorrência da ascensão do poder aquisitivo das grandes
massas – classes D e E, que até o início dos anos 2000 estiveram alijadas
do mercado de consumo. Por isso, o Brasil está na rota dos investimentos
internacionais e é um gigante emergente, fazendo parte do BRICS – agrupamento dos mercados emergentes de maior e mais rápido crescimento
econômico, que inclui Brasil, Rússia, Índia, China e, mais recentemente,
África do Sul.
O país é titular de extensão territorial e de geodiversidade privilegiadas,
possuindo riquezas e recursos minerais abundantes. Tanto é que o Brasil figura
entre um dos maiores produtores e exportadores de minérios do planeta.
De acordo com estudo feito pela Conferência das Nações Unidas para o
Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o Brasil ultrapassou, em 2010,
os Estados Unidos na lista de mercados mais atraentes, estando em terceiro lugar no ranking de países prioritários para investimentos estrangeiros
entre 2010 e 2012.
Outro fator que demonstra o bom momento vivido pela economia brasileira é que os investimentos estrangeiros diretos (IED) no Brasil atingiram
o maior valor da série história do Banco Central, atingindo US$ 48,46
www.unctad.org/en/docs/diaeia20104_en.pdf
vi
bilhões em 2010. A projeção do BC para 2011 é que o IED chegue a US$ 55
bilhões. No que se refere ao Produto Interno Bruto (PIB), este apresentou um
crescimento de 7,5% em 2010, em comparação com o acumulado de 2009.
Levantamentos prevêem que as commodities produzidas pelo país deverão continuar em ascensão a longo prazo, em virtude da incorporação
da massa de consumidores asiáticos. Além das commodities, a indústria
brasileira está diversificada e em expansão. Ademais, a descoberta do présal, que são enormes reservatórios de petróleo e gás natural localizados em
águas profundas, abaixo da camada de sal, é mais um motivo que contribui
com as boas perspectivas do Brasil, nos elevando a um novo patamar de
reservas e produção de petróleo e, consequentemente, aumentando a expectativa criada em torno das oportunidades de investimento.
O interesse no país pelos investidores estrangeiros relaciona-se igualmente com o bom desempenho da economia brasileira pós-crise, desencadeada em 2008 a partir da quebra de instituições de crédito dos Estados
Unidos, que atingiu todo o mundo e ainda gera efeitos na economia mundial. Costuma-se dizer que o Brasil foi um dos últimos países a entrar na
crise e um dos primeiros a sair dela.
O fato de o Brasil ser um dos mercados mais atraentes só tende a se intensificar com a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016 na cidade do Rio de Janeiro, principalmente no que se refere
a investimentos em infraestrutura, como a construção do trem-bala que
liga São Paulo ao Rio de Janeiro e as reformas em portos e aeroportos. A
tudo isso, acrescenta-se o desejo do governo brasileiro em atrair investimentos, notadamente com o Plano de Aceleração do Crescimento (PAC),
cujo objetivo é fomentar a eficiência produtiva dos principais setores da
economia, incitar a modernização tecnológica, provocar o crescimento nas
áreas em desenvolvimento, aumentar a competitividade e integrar o Brasil
com seus vizinhos.
Diante da experiência econômica por que passa o Brasil, nasceu a ideia
de elaborar o presente Guia Legal para o Investidor Estrangeiro, cujo objetivo é a organização de um guia seguro para servir de base para investidores
estrangeiros interessados em realizar negócios no país. A finalidade deste
livro é permitir que potenciais investidores estrangeiros tenham contato,
de uma maneira clara, objetiva e inovadora, com o ordenamento jurídico
brasileiro, facilitando e atraindo o investimento estrangeiro para o país.
vii
Trata-se, assim, de um guia que apresenta abordagem inovadora, com
foco nos principais mercados e indústrias brasileiras, servindo não apenas
como um guia jurídico, mas também como uma valiosa referência para a
realização de negócios no Brasil.
Para uma melhor utilização deste guia, ele está dividido em duas partes.
Na primeira, dá-se ao leitor uma visão geral, tratando da regulação jurídica
de assuntos relevantes para a maior parte das atividades no Brasil. Esclarece
temas como o Sistema Jurídico, Tipos Societários e Formas de Associação,
o Sistema Tributário, Tranfer Pricing, Zona Franca de Manaus, Fundos de
Investimento em Participação, Fusões e Aquisições, Aspectos Tributários do
M&A, Compra de Ativos de empresas em processo de recuperação judicial
ou falência, Regulamentação do Mercado de Capitais, IPO (Companhias
Abertos e Abertura de Capital), Órgãos Regulatórios, Capital Estrangeiro, o
Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, Responsabilidade Ambiental,
Resolução de Conflitos, Aspectos Trabalhistas, Imigração e Vistos Temporários, Propriedade Intelectual, Licitações e outras formas de contratação com
a Administração Pública, Concessões de Serviços Públicos e as Parcerias
Público-Privadas (PPP), Direito do Consumidor e Arbitragem.
Na segunda parte, aborda especificamente alguns ramos de atuação que
merecem atenção especial, mercê de seu notável potencial de oportunidades, apresentando aspectos importantes sobre temas específicos, como
Mineração, Energia Elétrica, Combustíveis Fosséis, Infraestrutura, Telecomunicações e Tecnologia da Informação, Mercado Imobiliário, Mecanismo de Desenvolvimento Limpo (MDL), Transportes, Comércios e Serviços, E-commerce e Educação.
Tratando dessas questões, espera-se prover às empresas estrangeiras que
pretendem estabelecer operações no país uma introdução aos negócios e
às atividades aqui realizadas, assim como os aspectos legais pertinentes.
Elucida-se que a intenção deste guia não é exaurir cada tema, mas fornecer, de uma maneira clara, objetiva e didática, observações gerais sobre os
objetos de estudo.
Este Guia é fruto da união dos escritórios associados da ALAE – Aliança
de Advocacia Empresarial, associação exclusiva de escritórios de advocacia, que atuam na área do direito empresarial.
Tendo como inspiração a viabilização de uma assessoria jurídica competente e inovadora, a ALAE objetiva atender a empresas e a corporações
viii
nacionais e internacionais, observando os mais elevados padrões de qualidade e ética na prestação de serviços jurídicos. Deste modo, a ALAE
propõe, de forma inovadora, a congregação de conceituados escritórios de
advocacia, de diferentes regiões e culturas do Brasil e da América Latina,
para um atendimento único, amplo e de excelência. A Aliança se sobressai,
sobretudo, devido à forte reputação dos escritórios aliados nas áreas de
atuação em suas respectivas bases regionais.
Assim, a ALAE proporciona atendimento personalizado, ágil e eficaz, pela proximidade e forte vínculo entre os escritórios aliados, o
que possibilita a troca de informações, ideias e experiências jurídicas,
otimizando os resultados almejados pelo cliente. O resultado dessa
Aliança é a mais ampla, atualizada, uniforme e qualificada assessoria
jurídica aos clientes dos escritórios da ALAE. Dispõe, ainda, de um
sistema articulado entre os escritórios aliados, o que colabora para sua
abrangência continental.
Para tanto, são princípios que guiam os escritórios associados: (i) reconhecida ética nas relações profissionais, pessoas e empresariais, seja com
os Aliados, com os clientes e com a sociedade; (ii) qualidade e dinamismo na prestação de serviços advocatícios empresariais; (iii) o contínuo
aprimoramento técnico-jurídico dos escritórios aliados; (iv) mútuo auxílio
entre os associados no atendimento de seus respectivos clientes.
Formado por trinta e dois conceituados escritórios de advocacia das
principais cidades do país e da América Latina, a ALAE é composta atualmente por cerca de 3.000 colaboradores, entre paralegais e advogados,
muitos dos quais mestres e doutores, com forte background acadêmico,
todos com elevados padrões técnicos, o que viabiliza a troca de conhecimento e de experiência jurídica.
A ALAE está presente nos seguintes países da América Latina: Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, México, Paraguai, Uruguai e Venezuela. No
Brasil, há escritórios aliados nos principais Estados e cidades brasileiras:
Aracaju/SE, Belo Horizonte/MG, Boa Vista/RR, Brasília/DF, Campinas/
SP, Campo Grande/MS, Cuiabá/MT, Curitiba/PR, Florianópolis/SC, Fortaleza/CE, Goiânia/GO, João Pessoa/PB, Juiz de Fora/MG, Londrina/PR,
Manaus/AM, Natal/RN, Porto Alegre/RS, Porto Velho/RO, Recife/PE,
Ribeirão Preto/SP, Rio de Janeiro/RJ, Salvador/BA, São Luís/MA, São
Paulo/SP e Teresina/PI.
ix
Agradeço a todos os integrantes da ALAE que se dedicaram e prestaram
sua valiosa contribuição para a realização deste Guia Legal. Cumprimento,
ainda, pelo magnífico resultado obtido, produto de energético empenho e
notável conhecimento jurídico.
São Paulo, 21 de abril de 2011.
Prof. Dr. Paulo Roberto Coimbra Silva
Organizador e coordenador
Sócio do Tostes & Coimbra
(aliado em Belo Horizonte/MG)
[email protected]
sumário
Parte I – parte geral
A ESTRUTURA JURÍDICA DO ESTADO BRASILEIRO.......................2
Camila de Morais Leite
Maurício Saraiva de Abreu Chagas
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO.......................16
George Lippert Neto
Juliano Langaro da Silva
A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL................................................................36
Miguel Hilú Neto
Paulo Roberto Coimbra Silva
TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES.........................49
Luís Eduardo Schoueri
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E
RESULTADOS.........................................................................................62
Pedro Câmara Junior
Luiz Felipe Brandão Ozores
FUNDO DE INVESTIMENTOEM PARTICIPAÇÕES – FIP.................83
Luiz Gustavo A. S. Bichara
Felipe de Freitas Ramos
FUSÕES E AQUISIÇÕES........................................................................92
Paula Andrade R.Chaves
Paulo Roberto Coimbra Silva
xi
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO
DE ATIVOS DE EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO...........................108
Maria Victoria Santos Costa, Bruno Pinheiro Barata
MERCADO DE CAPITAIS...................................................................122
Eduardo Simões Lanna
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL
DE AÇÕES ............................................................................................140
Juliano Langaro da Silva
ÓRGÃOS REGULATÓRIOS.................................................................156
Gladson Wesley Mota Pereira
Flávia Marques Oliveira Lima
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO......................................................166
Eduardo Simões Lanna
Luiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza
O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA ..........177
Ubirajara Costódio Filho
RESPONSABILIDADE AMBIENTAL DA PESSOA JURÍDICA:
UMA BREVE ANÁLISE DE RISCOS.................................................189
Keyth Yara Pontes Pina
Pedro Câmara Junior
Diego Carvalho Texeira
Helder Gonçalves Lima
Eduardo Stecconi Filho
RESOLUÇÃO DE CONFLITOS MEDIANTE JURISDIÇÃO E
ARBITRAGEM......................................................................................206
Francisco Rosito
xii
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL........................................222
Agnes Corinaldesi Geraldo
Laura Fanelli Luchiari Milani
IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS..........................................244
Gerusa Nunes de Sousa
Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA
PROTEÇÃO...........................................................................................258
Luiz Edgard Montaury Pimenta
Clarissa Castro Jaegger
LICITAÇÕES PÚBLICAS E CONTRATAÇÃO COM A
ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA NO BRASIL ......................................277
Cauê Vecchia Luzia
Carolina Sena Vieira
Gustavo Amorim
CONCESSÃO DE SERVIÇOS PÚBLICOS E AS PARCERIAS
PÚBLICO-PRIVADAS (PPP)................................................................296
Saulo Baqueiro Cerejo
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE
CONSUMO NO BRASIL.......................................................................310
Mário Roberto Pereira de Araújo
A ARBITRAGEM NO BRASIL.............................................................321
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
xiii
Parte ii – principais mercados
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS
RELEVANTES........................................................................................... 334
Paulo Roberto Coimbra Silva
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL......................349
Luiz Geremias de Aviz
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA
REGULATÓRIO E AMBIENTAL.........................................................365
Antonio Augusto Reis
Aline Cardoso de Barros
OS CONTRATOS DE INFRAESTRUTURA NO BRASIL..................382
Paulo Roberto Coimbra Silva
Paula Andrade R. Chaves
Marcelo Tostes de Castro Maia
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES................................392
Hermano Gadelha de Sá
MERCADO IMOBILIÁRIO..................................................................412
Ricardo Lacaz Martins
João Victor Guedes Santos
O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL...................................425
Luís Fernando Hasegawa
E-COMMERCE......................................................................................435
Marianna Furtado de Mendonça
Eduardo Magalhães Machado
xiv
COMÉRCIO E SERVIÇOS....................................................................444
Eder Fasanelli Rodrigues
Ricardo Carneiro Mendes Prado
A EDUCAÇÃO NO BRASIL.................................................................460
Emmanuel Casagrande
Luís Hasegawa
Parte iIi – temas especiais
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO
TEMPORÁRIA PELO NOVO REGULAMENTO ADUANEIRO..........471
José Henrique Cabello
REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS...............................................499
Bruno Coelho da Silveira
A Copa do Mundo de Futebol (2014) e as Olimpíadas
(2016): Oportunidades e Incentivos Legais......................508
Daniel Marcelino
xv
Parte I
parte geral
A Estrutura Jurídica do
Estado Brasileiro
Camila de Morais Leite
Graduada em Direito pela Faculdade Milton Campos.
Pós-graduada em Direito Tributário pelo CEAJUFE.
Advogada Tributarista do Escritório Tostes & Coimbra.
[email protected]
Maurício Saraiva de Abreu Chagas
Graduado em Direito pela UFMG.
Pós-graduado em Direito Tributário pelo CEAJUFE.
Coordenador da Pós-Graduação em Direito Tributário no CEAJUFE.
Advogado tributarista do Escritório Tostes & Coimbra.
[email protected]
Sumário: 1. A adoção do regime político democrático como principio fundamental da ordem jurídica brasileira. 2. A República como forma de governo
do Estado Brasileiro. 3. A estruturação da ordem jurídica sob influência da
tradição romano-germânica. 4. A Federação Brasileira. 5. As regiões sócioeconômicas do território brasileiro. 6. A separação de poderes. 7. A arbitragem como meio extrajudicial de solução de controvérsias. 8. A intervenção do
Estado na economia. 9. Banco Central do Brasil
1.A adoção do regime político democrático
como principio fundamental da ordem
jurídica brasileira
A ordem jurídica brasileira está estruturada a partir da Constituição da
República, onde se encontram as normas que estabelecem a estrutura e
organização do Estado, disciplinam as formas de aquisição e exercício do
poder e asseguram ainda os direitos e garantias fundamentais.
As normas constitucionais são as de maior hierarquia, razão pela qual,
toda a legislação do país deve estar adequada aos seus preceitos, sob pena
de se declarar o seu afastamento mediante controle de constitucionalidade
A Estrutura Jurídica do Estado Brasileiro
provocado de forma difusa por ação judicial proposta perante qualquer
juiz em um processo regular, ou de maneira concentrada, por meio de ação
judicial interposta perante o Supremo Tribunal Federal.
A Constituição Brasileira atualmente em vigor foi promulgada em 05
de outubro de 1988 e desde a sua criação recebeu uma série de modificações promovidas por diversas emendas constitucionais.
Como fruto de um processo histórico de conquista da liberdade e de
participação popular no processo político, as normas constitucionais
foram concebidas sobre dois pilares, a democracia e o direito, consagrando de forma expressa a instituição de um Estado Democrático de
Direito.
Como Estado de Direito impera no país a primazia da lei, em um sistema
hierárquico de normas que busca promover a segurança jurídica, determinando a observância obrigatória da legalidade pela administração pública
e o reconhecimento de garantias e direitos fundamentais.
Como Estado Democrático, o Brasil realiza eleições livres, periódicas e
diretas, assegurando uma ampla participação da população no encaminhamento da vida política do país.
2.A República como forma de governo do Estado
Brasileiro
A Constituição Brasileira reconhece que todo o poder tem origem no
povo e que este poder deve ser exercido por ele de forma direta ou mediante representantes previamente escolhidos.
Desta maneira, para o governo do Estado, o Brasil se organiza como
uma República presidencialista, em que o presidente, eleito a cada quatro
anos, acumula as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo. Há
eleições diretas ainda para a escolha dos chefes do Poder Executivo nos
Estados e Municípios, bem como para atribuição dos cargos Legislativos
nos três entes que compõem a Federação Nacional.
CR. Art. 1º .Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.
Camila de Morais Leite / Maurício Saraiva de Abreu Chagas
A República brasileira tem como principais fundamentos a soberania, a
cidadania, a dignidade da pessoa humana, os valores sociais do trabalho e
da livre iniciativa, bem como o pluralismo político.
Dentre outros, são objetivos fundamentais da República, consagrados
no texto constitucional: construir uma sociedade livre, justa e solidária;
garantir o desenvolvimento nacional; erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem
de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer
outras forma de discriminação.
3.A estruturação da ordem jurídica sob
influência da tradição romano-germânica
A tradição jurídica brasileira está sustentada em um processo histórico
em que prevaleceu a influência do sistema romano-germânico também conhecido como Civil Law presente principalmente na Europa continental.
Neste sistema, as leis escritas são a principal fonte das normas jurídicas,
estando, muitas vezes reunidas e organizadas em Códigos como o Código
Civil, o Código Penal, o Código de Processo Civil, dentre outros.
Este sistema se opõe à tradição anglo-saxônica ou Common Law encontrada principalmente nos Estados Unidos e na Inglaterra, em que as normas
jurídicas são concebidas a partir da jurisprudência formada com as decisões
reiteradas proferidas pelo Poder Judiciário a partir de casos concretos.
Apesar de possuir a lei como fonte primordial das normas, em caráter
supletivo, na ausência de dispositivo legal, a ordem jurídica brasileira admite ainda outras fontes como os precedentes, ao se reconhecer a possibilidade de aplicação da analogia com casos semelhantes, além dos costumes
e dos próprios princípios gerais de direito.
4.A Federação Brasileira
O Estado Brasileiro esta constituído sob a forma de uma Federação.
Ressalta-se, inclusive, que esta determinação é uma das características do
Decreto-Lei Nº 4.657/42. Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.
A Estrutura Jurídica do Estado Brasileiro
ordenamento jurídico pátrio gravadas pelo caráter de imutabilidade, uma
vez que, por determinação constitucional, não é possível a deliberação de
qualquer proposta de emenda constitucional que tenha por objetivo abolir
a forma federativa.
A Federação Brasileira tem características próprias, uma vez que é
constituída pela reunião de três entidades federadas distintas, a União, os
Estados-membros e os Municípios. Cada um destes entes possui autonomia administrativa, competência legislativa própria, inclusive no que se
refere ao estabelecimento de normas tributárias, além de desfrutarem de
igualdade jurídica.
Existem hoje no Brasil, vinte e sete Estados, incluindo o Distrito Federal que acumula a competência de Estados e Municípios, além de cerca de
5.564 Municípios distintos distribuídos pelo território nacional.
5.As regiões sócio-econômicas do território
brasileiro
Os Estados Brasileiros são reunidos em cinco regiões sócio-econômicas que
revelam algumas importantes características econômicas, culturais e sociais.
Região Sudeste
A região Sudeste é composta pelos Estados do Espírito Santo (ES), Minas Gerais (MG), Rio de Janeiro (RJ) e São Paulo
(SP).
É a região mais populosa e rica do Brasil,
apresentando um alto índice de urbanização,
industrialização e o maior PIB per capita.
Além de contar com uma indústria e agricultura diversificadas, possui
grande reserva mineral, no Estado de Minas Gerais, em especial de ferro
CR. Art. 60. § 4º - Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente a
abolir: I - a forma federativa de Estado;
Camila de Morais Leite / Maurício Saraiva de Abreu Chagas
e manganês, bem como uma significativa reserva de petróleo no Rio de
Janeiro e Espírito Santo.
Região Sul
É constituída pelos Estados do Rio Grande do Sul (RS), Santa Catarina (SC) e Paraná (PR).
Territorialmente é a menor região brasileira, mas apresenta os mais elevados índices sociais do país.
Tem localização privilegiada por fazer
fronteira com os países integrantes do Mercosul: Uruguai, Argentina e Paraguai.
Sua economia se destaca pelo desenvolvimento da agropecuária e das
indústrias alimentícia e têxtil.
Região Centro-Oeste
Nesta região se encontram quatro
Estados: Mato Grosso (MT), Mato Grosso
do Sul (MS), Goiás (GO) e o Distrito Federal (DT) onde se localiza a capital do país,
Brasília.
É a segunda maior região territorial,
entretanto é a menos populosa, possuindo a
segunda menor densidade populacional.
Economicamente, destaca-se pela pecuária extensiva e pela agricultura
comercial, principalmente no cultivo de soja e milho.
A Estrutura Jurídica do Estado Brasileiro
Região Nordeste
Reúne o maior número de Estados brasileiros, dentre eles, Alagoas (AL), Bahia
(BA), Ceará (CE), Maranhão (MA), Paraíba (PB), Piauí (PI), Pernambuco (PE), Rio
Grande do Norte (RN) e Sergipe (SE).
No aspecto econômico possui potencial no setor de energia, em especial
na exploração de petróleo e gás, bem como no turismo em função do extenso litoral e seus atrativos naturais.
Região Norte
É a região com maior cobertura territorial, sendo composta pelos Estados do Acre
(AC), Amapá (AP), Amazonas (AM), Pará
(PA), Rondônia (RO), Roraima (RR) e Tocantins (TO).
Uma grande faixa deste território é coberta pela Floresta Amazônia, onde
se encontra um grande potencial para a realização do extrativismo vegetal e
mineral, desenvolvimento de pesquisas e exploração do turismo.
6.A separação de poderes
A Constituição da República determina a adoção do príncípio da separação dos Poderes, afirmando que são Poderes do Estado, independentes e
harmônicos entre si, o Legislativo, o Judiciário e o Executivo.
CR. Art. 2º São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário.
Camila de Morais Leite / Maurício Saraiva de Abreu Chagas
A repartição das funções do Estado entre estes diferentes poderes tem
por objetivo favorecer a democracia, evitando o arbítrio, inclusive por meio
de mecanismos de controle recíproco.
6.1.Poder Legislativo
O Poder Legislativo, cuja função primordial, consiste em estabelecer as
normas que regem o estado brasileiro e fiscalizar a atuação do Poder Executivo, é encontrado em cada um dos entes da Federação.
O Poder Legislativo na União é exercido pelo Congresso Nacional, dotado de estrutura bicameral. No Senado Federal atuam os senadores, eleitos
para mandatos de oito anos como representantes dos Estados. Cada Estado
possui três representantes. Na Câmara dos Deputados atuam os deputados
federais, eleitos como representantes do povo em quantidade proporcional
à população dos Estados e para mandatos de quatro anos.
O Poder Legislativo nos Estados é exercido pelas Assembléias Legislativas Estaduais. Os representantes do povo que atuam nestas assembléias
são os deputados estaduais eleitos para mandados de quatro anos.
O Poder Legislativo nos Municípios é exercido nas Câmaras Municipais,
onde os vereadores exercem cargo político outorgado por eleições, com
mandatos de quatro anos.
A própria Constituição da República discrimina expressamente a competência atribuída ao Poder Legislativo de cada um dos entes da Federação
Brasileira.
Há matérias que são de competência legislativa privativa da União. Dentre elas destaca-se: direito civil, comercial, penal, processual, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial, do trabalho, águas, energia, informática, telecomunicações, radiodifusão, sistema monetário, política de crédito, câmbios,
seguros, comércio exterior e interestadual, regime dos portos, trânsito, transporte, recursos minerais, propaganda comercial, dentre outros.
Outras matérias estão submetidas a uma regra de competência concorrente entre os entes da federação, o que significa que todos podem legislar
a respeito, cabendo à União legislar de forma geral, aos Estados de manei
CR., art. 22
A Estrutura Jurídica do Estado Brasileiro
ra regional e aos Municípios com um viés local. Dentre os temas abrangidos pela legislação concorrente se encontram: direito tributário, financeiro, econômico, produção, consumo, proteção do meio ambiente, educação,
cultura, dentre outros.
Ao Poder Legislativo Municipal, além de regular as matérias de competência concorrente, cabe legislar sobre assuntos de interesse local, organizando a ocupação territorial, o desenvolvimento das atividades econômicas em seus limites, instituindo os tributos de sua competência, além de
suplementar a legislação federal e estadual.
O Distrito Federal, região em que se encontra Brasília, a capital da República, acumula as competências Estaduais e Municipais.
6.2.Poder Executivo
O Poder Executivo tem como atribuição principal realizar a administração dos recursos públicos, além de praticar os atos de governo e
de chefia de estado. É exercido nos três entes da Federação por representantes eleitos pela população de forma direta para um mandato de
quatro anos.
Na União o Poder Executivo é exercido pelo Presidente da República que
acumula as funções de Chefe de Estado e Chefe de Governo. Na condição
de Chefe de Estado, incumbe ao Presidente representar o Brasil em suas
relações internacionais, realizando, por exemplo, a celebração de tratados,
convenções e atos internacionais, sujeitos posteriormente ao referendo do
Congresso Nacional. Já na condição de Chefe de Governo, cabe ao Presidente atuar na chefia das questões internas, tanto políticas quando administrativas, com a assistência dos Ministros de Estado, escolhidos para
exercer a função de coordenação e supervisão dos órgãos e entidades da
administração federal.
Nos Estados o Poder Executivo é exercido pelo Governador, que, por
sua vez, escolhe os Secretários Estaduais para atuar com assistentes na
coordenação das entidades da administração estadual.
Nos Municípios cabe aos Prefeitos exercer o Poder Executivo, com a
assistência dos Secretários Municipais.
10
Camila de Morais Leite / Maurício Saraiva de Abreu Chagas
6.3.Poder Judiciário
O Poder Judiciário tem a função de administrar a Justiça, resolvendo, de
maneira definitiva a solução de conflitos. Sua composição não é encontraao nos Municípios, concentrando-se na estrutura da União e dos Estados.
A estrutura do Poder Judiciário brasileiro pode ser sintetizada da seguinte forma:
s U P r e M o T r IB U N a l F e d e r a l
Superior
Tribunal de
Justiça
Tribunal
Superior do
Trabalho
Tribunal
Superior
Eleitoral
Superior
Tribunal
Militar
Tribunal
de
Justiça
Tribunal
Tribunal
Tribunal
Regional
Regional
Regional
Federal do Trabalho Eleitoral
Tribunal
Militar
Juízes
de Direito
Juízes
Juízes
Juízes
Federais do Trabalho Eleitorais
Juízes
Militares
A Constituição da República ao estabelecer as normas gerais que delimitam a estrutura da Justiça Brasileira, delimita cinco vertentes com matérias próprias.
A Justiça Militar tem a competência de processar e julgar os crimes
militares definidos em lei. Ela é composta pelos Juízes e os Tribunais Militares e tem como órgão recursal máximo o Superior Tribunal Militar,
composto por quinze Ministros nomeados pelo Presidente da República.
À Justiça Eleitoral compete preparar, realizar e apurar as eleições. Ela
é composta pelos Juízes Eleitorais, pelos Tribunais Regionais Eleitorais
existentes na capital de cada Estado e do Distrito Federal e ainda pelo Tribunal Superior eleitoral.
A Estrutura Jurídica do Estado Brasileiro
11
A Justiça do Trabalho tem a atribuição de, em síntese, processar e julgar as ações oriundas da relação de trabalho. Compõem a sua estrutura
os Juízes do Trabalho, os Tribunais Regionais do Trabalho e o seu órgão
máximo, qual seja, o Tribunal Superior do Trabalho, integrado por vinte e
sete Ministros nomeados pelo Presidente da República.
A Justiça Federal, por sua vez, possui uma competência mais extensa,
cabendo-lhe processar e julgar: as causas em que a União for parte ou interessada; as causas entre Estado estrangeiro ou organismo internacional e
Município ou pessoa domiciliada ou residente no País; as causas fundadas
em tratado ou contrato da União com Estado estrangeiro ou organismo
internacional; as causas relativas a direitos humanos; os crimes cometidos
a bordo de navios ou aeronaves, dentre outros. Formam parte da Justiça
Federal os Juízes Federais e os Tribunais Regionais Federais.
Por fim, está a Justiça Estadual que atua com competência residual, processando e julgando as demandas que não tenham uma atribuição específica. Esta estrutura judicial é organizada pelos Estados e, em síntese a
integram os Juízes de Direito e os Tribunais de Justiça.
Dentro da estrutura judiciária brasileira, merecem destaque ainda dos
Tribunais Superiores: o Superior Tribunal de Justiça e o Supremo Tribunal
Federal.
O Superior Tribunal de Justiça é composto por trinta e três ministros.
Possui uma extensa competência cabendo destacar neste sentido, a capacidade para processa e julgar o conflito de competência entre tribunais; a
homologação de sentenças estrangeiras; e, em grau de recursos, as causas
em que forem parte Estado estrangeiro ou organismo internacional de um
lado e o Município ou pessoa residente ou domiciliada no País de outro; as
causas que contrariem tratado ou lei federal.
O Supremo Tribunal Federal é a instância máxima no ordenamento jurídico brasileiro. É constituído por onze ministros indicados pelo Presidente da
República. Sua competência é extensa, cabendo destacar: o controle concentrado de constitucionalidade; o litígio entre Estado estrangeiro ou organismo
internacional e a União, o Estado, o Distrito Federal ou o Território e, mediante recurso, as causas que versem sobre dispositivos da Constituição.
Dos três poderes do Estado Brasileiro, este é o único que não é composto por cargos eletivos. Os membros do Poder Judiciário, em sua grande
12
Camila de Morais Leite / Maurício Saraiva de Abreu Chagas
maioria, são selecionados mediante a realização de concursos públicos,
outros por indicação do Chefe do Executivo ou ainda indicação de entidades de classe.
7.A arbitragem como meio extrajudicial de
solução de controvérsias
A arbitragem, meio extrajudicial mediante o qual se busca a solução de
controvérsias entre particulares, com a participação de um árbitro eleito pelas partes envolvidas, tem a sua validade reconhecida pelo ordenamento jurídico brasileiro quando o litígio trata de direitos patrimoniais disponíveis.
A Lei n.º 9.307/96, ao tratar sobre a arbitragem, reconhece que as partes
envolvidas têm a liberdade de reconhecer as regras de direito que serão
aplicadas para a solução do conflito, desde que não exista a violação aos
bons costumes e à ordem pública.
É facultado ainda às partes convencionar a realização da arbitragem segundo os princípios gerais de direito, os usos e costumes e as regras internacionais de comércio.
A decisão proferida em sede arbitral produz, entre as partes, os mesmos
efeitos de uma sentença do Poder Judiciário.
A sentença arbitral expedida fora do território nacional tem validade no
Brasil nos termos dos tratados internacionais celebrados pelo país. A execução da sentença arbitral estrangeira depende de sua homologação pelo
Supremo Tribunal Federal.
A arbitragem é reconhecida hoje como um meio importante e eficiente
para solução de controvérsias especialmente na seara empresarial, societária e comercial.
8.A intervenção do Estado na economia
A Constituição da República revela de forma expressa a opção pela
adoção do sistema capitalista de produção, o que implica na proteção da
propriedade privada como direito fundamental, na plena liberdade para o
Constituição da República, art. 1º, IV; art. 5º, XIII, XXII; art. 170; art. 219
A Estrutura Jurídica do Estado Brasileiro
13
exercício de qualquer profissão, no estímulo ao trabalho e à livre iniciativa,
na defesa da livre concorrência.
Neste contexto de uma economia de mercado, o Estado assume uma
função de caráter normativo e regulador, desenvolvendo as funções de fiscalização, incentivo e planejamento, além de prover a prestação de serviços públicos, seja diretamente, ou por meio de concessão ou permissão. A
participação direta do Estado mediante exploração de atividade econômica
é autorizada apenas quando houver necessidade de resguardo da segurança nacional ou ainda relevante interesse coletivo.
Para disciplinar e controlar certas atividades econômicas de caráter
essencial ou de significativa repercussão, o Estado Brasileiro faz uso de
Agências Reguladoras, criadas por lei na forma de pessoas jurídicas de
Direito Público com capacidade exclusivamente administrativa.
Estas Agências têm a responsabilidade de realizar pesquisas sobre o mercado objeto de sua atuação, elaborar normas para sua regulação e fiscalizar
o cumprimento destas determinações. Suas ações devem ainda promover
a defesa dos direitos do consumidor, incentivar a concorrência, podendo
ainda solucionar controvérsias mediante arbitragem entre os agentes do
respectivo mercado.
Algumas das principais Agências Reguladoras Federais existentes atualmente no país são:
oANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica (Lei n.º 9.427/96):
regula e fiscaliza a produção, transmissão, distribuição e comercialização de energia elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes do governo federal;
o ANATEL – Agência Nacional de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/97):
regula a outorga, prestação e fruição dos serviços de telecomunicações;
CR. Art. 174. Como agente normativo e regulador da atividade econômica, o Estado exercerá, na forma da lei, as funções de fiscalização, incentivo e planejamento,
sendo este determinante para o setor público e indicativo para o setor privado.
CR. Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos
imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
14
Camila de Morais Leite / Maurício Saraiva de Abreu Chagas
o ANP – Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (Lei n.º 9.478/97): regula a contratação e a fiscalização das
atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás
natural e dos biocombustíveis;
o ANVISA – Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Lei n.º
9.782/99.): realiza o controle sanitário de todos os produtos e serviços submetidos à vigilância sanitária, tais como medicamentos e
alimentos;
o ANS – Agência Nacional de Saúde Suplementar (Lei n.º 9.961/00):
promove a defesa do interesse público na assistência suplementar à
saúde, regula as operadoras setoriais, a relação entre prestadoras e
consumidores e contribui para o desenvolvimento das ações de saúde no país.
o ANA – Agência Nacional de Águas (Lei n.º 9.984/00): regular o uso
das águas dos rios e lagos de domínio da União;
o ANTT – Agência Nacional de Transporte Terrestre (Lei n.º 10.233/01):
regula a concessão e extinção do direito de exploração de infra-estrutura e de prestação de serviços de transporte terrestre;
o ANTAQ – Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Lei n.º
10.233/01): regula a prestação de serviços de transporte e a exploração da infra-estrutura aquaviária e portuária;
o ANAC – Agência Nacional de Aviação Civil (Lei n.º 11.182/05): regula e fiscaliza as atividades de aviação civil e de infra-estrutura
aeronáutica e aeroportuária.
Cabe destacar que, além da União, os Estados e os Municípios podem
também criar Agências para regular as atividades econômicas essenciais
em caráter regional e local.
9.Banco Central do Brasil
A principal autoridade monetária do país é o Banco Central do Brasil.
Trata-se de pessoa jurídica vinculada à administração federal responsável
A Estrutura Jurídica do Estado Brasileiro
15
pela supervisão das políticas monetária e cambial do país, bem como pela
fiscalização do sistema financeiro nacional.
Algumas das principais atribuições do Banco Central são:
oEmissão da moeda;
oRecebimento dos recolhimentos compulsórios dos bancos comerciais;
oFormulação, execução e acompanhamento da política cambial e de
relações financeiras com o exterior;
oOrganização, disciplinamento e fiscalização do Sistema Financeiro
Nacional e do mercado financeiro.
oAutorizar, normatizar, fiscalizar e intervir nas instituições financeiras.
10.Bibliografia
BANDEIRA DE MELLO. Celso Antônio. Curso de Direito Administrativo. 21. ed., São Paulo: Malheiros Editores, 2006.
MORAES, Alexandre de. Direito constitucional. 23. ed., São Paulo: Atlas,
2008.
www.ibge.gov.br
www.pt.wikipedia.org (mapas das regiões do Brasil)
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS
DE ASSOCIAÇÃO
George Lippert Neto
Juliano Langaro da Silva
Advogados e sócios de Lippert & Cia. Advogados.
Sumário: 1. Introdução – 2. Sociedades Limitadas. - 2.1. Aspectos Gerais
- 2.2.Capital Social – 2.3. Transferência de Quotas – 2.4. Administração - 2.5.
Conselho Fiscal - 2.6. Reunião ou Assembleia de Sócios - 2.7. Quorum Deliberativo - 3. Sociedades Anônimas - 3.1. Características Gerais - 3.2. Natureza
Jurídica - 3.3. Do Capital Social - 3.3.1. Da Formação do Capital Social – 3.3.2.
Do Aumento do Capital Social – 3.3.2.1 – Do Capital Autorizado – 3.2.2. Do Direito
de Preferência – 3.3.3. Da Redução do Capital Social – 3.3.3.1. Das Condições para
a Redução do Capital Social – 3.3.3.2. Da Oposição dos Credores - 3.4. Das Ações3.4.1. Valor Nominal – 3.4.2. Das Espécies e Classes de Ações – 3.4.2.1. Das Ações
Ordinárias – 3.4.2.2. Das Ações Preferenciais - 3.5. Dos Livros Societários - 3.6.
Da Assembleia Geral- 3.6.1. Competência – 3.6.2. Competência e Formas de Convocação – 3.6.3. “Quorum” de Instalação – 3.6.4. “Quorum” das Deliberações – 3.6.5.
Assembleia Geral Ordinária – 3.6.5.1 Periodicidade e Competência – 3.6.5.2. Documentos da Administração – 3.6.6. Assembleia Geral Extraordinária - 3.7. Da Administração da Companhia – 3.7.1. Do Conselho de Administração – 3.7.2. Da Diretoria
- 3.8. Do Conselho Fiscal – 3.8.1. Composição e Funcionamento – 3.8.2. Requisitos,
Impedimentos e Remuneração – 3.8.3. Competência do Conselho Fiscal – 3.8.4. Deveres
e Responsabilidades dos Conselheiros Fiscais - 3.9. Do Lucro, Reservas e Dividendos – 4. Sociedade em Conta de Participação – 4.1. Aspectos Gerais – 4.2
Funcionamento da SCP – 4.3. Da Dissolução e Liquidação– 4.4. Aplicação
Subsidiária das Regras das Sociedades Simples– 5. Conclusão.
1.INTRODUÇÃO
A legislação brasileira regula diversas formas de estruturas societárias,
seja do ponto de vista de personificação ou não da sociedade, seja em
razão do tipo societário escolhido pelos sócios. As sociedades de fato ou
não personificadas são aquelas que não possuem seus atos constitutivos arquivados nos registros públicos competentes, isto é, as sociedades empresariais são registradas na Junta Comercial do estado onde sua sede social
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
17
está localizada e as sociedades simples, no Cartório de Registro Civil de
Pessoas Jurídicas da cidade onde sua sede está localizada. Já com relação
aos diversos tipos societários regulados pela legislação, cumpre aqui tecer comentários somente em relação às Sociedades Limitadas, Sociedades
Anônimas e Sociedades em Conta de Participação, haja vista serem estas
as estruturas mais utilizadas por investidores estrangeiros.
2. SOCIEDADES LIMITADAS
2.1. Aspectos Gerais
As Sociedades Limitadas estão reguladas pelos artigos 1.052 a 1.087 do
Código Civil Brasileiro (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002). O aspecto
fundamental desta forma societária é a limitação da responsabilidade dos
sócios ao valor das quotas por eles subscritas, ressaltando-se que todos os sócios são solidariamente responsáveis pela integralização do capital social.
O Código Civil também atribui aos sócios a possibilidade prever a aplicação supletiva da lei das Sociedades Anônimas para os casos de omissão
da legislação
A fim constituir a sociedade e regular as relações societárias as partes (sócios) devem firmar um contrato escrito denominado contrato social,
com os seguintes requisitos mínimos: (i) nome, nacionalidade, estado civil,
profissão e residência dos sócios, se pessoas naturais, e a firma ou a denominação, nacionalidade e sede dos sócios, se jurídicas; (ii) denominação,
Importante salientar que existem duas exceções ao princípio da limitação da responsabilidade do sócio: o primeiro está previsto no artigo 1.080 do Código Civil,
o qual prevê que as deliberações infringentes do contrato social ou da lei tornam
ilimitada a responsabilidade dos sócios que expressamente as aprovaram; a segunda hipótese é a aplicação da teoria da disregard of legal entity, regulada pelo direito
brasileiro no artigo 50 do Código Civil.
Os sócios estrangeiros deverão apresentar documentação adicional para permitir o
registro da sociedade. Caso se trate de pessoas física, cópia do passaporte devidamente notarizado perante o consulado brasileiro, bem como o número de inscrição
perante a Secretaria da Receita Federal (CPF). Se for pessoa jurídica, deverá ser
fornecida cópia dos estatutos sociais da sociedade notarizados perante o consulado
18
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
objeto, sede e prazo da sociedade; (iii) capital da sociedade, expresso em
moeda corrente, podendo compreender qualquer espécie de bens, suscetíveis de avaliação pecuniária; (iv) a quota de cada sócio no capital social, e
o modo de realizá-la; (v) as pessoas naturais incumbidas da administração
da sociedade, e seus poderes e atribuições; e (vi) a participação de cada
sócio nos lucros e nas perdas.
2.2.Capital Social
O capital social das Sociedades Limitadas está divido em quotas, iguais
ou desiguais. A sua integralização poderá ser feita por qualquer bem dotado de valor econômico, exceto serviços. Neste particular, duas observações são importantes: pela exata estimação dos bens conferidos ao capital
social respondem solidariamente todos os sócios, até o prazo de cinco anos
da data do registro da sociedade e o sócio que, a título de quota social,
transmitir domínio, posse ou uso, responde pela evicção; e pela solvência
do devedor, aquele que transferir crédito.
2.3.Transferência de Quotas
Até mesmo em razão de sua natureza jurídica de uma sociedade de pessoas ou intuito personae, a transferência de quotas para terceiros estranhos
à sociedade, caso silente o capital social, somente poderá ser feita se não
houve oposição de sócios representando ¼ do capital social. Porém, a lei
concede aos sócios a possibilidade de regular livremente o tema, inclusive
brasileiro, bem como é obrigatória a outorga de procuração para uma pessoa residente no Brasil receber citações nas ações que envolvam litígios societários. A assinatura
do representante legal da pessoa jurídica estrangeira nesta procuração também deverá
ser notarizada. Por fim, os investidores estrangeiros estão obrigados a registrar seus
investimentos perante o Banco Central do Brasil, pois somente assim será possível
obter o registro no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas (CNPJ) da Secretaria da
Receita Federal e permitir o ingresso de capitais estrangeiros no País.
Caso algum sócio não integralize sua parcela no capital social nos termos e condições ajustados no contrato social (sócio remisso), os outros sócios podem, sem
prejuízo tomá-la para si ou transferi-la a terceiros, excluindo o primitivo titular
e devolvendo-lhe o que houver pago, deduzidos os juros da mora, as prestações
estabelecidas no contrato mais as despesas.
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
19
com a adoção de direito de preferência e outros institutos típicos das Sociedades Anônimas, como o tag e drag along.
2.4.Administração
A administração da sociedade é feita sempre por pessoas físicas, sócias
ou não, residentes no Brasil, eleitos no próprio contrato social ou em ato
separado.
2.5.Conselho Fiscal
A instituição de conselho fiscal também é uma faculdade conferida aos
sócios das Sociedades Limitadas, ainda que não prevista no contrato social. A composição do conselho fiscal é de, no mínimo, 03 membros, sócios ou não, eleitos pela assembleia ou reunião de sócios, ficando vedada,
porém, a eleição de membros dos demais órgãos da sociedade ou de outra
por ela controlada, os empregados de quaisquer delas ou dos respectivos
administradores, o cônjuge ou parente destes até o terceiro grau. Os sócios
titulares de 1/5 do capital social podem eleger um membro em separado
para o conselho fiscal.
São atribuições do conselho fiscal, além de outras previstas no contrato social: (i) examinar, pelo menos trimestralmente, os livros e papéis da
sociedade e o estado da caixa e da carteira, devendo os administradores
ou liquidantes prestar-lhes as informações solicitadas; (ii) lavrar no livro
de atas e pareceres do conselho fiscal o resultado dos exames referidos
no item (i); (ii) exarar no mesmo livro e apresentar à assembleia ou reunião anual dos sócios parecer sobre os negócios e as operações sociais do
exercício em que servirem, tomando por base o balanço patrimonial e o
de resultado econômico; (iii) denunciar os erros, fraudes ou crimes que
Caso o investidor estrangeiro deseje eleger um não residente no Brasil para compor
a administração da Sociedade Limitada, é obrigatória a obtenção de visto de trabalho. Este visto é concedido pelas autoridades brasileiras sob uma das seguintes
condições: (i) investir no mínimo US$ 200.000,00 em dinheiro para cada diretor
estrangeiro nomeado; ou (ii) investir no mínimo US$ 50.000,00 em dinheiro, bens
ou tecnologia, para cada diretor nomeado, bem como contratar no mínimo 10 funcionários dentro de 02 anos.
20
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
descobrirem, sugerindo providências úteis à sociedade; (iv) convocar a
assembleia ou reunião de sócios se a diretoria retardar por mais de trinta
dias a sua convocação anual, ou sempre que ocorram motivos graves e
urgentes;
2.6.Reunião ou Assembleia de Sócios
Nas Sociedades Limitadas existem duas formas dos sócios deliberarem
sobre os assuntos sociais: reunião ou assembleia de sócios. A opção entre
uma ou outra depende do número de sócios da sociedade e as diferenças
entre ambas reside no maior ou menor grau de formalidade. As reuniões
de sócios podem ser realizadas somente nas sociedades com até 10 sócios.
Acima deste número torna-se obrigatória a assembleia.
No que tange ao grau de formalidade, a forma convocação e quorum
de instalação das reuniões de sócios podem ser livremente regradas pelos
sócios no contrato social. Já na assembleia, devem ser observados os requisitos do Código Civil, tais como publicação de anúncios de convocação e
quorum mínimo de instalação.
As reuniões ou assembleias de sócios tornam-se dispensáveis quando todos os sócios decidirem, por escrito, sobre a matéria que seria objeto delas.
2.7.Quorum Deliberativo
Ponto de fundamental importância diz respeito aos quoruns deliberativos das Sociedades Limitadas. Ao contrário do que ocorre com as Sociedades Anônimas, com a edição da Lei nº 10.406/02 para se deter o controle
absoluto na Sociedade Limitada é necessário deter, no mínimo, 75% (setenta e cinco por cento) do capital social, pois somente com ele é possível
alterar o contrato social.
De uma forma mais específica, apresentamos abaixo um quadro
descrevendo as matérias e os quoruns mínimos para aprovação:
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
21
Matéria
Quorum
Modificação do contrato social
75%
Incorporação, fusão e a dissolução da sociedade
ou a cessação do estado de liquidação
75%
Transformação de tipo jurídico
Os sócios podem ajustar no contrato social o quorum. Porém,
nada sendo regrado a este respeito, a transformação depende da
concordância de todos os sócios.
Designação dos administradores, quando não realizada no contrato social
Mais de 50%
Destituição dos administradores
Mais de 50%
O modo de remuneração dos administradores,
quando não estabelecido no contrato social
Mais de 50%
Pedido de recuperação judicial ou extrajudicial
Mais de 50%
Autorização para transferência de quotas para
terceiros não integrantes do quadro societário em
caso de silêncio do contrato social
Mínimo de 25% (1/4) do capital
social
Eleição de administradores não sócios
100% enquanto o capital social
não estiver totalmente integralizado e 66,66% (2/3), no mínimo,
após a integralização.
Destituição de administrador sócio nomeado no
contrato social
66,66% (2/3), salvo disposição
em contrário no contrato social
Eleição de membro em separado do conselho fiscal
20% (1/5) do capital social.
Aprovação de contas
Mais de 50%
22
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
3. SOCIEDADES ANÔNIMAS
3.1.Características Gerais
A companhia ou sociedade anônima, regulada pela Lei 6.404, de 15 de
dezembro de 1976 (“LSA”), tem seu capital dividido em ações, e a responsabilidade dos sócios ou acionistas será limitada ao preço de emissão das
ações subscritas ou adquiridas.
Seu objeto pode ser qualquer atividade de fim lucrativo, não contrário à
lei, à ordem pública e aos bons costumes.
3.2.Natureza Jurídica
As companhias podem ser classificadas em abertas ou fechadas, conforme os valores mobiliários de sua emissão estejam ou não admitidos à
negociação no mercado de valores mobiliários.
3.3.Do Capital Social
3.3.1. Da Formação do Capital Social
O capital social pode ser formado com contribuições em dinheiro ou em
qualquer espécie de bens suscetíveis de avaliação em dinheiro. No caso
de bens, é obrigatória a realização de avaliação por 3 (três) peritos ou por
empresa especializada, nomeados em assembleia geral dos acionistas. Os
avaliadores e o subscritor responderão perante a companhia, os acionistas
e terceiros, pelos danos que lhes causarem por culpa ou dolo na avaliação
A companhia pode ter por objeto participar de outras sociedades; ainda que não
prevista no estatuto, a participação é facultada como meio de realizar o objeto social, ou para beneficiar-se de incentivos fiscais. (Art. 2º, § 3º, LSA)
O registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em mercados regulamentados de valores mobiliários é regulado pela a Instrução Normativa
nº 480, de 07 de dezembro de 2009, aprovada pela Comissão de Valores Mobiliários. Dentre as suas novidades, ressalta-se a possibilidade de submeter o pedido de
registro independentemente do pedido de registro de oferta pública de distribuição
de valores mobiliários (art. 1º, § 1º).
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
23
dos bens, sem prejuízo da responsabilidade penal em que tenham incorrido; no caso de bens em condomínio, a responsabilidade dos subscritores
é solidária. Na falta de declaração expressa em contrário, os bens transferem-se à companhia a título de propriedade.
3.3.2. Do Aumento Capital Social
O capital social pode ser aumentado; (i) por deliberação da assembleia
geral ordinária, para correção da expressão monetária do seu valor; (ii) por
deliberação da assembleia geral ou do conselho de administração, observado o que a respeito dispuser o estatuto, nos casos de emissão de ações
dentro do limite autorizado no estatuto; (iii) por conversão, em ações, de
debêntures ou parte beneficiárias e pelo exercício de direitos conferidos
por bônus de subscrição, ou de opção de compra de ações; (iv) por deliberação da assembleia geral extraordinária convocada para decidir sobre
reforma do estatuto social, no caso de inexistir autorização de aumento, ou
de estar a mesma esgotada.
3.3.2.1. Do Capital Autorizado
O estatuto pode conter autorização para aumento do capital social independentemente de reforma estatutária. Dita autorização deverá especificar (i) o limite de aumento, em valor do capital ou em número de ações,
e as espécies e classes das ações que poderão ser emitidas; (ii) o órgão
competente para deliberar sobre as emissões, que poderá ser a assembleia
geral ou o conselho de administração; (iii) as condições a que estiverem
sujeitas as emissões; (iv) os casos ou as condições em que os acionistas terão direito de preferência para subscrição, ou de inexistência desse direito
(artigo 172).
3.2.2. Do Direito de Preferência
Na proporção do número de ações que possuírem, os acionistas terão
preferência para a subscrição do aumento de capital, devendo o estatuto ou
Somente depois de realizados 3/4 (três quartos), no mínimo, do capital social, a
companhia pode aumentá-lo mediante subscrição pública ou particular de ações.
24
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
a assembleia geral fixar o prazo de decadência, não inferior a 30 (trinta)
dias, para o exercício de referido direito.
3.3.3. Da Redução do Capital Social
3.3.3.1. Das Condições para a Redução do Capital Social
A assembleia geral poderá deliberar a redução do capital social se houver
perda, até o montante dos prejuízos acumulados, ou se julgá-lo excessivo.
3.3.3.2. Da Oposição dos Credores Exceto nos casos de reembolso de ações e não integralização de ações subscritas, a redução do capital social com restituição aos acionistas de parte do
valor das ações, ou pela diminuição do valor destas, quando não integralizadas, à importância das entradas, só se tornará efetiva 60 (sessenta) dias após a
publicação da ata da assembléia-geral que a tiver deliberado. Durante o prazo
previsto neste artigo, os credores quirografários por títulos anteriores à data
da publicação da ata poderão, mediante notificação, de que se dará ciência ao
registro do comércio da sede da companhia, opor-se à redução do capital; decairão desse direito os credores que o não exercerem dentro do prazo.
Findo o prazo, a ata da assembleia geral que houver deliberado à redução poderá ser arquivada se não tiver havido oposição ou, se tiver havido
oposição de algum credor, desde que feita a prova do pagamento do seu
crédito ou do depósito judicial da importância respectiva.
3.4. Das Ações
3.4.1. Valor Nominal:
A atribuição de valor nominal não é obrigatória para as sociedades anônimas e seu objetivo é fixar um valor mínimo para o preço de emissão de
novas ações. A alteração somente é possível nos casos de modificação do
A emissão de ações com preço inferior ao valor nominal implica na nulidade do ato ou operação e responsabilidade dos infratores.
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
25
valor do capital social ou da sua expressão monetária, de desdobramento,
grupamento ou cancelamento de ações.
3.4.2. Das Espécies e Classes de Ações:
As ações, conforme a natureza dos direitos ou vantagens que confiram
a seus titulares, podem ser ordinárias ou preferenciais, sendo que as ações
ordinárias da companhia fechada e as ações preferenciais da companhia
aberta e fechada poderão ser de uma ou mais classes. O número de ações
preferenciais sem direito a voto, ou sujeitas a restrição no exercício desse
direito, não pode ultrapassar 50% do total das ações emitidas.
3.4.2.1. Das Ações Ordinárias:
Têm como característica principal conferir ao seu titular direito de
voto nas deliberações sociais da companhia. Além disso, as ações ordinárias de companhia fechada poderão ser de classes diversas, em
função de (i) conversibilidade em ações preferenciais, (ii) exigência
de nacionalidade brasileira do acionista, ou (iii) direito de voto em
separado para o preenchimento de determinados cargos de órgãos administrativos. 3.4.2.2. Das Ações Preferenciais:
Em geral não conferem ao seu titular direito de voto, ou conferemno com restrições10, mas, em contrapartida, outorgam as seguintes preferências: (i) em prioridade na distribuição de dividendo, fixo ou mínimo; (ii)
em prioridade no reembolso do capital, com prêmio ou sem ele; ou (iii)
na acumulação das preferências e vantagens acima. Além disso, o estatuto
pode assegurar a uma ou mais classes de ações preferenciais o direito de
10
A alteração do estatuto na parte em que regula a diversidade de classes, se não for expressamente prevista, e regulada, requererá a concordância de todos os titulares das ações atingidas.
As ações preferenciais sem direito de voto adquirirão o exercício desse direito se a companhia, pelo
prazo previsto no estatuto, não superior a 3 (três) exercícios consecutivos, deixar de pagar os dividendos
fixos ou mínimos a que fizerem jus, direito que conservarão até o pagamento, se tais dividendos não
forem cumulativos, ou até que sejam pagos os cumulativos em atraso.
26
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
eleger, em votação em separado, um ou mais membros dos órgãos de administração.11
3.5.Dos Livros Societários
As companhias devem ter os seguintes livros societários: (i) o livro de
Registro de Ações Nominativas; (ii) o livro de “Transferência de Ações
Nominativas”; (iii) o livro de “Registro de Partes Beneficiárias Nominativas” e o de “Transferência de Partes Beneficiárias Nominativas”, se tiverem sido emitidas; (iv) o livro de Atas das Assembléias Gerais; (v) o livro
de Presença dos Acionistas; (vi) os livros de Atas das Reuniões do Conselho de Administração, se houver, e de Atas das Reuniões de Diretoria; (vii)
o livro de Atas e Pareceres do Conselho Fiscal. 3.6. Da Assembleia Geral
3.6.1. Competência
A assembleia geral, que se realizará sempre no edifício onde a companhia tiver a sede12, tem poderes para decidir todos os negócios relativos ao
objeto da companhia e tomar as resoluções que julgar convenientes à sua
defesa e desenvolvimento, competindo-lhe, privativamente: (i) reformar o
estatuto social; (ii) eleger ou destituir, a qualquer tempo, os administradores e fiscais da companhia; (iii) tomar, anualmente, as contas dos administradores e deliberar sobre as demonstrações financeiras por eles apresentadas; (iv) autorizar a emissão de debêntures; (v) suspender o exercício
dos direitos do acionista; (vi) deliberar sobre a avaliação de bens com que
o acionista concorrer para a formação do capital social; (vii) autorizar a
emissão de partes beneficiárias; (viii) deliberar sobre transformação, fusão,
incorporação e cisão da companhia, sua dissolução e liquidação, eleger e
destituir liquidantes e julgar-lhes as contas; e (ix) autorizar os administradores a confessar falência e pedir recuperação judicial ou extrajudicial.
11
Para as companhias abertas as ações preferenciais devem conferir ao seu titular outras preferências, as
quais poderão ser melhor detalhadas caso seja necessário.
Exceto em casos de força maior, quando ficará possibilitada a realização de outro local, mas nunca fora
da cidade onde está localizada a sede da companhia.
12
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
27
3.6.2. Competência e Formas de Convocação
Compete ao conselho de administração, se houver, ou aos diretores, observado o disposto no estatuto. Além disso, a assembleia geral pode também ser convocada: (i) pelo conselho fiscal, nos casos de urgência ou se
os administradores por mais de um mês a convocação da assembleia geral
ordinária; (ii) por qualquer acionista, quando os administradores retardarem, por mais de 60 (sessenta) dias, a convocação nos casos previstos em
lei ou no estatuto; (iii) por acionistas que representem cinco por cento, no
mínimo, do capital social, quando os administradores não atenderem, no
prazo de oito dias, a pedido de convocação que apresentarem, devidamente fundamentado, com indicação das matérias a serem tratadas; (iv) por
acionistas que representem cinco por cento, no mínimo, do capital votante,
ou cinco por cento, no mínimo, dos acionistas sem direito a voto, quando
os administradores não atenderem, no prazo de oito dias, a pedido de convocação de assembleia para instalação do conselho fiscal.
A convocação far-se-á mediante anúncio publicado por 3 (três) vezes, no
mínimo, contendo, além do local, data e hora da assembleia, a ordem do
dia, e, no caso de reforma do estatuto, a indicação da matéria, devendo a
primeira convocação da assembleia geral deverá ser feita: (i) na companhia
fechada, com 8 (oito) dias de antecedência, no mínimo, contado o prazo
da publicação do primeiro anúncio; não se realizando a assembléia, será
publicado novo anúncio, de segunda convocação, com antecedência mínima de 5 (cinco) dias; (ii) na companhia aberta, o prazo de antecedência da
primeira convocação será de 15 (quinze) dias e o da segunda convocação
de 8 (oito) dias.
Independentemente das formalidades previstas da LSA, será considerada regular a assembleia geral a que comparecerem todos os acionistas,
ficando a companhia dispensada da publicação de convocação.
3.6.3. “Quorum” de Instalação
Ressalvadas as exceções previstas em lei, a assembleia geral instalar-seá, em primeira convocação, com a presença de acionistas que representem,
no mínimo, 1/4 (um quarto) do capital social com direito de voto e em
segunda convocação instalar-se-á com qualquer número.
28
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
3.6.4. “Quorum” das Deliberações
De regra as deliberações da assembleia geral são tomadas por maioria
absoluta de votos, não se computando os votos em branco, ficando possibilitado à companhia fechada prever no estatuto quorum maior para certas
deliberações, desde que especifique as matérias.
Todavia, o art. 136 da LSA fixa algumas matérias em que é necessária a aprovação de acionistas que representem metade, no mínimo, das
ações com direito a voto, se maior quorum não for exigido pelo estatuto
da companhia cujas ações não estejam admitidas à negociação em bolsa
ou no mercado de balcão, quais sejam; (i) criação de ações preferenciais
ou aumento de classe de ações preferenciais existentes, sem guardar proporção com as demais classes de ações preferenciais, salvo se já previstos
ou autorizados pelo estatuto; (ii) alteração nas preferências, vantagens e
condições de resgate ou amortização de uma ou mais classes de ações
preferenciais, ou criação de nova classe mais favorecida; (iii) redução do
dividendo obrigatório; (iv) fusão da companhia, ou sua incorporação em
outra; (v) participação em grupo de sociedades; (vi) mudança do objeto da
companhia; (vii) cessação do estado de liquidação da companhia; (viii)
criação de partes beneficiárias; (ix) cisão da companhia; (x) dissolução da
companhia.
No caso de empate, se o estatuto não estabelecer procedimento de arbitragem e não contiver norma diversa, a assembleia será convocada, com
intervalo mínimo de 2 (dois) meses, para votar a deliberação; se permanecer o empate e os acionistas não concordarem em cometer a decisão a um
terceiro, caberá ao Poder Judiciário decidir, no interesse da companhia.
Importante salientar que a aprovação das matérias previstas nos incisos
(i) a (vi) e (ix) do art. 136 dá ao acionista dissidente o direito de retirar-se
da companhia no prazo de 30 (trinta) dias contado da publicação da ata da
assembleia geral, mediante reembolso do valor das suas ações, observadas
as seguintes normas: (i) nos casos (i) e (ii), somente terá direito de retirada
o titular de ações de espécie ou classe prejudicadas; (ii) nos casos (iv) e (v),
não terá direito de retirada o titular de ação de espécie ou classe que tenha
liquidez e dispersão no mercado, (iii) no caso (ix), somente haverá direito
de retirada se a cisão implicar: mudança do objeto social, salvo quando o
patrimônio cindido for vertido para sociedade cuja atividade preponderan-
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
29
te coincida com a decorrente do objeto social da sociedade cindida, redução do dividendo obrigatório, ou participação em grupo de sociedades;
3.6.5. Assembleia Geral Ordinária
3.6.5.1. Periodicidade e Competência
Anualmente, nos 4 (quatro) primeiros meses seguintes ao término do
exercício social, deverá haver 1 (uma) assembleia geral para: (i) tomar as
contas dos administradores, examinar, discutir e votar as demonstrações
financeiras; (ii) deliberar sobre a destinação do lucro líquido do exercício e
a distribuição de dividendos; (iii) eleger os administradores e os membros
do conselho fiscal, quando for o caso; (iv) aprovar a correção da expressão
monetária do capital social
3.6.5.2. Documentos da Administração
Os administradores devem comunicar, até um mês antes da data marcada para a realização da assembleia geral ordinária, por anúncios publicados na forma prevista acima, que se acham à disposição dos acionistas: (i)
o relatório da administração sobre os negócios sociais e os principais fatos
administrativos do exercício findo; (ii) a cópia das demonstrações financeiras; (iii) o parecer dos auditores independentes, se houver; (iv) o parecer
do conselho fiscal, inclusive votos dissidentes, se houver; e (v) demais documentos pertinentes a assuntos incluídos na ordem do dia.
A assembleia geral que reunir a totalidade dos acionistas poderá considerar sanada a falta de publicação dos anúncios ou a inobservância dos
prazos referidos neste artigo; mas é obrigatória a publicação dos documentos antes da realização da assembléia.
Em média, os custos incorridos pela companhia para a publicação dos documentos exigidos pela LSA variam entre R$ 12.000,00 a R$ 17.000,00.
3.6.6. Assembleia Geral Extraordinária
A assembleia geral extraordinária pode ser convocada a qualquer tempo,
competindo-lhe deliberar sobre qualquer outra matéria que não seja de
30
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
competência da assembleia geral ordinária, nada impedindo, todavia, que
ambas sejam, cumulativamente, convocadas e realizadas no mesmo local,
data e hora, instrumentadas em ata única.
3.7.Da Administração da Companhia
A administração da companhia competirá, conforme dispuser o estatuto, ao conselho de administração e à diretoria, ou somente à diretoria.
3.7.1. Do Conselho de Administração
O conselho de administração é obrigatório somente nas companhias abertas, sociedades de economia mista e companhias de capital
autorizado. Sua composição será de, no mínimo, 3 (três) membros,
obrigatoriamente acionistas, residentes ou não no País, eleitos pela
assembleia geral para um mandato não superior a 3 (três) anos, permitida a reeleição, com possibilidade de destituição a qualquer tempo. O
estatuto poderá prever a participação no conselho de representantes
dos empregados, escolhidos pelo voto destes, em eleição direta, organizada pela empresa, em conjunto com as entidades sindicais que os
representem.
Sem prejuízo de outras matérias prevista do estatuto social, ao conselho
de administração competirá: (i) fixar a orientação geral dos negócios da
companhia; (ii) eleger e destituir os diretores da companhia e fixar-lhes as
atribuições, observado o que a respeito dispuser o estatuto; (iii) fiscalizar
a gestão dos diretores, examinar, a qualquer tempo, os livros e papéis da
companhia, solicitar informações sobre contratos celebrados ou em via de
celebração, e quaisquer outros atos; (iv) convocar a assembleia geral quando julgar conveniente; (v) manifestar-se sobre o relatório da administração
e as contas da diretoria; (vi) manifestar-se previamente sobre atos ou contratos, quando o estatuto assim o exigir; (vii) deliberar, quando autorizado
pelo estatuto, sobre a emissão de ações ou de bônus de subscrição; (viii)
autorizar, se o estatuto não dispuser em contrário, a alienação de bens do
ativo não circulante, a constituição de ônus reais e a prestação de garantias
a obrigações de terceiros; (ix) escolher e destituir os auditores independentes, se houver.
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
31
3.7.2. Da Diretoria
A Diretoria, órgão de representação da companhia, deve ser composta por
2 (dois) ou mais diretores, acionistas ou não, residentes no País, eleitos e destituíveis a qualquer tempo pelo conselho de administração, ou, se inexistente, pela assembleia geral, devendo o estatuto estabelecer. O prazo de gestão
não poderá ser superior a 3 (três) anos, permitida, porém, a reeleição.
Os membros do conselho de administração, até o máximo de 1/3 (um
terço), poderão ser eleitos para cargos de diretores.
3.8.Do Conselho Fiscal
3.8.1. Composição e Funcionamento
O conselho fiscal pode ser composto de, no mínimo, 3 (três) e, no máximo, 5 (cinco) membros, e suplentes em igual número, acionistas ou não,
eleitos pela assembléia-geral. Quando o funcionamento não for permanente, o conselho fiscal será instalado pela assembleia geral a pedido de acionistas que representem, no mínimo, 0,1 (um décimo) das ações com direito
a voto, ou 5% (cinco por cento) das ações sem direito a voto, e cada período
de seu funcionamento terminará na primeira assembleia geral ordinária
após a sua instalação.
3.8.2. Requisitos, Impedimentos e Remuneração
Somente
podem ser eleitos para o conselho fiscal pessoas naturais,
residentes no País, diplomadas em curso de nível universitário, ou que
tenham exercido por prazo mínimo de 3 (três) anos, cargo de administrador
de empresa ou de conselheiro fiscal.
Não podem ser eleitos para o conselho fiscal membros de órgãos de administração e empregados da companhia ou de sociedade controlada ou do
mesmo grupo, e o cônjuge ou parente, até terceiro grau, de administrador
da companhia.
A remuneração dos membros do conselho fiscal, além do reembolso,
obrigatório, das despesas de locomoção e estada necessárias ao desempe-
32
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
nho da função, será fixada pela assembleia geral que os eleger, e não poderá ser inferior, para cada membro em exercício, a dez por cento da que, em
média, for atribuída a cada diretor, não computados benefícios, verbas de
representação e participação nos lucros.
3.8.3. Competência do Conselho Fiscal
Compete
ao conselho fiscal: (i) fiscalizar, por qualquer de seus membros, os atos dos administradores e verificar o cumprimento dos seus deveres legais e estatutários; (ii) opinar sobre o relatório anual da administração, fazendo constar do seu parecer as informações complementares que
julgar necessárias ou úteis à deliberação da assembleia geral; (iii) opinar
sobre as propostas dos órgãos da administração, a serem submetidas à
assembleia geral, relativas a modificação do capital social, emissão de debêntures ou bônus de subscrição, planos de investimento ou orçamentos
de capital, distribuição de dividendos, transformação, incorporação, fusão
ou cisão; (iv) denunciar, por qualquer de seus membros, aos órgãos de
administração e, se estes não tomarem as providências necessárias para a
proteção dos interesses da companhia, à assembleia geral, os erros, fraudes ou crimes que descobrirem, e sugerir providências úteis à companhia;
(v) convocar a assembleia geral ordinária, se os órgãos da administração
retardarem por mais de 1 (um) mês essa convocação, e a extraordinária,
sempre que ocorrerem motivos graves ou urgentes, incluindo na agenda
das assembleias as matérias que considerarem necessárias; (vi)analisar, ao
menos trimestralmente, o balancete e demais demonstrações financeiras
elaboradas periodicamente pela companhia; (vii) examinar as demonstrações financeiras do exercício social e sobre elas opinar; (viii) exercer essas
atribuições, durante a liquidação, tendo em vista as disposições especiais
que a regulam.
3.8.4. Deveres e Responsabilidades dos Conselheiros Fiscais
Os membros do conselho fiscal têm os mesmos deveres dos administradores e respondem pelos danos resultantes de omissão no cumprimento de
seus deveres e de atos praticados com culpa ou dolo, ou com violação da
lei ou do estatuto.
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
33
3.9.Do Lucro, Reservas e Dividendos
A LSA estabelece os critérios para a distribuição dos resultados operacionais auferidos pela companhia dentro do exercício social. Primeiramente, há a dedução dos prejuízos acumulados e a provisão para o Imposto
sobre a Renda. Logo após, abatem-se as participações estatutárias de empregados, administradores e partes beneficiárias, sucessivamente e nessa
ordem. O saldo destas deduções é chamado lucro líquido.
Deste lucro líquido, é obrigatória a retenção de 5% (cinco por cento) para a
constituição da reserva legal13, que não excederá de 20% (vinte por cento) do
capital social14. O saldo poderá ser direcionado para reservas legais ou estatutárias, conforme o que for decidido pela assembleia geral ou previsto no estatuto,
observado o limite máximo equivalente ao valor do capital social. Atingindo
esse limite, a assembléia deliberará sobre aplicação do excesso na integralização, no aumento do capital social ou na distribuição de dividendos.
Após realizadas as deduções acima, tem-se os dividendos, que podem
ser classificados da seguinte forma: (i) dividendos obrigatórios: percentual fixado no estatuto, ou, caso este nada preveja a respeito, metade do
lucro líquido do exercício diminuído ou acrescido dos seguintes valores:
(a) importância destinada à constituição da reserva legal; e (b) importância
destinada à formação da reserva para contingências e reversão da mesma
reserva formada em exercícios anteriores15; (ii) dividendos fixos ou mínimos: é um valor determinado com base em um critério objetivo previsto no estatuto social. (iii) dividendos intermediários: são os dividendos
distribuídos ao longo do exercício social, apurados com base em balanço
especialmente levantado ou à conta de lucros acumulados ou de reservas
de lucros existentes no último balanço anual ou semestral.
A assembleia geral pode, desde que não haja oposição de qualquer
acionista presente, deliberar a distribuição de dividendo inferior ao obrigatório, nos termos deste artigo, ou a retenção de todo o lucro líquido.
13
A reserva legal tem por fim assegurar a integridade do capital social e somente poderá ser utilizada para
compensar prejuízos ou aumentar o capital.
14
A companhia poderá deixar de constituir a reserva legal no exercício em que o saldo dessa reserva,
acrescido do montante das reservas de capital exceder de 30% (trinta por cento) do capital social.
Quando o estatuto for omisso e a assembléia-geral deliberar alterá-lo para introduzir norma sobre a matéria,
o dividendo obrigatório não poderá ser inferior a 25% (vinte e cinco por cento) do lucro líquido ajustado.
15
34
George Lippert Neto e Juliano Langaro da Silva
O dividendo deverá ser pago, salvo deliberação em contrário da assembleia geral, no prazo de 60 (sessenta) dias da data em que for declarado e,
em qualquer caso, dentro do exercício social.
4. SOCIEDADE EM CONTA DE PARTICIPAÇÃO
4.1 Aspectos Gerais
Já regulada pelos artigos 325 e 328 do Código Comercial, a Sociedade
em Conta de Participação foi acolhida pelo Código Civil em seus artigos
991 a 996, na parte que trata das sociedades não personificadas.
De forma bastante objetiva, a SCP é constituída por meio da celebração
de um contrato bilateral, consensual e aleatório, em que as partes contratantes visam à realização de um empreendimento comum e a partilha de seus
resultados. Desta maneira, a SCP não tem personalidade jurídica ou nome
empresarial, tampouco é oponível perante terceiros, por isso mesmo é que,
segundo Amador Paes de Almeida, a SCP “é uma sociedade sui generis,
com características que a distinguem das demais espécies societárias.”16
4.2 Funcionamento da SCP
Pelo contrato de SCP, a parte detentora do capital necessário para a realização do empreendimento (sócio participante) obriga-se a fornecer recursos à outra parte (sócio ostensivo), a qual, por sua vez, obriga-se a realizar,
em seu nome e sob sua responsabilidade, todos os atos e negócios jurídicos
perante terceiros.
Nesta mecânica, portanto, ao sócio participante resta tão somente o poder de fiscalizar a “gestão” de seus recursos pelo sócio ostensivo. Qualquer
interferência que o sócio participante tiver nas relações comerciais do sócio ostensivo acarretará em sua responsabilidade solidária.
Após concluído do empreendimento, os resultados auferidos serão distribuídos às partes (sócios) na proporção ajustada e na forma de lucro.17
16
ALMEIDA, Amador Paes de. Manual das Sociedade Comerciais: Direito de Empresa. 14ª Ed. São
Paulo: Saraiva, 2004.
17
No caso Conforme o Decreto Lei 2.303/86, art. 7º, em relação à tributação, a “SCP” é equiparada a uma
pessoa jurídica “para os efeitos da legislação do imposto de renda”
TIPOS SOCIETÁRIOS E FORMAS DE ASSOCIAÇÃO
35
4.3 Da Dissolução e Liquidação
A SCP dissolver-se-á nas seguintes hipóteses: (i) comum acordo entre as
partes; (ii) falência do sócio ostensivo18; e (iii) finalização do empreendimento. Conforme art. 994, § 3º, do Código Civil, falido o sócio participante, o contrato fica sujeito às normas que regulam os efeitos da falência nos
contratos bilaterais do falido.
Em relação à sua liquidação, esta ocorrerá na forma e nos termos da
prestação de contas reguladas pela lei processual civil.
4.4 Aplicação Subsidiária das Regras das Sociedades Simples
Segundo o art. 996 do Código Civil, aplica-se a SCP, no que for compatível, as regras das sociedade simples. Pode-se relacionar neste ponto
as regras concernentes ao sistema de deliberação por maioria forma de
participação nos lucros, responsabilidades do sócio ostensivo por atos de
gestão e o direito de retirada.19
5. CONCLUSÃO
Concluímos, a partir deste trabalho, que a legislação brasileira oferece
diversas oportunidades de negócios para o investidor nacional e estrangeiro. Isto vai depender do tipo de negócio que o empreendedor vai propor.
A legislação societária cria uma segurança jurídica para o empreendedor,
possibilitando um leque elevado de opções. Seja um tipo social mais tradicional, como as Sociedades Limitadas ou as Sociedades Anônimas, ou
ainda um tipo em crescente ascensão, no caso da Sociedade em Conta
de Participação, o importante é que há um sério crescimento e um maior
desenvolvimento na economia nacional, impulsionado em muito pela legislação societária, mantenedora dos direitos do investidor frente às intempéries cotidianas que os acometem.
18
O sócio participante, na falência do ostensivo, pode habilitar-se como credor quirografário, buscando
reaver o valor aportado na operação.
19
REQUIÃO, Rubens. Op. Cit.
A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
Miguel Hilú Neto
[email protected]
Mestre em Direito Tributário pela PUC/SP
Professor de Direito Tributário em diversos cursos de pós-graduação
Sócio do Hilú, Costódio Filho e Caron Baptista (Aliado em Curitiba/PR)
Paulo Roberto Coimbra Silva
[email protected]
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFMG
Professor da Faculdade de Direito da UMFG
Coordenador do Curso de Pós-Graduação do CEAJUFE
Sócio do Tostes & Coimbra (Aliado em Belo Horizonte/MG)
I.INTRODUÇÃO: O SISTEMA TRIBUTÁRIO BRASILEIRO
O sistema tributário brasileiro é, em grande medida, regulado pela
Constituição da República Federativa do Brasil, promulgada em 1988
(CR/88). Nela são encontradas as espécies de tributos passíveis de cobrança, a saber:
Tributo
Impostos
Conceito
Devidos em razão da manifestação de riqueza (capacidade
contributiva), mediante a ocorrência de ato ou situação com
conteúdo econômico previamente previstos em lei, independentemente de qualquer atividade estatal específica prestada
em favor dos contribuintes. Usualmente são apurados mediante a aplicação de um coeficiente (alíquota) sobre o valor da
riqueza manifesta (base de cálculo).
A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
Taxas
Contribuições
de Melhoria
Empréstimos
Compulsórios
Contribuições
Especiais
37
Cobradas em decorrência (i) da prestação de serviços públicos específicos e divisíveis ou (ii) do exercício do poder de
polícia pelo poder público. São estabelecidas em lei mediante
a definição de um valor fixo destinado ao custeio da atuação
específica da administração pública que a fundamenta (e.g.,
concessão de licenças ambientais, expedição de alvará para
construção).
Devidas se houver valorização imobiliária decorrente de
obras públicas. Na prática, raramente são instituídas.
Podem ser instituídos apenas em casos de (i) calamidade
pública, (ii) guerra externa ou sua iminência, ou, ainda, (iii)
para investimentos públicos de relevante interesse nacional e
em caráter de urgência. São identificados pela peculiaridade
de serem restituíveis: deverão ser posteriormente devolvidos
aos contribuintes. Raramente são instituídos.
Podem ser instituídas (i) no interesse de categorias profissionais ou econômicas, (ii) para a intervenção no domínio
econômico (CIDE), ou para (iii) o financiamento do sistema de
saúde publica, de previdência e de assistência social. Distinguem-se dos impostos pela vinculação do produto de sua arrecadação ao atendimento da carência que legitima sua cobrança (v. g., previdência e assistência sociais e saúde pública). São
devidas em razão da realização de diversos fatos geradores,
tais como o lucro líquido das pessoas jurídicas, pagamento e
recebimento de salários, o faturamento ou receita, etc.
Além de definir taxativamente as espécies de tributo no Brasil, a CR/88
limita o poder de tributar de três formas: (i) pela repartição da competência tributária (aptidão dos entes federados para instituir tributos mediante
lei), (ii) pela previsão de princípios constitucionais tributários e, (iii) pelas
imunidades (exclusão de certas pessoas ou situações do alcance da tributação).
Nesse rumo, a CR/88, a um só tempo, determina e restringe a competência
tributária de cada um dos entes federados (União, Estados, DF e Municípios). É
interessante observar que há diferentes critérios para a divisão da aptidão para
instituir tributos para cada uma das suas espécies. Confira-se:
38
Miguel Hilú Neto / Paulo Roberto Coimbra Silva
• quanto aos impostos, a repartição se deu levando em conta a riqueza
tributada;
• no que toca às taxas, a competência cabe ao ente federado que prestou o serviço público ou exerceu o poder de polícia;
• as contribuições de melhoria podem ser instituídas pela entidade
federativa que tiver realizado a obra pública da qual tenha decorrido
valorização imobiliária;
• os empréstimos compulsórios são de competência exclusiva da
União;
• salvo raras exceções, as demais contribuições também somente podem ser instituídas pela União.
Em síntese, assim se pode resumir a competência para a instituição dos
principais tributos no Brasil:
Tributo
União

Importação (II)

Exportação (IE)

Renda (IR)

Produtos industrializados (IPI - VAT Federal)
Impostos
 Operações de crédito, câmbio, seguro, e referentes a títulos e valores
mobiliários (IOF)
 Propriedade imobiliária rural (ITR)

Grandes Fortunas
(ainda não instituído, mas
em discussão)
Estados e DF
Municípios
e DF

Transmissão
causa mortis e doações (ITCMD)
 Propriedade
imobiliária urbana (IPTU)

Operações de
circulação de mercadorias e alguns serviços (VAT Estadual);
 Transmissão
de bens imóveis
por ato intervivos
e oneroso (ITBI);

Propriedade de
veículos automotores
(IPVA)

Serviços
(ISS - VAT Municipal)
A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
39
Taxas
 Para a remuneração
de eventuais atuações específicas da administração pública federal.
 Idem no âmbito
dos Estados e do DF.
 Idem no âmbito dos Municípios.
Contribuição de
Melhoria

Na hipótese de valorização imobiliária decorrente de obra pública
realizada pela União.
 Idem em relação
aos Estados e DF.
 Idem em relação aos Municípios.

Contribuições Sociais (sobre receitas, importações, lucro líquido e
folha de salários)
Contribuições
Especiais
 Contribuição de Intervenção no Domínio
Econômico (CIDE)

Contribuições no
Interesse de Categorias
Profissionais e Econômicas (Corporativas)
Empréstimos
Compulsórios
 Atualmente, inexistentes
O poder de criar e exigir tributos também encontra firmes peias nos
Princípios, dos quais se destacam os da:
• Legalidade (não há tributo sem lei);
• Irretroatividade (lei nova não pode tributar fato gerador ocorrido antes de sua vigência);
• Isonomia Tributária (devem ser tratados de forma equânime contribuintes em situações equivalentes);
• Capacidade Contributiva (deve haver pagamento de tributo conforme a capacidade econômica do contribuinte);
40
Miguel Hilú Neto / Paulo Roberto Coimbra Silva
• Anterioridade (ressalvadas poucas exceções, não pode haver cobrança
de tributo no mesmo exercício financeiro e antes de 90 dias da publicação da lei que os houver instituído ou aumentado), entre outros.
Outras restrições ao poder de tributar, previstas na CR/88, decorrem das
imunidades, erigidas para resguardar certos fatos (imunidades objetivas)
ou pessoas (imunidades subjetivas), de forma a evitar que a tributação possa estorvar a concreção de valores constitucionalmente albergados. Citem-se,
a título ilustrativo, as imunidades tributárias:
• do patrimônio, rendas e serviços dos entes federados;
• das instituições de educação e assistência social sem fins lucrativos;
• dos templos de qualquer culto;
• de livros, jornais, periódicos e do papel destinado à sua impressão; e
• quanto às contribuições, das receitas decorrentes de exportação.
Além da CR/88, merece destaque no sistema normativo tributário brasileiro o Código Tributário Nacional (CTN), que estatui as normas gerais
em matéria de tributação, bem como prescreve as linhas mestras de alguns
de seus principais tributos (e.g., as taxas, as contribuições de melhoria e os
impostos sobre a renda, sobre importações e sobre exportações).
Abaixo do CTN há uma grande quantidade de outros atos normativos
emanados pelo Poder Legislativo (leis complementares, leis ordinárias,
etc.) ou pelo Poder Executivo (decretos, instruções normativas, portarias,
etc.) de cada um dos entes federados, disciplinando aspectos específicos
dos tributos de suas respectivas competências.
II.OS PRINCIPAIS TRIBUTOS BRASILEIROS
Para facilitar a compreensão, os tributos mais relevantes no Brasil serão
classificados e expostos em função da natureza da riqueza tributada.
II.a- Tributos sobre o Patrimônio:
São cinco os principais tributos incidentes sobre o patrimônio, a saber:
A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
41

Imposto sobre a Propriedade Territorial Urbana (IPTU), de competência dos Municípios e do DF: incide anualmente e é cobrado
mediante a aplicação de uma alíquota (normalmente entre 0,5 e 2%)
sobre o valor venal (valor de mercado) dos imóveis urbanos (edificados ou não);
Imposto sobre a Propriedade Territorial Rural (ITR), de competên
cia da União: incide anualmente e é cobrado mediante a aplicação de
alíquotas progressivas, em proporção inversa aos graus de utilização e eficiência na exploração da propriedade rural, sobre o valor do
imóvel;
Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores (IPVA), de

competência dos Estados e do DF: incide anualmente sobre a propriedade de veículos automotores, com alíquotas que costumam variar, nos diversos Estados, entre 2% e 4% aplicadas sobre o valor dos
veículos;
Imposto sobre a Transmissão Causa Mortis e Doações (ITCMD),

de competência dos Estados e do DF: onera heranças, legados e doações. As alíquotas variam, nos diversos Estados, mas nunca superiores a 8%;
Imposto sobre a Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), de competên
cia dos Municípios e do DF: incide sobre a transferência, por ato intervivos e oneroso, de bens imóveis e direitos reais sobre eles incidentes,
a uma alíquota média de 2,5% (variam conforme os Municípios).
II.b- Tributos sobre a Renda:
II.b.i - Imposto sobre a Renda:
O Imposto sobre a Renda (IR) tem por contribuintes as pessoas físicas
(IRPF) e as pessoas jurídicas (IRPJ).
Imposto sobre a Renda das Pessoas Físicas (IRPF):

Resolução do Senado Federal n. 9 de 1992.
42
Miguel Hilú Neto / Paulo Roberto Coimbra Silva
O IRPF, em regra, incide sobre os rendimentos líquidos auferidos pelas
pessoas físicas residentes no país ou que, se não residentes, os tenham
recebido de fonte situada em território brasileiro. Desde que presentes
um dos mencionados genuine links (residência ou fonte), a incidência do
imposto alcança, de forma abrangente, todos o acréscimos patrimoniais
auferidos no decurso do exercício financeiro (que no Brasil coincide com
o ano-calendário ou ano-civil). Trata-se de um imposto progressivo, cujas
alíquotas variam de 0% a 27,5%. Há situações especiais, nas quais a tributação ocorre separadamente dos demais rendimentos, mediante regras
específicas e peculiares, como nas hipóteses de ganho de capital (15%) e
de rendimentos decorrentes de aplicações financeiras (em regra, alíquotas
regressivas, de 22,5% a 15%, conforme o tempo da aplicação).
Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas (IRPJ):

O IRPJ incide sobre o lucro das empresas, ajustado conforme a lei. Basicamente, há duas sistemáticas distintas para a sua apuração, a saber, o
lucro real e o lucro presumido.
O lucro real consiste na regra geral de apuração do lucro tributável.
Tomando como ponto de partida as receitas brutas (operacional e de transações eventuais) da empresa, são deduzidas as despesas, os custos, os
encargos, as perdas e as provisões permitidas em lei, de forma a apurar o
lucro líquido contábil, que será ajustado mediante adições (para anular o
efeito de despesas indedutíveis para fins fiscais) e exclusões (para expurgar
o efeito fiscal de receitas não tributáveis). A apuração pode ser trimestral
ou anual, neste último caso com antecipações mensais. Sua adoção é obrigatória para algumas empresas (especialmente instituições financeiras,
São residentes, para fins fiscais, todos os brasileiros que não tenham saído definitivamente do território nacional e os estrangeiros com visto permanente ou que
passarem mais de 183 dias no Brasil no período de 12 meses.
Tais rendimentos, no momento de sua remessa ao exterior, sujeitam-se à retenção
do IRPF pela fonte pagadora/remetente.
O IRPF é devido em bases universais, ou seja, incide sobre os rendimentos dos
residentes no Brasil, independentemente de haverem sido auferidos no Brasil ou no
exterior. O IRPF alcança, igualmente, os rendimentos de não residentes, independente de sua nacionalidade, oriundos de fonte situada no Brasil, tributação a qual
se realiza mediante retenções no momento da remessa do numerário ao exterior.
A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
43
pessoas jurídicas com receitas superiores a R$ 48 milhões no ano-calendário anterior e empresas que tenham rendimentos ou ganhos de capital
oriundos do exterior).
Não havendo obrigatoriedade de adoção do lucro real, é possível às pessoas jurídicas fazerem opção pela sistemática de apuração intitulada lucro
presumido. Nessa modalidade, o recolhimento é trimestral e o lucro tributável corresponde a um percentual da receita bruta pré-estabelecido em lei,
de acordo com a atividade que a tenha ensejado.
A alíquota básica do IRPJ é de 15%, acrescida de um adicional de 10%
sobre o montante do lucro que exceder R$ 20 mil ao mês.
São contribuintes do IRPJ todas as empresas que tenham sede ou estabelecimento permanente no Brasil e, como no IRPF, a tributação se dá em
bases universais. Além disso, também são contribuintes os estrangeiros
sobre rendimentos de fonte brasileira, mediante retenção.
II.b.ii – Contribuição Social sobre o Lucro (CSL)
A Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), uma das contribuições sociais
existentes no Brasil, tem seu produto da arrecadação destinado à previdência
e à assistência social. Esta contribuição segue a mesma sistemática do IRPJ,
com pequenas modificações, dentre as quais se destaca o percentual de presunção de lucro fixado em 12% para as empresas comerciais e industriais
optantes por tal sistemática de apuração. A sua alíquota é de 9%.
Portanto, no caso das pessoas jurídicas, a tributação sobre seus lucros poderá alcançar um total de 34% (15% do IRPJ, 10% de adicional do IRPJ e 9% de
CSL). D’outra margem, vale destacar que, uma vez tributado o lucro na pessoa
jurídica, a distribuição de dividendos aos seus sócios ou acionistas é isenta.
II.c- Tributos sobre o Consumo
Imposto sobre Operações de Circulação de Mercadorias e sobre a

Prestação de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal
e de Comunicações (ICMS).
O lucro presumido das atividades industriais e comerciais corresponde a 8% das
receitas brutas, enquanto para os serviços, em geral, equivale a 32%.
Lei Federal nº 9.249, art. 10.
44
Miguel Hilú Neto / Paulo Roberto Coimbra Silva
Este imposto, de competência dos Estados, incide sobre as operações de
vendas de mercadorias e sobre as prestações dos serviços citados no título. Sua regulamentação geral, em âmbito nacional, está disposta em Leis
Complementares, especialmente a de nº 87/1996.
O ICMS também incide sobre a importação de mercadorias, no momento do seu desembaraço aduaneiro.
Esse imposto, sob inspiração do IVA europeu, é não-cumulativo, consistindo numa espécie de imposto sobre o valor agregado. Na sistemática
brasileira, por ocasião da entrada das mercadorias no estabelecimento do
contribuinte, os valores pagos a título de imposto em operações anteriores
são tomados como créditos e deduzidos dos débitos gerados nas operações
subseqüentes (saídas de mercadorias do estabelecimento).
São contribuintes do ICMS os comerciantes, industriais e produtores rurais,
além de todos os importadores. Suas alíquotas variam de Estado para Estado
e, não raro, em razão da mercadoria. Nas operações interestaduais, como forma de dividir os valores arrecadados entre os Estados de origem e de destino,
se a operação se destina a consumidor final, o ICMS é devido ao Estado de
origem; se a operação tem como destinatário contribuinte do imposto, parte é
cobrado pelo Estado de origem e parte pelo Estado de destino.
Por ser digno de destaque, importante frisar que a exportação de mercadorias é imune ao ICMS, garantida a manutenção dos créditos gerados por
ocasião de suas aquisições.

Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI).
O IPI é da competência da União e incide sobre operações de industrialização, assim entendidas quaisquer operações que modifiquem a natureza ou a finalidade de um produto, ou o aperfeiçoem para o consumo.
As alíquotas variam conforme o produto industrializado objeto da operação.
Além dos industrializadores, também são contribuintes, por equiparação legal, os importadores, vez que, como o ICMS também incide nas
importações de produtos industrializados. Igualmente, há imunidade do
IPI sobre as exportações.
Imposto sobre Serviços (ISS)

A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
45
Imposto da competência dos Municípios, o ISS incide sobre a prestação
de serviços não sujeitos à incidência do ICMS. Suas regras gerais estão
definidas na Lei Complementar nº 116/2003.
São contribuintes do imposto os prestadores de serviços. Há casos em
que o dever de recolher tal imposto é atribuído aos tomadores de serviços,
mediante retenção. Sua base de cálculo, em regra, é o valor do serviço.
Suas alíquotas são fixadas pelo Município competente, entre 2% e 5%.
Respeitados tais limites, costumam as alíquotas variar em função do tipo
de serviço prestado.
A exportação de serviços é imune, não se sujeitando, pois, ao ISS.
Contribuição ao Programa de Integração Social (PIS) e Contribui
ção para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS).
Tratam-se desses dois tributos conjuntamente, dada a similaridade das
suas regulações.
PIS e COFINS são contribuições sociais que incidem sobre as receitas
das empresas, independente se provenientes da venda de serviços ou de
mercadorias (industrializadas o não). São seus contribuintes, em geral, todas as pessoas jurídicas estabelecidas no país.
Suas bases de cálculo são as receitas brutas das empresas, podendo ser
apuradas pela (i) sistemática não-cumulativa (aplicável, como regra, aos
optantes pelo lucro real para fins de IRPJ), mediante a qual aplicam-se as
alíquotas (neste caso de 7,6% para a COFINS e de 1,65% para o PIS) sobre a receita ajustada, mas permite-se o abatimento de créditos calculados
pela aplicação das mesmas alíquotas sobre valores pagos a outras pessoas
jurídicas a título de aquisição de insumos e demais despesas essenciais à
atividade fim da empresa; ou pela (ii) sistemática cumulativa (aplicável,
como regra, aos optantes pelo lucro presumido para fins de IRPJ), mediante a qual não há a possibilidade de aproveitamento de créditos, mas as
alíquotas são mais baixas (3% para a COFINS e 0,65% para o PIS).
A exemplo do ICMS, IPI e ISS, há previsão expressa de imunidade dessas contribuições sobre receitas de exportação e, igualmente, incidem elas
nas importações.
Contribuições de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE).

46
Miguel Hilú Neto / Paulo Roberto Coimbra Silva
Tratam-se de tributos destinados a financiar a intervenção do Estado em
algum domínio econômico. Dentre elas se destacam aquelas incidentes sobre a venda de combustíveis e sobre a remessa de royalties para o exterior.
II.d- Tributos sobre a Mão de Obra.
Para financiar os sistemas de saúde e de previdência e assistência sociais
brasileiros, há diversas contribuições, de competência da União, incidentes
sobre a remuneração da mão-de-obra, seja mediante pagamento de salários (relação de emprego) ou de pro labore (autônoma).
Destacam-se as contribuições previdenciárias a cargo da empresa (i)
correspondente a 20% sobre o valor da folha de salários e sobre o pagamento a autônomos; e (ii) aquela para cobrir os riscos de acidentes de trabalho à razão de 0,5% a 6% sobre o valor da folha, a depender da atividade
da empresa e do volume de acidentes de trabalho que registra.
II.e- Tributos sobre o Comércio Exterior
Além da incidência do ICMS, do IPI, e de PIS/COFINS, as importações
estão sujeitas ao pagamento do imposto sobre importações (II).
Este imposto, de competência da União, tem por base de cálculo o valor
dos produtos importados, determinado pelos métodos previstos no Acordo
sobre Valoração Aduaneira, firmado no âmbito do GATT/OMC.
Suas alíquotas estão previstas na Tarifa Externa Comum (e suas exceções),
firmada no âmbito do MERCOSUL. As importações de países do MERCOSUL
não são sujeitas, salvo exceções, à incidência do imposto sobre importações.
Nas exportações, igualmente há a possibilidade de incidência de um
imposto (IE). Entretanto, dadas razões de política fiscal, raros são os produtos tributados pelo imposto sobre exportações (especialmente cigarros
e afins, couros e armas). As alíquotas, nos raros casos em que incidem,
variam conforme o produto.
III. REGIMES ESPECIAIS DE TRIBUTAÇÃO
Por entendermos importante, expomos alguns regimes especiais de tributação.
A TRIBUTAÇÃO NO BRASIL
47
a) REPETRO:
O Repetro consiste em Regime Aduaneiro Especial de Exportação e de
Importação de bens destinados às atividades de pesquisa e de lavra das
jazidas de petróleo e de gás natural. Tem por objetivo incentivar o desenvolvimento da indústria petrolífera brasileira.
Nos termos deste regime é permitido realizar a importação, com suspensão dos tributos federais, de matérias primas, produtos semi-elaborados ou acabados, partes e peças utilizados na fabricação de embarcações,
máquinas, aparelhos, instrumentos, ferramentas, plataformas e veículos
aplicados nas atividades de pesquisa e produção das jazidas de petróleo e
gás natural. Para aproveitamento deste benefício os bens produzidos devem ser submetidos à uma exportação ficta em que as mercadorias alienadas são juridicamente transferidas para sociedade no exterior, apesar de
permanecem em território nacional com a suspensão de tributos federais
mediante o regime de admissão temporária.
b) REPORTO:
O Reporto é um Regime Tributário para Incentivo à Modernização e à
Ampliação da Estrutura Portuária, cujo escopo é favorecer a incremento
da infra-estrutura do país.
Este regime permite a importação de máquinas, equipamentos, peças
de reposição e ainda outros bens, com a suspensão do pagamento dos tributos federais, quando destinados ao ativo imobilizado de beneficiário,
para utilização exclusiva em portos na execução de serviços de carga,
descarga, movimentação de mercadorias, dragagem e ainda na execução
de treinamento e formação de trabalhadores em Centros de Treinamento
Profissional.
Decreto n.º 6.759/09, arts. 458 a 462.
Decreto n.º 6.759/09, arts. 471 a 475.
Imposto sobre Importações (II), Imposto sobre produtos industrializados (IPI),
PIS-Importação e COFINS-Importação.
48
Miguel Hilú Neto / Paulo Roberto Coimbra Silva
c) REIDI
Por meio do Regime Especial de Incentivos para o Desenvolvimento da
Infra-Estrutura (REIDI)10, o Governo Federal brasileiro busca incentivar
investimentos nos setores de transportes, portos, energia, saneamento básico e irrigação.
Fundamentalmente, o REIDI permite, às empresas que forem habilitadas no regime, a aquisição de produtos sem a incidência de PIS e de COFINS, o que gera significativa economia no custo dos investimentos.
d) DRAWBACK
O Drawback é um dos regimes aduaneiros especiais vigentes no Brasil.
Consiste ele, basicamente, na possibilidade de importação de produtos,
sem a incidência de impostos (isenção ou suspensão), que serão aplicados
na produção de bens a serem exportados.
A legislação foi aperfeiçoada de forma a permitir que as aquisições no
mercado interno de mercadorias a serem aplicadas na industrialização de
bens destinados à exportação também se façam sem a incidência de tributos. Portanto, é um regime muito interessante para as empresas que desejem industrializar produtos no país para exportação, utilizando insumos
importados ou nacionais.
10
Lei nº 11.488/07, art. 1º a 5º
TRANSFER PRICING:
BREVES CONSIDERAÇÕES
Luís Eduardo Schoueri
Mestre em Direito pela Universidade de Munique
Doutor em Direito Tributário pela Faculdade de
Direito da Universidade de São Paulo. Sócio do Lacaz Martins,
Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados
I.Introdução
A disciplina dos preços de transferência somente foi introduzida no Brasil no ano de 1996, com a Lei nº 9.430, seguindo uma tendência verificada
em âmbito internacional. Quase quinze anos se passarem desde então, e a
matéria dos preços de transferência ainda não se encontra suficientemente
desenvolvida no Brasil, onde sequer se cogita de uma série de discussões
que são extremamente relevantes em outros países.
Por outro lado, cada vez mais as empresas se preocupam com o tema, e
acabam por mobilizar exércitos de profissionais para auxiliarem no cálculo
dos preços de transferência em suas relações comerciais com empresas
ligadas e no entendimento das normas legais e infralegais que tratam do
assunto.
Ademais, após a introdução dos preços de transferência no Brasil, a fiscalização federal instituiu delegacias para tratar especificamente de assuntos internacionais, cujo enfoque revelou-se ser as questões de transfer
pricing. Assim, já no ano de 1998, tiveram início diversos procedimentos
fiscalizatórios específicos sobre o tema, cujos desfechos, na esfera administrativa, são bastante recentes.
Dentro de tal cenário, o propósito do presente artigo é apresentar brevemente a matéria dos preços de transferência, sobretudo sob a perspectiva
do Brasil. Assim, o conceito de preços de transferência e os principais
contornos desse instituto na legislação tributária brasileira serão analisados, de modo a evidenciar a importância do tema na era da economia
50
Luís Eduardo Schoueri
globalizada vivenciada na atualidade. Desta forma, não tem este estudo a
pretensão de se aprofundar nas diversas questões polêmicas que envolvem
a regulamentação dos preços de transferência no Brasil, tampouco discutir
a constitucionalidade ou a legalidade das normas que tratam do assunto.
II. Conceito de preços de transferência
Por preço de transferência entende-se o valor cobrado por uma empresa
na venda ou transferência de bens, serviços ou propriedade intangível, a
empresa a ela relacionada. Tratando-se de preços que não se negociaram
em um mercado livre e aberto, podem eles desviar-se daqueles que teriam
sido acertados entre parceiros comerciais não relacionados, em transações
comparáveis nas mesmas circunstâncias.
Assim, a legislação de preços de transferência trata das transações que
ocorrem entre partes vinculadas, as quais se diferenciam das relações entre partes independentes pela inexistência do mercado atuando na fixação
dos preços praticados.
De fato, em um mercado competitivo, partes independentes relacionamse comercialmente de tal forma que cada qual busca trazer para si as maiores vantagens possíveis, surgindo dessa tensão em cada transação o que se
denominada “preço de mercado”, que nada mais é do que o parâmetro para
distribuir a riqueza entre as partes.
Não se pretende aqui discutir o fenômeno da globalização e seus múltiplos significados, mas não se pode negar que, a partir dele, ocorreram
diversas mudanças nas relações comerciais internacionais. Como exemplo, basta imaginar que antes, para expandir seus mercados, as empresas
instalavam-se em diversos países, mantendo em cada qual uma unidade
econômica distinta e concorrente. Nos dias de hoje, os grupos transnacionais acabam por concentrar suas atividades em grandes unidades, que
transacionam mundialmente.
Desta forma, se antes uma empresa do ramo automobilístico pretendesse atuar internacionalmente, instalaria uma unidade produtiva em cada
mercado relevante, a qual produziria localmente e exploraria o mercado
Cf. “transfer pricing” (verbete), in LYONS, Susan M. (edit.), International Tax
Glossary, 3ª ed., Amsterdã, International Bureau of Fiscal Documentation, 1996.
TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES
51
daquela região. O resultado (lucro ou prejuízo) daquela referida unidade
poderia ser facilmente apurado.
Atualmente, na concentração de atividades realizadas pelos grandes
grupos internacionais, uma empresa localizada em um país fabrica apenas
pneus, enquanto outra se encarrega da produção de carrocerias, e assim sucessivamente. Nessa nova estrutura, ocorre um evidente ganho de escala,
decorrente da especialização.
De outra parte, perde-se o parâmetro do mercado, já que os preços praticados em cada unidade, tal como a de pneus ou de carrocerias, serão
decididos internamente, no âmbito do grupo, e levando-se em conta outros
fatores que não o mercado, tais como interesses políticos ou tributários.
Por essa razão, o lucro contábil não é um parâmetro necessariamente confiável para que se apure a riqueza gerada pela pessoa jurídica. Uma vez que
tal lucro é o resultado aritmético das transações efetuadas, ele apenas servirá
de medida da renda se os negócios se celebrarem ente partes independentes.
Assim, a idéia de que o lucro contábil serviria como base para apurar a renda
ganha uma condicionante: tal lucro deve refletir preços de mercado.
O que fazer, então, quando as transações se efetuaram entre partes ligadas? Do mesmo modo, o lucro contábil apenas servirá como medida
da renda da pessoa jurídica se os preços de tais transações forem os de
mercado. Não o sendo, substituem-se os valores das transações concretas
pelos preços de mercado, e chegar-se-á a um lucro, diverso do contábil, que
melhor refletirá a renda da pessoa jurídica.
É justamente esse o objetivo da legislação de preços de transferência: substituir os preços das transações entre partes ligadas pelos preços de mercado,
de modo a aferir com maior exatidão a riqueza gerada pela empresa.
Em outros termos, pode-se dizer que enquanto a moeda utilizada nas
transações comerciais realizadas entre partes ligadas está expressa na unidade que chamaremos aqui de “reais de grupo”, empresas independentes
têm seus resultados expressos em “reais de mercado”.
Nesse sentido, o papel da legislação de preços de transferência é apenas o de “converter” preços expressos em “reais de grupo” para “reais de
mercado”, possibilitando, daí, que se possa efetivamente comparar contribuintes que transacionam com partes independentes e aqueles que o fazem
com partes vinculadas.
52
Luís Eduardo Schoueri
Verifica-se, desta forma, que a legislação de preços de transferência não
distorce os resultados da empresa, mas apenas “converte” para uma mesma unidade de referência (“reais de mercado”) a mesma realidade expressa
noutra unidade. Como conseqüência, apenas se tolera a substituição dos
preços praticados em uma transação se em seu lugar se registrarem valores
que representem com maior exatidão os preços de mercado.
A determinação do preço de mercado é tarefa que, na doutrina internacional, se consolidou em torno do princípio arm’s length. Em síntese,
por este princípio, busca-se o preço que partes independentes fixariam,
em transações celebradas em condições em tudo similares às da transação
concreta, exceto pela circunstância de esta ter sido celebrada entre partes
relacionadas.
Desta maneira, entende-se que o preço arm’s length deve observar as
seguintes características:
• Análise transacional: o preço arm’s length deve ser estabelecido a
partir de uma transação identificada;
• Comparação (ou similaridade): a transação identificada deve ser
comparada com outra transação, similar ou idêntica, hipotética ou
real, com características idênticas ou similares;
• Contrato de direito privado: o preço arm’s length deve levar em conta quaisquer obrigações legais assumidas pelas partes contratantes e,
portanto, os efeitos jurídicos da transação não podem (em princípio)
ser desconsiderados;
• Características de mercado aberto: o preço arm’s length deve basearse em condições de mercado, refletindo, assim, práticas comerciais
normais. Conseqüentemente, o preço arm’s length somente pode ser
estabelecido com base em informações que sejam disponíveis ou
acessíveis ao contribuinte no momento em que ocorre a transação;
Sobre este princípio e seu conteúdo, confira o nosso Preços de Transferência no
Direito Tributário Brasileiro, 2ª ed., São Paulo, Dialética, 2006, pp. 22-43.
Cf. Guglielmo Maisto, “General Report”, in International Fiscal Association,
Transfer pricing in the absense of comparable market prices, Cahiers de Droit Fiscal International, v. LXXCIIa, Deventer, Kluwer, 1992, pp. 19-75 (28-29).
TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES
53
• Características subjetivas: o preço arm’s length deve levar em conta
as circunstâncias particulares que caracterizam a transação;
• Análise funcional: a determinação do preço arm’s length deve levar
em conta as funções desempenhadas pelas empresas associadas. A
análise funcional é importante para estabelecer se uma transação
entre partes independentes é efetivamente comparável;
Em suma, vê-se que idealmente o preço arm’s length é o próprio preço
da transação, desconsiderando-se a influência decorrente do vínculo entre
as partes. É, pois, o que se entende como preço de mercado.
Uma vez entendido o conteúdo do princípio, cumpre indagar qual a forma como se determina o preço de mercado.
A resposta imediata é que o preço de mercado é encontrado tomando-se
como parâmetro a maneira como terceiros independentes costumam agir em
situação equivalente. Trata-se de prática que se extrai do próprio mercado.
Assim, surgiram os chamados “métodos tradicionais” de preços de transferência, desenvolvidos no âmbito da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico). Partindo dos costumes do mercado,
considerou-se que muitos empresários fixam seus preços conforme o preço
praticado pela concorrência; ou a partir de seus próprios custos, acrescidos
de uma margem de lucro razoável; ou, finalmente, com base em seu preço
de venda, deduzido de uma margem de lucro razoável. Nos estudos desenvolvidos na OCDE, tais práticas de mercado geraram, respectivamente, os
métodos dos preços independentes comparados, do custo mais lucro e do
preço de revenda menos lucro.
Evidencia-se, deste modo, que a aplicação dos métodos acima arrolados
é a forma que se encontrou para, substituindo-se preços praticados entre
partes ligadas pelos “preços de mercado”, aferir-se o montante da renda
sujeita à tributação em determinado país.
Esta conclusão revela, ademais, que os métodos apresentados apenas se
justificam enquanto servirem para a determinação do preço de mercado.
Ao mesmo tempo, caso o contribuinte consiga demonstrar que a aplicação
dos métodos não levou ao preço de mercado, teria ele o direito de afastar
aquela aplicação, ou de corrigi-la, de modo a assegurar que apenas a renda
efetivamente auferida seja tributada.
54
Luís Eduardo Schoueri
III.Os preços de transferência no Brasil
Consoante já apontou, o Brasil adotou, em 1996, através da Lei nº 9.430,
regras para o controle dos preços de transferência. As referidas regras foram inspiradas na prática internacional, consolidada pela OCDE. Assim é
que na exposição de motivos que encaminhou o projeto de lei que veio a se
tornar a Lei nº 9.430/96, o Ministro da Fazenda já se manifestava:
12. As normas contidas nos arts. 18 a 24 representam significativo
avanço da legislação nacional face ao ingente processo de globalização experimentado pelas economias contemporâneas. No caso específico, em conformidade com regras adotadas nos países integrantes
da OCDE, são propostas normas que possibilitam o controle dos denominados “Preços de Transferência”, de forma a evitar a prática,
lesiva aos interesses nacionais, de transferências de recursos para o
Exterior, mediante a manipulação dos preços pactuados nas importações ou exportações de bens, serviços ou direitos, em operações com
pessoas vinculadas, residentes ou domiciliadas no Exterior.
Sendo assim, a legislação brasileira de preços de transferência foi instituída com o objetivo de verificar a eventual existência de diferença entre o
preço praticado entre partes vinculadas e o preço que teria sido praticado
se não existisse qualquer vínculo entre as sociedades envolvidas, i.e., o
preço que seria normalmente praticado no mercado (preço arm’s length).
Com a adoção de tais regras, as autoridades fiscais brasileiras têm por
objetivo a apuração do exato lucro auferido no Brasil para fins tributários,
já que, para fins comerciais, não necessariamente os preços fixados em
operações de importação e exportação entre partes vinculadas refletem
valores reais de mercado.
Dito de outro modo, o motivo de se verificar o preço normal da transação, ou seja, aquele que seria transacionado com partes independentes, é
evitar que o contribuinte residente do Brasil indevidamente reduza o seu
lucro tributável pelo Imposto de Renda das Pessoas Jurídicas (“IRPJ”) e
pela Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (“CSLL”).
Essa redução de base de cálculo, que se efetiva mediante transações entre partes vinculadas, pode ocorrer, no caso de bens, serviços e direitos,
tanto em importações quanto em exportações. Nas operações de importa-
TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES
55
ção, isto ocorre com a consideração de valor mais alto do que o de mercado
como custo ou despesa. Já nas operações de exportação, a redução do lucro
tributável se dá por meio da contabilização de valor diminuto como receita.
Inspirada na prática internacional, a lei brasileira que introduziu no ordenamento nacional as regras de preços de transferência estabelece como
parâmetro objetivo dos preços praticados entre partes vinculadas o preço
praticado no mercado entre partes independentes, i.e., o preço arm’s length. Tal preço de mercado deve ser obtido mediante a aplicação de métodos
específicos, previstos na legislação interna.
De modo geral, esses métodos partem de três elementos distintos para
encontrar o preço arm’s length:
• Preços independentes: resultado obtido através da comparação com
preços de mercado, praticados entre partes independentes;
• Custo: resultado obtido através do custo de produção (ou de aquisição) acrescido de uma determinada margem de lucro;
• Preço de revenda: resultado obtido através do preço efetivo de revenda diminuído de uma determinada margem de lucro.
Assim sendo, o legislador nacional previu os seguintes métodos, estabelecidos a partir dos critérios acima mencionados:
Critério
Métodos para Importações
Métodos para Exportações
preços
independentes
PIC – Preços Independentes PVEx – Preço de Venda nas ExComparados
portações
custo
CPL – Custo de Produção mais CAP – Custo de Aquisição ou de
Lucro
Produção mais Tributos e Lucro
preço de
revenda
PVA – Preço de Venda por Atacado no País de Destino, Diminuído
do Lucro
PRL – Preço de Revenda menos Lucro
PVV – Preço de Venda por Varejo
no País de Destino, Diminuído do
Lucro
56
Luís Eduardo Schoueri
Os métodos Preços Independentes Comparados - PIC (importações)
e Preço de Venda nas Exportações – PVEx (exportações) são definidos
como a média aritmética ponderada dos preços de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, apurados no mercado brasileiro (PIC e PVEx)
ou de outros países (opção válida apenas para o PIC), em operações de
compra e venda, em condições de pagamento semelhantes. Na comparação
dos preços praticados por pessoas vinculadas com aqueles realizados entre empresas independentes, os valores de bens, serviços ou direitos serão
ajustados de forma que minimize os efeitos provocados sobre os preços a
serem comparados, por diferenças nas condições de negócio, da natureza
física e de conteúdo.
O método do Preço de Revenda menos Lucro - PRL (importações)
compõe-se pela a média aritmética dos preços de revenda de bens (assim
considerados os praticados pela própria empresa importadora, em operações de venda a varejo e no atacado, com compradores, pessoas físicas ou
jurídicas, que não sejam a ela vinculados), serviços ou direitos, diminuídos
dos descontos incondicionais concedidos, dos impostos e contribuições incidentes sobre as vendas, das comissões e corretagens pagas, e da margem
de lucro de 20% ou 60%. A margem de 20% se aplica quando os bens
importados não são aplicados na produção de outros bens, mas destinados
à mera revenda; já a margem de 60% é aplicável nas hipóteses em que os
bens importados sejam aplicados à produção. No caso das exportações, a
legislação brasileira dividiu o método da revenda em dois: o primeiro que
considera o preço praticado no mercado atacadista do país de destino, qual
seja, o Método do Preço de Venda por Atacado no País de Destino,
Diminuído de Lucro – PVA, cuja margem de lucro legalmente prevista é
de 15%; e outro que toma por base o preço do mercado varejista do referido país, que se trata do Método do Preço de Venda a Varejo no País de
Destino, Diminuído de Lucro - PVV, no qual o percentual de ganho é de
30%. Ambos os métodos se calculam diminuídos dos tributos incluídos no
preço, cobrados no país de destino.
O método do Custo de Produção mais Lucro (CPL) é definido como
o custo médio de produção de bens, serviços ou direitos, idênticos ou similares, no país onde tiverem sido originariamente produzidos, acrescido
de impostos e taxas cobrados pelo referido país na exportação e de margem de lucro de 20% (vinte por cento), calculada sobre o custo apurado.
TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES
57
A margem de lucro deverá ser aplicada sobre os custos apurados antes da
incidência de impostos e taxas incidentes, no país de origem, sobre o valor
de bens, serviços e direitos adquiridos pela empresa no Brasil. Para efeito
de determinação do preço por esse método, poderão ser computados como
integrantes do custo: (i) o custo de aquisição das matérias-primas, dos produtos intermediários e dos materiais de embalagem utilizados na produção
de bem, serviço ou direito; (ii) o custo de quaisquer outros bens, serviços
ou direitos aplicados ou consumidos na produção; (iii) o custo do pessoal,
aplicado na produção, inclusive de supervisão direta, manutenção e guarda
das instalações de produção e os respectivos encargos sociais incorridos,
exigidos ou admitidos pela legislação do país de origem; (iv) os custos de
locação, manutenção e reparo e os encargos de depreciação, amortização
ou exaustão de bens, serviços ou direitos aplicados na produção; (v) os valores das quebras e perdas razoáveis, ocorridas no processo produtivo, admitidas pela legislação fiscal do país de origem de bem, serviço ou direito.
Nas exportações, o método do Custo de Aquisição ou de Proteção mais
Tributos e Lucro – CAP leva em consideração os custos de aquisição ou
de produção dos bens e serviços exportados, acrescidos dos impostos e
contribuições cobrados no Brasil e de margem de lucro, fixada em 15%,
sobre a soma dos custos mais impostos e contribuições.
Deve-se alertar que a sistemática brasileira de preços de transferência,
conquanto inspirada na prática internacional, apresenta diversas peculiaridades, em parte oriundas do próprio texto legal, em parte decorrentes de
errônea interpretação da lei pelas autoridades brasileiras. Enquanto no último caso, as ilegalidades vêm sendo enfrentadas pelos contribuintes, que,
de regra, têm obtido êxito em sua legítima pretensão de não se sujeitar a
interpretações que contrariem o exigido pela lei, algumas das peculiaridades do próprio texto legal devem ser apontadas, já que, nesse último caso,
apenas um questionamento diante do Poder Judiciário poderia permitir seu
descumprimento.
Dentre as peculiaridades decorrentes do próprio texto legal, merece destaque a característica das margens predeterminadas.
Com efeito, internacionalmente, os métodos do custo e do preço de venda, conquanto partindo de dados internos da própria transação, agregam
margens de lucro obtidas a partir de uma análise comparativa, voltada ao
58
Luís Eduardo Schoueri
mercado. Nesses termos, após acurada análise funcional, conclui-se qual
a margem de lucro a ser adequadamente adicionada ao custo ou subtraída
do preço de venda, para se chegar a um preço a ser comparado com a transação controlada.
Já a lei brasileira de preços de transferência dispensou, de plano, a busca
daquelas margens: no lugar de uma análise detalhada, optou o legislador
brasileiro por fixar, ele mesmo, as margens a serem consideradas na aplicação de tais métodos. Se tal opção traz a seu favor a praticidade, é imediato
que possivelmente as margens não serão adequadas, em diversos casos,
dado o sem-número de variáveis que influem na formação de uma margem
adequada.
Não podemos deixar de mencionar que o legislador contemplou a
hipótese de o próprio contribuinte, diretamente, ou uma associação que
represente seu setor, questionar a margem de lucro legal, pleiteando sua
substituição. Até o momento, entretanto, não se tem notícia de que algum contribuinte tenha tido sucesso em tal pleito. Daí porque convém,
nesta análise, tomar as margens fixadas pela lei como dados a serem
considerados na decisão acerca dos preços de transferência, concentrando nossos trabalhos, destarte, na busca da melhor interpretação do
texto legal.
Por outro lado, vale esclarecer que a aplicação do método na análise
específica para cada bem, serviço ou direito é de livre escolha do contribuinte e deve ser aceita pelas autoridades fiscais desde que cumpridos os
preceitos da legislação.
Uma vez estabelecido o preço limite para a transação entre as empresas
ligadas, além do qual presume o legislador que está havendo redução indevida de lucro tributável no Brasil, a quantia excedente deve ser tributada
como se fosse parcela do lucro auferido no país, compondo dessa forma as
bases de cálculo do IRPJ e da CSLL.
Dessa forma, no caso de bens, serviços e direitos importados ou
adquiridos do exterior, parcela do custo ou despesa pode ser considerada indedutível, ou, então, se a análise de preços de transferência
recair sobre bens, serviços ou direitos exportados ou vendidos ao exterior, parcela de receitas ou rendimentos pode ser acrescida à base
tributável.
TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES
59
IV.Desafios dos preços de transferência no Brasil
Passados 14 anos desde a introdução da legislação acerca dos preços
de transferência, são diversos os desafios a serem enfrentados no Brasil.
Nesse ponto, dois deles merecem destaque: as margens predeterminadas e
os chamados secret comparables.
O problema das margens predeterminadas já foi referido no presente artigo. A fixação de margens de lucro para os métodos de preços de transferência certamente é medida que tem a seu favor uma grande praticidade e
facilidade de aplicação. Não seria viável ou praticável que, para cada produto
de cada empresa, fosse discutida uma margem específica a ser aplicada.
Por outro lado, não se pode deixar de notar que a utilização de tais margens pode conduzir a preços que não refletem preços de mercado. Com
efeito, pelo fato de as margens serem idênticas para todos os setores da
economia, evidencia-se que não há compromisso com a realidade.
Margens predeterminadas, em si, são uma sistemática que pode ser adequada. Entretanto, elas não passam de uma forma indireta para se apurar o
lucro da pessoa jurídica. É comum que, em nome da praticabilidade, se recorra a sistemáticas indiretas para obtenção de informações, quando se revela extremamente custosa a forma direta. Entretanto, o método indireto deve
aproximar-se o máximo possível da realidade de cada setor da economia.
No caso brasileiro, a adoção de margens predeterminadas fixas deve ser
questionada. A Lei nº 9.430/96 já previa, em sua redação original, a possibilidade de o Ministro da Fazenda alterar suas margens. Importa que se
adote tal providência com urgência.
Havendo margens por setor, é possível que os resultados apurados (indiretametne) no Brasil não sejam distantes daqueles que se obtenham (diretamente) no exterior. Esta meta deve ser buscada com especial afinco, já que
se o Brasil adota preços de transferência diversos da prática internacional,
quem é punido é o contribuinte que, tendo que atender a ambos os fiscos,
acaba por sofrer dupla tributação econômica. Esta, posto que possível, não
há de ser desejada pelo legislador que – como é o caso do Brasil – deseja
atrair investimentos a seu território.
Há também a questão dos secret comparables. Como já se disse, o preço
arm’s length é o aquele que seria fixado em práticas comerciais normais,
60
Luís Eduardo Schoueri
entre partes independentes. Em transações entre partes independentes, um
critério muito relevante para a fixação do preço de um produto ou serviço
consiste na observação do comportamento dos concorrentes. Assim, os
preços praticados pelos concorrentes influenciarão a fixação de preços das
transações entre partes independentes, na medida em que forem por elas
conhecidos. Os preços praticados por concorrentes que não forem de conhecimento público, por razões óbvias, não terão qualquer influência sobre
o comportamento das partes independentes.
Não obstante, as autoridades fiscais, ao aplicar o método PIC, que parte
da comparação entre preços praticados por partes independentes, freqüentemente utilizam preços que não são de conhecimento público, mas obtidos através de bancos de dados sigilosos, aos quais os contribuintes não
têm acesso.
Dados confidenciais sobre determinadas transações não influenciam as
tomadas de decisões em um mercado aberto; logo, os preços apurados pelas autoridades fiscais com base em dados sigilosos não correspondem às
condições de um mercado aberto e, como conseqüência, não são compatíveis com o princípio arm’s lentgth.
Eis aqui alguns dos desafios que vem à tona quando se analisa a disciplina brasileira dos preços de transferência. Além deles, outro problema
crítico enfrentando no Brasil é a ilegalidade de algumas normas infralegais que, a pretexto de regulamentar os preços de transferência, acabam
inovando e indo além do que o permitido pelo texto legal.
V. Considerações finais
A regulamentação dos preços de transferência no Brasil ainda é assunto recente, de modo que muitos de seus desdobramentos ainda são
desconhecidos dos contribuintes e dos profissionais que militam na área
tributária.
De uma parte, a legislação brasileira apresenta uma série de particularidades que a diferenciam da prática internacional em matéria de preços
de transferência. Além disso, as normas infralegais editadas no intuito de
regular os preços de transferência muitas vezes acabam por se afastar dos
objetivos pretendidos pelo próprio legislador.
TRANSFER PRICING: BREVES CONSIDERAÇÕES
61
Por outro lado, as diversas questões intrincadas que cercam a matéria
ainda não tiveram seu entendimento pacificado nos órgãos julgadores administrativos, e tampouco foram debatidas em âmbito judicial.
De qualquer forma, é inegável a importância dos preços de transferência
para as empresas que mantém relações comerciais com empresas vinculadas localizadas em outros países. As fiscalizações específicas sobre o
assunto são cada vez mais freqüentes, de tal forma que o entendimento
dos contornos desse instituto no direito tributário brasileiro para a correta
fixação dos preços de transferência se tornou extremamente relevante na
realidade empresarial.
A ZONA FRANCA DE MANAUS:
SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
Pedro Câmara Junior
Sócio de Andrade & Câmara Advogados desde 1999. Graduado em Direito
pela Universidade Federal do Amazonas em 1996. Especialista em Direito
Civil pela mesma Universidade em 1998. Especialista em Direito Tributário
e Social da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas –
FGV/ISAE-AM. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC.
Gerencia a área tributária do escritório.
Luiz Felipe Brandão Ozores
Sócio de Andrade & Câmara Advogados desde 2008. Graduado em Direito
pela Faculdade de Direito do Centro Universitário Nilton Lins. Especialista
e mestrando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC.
Foi professor do Curso de Pós-graduação em Direito
Tributário do COGEAE-PUC. Atua na área tributária,
bem como nas atividades de planejamento fiscal e societário
1. Introdução
Grande parte das indústrias da Zona Franca de Manaus – ZFM concentra sua produção em bens de consumo, com destaque a eletroeletrônicos,
veículos de duas rodas, bens de informática e aparelho celulares.
A elevação do consumo interno brasileiro, sem dúvida, consistiu em fator significativo para o crescimento das indústrias instaladas em Manaus.
Contudo, a cada ano, a ZFM vem se firmando como um importante polo
exportador, lançando no mercado externo (notadamente a América Latina)
produtos que agregam qualidade, resultantes de altos níveis de investimento tecnológico e da especialização de sua mão-de-obra.
Há anos, estão lá instaladas empresas como NOKIA, HONDA, PROCTOR & GAMBLE, KODAK, SEMP TOSHIBA, SONY, PHILIPS, COCA-
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
63
COLA, PEPSI, SAMSUNG, LG ELETRONICS, SIEMENS, PANASONIC e HARLEY-DAVIDSON.
Como resultado, a Superintendência da Zona Franca de Manaus – SUFRAMA recebe um número cada vez maior de projetos, objetivando a
instalação de empresas nacionais e multinacionais.
Vejamos, assim, os detalhes mais relevantes dessa área incentivada.
2. Informações sobre Manaus
Manaus é a capital do Estado do Amazonas e integra a região norte do
Brasil. Especificamente, está incrustada na Floresta Amazônica, na confluência dos rios Negro e Solimões, características que lhe atribuem uma
natureza abundante e também um calor intenso, com uma temperatura
média anual de 33,9º C.
Por informações levantadas em 2009, nela residem 1.738.641 pessoas, sendo a oitava cidade mais populosa do país, contando com uma
região metropolitana que ultrapassa os 2 milhões de habitantes. Os
dados do IBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística revelam um aumento populacional superior à média das demais capitais
brasileiras.
A razão desse crescimento está atrelada à imagem da cidade como um
espaço de oportunidades, demandando o incremento de produtos e serviços disponíveis à sua população. Publicações nacionais apontam, também,
Manaus como um dos lugares de maior expansão em ofertas de emprego,
bem como de crescimento profissional.
Dentre suas vocações, destaca-se o turismo ecológico e de negócios,
este último em razão das indústrias lá instaladas. É uma das cidades brasileiras mais visitadas por estrangeiros e, nos últimos anos, recebeu grandes
investimentos de redes hoteleiras.
Esta movimentação consolidou Manaus como o principal centro econômico do norte do Brasil, responsável por aproximados 55% da economia
regional, estando entre as capitais de maior participação no PIB brasileiro,
com uma renda per capita de R$ 20.894,00, conforme levantamentos realizados até 2007.
64
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
Também por conta da economia de Manaus, o Estado do Amazonas,
em 2008, foi o responsável por mais de 63,45% da arrecadação de tributos
federais na região Norte.
Diante desses números, como explicar o desenvolvimento de uma cidade quase isolada por terra (seus principais acessos são as vias aérea e
fluvial) e distante das maiores economias do Brasil?
A razão está no fortalecimento do seu polo industrial, incentivado pelos
benefícios fiscais próprios da Zona Franca de Manaus – ZFM, cujos detalhes vamos abordar adiante.
3. A Zona Franca de Manaus e sua fases.
A primeira norma que tratou da criação de uma Zona Franca na cidade
de Manaus foi a Lei 3.173, de 06 de junho de 1957, publicada durante o
governo de Juscelino Kubitscheck, e regulamentada pelo Decreto 47.757,
de 02 de fevereiro de 1960.
À época, a inciativa já apontava para necessidade de se criar um centro
de desenvolvimento e abastecimento na Amazônia Ocidental, como forma
de minimizar o isolamento e a estagnação econômica que aquela região
sofria.
As referidas normas, contudo, não resultaram no implemento da pretendida área de benefícios, o que só veio a ocorrer durante a ditadura militar,
com o governo do Marechal Castello Branco, sob as justificativas da preservação territorial e da integração nacional.
Em 28 de fevereiro de 1967, foi publicado o Decreto-lei nº 288, que efetivamente criou a Zona Franca de Manaus. Vejamos o que dispõe seu artigo 1º:
Art. 1º. A Zona Franca de Manaus é uma área de livre comércio de
importação e exportação e de incentivos fiscais especiais, estabelecida
com a finalidade de criar no interior da Amazônia um centro industrial,
comercial e agropecuário dotado de condições econômicas que permitam seu desenvolvimento, em face dos fatores locais e da grande distância, a que se encontram, os centros consumidores de seus produtos.
A ZFM, portanto, nasceu como uma área destinada a atividades aduaneiras, a fim de atrair investimentos para o interior da Amazônia, nos
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
65
setores da indústria, do comércio e da agropecuária, fixando como contrapartida benefícios fiscais às empresas que nela se instalassem.
Ao longo desses 43 anos, a ZFM passou por estágios distintos. Até meados da década de 70, teve como foco a atividade comercial, beneficiada
pela importação de produtos estrangeiros, seja para o abastecimento de seu
mercado interno, seja para o desenvolvimento de um turismo nacional de
compras, que permaneceu fortalecido até o final dos anos 80. Em tais épocas, o parque industrial já estava estabelecido, prevalecendo, contudo, empresas destinadas a operações de CKD/SKD e à indústria de montagem.
A partir dos anos 90, com a abertura da economia brasileira, sua atividade comercial perdeu fôlego, demandando uma redefinição de objetivos,
que culminou no início do fortalecimento da indústria. Esta época é marcada pela automação, pelo emprego de políticas de qualidade e pelo foco
na exportação de seus produtos.
Em sua fase atual, a ZFM evoluiu para uma atividade industrial sólida,
com uma produção destinada ao mercado brasileiro e internacional. Produz tanto bens intermediários como finais, com o aperfeiçoamento de tecnologias e capacidade de inovação, com a especialização de sua mão-deobra, com ampla divulgação internacional de suas atividades e o aumento
significativo de suas exportações.
Pela Emenda Constitucional nº 42, de 19 de dezembro de 2003, os benefícios da ZFM foram mantidos até 31 de dezembro de 2023. Atualmente, já
se tem certeza de que este prazo não será suficiente, daí porque se encontra
em trâmite nova proposta de emenda constitucional, cujo objetivo é acrescer outros 10 (dez) anos ao prazo citado, estendendo o modelo até 2033.
Esses dados refletem a viabilidade do modelo e demonstram a sua importância para o país, seja pela significativa produção industrial que o
Amazonas vem apresentando, seja porque um dos seus principais reflexos
consistiu na preservação de mais de 90% (noventa por cento) das áreas de
florestas nativas daquele Estado.
4. SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca
de Manaus
Na coordenação das atividades da ZFM está a SUFRAMA – Superintendência da Zona Franca de Manaus, autarquia federal também criada
66
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
pelo Decreto-lei nº 288/67 e vinculada ao Ministério do Desenvolvimento,
Indústria e Comércio Exterior.
À SUFRAMA foram destinadas prerrogativas fundamentais ao desenvolvimento dos objetivos da ZFM, com destaque:
−
à administração e controle dos incentivos fiscais concedidos;
−
à aprovação de projetos por seu Conselho, condição essencial à concessão dos benefícios;
−
à fiscalização do ingresso lícito de mercadorias nacionais no âmbito
da ZFM, como forma de evitar a burla dos benefícios próprios às
remessas interestaduais destinadas a Manaus;
−
à promoção de cursos de doutorado, mestrado e especialização, voltados aos segmentos de suas indústrias;
−
à promoção institucional da ZFM, com participação em negociações
do Mercosul, em missões comerciais internacionais, nos Grupo Técnico de Facilitação do Comércio Exterior (GTFAC) da CAMEX, na
OMC e em acordos de cooperação técnica;
−
ao financiamento de projetos de infraestrutura e de apoio à produção
regional, em todos os Estados alcançados por sua atuação.
A SUFRAMA, assim, exerce um papel de agência de promoção de desenvolvimento regional, agindo além dos limites da ZFM, uma vez que
coordena, também, os incentivos estendidos à Amazônia Ocidental (composta pelo restante do Estado do Amazonas e pelos Estados do Acre, Roraima e Rondônia) e às Áreas de Livre Comércio, instaladas na região
norte do Brasil.
O resultado do seu trabalho pode ser conferido a partir dos seguintes
dados:
Evolução do Faturamento do PIM:
2005: 45.663 (bilhões de reais)/ 18.914 (bilhões de dólares);
Fonte: COISE/CGPRO/SAP – SUFRAMA.
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
67
2006: 49.441 (bilhões de reais)/ 22.750 (bilhões de dólares);
2007: 49.685 (bilhões de reais)/ 25.697 (bilhões de dólares);
2008: 54.352 (bilhões de reais)/ 30.163 (bilhões de dólares);
2009: 50.364 (bilhões de reais)/ 25.878 (bilhões de dólares);
2010: 23.735 (bilhões de reais)/ 13.231 (bilhões de dólares).
Distribuição deste faturamento entre os seguintes segmentos:
− Eletroeletrônicos: 34,37%;
− Duas rodas: 20,66%;
− Químico: 11,94%;
− Bens de informática: 9,59%;
− Metalúrgico: 7,48%;
− Termoplástico: 5,52%;
− Mecânico: 4,01%;
− Descartáveis: 1,96%;
− Relojoeiro: 1,16%.
Principais produtos exportados: Telefone celular digital, combinado ou
não com outras tecnologias; Concentrados para bebidas não alcoólicas;
Motocicletas acima de 100 cm³ até 450 cm³; Aparelhos de barbear; Receptor de sinal de televisão via satélite; Dispensador automático de cédulas
(papel-moeda); Aurocianeto de potássio; Televisor em cores com tela de
cristal líquido; Papel fotográfico para fotografia e artes gráficas; Cartucho
de lâmina para aparelho de barbear.
Dados parciais até MAIO/2010.
Fonte: COISE/CGPRO/SAP – SUFRAMA – dados parciais até MAIO/2010.
Fonte: SUFRAMA – MDIC/SISTEMA ALICE – dados parciais até MAIO/2010.
68
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
Principais destinos estrangeiros dos produtos fabricados no PIM: Argentina; Venezuela; Colômbia; Chile; Peru; México; Estados Unidos; Paraguai; Equador e Uruguai.
Interessa, então, analisar a maior razão dessa iniciativa ter firmado o
Amazonas como uma das principais regiões de produção industrial no
Brasil, isto é, os incentivos concedidos às empresas lá instaladas.
5. Incentivos fiscais
A Zona Franca de Manaus é um modelo de desenvolvimento, implantado para constituir uma base econômica, aliada à proteção do Meio Ambiente, na Amazônia Ocidental, proporcionando melhor qualidade de vida,
bem como a integração produtiva e social dessa região ao país, garantindo,
por fim, a soberania nacional de suas fronteiras.
Para compensar as dificuldades próprias de sua localização, bem como
para firmar sua viabilidade, a ZFM conta com a concessão de benefícios fiscais por parte da União, do Estado do Amazonas e do Município de Manaus,
configurando-se como área de exceção perante as demais regiões do país.
Vejamos, então, como são concretizados esses benefícios, bem como
algumas das contrapartidas às empresas incentivadas.
Incentivos Federais
1) CONTRIBUIÇÕES DO PIS/PASEP E COFINS
− Alíquota Zero: para comercialização de matéria-prima, produtos
intermediários e materiais de embalagem, produzidos na ZFM e
empregados em processo de industrialização por estabelecimentos
industriais instalados na ZFM, conforme projeto aprovado pela SUFRAMA;
− Alíquota Zero: em operações interestaduais, destinadas a Manaus,
de mercadorias para o consumo ou à industrialização na ZFM;
Fonte: SUFRAMA – MDIC/ SISTEMA ALICE – dados parciais até julho de 2010.
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
69
− Suspensão do PIS-Importação e da COFINS-Importação: no
caso de importações por empresas da ZFM, de matérias-primas,
produtos intermediários e materiais de embalagem, empregados em
processo de industrialização por estabelecimento industriais instalados na ZFM, conforme projeto aprovado pela SUFRAMA;
− Suspensão de PIS-Importação e da COFINS-Importação: no caso
de importações por empresas da ZFM, de bens a serem empregados
na elaboração de matérias-primas, produtos intermediários e materiais
de embalagem destinados ao emprego em processo de industrialização
por estabelecimentos ali instalados, conforme projeto aprovado pela
SUFRAMA;
− Suspensão de PIS-Importação e da COFINS-Importação: no
caso de importações de máquinas, aparelhos, instrumentos e equipamentos novos (relacionados em regulamento) para incorporação ao
ativo imobilizado da empresa importadora, localizada na ZFM. Este
benefício se converte em alíquota zero após decorridos 18 (dezoito)
meses da incorporação do bem ao ativo fixo;
− Alíquotas Especiais: A indústria estabelecida na ZFM, que apure
o imposto de renda com base no lucro real, com projeto aprovado
pela SUFRAMA, ao vender sua produção própria, calcula o PIS e
a COFINS com base em alíquotas diferenciadas, conforme quadro
abaixo.
DESTINATÁRIO
PIS
(alíquotas)
COFINS
(alíquotas)
a) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida na
0,65%
ZFM.
3,00%
b) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da
0,65%
ZFM, que apure PIS no regime não-cumulativo.
3,00%
c) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da
1,30%
ZFM, que apure o IR com base no lucro presumido.
6,00%
70
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
d) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da
ZFM, que apure o IR com base no lucro real e que tenha
1,30%
sua receita, total ou parcialmente, excluída do regime
não-cumulativo do PIS.
6,00%
e) venda efetuada à pessoa jurídica estabelecida fora da
1,30%
ZFM, enquadrada no regime SIMPLES.
6,00%
f) venda efetuada a órgão da Administração Federal,
1,30%
Estadual, Distrital e Municipal.
6,00%
- Crédito de PIS e COFINS: Na aquisição de produtos industrializados
na ZFM, consoante projeto aprovado na SUFRAMA, a empresa sujeita à incidência não-cumulativa do PIS e da COFINS poderá descontar
créditos calculados mediante a aplicação, sobre o valor de aquisição
dos referidos produtos, das alíquotas de 1% e de 4,6%, respectivamente. A pessoa jurídica estabelecida fora da ZFM, que apurar o IR com
base no lucro real e que tenha sua receita, total ou parcialmente excluída do regime de incidência não-cumulativa das contribuições, terá um
crédito de 1,65% de PIS e de 7,6% de COFINS.
> Legislação Aplicável:
Lei nº 10.637, de 30 de dezembro de 2002;
Lei nº 10.833, de 29 de dezembro de 2003;
Lei nº 10.865, de 30 de abril de 2004;
Lei nº 10.996, de 15 de dezembro de 2004;
Lei nº 11.196, de 21 de novembro de 2005;
Lei nº 11.307, de 19 de maio de 2006;
Decreto nº 5.691, de 03 de fevereiro de 2006;
Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009;
Instrução Normativa da SRF 546/05.
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
71
2) IMPOSTO SOBRE PRODUTO INDUSTRIALIZADO (IPI)
− Isenção: dos produtos industrializados na ZFM, destinados ao seu
consumo interno, com exceção de armas e munições, fumo, bebidas
alcoólicas e automóveis de passageiros;
− Isenção: dos produtos industrializados na ZFM, mediante projeto
aprovado pela SUFRAMA, destinados à comercialização em qualquer
outra região do Brasil. Não se incluem neste benefício armas, munições, fumo, bebidas alcoólicas, automóveis de passageiros, produtos
de perfumaria ou de toucador, preparos ou preparações cosméticas,
salvo quanto a estes se produzidos com utilização de matérias-primas
da fauna e flora regionais, em conformidade com Processo Produtivo
Básico – PPB. Também não se incluem produtos industrializados nas
modalidades de acondicionamento ou reacondicionamento;
− Isenção: dos produtos nacionais ingressos na ZFM, para seu consumo interno, utilização, industrialização, ou para remessa, por seus
entrepostos, à Amazônia Ocidental. A remessa dos produtos para
a ZFM deverá ser feita sob a forma de suspensão do IPI até o seu
ingresso efetivo, quando então se converterá em isenção;
− Isenção: dos produtos estrangeiros ingressos na ZFM, para consumo
local, na industrialização de outros produtos, na pesca, na agropecuária, na instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza, ou estocados para exportação para o exterior. Não se incluem
nesse benefício armas, munições, fumo, bebidas alcoólicas e automóveis de passageiros. Os produtos são remetidos com a suspensão do
imposto, que, com o ingresso efetivo, converte-se em isenção;
− Isenção: dos insumos estrangeiros, no ato de internação (remessa
para outras regiões do território brasileiro), utilizados na industrialização de produtos na Zona Franca de Manaus, por empresas com
projeto aprovado pela SUFRAMA;
− Manutenção de crédito: é mantido o crédito do IPI incidente sobre
equipamentos adquiridos para emprego na industrialização de produtos que venham a ser remetidos à Zona Franca de Manaus, para
72
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
seu consumo interno, utilização ou industrialização, bem como para
os produtos que, antes de sua remessa à Zona Franca de Manaus, forem enviados pelo seu fabricante a outro estabelecimento, para industrialização adicional, por conta e ordem do destinatário naquela área;
− Crédito de IPI: calculado como se devido fosse, para o adquirente
de produtos elaborados com matérias-primas agrícolas e extrativas
vegetais, produtos intermediários ou materiais de embalagem, na industrialização em qualquer ponto do território nacional, de produtos
efetivamente sujeitos ao pagamento do referido imposto.
> Legislação Aplicável:
Lei nº 11.196/05, de 21 de novembro de 2005;
Decreto-lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967;
Decreto-lei nº 1.435, de 16 de dezembro de 1975;
Decreto nº 6.759, de 05 de fevereiro de 2009 – Regulamento Aduaneiro;
Decreto nº 7.212, de 15 de junho de 2010 – Regulamento do IPI.
Decreto-lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967;
3) IMPOSTO DE IMPORTAÇÃO (II)
− Isenção: na importação de matérias primas, produtos intermediários, materiais secundários e de embalagem, componentes e outros
insumos de origem estrangeira utilizados na industrialização de produtos destinados a consumo interno na ZFM;
− Isenção: no ingresso de mercadorias estrangeiras na ZFM, destinadas a seu consumo interno, industrialização, inclusive beneficiamento, agropecuária, pesca, instalação e operação de indústrias e serviços de qualquer natureza, exportação, bem assim a estocagem para
reexportação. Exceções: armas, munições, fumo, bebidas alcoólicas,
automóveis de passageiros, produtos de perfumaria ou de toucador,
preparados e preparações cosméticas, salvo os classificados nas po-
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
73
sições 3303 a 3307, da Nomenclatura Comum do Mercosul – NCM,
destinados, exclusivamente, ao consumo interno na ZFM ou quando
produzidos com utilização de matérias-primas da fauna e da flora
regionais, em conformidade com processo produtivo básico – PPB;
− Redução: de 88% para insumos estrangeiros – matérias-primas,
produtos intermediários, materiais secundários e embalagens – empregados na fabricação de produtos industrializados na ZFM, com
projeto aprovado pela SUFRAMA e que atenda ao Processo Produtivo Básico – PPB, quando saírem da área de incentivo para qualquer
outro ponto do território nacional;
− Redução: percentuais diferenciados para insumos estrangeiros, destinados à produção de bens de informática, obedecendo a coeficiente
de redução relacionado ao emprego de mão-de-obra e insumos nacionais, quando da saída dos produtos acabados para outros pontos do
território nacional. O mesmo vale para fabricação de veículos, com
acréscimo, no entanto, de 5% do coeficiente de redução mencionado.
> Legislação Aplicável:
Decreto-lei nº 288, de 28 de fevereiro de 1967;
Decreto 6.759, de 05 de fevereiro de 2009 – Regulamento Aduaneiro;
4) IMPOSTO DE EXPORTAÇÃO (IE)
− Isenção: para a exportação de produtos produzidos na ZFM.
> Legislação Aplicável:
Decreto-lei nº 288, 28 de fevereiro de 1967.
5) IMPOSTO SOBRE OPERAÇÕES FINANCEIRAS (IOF)
− Isenção: em operações de câmbio, vinculadas à importação de bens
destinados a empreendimentos que implantem, modernizem, ampliem ou diversifiquem a Amazônia, considerados de interesse para
o desenvolvimento regional, segundo avalizações técnicas realiza-
74
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
das pela Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia – SUDAM. Este incentivo prevalecerá até 31/12/2010;
obs: a isenção aqui destacada é estendida, nos mesmos termos, ao Adicional ao Frete pra Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.
> Legislação Aplicável:
Lei nº 9.808, de 20 de julho de 1999.
6) IMPOSTO SOBRE A RENDA E PROVENTOS DE QUALQUER
NATUREZA (IR): incentivo administrado pela Superintendência do
Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM).
− Redução de 75% (redução fixa): do IR e adicionais não restituíveis,
calculados com base no lucro da exploração, até 2013, para pessoas
jurídicas que tenham projeto aprovado para instalação, ampliação,
modernização ou diversificação, voltados a setores da economia
considerados prioritários ao desenvolvimento regional;
− Redução de 37,5%, 25% e 12% (redução escalonada): do IR e quaisquer adicionais não restituíveis, calculados com base no lucro da exploração, para pessoas jurídicas que mantenham empreendimentos econômicos na área de atuação da SUDAM, vinculados a setores da economia
considerados prioritários para o desenvolvimento regional ou da ZFM.
> Legislação Aplicável:
Lei nº 9.532, de 10 de dezembro de 1997;
Medida Provisória nº 2.199, de 24 de agosto de 2001;
Decreto nº 4.212, de 26 de abril de 2002;
Decreto-lei nº 756, de 11 de agosto de 1969;
Incentivos Estaduais (ICMS)
1) Crédito fiscal presumido: crédito equivalente ao que teria sido pago
na origem, em outras regiões do Brasil, para mercadorias industrializadas
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
75
e remetidas à ZFM, para comercialização, industrialização ou reexportação ao exterior (quando oriundas das regiões Sul e Sudeste – 7% à exceção
do Espírito Santo; quando oriundas das demais regiões – 12%);
2) Isenção: benefício concedido pelo Convênio CONFAZ 65/88, em
operações de saída (operações interestaduais) com produtos industrializados em outras regiões do Brasil, destinados à comercialização ou industrialização na ZFM, desde que o estabelecimento destinatário tenha
domicílio em Manaus;
3) Crédito estímulo: benefício concedido a produtos específicos, definidos na Lei Estadual nº 2.826/03, o qual pode variar de 55% a 100%; para
alguns produtos ainda é previsto um adicional a este crédito, conforme
fórmula definida na citada Lei;
4) Diferimento: benefício previsto para as hipóteses citadas abaixo.
4.a) Na importação de matérias-primas e materiais secundários, destinados à industrialização de produtos específicos, dentre os quais:
bens intermediários, embarcações, terminais portáteis de telefonia
celular, bens de informática (sujeitos ao investimento em pesquisa e
desenvolvimento tecnológico, conforme lei federal), monitor de vídeo para informática, veículos utilitários, brinquedos, aparelho condicionador de ar tipo split, refrigeradores, lavadouras e secadoras de
roupa, aparelhos de ginástica, bicicletas, pneumáticos e câmaras de
ar etc;
4.b) Na saída de bens intermediários, quando destinados à integração
de processo produtivo de estabelecimento industrial igualmente incentivado;
4.c) Na saída de matérias-primas regionais in natura, procedentes do
interior da Amazonas, destinados a estabelecimento industrial incentivado, para fabricação de fios, telas, sacos de juta e/ou malva,
produtos fitoterápicos, fitocosméticos e fármacos genéricos.
5) Crédito Fiscal presumido de regionalização: benefício empregado
a indústrias de bens finais, equivalente a alíquota interestadual do ICMS
(7%), empregada nas vendas oriundas das regiões Sul e Sudeste (exceto
Espírito Santo) ao Estado do Amazonas, aplicado sobre o valor de aquisi-
76
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
ção de bem intermediário (exclusivamente aquele beneficiado pelo diferimento previsto acima, no item 4.b); A apropriação deste crédito fiscal presumido fica condicionada à prática, na operação, de preço FOB utilizado
no mercado nacional, pela empresa fabricante dos referidos bens ou por
empresas similares.
6) Isenção: benefício empregado nas hipóteses abaixo citadas.
6.a) saídas internas de insumos produzidos no Amazonas ou importados do exterior, abrangidas pelo Programa Especial de Exportação
da Amazônia Ocidental – PEXPAM;
6.b) entradas de máquinas ou equipamentos (nacionais ou estrangeiros),
destinados ao ativo permanente de indústria da ZFM, para utilização
direta e exclusiva em seu processo produtivo, incluídas partes e peças; para o aproveitamento deste benefício, o bem deve permanecer
no estabelecimento da empresa pelo período mínimo de 05 anos,
à exceção de saídas destinadas a outras indústrias localizadas no
Amazonas, ao exterior ou ao emprego em treinamentos, pesquisas
e desenvolvimento por instituições previamente cadastradas na SEFAZ/AM;
6.c) nas saídas internas de insumos, efetuadas por empresa incentivada,
destinados a treinamentos, pesquisas e desenvolvimentos em instituição previamente cadastrada na Secretaria de Estado da Fazenda
– SEFAZ, sem prejuízo do crédito fiscal correspondente.
7) Redução da base de cálculo:
7.a) percentual de 55%, quando da importação do exterior de matérias
primas e materiais secundários, destinadas ao processo produtivo de
placas de circuito impresso montadas; neste caso, a empresa deve
possuir inscrição específica no Cadastro de Contribuintes do Amazonas, exclusiva para essas operações;
7.b) percentual de 64,5%, quando da importação do exterior de matérias
primas e materiais secundários para emprego no processo produtivo
de bens de capital;
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
77
8) Contribuições Financeiras devidas em razão dos benefícios estaduais:
8.a) Ao FMPES – Fundo de Fomento às Micro e Pequenas Empresas,
no valor de 6% (seis por cento) do crédito estímulo, calculado em
cada período de apuração do ICMS;
8.b) À Universidade do Estado do Amazonas – UEA, nos percentuais de:
- 10% do crédito estímulo, calculado em cada período de apuração do
ICMS, quando se tratar de empresa industrial beneficiada com nível
de 100% de crédito estímulo;
- 1,3% sobre o faturamento bruto, sujeito a diferimento, quando se tratar das operações previstas no art. 14, II, da Lei Estadual 2.826/03
(bens intermediários empregados em processo produtivo de empresa
incentivada);
- 1,5% do crédito estímulo, calculado em cada período de apuração do
ICMS, nos demais casos.
8.c) Ao fundo de fomento ao Turismo, Infraestrutura, Serviços e
Interiorização do Desenvolvimento do Amazonas – FTI, nos percentuais de:
- 2% sobre o valor FOB – importações de matérias primas, bens intermediários, materiais secundários, de embalagem e outros insumos
empregados na fabricação de bens finais, consoante projeto aprovado pela CODAM;
- 1% sobre o faturamento bruto das empresas industriais beneficiadas
com nível de 100% de crédito estímulo;
- 1% sobre o faturamento bruto relativo aos bens intermediários com diferimento de que trata o inciso II do art. 14, da Lei Estadual 2.826/03
(bens intermediários empregados em processo produtivo de empresa
incentivada);
- 1% sobre o valor das matérias primas, bens intermediários, materiais
secundários e de embalagem procedentes de outras unidades da
Federação e adquiridos pelas indústrias produtoras de bens finais
78
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
incentivados (à exceção de terminais portáteis de telefonia celular, monitor de vídeo para informática e aparelho telefônico por fio combinado
com aparelho portátil sem fio, operando em frequência igual ou superior
a 900 Mhz e bens de informática e automação, sujeitos a investimento
em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, conforme lei federal); .
− 2,5% sobre o valor do saldo devedor do ICMS, apurado em cada
período, relacionado aos produtos incentivados com benefício de
adicional de crédito estímulo, em razão de empreendimento agropecuário localizado no interior do Estado;
− 1,5% (um e meio por cento) sobre o faturamento bruto relativo aos
concentrados e extratos de bebidas, à exceção das operações com
diferimento indicadas no item 4.b acima;
− 5% (cinco por cento) sobre o valor FOB das importações do exterior
de insumos destinados à fabricação de dispositivo de cristal líquido
para televisores adquiridos por indústria de bem intermediário.
> legislação Aplicável:
Convênio CONFAZ nº 65/88
Lei Estadual nº 2.826/03 (Lei de Incentivos do Estado do Amazonas)
Decreto Estadual nº 20.686/99 (Regulamento do ICMS do Estado do
Amazonas)
Incentivos Municipais
1) Isenção: por 10 anos de IPTU, a contar da data de aprovação do
projeto na SUFRAMA, para empresas que gerem, no mínimo, quinhentos
empregos diretos, no início de sua atividade, mantendo este número durante o gozo do benefício.
2) Isenção: por 10 anos da Taxa de Licença para Funcionamento (Alvará), a contar da data de aprovação do projeto na SUFRAMA, para empresas que gerem, no mínimo, quinhentos empregos diretos, no início de sua
atividade, mantendo este número durante o gozo do benefício.
Obs.: esses benefícios demandam regulamentação até hoje não publicada.
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
79
> Legislação Aplicável:
Lei Municipal nº 427, de 08 de janeiro de 1998.
Tratamento específico para bens de informática.
Seguem os benefícios vinculados à produção de bens de informática no
âmbito da ZFM:
1) Redução: do imposto de Importação (II) para matérias primas, produtos intermediários, materiais secundários e de embalagem, componentes e outros insumos de origem estrangeira, empregados na fabricação de
bens de informática por empresas da ZFM, quando da remessa para outras
regiões do Brasil, mediante aplicação de coeficiente de redução, relacionado ao emprego de insumos e mão de obra nacionais.
2) Isenção: de IPI para consumo interno na ZFM, bem como para internação as demais regiões do território nacional.
Obs.: Para concessão desses benefícios, a empresa que tenha como finalidade a produção de bens e serviços de informática deverá empregar,
anualmente, no mínimo 5% (cinco por cento) do seu faturamento bruto
no mercado interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de
informática incentivados na forma desta Lei (deduzidos os tributos correspondentes a tais comercializações, bem como o valor das aquisições de
produtos incentivados na forma do § 2o deste artigo, ou da Lei no 8.248,
de 23 de outubro de 1991, ou do art. 4o da Lei no 11.484, de 31 de maio de
2007) em atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D), a serem realizadas na Amazônia, conforme projeto elaborado pelas próprias empresas,
com base em proposta de projeto apresentado à SUFRAMA e ao Ministério da Ciência e Tecnologia.
3) Redução: até 31 de dezembro de 2014, do percentual de investimento
acima apontado, na proporção de 25% (vinte e cinco por cento), na fabricação de microcomputadores portáteis e de unidades de processamento
digitais de pequena capacidade, baseadas em microcomputadores, de valor
até R$ 11.000,00 (onze mil reais), unidades de discos magnéticos e ópticos,
circuitos impressos com componentes elétricos e eletrônicos montados,
gabinetes e fontes de alimentação, reconhecíveis como exclusiva ou principalmente destinados a tais equipamentos, e exclusivamente sobre o fatu-
80
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
ramento bruto decorrente da comercialização desses produtos no mercado
interno.
> Legislação Aplicável:
Lei nº 8.387, de 30 de dezembro de 1991;
Pesquisa e Desenvolvimento
Como visto, a contrapartida dos benefícios vinculados à produção de
bens de informática na ZFM consiste na promoção de investimentos anuais em pesquisa e desenvolvimento, com resultados voltados à Amazônia,
correspondentes, no mínimo, a cinco por cento do faturamento bruto no
mercado interno, decorrente da comercialização de bens e serviços de informática incentivados na forma desta Lei (deduzidos os tributos correspondentes a tais comercializações, bem como o valor das aquisições de
produtos incentivados na forma do § 2o deste artigo, ou da Lei no 8.248,
de 23 de outubro de 1991, ou do art. 4o da Lei no 11.484, de 31 de maio de
2007).
No mínimo, 2,3% do faturamento bruto acima mencionado deverá ser
aplicado da seguinte forma:
- Convênio com centros ou institutos de pesquisa, entidades brasileiras
de ensino, oficiais ou reconhecidas, com sede ou estabelecimento
principal na Amazônia Ocidental;
−
Sob a forma de recursos financeiros, por meio de depósitos trimestrais em favor do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e
Tecnológico – FNDCT, com destinação não inferior a cinquenta por
cento a universidades, faculdades, entidades de ensino ou centros ou
institutos de pesquisa, criados ou mantidos pelo Poder Público na
Amazônia Ocidental.
- Obs.: Estão excluídas dessa obrigação empresas cujo faturamento bruto anual seja inferior a R$ 15.000.000,00 (quinze milhões de reais).
As atividades de pesquisa e desenvolvimento, consideradas neste tópico,
abrangem as seguintes atividades:
A ZONA FRANCA DE MANAUS: SEUS INCENTIVOS E RESULTADOS
81
- Trabalho teórico ou experimental que resulte em conhecimento inovador;
- Trabalho sistemático, voltado à produção de novos materiais, dispositivos, programas de computador, implementação de novos processos,
sistemas ou serviços, bem como para aperfeiçoar os já produzidos
ou implantados;
- Formação e capacitação profissional (níveis médios e superior), preferencialmente em tecnologias da informação;
- Serviço científico e tecnológico de assessoria, consultoria, gestão tecnológica, fomento à inovação, gestão de propriedade intelectual, bem
como implantação e operação de incubadora da base tecnológica.
Sob este aspecto, não se considera como atividade de pesquisa e desenvolvimento a doação de bens e serviços de informática.
O investimento em análise deve ser objeto de prestação de contas anual
ao Poder Executivo, demonstrando o cumprimento, no ano anterior, das
obrigações acima indicadas, através de relatórios descritivos das atividades de pesquisa e desenvolvimento.
> Legislação Aplicável:
Lei nº 8.387, de 30 de dezembro de 1991.
Processo Produtivo Básico – PPB
A produção de bens industrializados na ZFM, mediante projeto aprovado junto à SUFRAMA, deve obedecer a Processo Produtivo Básico – PPB,
cujos critérios são estabelecidos em ato conjunto do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior e do Ministério da Ciência e
Tecnologia.
Compreende-se por Processo Produtivo Básico – PPB o conjunto mínimo de operações, no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva
industrialização de determinado produto (art. 13, do Decreto 6.008/06).
A análise, fixação, alteração ou suspensão de etapas de um PPB, no
âmbito da ZFM, ficam a cargo do Grupo Técnico Interministerial de Aná-
82
Pedro Câmara Junior / Luiz Felipe Brandão Ozores
lise de PPB, composto por membros dos dois Ministérios. A alteração de
um PPB implica o seu cumprimento por todas as empresas fabricantes do
produto.
> Legislação Aplicável:
Decreto Federal nº 6.008, de 29 dezembro de 2006.
6. Conclusão
As características do modelo Zona Franca de Manaus são únicas e representam grande importância não só à Região Amazônica – por agregar
desenvolvimento e ajudar a manter os elevados índices de conservação da
floresta – mas também para todo o Brasil, especialmente no tocante à sua
produção industrial e à ocupação demográfica que vem sendo impulsionada naquela região.
Todo este empenho e sucesso da ZFM só é possível com a manutenção
– direta e indireta, frise-se – dos incentivos fiscais que lhe são inerentes,
assegurados constitucionalmente, garantindo àqueles que nela investem
boa dose de segurança jurídica, que, inclusive, por diversas vezes recebeu
o referendum do Supremo Tribunal Federal, quando lhe tentaram questionar esta condição.
O objetivo do presente trabalho foi trazer, de forma resumida e sistêmica, uma visão geral sobre a Zona Franca de Manaus, seja a título de
informação, seja para auxiliar a compreensão quanto à sua sustentabilidade, cuja maior prova é a permanência das empresas multinacionais nela
instaladas há longo tempo.
FUNDO DE INVESTIMENTO
EM PARTICIPAÇÕES – FIP
Luiz Gustavo A. S. Bichara
[email protected]
Ex-Presidente da ALAE,
Vice-Presidente da Comissão de Estudos Tributários da OAB/RJ
Diretor da Associação Brasileira de Direito Financeiro - ABDF
Membro do general council da International Fiscal Association - IFA
Sócio do Escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha
Advogados (Aliado no Rio e Janeiro/RJ)
Felipe de Freitas Ramos
Associado do Escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha Advogados
(Aliado no Rio e Janeiro/RJ)
Breve Histórico e
Os fundos private equity foram originalmente concebidos na década
de 1980 nos EUA, país que, em virtude da adoção ao sistema de Common Law, possui uma maior flexibilidade na criação de novos institutos
jurídico-econômicos. O termo “private equity” está relacionado ao tipo
de capital comumente empregado nos fundos, constituído pela comunhão de recursos privados e relações contratuais entre investidores e
gestores.
Nesse contexto, os fundos de private equity surgiram como uma nova
opção de financiamento de pequenas e médias empresas. Este instituto
consiste basicamente na reunião, através da criação de um fundo de investimentos, de um grupo de investidores que adquire relevantes participações em pequenas e médias empresas (geralmente de capital fechado), com
as quais desenvolvem parcerias ativas, participando da administração e
adicionando valor à empresa. Via de regra, no momento em que a sociedade atinge maior grau de desenvolvimento, o fundo de private equity aliena
a sua participação, obtendo expressivos retornos.
84
Luiz Gustavo A. S. Bichara / Felipe de Freitas Ramos
A utilização de private equity em transações de M&A vem crescendo substancialmente nos últimos anos. Em 2007, período pré-crise, as operações no Brasil
envolvendo tais fundos representaram 15,3% dos negócios divulgados, totalizando 53 deals. No mesmo ano, esse percentual foi de aproximadamente 1/3
dos negócios nos EUA e na Europa. De 2005 a 2007, as firmas de private equity
nos EUA gastaram aproximadamente US$ 1,6 trilhão em aquisições. No Brasil,
também em 2007, apenas o segmento de imóveis comerciais movimentou R$ 3,7
bilhões, sendo que as operações envolvendo fundos private equity representaram
30% desse valor.
Superado o auge da crise financeira mundial, é possível identificar um
maior movimento por parte dos fundos private equity em operações de
compra de participações, seja no Brasil, seja nos EUA.
Diante desse breve quadro, passemos à análise dos aspectos legais que
regulam os Fundos de Investimentos em Participações – FIP (“FIP” ou
“Fundo”).
Vantagens do FIP
No Brasil, o FIP, surgiu para suprir a demanda existente por um instrumento adequado nos moldes do private equity estrangeiro. Antes da
regulamentação do FIP, não havia meios satisfatórios para que recursos de
investidores fossem agregados visando o investimento em companhias em
desenvolvimento ou expansão.
No ano de 2003, foi publicada a Instrução n° 391, expedida pela Comissão de Valores Mobiliários – CVM, estabelecendo as regras para constituição, administração e funcionamento do FIP, sendo referido fundo definido
como um condomínio fechado que se destina à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou permutáveis em ações de emissão de companhias, sejam estas
abertas ou fechadas. Seu principal objetivo é a captação e investimento
de recursos em ativos pré-selecionados, com a reversão dos resultados aos
seus investidores ou direcionamento para outros investimentos.
Um dos atrativos do FIP diz respeito à flexibilidade de sua estrutura,
onde os cotistas têm maior liberdade – respeitados determinados balizadores – para moldar o Fundo conforme seus interesses. Nesses Fundos é
permitido disciplinar em seu regulamento o tratamento a ser dado a rele-
FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP
85
vantes questões, tais como, exemplificativamente, políticas de investimento, patrimônio líquido, chamada de capital, amortização de cotas, prazo
de duração do fundo, entre outras. Isso permite uma melhor composição
entre os diversos interesses dos investidores.
Até mesmo o registro dos FIPs na CVM é mais simples, o qual é concedido automaticamente mediante a apresentação dos documentos indicados
na Instrução CVM n° 391.
Contudo, não resta dúvida de que são os benefícios fiscais oferecidos
para os FIPs os grandes responsáveis pelo seu desenvolvimento no mercado brasileiro, principalmente como veículo para fomentar uma maior
participação de capital estrangeiro, como se verá mais adiante.
Processo Decisório
A Instrução CVM n° 391 estabelece que o FIP deve participar do processo decisório das companhias nas quais investe, definindo as suas políticas estratégicas e atuando na gestão dessas companhias.
A participação do FIP no processo decisório da companhia investida
pode ocorrer por meio dos seguintes mecanismos: (a) detenção de ações
que integrem o respectivo bloco de controle, (b) celebração de acordo de
acionistas, ou, ainda, (c) celebração de ajuste de natureza diversa ou adoção de procedimento que assegure ao Fundo efetiva influência na definição
de sua política estratégica e na sua gestão.
O objetivo da participação dos FIPs na administração das companhias
investidas é proporcionar ao negócio em desenvolvimento ou expansão um
modelo de gestão mais profissional e estratégico, buscando a maximização do valor de mercado destas companhias, para posterior realização do
investimento.
Companhia Fechada. Governança Corporativa
Conforme já mencionado, uma das inovações do regulamento do FIP foi
a possibilidade de investimento em companhias fechadas. No entanto, para
que a companhia fechada esteja apta a receber investimentos do Fundo, e
preciso que esta observe as seguintes práticas de governança corporativa:
86
Luiz Gustavo A. S. Bichara / Felipe de Freitas Ramos
(i) inexistência de partes beneficiárias; (ii) mandato unificado de um ano
para os conselheiros de Administração; (iii) disponibilização de contratos
com partes relacionadas, acordos de acionistas e programas de opções de
aquisição de ações ou outros títulos ou valores mobiliários de emissão da
companhia; (iv) adesão à câmara de arbitragem para resolução de conflitos
societários; (v) compromisso formal de, no caso de abertura de capital da
companhia investida, aderir a um dos segmentos especiais criados pela
Bovespa; e (vi) auditoria das demonstrações financeiras.
Compromisso de Investimento
O investimento no FIP poderá ser efetivado através de compromisso, mediante o qual o investidor ficará obrigado a integralizar o valor do capital comprometido à medida que o administrador do fundo realizar chamadas, nos termos
estabelecidos no compromisso de investimento. Isto permite que o desembolso
ocorra apenas após a identificação de oportunidades de investimento.
Quem Pode Investir
Somente “Investidores Qualificados” podem investir nos FIPs, sendo estes
classificados como: (i) instituições financeiras, (ii) companhias seguradoras
e sociedades de capitalização; (iii) entidades abertas e fechadas de previdência complementar; (iv) pessoas físicas ou jurídicas que possuam investimentos financeiros em valor superior a R$ 300.000,00 e que, adicionalmente,
atestem por escrito sua condição de investidor qualificado mediante termo
próprio; (v) fundos de investimento destinados exclusivamente a investidores qualificados; e (vi) administradores de carteira e consultores de valores
mobiliários autorizados pela CVM, em relação a seus recursos próprios.
O valor mínimo de subscrição de cotas por investidor é de R$100.000,00
(cem mil reais). As cotas correspondem a frações ideais do patrimônio
líquido do fundo e devem ter a forma nominativa.
Constituição
O FIP necessita de prévio registro na CVM, mas, conforme mencionado
anteriormente, este é automaticamente concedido mediante o protocolo na
CVM dos documentos listados na Instrução CVM n° 391.
FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP
87
A montagem de um FIP pode ser estruturado de forma que suas cotas
sejam destinadas à distribuição pública, as quais são ofertadas a investidores no mercado de capitais, ou, alternativamente, que sejam detidas por
investidor ou grupo de investidores privados que opte pela constituição de
um FIP como veículo para a realização de determinado investimento, ou
de investimentos com determinado perfil.
Nesta segunda modalidade, poderá ser requerida à CVM a isenção de
certos requisitos referentes à distribuição pública de cotas. Aqui é comum a
celebração, pelos investidores, de contratos de associação muito semelhantes aos acordos de acionistas, através dos quais se estabelece os direitos e
obrigações de grupos de investidores num cenário de aplicação conjunta.
Classes de Cotas
É permitida a criação de uma ou mais classes de cotas, às quais poderão
ser assegurados poderes políticos especiais para as matérias que venham a
ser especificadas no regulamento. Adicionalmente, às cotas de determinada classe podem ser assegurados direitos econômico-financeiros distintos,
exclusivamente quanto à fixação das taxas de administração e de performance e respectivas bases de cálculo.
Resgate De Cotas
Por se tratar de um condomínio fechado, o FIP não admite o resgate das
cotas antes do prazo de encerramento do fundo. No entanto, o Regulamento do FIP pode permitir que as cotas sejam “amortizadas” durante o prazo
de duração do Fundo, em caso de venda de algum ativo integrante de sua
carteira, o que permite ao cotista receber retorno decorrente de desinvestimento antes do término do prazo de duração do Fundo.
Administração do FIP
O FIP deverá ser administrado por pessoa jurídica autorizada pela CVM
a exercer a atividade de administração de carteira de valores mobiliários,
devendo esta indicar o diretor responsável pela representação do Fundo
perante a CVM.
88
Luiz Gustavo A. S. Bichara / Felipe de Freitas Ramos
As funções de administrador e de gestor poderão ser exercidas pela
mesma pessoa jurídica legalmente habilitada, podendo, alternativamente,
o administrador contratar terceira pessoa, igualmente habilitada para o
exercício profissional de administração de carteira, para gerir a carteira
do fundo.
Quando a administração do FIP não for exercida por instituição financeira integrante do sistema de distribuição, o administrador deverá contratar instituição legalmente habilitada para execução dos serviços de distribuição de cotas e de tesouraria, tais como: I – abertura e movimentação de
contas bancárias em nome do fundo; II – recebimento de recursos quando
da emissão ou integralização de cotas, e pagamento quando da amortização ou do resgate, pelo FIP, de cotas ou quando da liquidação do Fundo; III
– recebimento de dividendos e quaisquer outros rendimentos; IV – liquidação financeira de todas as operações do Fundo.
A autorização para o exercício da atividade de administração de
carteira de valores mobiliários somente é concedida a pessoa natural
domiciliada no País que tiver: I – graduação em curso superior, em
instituição reconhecida oficialmente, no País ou no exterior; II – experiência profissional de: a) pelo menos três anos em atividade específica
diretamente relacionada à gestão de recursos de terceiros no mercado
financeiro; ou b) no mínimo cinco anos no mercado de capitais, em atividade que evidencie sua aptidão para gestão de recursos de terceiros;
e III – reputação ilibada.
A CVM pode, excepcionalmente, dispensar o atendimento ao requisito
previsto no inciso I (graduação em curso superior), desde que comprovada
a experiência profissional exigida no inciso II de, no mínimo, sete anos.
A CVM pode, excepcionalmente, dispensar o atendimento ao requisito
previsto no inciso II (prazo mínimo de experiência profissional), desde
que o interessado possua notório saber e elevada qualificação em área do
conhecimento que o habilite ao exercício da atividade de administração de
carteira de valores mobiliários.
Vale ressaltar que não é considerada como experiência profissional,
para fins do atendimento aos requisitos previstos na norma da CVM, a
atuação do interessado como investidor no mercado de valores mobiliários
ou a administração de recursos de terceiros de forma não remunerada.
FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP
89
Vedações
Naturalmente, existem vedações à conduta do administrador, enquanto
representante do FIP, tais como, exemplificativamente:
(i)Contrair ou efetuar empréstimos, salvo nas modalidades estabelecidas pela CVM;
(ii) Prestar fiança, aval, aceite ou coobrigar-se sob qualquer outra forma;
(iii) Aplicar recursos: (a) no exterior; (b) na aquisição de bens imóveis;
e (c) na subscrição ou aquisição de ações de sua própria emissão.
(iv) Salvo aprovação da maioria dos cotistas, aplicar recursos em títulos e valores mobiliários de companhias nas quais participem: (a) o
administrador, o gestor, os membros de comitês ou conselhos criados pelo Fundo e cotistas titulares de cotas representativas de 5%
do patrimônio do fundo, seus sócios ou respectivos cônjuges, com
porcentagem superior a 10% do capital votante e total; e (b) quaisquer das pessoas mencionadas no item (a) que (1) estejam, dieta ou
indiretamente, envolvidas na estruturação financeira de operações
de valores mobiliários a serem subscritos pelo Fundo, ou (2) façam
parte do conselho de administração, consultivo ou fiscal da companhia emissora dos valores mobiliários a serem subscritos pelo fundo,
antes do primeiro investimento por parte do Fundo.
Aspectos Tributários
Os rendimentos auferidos pelos investidores no resgate ou na alienação
de cotas do FIP, inclusive quando decorrentes da sua liquidação, ficam sujeitos à tributação do imposto de renda na fonte à alíquota de 15%, incidente
sobre a diferença positiva entre o valor de resgate e o custo de aquisição
das cotas (ganho de capital). Desta forma, diferentemente do que ocorre em
outros tipos de fundos, no FIP não há a figura do “come-cotas” semestral,
recaindo a tributação somente quando do resgate/alienação das cotas.
Para gozar do benefício da alíquota de 15% acima referida, o FIP deverá
ter a sua carteira composta de, no mínimo, 67% de ações de sociedades
anônimas, debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição e ob-
90
Luiz Gustavo A. S. Bichara / Felipe de Freitas Ramos
servar os limites de diversificação e regras de investimento estabelecidos
pela CVM.
Não sendo observadas as mencionadas regras, a tributação dos rendimentos do FIP será feita com base na tabela progressiva de IRF (Lei
11.033/04), que varia de 15% a 22,5%.
Dividendos Distribuídos Diretamente ao Cotista
Os dividendos e juros sobre o capital próprio gerados pelas companhias
investidas do FIP podem ser distribuídos aos cotistas do FIP. No caso da
distribuição de dividendos, a exemplo do que ocorre nas sociedades, o
cotista do FIP não está sujeito ao pagamento de imposto de renda. No que
se refere à distribuição de juros sobre capital próprio, este é tributado à
alíquota de 15%, seguindo a regra geral.
Investidor Estrangeiro
Nos termos da Lei 11.312/06, os rendimentos auferidos nas aplicações
em FIP por investidor estrangeiro ficam sujeitos à alíquota zero do imposto de renda, desde que respeitas as seguintes regras: (a) o FIP deverá ter a
carteira composta de, no mínimo, 67% de ações de sociedades anônimas,
debêntures conversíveis em ações e bônus de subscrição; (b) o investidor
estrangeiro não poderá deter, isoladamente ou em conjunto com pessoas a
ele ligadas, 40% ou mais da totalidade das cotas emitidas pelo Fundo, ou
as cotas detidas pelo investidor estrangeiro não poderão lhe conferir direito ao recebimento de rendimento superior a 40% do total de rendimentos
auferidos pelos fundos; (c) o FIP não poderá deter em sua carteira títulos
de dívida em percentual superior a 5% do seu patrimônio liquido, exceto
títulos públicos federais; ou (d) o investidor estrangeiro não poderá ser
residente ou domiciliado em país que não tribute a renda ou que a tribute
à alíquota inferior a 20%.
Vale ainda ressaltar que o referido benefício fiscal apenas se aplica aos
investidores qualificados, que realizam suas aplicações no FIP de acordo
com as normas e condições estabelecidas pelo Conselho Monetário Nacional – CMN.
FUNDO DE INVESTIMENTO EM PARTICIPAÇÕES – FIP
91
Considerações Finais
Os FIP´s têm desenvolvido importante papel no desenvolvimento do
mercado brasileiro, tendo se consolidado como atrativo veículo de investimento, ao permitir a diversificação da carteira de investimentos, composta
tato por participações em companhias abertas como fechadas; além, é claro, da maleabilidade de sua estrutura interna, o que permite uma melhor
acomodação entre os interesses dos investidores.
Em relação aos investidores não residentes que se enquadram no requisitos legais que lhes assegurem tratamento fiscal diferenciado, os FIPs
têm atraído especial atenção, em virtude dos benefícios fiscais já acima
mencionados.
Por se tratar de instrumento jurídico relativamente recente no País, a
tendência é que a utilização dos FIP´s como veículo de investimento se
desenvolva ainda mais nos próximos anos.
FUSÕES E AQUISIÇÕES
Paula Andrade R.Chaves
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Ex-advogada estrangeira do escritório Holland & Knight LLP (Nova Iorque)
LL.M Cum Laude pela Northwestern University School of Law
Especialista em Business Administration pela Kellogg School of
Management. Sócia do Tostes & Coimbra Advogados
(Aliado em Belo horizonte/MG)
Paulo Roberto Coimbra Silva
Doutor e Mestre em Direito Tributário pela UFMG
Professor da Faculdade de Direito da UMFG
Coordenador do Curso de Pós-Graduação do CEAJUFE
Sócio do Tostes & Coimbra Advogados(Aliado em Belo Horizonte/MG)
INTRODUÇÃO- FUSÕES E AQUISIÇÕES NO BRASIL
O atual cenário econômico Brasileiro, aliado à economia globalizada, faz
com que as fusões e aquisições no Brasil estejam cada vez mais em destaque. A economia brasileira vive, sem dúvida, seu “boom econômico”.
A década de 1990 representou o início de uma nova era econômica para
o Brasil, que deixou de ser uma economia fechada e sem competitividade
para se tonar uma economia aberta e globalizada, caracterizada principalmente pela redução da proteção tarifária.
O novo perfil econômico proporcionou o acesso a matérias-primas, máquinas e equipamentos mais modernos e eficientes, fazendo aumentar a
competitividade de grande parte dos segmentos da economia brasileira.
Aliado a isso, o Plano Real reforçou o novo cenário, inserindo o Brasil no
mundo globalizado.
Neste contexto, as fusões e aquisições são um meio eficaz das empresas
obterem recursos para investimentos em novas tecnologias ou para adaptação de seu porte e estrutura ao mercado globalizado.
FUSÕES E AQUISIÇÕES
93
De acordo com o relatório de abril de 2010 elaborado pela área de Corporate Finance da PricewaterhouseCoopers sobre as operações de fusão
e aquisição no Brasil, o primeiro quadrimestre de 2010 registrou um total
de 236 negócios, volume 39% maior que o mesmo período do ano anterior
e recorde histórico.
O relatório analisou, ainda, o volume de transações realizadas desde
2003 e confirmou a atratividade do Brasil no cenário mundial, bem como
a recuperação do pós- crise. Vide quadro abaixo:
Outro dado interessante é que as aquisições de controle predominam
como modelo de transação, representando 50% delas.
94
PAULA ANDRADE R.CHAVES / PAULO ROBERTO COIMBRA SILVA
Os setores que se destacam com maior volume de transações são alimentos com 11%, Química/Petroquímica com 10%, TI com 9% e Banco e
Serviços representam 16%.
Pretende-se, com este trabalho, apresentar questões jurídicas relevantes no processo de aquisição de empresas brasileiras e, em um segundo
momento, focalizar as questões tributárias relacionadas a esse processo.
Por certo que este breve artigo não tem por condão esgotar o assunto, mas
tão somente expor aspectos jurídico-legais envolvidos em reestruturações
societárias no Brasil e que devem ser considerados na tomada de decisão
pelo investidor.
Fusões e Aquisições
No Brasil, utiliza-se a expressão fusões e aquisições ou M&A (mergers
and acquisitions) para englobar não somente as operações de aquisição de
ações, quotas ou ativos, mas também para tratar das operações de fusões
propriamente ditas, incorporações ou cisões.
As operações de fusão, cisão e incorporação estão reguladas nas legislações dos dois principais tipos societários brasileiros – sociedades limitadas
e sociedades anônimas.
A sociedade limitada está regulada no Código Civil (Lei n.º 10.406/02),
artigos 1.052 a 1.087 (“Código Civil”) e já as sociedades anônimas contam
com legislação federal própria – Lei n.º 6.404/76 (“Lei das S.A”).
FUSÕES E AQUISIÇÕES
95
Até o advento do atual Código Civil, as fusões, cisões e incorporações
eram reguladas exclusivamente pela Lei das S.A, que se aplicava para todos os tipos societários. Atualmente, esta lei se aplica para as sociedades
limitadas somente em caso de omissão do Código Civil.
Os artigos 228 da Lei das S.A e 1.119 do Código Civil rezam que fusão
é a operação em que se unem duas ou mais sociedades para formar sociedade nova, que lhes sucederá em direitos e obrigações.
Já a incorporação, na definição dos artigos 227 da Lei da S.A e 1.116 do
Código Civil, seria a operação em que uma ou mais sociedades são absorvidas por outra, que lhes sucede em todos os direitos e obrigações.
O legislador brasileiro optou por definir a incorporação diferente da fusão. Conforme se observa, nesta última as duas sociedades dão origem a
uma nova sociedade. Contudo, em ambas as operações dão-se a sucessão,
ou seja, a nova sociedade ou a sociedade que absorve o patrimônio sucede
a outra em todos seus direitos e obrigações.
Neste sentido, a lei prevê também regras para a preservação dos direitos
dos credores na incorporação ou fusão. O art. 232 da Lei das S.A, bem
como o art. 1.122 do Código Civil estabelecem que os atos relativos à
incorporação ou fusão deverão ser publicados, cabendo aos credores, no
prazo de 60 (sessenta) dias no caso de sociedade anônima ou de 90 (noventa) dias no caso de sociedade limitada, pleitear judicialmente a anulação
da operação.
Observa-se, assim, que a sociedade não precisa de aprovação prévia dos
credores para deliberar sobre uma operação de incorporação ou fusão.
Contudo, se tal transação acarretar prejuízo para o credor, a operação poderá ser anulada judicialmente.
Já a cisão, prevista no artigo 229 da Lei das S.A é uma operação em que
a companhia transfere parte de seu patrimônio para uma ou mais sociedaArt. 232, da Lei das S.A: “Até sessenta dias depois de publicados os atos relativos
à incorporação ou à fusão, o credor anterior por ela prejudicado poderá pleitear
judicialmente a anulação da operação; findo o prazo, decairá do direito o credor
que não tiver exercido.”
Art. 1.122, do Código Civil de 2002: “Até noventa dias após publicados os atos
relativos à incorporação, fusão ou cisão, o credor anterior, por ela prejudicado,
poderá promover judicialmente a anulação deles.”
96
Paula Andrade R.Chaves / Paulo Roberto Coimbra Silva
des já constituídas, extinguindo-se a companhia cindida se houver versão
total do patrimônio ou dividindo-se seu capital se a versão foi parcial.
Afere-se da referida definição que a cisão também é um processo de
sucessão, porém um pouco mais complexo. A cisão poderá ser total ou
parcial e não implica necessariamente na extinção da sociedade cindida,
que poderá continuar com parcela do patrimônio, no caso de cisão parcial,
permanecendo com determinados direitos e obrigações.
Neste contexto, o art. 233 prevê que no caso de cisão total (quando a sociedade cindida se extingue), as sociedades sucessoras responderão pelos
passivos da sociedade extinta. Tratando-se de cisão parcial, a princípio, a
sociedade cindida e as sociedades sucessoras responderão solidariamente
pelas obrigações da sucedida.
Contudo, o parágrafo único do art. 233 permite que o ato de cisão parcial estipule que as sociedades que absorverem parcela do patrimônio da
cindida serão responsáveis apenas pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com a companhia cindida, desde que
nenhum credor se oponha no prazo de 90 (noventa) dias, contados da data
da publicação do ato.
Vale observar que no caso de cisão de sociedade anônima, o credor não
poderá pleitear judicialmente a anulação da operação ou desfazimento do
ato como na hipótese de incorporação ou fusão. Na cisão de sociedade
anônima, o credor terá direito de se opor à regra de limitação da cláusula de responsabilidade. Outra diferença é que a oposição não precisa ser
motivada, já na fusão ou incorporação o credor deve provar prejuízo para
nulidade do ato. Destaca-se, contudo, que o art. 1.122 do Código Civil,
Art. 233, da Lei das S.A: “Na cisão com extinção da companhia cindida, as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio responderão solidariamente pelas
obrigações da companhia cindida. A companhia cindida que subsistir e as que
absorverem parcelas do seu patrimônio responderão solidariamente pelas obrigações da primeira anteriores à cisão.
Parágrafo único. O ato de cisão parcial poderá estipular que as sociedades que absorverem parcelas do patrimônio da companhia cindida serão responsáveis apenas
pelas obrigações que lhes forem transferidas, sem solidariedade entre si ou com
a companhia cindida, mas, nesse caso, qualquer credo anterior poderá se opor à
estipulação, em relação ao seu crédito, desde que notifique a sociedade no prazo de
noventa dias a conta da data da publicação dos atos da cisão.”
FUSÕES E AQUISIÇÕES
97
por sua vez, também permite a anulação da cisão no caso de sociedade
limitada.
Neste sentido, a cisão parcial é muitas vezes recomendada quando há
intenção de adquirir somente parte dos ativos de uma empresa ou parte do
negócio, já que possibilita que a sucessão não seja integral, resguardando
direitos e obrigações para o adquirente e para o vendedor.
De outro lado, a fusão ou incorporação é muito utilizada em reestruturações societárias de empresas do mesmo grupo. Contudo, não há regras
definidas. A escolha pela melhor operação societária depende da análise
individual de cada caso. É fundamental que seja analisado o passivo de
cada empresa, bem como a intenção das partes.
INSTRUMENTALIZAÇÃO CONTRATUAL DAS OPERAÇÕES
As fusões e aquisições no Brasil são realizadas, em sua maioria, observando os mesmos procedimentos utilizados internacionalmente.
O processo se inicia com a negociação e assinatura de documentos preliminares, dentre eles, o acordo de confidencialidade, o memorando de
entendimentos (MOU) e a carta de intenções (LOI).
Na maior parte das vezes, estes documentos são assinados anteriormente à realização de uma auditoria legal na empresa alvo (ou Due
Diligence) e estabelecem as condições preliminares básicas para a negociação. Geralmente o MOU é utilizado quando se pretende a criação
de uma nova empresa ou a estruturação conjunta de um novo negócio,
ao passo que a Carta de Intenções é utilizada nas aquisições propriamente ditas.
Além destes documentos, muitas vezes também é celebrado, após a realização da due diligence, um acordo de investimento ou term sheet (em
especial nas operações de private equity), que consta todas as condições
financeiras da transação.
Os documentos preliminares podem ser não vinculantes ou vinculantes, sendo imprescindível constar cláusula contratual que expressamente
declare quais disposições contratuais são vinculantes e, por conseguinte
executáveis.
98
Paula Andrade R.Chaves / Paulo Roberto Coimbra Silva
Definidas as condições comerciais e contratuais, as partes, se for o caso,
assinarão um contrato definitivo que poderá assumir a forma de Contrato de
Compra e Venda de Quotas ou Ações, Contrato de Subscrição de Ações, Contrato de Compra e Venda de Ativos ou os documentos exigíveis legalmente
para fusão, cisão ou incorporação, quais sejam, protocolo e justificação.
No Direito Brasileiro, a Lei das S.A prevê os instrumentos contratuais
e societários que devem formalizar as operações de fusão, cisão ou incorporação.
O protocolo está previsto no art. 224 da Lei das S.A e é basicamente
uma proposta que estabelece as condições da operação e deverá ser firmado pelos órgãos de administração ou sócios da sociedade interessada.
Modesto Carvalhosa esclarece que:
“(...) o protocolo constitui convenção de natureza pré-contratual que
manifesta e vincula a vontade das sociedades envolvidas através dos
órgãos de administração da companhia ou dos sócios gerentes das sociedades de pessoas. O protocolo está sujeito à aprovação pela Assembléia Geral (art. 225), porém, com efeitos próprios e autônomos no que
respeita à responsabilidade por sua efetivação das sociedades”.
Art. 224, da Lei das S.A: “As condições da incorporação, fusão ou cisão com incorporação em sociedade existente constarão de protocolo firmado pelos órgãos
de administração ou sócios das sociedades interessadas, que incluirá:
I - o número, espécie e classe das ações que serão atribuídas em substituição dos
direitos de sócios que se extinguirão e os critérios utilizados para determinar as
relações de substituição;
II - os elementos ativos e passivos que formarão cada parcela do patrimônio, no
caso de cisão;
III - os critérios de avaliação do patrimônio líquido, a data a que será referida a
avaliação, e o tratamento das variações patrimoniais posteriores;
IV - a solução a ser adotada quanto às ações ou quotas do capital de uma das sociedades possuídas por outra;
V - o valor do capital das sociedades a serem criadas ou do aumento ou redução do
capital das sociedades que forem parte na operação;
VI - o projeto ou projetos de estatuto, ou de alterações estatutárias, que deverão ser
aprovados para efetivar a operação;
VII - todas as demais condições a que estiver sujeita a operação.
Parágrafo único. Os valores sujeitos a determinação serão indicados por estimativa”
CARVALHOSA, Modesto, “Comentários à Lei de Sociedades Anônimas”; Ed. Saraiva; 2002; 3ª Ed., 2º vol., Revista e Atualizada; pg. 237.
FUSÕES E AQUISIÇÕES
99
Já a justificação é como se fosse uma exposição de motivos que os órgãos da administração devem apresentar aos sócios ou acionistas, na qual
se justifica a proposta da reorganização societária e deverá conter todos os
itens previstos no artigo 225 da Lei das S.A.
Due Diligence
A auditoria legal ou due diligence é imprescindível em qualquer processo de compra e venda de empresas no Brasil para quantificação e mensuração do real passivo ou contingências da empresas alvo.
Neste mister, é recomendável que o processo seja conduzido por um
advogado local, que tenha conhecimento da legislação brasileira e possa
analisar com a devida cautela cada aspecto jurídico legal da empresa.
Dentre os aspectos jurídicos que merecem maior destaque para a análise
em qualquer processo de compra, destacam-se aqueles de natureza trabalhista, ambiental e tributária.
ASPECTOS TRABALHISTAS
Sucessão Total
A legislação trabalhista brasileira é extremamente protetiva ao trabalhador, gerando uma justiça trabalhista tida como paternalista. A Constituição
Federal de 1988 dá especial importância aos Direitos Sociais e atualmente
os encargos trabalhistas e sociais são excessivos.
Art. 225, da Lei das S.A: “As operações de incorporação, fusão e cisão serão submetidas à deliberação da assembléia-geral das companhias interessadas mediante
justificação, na qual serão expostos:
I - os motivos ou fins da operação, e o interesse da companhia na sua realização;
II - as ações que os acionistas preferenciais receberão e as razões para a modificação dos seus direitos, se prevista;
III - a composição, após a operação, segundo espécies e classes das ações, do capital das companhias que deverão emitir ações em substituição às que se deverão
extinguir;
IV - o valor de reembolso das ações a que terão direito os acionistas dissidentes.”
100
Paula Andrade R.Chaves / Paulo Roberto Coimbra Silva
Neste contexto, em qualquer procedimento de due diligence a auditoria
das obrigações trabalhista é uma tarefa de grande relevo. Merece atenção
a verificação do cumprimento pela empresa de todas as obrigações trabalhistas, tais como, mas sem se limitar, piso salarial e sua irredutibilidade,
décimo - terceiro salário, aviso prévio, férias proporcionais, licença gestante e licença paternidade, jornada de trabalho, etc.
Os artigos 10 e 448 da Consolidação das Leis do Trabalho tratam da
sucessão trabalhista, e prevêem que os direitos adquiridos pelos empregados não serão afetados por qualquer modificação na estrutura jurídica da
empresa e que a mudança na propriedade da empresa não altera o contrato
de trabalho dos empregados.
Os dispositivos consolidados visam à proteção do trabalhador em caso de
alteração na estrutura jurídica da empresa ou na troca de sua titularidade.
Os fundamentos da referida proteção são o “princípio da continuidade do
contrato de trabalho” e a regra de que o risco do negócio é do empregador.
No Direito do Trabalho Brasileiro basta que ocorra a troca da pessoa do
titular da Sociedade, que é a empregadora, para que se opere a sucessão,
havendo ou não algum vínculo jurídico entre o sucessor e o sucedido. O
que deve ocorrer para que se caracterize a sucessão de empregador é a
manutenção da atividade econômica do sucedido pelo sucessor.
Em sendo assim, a sucessão trabalhista se opera no caso de fusão, incorporação, transformação ou cisão total, bem como quando um estabelecimento de uma determinada empresa passa a ser controlado por outra empresa, não importando por qual forma comercial se deu a transferência.
Seja qual for a forma utilizada, ocorrendo sucessão de empregador, os
direitos dos empregados permanecem inalteráveis, mantidas todas as vantagens adquiridas. A Jurisprudência também tem se manifestado no sentido de que o sucessor é responsável não só pelos contratos de trabalho em
vigor na ocasião da sucessão, mas também aqueles extintos antes desse
fato, mas ainda não totalmente quitados.
Art. 10, da CLT: “Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará
os direitos adquiridos por seus empregados.”
Art. 448, da CLT: “A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa
não afetará os contratos de trabalho dos respectivos empregados.”
FUSÕES E AQUISIÇÕES
101
Desta forma, considerando as regras interpretativas da sucessão do empregador conclui-se que:
(i) Havendo transferência, o sucessor passa a ser responsável pelos contratos que estavam em vigor ao menos até o momento da sucessão,
ficando, entretanto, o sucedido como responsável subsidiário por estes contratos;
(ii) O sucedido fica responsável pelos contratos encerrados antes da sucessão, ficando, entretanto, o sucessor responsável subsidiário;
(iii) Ainda que tenha ocorrido apenas negociação em relação a algum
estabelecimento, o sucessor fica responsável subsidiário pelos créditos dos empregados de outro estabelecimento, se a transferência foi
calcada em fraude contra os trabalhadores.
Responsabilidade do empregador e desconsideração da
personalidade jurídica
No Direito do Trabalho existe a possibilidade de aplicação da teoria da
desconsideração da personalidade jurídica para que as dívidas trabalhistas
da empresa, no caso de inadimplência, sejam também quitadas pelo patrimônio dos sócios ou empresas do grupo.
Neste sentido, o artigo o §2º do artigo 2º da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT) estabelece que as empresas que estiverem sob a direção,
controle ou administração de outra, formando grupo, serão solidariamente
responsáveis pelas obrigações trabalhistas à empresa principal e cada uma
das subordinas.
Já o Código Civil, por sua vez, aplicado também nas relações empregatícias, estabelece no art. 5010 que, no caso de abuso da personalidade jurídiArtigo 2º § 2º, da CLT: “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada
uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou
administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer
outra atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis à empresa principal e cada uma das subordinadas.”
10
Art. 50, do Código Civil de 2002: “Em caso de abuso da personalidade jurídica,
caracterizado pelo desvio de finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz
102
Paula Andrade R.Chaves / Paulo Roberto Coimbra Silva
ca, o juiz pode decidir que os efeitos de certas e determinadas obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores, ou sócios da
pessoa jurídica.
Desta forma, concluiu-se que a legislação permite que o Juiz do Trabalho desconsidere a personalidade jurídica, de acordo com as hipóteses permitidas em lei, recaindo o débito trabalhista sobre o patrimônio dos sócios,
desde que a empresa não tenha bens suficientes para quitar a dívida.
ASPECTOS AMBIENTAIS
A Constituição Brasileira de 1988 (“CF/88”) trouxe um capítulo específico sobre questões ambientais, definindo o meio ambiente como direito
de todos e conferindo-lhe a natureza jurídica de bem de uso comum do
povo e essencial à sadia qualidade de vida, incumbindo ao poder público e
à coletividade o dever de zelar e preservar para que as próximas gerações
usufruam livremente de um meio ambiente equilibrado.
Nesse sentido, o art. 22511 da Constituição Federal de 1988 é a base e o
perímetro legal para toda a legislação que trata do meio ambiente, vez que
neste dispositivo constitucional estão inseridos os deveres do Ministério
Público para fiscalizar e assegurar a efetividade daquele que é definido
como o “direito de todos”, bem como estão também estipulados os deveres
de quem exerce atividades poluidoras, as sanções penais e administrativas,
bem como outras providências e estipulações para os entes públicos e privados e o legislador infraconstitucional.
Neste contexto, a Lei nº 9.9605/98 e a Lei nº 9.985/2000 estabelecem,
respectivamente, as sanções penais e administrativas no caso de condutas
e atividades ilícitas ou lesivas ao meio ambiente, bem como dispõem sobre
decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações
sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa
jurídica.”
11
Art. 225, da Constituição Federal de 1988: “Todos têm direito ao meio ambiente
ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo
e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.”
FUSÕES E AQUISIÇÕES
103
o Sistema Nacional de Unidades de Conservação, as ações que resultem
em dano ao meio ambiente e suas sanções ao infrator.
Anteriormente à Constituição Federal de 1988, a Lei n º 6.938/81 já havia instituído a Política Nacional do Meio Ambiente – PNMA e criado o
Sistema Nacional do Meio Ambiente – SISNAMA, incorporando e aprimorando leis estaduais de proteção ambiental, tornando-se um dos mais
importantes instrumentos normativos que tem por escopo proteger o meio
ambiente, depois da Constituição Federal, pela qual foi recepcionada.
O art. 14, parágrafo 1º12, da referida lei criou o regime da responsabilidade civil objetiva pelos danos causados ao meio ambiente, sendo necessários para estabelecer o dever de reparação somente o dano e nexo de
causalidade, excluindo-se o requisito da culpa.
Já o parágrafo 3º do art. 22513 da Constituição Federal, prevê uma tríplice responsabilização do poluidor, seja pessoa física ou jurídica, a saber:
(i) sanção penal, decorrente da responsabilidade penal, (ii) sanção civil
em razão da responsabilidade civil objetiva e (iii) sanção administrativa
decorrente da responsabilidade administrativa.
Vale ainda ressaltar que o Poder Judiciário Brasileiro tem entendido que
o adquirente de um terreno é responsável pela recomposição dos danos,
ainda que por ele não causados. Grande parte das decisões reza que o
dano ambiental não prescreve nunca e há ações movidas contra os donos
de terrenos, cujo dano ou contaminação ocorreu há anos e foi causado por
antigos proprietários.
Dito isso, é fácil perceber a importância de uma criteriosa verificação
do cumprimento pela empresa das obrigações jurídicas ambientais, bem
como de uma due diligence ambiental técnica in loco, com o intuito de
Art. 14 §1º, da Lei n 6.938/81: “Sem obstar a aplicação das penalidades previstas
neste artigo, é o poluidor obrigado, independentemente da existência de culpa, a
indenizar ou reparar os danos causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados
por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade
para propor ação de responsabilidade civil e criminal por danos causados ao meio
ambiente.”
13
Art. 225 § 3º, da Constituição Federal de 1988: “As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou
jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de
reparar os danos causados.”
12
104
Paula Andrade R.Chaves / Paulo Roberto Coimbra Silva
apurar o eventual passivo ambiental, seja de natureza administrativa, indenizatória ou penal.
ASPECTOS TRIBUTÁRIOS
Comuns a todas as operações
A legislação tributária e societária brasileira, no que tange a fusões,
aquisições, cisões e transferências de ativos, procura incentivar tais operações na medida em que as isenta de efeitos tributários se efetuadas para
fins de re-organizações e planejamento societário.
Assim, operações de fusão e cisão, executadas com o objetivo de concretizar uma re-estruturação societária, são isentas de tributos sob a condição de que os ativos atingidos sejam avaliados pelo seu valor contábil.
Há a possibilidade de alteração dos valores contábeis dos ativos através de
avaliações feitas por peritos qualificados, caso em que tributos eventualmente devidos poderão ser diferidos se presentes os requisitos legais.
Da mesma maneira, operações de integralização de cotas ou subscrição
de ações efetuadas mediante a transferência de ativos são isentas de tributos.
Caso o valor de alienação do ativo utilizado na integralização implique num
ganho de capital apurado com relação ao seu custo contábil de aquisição, o
tributo então devido poderá, nos casos em que a lei permite, ser diferido.
Operações de fusão, cisão e de transferência de ativos também não estão
sujeitas, em quaisquer casos, a tributos indiretos ou sobre o valor agregado, assim como também não há taxação sobre o capital das pessoas físicas
ou jurídicas. Em todo caso, porém, serão devidas taxas em função dos
registros públicos necessários à concretização das operações, a exemplo
das taxas das Juntas Comerciais e dos Cartórios de Registro de Imóveis e
de Registro de Títulos e Documentos.
Para o alienante
O alienante de participações societárias no Brasil, seja ele pessoa jurídica ou pessoa física, deve apurar se sua venda resulta em ganho de capital
ou prejuízo, independente do local de sua residência.
FUSÕES E AQUISIÇÕES
105
Sendo o vendedor pessoa física residente, sua participação societária
deve constar de sua declaração anual de bens com base no custo de sua
aquisição, sem quaisquer ajustes inflacionários ou cambiais. É possível aumentar o valor histórico de sua participação acionária caso haja conversão
de dividendos ou reservas de lucro em capital. Nesses casos não há tributação, pois, sendo a distribuição de lucros e dividendos isenta (desde 1995), a
conversão de lucros e dividendos em capital equipara-se ao seu pagamento
mediante a entrega de novas ações.
Se o alienante for pessoa física não residente, em princípio, estará ele sujeito às mesmas regras aplicáveis aos residentes, com algumas particularidades. Os investimentos de não residentes em empresas brasileiras devem
ser registrados como “investimento estrangeiro direto” perante o Banco
Central do Brasil, de forma a se garantir a ulterior repatriação de seu montante integral sem tributação. Por ocasião da venda de sua participação
acionária, o custo de aquisição, para efeitos de apuração de eventual ganho
de capital, equivalerá ao montante registrado perante o Banco Central em
moeda estrangeira, convertido para reais na data da alienação.
O ganho de capital das pessoas físicas se sujeita ao imposto sobre a
renda à alíquota de 15%. Caso seja não residente, o imposto sobre a renda
deverá ser retido e recolhido pela compradora e, se tiver residência em um
paraíso fiscal, a alíquota será de 25%.
Se o alienante for pessoa jurídica, o custo de sua aquisição deve corresponder ao valor contábil de sua participação acionária, acrescido de
eventual ágio pago por ocasião de sua aquisição. No Brasil, a avaliação
contábil da participação acionária de uma pessoa jurídica em outras empresas está sujeita ao método de equivalência patrimonial, de forma que o
balanço da “investidora” reflita as mutações sofridas no patrimônio líquido
da “investida”. O ganho de capital decorrente da alienação de participação
acionária é intitulado como ganho de capital não operacional, sujeito ao
IRPJ (Imposto sobre a Renda das Pessoas Jurídicas) e à CSL (Contribuição
Social sobre o Lucro).14
14
Tais tributos estão expostos de forma sintética e conceitual no capítulo “A Tributação no Brasil” da presente obra.
106
Paula Andrade R.Chaves / Paulo Roberto Coimbra Silva
Para o adquirente
Em diversos outros países do mundo, a responsabilidade tributária do
adquirente por sucessão difere totalmente se o objeto da compra envolve
as ações de uma empresa ou apenas seus ativos. No Brasil, a aquisição
de ativos não impede que seja imputada ao comprador a responsabilidade
pelo pagamento de débitos tributários do alienante.
No Brasil, do ponto de vista do comprador, outro aspecto relevante nas
aquisições consiste na criação de “ágio”, assim entendido o montante do preço pago pela compra que exceder o valor contábil do patrimônio líquido correspondente à participação acionária adquirida. Nessa hipótese, a empresa
adquirente deverá escriturar o preço pago em duas contas distintas, a saber,
a de (i) investimento (que deve refletir o favor do patrimônio líquido da empresa adquirida), e a de (ii) ágio (utilizada para registro do valor excedente).
O ágio, para ser reconhecido contábil e fiscalmente, deve ser lastreado
em laudo de expertos que justifiquem (a) a diferença entre o valor de mercado e o valor contábil dos ativos tangíveis; (b) o potencial de geração de
lucros da empresa adquirida; ou (c) a existência de intangíveis e/ou outras
razões econômicas não refletidas no balanço patrimonial da adquirida.
Para efeitos de apuração do ganho de capital em venda futura da participação acionária, enquanto coexistirem “investidora” e “investida” como
pessoas jurídicas distintas, o ágio integra o custo de aquisição. No entanto,
se ocorrer fusão ou incorporação entre ambas, o ágio será deslocado para
conta de cada um dos ativos intangíveis que o tenham justificado. Após a
fusão (ou incorporação), o ágio justificado com base (a) na diferença entre
valor de mercado e valor contábil dos ativos passa a ser dedutível de acordo com a depreciação, amortização ou baixa dos respectivos ativos; (b) no
potencial de lucros futuros, a despeito das novas normas contábeis emitidas
pelo Comitê de Procedimentos Contábeis (CPC) que vedam a sua amortização, para fins fiscais, entende-se ser permitida a sua amortização limitada a
1/60 ao mês; (c) em intangíveis e outras razões econômicas não estão sujeitos
a nenhuma amortização ou dedução, seja ela contábil ou fiscal.
Aspectos específicos das operações de incorporação
Especificamente no que diz respeito a operações de incorporação, perdas que podem gerar dedução tributária, anteriores à data da fusão, por
FUSÕES E AQUISIÇÕES
107
parte da companhia absorvida, não poderão ser transferidas à empresa incorporadora. No entanto, a empresa incorporadora poderá compensar suas
perdas, sejam anteriores ou posteriores à fusão, com o lucro da companhia
absorvida, sob a condição que não altere seu objeto social e não transfira
seu controle. Reservas oriundas de diferimento de tributos da companhia
absorvida também poderão ser aproveitadas pelas incorporadoras, salvo
disposição legal em contrário.
Ainda, para evitar práticas tributárias lesivas ao erário, a legislação
brasileira prevê uma série de regras específicas a serem aplicadas entre
empresas que sejam partes vinculadas, estipulando normas relativas ao
Imposto de Renda aplicáveis ao lucro obtido através de coligadas e controladas no exterior, bem como concernentes preços de transferência de bens
e serviços entre pessoas vinculadas situadas fora do país.
Aspectos específicos das operações de cisão
Com relação a operações de cisão, assim como nas fusões, reservas
oriundas de diferimento de tributos da companhia cindida poderão ser
aproveitadas pela companhia incorporadora, salvo se a lei dispuser de outra forma. Em caso de cisão parcial, as perdas da companhia cindida que
gerem deduções tributárias poderão nela remanescer para futura compensação com lucro tributável, proporcionalmente ao patrimônio líquido que
couber à companhia cindida posteriormente à operação.
Aspectos específicos das operações de transferência de ativos
No caso de simples transferência de ativos entre empresas, salvo no caso
de integralização de capital de sociedades, a companhia vendedora estará
sujeita à tributação caso apure ganho de capital. Contudo, dependendo da
natureza e dos propósitos da transferência, este regime poderá ser alterado.
Por outro lado, a companhia adquirente não estará sujeita a nenhuma
tributação em função da operação de aquisição, salvo nos casos de transferência de imóveis. Nesta situação, a empresa compradora será responsável
pelo pagamento do tributo por transferência “inter vivos” de propriedade
imobiliária bem como da taxa devida ao Cartório de Registro de Imóveis
para o registro de alteração da propriedade.
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS
E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE
EMPRESAS EM RECUPERAÇÃO
Maria Victoria Santos Costa
[email protected]
Graduada pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Pós-graduada em
Direito Processual Civil e Direito da Empresa pelo CEPED/UERJMBA em
Direito Empresarial pelo IBMEC.Sócia fundadora de Bichara, Barata, Costa
& Rocha Advogados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)
Bruno Pinheiro Barata
[email protected] em 1991 pela Faculdade de Direito da UERJ.
Mestre em Direito da Cidade pela UERJ. Pós-graduado em Direito das
Telecomunicações pelo Instituto de Pesquisas Jurídicas da UniverCidade.
Sócio fundador do Bichara, Barata, Costa e Rocha & Advogados
(Aliado no Rio de Janeiro/RJ)
1.Introdução
Estávamos no ano de 1945, quando o Brasil – e o Mundo – amargavam os efeitos da Segunda Grande Guerra. Na época, o País não tinha
um parque industrial satisfatório e a economia sofria com o colapso das
finanças globais, surgindo desse cenário a necessidade de regulamentar os
processos de recuperação ou extinção das empresas que se encontrassem
em dificuldades para honrar os seus compromissos.
Nasceu ali o Decreto 7.661/45, que ficou conhecido pelo seu título de
“Lei de Falências”. Sua finalidade explícita era a de remediar a quebra,
dispondo sobre o processo de execução coletiva do devedor comerciante
que culminava na arrecadação de todo o patrimônio disponível e na satisfação, tanto quanto possível fosse, dos créditos pendentes, sobretudo os
trabalhistas e fiscais.
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...
109
Mais do que a recuperação da sociedade devedora, portanto, a preocupação era com a satisfação dos credores, restando em segundo plano a continuidade da atividade econômica desenvolvida pela empresa em processo
de falência.
Com o passar do tempo, obviamente, houve um desgaste no modelo e a
necessidade de um novo regramento, condizente com a evolução da sociedade e suas leis. Assim é que, após 11 longos anos em trâmite no Congresso Nacional, finalmente a Lei 11.101/2005 recebeu a sanção do Presidente
da República, entrando em vigor no dia 9 de fevereiro de 2005.
A nova Lei já inovou, em boa hora, deixando em segundo plano a falência – expressão que carrega em si pesada carga negativa – para conferir
maior destaque ao instituto da recuperação judicial. Recuperação, repitase, não mais quebra ou liquidação.
Essa Lei veio trazer para o instituto da falência e da recuperação judicial
uma nova visão, que leva em conta não mais apenas o direito dos credores
de forma primordial, como ocorria com a lei anterior, mas, ao contrário,
traz a visão que impera no Direito Americano conhecida como o bankruptcy code, segundo o qual a manutenção do funcionamento da empresa é
de interesse social tão acentuado que permite até o afastamento dos sócios
e a manutenção da empresa em funcionamento sob o comando de outros
administradores.
Objetiva, assim, a superação da situação da crise econômico-financeira
do devedor, de forma a permitir a manutenção da fonte produtora e do
emprego dos trabalhadores, promovendo a preservação da empresa, sua
função social e o estímulo à atividade econômica.
Por outro lado, com esse novo cenário surgiram também oportunidades
de investimentos nessas empresas em recuperação, tais como a aquisição
de ativos, compra de créditos, concessão de créditos e constituição de fundo de investimento em participações – FIPs. A possibilidade de investir
numa empresa em recuperação, que espera-se venha a se traduzir numa
empresa saneada e apta a reencontrar o seu lugar no mercado, trouxe sobre o instituto olhares atentos, daqueles que viam ali boas perspectivas de
negócios.
É disso que trataremos a seguir.
110
Maria Victoria Santos Costa / Bruno Pinheiro Barata
2. Principais inovações
Dentre as mudanças significativas para a recuperação da empresa, podemos enumerar a criação do Plano de Recuperação Judicial, uma atuação
mais efetiva da assembléia de credores, maior agilidade na realização do ativo, que poderá ter início independentemente da finalização do quadro geral
de credores e a inocorrência da sucessão dos créditos trabalhistas e tributários em quaisquer das modalidades de alienação judicial, dentre outras.
2.1. Plano de recuperação judicial
O plano é o cerne de todo o processo, eis que indicará as diretrizes e o
planejamento para que a proposta apresentada seja cumprida efetivamente
perante o Juízo e os credores.
Deverá trazer, obrigatoriamente, o detalhamento dos meios de recuperação e seu resumo, a demonstração da viabilidade econômica, o laudo
econômico-financeiro e avaliação do ativo do devedor. Poderá, assim, envolver a alienação judicial de filiais ou de unidades produtivas isoladas do
devedor que deverão obedecer a regra geral de alienação de ativos. Também poderá prever a concessão de créditos e a constituição de fundo de
investimento em participação – FIPs.
O plano, por força da lei, se submete a alguns condicionamentos ligados
ao interesse social. Assim, não poderá estipular prazo superior a 1 ano para
pagamento dos créditos trabalhistas e acidentários vencidos até a data do
pedido de recuperação. Também não poderá fixar prazo superior a 30 dias
para pagamento dos créditos estritamente salariais vencidos nos 3 meses
anteriores ao pedido.
Deverá ser apresentado no prazo de 60 dias contados da decisão que
deferir o processo da recuperação judicial, sob pena de ser decretada a
falência da empresa. Assim, antes do pedido de recuperação convém que o
devedor tenha o plano inteiramente desenhado, bem como o compromisso
dos principais devedores para sua aprovação, assim considerados aqueles
que detenham o quorum para tanto.
E isso porque, havendo objeção de qualquer credor ao plano, o juiz convocará a assembléia de credores que poderá, dentre outras providências,
propor plano alternativo de recuperação judicial e indicar, eventualmente,
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...
111
os membros do comitê de recuperação judicial. Também poderá referendar
o plano, emendá-lo ou rejeitá-lo.
Caso rejeitado pela assembléia de credores, o juiz decretará a falência
do devedor, podendo, no entanto, conceder a recuperação na forma dos
incisos I a III do parágrafo 1º do artigo 58 da lei.
Questão de relevo, que gerou inúmeras discussões em relação à homologação do plano, se refere à apresentação das certidões negativas de
débitos tributários, como estabelecem os artigo 57 e 58:
“Após a juntada aos autos do plano aprovado pela assembléia-geral de credores ou decorrido o prazo previsto no art. 55 desta Lei sem objeção de credores,
o devedor apresentará certidões negativas de débitos tributários nos termos
dos arts. 151, 205, 206 da Lei 5.172/66 – Código Tributário Nacional.
Cumpridas as exigências desta lei, o juiz concederá a recuperação judicial do devedor cujo plano não tenha sofrido objeção de credor no
termos do art. 55 desta lei ou tenha sido aprovado pela assembléia-geral
de credores na forma do art. 45 desta Lei.”
Tal disposição, no entanto, restou afastada pelos Tribunais, vez que se
mostrava como impediente à recuperação da empresa. Afinal, e como de
conhecimento geral, o devedor que se encontra em dificuldades financeiras prefere suspender inicialmente o pagamento dos tributos para, somente após, descumprir as obrigações com seus fornecedores e empregados.
Ademais, leve-se ainda em conta que, em sua maioria, são as os encargos
fiscais e as dívidas provenientes de financiamento bancário, as pendências
de maior monta das empresas em recuperação.
O dispositivo em questão tinha por objetivo obrigar o devedor a quitar
suas dívidas fiscais antes do ajuizamento da recuperação judicial ou ao
menos providenciar seu parcelamento nos termos da legislação, o que acabava por inviabilizar o processo de recuperação.
Para isso, a lei trouxe em seu artigo 68, disposição relativa às Fazendas
Públicas e ao INSS, no sentido de que poderão deferir parcelamento de
seus créditos em sede de recuperação judicial. A lei complementar 118, de
09.02.05, incluiu o parágrafo 3º no artigo 155-A do Código Tributário Nacional, o qual estabelece que “lei específica disporá sobre as condições de
parcelamento dos créditos tributários do devedor em recuperação judicial”.
112
Maria Victoria Santos Costa / Bruno Pinheiro Barata
No entanto, até o momento tal dispositivo não foi regulamentado, razão
pela qual são inúmeras as decisões dos Tribunais afastando tal exigência
como condição para a aprovação do plano.
2.2. Assembléia de credores
A lei estabeleceu uma maior atuação da assembléia de credores, que embora já
existisse na lei anterior, acabou caindo no esquecimento em razão do desinteresse dos credores. Sua principal atribuição é aprovar, rejeitar ou modificar o Plano
de Recuperação Judicial quando houver impugnação de algum dos credores.
2.3. Comitê de credores
Também se pode destacar, dentre as principais inovações da Lei, a criação do
comitê de credores, que tem por objetivo fiscalizar a administração do devedor
durante o processo e a execução do plano de recuperação, podendo ainda, convocar a assembléia de credores. Sua constituição se dará por deliberação de qualquer das classes dos credores na assembléia geral e, em princípio, sua atuação
somente se justifica na recuperação judicial ou falência de grande monta.
2.4. Manutenção do valor dos ativos
Outra significativa inovação se refere à preocupação com a manutenção
do valor dos ativos da empresa, de forma a evitar sua deterioração, antes
provocada pela demora na tramitação do processo, vindo assim, a dar prioridade na venda da empresa em bloco a fim de preservar o valor de seus
bens intangíveis.
Também estabelece o artigo 66 que, havendo evidente utilidade na venda de bens de seu ativo permanente, poderá o juiz autorizar sua alienação,
antes mesmo da aprovação do plano, excetuados aqueles relacionados no
plano de recuperação judicial.
2.5. Inexistência de sucessão de débitos trabalhistas, previdenciários e
tributários
Nessa esteira, e em boa hora, a Lei estabeleceu de forma inquestionável
a inexistência de sucessão dos débitos de natureza trabalhista, previdenci-
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...
113
ária e tributária para os adquirentes, questão que gerou exaustivos debates,
mas que ao final restou consolidada graças a decisão do Supremo Tribunal
Federal que decidiu conflito de competência entre a Justiça do Trabalho e
a Estadual.
Logo após a entrada em vigor da Lei 11.101/05, a Justiça do Trabalho
ainda entendia que permanecia a sucessão, mesmo ante a explícita ressalva
no texto legal.
No caso mais notório até hoje tratado, os Tribunais Regionais do Trabalho, em relação ao passivo trabalhista da “Varig”, entendiam que a “Gol
Linhas Aéreas Inteligentes S/A”, na qualidade de sócia controladora da
GTI S.A que, por sua vez, adquiriu como subsidiária a “VRG Linhas Aéreas”, adquirente de parte dos ativos da “Varig”, deveria responder pelos
débitos trabalhistas, em vista da sucessão estabelecida pelas alienações.
Argüida a incompetência da Justiça do Trabalho para decidir sobre a
matéria, o Supremo Tribunal Federal firmou a competência da Justiça Estadual, através do Juízo responsável pela recuperação, para julgar a execução de créditos trabalhistas das empresas em recuperação judicial.
EMENTA: CONFLITO NEGATIVO DE COMPETÊNCIA. EXECUÇÃO DE CRÉDITOS TRABALHISTAS EM PROCESSOS DE RECUPERAÇÃO JUDICIAL. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA ESTADUAL COMUM, COM EXCLUSÃO DA JUSTIÇA DO TRABALHO.
INTERPRETAÇÃO DO DISPOSTO NA LEI 11.101/05, EM FACE DO
ART. 114 DA CF. RECURSO EXTRAORDINÁRIO CONHECIDO E
IMPROVIDO.
I - A questão central debatida no presente recurso consiste em saber
qual o juízo competente para processar e julgar a execução dos créditos
trabalhistas no caso de empresa em fase de recuperação judicial.
II - Na vigência do Decreto-lei 7.661/1945 consolidou-se o entendimento de que a competência para executar os créditos ora discutidos é da
Justiça Estadual Comum, sendo essa também a regra adotada pela Lei
11.101/05.
III - O inc. IX do art. 114 da Constituição Federal apenas outorgou ao
legislador ordinário a faculdade de submeter à competência da Justiça
Laboral outras controvérsias, além daquelas taxativamente estabelecidas
nos incisos anteriores, desde que decorrentes da relação de trabalho.
114
Maria Victoria Santos Costa / Bruno Pinheiro Barata
IV - O texto constitucional não o obrigou a fazê-lo, deixando ao seu alvedrio a avaliação das hipóteses em que se afigure conveniente o julgamento pela Justiça do Trabalho, à luz das peculiaridades das situações
que pretende regrar.
V - A opção do legislador infraconstitucional foi manter o regime anterior de execução dos créditos trabalhistas pelo juízo universal da
falência, sem prejuízo da competência da Justiça Laboral quanto ao
julgamento do processo de conhecimento.
VI - Recurso extraordinário conhecido e improvido.
(Tribunal Pleno, RE 583955/RJ, julg. 28/05/09)
Decidida a competência, os Tribunais Estaduais, por sua vez, vêm entendendo pela aplicação do parágrafo único do artigo 60, no sentido da
inexistência de sucessão relacionada às obrigações do devedor, inclusive
as de natureza tributária. Trata-se, também, de importante conceito a impulsionar as iniciativas de investimento em empresas em processo de recuperação judicial.
3.Meios de recuperação judicial
A lei de recuperação judicial optou por trazer as indicações dos meios
que poderão ser utilizados para a recuperação judicial da empresa, dispostos nos 16 incisos do artigo 50, sendo certo que são meramente exemplificativos, independentemente de outros que devedor estabeleça no plano,
podendo destacar-se os seguintes:
a) concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
b) cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral ou cessão de cotas ou ações, respeitados
os direitos dos sócios;
c) alteração do controle societário;
d) aumento do capital social;
e) trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade
constituída pelos próprios empregados;
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...
115
f) dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem
constituição de garantia própria ou de terceiros;
g) venda parcial de bens;
h) emissão de valores mobiliários;
Dentre os meios sugeridos pela lei, entendemos que os que têm gerado
maior interesse para os investidores se referem a aquisição de bens e a
emissão de valores mobiliários.
4. Aquisição de bens
Os bens da empresa constituem a garantia das obrigações assumidas
diante dos credores. Em regra, essa alienação é livre, desde que detenha
condições de responsabilizar-se por suas obrigações. No entanto, se a empresa se encontra em recuperação, a alienação de seus bens somente será
possível se deferido o pedido.
Assim, a venda de bens poderá ser adotada como uma das formas para
recuperação da empresa e poderá compreender apenas a transferência de
ativos isolados ou até mesmo contratos, concessões específicas e marcas
empresariais.
Como mencionado, após a distribuição do pedido de recuperação, o devedor fica proibido de alienar ou onerar bens ou direitos de seu ativo permanente, exceto se houver evidente utilidade reconhecida pelo juiz, após a
concordância do comitê dos credores.
No caso da falência, o artigo 140 estabelece que a alienação dos bens
deverá observar a seguinte ordem de preferência :
a) alienação da empresa, com a venda de seus estabelecimentos;
b) alienação da empresa, com a venda de suas filiais ou unidades produtivas isoladamente;
c) alienação em bloco dos bens que integram cada um dos estabelecimentos do devedor;
d) alienação dos bens individualmente considerados.
116
Maria Victoria Santos Costa / Bruno Pinheiro Barata
Se a alienação for de bem objeto de garantia real, a substituição ou supressão dessa garantia somente poderá ser admitida mediante expressa
aprovação do respectivo credor.
O artigo 60 da Lei de Recuperação, por sua vez, estabelece que no caso
do plano de recuperação envolver a alienação judicial de filiais ou unidades produtivas, deverá ser observada para sua realização a disposição do
artigo 142, o qual estabelece as modalidades de alienação, na hipótese de
falência.
Tal elenco não é exaustivo, podendo o juiz homologar qualquer outra
forma de realização de ativos aceita pela assembléia.
4.1. Modalidades de alienação
O citado dispositivo dispõe sobre as seguintes modalidades de alienação:
a)Leilão por lances orais;
b) Propostas fechadas;
c) Pregão.
4.1.1. Leilão por lances orais
Para tal modalidade de alienação deverá ser atribuída ampla divulgação,
sendo necessária a publicação do anúncio em jornal de grande circulação
com 15 dias de antecedência para bens móveis e 30 dias para imóveis.
Neste procedimento é obrigatória a participação de membro do Ministério
Público, e a preferência será do lançador que arrematar os bens de forma
global. A alienação se realizará pelo melhor preço, ainda que inferior a
avaliação.
4.1.2. Propostas fechadas
O interessado deverá entregar em cartório envelopes lacrados com a
sua proposta, cuja abertura ocorrerá na data e hora designadas pelo juiz,
lavrando-se a ata e juntando-se as propostas ao processo.
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...
117
4.1.3.Pregão
É modalidade que comporta duas fases: recebimento das propostas e
o leilão por lances orais, do qual participarão somente as propostas não
inferiores a 90% da maior proposta ofertada.
Recebidas e abertas as propostas, o juiz ordenará a notificação dos ofertantes, cujas propostas atendam ao requisito de não ser inferior a 90% da
maior proposta apresentada, para comparecer ao leilão.
O valor da abertura do leilão será o da proposta recebida do maior ofertante presente, considerando esse valor como lance, o qual fica ele obrigado.
Caso o ofertante da maior proposta não compareça ao leilão e não seja
dado lance igual ou superior ao valor por ele ofertado, ficará obrigado a
prestar a diferença verificada, constituindo a respectiva certidão do juízo
título executivo para a cobrança dos valores pelos administrador judicial.
Em síntese, definido um preço inicial em propostas fechadas, o processo
é aberto para que sejam ofertados lances superiores ao maior lance fechado.
Processo semelhante, mas mais sofisticado, é adotado nos Estados Unidos.
Assim, permite-se previamente ao leilão uma negociação privada entre
vendedor e comprador. Definidos os termos do negócio, é assinado um
contrato de compra e venda sob condições suspensiva e resolutiva. As condições negociadas são, então, abertas a terceiros pré-qualificados, que terão a oportunidade de cobrir essas condições. A decisão final cabe ao juízo
e o preço ofertado não é o único critério de julgamento.
A modalidade de pregão de venda pública de ativos é menos formal e,
consequentemente, mais célere.
4.1.4. Outras modalidades de alienação
O juiz poderá autorizar outras modalidades de alienação desde que justificados os motivos para tal, consubstanciado em requerimento fundamentado do administrador judicial ou do comitê de credores.
A seguir, homologará a realização de ativo desde que aprovada pela
assembléia geral de credores, devendo se ater apenas aos aspectos formais, como o quorum de aprovação (2/3 dos credores presentes à as-
118
Maria Victoria Santos Costa / Bruno Pinheiro Barata
sembléia) e desde que não haja oposição fundamentada à modalidade
apresentada, caso em que deverá decidir sempre no interesse da massa e
dos credores.
4.2. Impugnações
Em qualquer das modalidades de alienação poderão ser apresentadas
impugnações por quaisquer credores, pelo devedor ou pelo Ministério Publico, no prazo de 48 horas da arrematação.
Nessa hipótese, os autos serão conclusos ao juiz que, no prazo de 5 dias,
decidirá sobre as impugnações e, se julgá-las improcedentes, ordenará a
entrega dos bens ao arrematante.
As quantias serão imediatamente depositadas em conta remunerada de
instituição financeira, atendidos os requisitos da lei ou das normas de organização judiciária.
O objeto da alienação está livre de qualquer ônus e, como já mencionado, não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária e as derivadas da legislação do trabalho e de
acidentes de trabalho.
Excetua-se da regra acima, contudo, se o arrematante for sócio da sociedade falida ou sociedade controlada pelo falido, parente em linha reta
ou colateral até o 4. grau, consangüíneo ou afim, do falido ou de sócio da
sociedade falida e identificado como agente do falido com o objetivo de
fraudar a sucessão.
Além da aquisição de bens, também a aquisição de quotas em fundo de
participações em investimento – FIP, vem se mostrando um eficiente meio
para a recuperação judicial de empresas em dificuldades financeiras.
5. Constituição de Fundo de Investimentos em
Participações
O Fundo de Investimento em Participações se constitui sob a forma de
condomínio fechado e se destinam à aquisição de ações, debêntures, bônus de subscrição, ou outros títulos e valores mobiliários conversíveis ou
permutáveis em ações de emissão de companhias, abertas ou fechadas.
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...
119
Sua estruturação é regulamentada pela Instrução 391 da CVM e é bastante
flexível, permitindo a composição de interesses dos participantes.
O parágrafo 1º, do artigo 2º, da aludida Instrução, estabelece que se a
aplicação dos recursos for realizada em companhias que estejam ou possam estar envolvidas em processo de recuperação e reestruturação, será
admitida a integralização de cotas em bens ou direitos, inclusive créditos,
desde que tais bens e direitos estejam vinculados ao processo de recuperação da sociedade investida e desde que o valor dos mesmos esteja respaldado em laudo de avaliação elaborado por empresa especializada.
Uma das características do FIP, também chamado Private Equity e que o
distingue dos demais fundos existentes no mercado é a participação efetiva
na definição da política estratégica e na gestão das empresas investidas,
especialmente na indicação dos membros do Conselho de Administração.
Nessa linha, o FIP poderá deter ações que integrem o bloco de controle
da companhia e celebrar acordo de acionistas, inclusive no sentido de assegurar sua prevalência na definição de política estratégica e na gestão da
empresa investida.
Especialmente em relação às empresas em dificuldades econômicas, o
FIP pode gerar significativos ganhos aos investidores, na medida em que
possibilita não apenas o ingresso de recursos, mas principalmente a alteração substancial na gestão da companhia, diga-se, sem a necessidade de
mudança do controle acionário, tudo com vistas à recuperação da empresa
e conseqüentemente a valorização de suas ações.
Em suma, o FIP se mostra como um meio eficiente, na medida em que o
que o credor transfere seus créditos em troca de cotas, podendo vendê-las
para terceiros. O controlador, a seu turno, pode transferir suas ações ou
parte delas para o FIP e desta forma reestruturar a situação do controle da
companhia. Mostra-se como um meio capaz de atingir a recuperação da
empresa, na medida em que possibilita o aporte de capital e a transformação da gestão empresarial.
O FIP tem sido utilizado, como meio de recuperação, na quase totalidade dos planos de recuperação das empresas de grande porte, e tem
se mostrado uma ferramenta de grande eficiência. Um bom exemplo é o
recente processo de uma atuante rede de varejo de eletrônicos e utilidades
domésticas no Rio de Janeiro. O plano de recuperação previu a criação de
120
Maria Victoria Santos Costa / Bruno Pinheiro Barata
uma Holding que passou a ser controlada por um FIP administrado por um
banco e do qual participam mais da metade de seus credores que trocaram
os créditos por quotas, com um deságio aproximado de 50% (cinqüenta por
cento), mas com possibilidade de obterem maiores ganhos do que se estivessem submetidos ao prazo de pagamento do plano de recuperação judicial. A administração do FIP segue estritamente as normas da Comissão
de Valores Mobiliários, o que garante a necessária transparência na gestão
e tem contribuído para a recuperação da empresa, que atualmente detém
um faturamento de 75% daquele registrado antes da crise.
6. Conclusão: alguns exemplos de alienação
de ativos
Talvez o exemplo quintessencial de alienação de ativos por uma sociedade em recuperação seja o caso da VARIG, já antes invocado.
Iniciado alguns poucos meses após a entrada em vigor da nova Lei, o
processo de recuperação judicial da VARIG tramitou perante o Juízo da 1ª
Vara Empresarial do Rio de Janeiro, onde, graças ao talento e sensibilidade
do seu titular, puderam ser colocados em prática os conceitos que levaram
à sua criação.
O Magistrado encarregado de processar a recuperação teve que decidir
sobre inúmeros pedidos e incidentes, navegando em mares até então desconhecidos da Justiça Brasileira. Felizmente, a direção segura do processo
permitiu o êxito da empreitada, sendo de vital importância neste processo
a alienação das ações de duas companhias subsidiárias da VARIG, a VarigLog (braço logístico da VARIG) e a VEM (empresa de engenharia e
manutenção de aeronaves).
Podemos citar, também, como exemplos bem sucedidos, a alienação dos
ativos da Parmalat, dentre os quais a sua participação na Batávia (indústria
de laticínios) para a Perdigão, e da sua unidade de vegetais, a Etti, para a
Assolan. A venda de unidades produtivas isoladas da Agrenco e de ativos da Bombril também se mostrou atraente para eventuais investidores,
e para finalizar este estudo podemos invocar o caso da venda dos slots
(espaços usados pelas companhias de aviação para estacionar os seus aviões) da Pantanal, que acabou sendo obstado pela Justiça que entendeu pela
competência da ANAC para regular a questão.
A RECUPERAÇÃO JUDICIAL DE EMPRESAS E A ALIENAÇÃO DE ATIVOS DE...
121
Em síntese, podemos afirmar que a alienação de ativos de empresas em
recuperação se apresenta como interessante alternativa de investimento, na
medida em que se pode adquirir uma sociedade livre de débitos e passivos
e assim focar na sua reestruturação, permitindo a superação da sua difícil situação financeira e a manutenção da fonte produtora, estas que, nas
palavras do legislador, constituem a essência do processo de recuperação
judicial.
MERCADO DE CAPITAIS
Eduardo Simões Lanna
[email protected]ós-Graduado em Direito de Empresa
pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MG.
Advogado Associado no Tostes & Coimbra Advogados
Aspectos Gerais – Sistema Financeiro Nacional
O Sistema Financeiro Nacional Brasileiro é regulado pela Lei nº. 4.595
de 31 de Dezembro de 1964, e posteriores alterações, que foi elaborada
com o propósito de regular por completo o Sistema Financeiro Brasileiro
sendo também responsável por sua atual estrutura.
De acordo com seu artigo 17, qualquer “entidade pública ou privada
que tiver como atividade principal ou acessória a coleta, intermediação
ou aplicação de recursos financeiros próprios ou de terceiros, em moeda
nacional ou estrangeira, assim como a custódia de valor de propriedade de
terceiros” será considerada instituição financeira.
Ademais, a Lei do Sistema Financeiro Nacional estabelece que indivíduos que exercerem, de forma regular ou ocasional, quaisquer das
atividades acima mencionadas deverão ser tratados como instituições
financeiras.
Conforme a Lei supra, o Sistema Financeiro Nacional é composto pelas
seguintes instituições:
(a) Conselho Monetário Nacional (CMN);
(b) BACEN (“Banco Central do Brasil”);
(c) Banco do Brasil S.A.;
(d) Banco Nacional do Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES);
e
(e) Outras entidades financeiras públicas ou privadas.
MERCADO DE CAPITAIS
123
Conselho Monetário Nacional
O Conselho Monetário Nacional foi criado pela Lei nº. 4.595/64, tendo
como objetivo estabelecer a política da moeda e do crédito, objetivando o
progresso econômico e social do Brasil, sendo suas atribuições específicas
e funções melhor minuciadas no Artigo 3º da referida Lei.
O Conselho Monetário Nacional é o controlador da circulação da moeda, sendo, portanto, responsável pela autorização da emissão do papel
moeda e pela determinação de suas características.
Também são estabelecidas normas e diretrizes acerca da política de
câmbio, aprovação dos orçamentos monetários, por meio dos quais estimar-se-á as necessidades globais de moeda e crédito, regulação das operações de créditos em todas as suas formas, sendo também responsável
pela regulação da constituição, do funcionamento e da fiscalização das
instituições financeiras.
Banco Central do Brasil
O Banco Central do Brasil tem como objetivo cumprir e fazer cumprir
as normas legais editadas pelo Conselho Monetário Nacional.
Art. 3º A política do Conselho Monetário Nacional objetivará:
I – Adaptar o volume dos meios de pagamento ás reais necessidades da economia
nacional e seu processo de desenvolvimento;
II – Regular o valor interno da moeda, para tanto prevenindo ou corrigindo os
surtos inflacionários ou deflacionários de origem interna ou externa, as depressões
econômicas e outros desequilíbrios oriundos de fenômenos conjunturais;
III – Regular o valor externo da moeda e o equilíbrio no balanço de pagamento do
País, tendo em vista a melhor utilização dos recursos em moeda estrangeira;
IV – Orientar a aplicação dos recursos das instituições financeiras, quer públicas,
quer privadas; tendo em vista propiciar, nas diferentes regiões do País, condições
favoráveis ao desenvolvimento harmônico da economia nacional;
V – Propiciar o aperfeiçoamento das instituições e dos instrumentos financeiros,
com vistas à maior eficiência do sistema de pagamentos e de mobilização de recursos;
VI – Zelar pela liquidez e solvência das instituições financeiras;
VII – Coordenar as políticas monetária, creditícia, orçamentária, fiscal e da dívida
pública, interna e externa.
124
Eduardo Simões Lanna
Dentre as funções exercidas pelo Banco Central, cumpre citar algumas que
se destacam em face do escopo do presente trabalho, qual seja: (i) controlar
o capital e investimento estrangeiro (incluindo investimentos nos mercados
de valores mobiliários); (ii) fiscalizar as instituições financeiras e aplicar as
penalidades previstas; (iii) praticar operações e controle de câmbio; e (iv)
quaisquer outros assuntos relacionados ao mercado de valores mobiliários
que seja de sua competência, conforme determinado pelo CMN.
De acordo com a lei vigente, o Banco Central do Brasil operará exclusivamente com instituições financeiras públicas e privadas, vedadas operações bancárias de qualquer natureza com outras pessoas de direito público
ou privado, salvo as expressamente autorizadas por lei.
A Lei nº. 4.595/64, em seu artigo 13, determina que os deveres e serviços
de competência do Banco Central do Brasil, quando por ele não executados diretamente, devem ser efetuados em conjunto com o Banco do Brasil
S.A., ou de modo alternativo com outra instituição financeira, desde que
plenamente autorizado pelo Conselho Monetário Nacional.
O mercado de câmbio brasileiro
Com o advento da Resolução nº 3.568, de 29 de maio de 2008, que revogou a de nº 3.265/05, do Conselho Monetário Nacional, ficou constituído
o Mercado de Câmbio do Brasil, que engloba as operações de compra e
venda de moeda estrangeira, as operações em moeda nacional entre residentes, domiciliados ou com sede no país, residentes, domiciliados, ou
com sede no exterior e as operações com ouro-instrumento cambial, realizados por intermédio das instituições autorizadas a operar no Mercado de
Câmbio pelo Banco Central do Brasil.
O objetivo principal do contrato de câmbio é a compra e venda de moeda
estrangeira, cuja entrega da moeda corresponde à liquidação do contrato.
O contrato em si visa à prestação de um serviço por um banco ao seu
cliente.
CVM
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) é uma autarquia vinculada
ao Ministério da Fazenda do Brasil, instituída pela Lei nº 6.385, de 7 de
MERCADO DE CAPITAIS
125
dezembro de 1976, e suas alterações, a qual juntamente com a Lei das
Sociedades por Ações (Lei nº. 6.404/76) disciplinam o funcionamento do
mercado de valores mobiliários e a atuação de seus protagonistas, assim
classificados como principais personagens, as companhias abertas, os intermediários financeiros e os investidores, além de outros cuja atividade
gira em torno desse universo principal.
Ao se referir à CVM como ente disciplinador do mercado mobiliário é
necessário aclarar possuir a mesma tais poderes, conferidos pela Lei, que
lhe habilitam não só a disciplinar, como a normatizar e fiscalizar a atuação
dos diversos integrantes do mercado, abrangendo seu poder normatizador
a todas as matérias referentes ao mercado de valores mobiliários.
A competência da CVM se estende, portanto, para regulamentar as atividades dos corretores, intermediários, instituições financeiras, bolsas de
valores, Mercado de Balcão Organizado, companhias de capital aberto,
fundos de investimento e companhias, carteiras de investimento e custodiantes, auditores independentes, consultores e analistas de mercados.
O poder fiscalizatório e disciplinador da CVM implica na imposição de
sanções administrativas às pessoas e entidades que violem a Lei dos Valores Mobiliários, a Lei das Sociedades Anônimas ou outras leis e regras das
quais a CVM seja responsável pela fiscalização.
As principais sanções que podem ser impostas pela CVM são: (i) advertências; (ii) multas; (iii) suspensão ou cassação da autorização ou registro para o exercício das atividades relacionadas ao mercado de valores
mobiliários; (iv) inabilitação temporária, até o máximo de 20 anos, para o
exercício de determinadas atividades relacionadas ao mercado de valores
mobiliários, e (v) suspensão do exercício de cargo de administrador ou de
conselheiro fiscal de companhia aberta ou de entidade do sistema de distribuição de valores mobiliários, nunca se olvidando que a imposição de
penalidade por parte da CVM de forma alguma elide eventual responsabilização civil e criminal do infrator.
Importante destacar que, a CVM detém uma personalidade moderna e
integradora, percebida pela constante absorção e melhoria dos preceitos
internacionais de governança corporativa, contribuindo para a unificação
dos sistemas, métodos e padrões internacionais, bem como para elevação
dos mesmos a um grau de excelência.
126
Eduardo Simões Lanna
Nesse passo, denotando sua característica integralizadora, a CVM é
membro do Conselho dos Reguladores de Valores Mobiliários das Américas (“COSRA”), da Organização das Comissões de Valores Mobiliários
(“IOSCO”) e do Mercosul.
E mais, a CVM celebrou, ainda, um protocolo de entendimento relacionado ao compartilhamento de informações e assistência jurídica aos
reguladores de valores mobiliários nos seguintes países: Estados Unidos
(Securities Exchange Comission e Commodities Future Trading Corporation), África do Sul, Alemanha, Argentina, Austrália, Bolívia, Canadá/Quebec, Chile, China, Equador, Espanha, França, Grécia, Hong Kong,
Itália, Luxemburgo, Malásia, México, Paraguai, Peru, Portugal, Romênia,
Singapura, Tailândia e Taiwan.
Valores Mobiliários
Para melhor entendimento das atribuições e funções de cada órgão, mister
se faz a definição de valores mobiliários no Brasil, sendo que seu conceito
formal é definido por lei, identificando como valor mobiliário o seguinte:
(i) ações, debêntures, bônus de subscrição, cupons dos referidos
(ii) valores mobiliários e garantias;
(iii) índices do mercado;
(iv) commercial papers;
(v) direitos de subscrição de valores mobiliários;
(vi) recibos de subscrição de valores mobiliários;
(vii) opções de valores mobiliários;
(viii)certificados de depósitos de ações;
(ix) títulos de investimentos em produção, distribuição, exibição e infra-estrutura técnica de filmes audiovisuais brasileiros;
(x) certificados a termo de energia elétrica;
MERCADO DE CAPITAIS
127
(xi) títulos ou contratos de investimento coletivo ofertados ao público que gerem direitos de participação, de parceria ou remuneração,
incluindo direitos resultantes da prestação de serviços, cujos rendimentos decorrem de atividades empresariais ou de terceiros;
(xii)certificados de recebíveis imobiliários;
(xiii) os contratos futuros, de opções e outros derivativos, cujos ativos
subjacentes sejam valores mobiliários; e
(xiv)quaisquer outros títulos ou contratos de investimento coletivo,
quando ofertados publicamente, que gerem direito de participação,
de parceria ou de remuneração, inclusive resultante de prestação de
serviços, cujos rendimentos advêm do esforço do empreendedor ou
de terceiros.
Nesse diapasão, necessário destacar que não se confundem com valores
mobiliários, sendo na verdade expressamente excluídos desta definição e,
por conseqüência, sujeitos à supervisão do Banco Central: (i) títulos da
dívida pública federais, estaduais e municipais e (ii) títulos cambiais de
responsabilidade de instituições financeiras, exceto as debêntures.
Leis relevantes que influenciam o mercado
de capitais
A principal lei que trata dos mercados de valores mobiliários no Brasil
é a Lei nº 6.385/76 (“Lei dos Valores Mobiliários”). Adicionalmente, a
Lei nº 6.404/76 (“Lei das Sociedades Anônimas”), alterada pela Lei no
10.303/01, contém dispositivos relevantes para a regulamentação do mercado de capitais.
A Lei dos Valores Mobiliários cria a Comissão de Valores Mobiliários
(“CVM”) e regulamenta o funcionamento geral do mercado de valores
mobiliários, a distribuição pública de valores mobiliários, o registro de
valores mobiliários em bolsas de valores, requisitos de divulgação de informações – disclosure, atividades dos corretores e intermediários, tipos
de valores mobiliários negociados e tipos de companhias que podem ser
negociadas no mercado de capitais. A Lei dos Valores Mobiliários também
atribui poder regulamentar e de polícia à CVM.
128
Eduardo Simões Lanna
A Lei dos Valores Mobiliários é regulamentada por meio de resoluções,
circulares, instruções, pareceres de orientação, deliberações e outras normas administrativas editadas pelo Conselho Monetário Nacional (“CMN”),
pelo Banco Central do Brasil (“Banco Central”), pela CVM, pelas bolsas
de valores e pelas entidades do mercado de balcão organizado (“Mercado
de Balcão Organizado”).
Auto-regulamentação
Não obstante o poder regulatório e fiscalizatório da CVM, as entidades
autorizadas por ela a funcionar, tipicamente bolsas de valores e Mercado
de Balcão Organizado, são dotadas de competência de auto-regulamentação, atuando desse modo como instituições acessórias à CVM nas melhores práticas de mercado, restanto sujeitas, entretanto, à sua supervisão na
auto-regulamentação.
Incumbe a tais entidades fiscalizar seus membros e assegurar o cumprimento das normas e regulamentos aplicáveis, designados em lei ou pela CVM.
Existem, também, entidades puramente auto-reguladoras, que não estão
subordinadas à CVM, como a Associação Nacional dos Bancos de Investimento – ANBID, que estabelece as regras e requisitos mínimos para publicação e veiculação de informação aos investidores.
Regras de proteção ao investidor
As companhias de capital aberto devem elaborar demonstrações financeiras a cada trimestre (Informações Trimestrais – ITRs) e as demonstrações financeiras anuais (Demonstrações Financeiras Padronizadas – DFP e Informações Anuais – IAN). O ITR está sujeito a revisão
limitada dos auditores independentes e a DFP deve ser objeto de revisão
completa.
A companhia deverá, ainda, publicar anúncios de Fatos Relevantes sempre que atos ou fatos possam ter impacto relevante na negociação dos seus
valores mobiliários.
Acionistas controladores e administradores de companhia de capital
aberto devem notificar a CVM e a bolsa de valores ou mercado de balcão
organizado onde os valores mobiliários de tal companhia podem ser co-
MERCADO DE CAPITAIS
129
mercializados caso haja um aumento de 5% em sua propriedade de qualquer tipo ou classe de ações da companhia.
As informações a serem providenciadas incluem o número ações compradas, o preço pelo qual as ações foram adquiridas, as razões e os objetivos relacionados à negociação e uma declaração do comprador relacionada
à existência de qualquer contrato relacionado ao exercício do direito a voto
ou à transferência de valores mobiliários emitidos pela companhia.
Bolsas de Valores
A principal, para não dizer a oficial, bolsa de valores brasileira é a
Bolsa de Valores, Mercadorias e Futuros de São Paulo (BM&FBovespa
S.A.), na qual são regularmente negociadas ações, commercial papers,
debêntures,quotas de fundos e derivativos.
Sediada em São Paulo, a BM&FBovespa é a segunda maior bolsa de
valores das Américas e a terceira maior do mundo. A BM&FBovespa está
ligada a todos as bolsas de valores brasileiras, incluindo a Bolsa de Valores
do Rio de Janeiro (BVRJ), onde são negociados apenas títulos. O indicador
de referência da BM&FBovespa é denominado Ibovespa e, em fevereiro de
2011, haviam 467 empresas negociadas na BM&Fbovespa.
Estão incluídas entre as funções das bolsas de valores organizar, manter,
registrar e supervisionar operações com valores mobiliários. Para tanto, as bolsas de valores podem estabelecer regras adicionais às emitidas pela CVM.
Em 11 de Dezembro de 2000, a Bovespa lançou um novo mercado para
a negociação de ações (“Novo Mercado”) para companhias que aceitem
estar vinculadas por regras de governança corporativa e societária de divulgação de informações (disclosure) mais rigorosas que as estabelecidas
pela legislação brasileira, sendo que nesse segmento, as empresas registradas se obrigam a (i) só emitir ações ordinárias, (ii) manter ao menos
25% das ações emitidas no mercado, (iii) estender a todos os acionistas os
mesmos termos e condições obtidos pelos acionistas controladores no caso
de venda do controle, (iv) disponibilizar balanço anual seguindo as normas do US GAAP ou IAS GAAP; e (v) divulgar informações relativas à
negociação com partes relacionadas (related party transactions). Segundo
dados de fevereiro de 2011, já são 168 as companhias listadas nos segmen-
130
Eduardo Simões Lanna
tos diferenciados de Governança Corporativa da Bolsa, sendo 112 no Novo
Mercado, 18 no Nível 2 e 38 no Nível 1.
Importante destacar que, apesar do mercado de capitais brasileiro ser
relativamente novo no comércio mundial de valores mobiliários ao se comparar com os mercados europeus e norte-americano, o mesmo vem se destacando pela modernidade e maturidade nas suas operações, o que pode
ser observado pela recuperação do mercado de capitais brasileiro em face
da crise econômica mundial de 2008:
2008
2009
Nº de
registros
Volume em R$
Nº de
registros
Volume em R$
Ações
13
34.003.995.876,43
28
32.280.348.057,00
Certificado
audiovisual
115
110.269.545,00
95
124.191.783,00
Certificado de
Depósito de Ações
2
875.007.007,00
2
14.850.375.000,00
Certificado de
Recebíveis
Imobiliários
28
830.736.816,29
36
1.223.975.134,25
Debêntures
25
37.458.538.000,00
20
11.080.348.105,00
Notas promissórias
44
25.907.750.000,00
35
9.510.629.300,80
Quotas FIDC/
FIC-FIDC/ FIDC-NP
72
10.020.850.000,00
32
8.212.657.727,10
Quotas FIP/ FIC-FIP
72
20.050.464.950,10
22
7.256.909.827,26
Quotas FUNCINE
3
130.000.000,00
5
190.000.000,00
23
560.715.520,00
23
2.877.621.401,44
3
712.786.700,00
0
0,00
400
130.661.114.414,82
298
87.607.056.335,85
Tipo de oferta
Quotas de Fundo
Imobiliário
Título de
Investimento
Coletivo
TOTAL
MERCADO DE CAPITAIS
131
Mercado de Balcão
O Mercado de Balcão Organizado é caracterizado como uma 2ª vertente para negociação de valores mobiliários que não nas bolsas de valores,
sendo constituído por sociedades ou companhias comerciais especificamente constituídas com o propósito de negociar valores mobiliários, em
concordância com as regras da CVM e sujeitas à sua aprovação prévia.
O Mercado de Balcão, por seu turno, possui uma lista taxativa dos valores que podem ser objeto de negociação de sua competência, quais sejam:
(i)valores mobiliários registrados na CVM para negociação no Mercado de Balcão Organizado;
(ii) certificados de investimentos em trabalhos audiovisuais;
(iii) quotas de fundos de investimento fechado, os quais estão sujeitos
à distribuição pública (tais como fundos mútuos de investimento em
ações, fundos mútuos de investimento imobiliário e outros); e
(iv) outros valores mobiliários expressamente autorizados pela CVM.
As operações no Mercado de Balcão Organizado são usualmente realizadas por telefone pelos corretores/intermediários em seus escritórios e
não são coordenados pela CVM, embora estejam sujeitas a sua supervisão.
O preço e o volume das operações completadas no Mercado de Balcão
Organizado não são publicadas regularmente.
Importante destacar que, dentro do gênero de mercado de balcão, existe,
ainda, o mercado não organizado que é definido pelo Artigo 3º da Instrução nº 202 da CVM como compreendendo todo negócio conduzido fora
das bolsas de valores com intermediação de membros do mercado de valores mobiliários.
Necessário que fique estanque, todavia, que, as ações que são negociadas na bolsa de valores não podem ser negociadas no mercado de balcão,
exceto no caso de distribuição pública.
Estrutura Organizacional
A estrutura do Sistema Financeiro Nacional pode ser sintetizada conforme representação do organograma abaixo, em que, no topo da “pirâmide”
132
EDUARDO SIMÕES LANNA
se localiza o Conselho Monetário Nacional, responsável pelas diretrizes
econômicas do país, até se alcançar a Bolsa de Valores em sua base, onde
as diretrizes são sedimentadas na sua prática efetiva.
o CaPital eStRangeiRo no bRaSil
A Lei nº. 4.131, de 03 de setembro de 1962 (Lei de Capitais Estrangeiros), e suas alterações, regulam o investimento estrangeiro no Brasil. De
acordo com essa Lei, os investimentos estrangeiros no Brasil devem ser registrados no Banco Central do Brasil para possibilitar a remessa de lucros
e/ou juros sobre capital próprio aos investidores estrangeiros, bem como
a repatriação de capital em moeda estrangeira investido no País e ainda
o registro no Banco Central do reinvestimento de lucros e/ou juros sobre
capital próprio.
O artigo 1º da Lei nº. 4.131/1962 considera como capitais estrangeiros:
(i) os bens, máquinas e equipamentos detidos por indivíduos ou sociedades
residentes ou domiciliados no exterior ingressados no Brasil sem dispêndio inicial de divisas, destinados à produção de bens ou serviços, bem
MERCADO DE CAPITAIS
133
como (ii) recursos financeiros ou monetários detidos por indivíduos ou
sociedades residentes ou domiciliados no exterior, introduzidos no Brasil
para aplicação em atividades econômicas.
Assim, investimento estrangeiro, para a legislação brasileira, inclui: (i)
bens importados por sociedades sediadas no País, para contribuição de
capital (e.g. máquinas e equipamentos); (ii) capitalização de créditos estrangeiros remissíveis e (iii) o envio efetivo de fundos ao Brasil, como
contribuição de capital.
Com o intuito de estimular os investimentos estrangeiros no País,
o Governo Brasileiro vem eliminando restrições a tais investimentos
em determinados setores da economia nacional, entretanto, alguns
segmentos ainda estão sujeitos à restrições, devido à sua importância
política, econômica ou de segurança nacional, tais como os exemplos
dispostos abaixo:
(i)Exploração e aproveitamento de jazidas, minas e demais recursos
minerais e potenciais de energia hidráulica;
(ii) Exploração, pesquisa e lavra de petróleo e gás natural;
(iii) Navegação de cabotagem para o transporte de mercadorias, salvo
determinados casos;
(iv) Propriedade e administração de empresas jornalísticas e de radiodifusão sonora e de sons e imagens (limitado a 30% do capital
votante, sendo que a participação de estrangeiros em tais empresas somente pode se dar de forma indireta, por meio de pessoa
jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha sede no
Brasil);
(v)Investimento em serviço de televisão a cabo (limitado a 49% do capital votante);
(vi) Estabelecimento de indústrias que interessem à segurança nacional e prática de determinadas atividades nas faixas fronteiriças;
(vii)Aquisição de imóvel rural por estrangeiro, se situado em área considerada indispensável à segurança nacional;
134
Eduardo Simões Lanna
(viii)Investimento em empresas aéreas (a concessão somente será dada a
pessoa jurídica brasileira com sede no Brasil, que pode ter até 1/5 do
capital com direito a voto detido por estrangeiros);
(ix) Transporte rodoviário de cargas (limitado a 1/5 do capital com direito a voto);
(x) Assistência à saúde, salvo determinados casos; e
(xi) Constituição ou aquisição de instituições financeiras no Brasil.
Investimentos no mercado de capitais
Importante destacar, de plano, que as regras para investimento estrangeiro direto não se confundem com o investimento no mercado de capitais,
apesar de ambos serem necessariamente precedidos de registro perante o
Banco Central.
A legislação brasileira permite o investimento no mercado de capitais,
por parte de pessoas físicas ou jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior, por meio de aquisição de ações e demais valores mobiliários. Estes
investimentos, denominados “investimentos em portfólio”, quando realizados por não-residentes, estão sujeitos ao registro no Banco Central e na
Comissão de Valores Mobiliários – CVM.
A propósito, nos termos da Circular nº 3.492/10 do Banco Central, que
dispõe sobre o módulo RDE – Portfólio, para registro dos investimentos
externos nos mercados financeiro e de capitais, reza seu artigo 3º que o
registro inicial deve ser efetuado para cada investidor, mediante declaração da instituição administradora, anteriormente ao primeiro ingresso de
recursos no País, utilizando as transações previstas no Sistema de Informações Banco Central – SISBACEN.
De acordo com a regulamentação em vigor, são considerados como investidores não-residentes, individuais ou coletivos, as pessoas físicas ou
jurídicas, os fundos ou outras entidades de investimento coletivo, com residência, sede ou domicílio no exterior.
Atualmente, é permitido o ingresso e trânsito livre dos investidores nãoresidentes a todos os produtos disponíveis no mercado local. Previamente
ao início de suas operações, o investidor não-residente deve nomear um ou
MERCADO DE CAPITAIS
135
mais representantes no País que ficará responsável, entre outras funções,
pela prestação de informações e registros no Banco Central e na CVM.
Este representante não se confunde com aquele exigido pela legislação
tributária, embora, na prática, tenda a assumir também essa função.
O investidor não-residente deve, por intermédio de seu representante,
obter registro na CVM, que é efetuado por meio eletrônico, bem como
deve ser realizado o registro dos recursos ingressados no País como “investimento em portfólio” no Banco Central, efetuado de forma declaratória
e por meio eletrônico, através do SISBACEN. O registro eletrônico inicial
(“RDE/ Portfólio”) e suas atualizações constituem requisito obrigatório
para quaisquer movimentações com o exterior e devem ser providenciados
com anterioridade em relação às mesmas.
Em 26 de janeiro de 2000, o Conselho Monetário Nacional aprovou a
Resolução nº 2.689, pela qual qualquer investidor, inclusive pessoa física
e jurídica, não residente, individual ou coletivo, pode investir nos mercados brasileiros (financeiro e de capitais), podendo ser aplicados nos
instrumentos e modalidades operacionais dos mercados financeiro e de
capitais disponíveis ao investidor residente, seja em renda fixa ou em
renda variável.
O investidor não residente passa a ter o mesmo registro para operar nos
mercados de renda fixa e variável, podendo migrar livremente de uma aplicação para outra. Para ter acesso a tais mercados, o investidor estrangeiro
deverá constituir representante no Brasil, que será responsável pelo registro das operações, preencher o formulário anexo à Resolução nº 2.689/00 e
obter registro junto à Comissão de Valores Mobiliários (CVM).
De acordo com os incisos I e II do art. 6º da Resolução CMN nº 2.689/00,
os títulos e valores mobiliários do investidor estrangeiro deverão estar custodiados em entidade autorizada pela CVM ou Banco Central a prestar tal
serviço, ou, ainda, registrados, conforme o caso, no Sistema Especial de
Liquidação e Custódia (SELIC) ou em sistema de registro e de liquidação
financeira administrado pela Central de Custódia e de Liquidação Financeira de Títulos (CETIP).
Deve constar, em campo apropriado no contrato de câmbio, o número de
registro do RDE, em todas as operações realizadas em nome do investidor
não residente.
136
Eduardo Simões Lanna
Nas remessas ao exterior a título de juros, retorno e ganho de capital,
o banco interveniente é responsável pela verificação dos documentos a
serem apresentados, os quais devem comprovar a distribuição de juros, a
propriedade e a venda dos ativos que os geraram ou foram alienados, bem
como o recolhimento dos tributos devidos.
Observada a legislação aplicável, os investimentos no mercado de capitais brasileiro estão sujeitos a regime especial de tributação, salvo determinadas exceções.
Registro de investimento estrangeiro no
Banco Central
O registro de investimento estrangeiro em sociedades brasileiras é efetuado
eletronicamente, através de sistema computadorizado de informações do Banco
Central (“SISBACEN”), por meio de um registro declaratório eletrônico (conhecido como RDE), no módulo específico do investimento, que, portfólio.
Para que seja possível a efetivação de tal registro, a instituição administradora ou custodiante deverá previamente obter uma senha de acesso ao
SISBACEN, pelo qual ficará responsável submeter até o 5º dia útil de cada
mês um relatório constando a situação atualizada do portfólio até o último
dia do mês imediatamente subseqüente.
As empresas responsáveis pelo registro do portfólio deverão manter os
documentos comprobatórios das declarações prestadas através do SISBACEN à disposição do Banco Central, pelo prazo de 5 (cinco) anos contados
da data de cada registro.
Conforme mencionado acima, o registro de investimento estrangeiro é
estabelecido pela Lei nº. 4.131/1962, para permitir a remessa de juros e outros valores aos investidores estrangeiros, com relação aos investimentos
realizados por eles em empresas brasileiras.
Remessa de lucros, dividendos rendimentos
Via de regra, não existem restrições à distribuição de lucros e sua conseqüente remessa ao exterior. Os lucros gerados a partir de 1.1.1996 estão
isentos de imposto de renda retido na fonte.
MERCADO DE CAPITAIS
137
As remessas relativas a lucros, rendimentos, retorno e ganho de capital
devem ter sua destinação registrada no Módulo RDE, sendo que o banco
interveniente fica responsável pela verificação dos documentos a serem
apresentados pela instituição administradora, pelo custodiante ou representante do investidor não-residente.
O regime de tributação incidente sobre as aplicações financeiras mantidas por não-residentes no Brasil são estabelecidas pela lei nº 11.033, de
21/12/2004, que dispõe que a alíquota do imposto de renda sobre os ganhos
líquidos auferidos em operações realizadas em bolsas de valores, de mercadorias, de futuros e assemelhadas será em regra de 15%.
A referida alíquota não se aplica, entretanto, paa os ganhos auferidos em
operações de day trade, que se sujeitam às alíquotas de 1% na fonte e de
20% no final de cada período de apuração.
Importante destacar que, para as aplicações e investimento de renda
fixa, o regime tributário adotodado é de critério de tributação decrescente,
de acordo com o prazo de permanência dos recursos na aplicação.
Vale destacar que a incidência ou não de tributação, bem como a sua
alíquota, depende da origem do investimento, sendo diferenciada para
aqueles provenientes de países ou dependências que não tributam a renda
ou que a tributam à uma alíquota inferior a 20%, sendo nestes casos denoiminado na legislação brasileiro como “tributação favorecida”.
Assim, vale a pena conferir as tabelas abaixo.
Alíquotas incidentes para investidores não residentes oriundos de localidades com “tributação não favorecida”
Imposto
Em
Bolsa
Ações
Fora de
Bolsa
Outros derivativos
Em Bolsa
Fora de Bolsa
Renda
Fixa
Ganhos de
capital
Isento
15%
Isento
10%
0% ou
15%**
Fluxo cambial*
Isento
0,38%
0,38%
0,38%
0,38%
*
Entrada no Brasil ou remessas para o exterior de recursos financeiros. (A tributação
ocorre de acordo com o destino dos recursos.)
** Os ganhos de capital de renda fixa (denominados “rendimentos” no Brasil) referentes a títulos públicos federais possuem alíquota zero, e os demais, 15%. (Títulos
públicos são títulos de dívida emitidos pelo tesouro nacional, cujo risco de crédito
138
Eduardo Simões Lanna
é soberano (governo brasileiro). Os títulos públicos podem estar atrelados a indexadores como inflação, taxa de câmbio ou taxa de juros. Ou ainda simplesmente
serem pré-fixados).
Alíquotas incidentes para investidores não residentes oriundos de localidades com “tributação favorecida”.
Imposto
Ações
Outros derivativos
Em Bolsa Fora de Bolsa Em Bolsa
Fora de Bolsa
Renda
Fixa
Ganhos de capital
15%
15%
15%
10%
depende do
prazo**
Fluxo cambial*
Investimentos
Isento
Isento
0,38%
0,38%
0,38%
0,38%
0,38%
0,38%
0,38%
0,38%
Day trades
20%
20%
20%
20%
n.d.
*
Entrada no Brasil ou remessas para o exterior de recursos financeiros.
(A tributação ocorre de acordo com o destino dos recursos.)
** As alíquotas referentes a ganhos de capital de renda fixa (denominados rendimentos no Brasil) são:
- 22,5% para operações até 180 dias;
- 20% para operações de 181 dias a 360 dias;
- 17,5% para operações de 361 dias a 720 dias; e
- 15% para operações de acima de 720 dias.
ecida”.
O Brasil assinou tratados para evitar dupla tributação com os seguintes países: Alemanha; Argentina; Áustria; Bélgica; Canadá; Chile; China;
Coréia; Dinamarca; Equador; Eslováquia; Espanha; Filipinas; Finlândia;
França; Holanda; Hungria; Índia; Israel; Itália; Japão; Luxemburgo; Noruega; Portugal; República Tcheca;; e Suécia.
Inscrição de pessoas físicas e sociedades
estrangeiras no CPF e CNPJ
De acordo com a Instrução Normativa da Receita Federal do Brasil
nº.1.005, de 08 de fevereiro de 2010, as pessoas físicas e jurídicas domiciliadas no exterior, que possuam no Brasil bens e direitos sujeitos a registro
público, estão obrigadas a se inscrever no CPF (Cadastro das Pessoas Físicas) e CNPJ (Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica), respectivamente.
MERCADO DE CAPITAIS
139
• De acordo com tal Instrução Normativa, as pessoas jurídicas estrangeiras são obrigadas a se inscrever no CNPJ nas seguintes hipóteses:
Se possuírem imóveis, veículos, embarcações, aeronaves, participações societárias, contas-correntes bancárias, aplicações no mercado
financeiro, aplicações no mercado de capitais, bens intangíveis com
prazo de pagamento superior a 360 (trezentos e sessenta dias) e financiamentos;
• Se praticarem importação financiada, arrendamento mercantil externo (leasing), arrendamento simples, aluguel de equipamentos e afretamento de embarcações, importação de bens sem cobertura cambial, destinados à integralização de capital de empresas brasileiras,
empréstimos em moeda concedidos a residentes no país, investimentos e outras operações estabelecidas pela Cocad (Coordenação-Geral
de Gestão de Cadastros da RFB).
O procedimento referente à inscrição no cadastro das pessoas físicas
(CPF) será realizado através da Receita Federal do Brasil, enquanto o referente ao cadastro das pessoas jurídicas estrangeiras (CNPJ) será feito
exclusivamente através do Sistema Eletrônico de Informações do Banco
Central (SISBACEN).
Referências Bibliográficas
BRASIL, Lei n. 4.131, de 03 de setembro de 1962.
BRASIL, Lei n. 4.595, de 31 de dezembro de 1964.
BRASIL, Lei n. 6.385, de 07 de dezembro de 1976.
BRASIL, Lei n. 6.404, de 15 de dezembro de 1976.
BRASIL, Lei n. 11.033, de 21 de dezembro de 2004.
Site do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br), no dia 24 de março de 2011.
Site da BM&FBovespa (www.bmfbovespa.com.br), no dia 28 de
março de 2011.
Site Portal do Investidor (www.portaldoinvestidor.gov.br), no dia 28
de março de 2011.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA
PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES
Juliano Langaro da Silva
[email protected]. Especialista em Direito Societário
pela Fundação Getúlio Vargas de São Paulo. Advogado sócio de Lippert &
Cia. Advogados (Aliado em Porto Alegre/RS)
Sumário: 1. Introdução – 2. A Ofeta Pública Inicial. – 2.1. Definição das Características da Operação. – 2.2. Adequação Societária e Contábil. – 2.3. Registro
como Companhia Aberta. – 2.4. Due Diligence - 2.5. Instituições Intermediárias
(Underwriter). – 2.6. Prospecto e Estudo de Viabilidade Econômica. – 2.7. Registro da Oferta Pública de Ações. – 2.8. Aviso ao Mercado, Road Show e Bookbuilding.- 2.9. Período de Reserva. - 2.10. Pricing – 3. Conclusão. – 4. Bibliografia.
1. INTRODUÇÃO
Após anos de recessão, planos econômicos fracassados e altos índices
inflacionários, a economia brasileira emerge dentre as mais sólidas economias mundiais. Por meio do Plano Real, a inflação foi contida e a indústria
nacional iniciou um contínuo e sustentável processo de crescimento.
Em função da estabilização econômica e do aquecimento do mercado
consumidor, aliado ao ingresso de recursos externos, tanto de forma direta,
por meio da aquisição de participações societárias, como de forma indireta,
por meio de operações financeiras, as empresas nacionais viram-se compelidas a ampliar suas operações e procurar fontes de recursos financeiros. Para
tanto, havia duas alternativas: buscar capital de terceiros via empréstimos ou
recorrer ao mercado de capitais cuja função é justamente unir os poupadores
que possuem excesso de recursos disponíveis, com os tomadores, que necessitam destes recursos para financiar seus projetos de investimento.
Tendo em vista o alto custo dos empréstimos, a busca de recursos por
meio dos processos de abertura de capital com oferta pública de valores
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
141
mobiliários tornou-se uma opção bastante atrativa. Em 2006, por exemplo,
houve recorde de ofertas públicas iniciais (IPOs). No total, 26 companhias
abriram seu capital, número superior à soma dos dez anos anteriores, período em que apenas 20 companhias haviam realizado esse tipo de operação, sendo 16 IPOs entre 2004 e 2005. No total, as captações atingiram R$
15,2 bilhões, representando 50,3% do volume total de ofertas, contra R$
4,36 bilhões captados em 2005, o que significou expansão de 248,62%.
Dada a relevância do tema para os dias atuais, principalmente neste período
de pós-crise econômica em que existe grande expectativa do mercado de capitais no sentido de estabelecer novos recordes, o presente artigo apresenta
breves considerações o funcionamento do processo de IPO.
2. A OFERTA PÚBLICA INICIAL
O IPO é um processo que reúne etapas distintas e complementares, nas
quais ocorre a análise de fatores operacionais, econômicos, financeiros,
“A captação de recurso por meio de fontes externas aumenta o nível de endividamento e, conseqüentemente, reduz a capacidade da empresa de reobtê-los. Já as
fontes próprias melhoram o nível de endividamento, e além de possibilitarem novas obtenções de recursos, também reduzem o endividamento e ampliam a capacidade de obtenção de recursos externos, caso seja necessário. Quando uma empresa
precisa fortalecer sua base de capital próprio, nem sempre os atuais acionistas são
capazes de subscrever as ações de uma nova emissão. Nesse caso é preciso que
mais gente se associe àquela empresa. [...] As necessidades satisfeitas pela abertura
de capital, normalmente, estão ligadas à necessidade de financiamento dos projetos
de expansão, como, por exemplo: ampliação da produção; modernização da empresa; criação de novos produtos; informatização; etc...” (PINHEIRO, Juliano Lima.
Mercado de capitais : fundamentos e técnicas. Atlas: p. 98/99.)
Anuário Estatístico das Companhias Abertas 2007. Abrasca – Associação Brasileira das Companhisa Abertas. Ano 3, n.3
Apesar o art. 19, § 1º, da Lei 6.385/76 defina como oferta pública de valores mobiliários “a venda, promessa de venda, oferta à venda ou subscrição, assim como a
aceitação de pedido de venda ou subscrição de valores mobiliários, quando os pratiquem a companhia emissora, seus fundadores ou as pessoas a ela equiparadas”,
e o art. 3º da ICVM 400 complemente o diploma legal antes referido, relacionando
uma série de hipóteses configuradoras da oferta pública, existem dois elementos subjetivos fundamentais que devem ser analisados para fins de configuração da oferta
pública: o nível de sofisticação dos investidores e o acesso a informações sobre a
companhia e os títulos em questão. Sobre o tema, consultar a obra EIZIRIK, Nelson;
GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado
de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.
142
Juliano Langaro da Silva
contábeis, fiscais, societários e legais da companhia emissora e seus acionistas. Caso a companhia emissora integre um grupo societário de fato (situações de controle ou coligação), a análise destas companhias comumente
se faz necessária.
O cronograma básico de um processo de IPO é o seguinte:
Cronograma Ilustrativo para IPO
D-0
Publicação de aviso ao mercado; Apresentação de prospecto preliminar;
Início do procedimento de bookbuilding (coleta de intenções de investimento); Início do road show.
D+7
Publicação do segundo aviso ao mercado (este com os logotipos das
corretoras consorciadas); Início do período de reserva (investidores não
institucionais).
D+14
Encerramento do período de reserva;
D+15
Encerramento do road show; Encerramento do bookbuilding; Definição do
preço por ação; Assinatura do contrato de distribuição, entre outros relacionados à oferta.
D+16
Registro da oferta pela CVM; Publicação do anúncio de início de oferta
pública; Apresentação do prospecto definitivo.
D+17
Início da negociação das ações na Bovespa; Início do prazo de exercício da
opção de lote suplementar de ações.
D+22
Data de liquidação da operação.
D+45
Encerramento do prazo para colocação do lote suplementar.
D+50
Prazo máximo para liquidação do lote suplementar.
D+52
Prazo máximo para publicação do anúncio D+52 de encerramento.1
De outro lado, como condição para o início das etapas descritas do cronograma acima, a companhia passa por uma fase prévia de preparação.
A seguir, portanto, abordar-se-ão tanto os aspectos preliminares ao processo de IPO como as suas principais fases.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
143
2.1. Definição das Características da Operação
A etapa de preparação da companhia para o processo de IPO começa
com a definição da melhor forma da operação a ser realizada. Nela são definidos, por exemplo, se a oferta será primária, secundária ou mista, qual
o volume de recursos envolvido, quais valores mobiliários serão ofertados
ao mercado, o público alvo, os procedimentos de distribuição, as garantias a serem oferecidas aos investidores, e, se for o caso, a remuneração
que será atribuída aos títulos, o plano de repactuação ou de conversão em
ações, no caso de debêntures, tipo e o preço do título, os custos de todo o
processo e análise de viabilidade econômica.
É nesta etapa que a companhia deve definir qual será o padrão de governança corporativa da Bolsa de Valores (“Bovespa”) que irá adotar. Neste
sentido, abaixo é apresentado um quadro sintético relacionando as prin
“Distinguem-se duas modalidades de ofertas públicas de distribuição: as chamadas
ofertas primárias e as secundárias. Nas ofertas primárias, a companhia emite novos
valores mobiliários, com o objetivo de proceder à sua colocação perante os investidores e os recursos obtidos são revertidos para a própria companhia emissora, fim
de financiar seus projetos de desenvolvimento ou suas necessidades de caixa. (...) As
ofertas secundárias, por sua vez, são aquelas em que os acionistas da companhia ou
titulares de outros valores mobiliários de sua emissão vendem ao mercado, também
mediante apelo ao público, os títulos de sua propriedade já emitidos pela companhia. Nesse caso, os recursos pagos pelos investidores para adquirir as ações ou os
outros valores mobiliários ofertados não são destinados à companhia emissora, mas
aos próprios ofertantes. As ofertas secundárias constituem, normalmente, a forma
utilizada pelos acionistas controladores ou outros investidores estratégicos que realizaram investimentos em companhias fechadas para obter retorno financeiro em
seus investimentos e/ou dar liquidez aos títulos de sua propriedade. Note-se, ainda,
que é bastante comum a existência, na prática do mercado, de ofertas mistas, isto é,
aquelas em que parte dos valores mobiliários ofertados provém de uma nova emissão
de companhia e outra parte tem origem em títulos já emitidos.” (in EIZIRIK, Nelson;
GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus de Freitas. Mercado
de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008. p. 133/134)
“A abertura plena do capital se dá através do lançamento de ações junto ao público, dado o volume de negócios resultante e as transformações por que passa a
companhia. Poder-se-ia dizer que a abertura de capital através dos outros valores
mobiliários aqui considerados, sobretudo as debêntures conversíveis e os bônus de
subscrição, seria um estágio preliminar à plena abertura.” (in http://www.cvm.gov.
br/port/public/publ/publ_200.asp. Acesso em 30/06/2010)
144
Juliano Langaro da Silva
cipais características de cada um dos níveis de governança corporativa
fixados pela Bovespa:
Bovespa Mais
Novo Mercado
Nível II
Nível I
Tradicional
Percentual
Mínimo de
Ações em Circulação (free
float)
25% de free
float até o
sétimo ano
de listagem,
ou condições
mínimas de
liquidez
No mínimo
25% de free
float
No mínimo
25% de free
float
No mínimo 25%
de free float
Não há regra
Características
das Ações Emitidas
Somente
ações ON
podem ser
negociadas e
emitidas, mas
é permitida a
existência de
PN.
Permite e
existência somente de ações
ON
Permite e
existência de
ações ON e PN
(com direitos
adicionais)
Permite e
existência de
ações ON e PN
Permite e
existência
de ações ON
e PN
Conselho de
Administração
Mínimo de
três membros
Mínimo de
cinco membros
dos quais pelo
menos 20%
devem ser independentes
Mínimo de
cinco membros
dos quais pelo
menos 20%
devem ser independentes
Mínimo de três
membros
Mínimo de
três membros
Demonstrações
Financeiras
Anuais em
Padrão Internacional
Facultativo
US GAAP ou
IFRS
US GAAP ou
IFRS
Facultativo
Facultativo
Concessão de
Tag Along
100% para
ações ON
100% para
ações ON
100% para
ações ON
80% para ações
PN
80% para ações
ON
80% para
ações ON
Adoção da
Câmara de
Arbitragem do
Mercado
Obrigatório
Obrigatório
Obrigatório
Facultativo
Facultativo*
*
Fonte: http://www.bmfbovespa.com.br/empresas/pages/empresas_governanca-corporativa.asp. Acesso em 30/06/2010.
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
145
Ajustados os aspectos macro da oferta, o próximo passo é realizar a
reestruturação societária e contábil da companhia de forma a prepará-la e
enquadrá-la aos requisitos legais.
2.2. Adequação Societária e Contábil
Os termos das adequações societárias e contábeis irão variar de operação para operação, dependendo fundamentalmente das estruturas societária e contábil existentes, do tipo de oferta pública desejada e dos interesses
dos acionistas. Porém, é possível definir alguns pontos-chave deste período de reestruturação, comum a grande maioria das companhias que se
preparam para o IPO.
Com relação à questão societária, em geral, a reestruturação da companhia compreende os seguintes atos e negócios jurídicos: (i) realização
de uma assembleia geral de acionistas autorizando a abertura de capital;
(ii) adaptação do estatuo social da companhia, a fim de criar o cargo de
Diretor de Relações com Investidores (DRI), constituir ou adequar o conselho de administração, organizar as classes e espécies de ações emitidas,
regular o direito de voto, rever as competências da assembleia geral e do
conselho de administração e constituir o conselho fiscal; (iii) criação de
uma área de atendimento aos acionistas/debenturistas; (iv) implementação
dos padrões de governança corporativa da Bovespa; (v) a celebração de
acordo de acionistas entre os controladores, regulando direito de voto e
veto, compra e venda de ações, inclusive com possibilidade de período de
lock-up, forma de exercício do poder de controle, critérios para eleição dos
administradores, etc.; (v) elaborar mecanismos de defesa para proteger os
ofertantes/acionistas contra eventuais questionamentos e pedidos indenizatórios dos investidores supostamente prejudicados em função da falta ou
erro de informações contidas no prospecto (due diligence defense).
No que tange aos aspectos contábeis, o mercado de capitais exige cada
vez mais das companhias abertas um elevado nível de transparência de
suas informações gerenciais, contábeis e financeiras, de forma que os investidores tenham condições de avaliar a viabilidade econômica do empreendimento e o risco que estão assumindo ( full disclosure).
Para se enquadrar às exigências legais, a companhia, assim como suas
controladoras, controladas e coligadas, deverão observar não somente o
146
Juliano Langaro da Silva
disposto na Lei 6.404/76, que regula os padrões brasileiros contábeis, mas
também os pronunciamentos do Instituto dos Auditores Independentes do
Brasil (IBRACON), as normas e orientações expedidas pela Comissão de
Valores Mobiliários (CVM) e os pronunciamentos emitidos pelo Comitê
de Pronunciamentos Contábeis (CPC).
Ademais, com o propósito de examinar os registros contábeis e demonstrações financeiras da companhia e do grupo societário do qual ela faz
parte, no que tange à coerência e consistência das informações e à observância dos princípios de contabilidade geralmente aceitos, a companhia
deve contratar uma empresa de auditores independentes devidamente registrados na CVM, conforme dispõem a Lei nº 6.385, de 07/12/76, e a
Instrução CVM nº 308/99.
Todas estas mudanças impõem exaustivo trabalho aos agentes envolvidos na operação, pois a forma de estruturação e processamento das informações contábeis toma um grau de sofisticação e detalhamento muito
superior ao de companhia de capital fechado.
2.3. Registro como Companhia Aberta
A Instrução CVM 480 (“ICVM 480”) tem como objetivo regular o
registro de emissores de valores mobiliários admitidos à negociação em
mercados regulamentados e fixar as obrigações acessórias decorrentes de
referido registro.
O emissor pode requer o registro de companhia aberta na CVM dentro
de uma das seguintes categorias: A - autoriza a negociação de quaisquer
valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores
mobiliários; ou B - autoriza a negociação de valores mobiliários do emissor em mercados regulamentados de valores mobiliários, exceto de ações
e certificados de depósito de ações e valores mobiliários que confiram ao
titular o direito de adquirir ações e certificados de depósito de ações em
consequência da sua conversão ou do exercício dos direitos que lhes são
Cumpre salientar que, após a entrada em vigor da Lei 11.638/07, que alterou a Lei
6.404/76, as informações contábeis das companhias abertas deverão ser estruturadas de acordo com os padrões internacionais (IFRS) emitidos pelo International
Accounting Standards Board (IASB).
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
147
inerentes, desde que emitidos pelo próprio emissor dos valores mobiliários
referidos ou por uma sociedade pertencente ao grupo do referido emissor.
A fim de instruir o pedido de registro, o emissor deve apresentar à Superintendência de Relações com Empresas – SEP da CVM um amplo rol
de documentos societários, contábeis e financeiros, todos relacionados no
Anexo III da ICVM 480.
Inexistindo problemas na documentação que instrui o pedido, o registro
de companhia aberta deve ser concedido no prazo máximo de 20 (vinte)
dias úteis contados do protocolo.
2.4. Due Diligence
O papel da due diligence é essencial em uma operação de abertura de
capital, pois é por meio dela que todas as informações relativas a aspectos
legais e contábeis da companhia são analisados de forma minuciosa por
todos os agentes envolvidos na operação (advogados, contadores, empresas de auditoria, underwriters, etc.) antes de serem incluídas no Prospecto.
Esta etapa tem como objetivo fazer com que o Prospecto do IPO cumpra
com os requisitos impostos pela legislação, ou seja, que contenha informação completa, precisa, verdadeira, atual, clara, objetiva e necessária, em
linguagem acessível, de modo que os investidores possam formar criteriosamente a sua decisão de investimento.
Um processo de due diligence bem elaborado dará segurança para ambos os polos da operação: de um lado, os riscos de questionamentos e
pedidos indenizatórios por parte dos investidores em face da companhia
e/ou dos ofertantes será bastante reduzido, e, de outro lado, os investidores
terão condições de formar a sua decisão de investimento.
Todas as informações necessárias para a due diligence são reunidas na
comumente chamada “Sala de Informações” ou “data room”, que pode
ser tanto físico como virtual. Lá são disponibilizadas informações relativas a, por exemplo, contratos firmados pela companhia, ativos, situação
fiscal, tributária e trabalhista, contingências, certidões relativas aos controladores, garantidores e ofertantes e documentos societários. Com base
nos documentos fornecidos e nas reuniões havidas com os demais agentes
envolvidos no IPO, é elaborada pelos advogados uma legal opinion, que se
148
Juliano Langaro da Silva
constitui em parecer jurídico contendo a análise das informações colhidas
durante a due diligence. Os auditores independentes contratados, de seu
turno, elaborarão uma carta de conforto com relação aos aspectos contábeis da companhia. 2.5. Instituições Intermediárias (Underwriter)
O underwriting consiste na contratação pela companhia emissora dos
valores mobiliários de um intermediário financeiro, autorizado pelo Banco
Central do Brasil (BACEN) para esse tipo de operação, que será responsável pela colocação de uma subscrição pública de ações ou obrigações no
mercado (“underwriter”).
Nos termos do art. 19, § 3º, da Lei 6.385/76 e dos arts. 33 a 37 da Instrução CVM 400 (“ICVM 400”), a presença do underwriter no processo de
IPO é obrigatória.
A contratação do underwriter tem como finalidade suprir a inexperiência das companhias junto ao mercado de capitais, reduzindo assim os
riscos inerentes ao processo da oferta pública, dentre os quais cita-se: (i)
riscos de espera: reside nas eventuais mudanças mercadológicas e econômicas ocorridas no lapso temporal decorrido entre os atos preparatórios
(projeto da operação, elaboração de documentos econômicos, financeiros e
legais) e o dia da oferta pública; (ii) erro na fixação do preço de lançamento
dos valores mobiliários; (iii) falta de expertise na alienação dos títulos no
mercado de capitais. Com efeito, o underwriter assume uma postura de
“O primeiro de tais riscos é o chamado ‘risco de espera’ (waiting risk), referente
ao lapso temporal que transcorre entre o momento em que a companhia verifica a
necessidade de captar recursos, projeta a operação, atende às exigências legais e
administrativas, e a data do efetivo lançamento dos títulos no mercado. Durante
esse interregno, é possível que as condições do mercado sejam substancialmente
afetadas por questões políticas, econômicas ou de outra índole que impeçam que a
oferta pública seja levada a cabo ou que dificultem a colocação dos títulos perante
os investidores. Há também o risco proveniente da fixação do preço de lançamento dos títulos (pricing risk), que deve ser objeto de acurada análise, não somente
por conta da complexidade técnica relativa à valorização – especialmente no caso
de ofertas públicas primárias, já que os papéis a serem emitidos não apresentam
cotação no mercado secundário – mas principalmente por casa do conflito por que
passa toda companhia emissora entre, por um lado, obter o maior preço possível e,
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
149
consultor da operação, servindo como ponte entre a companhia e o mercado de capitais.
A contratação do underwriter pode ser feita sob as seguintes categorias:
(i)Underwriting de melhores esforços (best efforts): No underwriting
“best efforts” (melhores esforços), a instituição financeira contratada
se compromete a realizar os melhores esforços, no sentido de colocação dos títulos emitidos pela empresa junto ao mercado. Não há, por
parte do intermediário financeiro, nenhuma garantia de colocação
da totalidade das ações do lançamento. A empresa corre o risco de
não conseguir aumentar o seu capital no montante pretendido, uma
vez que assume todos os riscos do lançamento.
(ii)Underwriting de stand-by: Subscrição em que a instituição financeira se compromete a colocar as sobras junto ao público em determinado espaço de tempo, após o qual ela mesmo subscreve o total
das ações não colocadas. Decorrido o prazo, o risco de mercado é do
intermediário financeiro.
(iii) Underwriting firme (straight): Operação em que a instituição
financeira subscreve integralmente a emissão para revendê-la posteriormente ao público. Selecionando esta opção, a empresa assegura
a entrada de recursos. O risco de mercado é do intermediário financeiro.
Conforme a complexidade e o volume financeiro da oferta, instituiões
financeiras podem se unir sob forma de consórcio a fim de reduzir os rispor outro, estabelecer um preço que seja atrativo para os investidores. Com efeito,
a determinação de um preço muito baixo fará com que a companhia capte volume
menor de recursos do que teria condições, ao passo que um preço muito alto poderá
comprometer a colocação. Por fim, há o risco de distribuição pública dos títulos
(marketing risk), resultante das dificuldades d venda dos papéis por quem não dispõe de uma estrutura especializada e não tem condições de prever como evoluirá o
mercado. Os underwriters , ao contrário da companhia emissora, possuem o chamado ‘poder de colocação’ (placing power) que lhes garante expertise na distribuição dos valores mobiliários, haja vista a estrutura profissional de que dispõem.”
(EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES, Marcus
de Freitas. Mercado de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro: Renovar, 2008
p. 164/165)
150
Juliano Langaro da Silva
cos envolvidos na operação. Neste caso, uma das instituições é indicada
como coordenador líder.
2.6. Prospecto e Estudo de Viabilidade Econômica
Documento elaborado pelo ofertante juntamente com a instituição líder
da distribuição, o prospecto é o elemento mais importante de uma oferta
pública inicial de valores mobiliários, pois contém toda a história da companhia, como funciona mercado em que ela está inserida, quais as expectativas do setor, as informações jurídicas, contábeis, fiscais e financeiras,
enfim toda uma gama de dados para que os investidores possam formar
criteriosamente a sua decisão de investimento, nos termos do art. 38 da Lei
6.385/76.
Prática muito utilizada no mercado financeiro para ofertas públicas iniciais é a utilização dos prospectos preliminares, pois com eles a emissora
e o coordenador líder da oferta podem anunciar a oferta ao mercado, promovê-la aos investidores e coletar as intenções de investimento, conforme
será tratado adiante.
Sem prejuízo de outras informações exigidas pela CVM, os requisitos mínimos do
Prospecto são: (i) a oferta; (ii) os valores mobiliários objeto da oferta e os direitos
que lhes são inerentes; (iii) o ofertante; (iv) a companhia emissora e sua situação
patrimonial, econômica e financeira; (v) terceiros garantidores de obrigações relacionadas com os valores mobiliários objeto da oferta; e (vi) terceiros que venham
a ser destinatários dos recursos captados com a oferta
“Prospecto é o documento elaborado pelo ofertante em conjunto com a instituição
líder da distribuição, obrigatório nas ofertas públicas de distribuição de que trata esta Instrução, e que contém informação completa, precisa, verdadeira, atual,
clara, objetiva e necessária, em linguagem acessível, de modo que os investidores
possam formar criteriosamente a sua decisão de investimento.” Nesta mesma linha, o artigo 15 do Real Decreto 261/92 dispõe: “El folleto se ajustará a los modelos aprobados por el Ministero de Economía y Hacienda o, con su habilitación
expresa, por la Comisión Nacional del Mercado de Valores, previo informe en este
último supuesto de los órganos competentes de la Administración tributaria en lo
relativo a las precisiones en materia de régimen fiscal a incluir en el folleto informativo. Contendrá los datos necesarios para que los destinatarios de la emisión
puedan formarse un juicio completo y razonado sobre la misma, los valores que la
integran y el emisor.” (http://www.derecho.com/l/boe/real-decreto-291-1992-emisiones-ofertas-publicas-venta-valores/#A15. Acesso em 30/06/2010)
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
151
Em alguns casos, além do Prospecto, é exigido que a companhia apresente Estudo de Viabilidade Econômica. Sua obrigatoriedade emerge
quando: (i) a oferta tenha por objeto a constituição de companhia, (ii) a
companhia exerça a sua atividade há menos de dois anos e esteja realizando a primeira distribuição pública de valores mobiliários, (iii) a fixação do
preço da oferta baseie-se, de modo preponderante, nas perspectivas de rentabilidade futura da companhia, (iv) houver emissão de valores mobiliários
em montante superior ao patrimônio líquido da companhia, considerando
o balanço referente ao último exercício social, e (v) os recursos captados
visarem à expansão ou diversificação das atividades ou investimentos em
controladas ou coligadas companhia tenha apresentado patrimônio líquido
negativo, ou tenha sido objeto de concordata ou falência nos três exercícios
sociais que antecedem a oferta.
2.7. Registro da Oferta Pública de Ações
Obrigatório para a oferta pública de valores mobiliários nos mercados
primário e secundário, o processo de registro perante a CVM é regulamentado pela ICVM 400, que tem como objetivo assegurar a proteção dos interesses do público investidor e do mercado em geral, deve ser apresentado
pelos fundadores e/ou pela companhia, conforme o caso, em conjunto com
a instituição líder da distribuição10.
10
A ICVM 400 dispensa automaticamente o registro, isto é, sem necessidade de autorização da CVM, as ofertas públicas que envolverem (i) ações de propriedade de
pessoas jurídicas de direito público e de entidades controladas direta ou indiretamente pelo Poder Público, (ii) lote único e indivisível de valores mobiliários, e (iii)
valores mobiliários de emissão de empresas de pequeno porte e de microempresas,
limitado ao valor de R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais) para
uma mesma emissora em cada período de 12 meses. Além disso, conforme os §§ 1º
e 2º do art. 5º da ICVM 400, existe uma exceção à regra de dispensa automática de
registro da oferta pública na CVM, que é no caso de oferta pública envolvendo lote
único e indivisível de valores mobiliários. Nesta hipótese, a faculdade de dispensa do registro não poderá ser reutilizada pelo mesmo ofertante em relação a uma
mesma espécie de valores mobiliários de uma mesma emissora dentro do prazo
de 04 meses contados do encerramento da oferta, a não ser que a oferta se refira a
certificados de recebíveis imobiliários ou certificados de recebíveis do agronegócio
de uma mesma companhia securitizadora lastreados em créditos segregados em
diferentes patrimônios por meio de regime fiduciário.
152
Juliano Langaro da Silva
Finalizada a análise do pedido de registro da oferta pública, a CVM
poderá deferir ou não o pedido. Caso o defira, o líder da distribuição será
comunicado juntamente com o ofertante.
A CVM poderá suspender ou cancelar a oferta desde que esteja se processando em condições diversas das constantes da ICVM 400, ou tenha
sido considerada ilegal ou fraudulenta. Se for processado o cancelamento,
o ofertante deverá dar ciência do fato aos investidores que já tenham aceitado a oferta, facultando-lhes assim a possibilidade de revogar a aceitação
até o 5º dia útil do comunicado.
A CVM pode acolher o pleito de modificação ou revogação da oferta,
havendo alteração substancial nas circunstâncias de fato existentes quando da apresentação do pedido de registro de distribuição. Essa revogação
tornará ineficazes a oferta e os atos de aceitação anteriores ou posteriores,
devendo ser restituídos integralmente aos aceitantes os valores dados em
contrapartida aos valores imobiliários.
Segundo as normas de conduta contidas na Instrução, a emissora, o ofertante e as instituições intermediárias deverão, até que a oferta pública seja
divulgada no mercado, limitar a revelação de informações relativas à oferta e limitar a utilização de informação reservada com fins relacionados.
2.8. Aviso ao Mercado, Road Show e Bookbuilding
Com a definição de todas as características da operação e com o processo de registro em pleno andamento na CVM, chega o momento de anunciar a oferta ao mercado, por meio da publicação do prospecto preliminar,
promovê-la aos investidores e coletar as intenções de investimento.
O road show nada mais é do que a tentativa dos executivos e principais
acionistas de vender o projeto de expansão da companhia que amparada
operação de IPO. É uma etapa bastante cansativa e desgastante, pois o
público alvo são investidores altamente qualificados e, geralmente, difíceis de serem convencidos. Porém ela é fundamental para o processo de
formação de preço, também chamado no jargão do mercado de capitais de
bookbuilding.
O banco coordenador procura fazer do road show um instrumento
para atrair compradores, o que tem impacto direto no processo de for-
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
153
mação de preço, o bookbuilding. Quanto mais interesse uma empresa é
capaz de gerar nesse período, maior é a expectativa de que o preço final da oferta venha a se situar no topo da faixa inicialmente estimada11.
Por fim, bookbuilding significa o processo por meio do qual o banco coordenador da oferta busca as intenções de compra de vários investidores
para diferentes faixas de preço, a fim de avaliar e atrair demanda para valor
mobiliário.
Tanto o road show como o bookbuilding iniciam no momento em que o
aviso ao mercado for publicado.
2.9. Período de Reserva
O período de reserva tem início com a nova publicação ao mercado da
oferta, porém desta vez são indicadas quais as corretoras consorciadas,
com o objetivo de a possibilitar que os investidores façam suas reservas a
partir da data referida neste anúncio.
2.10. Pricing
Após encerrados o road show e o bookbuilding, inicia-se a fase mais
tensa de todo o processo de IPO, pois é quando a proposta do preço final
dos valores mobiliários é apresentada pelo banco coordenador aos principais acionistas da companhia. Nesta etapa, é firmado o contrato de distribuição com o banco coordenador e, em geral, o primeiro pregão ocorre no
dia seguinte.
3. CONCLUSÃO
A oferta pública inicial de valores mobiliários pode ser vista sob vários
enfoques, dependendo do objetivo da companhia emissora e dos ofertantes. O primeiro e mais divulgado deles é vê-la como uma fonte de financiamento para projetos de expansão, conforme já referido. No entanto, cum-
11
Comumente antes do road show os bancos coordenadores da emissão ajustam reuniões previas com alguns dos potenciais investidores, a fim de obter uma prévia da
operação (pilot fishing)
154
Juliano Langaro da Silva
pre salientar que esta não é a única motivação que leva uma companhia a
acessar o mercado de capitais.
Dentre outras vantagens decorrentes da abertura de capital podemos
citar: (i) implementação do processo de profissionalização da gestão, que
decorre não somente em razão de disposições legais (p.ex. a obrigatoriedade de eleição de conselheiros representantes dos novos acionistas e a
exigência da figura do Diretor de Relações com Investidores), mas também por exigência dos investidores; (ii) reestruturação societária: devido
à necessidade de adequar os atos constitutivos à legislação em vigor, a
abertura de capital é uma ótima possibilidade de equacionar questões
ligadas a processos sucessórios e partilhas de herança, além de facilitar
a celebração de contratos associativos com investidores internacionais;
(iii) credibilidade à imagem institucional: a abertura de capital demanda
um elevado grau de transparência e confiabilidade nas informações que
fornece aos investidores. Isso gera maior facilidade nos negócios, atração
do consumidor final e maior presença e prestígio no mercado. Além disso, o custo financeiro das operações bancárias de uma companhia aberta
é normalmente inferior do que de uma companhia fechada; (iv) liquidez
patrimonial: os controladores de uma companhia aberta aumentam a liquidez de suas ações.12
De outro lado, o IPO também gera algumas desvantagens para a companhia, tais como maior demanda por crescimento no curto prazo, custo
inicial da operação, perda de benefícios pessoais, restrições e aumento de
responsabilidade dos administradores, cuja decisão pode gerar consequências no preço da ação, e abertura de informações ao público. A administração passa a ser fiscalizada por novos acionistas e a trabalhar com a
expectativa de dar o retorno aguardado por aqueles que nela investem uma
parcela de suas economias.. Isso sem falar que o mercado de ações deixa
as companhias dele integrantes mais expostas às oscilações econômicas.
Prova disso foram os prejuízos gerados pela a crise econômica mundial
detonada pelas perdas dos bancos americanos com os créditos imobiliários
garantidos por hipotecas. Tal fato gerou não somente uma queda brutal
12
(SOUZA, André Tadeu P. Bolsa de valores como fonte de financiamento. Revista FAE Business, Rio de
Janeiro, n.6, ago. 2003)
CONSIDERAÇÕES ACERCA DA OFERTA PÚBLICA INICIAL DE AÇÕES...
155
no valor das companhias, mas também impossibilitou novas aberturas de
capital13.
Por isso, a decisão de abrir capital e realizar uma oferta pública de ações
tem que estar amparada por argumentos que justifiquem a assunção das
responsabilidades e desvantagens oriundas do IPO.
4.BIBLIOGRAFIA
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS COMPANHIAS ABERTAS (Abrasca). Anuário Estatístico das Companhias Abertas 2007. Ano 5, n.5
ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DAS COMPANHIAS ABERTAS (Abrasca) Anuário Estatístico das Companhias Abertas 2007. Ano 3, n.3
BOLSA DE VALORES DE SÃO PAULO (Bovespa). Disponível em<http://
www.bmfbovespa.com.br/empresas/pages/empresas_governanca-corporativa.asp.> Acesso em 30 jun. 2010.
COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIOS (CVM). Abertura de Capital
de Empresas. Rio de Janeiro: CVM. Disponível em <http://www.cvm.gov.
br/port/public/publ/publ_200.asp.> Acesso em 30/06/2010. EIZIRIK, Nelson; GAAL, Ariádna B.; PARENTE, Flávia; HENRIQUES,
Marcus de Freitas. Mercado de Capitais – regime jurídico. Rio de Janeiro:
Renovar, 2008
ESPANHA. Real Decreto 291/1992. 1992. Dispõe sobre a Oferta Pública
de Venda. Disponível em <http://www.derecho.com/l/boe/real-decreto291-1992-emisiones-ofertas-publicas-venta-valores/#A15> Acesso em 30
jun. 2010
PINHEIRO, Juliano Lima. Mercado de capitais : fundamentos e técnicas.
Atlas
SOUZA, André Tadeu P. Bolsa de valores como fonte de financiamento.
Revista FAE Business, Rio de Janeiro, n.6, ago. 2003
13
“Os planos de várias empresas brasileiras de abrir o capital e negociar suas ações
na BM&FBOVESPA foi adiado em 2008, por conta da instabilidade do mercado financeiro. As emissões primárias, que bateram recorde em 2007, somando 64
Ofertas Públicas Iniciais (IPOs em inglês), ficaram resumidas a apenas quatro no
ano passado, todas realizadas no primeiro semestre.” (in Anuário Estatístico das
Companhias Abertas 2007. Abrasca – Associação Brasileira das Companhisa Abertas. Ano 5, n.5)
ÓRGÃOS REGULATÓRIOS
Gladson Wesley Mota Pereira
[email protected]. Pós-graduado em Direito Constitucional
pela Universidade de Fortaleza. MBA em Direito Empresarial pela PUC-SP.
Sócio do escritório Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)
Flávia Marques Oliveira Lima
[email protected]. Pós-graduada em Direito Público pela
Faculdade Christus. Pós-graduada em Processo Civil pela Escola Superior
da Magistratura do Estado do Ceará. Advogada do escritório
Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)
01.AS AGÊNCIAS REGULADORAS E ÁREA DE ATUAÇÃO
Com a modernização da sociedade e o aumento dos fluxos comerciais,
o Estado perde, em parte, sua capacidade de gerir, organizar e administrar
todos os setores da sociedade com a agilidade e eficiência necessárias para
acompanhar o rápido desenvolvimento dos setores privados da economia.
Por outro lado, a transferência destes serviços do Estado para entidades
estatais levava a dicotomia de ter no mesmo pólo o executor do serviço e o
fiscalizador daquele, evidenciando um nítido choque de interesses.
Conforme o magistério de Moreira Neto:
“Ocorre que a regulação e a prestação desses serviços, que originalmente eram feitas pelo Estado, pouco a pouco passaram às próprias entidades estatais, considerando-se, a partir daí, a desnecessidade do que
seria uma duplicidade de controle. Assim é que os órgãos estatais de
controle centralizado foram perdendo força quando não desaparecendo, confundindo-se na mesma entidade paraestatal tanto a prestação
quanto o controle dos serviços”. (2001, p.149)
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo, Mutações do Direito Administrativo. 2.
ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2001. 149 p.
ÓRGÃOS REGULATÓRIOS
157
É nesse momento que o Poder Público resolve descentralizar suas funções, com o objetivo de manter a qualidade e diminuir os preços dos serviços públicos prestados. Criam-se, então, as agências reguladoras, braços
do poder publico capazes de controlar e fiscalizar com eficiência e rapidez
as atividades públicas desempenhadas pelas empresas privadas. A máquina estatal, assim, ao delegar parte de suas atribuições, passa a focar-se com
mais afinco nos serviços públicos primordiais para a coletividade, sem,
contudo, perder seus poderes estratégicos de gestão de toda a sociedade,
podendo, inclusive, cassar os contratos de concessão que não estiverem
dentro dos padrões exigidos.
Esse sistema de regulação adotado pelo Brasil tem como principal objetivo, portanto, atender plenamente as necessidades da coletividade no
anseio por serviços públicos mais eficientes.
Assim, conceituam-se as agências reguladoras como sendo órgãos
criados pelo Governo para regular e fiscalizar os serviços prestados por
empresas privadas que atuam na prestação de serviços, os quais, em sua
essência, seriam públicos, tais como: telefonia, energia, transportes, rodovias, entre outros.
Como estes serviços são de relevante valor social e, portanto, primordialmente caberia ao Estado o seu fornecimento, a prestação deles exige
eficiência e qualidade, cuja fiscalização deve ser feita através de algum
órgão que manifeste imparcialidade em relação aos interesses do Estado,
da concessionária prestadora dos serviços e dos consumidores.
Buscando tal fim, são constituídas as agências reguladoras, dotadas de
estrutura funcional independente – autarquias especiais, entidades integrantes da administração indireta do titular da competência, legitimadas,
na forma da lei, para o desempenho das funções reguladoras, de controle e
de fiscalização dos serviços concedidos.
Por outro lado, a cobrança dos serviços e a qualidade da prestação
por parte da concessionária devem ser também fiscalizadas, coadunando
em um mesmo plano os interesses dos consumidores e os interesses da
prestadora, que deve receber contraprestação adequada ao negócio desenvolvido.
Para manutenção deste equilíbrio e fiscalização da prestação destes
serviços, bem como a mediação entre os interesses dos consumidores e
158
Gladson Wesley Mota Pereira / Flávia Marques Oliveira Lima
concessionárias, é imprescindível a criação de órgãos regulatórios, com
independência político-administrativa, financeira e funcional.
Em suma, a atividade das agências reguladoras diz respeito, precipuamente, à regulamentação e fiscalização da prestação de serviços públicos
e outras atividades relevantes ou potencialmente nocivas à sociedade, cuja
execução foi repassada à iniciativa privada.
Tais órgãos regulatórios foram introduzidos no direito brasileiro a partir da extinção, total ou parcial, do monopólio estatal de alguns serviços
públicos e outras atividades, e com a transferência ao setor privado da
execução de tais atividades.
A título de exemplo, cite-se a Emenda Constitucional n° 8, de 1995, que
possibilitou que os serviços de telecomunicação fossem explorados também pelo setor privado.
As agências reguladoras são criadas sob a forma de autarquias com regime jurídico especial, tendo maior independência em quatro importantes
aspectos:
1) Independência política de seus gestores – que são investidos de mandato e têm estabilidade no cargo durante um prazo fixo;
2) Independência técnica de decisão – onde devem predominar motivações apolíticas para seus atos, que devem basear-se em decisões
técnicas;
3) Independência normativa – necessária para o exercício da competência reguladora dos setores de atividades de interesse público a seu
cargo;
4) Independência gerencial orçamentária e financeira ampliada – com
atribuição legal de fontes de recursos próprios.
No Brasil, as agências reguladoras passaram a integrar o ordenamento
jurídico pátrio desde os meados de 1996, podendo destacar-se algumas de
maior relevância atual, abaixo elencadas:
ANEEL (Agência Nacional de Energia Elétrica) - Criada pela Lei Federal nº 9.427/96, vinculada ao Ministério das Minas e Energia, com fundamento no artigo 21, inciso XII, alínea “b” da Constituição Federal, com
ÓRGÃOS REGULATÓRIOS
159
competência para regular e fiscalizar a produção, transmissão, distribuição
e comercialização de energia elétrica, devendo atuar nas concessões e permissões pertinentes.
ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) - Criada por intermédio da Lei nº 9.472/97, com vinculação ao Ministério das Telecomunicações e tendo por fundamento o artigo 21, XI da CF, apresenta entre
suas competências a regulação e fiscalização da execução do serviços de
telecomunicações, devendo atuar nas licitações, contratos e estipulação tarifária, conforme dispõe o artigo 15 de sua lei criadora.
ANP (Agência Nacional do Petróleo) - Criada pela Lei nº 9.478/97,
com base no artigo 177, §2º, III da CF, vinculada ao Ministério das Minas
e Energia. Traz como competências a regulação e fiscalização das atividades econômicas integrantes da indústria do petróleo, do gás natural e dos
biocombustíveis.
ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) - Ente criado pela
Lei nº 9.782/99, vinculado ao Ministério da Saúde, competente para promover a proteção da saúde pública pela fiscalização e controle sanitários da comercialização de produtos e de tecnologias pertinentes. Uma das principais
atribuições é a expedição de atos administrativos que complementam as normas penais em branco que tipificam os crimes da Lei Antidrogas (Lei Federal nº 11.343/06), tratando-se atualmente da Portaria nº 344/98, inicialmente
editada pelo Ministério da Saúde e posteriormente atualizada por meio de
Resoluções da Anvisa (atual Resolução RDC nº 18/2003), definindo as substâncias a serem consideradas como drogas para fins penais.
ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) - Criada pela Lei nº
9.961/00, baseada no artigo 197 da CF, vinculada ao Ministério da Saúde,
tendo por competência supervisionar os serviços de saúde, regula as operadoras de plano de saúde, inclusive nas suas relações com os consumidores, consoante artigo 3º da lei mencionada.
ANA (Agência Nacional de Águas) - Criação pela Lei nº 9.984/00, com
vínculo ao Ministério do Meio Ambiente e fundamento no artigo 225 da
Carta Magna. Competente para implementar a política nacional de proteção e gestão dos recursos hídricos.
ANTT (Agência Nacional de Transportes Terrestres) e ANTAQ
(Agência Nacional de Transportes Aquaviários) - Ambas criadas pela Lei
160
Gladson Wesley Mota Pereira / Flávia Marques Oliveira Lima
nº 10.233/01, vinculadas ao Ministério dos Transportes, com fundamento no
artigo 178 da CF. Conforme o artigo 20 da lei mencionada, têm competência
para regular ou supervisionar a prestação de serviços e exploração da infraestrutura de transportes terrestres e aquaviários, respectivamente.
ANAC (Agência Nacional de Aviação Civil) - Criada pela Lei nº
11.182/05, vinculada ao Ministério da Defesa, tem como atribuição regular
e fiscalizar as atividades de aviação civil e de infra-estrutura aeronáutica
e aeroportuária.
02.COMPETÊNCIA PARA LEGISLAR E FISCALIZAR
No que diz respeito às Agências Reguladoras, prevalece que o seu poder
normativo deve se limitar à elaboração de regramentos de caráter estritamente
técnicos e econômicos, restritos ao seu campo de atuação, sem invasão das
matérias reservadas à lei, sob pena de violação ao princípio da legalidade, pois
os entes regulatórios, como órgãos administrativos que são, não têm competência para atuar fora das normas que definem as suas atribuições.
Assim, as competências dos órgãos regulatórios derivam necessariamente da lei, em sentido formal, elaborada pelo Poder Legislativo e sancionada
pelo Poder Executivo. Apenas por exceção, quando respaldada em razões
de emergência ou urgência, pode ser exercida por intermédio de medidas
provisórias ou, eventualmente, nos limites em que for cabível, de decretos
contendo regulamentos.
Para a delegação de competências aos órgãos reguladores, há de ser preservado o Estado de Direito e mantida, sempre que possível, a regra geral
de que as restrições às liberdades constituem uma exceção ao sistema de
direitos e garantias constitucionais.
As leis, as normas regulamentares editadas pelas agências reguladoras
e os próprios contratos de concessão constituem os meios aptos e necessários a eficiente regulação e fiscalização, satisfatórias aos interesses públicos e às concessionárias.
Nas palavras de Maria Sylvia Zanella di Pietro:
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. São Paulo: Atlas. 2009. p. 79
ÓRGÃOS REGULATÓRIOS
161
“Como a administração, pela concessão, não transfere a titularidade
do serviço, mas apenas sua execução, ela tem que zelar pela fiel execução do contrato. Dentro desse poder de direção e controle, inserese (...) o poder de fiscalizar, de forma ampla, a execução do contrato”.(2009.p.79)
Às agências reguladoras são conferidas as atribuições administrativas
relacionadas à fiscalização dos serviços e ao cumprimento das condições
ditadas pelos contratos de concessão, abrangendo desde o controle sobre a
fixação de tarifas até as sanções de natureza disciplinar, além das que têm
por objeto a instituição de condutas competitivas, como mecanismo de
estímulo à eficiência e forma de evitar os abusos do poder econômico.
Além disso, o quadro das competências atribuídas nos marcos regulatórios oferece uma ampla gama de poderes regulamentares, tanto em
matéria de segurança e de procedimentos técnicos, medição e faturamento
dos consumos, controle e uso de medidores, acesso a imóveis de terceiros
e qualidade dos serviços prestados, quanto em matéria de aplicação de
sanções, que será explanado adiante. Também quanto a esses aspectos,
devem ser respeitados todos os princípios que regem a atribuição de competências, especialmente o princípio da legalidade, pilar do ordenamento
jurídico brasileiro.
No que tange à delegação para o exercício de funções normativas, ela
encontra sua natural limitação em sede legislativa, cabendo à lei definir as
atribuições delegadas, que irão traduzir-se em regulamentos baixados com
base nos poderes atribuídos aos órgãos regulatórios.
Compete ao poder concedente, ainda, editar normas regulamentares claras e completas sobre as etapas e instrumentos dos processos fiscalizatório,
interventivo e punitivo, definindo os meios e os prazos para o exercício dos
direitos à ampla defesa e ao contraditório, por parte do concessionário ou
do permissionário, sempre com observância do devido processo legal (art.
5º, inciso LV, da Constituição Federal).
O poder concedente dos serviços públicos – sejam de competência da
União, do Estado, do Distrito Federal ou do Município, enquanto titular
de tal competência, outorgada constitucionalmente, responde pela efetiva
prestação desse serviço público, realizando-o diretamente, por meio dos
órgãos da administração pública, ou indiretamente, delegando-o a empre-
162
Gladson Wesley Mota Pereira / Flávia Marques Oliveira Lima
sas particulares, por meio dos institutos da concessão, permissão ou autorização.
Delegando a prestação de serviço de sua competência à empresa privada, incumbe ao poder concedente, por intermédio dos órgãos que compõem a sua estrutura administrativa, zelar pelo controle da qualidade do
serviço e da sua regularidade, mediante mecanismos fiscalizatórios, além
de assegurar aos usuários o atendimento a seus direitos ao serviço adequado e a uma tarifa módica (ou no mínimo razoável).
Como exemplo, cita-se a Lei de Concessões - Lei nº 8.987, de 13/2/95,
que prevê no Capítulo VII, nos arts. 29 e 30, as atribuições do poder concedente, denominadas de “encargos”, abrangendo os seguintes pontos:
a) o controle e a fiscalização da execução dos serviços e das obrigações
da concessionária;
b) a homologação de reajustes e revisões;
c) o zelo que a Administração deve ter para assegurar a prestação de
serviço adequado e o atendimento aos direitos dos usuários;
d) as providências do Poder Público, necessárias à execução do serviço
público ou da obra necessária para a sua realização (desapropriações
e constituição de servidões);
e) a implementação de estímulos à qualidade, produtividade, preservação do meio ambiente, competitividade e à formação de associações
de usuários.
Ainda com base na Lei 8.987/95 que estipula, de forma genérica, as
formas de controle da Administração Pública, temos em seu artigo 3°, a
previsão geral de fiscalização pelo poder concedente, com a cooperação
dos usuários.
O multicitado artigo 29, inciso I da mencionada lei, institui a competência do poder concedente para regulamentar e fiscalizar permanentemente
a prestação do serviço; já os incisos V e VII, do mesmo artigo, regulamentam a atribuição do poder concedente para desempenhar e fazer cumprir
as disposições regulamentares do serviço e as cláusulas contratuais e zelar
pela boa qualidade do serviço público.
ÓRGÃOS REGULATÓRIOS
163
Na sequência, o artigo 30 dispõe sobre o direito de acesso aos dados
relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e
financeiros da concessionária e o artigo 31, inciso V, prevê o direito de
acesso, em qualquer hora, aos equipamentos e às instalações integrantes
do serviço, bem como aos seus registros contábeis.
Todavia, cumpre evidenciar que a administração apenas fiscaliza os
agentes econômicos que se encontram em seu âmbito de atuação, não lhe
é permitido administrar a própria execução do serviço. Não se retira das
concessionárias de serviço público sua autonomia em relação à atividade
regulada.
Assim, a Lei de Concessões reforça esses preceitos de ordem pública,
delegando ao Poder Concedente competência para exercer a atividade
regulamentar, modificando, quando for necessário, as regras de serviço,
sempre no sentido de zelar pela adequada e regular execução do objeto da
concessão, com vistas ao seu constante aperfeiçoamento, para atendimento das melhores e mais modernas condições técnicas e operacionais.
Por oportuno, não se pode deixar de relatar que tramita no Congresso
Nacional, um projeto de lei para orientar a gestão e a fiscalização das agências regulatórias, denominada Lei Geral das Agências Reguladoras (PL n.º
3374/2004), que busca precipuamente:
“(a) aumentar a legitimidade, capacidade e transparência das instituições regulatórias e dar à sociedade melhores instrumentos para que
seus interesses sejam efetivamente atendidos;
(b)Tornar claros os papéis, limites e responsabilidades das instituições
reguladoras, nos marcos da Constituição Federal;
(c)Definir claramente a extensão e os limites da “autonomia” das agências reguladoras, e permitir que o exercício dessa autonomia se dê
em conformidade com a autoridade e legitimidade política do Poder
Executivo no exercício de suas funções de supervisão ministerial e
formulação de políticas;
Fonte: Governança Regulatória no Brasil e o Projeto de Lei Geral das Agências
Reguladoras (extraído do site FIESP: www.fiesp.com.br/irs/coinfra/pdf/transparencias_coinfra_21_08_09.luis_alberto_dos_santos.pdf)
164
Gladson Wesley Mota Pereira / Flávia Marques Oliveira Lima
(d) Aperfeiçoar os mecanismos de coordenação e supervisão e implementar análise de impacto regulatório, como resultado de um processo de envolvimento e parceria entre as instituições de governo e
da sociedade;
(e) Aperfeiçoar a consolidação normativa e reduzir a fragmentação e
obsolescência dos marcos regulatórios; e
(f) Ampliar esforços para promover a simplificação administrativa e
reduzir os excessos burocráticos.”
03.APLICAÇÃO DE SANÇÕES ADMINISTRATIVAS E PENAIS
A função sancionatória dos órgãos regulatórios provém da própria função
fiscalizadora, posto que, uma vez observada desobediência dos prestadores
de serviços públicos delegados (concessionárias, permissionárias ou autorizatárias) aos preceitos legais, aos regulamentos ou às regras contratuais,
surge a necessidade de impor sanções e garantir o bom controle dos serviços
delegados à iniciativa privada, mormente a sua adequação e eficiência.
Outra finalidade do poder sancionatório conferido às agências regulatórias
está em solucionar conflitos provenientes de queixas dos usuários, cuja disposição do artigo 29 da Lei 8.987/95 prevê: as agências reguladoras, autarquias
especiais, são capazes de dirimir conflitos entre os prestadores de serviço público e entre esses e o usuário e aplicar-lhes sanções com respaldo legal.
Vale dizer que na aplicação de sanções, deve ser considerada pelos órgãos regulatórios a natureza e a gravidade da infração, os danos dela resultantes para o serviço e para os usuários, a vantagem auferida pelo infrator,
as circunstâncias da infração, assim como a reincidência da conduta.
As medidas sancionatórias têm sua base legislativa na lei federal n.º
9.784/99 - Lei de Normas Básicas do Processo Administrativo da União,
aplicável subsidiariamente às leis administrativas especificas (art. 69) e detalha os princípios aplicados ao processo administrativo (art. 2.º), especialmente a legalidade e o contraditório e ampla defesa, assim como os direito
e deveres dos administrados (arts. 3.º e 4.º), garantindo o processamento
sob a forma legalmente devida, vez que impõe o dever da Administração
de decidir as pretensões dos administrados de forma motivada e expressa,
ÓRGÃOS REGULATÓRIOS
165
disciplinando ainda a instrução, os prazos, a forma e lugar dos atos do processo administrativo que gerará a sanção, inclusive as hipóteses de recurso
e revisão das decisões administrativas.
O capítulo XVII, que cuida especificamente das sanções, prevê de forma
taxativa a aplicação de penalidades pecuniária (multa) ou a imposição de
obrigações de fazer ou não fazer, assegurado em quaisquer casos, o direito
à defesa (art.68).
Dito isto, em se tratando do poder sancionatório dos órgãos regulatórios, tem-se que este obedece precipuamente aos limites impostos pela lei
que criou o Órgão e que, constatada a desobediência do prestador do serviço público por si regulado, após o devido processo administrativo, lhe
seja aplicada a penalidade competente, que pode resultar na imposição de
uma multa ou obrigação de fazer ou não fazer, aplicadas em consonância
à gravidade da conduta ilícita do prestador de serviços e abrangência do
prejuízo causado aos seus usuários.
Em casos mais graves, e desde que justificada pelo interesse público, a
agência reguladora poderá inclusive intervir na empresa prestadora de serviços (concessionária, permissionária), podendo encampar o serviço, que
em termos práticos, significa a possibilidade de retomada coercitiva do
serviço pelo poder concedente, com a decretação da caducidade do contrato e a sua extinção, sem prejuízo das indenizações devidas e ressarcimento
dos danos apurados em procedimento próprio.
Especificamente para as concessionárias do serviço público, o artigo 38
da Lei de Concessões – Lei n.º 8987/95 - disciplina que a inexecução total
ou parcial do contrato acarretará, a critério do Poder Concedente, a declaração de caducidade da concessão ou a aplicação das sanções contratuais,
respeitadas as disposições deste artigo (art.38) e do artigo 27, e as normas
convencionadas entre as partes.
Assim, resta concluir que cabe, então, às Agências reguladoras controlar e fiscalizar a execução do contrato de concessão ou permissão (e/ou
autorização), utilizando-se amplamente de seus poderes, sendo-lhe facultado, caso a situação concreta exija, aplicar sanções às concessionárias de
serviço público; intervir, se imprescindível, e providenciar a encampação
e caducidade caso seja necessário e a reversão dos bens quando finda a
delegação.
Investimento Estrangeiro
Eduardo Simões Lanna
[email protected]. Pós-Graduado em Direito de Empresa
pelo Instituto de Educação Continuada da PUC/MG.
Advogado Associado no Tostes & Coimbra Advogados
Luiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza
[email protected]. Advogada Associada no Tostes & Coimbra Advogados
1.INTRODUÇÃO
O capital estrangeiro é regulado pela Lei 4.131/62, com suas posteriores alterações. São capitais estrangeiros bens, máquinas e equipamentos
destinados à produção de bens ou serviços, bem como os recursos financeiros ou monetários introduzidos no país para aplicação em atividades
econômicas, desde que pertençam a pessoa física ou jurídica residentes,
domiciliadas ou com sede no exterior.
O ordenamento jurídico brasileiro assegura ao capital estrangeiro igualdade
de tratamento jurídico em relação ao capital nacional, em iguais condições,
sendo expressamente proibida qualquer discriminação não prevista em lei.
Nota-se que a legislação que trata do assunto é bastante sólida, em vigor desde 1962 com poucas modificações, o que demonstra claramente a
intenção de atrair investimento estrangeiro para o país, já que é, sem dúvida, uma importante fonte de capital para o desenvolvimento da economia
brasileira.
É importante observar que, no ano de 2010, os investimentos estrangeiros direitos no Brasil atingiram o maior valor da série histórica do Banco
Central, chegando ao montante de R$ 80,98 bilhões (US$ 48,46 bilhões).
Destaque para o crescimento do investimento chinês no país, que alcançou, em 2010, US$ 17 bilhões, representando um aumento significativo em
relação ao ano anterior. A projeção do Banco Central para o ano de 2011 é
que o investimento externo direito (“IED”) atinja US$ 55 bilhões.
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO
167
Além disso, levantamento elaborado pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) mostra que o Brasil
ultrapassou os Estados Unidos na lista de mercados mais atraentes, estando em terceiro lugar no ranking de países prioritários para investimentos
estrangeiros entre 2010 e 2012.
2.ORGÃOS QUE REGULAM O SETOR
O setor de investimento estrangeiro é regulado pelos seguintes órgãos:
a. Banco Central do Brasil (BACEN)
O Banco Central é responsável pela execução da política monetária, pelo
registro e controle do capital e do investimento estrangeiro, pela prática de
operações e controle de câmbio e pela regulação de bancos e instituições
financeiras.
O registro de capital estrangeiro é efetuado pelo Banco Central através
do SISBACEN – Sistema de Informações do Banco Central, por meio do
Módulo RDE – IED (Registro Declaratório Eletrônico – Investimento Externo Direto), que será tratado em tópico próprio.
b. Comissão de Valores Mobiliários
A CVM é autarquia vinculada ao Ministério da Fazenda. Trata-se de entidade pública voltada à orientação e à proteção do investidor e disciplina
o funcionamento do mercado de valores mobiliários e atuação das companhias abertas, dos intermediários financeiros e dos investidores.
c. Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE)
O CADE é autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, cuja finalidade
é orientar, fiscalizar, prevenir e apurar abusos de poder econômico, exercendo papel tutelador da prevenção e da repressão a tais abusos. Cuida-se
de órgão judicante, com jurisdição em todo o território nacional.
www.unctad.org/en/docs/diaeia20104_en.pdf
168
Eduardo Simões Lanna / Luiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza
3. REGISTRO DE CAPITAL ESTRANGEIRO
Estão sujeitos ao registro perante o BACEN os investimentos estrangeiros que entrem no país à título de investimento externo direito, em moeda
ou em bens; a conversão em investimento, os rendimentos auferidos por
investidor não residente em empresas receptoras no Brasil; alienação a
nacionais, redução de capital para restituição a sócio ou acervo líquido
resultante de liquidação de empresa receptora de investimentos; o registro
de reinvestimento; a reorganização societária, permuta e conferência de
ações ou de quotas
Para todo e qualquer investimento estrangeiro no país, a legislação
brasileira exige que seja feito o seu registro no Banco Central, independentemente da sua modalidade. O registro do capital estrangeiro para
investimento direto e do empréstimo realizado que ingressa no Brasil é
realizado através do Sistema de Informações do Banco Central – Sisbacen, no sistema de Registro Declaratório Eletrônico (RDE), e tem caráter
declaratório.
a. Capital Contaminado
Com promulgação da lei nº. 11.371/2006 e a sua regulamentação através
da Resolução nº. 3.447 da CMN e da Circular nº. 3.344 do Banco Central,
ambas também publicadas em 2006, os sócios estrangeiros deverão registrar os investimentos realizados por eles em pessoas jurídicas nacionais
(o chamado “capital contaminado”), bem como estão obrigados a efetuar
o registro, para garantir o controle do ingresso de capital estrangeiro pelo
Bacen.
Os capitais estrangeiros são registrados de acordo com a sua classificação, por exemplo, investimento direto, créditos externos (empréstimos,
financiamento de importação com prazo superior a 360 dias), contratos
de assistência técnica, royalties e aplicações no mercado financeiro e de
capitais (portfólio).
O registro permite ao investidor estrangeiro efetuar remessas de dividendos, reduzir o capital e repatriar o capital em caso de venda ou liquidação
do investimento. Para tais operações, é obrigatória a utilização do número
de RDE, que é gerado para cada para investidor-receptora do capital.
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO
169
4. REGISTRO DO INVESTIDOR ESTRANGEIRO
Para o registro do capital estrangeiro no sistema de RDE, é imprescindível que o investidor estrangeiro, pessoa física ou jurídica, assim como
seus representantes, estejam cadastrados no Cademp. O Cademp (Cadastro de Empresas Área Desig) é um cadastro de pessoas físicas ou jurídicas,
residentes ou não no país, mantido pelo Banco Central. O cadastramento
é realizado pelo próprio interessado ou por seu representante, através do
Sisbacen.
Uma vez verificada a regularidade do cadastro no Banco Central, os dados são enviados à Receita Federal, que atribui automaticamente um CNPJ
ou CPF ao investidor.
A obtenção de CNPJ (Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica) é obrigatória nas seguintes hipóteses, nos termos da Instrução Normativa RFB
1.005/10:
• Se a pessoa jurídica possui imóveis, veículos, embarcações, aeronaves, participações societárias, contas-correntes bancárias, aplicações
no mercado financeiro, aplicações no mercado de capital, bens intangíveis com prazo de pagamento superior a 360 dias, financiamentos;
e
• Se a pessoa jurídica pratica importação financiada, leasing, arrendamento simples, aluguel de equipamentos de embarcações, importação de bens sem cobertura cambial, destinados à integralização de
capital de empresas brasileiras, empréstimos em moeda concedidos
a residentes no país e investimentos.
Não é obrigatório, porém, se a empresa possui ou adquire direitos relativos à propriedade industrial ou investimentos estrangeiros através de
Depositary Receipts emitidos no exterior;
5.INVESTIMENTO ATRAVÉS DE EMPRÉSTIMO EXTERNO
As operações de empréstimo externo contratadas de forma direta ou
mediante emissão de títulos no mercado internacional, independentemente
de prazo, devem ser registradas no módulo ROF do RDE.
170
Eduardo Simões Lanna / Luiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza
No caso de títulos no mercado internacional, emitidos para as operações
de empréstimo externo por entidades do poder público, o emissor deve
obter a autorização da Secretaria do Tesouro Nacional, antes de iniciar as
negociações com instituições financeiras no exterior. Após a autorização,
o emissor deve providenciar o registro no RDE-ROF.
A propósito, digno de nota é a incidência de IOF (Imposto sobre Operações Financeiras), com alíquota de 6% , nos empréstimos externos captados de forma direta ou mediante emissão de títulos no mercado internacional com prazo médio mínimo de até 360 dias. Até março deste ano, o
IOF só incidia sob os empréstimos externos com prazo médio mínimo de
até 90 dias em 5,38%.
Para os empréstimos externos com prazo médio mínimo superiores a
360 dias, restou mantida a alíquota zero anteriormente vigente, exceto se
forem liquidados antecipadamente, total ou parcialmente, situação em que
o contribuinte estará sujeito ao pagamento do imposto calculado à alíquota
de 6%, acrescido de juros moratórios e multa, sem prejuízo das penalidades legais.
6.INVESTIMENTO EXTERNO DIRETO
O investimento externo direto no Brasil poderá ser realizado das seguintes formas, de acordo com o Regulamento do Mercado de Câmbio e Capital Internacionais – RMCCI – atualizado pela Circular
3.533/2011:
a. Investimento em Moeda e Bens
Realiza-se o registro do investimento em moeda no módulo de Investimento Estrangeiro Direto (IED) com base na entrada de recursos no país
através de operações de câmbio ou de transferência internacional em Reais
no Mercado de Câmbio. No entanto, o ingresso proveniente de sócio não
residente no país com vistas a abater prejuízos não modifica o registro.
Essa operação deve ocorrer por meio de utilização de natureza cambial
específica.
Decreto 7.456/11.
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO
171
De outra margem, o investimento em bens, tangíveis ou intangíveis,
deve ser registrado no módulo Registro de Operações Financeiras (ROF),
baseado na capitalização do valor correspondente a bens de propriedades
de não residentes, em moeda constante do respectivo ROF.
Esse registro deve ser efetuado dentro de 30 dias, a contar do desembaraço aduaneiro, em se tratando de bem tangível.
b. Conversão em Investimento
Conversão em investimento estrangeiro direto é, nos termos do RMCCI, “a operação por cujo intermédio direitos e créditos passíveis de gerar
transferência financeiras para o exterior, assim como bens pertencentes
a não residentes, são utilizados para aquisição, integralização de participação ou absorção de prejuízos em empresa no País”.
No caso de operações registradas, a conversão independe de autorização
anterior do Banco Central. Nesta situação, deve-se dar baixa do valor convertido no RDE-ROF, com a consequente inclusão, no módulo RDE-IED, da
operação correspondente, observadas as operações simultâneas de câmbio.
De se notar que o valor do registro não se altera se as conversões forem
realizadas a fim de absorver prejuízos acumulados.
c. Reinvestimento
É considerado como reinvestimento de lucros os rendimentos auferidos
por empresas estabelecidas no país e atribuídos a residentes e domiciliados
no exterior que foram reaplicados nas mesmas empresas de que procedem
ou em outro setor da economia.
Os rendimentos percebidos pelo investidor estrangeiro que forem reinvestidos deverão ser registrados como capital estrangeiro, no sistema RDE
– IED. Assim, se o lucro é reinvestido na mesma empresa ou em outro
setor da economia, aumenta-se a base de cálculo para um futuro repatriamento de capital, para fins de tributação.
d. Remessa de Lucros
Até 1996, os lucros obtidos no Brasil e remetidos ao exterior estavam
sujeitos a tributação na fonte. Desde 1996, no entanto, a remessa de lucros
172
Eduardo Simões Lanna / Luiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza
está isenta de imposto de renda retido na fonte, além de não integrar a
base de cálculo do imposto de renda do beneficiário, domiciliado no país
ou no exterior. Além disso, não é necessária autorização prévia do Banco
Central, nem há limite de valor a ser remetido para o exterior, se o investimento foi registrado conforme determinações do Banco Central.
Deve ser registrado no sistema RDE – IED o destino do lucro remetido,
auferido em razão da participação no capital social da empresa receptora
do investimento.
O Brasil firmou acordos para evitar a dupla tributação com trinta países,
dentre eles Argentina, Canadá, China, Coréia do Sul, Espanha, França,
Itália, Japão, Luxemburgo, Países Baixos e Portugal.
e. Repatriamento
Sem necessidade de autorização prévia do Banco Central, pode o capital
estrangeiro registrado no BACEN ser repatriado a seu país de origem a
qualquer tempo.
Nesse caso, os rendimentos que ultrapassarem a quantia registrada serão
considerados ganhos de capital para o investidor estrangeiro, sujeitos, assim, à alíquota de 15% de imposto de renda retido na fonte.
f. Importação de Bens Sem Cobertura Cambial
Independem de prévia autorização do Bacen as operações de importação
de bens sem obrigatoriedade de pagamento a não residente efetuadas para
a integralização de capital social. Frise-se que os bens, sejam tangíveis,
sejam intangíveis, devem ser destinados exclusivamente à integralização
do capital para fins do registro no módulo RDE-IED.
O registro deve ser efetuado inicialmente no RDE-ROF e, posteriormente, no módulo IED, como investimento estrangeiro direto, na forma do
investimento em bens.
Em relação a bens tangíveis, o registro no módulo ROF se vincula à
Declaração de Importação (DI) desembaraçada. Tratando-se de bens intangíveis, o registro é vinculado à fatura ou a documento equivalente que
caracterize a importação do bem. Vale observar que a transferência de
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO
173
tecnologia sujeita a averbação no INPI não é considerada bem intangível
para os fins desse registro.
g. Royalties, Serviços Técnicos e Assemelhados, Arrendamento
Mercantil Operacional Externo, Aluguel e Afretamento
Os contratos indicados no título dessa seção, quando firmados entre pessoa física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no país e pessoa
física ou jurídica residente, domiciliada ou com sede no exterior, devem
ser registrados no Bacen , no módulo RDE-ROF.
O registro desses contratos compete à parte do contrato residente, domiciliada ou com sede no país.
7.INCENTIVOS INDUSTRIAIS
A importação de bens de capital, indisponíveis no mercado brasileiro,
poderá sofrer redução no imposto de importação. Tal redução está sujeita
a autorização do governo, a fim de estimular a expansão, a modernização
e a reestruturação do parque industrial brasileiro.
Em abril deste ano, o governo reduziu temporariamente para 2% a alíquota do imposto de importação para 212 bens de capital, informática e
telecomunicação que não têm produção nacional. A redução das tarifas
ocorreu depois do exame pelo governo dos projetos de investimentos apresentados pela iniciativa privada.
Esse mecanismo é utilizado pelo Ministério do Desenvolvimento desde
2003, com vistas a estimular os investimentos ao reduzir os custos em
compra de máquinas e equipamentos sem equivalente no país.
8. RESTRIÇÕES A INVESTIMENTOS ESTRANGEIROS
Sabe-se que capital estrangeiro pode ser livremente investido no país,
gozando, inclusive, de igualdade de tratamento jurídico ao capital nacional, previsão constitucionalmente expressa. Contudo, o ordenamento ju
De acordo com o Regulamento Anexo III à Resolução n. 3844/2010 do Banco
Central.
174
Eduardo Simões Lanna / Luiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza
rídico brasileiro prevê algumas restrições no que se refere à participação
de capital estrangeiro em certas atividades. Trataremos de algumas das
hipóteses em que é vedada a participação de capital estrangeiro e de outras
em que o capital estrangeiro tem sua participação limitada.
a. Vedações
Nas atividades elencadas a seguir, a participação de capital estrangeiro
é vedada:
• Atividades que envolvam energia nuclear;
• Indústria aero-espacial;
• Serviços de correios e telégrafos; e
• Serviços de saúde.
a. Restrições
• Aquisição e arrendamento de terras rurais e de áreas de fronteira
A Constituição brasileira estabelece que a aquisição e o arrendamento de
propriedade rural por estrangeiro deverá ser limitada. A Lei 5.709/71 regula
a aquisição de imóvel rural por estrangeiro residente no país ou pessoa jurídica estrangeira autorizada a funcionar no Brasil. Por determinação legal, as
pessoas supracitadas só podem adquirir imóveis rurais observados os procedimentos e restrições previstos em lei, bem como autorização do Congresso
Nacional. Além disso, estabelece a lei que também se sujeitam ao regime ali
estabelecido as pessoas jurídicas brasileiras da qual participem, a qualquer
título, pessoas estrangeiras físicas ou jurídicas que tenham a maioria do seu
capital social e residam ou tenha sede no exterior. Este último dispositivo
tem recebido críticas contundentes de estudiosos do Direito.
Não se pode olvidar que, além de propriedades rurais, também se restringe a aquisição, por estrangeiros, de propriedades que se situam em
áreas de fronteira, sob o fundamento da segurança nacional. Para a concretização da aquisição dessas terras, necessário se faz o consentimento
prévio do Conselho de Segurança Nacional.
INVESTIMENTO ESTRANGEIRO
175
• Instituições Financeiras
Há restrições para a participação de capital estrangeiro em instituições
financeiras no país. Contudo, essa participação pode ser autorizada pelo
governo brasileiro, em casos de interesse nacional.
• Jornais, revistas e outras publicações, redes de rádio e TV
A restrição aos meios de comunicação social é expressamente prevista
na Constituição brasileira e tem regulação por lei específica. É determinação legal que a participação de estrangeiros deve ser de no máximo 30%
do capital total e do capital votante e só pode se dar de forma indireta,
através de pessoa jurídica constituída sob as leis brasileiras e que tenha
sede no país.
• Serviços aéreos públicos
A exploração dos serviços aéreos públicos se dá através do regime de
concessão. No entanto, lei específica determina que a concessão somente
será dada à pessoa jurídica brasileira que tiver sede no Brasil, com pelo
menos 80% do capital com direito a voto pertencente a brasileiros e direção confiada exclusivamente a brasileiros. Além disso, a participação de
capital estrangeiro no limite de 20% depende de aprovação da autoridade
aeronáutica.
Vale registrar que tramitam no Congresso Nacional vários projetos de
lei que pretendem alterar a atual regulamentação dada aos serviços aéreos públicos. Alguns propõem a abertura do mercado de aviação, com a
conseqüente extinção da limitação à participação do capital estrangeiro.
Outros propõem a possibilidade de ampliação da participação do capital
estrangeiro.
9.BIBLIOGRAFIA
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.
BRASIL, Lei n. 4.131, de 3 de setembro de 1962.
BRASIL, Lei n. 4.390, de 29 de agosto de 1964.
BRASIL, Lei n. 5.709, de 7 de outubro de 1971.
BRASIL, Lei n. 7.565, de 19 de dezembro de 1986.
176
Eduardo Simões Lanna / Luiza Pinto Coelho Gonçalves de Souza
BRASIL, Lei n. 10.610, de 20 de dezembro de 2002.
Site do Banco Central do Brasil (www.bcb.gov.br) nos dias 12, 13 e 14 de
abril de 2011.
Site da Câmara dos Deputados (www.camara.gov.br) no dia 14 de abril de
2011.
Site da Comissão de Valores Mobiliários (www.cvm.gov.br) no dia 12 de
abril de 2011.
Site da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad) (www.unctad.org) no dia 12 de abril de 2011.
Site do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (www.cade.gov.br)
no dia 12 de abril de 2011.
Site da Receita Federal (www.receita.fazenda.gov.br) no dia 13 de abril de
2011.
O SISTEMA BRASILEIRO DE
DEFESA DA CONCORRÊNCIA
Ubirajara Costódio Filho
[email protected]. Mestre e Doutor em Direito pela PUC/SP.
Sócio fundador de Hilú, Costódio Filho & Caron Baptista Sociedade de
Advogados (Aliado de Curitiba/PR)
Introdução
Pode-se definir o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência (SBDC)
como sendo o conjunto de regras jurídicas infraconstitucionais e de autoridades da Administração Pública federal, responsável pela prevenção e
repressão às infrações à ordem econômica, na via administrativa.
As regras jurídicas infraconstitucionais repousam sobre a Lei Federal n.º
8.884/94 e sua respectiva regulamentação administrativa por meio de portarias, resoluções e decretos expedidos no âmbito do Poder Executivo federal.
As autoridades administrativas federais são a Secretaria de Direito Econômico (órgão do Ministério da Justiça), a Secretaria de Acompanhamento
Econômico (órgão do Ministério da Fazenda) e o Conselho Administrativo de
Defesa Econômica (autarquia federal vinculada ao Ministério da Justiça),
A atuação dessas autoridades administrativas compreende três grandes
modalidades: a) preventiva, que envolve a análise de atos de concentração
econômica; b) repressiva, voltada à punição de infrações da ordem econômica; c) educativa, também conhecida como “advocacia da concorrência”,
O fundamento constitucional da legislação do SBDC está nos arts. 170, IV, e 173, §4.º, da
CF/88.
Evidentemente, por força do princípio constitucional de acesso à Justiça (CF/88, art. 5.º,
XXXV), o Poder Judiciário também pode atuar, quando provocado, na prevenção e repressão às infrações à ordem econômica, inclusive, revisando e reformando, no que couber, as
decisões dos órgãos que integram o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência. Nesse
sentido, dispõe o art. 29 da Lei n.º 8.884/94.
178
Ubirajara Costódio Filho
correspondente às ações institucionais de difusão das regras de defesa da
concorrência junto à população, por meio de eventos e campanhas publicitárias.
Grosso modo, a divisão de tarefas entre os integrantes do SBDC dá-se
desta maneira: a) a Secretaria de Direito Econômico se ocupa de instaurar
os processos administrativos (de ofício ou por representação de interessados) e emitir pareceres conclusivos, encaminhando os processos ao CADE;
b) a Secretaria de Acompanhamento Econômico emite pareceres técnicos
no decorrer dos processos; c) o CADE julga os processos (tanto os de infração da ordem econômica, quanto os de atos de concentração), aplica as
sanções legais e também executa seus julgados.
Os processos administrativos no âmbito do SBDC obedecem aos seguintes ritos quanto à sua publicidade:
I – Público, quando acessíveis, sem restrições, por qualquer pessoa;
II – Confidencial, quando seu acesso for restrito à parte que apresentou informações e documentos e/ou aos Representados do processo,
conforme for o caso, além de eventuais outras pessoas autorizadas
pela Secretaria de Direito Econômico e as autoridades públicas responsáveis por proferir parecer ou decisão;
III – Sigiloso, quando seu acesso for restrito às pessoas autorizadas pela
Secretaria de Direito Econômico e às autoridades públicas responsáveis por proferir parecer ou decisão;
IV – Segredo de justiça, de acesso restrito, nos termos de decisão judicial.
As regras do SBDC incidem tanto sobre atos praticados no território nacional, quanto àqueles praticados no exterior, mas que produzam efeitos aqui,
real ou potencial, e são aplicáveis às pessoas físicas ou jurídicas, de direito
público ou privado, que atuem no domínio econômico, inclusive as associações de entidades ou pessoas, constituídas de fato ou de direito, com ou sem
personalidade jurídica.
A intervenção da Secretaria de Acompanhamento Econômico é obrigatória nos processos de
análise de atos de concentração, e facultativa, naqueles que envolvem apuração de infrações
à ordem econômica. Ver arts. 38 e 54, § 6.º, da Lei n.º8.884/94.
O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
179
Em relação específica a empresas estrangeiras, a lei considera domiciliadas
no Brasil aquelas que atuem diretamente aqui ou por meio de filial, agência,
sucursal, escritório, estabelecimento, agente ou representante.
A repressão às infrações da ordem econômica
Nos termos exatos do caput do art. 20 da Lei n.º 8.884/94, “constituem
infração da ordem econômica, independentemente de culpa, os atos sob
qualquer forma manifestados, que tenham por objeto ou possam produzir os seguintes efeitos, ainda que não sejam alcançados: I – limitar,
falsear ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência ou a livre
iniciativa; II – dominar mercado relevante de bens ou serviços; III – aumentar arbitrariamente os lucros; IV – exercer de forma abusiva posição
dominante.”
Ao lado dessa noção geral, o art. 21 daquela mesma lei elenca os seguintes exemplos de condutas que podem ser tipificadas como infrações da
ordem econômica, se gerarem ou puderem gerar algum dos efeitos listados
nos incisos do art. 20:
I – fixar ou praticar, em acordo com concorrente, sob qualquer forma,
preços e condições de venda de bens ou de prestação de serviços;
II – obter ou influenciar a adoção de conduta comercial uniforme ou
concertada entre concorrentes;
III – dividir os mercados de serviços ou produtos, acabados ou semiacabados, ou as fontes de abastecimento de matérias-primas ou produtos intermediários;
IV – limitar ou impedir o acesso de novas empresas ao mercado;
V – criar dificuldades à constituição, ao funcionamento ou ao desenvolvimento de empresa concorrente ou de fornecedor, adquirente ou
financiador de bens ou serviços;
VI – impedir o acesso de concorrente às fontes de insumo, matériasprimas, equipamentos ou tecnologia, bem como aos canais de distribuição;
180
Ubirajara Costódio Filho
VII – exigir ou conceder exclusividade para divulgação de publicidade
nos meios de comunicação de massa;
VIII – combinar previamente preços ou ajustar vantagens na concorrência pública ou administrativa;
IX – utilizar meios enganosos para provocar a oscilação de preços de
terceiros;
X – regular mercados de bens ou serviços, estabelecendo acordos para
limitar ou controlar a pesquisa e o desenvolvimento tecnológico, a
produção de bens ou prestação de serviços, ou para dificultar investimentos destinados à produção de bens ou serviços ou à sua distribuição;
XI – impor, no comércio de bens ou serviços, a distribuidores, varejistas e representantes, preços de revenda, descontos, condições de
pagamento, quantidades mínimas ou máximas, margem de lucro ou
quaisquer outras condições de comercialização relativos a negócios
destes com terceiros;
XII – discriminar adquirentes ou fornecedores de bens ou serviços por
meio da fixação diferenciada de preços, ou de condições operacionais de venda ou prestação de serviços;
XIII – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, dentro das
condições de pagamento normais aos usos e costumes comerciais;
XIV – dificultar ou romper a continuidade ou desenvolvimento de relações comerciais de prazo indeterminado em razão de recusa da outra
parte em submeter-se a cláusulas e condições comerciais injustificáveis ou anticoncorrenciais;
XV – destruir, inutilizar ou açambarcar matérias-primas, produtos intermediários ou acabados, assim como destruir, inutilizar ou dificultar a operação de equipamentos destinados a produzi-los, distribuílos ou transportá-los;
XVI – açambarcar ou impedir a exploração de direitos de propriedade
industrial ou intelectual ou de tecnologia;
O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
181
XVII – abandonar, fazer abandonar ou destruir lavouras ou plantações,
sem justa causa comprovada;
XVIII – vender injustificadamente mercadoria abaixo do preço de custo;
XIX – importar quaisquer bens abaixo do custo no país exportador,
que não seja signatário dos códigos Antidumping e de subsídios do
Gatt;
XX – interromper ou reduzir em grande escala a produção, sem justa
causa comprovada;
XXI – cessar parcial ou totalmente as atividades da empresa sem justa
causa comprovada;
XXII – reter bens de produção ou de consumo, exceto para garantir a
cobertura dos custos de produção;
XXIII – subordinar a venda de um bem à aquisição de outro ou à utilização de um serviço, ou subordinar a prestação de um serviço à
utilização de outro ou à aquisição de um bem;
XXIV – impor preços excessivos, ou aumentar sem justa causa o preço
de bem ou serviço.
Em razão da regra do art. 20, as autoridades administrativas consideram
que a a responsabilização dos agentes econômicos investigados pela prática de infrações da ordem econômica independe da comprovação de sua
culpa ou dolo, aplicando-se-lhes a chamada responsabilidade objetiva.
As empresas e seus dirigentes/administradores respondem solidariamente
pela prática de infrações da ordem econômica, o mesmo ocorrendo entre
empresas integrantes do mesmo grupo econômico, de fato ou de direito.
Os processos de apuração das infrações da ordem econômica são instaurados pela SDE de ofício ou mediante representação por escrito de qualquer interessado.
O assunto é controvertido, havendo quem considere a regra do art. 20 da Lei n.º 8.884/94
inconstitucional, por incompatível com a regra do art. 173, § 4.º da CF/88, da qual se extrai
a tese de que a responsabilização por infração da ordem econômico exige comprovação de
dolo ou culpa do agente. A questão é objeto da Ação Direta de Inconstitucionalidade n.º
1.094, pendente de julgamento perante o Supremo Tribunal Federal.
182
Ubirajara Costódio Filho
Se não houver indícios suficientes para a abertura de processo administrativo, a SDE começa a investigação por meio de averiguações preliminares, a serem realizadas durante o prazo máximo de 60 dias, após o
que a SDE deve transformar a investigação em processo administrativo
de apuração de infração da ordem econômica ou arquivar a investigação,
se entender pela inexistência de mínimos indícios de infração da ordem
econômica nas condutas investigadas.
Nestes processos de infração da ordem econômica, a SDE cuida da
abertura e da instrução dos processos; a SEAE, facultativamente, emite
pareceres técnicos em matéria econômica; e o CADE recebe os processos,
ao final, para julgamento e eventual aplicação de penalidades, em caso de
condenação.
Nos termos dos arts. 23 e 24 da Lei n.º 8.884/94, os condenados por
infração da ordem econômica estão sujeitos a uma das seguintes penalidades:
I – no caso de empresa, multa de um a trinta por cento do valor do faturamento bruto no seu último exercício, excluídos os impostos, a qual
nunca será inferior à vantagem auferida, quando quantificável;
II – no caso de administrador, direta ou indiretamente responsável pela
infração cometida por empresa, multa de dez a cinqüenta por cento
do valor daquela aplicável à empresa, de responsabilidade pessoal e
exclusiva ao administrador;
III – no caso das demais pessoas físicas ou jurídicas de direito público
ou privado, bem como quaisquer associações de entidades ou pessoas
constituídas de fato ou de direito, ainda que temporariamente, com
ou sem personalidade jurídica, que não exerçam atividade empresarial, não sendo possível utilizar-se o critério do valor do faturamento
Exceção à regra das averiguações preliminares encontra-se no art. 30, §2.º, da Lei n.º 8.884,
segundo o qual a representação sobre prática de infração da ordem econômica, quando
oriunda do Congresso Nacional, da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, deve ser
processada desde logo como processo administrativo propriamente dito, dispensada a fase
prévia das averiguações preliminares.
Em caso de reincidência, as multas são aplicadas em dobro.
O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
183
bruto, a multa será de 6.000 (seis mil) a 6.000.000 (seis milhões) de
Unidades Fiscais de Referência (Ufir), ou padrão superveniente.
E tais penalidade principais poderão ser cumuladas com uma ou mais
das seguintes penalidades acessórias:
I – a publicação, em meia página e às expensas do infrator, em jornal
indicado na decisão, de extrato da decisão condenatória, por dois
dias seguidos, de uma a três semanas consecutivas;
II – a proibição de contratar com instituições financeiras oficiais e participar de licitação tendo por objeto aquisições, alienações, realização
de obras e serviços, concessão de serviços públicos, junto à Administração Pública Federal, Estadual, Municipal e do Distrito Federal,
bem como entidades da administração indireta, por prazo não inferior a cinco anos;
III – a inscrição do infrator no Cadastro Nacional de Defesa do Consumidor;
IV – a recomendação aos órgãos públicos competentes para que seja
concedida licença compulsória de patentes de titularidade do infrator, ou não seja concedido ao infrator parcelamento de tributos federais por ele devidos, ou para que sejam cancelados incentivos fiscais
ou subsídios públicos;
V – a cisão de sociedade, transferência de controle societário, venda de
ativos, cessação parcial de atividade, ou qualquer outro ato ou providência necessários para a eliminação dos efeitos nocivos à ordem
econômica.
Finalmente, releva destacar que as infrações da ordem econômica prescrevem em 05 anos, a contar da data da prática do ilícito ou, no caso de
infração permanente ou continuada, do dia em que tiver cessado.
A Súmula n.º 7/2009 do CADE dispõe que “constitui infração da ordem econômica a
prática, sob qualquer forma manifestada, de impedir ou criar dificuldades a que médicos
cooperados prestem serviços fora do âmbito da cooperativa, caso esta detenha posição
dominante.”
184
Ubirajara Costódio Filho
O controle dos atos de concentração
Atos de concentração de poder econômico, por sua vez, nos termos do
art. 54 da Lei n.º 8.884/94, são “os atos, sob qualquer forma manifestados,
que possam limitar ou de qualquer forma prejudicar a livre concorrência,
ou resultar na dominação de mercados relevantes de bens ou serviços.”
Nota-se na redação da lei excessiva generalidade na definição do que
seja ato de concentração, cuja submissão prévia ao CADE é dever legal imposto aos agentes econômicos envolvidos no ato e precisa ser apresentado
à SDE para exame e aprovação antes de celebrado ou até 15 dias após sua
assinatura, sob pena de multa pecuniária e abertura de processo administrativo de apuração de infração da ordem econômica.
Atualmente, a taxa processual cobrada pelo protocolo de ato de concentração é de R$ 45.000,00 (quarenta e cinco mil reais) e seu recolhimento
deve ser comprovado no momento do protocolo.10 Se não for recolhido
neste prazo, seu valor será acrescido de juros de mora, contados do mês
seguinte ao do vencimento, à razão de um por cento, calculados na forma
da legislação aplicável aos tributos federais, mais multa de mora de vinte
por cento11.
Para tentar restringir um pouco essa cláusula geral e dar aos agentes
econômicos parâmetros mais objetivos de avaliação quanto ao seu dever de
A Súmula n.º 2/2007 do CADE veicula a seguinte orientação sobre o art. 54 da lei antitruste:
“A aquisição de participação minoritária sobre capital votante pelo sócio que já detenha participação majoritária não configura ato de notificação obrigatória (art. 54 da Lei n. 8.884/94)
se concorrerem as seguintes circunstâncias: (i) o vendedor não detinha poderes decorrentes
de lei, estatuto ou contrato de (i.a) indicar administrador, (i.b) determinar política comercial
ou (i.c) vetar qualquer matéria social e (ii) do(s) ato(s) jurídico(s) não constem cláusulas (ii.
a) de não-concorrência com prazo superior a cinco anos e/ou abrangência territorial superior
à de efetiva atuação da sociedade objeto e (ii.b) de que decorra qualquer tipo de poder de
controle entre as partes após a operação”.
A Súmula n.º 3/2007 do CADE estabelece que, “nos atos de concentração econômica realizados com o propósito específico de participação em determinada licitação pública, o termo
inicial do prazo deste §4.º é a data de celebração do contrato de concessão”.
10
A Súmula n.º 6/2009 do CADE enuncia que “o fato gerador das taxas processuais previstas
na Lei n.º 9.781/99 é o protocolo do ato de concentração ou da consulta, sendo devidas ainda
que a parte venha desistir do pedido em momento posterior.”
11
Ver Lei Federal n.º 9.781/99, com as alterações introduzidas pela Lei Federal n.º
10.149/2000.
O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
185
notificar o SBDC, ou não, a lei preestabelece duas situações nas quais surge esse dever às partes envolvidas: primeira, quando está presente no ato
de concentração empresa/grupo detentor de 20% de mercado relevante; segunda, quando uma das empresas partícipes do ato de concentração tenha
apresentado faturamento bruto anual igual ou maior a R$ 400.000.000,00
no último balanço (§ 3.º do art. 54)12.
Uma vez apresentado à SDE o ato de concentração, a SEAE emitirá
obrigatoriamente seu parecer técnico e o processo seguirá ao CADE, para
uma de três decisões: a) desaprovação do ato; b) aprovação do ato; c) aprovação do ato sob condições.
Com efeito, o CADE poderá autorizar atos de concentração, desde que
atendam as seguintes condições:
I – tenham por objetivo, cumulada ou alternativamente: a) aumentar
a produtividade; b) melhorar a qualidade de bens ou serviço; ou
c) propiciar a eficiência e o desenvolvimento tecnológico ou econômico;
II – os benefícios decorrentes sejam distribuídos eqüitativamente entre
os seus participantes, de um lado, e os consumidores ou usuários
finais, de outro;
III – não impliquem eliminação da concorrência de parte substancial de
mercado relevante de bens e serviços;
IV – sejam observados os limites estritamente necessários para atingir
os objetivos visados.
Ainda poderão ser aprovados pelo CADE atos de concentração que satisfaçam pelo menos três daquelas condições citadas anteriormente, se tal
concentração empresaria for considerada necessária por motivo preponderante da economia nacional e do bem comum, e desde que não impliquem
prejuízo ao consumidor ou usuário final.
12
A Súmula n.º 1/2005 do CADE fixa que “na aplicação do critério estabelecido no art. 54, §3o,
da Lei n.º 8.884/94, é relevante o faturamento bruto anual registrado exclusivamente no território brasileiro pelas empresas ou grupo de empresas participantes do ato de concentração”.
186
Ubirajara Costódio Filho
Aprovado o ato de concentração, sob condições, as empresas celebram
com o CADE um compromisso de desempenho, a ser explicado mais à
frente.
O cumprimento das decisões do CADE
Tanto nos processos de apuração de infração da ordem econômica, quanto nos de ato de concentração, a decisão do Plenário do CADE constitui
título executivo extrajudicial, sua execução caberá ou à Procuradoria do
CADE ou ao Ministério Público Federal (arts. 10, II, e 12, parágrafo único,
da Lei n.º 8.884/94), a ação de execução será processada perante o foro da
Justiça Federal do Distrito Federal ou da sede do domicílio do executado,
conforme escolha do CADE, e poderá implicar até numa intervenção judicial na empresa executada, hipótese em que as despesas resultantes da
intervenção correrão por conta do agente contra quem ela tiver sido decretada (arts. 60, 63, 64, 69-78 da Lei n.º 8.884/94).
Diga-se de passagem, as decisões do CADE não comportam recurso no
âmbito administrativo, restando aos interessados rediscuti-la apenas na via
judicial.
O processo judicial de execução das decisões do CADE, quando visar
apenas à cobrança de multa pecuniária, seguirá o rito processual das execuções fiscais e, em qualquer caso, terá preferência na sua tramitação, salvo em relação a habeas corpus e mandado de segurança.
Finalmente, interessante destacar que o oferecimento de embargos ou
o ajuizamento de qualquer outra ação que vise a desconstituição do título executivo não suspenderá a execução, se não for garantido o juízo
no valor das multas aplicadas, assim como de prestação de caução, a ser
fixada pelo juízo, que garanta o cumprimento da decisão final proferida
nos autos, inclusive no que tange a multas diárias (art. 65 da Lei Federal
n.º 8.884/94).
Transações administrativas no âmbito do SBDC
As autoridades que formam o SBDC recebem da lei poderes para celebrar acordos com as partes, verdadeiras transações administrativas, com
vistas a otimizar os resultados de seu trabalho e atingir seus objetivos sem
O SISTEMA BRASILEIRO DE DEFESA DA CONCORRÊNCIA
187
esperar longos anos pelo trâmite exaustivo dos respectivos processos administrativos e, quiçá, judiciais, dali derivados.
Nesse sentido, cabe explicar, resumidamente, o que são o Acordo de Leniência, o Compromisso de Cessação, o APRO – Acordo de Preservação
de Reversibilidade de Operação e o Compromisso de Desempenho.
O Acordo de Leniência (arts. 35B e 35C da Lei n.º 8.884/94) é espécie
de transação pactuada entre a SDE e terceiro (o delator), nos processos de
apuração de infração à ordem econômica, com vistas a receber do terceiro
informações relevantes sobre a prática ilícita sob investigação, em troca
de benefício de absolvição ou redução da pena administrativa concedido
ao delator e também de extinção da punibilidade criminal do delator, se o
acordo de leniência for por ele cumprido.
O Compromisso de Cessação (art. 53 da Lei n.º 8.884/94) é acordo
firmado pelo CADE, a seu juízo de conveniência e oportunidade, com representados, nos processos de apuração de infração à ordem econômica,
com vistas a fazer cessar de imediato a prática do ilícito antitruste sob investigação. O processo administrativo fica suspenso enquanto estiver sendo cumprido o Compromisso de Cessação e será arquivado, caso este seja
adimplido integralmente pela parte.
O APRO – Acordo de Preservação de Reversibilidade da Operação13
é um termo de ajustamento de conduta preventivo celebrado pelo CADE
com empresas, no início dos processos de ato de concentração, criado pela
jurisprudência do CADE com fundamento no art. 83 da Lei n.º 8.884/94 e
na Lei n.º 7.347/85, art. 5.º, § 6.º. Sua finalidade é preservar as condições de
mercado, prevenindo mudanças irreversíveis ou de difícil reversibilidade
nos atos de concentração. Embora o pedido de assinatura de APRO possa
partir das próprias empresas, cabe ao plenário do CADE a sua decisão e
homologação.
O Compromisso de Desempenho (art. 58 da Lei n.º 8.884/94) é o tipo
de acordo ajustado entre o CADE e as empresas, ao final dos processos de
ato de concentração, com vistas a viabilizar sua aprovação sob condições.
Deverão constar dos termos de compromisso de desempenho as metas
qualitativas ou quantitativas, em prazos pré-definidos, cujo cumprimento
13
O Regimento Interno do CADE trata do APRO especificamente nos seus arts. 139-141.
188
Ubirajara Costódio Filho
será acompanhado pela SDE. O descumprimento injustificado do compromisso implicará a revogação da aprovação do CADE e a abertura de
processo administrativo para adoção das medidas cabíveis.
Responsabilidade Ambiental
da Pessoa Jurídica: uma breve
análise de riscos
Keyth Yara Pontes Pina
Sócia de Andrade & Câmara Advogados desde 2003. Graduada em Direito
pela Universidade Federal do Amazonas em 1999. Especialista em
Direito Civil e Processual Civil pelo Centro Integrado de Estudo Superior
do Amazonas – CIESA, em 2008. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo
IBMEC. Atua na área tributária e administrativa.
Pedro Câmara Junior
Sócio de Andrade & Câmara Advogados desde 1999. Graduado em Direito
pela Universidade Federal do Amazonas em 1996. Especialista em Direito
Civil pela mesma Universidade em 1998. Especialista em Direito Tributário
e Social da Empresa pela Fundação Getúlio Vargas –
FGV/ISAE-AM. Cursando LL.M. Direito Corporativo pelo IBMEC.
Gerencia a área tributária do escritório.
Diego Carvalho Texeira
Mestre em Direito Público pela Universidade Federal de Alagoas – UFAL;
Professor Universitário, Advogado e Consultor.
Helder Gonçalves Lima
Mestre e Doutorando em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade
Católica de São Paulo – PUC/SP; Professor de Direito Tributário da
Universidade Federal de Alagoas – UFAL; Advogado e Consultor.
Eduardo Stecconi Filho
Especialista em Processo Civil pelo CESMAC; Advogado.
190
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
1 – Brasil, crescimento econômico e
responsabilidade ambiental.
1.1.Primeiras Considerações
O presente texto se presta a apresentar ao investidor estrangeiro, com
interesses no Brasil, os aspectos fundamentais relativos à responsabilidade ambiental, tão em voga em nossos dias. O tema tem ganhado relevo
insuspeito em nosso país, pródigo em riquezas naturais que interessam a
todo o mundo. A questão ambiental tem sido objeto de todas as políticas
empresariais modernas e voltadas para o futuro.
Neste contexto é que surge a necessidade de o investidor estrangeiro
estar a par de um dos pontos mais nevrálgicos da moderna atividade empresarial: a responsabilidade ambiental.
É de suma importância que o investidor esteja ciente de todas as implicações de sua atividade, no afã de que possa tecer um planejamento seguro
e confiável para o seu negócio.
As previsões mercadológicas das mais diversas fontes indicam que a
economia brasileira crescerá, em 2010, algo em torno dos 7% (sete por cento). Ou seja, será o maior crescimento em quase 25 anos. Tal conjuntura
abre, ainda mais, espaço para investimentos, não somente internos, mas,
sobretudo, de capital estrangeiro. Dentro dessa perspectiva, questiona-se:
quais as implicações, ou melhor, quais os requisitos a serem satisfeitos
por quem deseja desenvolver negócios no Brasil, notadamente na seara
ambiental?
Passando ao largo das, não menos importantes, exigências de ordem
econômica, trataremos, no presente artigo, de algumas situações que se
constituem não em entraves, mas em caminhos a serem trilhados por aqueles que pretendem surfar na onda de crescimento presente na economia
brasileira. As leis brasileiras, criticadas, em algumas passagens, por sua
ambigüidade e vagueza, não são, na verdade, nem melhores nem piores
que aquelas encontradas nos outros países ao redor do globo. É o sistema
Caso confirmada, será a maior expansão do mercado financeiro brasileiro desde
1986 quando, segundo o IBGE, este cresceu 7,49%.
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
191
jurídico brasileiro, em seu complexo contexto, e com todas as suas especificidades, o ambiente no qual se desenvolverá um dos aspectos do planejamento empresarial de quem decide investir aqui.
Na esteira do que é feito em todo o mundo – e aqui não é, nem poderia
ser diferente – há no Brasil um forte movimento de engrandecimento da
proteção ambiental. E isto é observado em todos os aspectos, desde o social, até o jurídico, passando pela organização empresarial e econômica
em todos os setores.
Em sendo assim, requer-se do investidor, apenas – o que naturalmente
ocorre em todos os demais países -, adaptação à realidade local. Melhor
adaptação importa em melhores arranjos e, pois, em maior lucratividade.
Não seria de bom alvitre nos aprofundarmos no tema, como se pretendêssemos esgotá-lo, mas tão somente apresentar seus contornos básicos,
máxime no que diz respeito ao caráter jurídico que envolve o tema. Eis que
alguns tópicos devem ser encarados e, ainda que de forma didática e não
técnica, apresentados ao leitor – a fim de que este tenha uma visão ampla e
sólida daquilo que envolve mais diretamente a questão da responsabilidade ambiental no Brasil. Assim, passearemos por estes temas jurídicos, de
uso de uma linguagem acessível e didática.
1.2.A Consciência Ambiental
Primeiramente, de se frisar a importância da proteção ambiental dentro
da própria lógica de funcionamento do mercado, em âmbito global. E isto
se mostra assente quando nos deparamos com a inegável relevância da
obtenção de certificados verdes, atestando práticas protetivas e responsáveis em relação ao meio ambiente, bem como a fabricação de produtos ou
fornecimento de serviços a partir de sistemas voltados para o uso racional
dos recursos naturais. Esta é uma premissa inescapável nos dias que se
seguem e, para além disso, uma reivindicação intransigente do mercado
consumidor global.
Dentro dessa lógica de proteção ambiental e de uso racional dos recursos
naturais entra o princípio do desenvolvimento sustentável, cuja compreensão – inclusive legal – deve passar pela necessária observação de que
o homem, no desenvolvimento em geral de suas atividades, interfere na
192
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
natureza, modificando-a, adaptando-a, dela extraindo os insumos necessários para a produção dos bens da vida, os mais diversos.
Ou seja, o homem, no exercício de suas atividades cotidianas, interfere
na natureza, seja de forma direta, seja de forma indireta. Basta pensar no
presente texto. Produzido em meio digital, a partir de um complexo aparelho confeccionado a partir de determinadas substâncias encontradas na
natureza, materializa-se para ser distribuído numa outra espécie de bem
fabricado pelo homem, mais simples, o livro.
Contudo, a própria distribuição e comercialização do livro pressupõe
uma série de atividades que, para acontecer, dependem de uma interferência direta e substancialmente modificativa da natureza. Nem sempre esta
interação homem-natureza é benéfica para esta última.
O que se está a afirmar é que, o homem, essencialmente, altera a natureza. Ocorre que algumas atividades exercidas pelo homem detém um
potencial maior de modificação (e porque não dizer degradação) do meio
ambiente que outras, merecendo regulação específica, sob pena de, hoje já
se sabe, esgotamento dos recursos naturais.
Nessa esteira, o ordenamento jurídico brasileiro traz uma série de exigências a serem satisfeitas por atividades que sejam potencial ou efetivamente
poluidoras. Dentre estas, cumpre sublinhar a necessidade de obtenção de
licenças ambientais, previamente ao início da atividade e, a depender da
natureza desta, em intervalos periódicos, havendo, assim, uma constante
fiscalização do poder público sobre a atividade empresarial exercida.
Chega-se, aqui, ao segundo ponto do presente artigo. Muito embora,
num primeiro momento, pareça de simples execução a sistemática das licenças ambientais – identifica-se se a atividade exercida está dentro daquelas consideradas potencial ou efetivamente poluidoras, elaboram-se os
estudos necessários e obtém-se a licença – na prática, o tema é truncado.
Há se observar que, antes do início de qualquer atividade poluidora, necessário se faz a obtenção da respectiva licença ambiental. Entretanto, a
legislação é omissa quanto ao órgão competente para apreciar o caso e
lavrar a licença.
Destarte, de ver está que a licença ambiental, longe de ser um problema ou um entrave para a atividade empresarial, é, isto sim, um assunto
que deve ser conduzido com especial atenção para fins de se evitar perda
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
193
de tempo e dinheiro, num entrelaçamento burocrático desnecessário. Uma
boa consultoria nesta área é suficiente para evitar maiores transtornos.
Tem-se, ainda, um outro ponto cujo trato se mostra imprescindível. E
este diz respeito àqueles casos em que a empresa age em desacordo com as
exigências ambientais vigentes, em prejuízo do meio ambiente.
Em matéria de responsabilidade ambiental, a empresa pode vir a ser
triplamente sancionada, sem que isto se constitua na injusta aplicação de
diversas penas/sanções sobre uma mesma ocorrência.
De fato, aos praticantes de ilícitos ambientais, reserva a lei uma possível
atribuição de três ordens de sanções: uma de ordem administrativa (multas, embargos); outra de ordem civil (reparação da degradação ambiental);
e ainda, se for o caso, a sanção decorrente do cometimento de crime ambiental (sanção penal).
Vale ainda destacar, ao fim, que hoje se tem uma série de projetos de lei
em trâmite no Congresso Nacional voltados para a uniformização e racionalização da legislação ambiental brasileira, culminando na criação de um
Código Ambiental.
Com efeito, o principal escopo de tal empreendimento codificador não é
o de alterar profundamente o viés atualmente perseguido por nossa legislação, mas apenas o de sistematizá-la, aprimorando-a, de sorte a torná-la
mais coesa e mais racional e, portanto, mais acessível e mais útil, afinal,
a toda a sociedade. Tem-se o sentimento de que a lei nacional, em matéria
ambiental, está no rumo certo, apenas reclamando algumas atualizações e
ajustes que conformem de maneira mais eficaz o interesse social indissociavelmente arraigado na questão ambiental.
O desafio que se nos impõe é concatenar e conciliar os mais diversos interesses envolvidos, sempre almejando alcançar a melhor solução que alie
progresso com desenvolvimento sustentável. Não é tarefa fácil.
No que diz respeito ao elemento ambiental como valor de mercado, é ponto já pacífico, atualmente, a necessidade de que as empresas agreguem valor
aos seus produtos ou serviços – ou somente à sua marca – a partir da adoção
de medidas ambientalmente corretas. E estas podem ser as mais diversas:
desde o desenvolvimento de processos de produção menos poluentes até sistemas compensatórios da poluição. As possibilidades são muitas.
194
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
A relação desta questão com a responsabilidade ambiental – do ponto
de vista da Lei – reside exatamente na necessária conexão que há de ser
feita entre cumprir as medidas exigidas pela lei para que a empresa atue
de acordo com os ditames do direito ambiental e as vantagens de mercado
que podem ser daí extraídas.
Ora, em sendo verdadeira vantagem competitiva a responsabilidade ambiental, e mais, em sendo exigência legal o atendimento de alguns requisitos voltados
para a proteção do meio ambiente, nada impede o desenvolvimento de estratégias de atuação que aliem estas duas situações, gerando lucros em situações que,
até então, aparentemente, somente se consubstanciariam em gastos.
Os motivos que levaram ao estabelecimento dessa nova ordem de funcionamento das empresas – chamada de Onda Verde – podem ser assim resumidos:
Existem duas fontes de pressão por trás dessa Onda Verde. Primeiro,
os limites do mundo natural poderiam restringir as operações de negócios, realinhar mercados e quem sabe até ameaçar o bem-estar do
planeta. Segundo, as empresas enfrentam um número cada vez maior
de stakeholders preocupados com as questões ambientais.
É exatamente dentro dessa perspectiva que as empresas – nacionais e estrangeiras – utilizadoras, em maior ou menor grau, dos recursos naturais,
estão se instalando no Brasil. Um país que apresenta uma tendência real de
crescimento detém algumas vantagens com relação a outros países, principalmente em comparação a mercados já saturados. As empresas, por sua
vez, possuem suas vantagens competitivas com relação às outras, e não
podem descurar-se – sob pena de comprometer sua estratégia ambiental,
importante ponto de obtenção de lucro – das determinações estabelecidas
pela legislação ambiental local, sob pena de assistirem a todo um projeto
de expansão e solidificação da marca ruir.
Isto se mostra de maior relevância quando temos em mente o caso daquelas empresas que estão em vias de se instalar no mercado brasileiro,
Nesse sentido, vide TACHIZAWA, Takeshy. Gestão ambiental e responsabilidade
social corporativa: estratégias de negócios focadas na realidade brasileira. 6 ed.
rev. e ampl. São Paulo: Atlas, 2009.
ESTY, Daniel C.; WINSTON, Andrew S. O verde que vale ouro: como empresas
inteligentes usam a estratégia ambiental para inovar, criar valor e construir uma
vantagem competitiva. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008, p. 08.
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
195
e que têm nesse diapasão uma chance real de agregar ainda mais valor à
sua marca e, sobretudo, um meio concreto de infiltração no mercado local
– para o qual a questão ambiental é tão cara.
Mostra-se, pois, de vital importância para o fortalecimento de grandes
marcas e de grandes empresas um completo planejamento ambiental. Não
apenas em razão das consequências danosas decorrentes do descumprimento da lei, mas, sobretudo, em função do alto valor agregado à marca
que representa o reconhecimento do caráter social e ambientalmente responsável da empresa no contexto do atual cenário global de mercado.
2. O Direito Ambiental: Aplicação contemporânea
O Direito tem como inspiração o convívio justo e coordenado das relações em sociedade, impondo, por isso, prerrogativas e deveres. No mais,
como ciência, organiza-se em segmentos distintos.
Há segmentos clássicos, como o Direito Civil, que disciplina, em geral, a relação entre particulares. Outros, entretanto, são constituídos a partir de modificações sociais, que demandam a necessidade de compor relações ainda mais
específicas. Este é o caso do Direito Ambiental, conceituado por Luís Paulo Sirvinkas, como é “a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os
problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a
proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta”.
O Direito Ambiental, portanto, objetiva regulamentar a relação do homem com o meio ambiente, baseado na aliança entre a preservação dos
recursos naturais e a prática de um desenvolvimento sustentável.
Alguns valores permitem compreender quais objetivos influenciam a
formulação e a aplicação das normas que compõem o Direito Ambiental.
São os chamados princípios, dos quais interessa indicar:
− Princípio do direito à qualidade de vida – cuja essência aponta para percepção
de que toda comunidade, inclusive as gerações futuras – merece desfrutar de um
meio ambiente saudável;
− Princípio da prevenção – orienta a formulação das normas e a aplicação do di-
reito para adoção de medidas capazes de avaliar previamente os efeitos da ação
Manual de Direito Ambiental, 6ª ed., SARAIVA, São Paulo, 2008, pág. 35.
196
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
humana no meio ambiente, evitando ou minimizando a ocorrência de dano dessa
natureza, bem como prestigiando a preservação frente ao interesse econômico;
− Princípio do equilíbrio – baseia-se na ideia da sustentabilidade, com a adoção de
instrumentos que garantam o desenvolvimento da atividade humana em conjunto
com medidas que anulem ou reduzam qualquer impacto ao meio ambiente;
− Princípio da responsabilidade – aponta para o dever de toda sociedade contribuir
para uma relação equilibrada com o meio ambiente;
− Princípio do poluidor-pagador – de finalidade coercitiva, que visa a identificação
e a concentração da responsabilidade em reparar o dano ambiental naqueles que
lhes derem causa.
A Constituição Federal de 1988 foi a propulsora da matéria no Brasil,
destacando o meio ambiente como uma garantia da coletividade. Essa é a
expressão de seu artigo 225, que consolidou as bases da política ambiental, dentre as quais a da responsabilidade tratada neste artigo.
São claros, no texto constitucional, os princípios da responsabilidade e
do poluidor-pagador.
A legislação ambiental brasileira ainda é esparsa, vez que instituída
não só pela União, mas também por legislações estaduais e municipais.
Segundo a Comissão Especial do Congresso Nacional, que está a frente da
reforma do Código Florestal, existem cerca de quarenta mil dispositivos
regulamentando a matéria.
O Judiciário brasileiro, por sua vez, está na vanguarda e alcança expressão
internacional, conforme dados do Programa das Nações Unidas para o Meio
Ambiente (PNUMA), com destaque ao Superior Tribunal de Justiça, que julgou cerca de 3.000 processos de natureza ambiental, relacionados especialmente às questões do licenciamento e da responsabilidade por infrações.
“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem
de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder
Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e
futuras gerações.
(...)
§ 3º As condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os
infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”
Destacam-se as Leis 6.938/81, 7.347/85 e 9.605/98.
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
197
Há, portanto, todo um movimento que coloca o Direito Ambiental em
destaque e, por consequência, difunde a necessidade de se observar suas
questões. Vejamos, neste contexto, os traços característicos da responsabilidade por danos ambientais.
3. A Responsabilidade Ambiental
O convívio em sociedade acaba por impor limites às nossas ações, que,
se ultrapassados, podem ofender o direito do outro. Quando isto acontece,
é justo que o ofensor responda por seus atos, reparando o prejuízo experimentado pelo ofendido.
Aqui, interessa-nos a responsabilidade ambiental, que visa resguardar
o direito ao meio ambiente equilibrado e saudável, cujo titular poderá ser
um indivíduo ou a coletividade, conforme a extensão do dano. Já o ofensor
estará caracterizado naquele que interferir negativamente em suas condições, ainda que por omissão.
Respondem pelo dano ao meio ambiente tanto o Poder Público, como
as pessoas físicas e jurídicas, de acordo com o artigo 225, da Constituição
Federal, que também esclarece as esferas alcançadas por esta espécie de
responsabilidade – civil, administrativa e penal – analisadas a seguir.
3.1. Responsabilidade civil ambiental
Ao nosso estudo, importam situações que reúnam a prática de um ilícito, isto é, de uma ação contrária à ordem jurídica, cujo resultado é a
ocorrência de um dano ao direito de alguém, demandando a obrigação do
infrator em repará-lo.
Os elementos destacados formam a base da denominada responsabilidade civil, instituto típico do direito privado, com reflexos nas relações
tuteladas pelo Direito Ambiental.
Ao definir quem deve reparar, as regras da responsabilidade civil podem
considerar o comportamento do infrator, fixando, neste sentido, situações
qualificadas pela responsabilidade subjetiva, nas quais o dano sofrido está
atrelado a uma atitude caracterizada pela culpa. Há casos, no entanto, em
que o dever de reparar não depende da intenção do infrator. Referimo-nos
à responsabilidade objetiva.
198
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
Algumas relações sociais podem ser consideradas prioritárias ao Estado, pela relevância de seu objeto ou por sua repercussão na sociedade.
Outras podem ser tipificadas por uma desvantagem do ofendido diante de
seu ofensor, seja pela dificuldade de identificá-lo, seja por um claro poder
econômico, entre outros fatores.
Para assegurar a realização do direito nesses casos, a lei determina a
aplicação da responsabilidade objetiva, nela prevalecendo o dever de reparar independente da caracterização de culpa. Isto é, a vítima não está
obrigada a provar a intenção do infrator e este responde pelo dano ainda
que não tenha concorrido com o fim de causar um prejuízo.
Como exemplo de aplicação da responsabilidade objetiva, temos as relações de consumo, a representação dos pais por atos de seus filhos incapazes e, também, as hipóteses de responsabilidade definidas nas normas de
proteção ao meio ambiente.
Aqui, portanto, um primeiro aspecto da Responsabilidade Civil Ambiental, qual seja seu caráter objetivo, cuja melhor expressão se identifica no
§ 1º, do artigo 14, da Lei 6.938/81.
Paulo Affonso Leme Machado (Direito Ambiental Brasileiro, 14ª edição, MALHEIROS, São Paulo, 2006, pág. 336/337) comenta a responsabilidade ambiental
da seguinte forma: “Não se aprecia subjetivamente a conduta do poluidor, mas
a ocorrência do resultado prejudicial ao homem e seu ambiente. (...) A atividade
poluente acaba sendo uma apropriação pelo poluidor dos direitos de outrem, pois
na realidade a emissão poluente representa um confisco do direito de alguém em
respirar ar puro, beber água saudável e viver com tranquilidade. (...) A responsabilidade objetiva ambiental significa que quem danificar o ambiente tem o dever
jurídico de repará-lo. Presente, pois, o binômio dano/reparação. Não se pergunta
a razão da degradação para que haja o dever de indenizar e/ou reparar. A responsabilidade sem culpa tem incidência na indenização ou na reparação dos ‘danos
causados ao meio ambiente e aos terceiros afetados por sua atividade’ (art. 14, §
1º, da Lei 6.938/81). Não interessa que tipo de obra ou atividade seja exercida pelo
que degrada, pois não há necessidade de que ela apresente risco ou seja perigosa.
Procura-se quem foi atingido e, se for o meio ambiente e o homem, inicia-se o
processo lógico-jurídico da imputação civil objetiva ambiental. (...)”.
“Art. 14. Sem prejuízo das penalidades definidas pela legislação federal, estadual e
municipal, o não cumprimento das medidas necessárias à preservação ou correção
dos inconvenientes e danos causados pela degradação da qualidade ambiental sujeitará os transgressores:(...)
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
199
A responsabilidade objetiva ambiental é aplicada, indistintamente, aos
atos da Administração Pública, do cidadão comum e das empresas. Aliás,
a orientação relativa à responsabilidade ambiental das pessoas jurídicas
mereceu disposição específica na Lei 9.605/98.
Ou seja, vincula-se a responsabilidade à demonstração de que o dano
ambiental partiu de uma decisão do representante legal ou do órgão colegiado da empresa.
Contudo, no que se refere à responsabilidade civil ambiental, seu caráter
objetivo acaba por generalizar a aplicação do dispositivo transcrito, permitindo compreender que o dever de reparar vai prevalecer desde que haja
uma conduta em nome da empresa que possa ser vinculada à ocorrência
do dano.
Neste sentido, traz-se outro elemento relevante, qual seja o nexo de causalidade. A responsabilidade objetiva está baseada na presunção de culpa
do infrator, presunção esta que só persistirá se houver um vínculo entre
sua conduta e o dano ambiental caracterizado.
Não há confusão entre a desnecessidade da prova de culpa com a necessária demonstração de que o agente indicado como poluente contribuiu,
de alguma maneira, para a ocorrência do dano. O Superior Tribunal de
Justiça firmou entendimento no sentido de que a responsabilidade civil objetiva por dano ambiental não exclui a comprovação da efetiva ocorrência
de dano e do nexo de causalidade com a conduta do agente, pois estes são
elementos essenciais ao reconhecimento do direito de reparação.
O mesmo caráter objetivo fomenta discussão a respeito das denominadas excludentes de responsabilidade em matéria de responsabilidade civil
§ 1º. Sem obstar a aplicação das penalidades previstas neste artigo, é o poluidor
obrigado, independentemente da existência de culpa, a indenizar ou reparar os danos
causados ao meio ambiente e a terceiros, afetados por sua atividade. O Ministério Público da União e dos Estados terá legitimidade para propor ação de responsabilidade
civil e criminal, por danos causados ao meio ambiente.” – grifos nossos.
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida
por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no
interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas
físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.- grifos nossos.
200
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
ambiental, as quais presumem que o dano provocado não teve a participação do suposto infrator, ou melhor, ocorreu por circunstâncias alheias à
sua vontade, não sendo razoável responsabilizá-lo.
É o exemplo do caso fortuito e da força maior, que se referem a fatos que
não podem ser previstos ou, mesmo que previsíveis, não podem ser evitados, como os eventos naturais (tempestades, enchentes), greves e guerras.
Cita-se, ainda, fatos de responsabilidade exclusiva de terceiros, isto é, daqueles que não possuem qualquer relação jurídica com o acusado.
Boa parte da doutrina brasileira, não admite o emprego dessas excludentes, defendendo que a responsabilidade em análise está baseada na teoria do
risco integral, isto é, no entendimento de que a execução de determinada
atividade importa ao infrator assumir todo e qualquer risco dela oriundo.
A aplicação prática do direito ambiental, contudo, caminha para flexibilizar o efeito extremo do risco integral, não no sentido de acatar, em qualquer hipótese, as excludentes de responsabilidade, mas, sim, de vincular
sua aplicação a uma apuração mais rígida, a fim de identificar se o poluidor
(acusado) adotou medidas suficientes a evitar a ocorrência do dano, mesmo
em situações que lhe são alheias.
No mais, dependendo da repercussão do dano ambiental, seus reflexos podem representar um prejuízo individual ou atingir o interesse da coletividade.
A hipótese mais comum equivale à atuação dos órgãos do Estado, com
destaque ao Ministério Público, que possui legitimidade para agir como parte na defesa do direito coletivo a um meio ambiente equilibrado e saudável.
Ao Ministério Público destinam-se as prerrogativas da Lei 7.347/85,
dentre as quais a instauração de inquérito civil, pelo qual apura a responsabilidade do agente causador do dano e reúne os elementos que vão subsidiar as ações judiciais de sua titularidade.
Referidas ações podem ter natureza cautelar, quando são utilizadas para
evitar a ocorrência de um dano ambiental, podendo o Poder Judiciário deferir medidas que vão sustar a continuidade de determinadas obras ou atividades, vinculando-as à adoção de medidas que anulem, de imediato, o
impacto ambiental.
Através da Ação Civil Pública – ACP será exigida a execução das medidas necessárias à reparação ou mitigação de um dano ambiental efetivo,
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
201
o que nem sempre é possível, permitindo, também, pleitear indenização
dirigida ao infrator, cujo resultado financeiro será destinado a um fundo
de preservação do meio ambiente.
Outra prerrogativa da referida Lei consiste na possibilidade de firmar
um Termo de Ajustamento de Conduta – TAC, no decorrer do inquérito
civil ou das ações judiciais mencionadas, no qual serão estabelecidas as
condições necessárias à reparação do dano, contando, neste ato, com a
manifestação de vontade do ofensor. Por isso mesmo, o TAC tem natureza
de título executivo extrajudicial, o que dificulta a desconstituição posterior
das obrigações nele fixadas.
Um último aspecto merece ser analisado, qual seja a solidariedade
da responsabilidade civil, conforme os artigos 3º, IV, e 14, § 1º, da Lei
6.938/81.
O dano ambiental pode resultar da ação de várias empresas e/ou pessoas, o que dificulta mensurar a contribuição de cada um na ocorrência do
ilícito. O princípio do poluidor-pagador, nesses casos, aliado à objetividade, acaba por responsabilizar a todos. É remansosa a jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça pela ideia de que na existência de múltiplos
agentes poluidores, não existe obrigatoriedade na formação do litisconsórcio, uma vez que a responsabilidade entre eles é solidária pela reparação
integral do dano ambiental (possibilidade se demandar de qualquer um
deles, isoladamente ou em conjunto, pelo todo).
Uma vez aplicada a solidariedade, cada um dos imputados poderá demandar contra os outros o ressarcimento pelos valores que dispensaram,
desde que tenham condições de demonstrar qual a sua efetiva participação
no dano, aplicando o direito de regresso nesses casos.
Essas, portanto, são as principais características que definem a responsabilidade civil ambiental.
3.2. Responsabilidade administrativa ambiental
Observamos, até aqui, a obrigação do poluidor reparar os danos ambientais, a partir da iniciativa dos titulares do direito prejudicado. Porém, as
normas analisadas esclarecem que a reparação civil não impede a aplicação de medidas administrativas ambientais.
202
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
Agora, as prerrogativas de atuação são destinadas às entidades que integram o SISNAMA – Sistema Nacional do Meio Ambiente (e às Capitanias
dos Portos, do Ministério da Marinha), sendo definidas, especialmente,
pela Lei 9.605/9810.
A apuração de infração administrativa pode ser motivada por qualquer
cidadão, que, tomando conhecimento do ilícito, dirige denúncia aos órgãos
mencionados, que estarão obrigados a apurar os fatos. No mais, procura consolidar os instrumentos indispensáveis à Política Nacional do Meio
Ambiente, a exemplo das exigências relacionadas ao licenciamento ambiental, à implementação de planos de manejo sustentável, dentre outros. É
caracterizada pela atuação dos órgãos ambientais com o poder de polícia
próprio à Administração Pública11.
É o poder de polícia que permite a apuração da responsabilidade ambiental administrativa e aplicação das respectivas penalidades, através de
atos autônomos dos órgãos do SISNAMA.
Vale indicar uma distinção significativa em relação à responsabilidade
civil ambiental: enquanto nesta domina o caráter objetivo do dever de reparar, na responsabilidade administrativa deve ser considera a culpa do
agente poluidor para poder penalizá-lo.
Daí o artigo 3º, da Lei 9.605/98, impor a caracterização de ato oriundo
da direção da pessoa jurídica, para que a responsabilidade administrativa
possa ser-lhe dirigida.
Neste sentido, a apuração do órgão ambiental deve seguir o roteiro típico
de um processo administrativo, iniciado com a lavratura do auto de infração, acompanhado de relatório fiscal, onde serão condensadas as informa Art. 70. Considera-se infração administrativa ambiental toda ação ou omissão que
viole as regras jurídicas de uso, gozo, promoção, proteção e recuperação do meio
ambiente.
11
Hely Lopes Meirelles (Direito Administrativo Brasileiro, MALHEIROS, 32ª ed.,
São Paulo, 2006, pág. 131) assim conceitua poder de polícia: “Em linguagem menos técnica, podemos dizer que o poder de polícia é o mecanismo de frenagem de
que dispõe a Administração Pública para conter os abusos do direito individual.
Por esse mecanismo, que faz parte de toda Administração, o Estado detém a atividade dos particulares que se revelar contrária, nociva ou inconveniente ao bemestar social, ao desenvolvimento e à segurança nacional.”.
10
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
203
ções que remetem à culpa do infrator. No mesmo auto, devem constar alguns requisitos formais, entre eles a tipificação da infração e a penalidade
pretendida.
No procedimento administrativo, devem ser observados princípios essenciais à conduta da Administração, com destaque à legalidade, que limita o ato de responsabilizar o infrator às condições estabelecidas em Lei,
bem como deve ser assegurado ao administrado o direito ao contraditório
e ao julgamento motivado.
As penalidades correspondentes às infrações administrativas estão previstas no artigo 72, da Lei nº 9.605/98, das quais citam-se: multa simples;
multa diária; apreensão de equipamentos ou veículos de qualquer natureza
utilizados na infração; destruição ou inutilização do produto; suspensão
de venda e fabricação do produto; embargo de obra ou atividade; demolição de obra; suspensão parcial ou total de atividades; penas restritivas
de direitos, como a perda ou restrição de incentivos fiscais, de linhas de
financiamento em estabelecimentos oficiais de crédito, além da proibição
de contratar com a Administração Pública, por até 03 anos.
Foi clara a intenção do legislador ao fixá-las, impondo medidas de relativo impacto às atividades de qualquer corporação, as quais, sem dúvida,
foram as maiores degradadoras do meio ambiente, na evolução da história
humana.
3.3. Responsabilidade penal ambiental
Resta a última esfera da responsabilidade ambiental. Mais uma vez, importa-nos as regras do artigo 225, da Constituição Federal, que implementou no ordenamento brasileiro a responsabilidade penal das empresas, pela
prática de crimes ambientais.
Essa orientação inspirou a promulgação da Lei 6.905/98, que fixou os
tipos penais vinculados ao dano ambiental, os quais serão respondidos não
só pela pessoa jurídica, mas também por seus dirigentes, conforme prescreve o parágrafo único, do artigo 3º, da referida Lei.
Da mesma forma que a responsabilidade administrativa, importa na
apuração penal a caracterização da culpa ou do dolo do agente, sendo incompatível aqui o aspecto objetivo que define a responsabilização civil.
204
Keyth Yara Pontes Pina/Pedro Câmara Junior/Diego Carvalho
Texeira/Helder Gonçalves Lima/ Eduardo Stecconi Filho
A análise da Lei 9.605/98 revela dois elementos essenciais: a tendência
em priorizar a aplicação de medidas restritivas de direito, no lugar de penas privativas de liberdade, bem como a caracterização predominante dos
tipos penais por condutas dolosas12.
Quanto à prevalência de crimes dolosos, importa esclarecer o que os
distingue dos caracterizados pela culpa: naqueles, há a intenção do agente
em cometer o dano ambiental, ou ao menos assumiu este risco; já os crimes considerados culposos são definidos por uma conduta negligente ou
por imperícia do acusado. Predomina, assim, o interesse em reprimir as
verdadeiras ações predatórias ao meio ambiente.
Cabe indicar quais as espécies de penas aplicáveis às pessoas jurídicas,
fixadas pelo artigo 21, da Lei 9.605/98: multa; restritivas de direito; e prestação de serviços à comunidade.
As medidas restritivas de direito podem ser expressas: na suspensão
parcial ou total de atividades; na interdição temporária de estabelecimento, obra ou atividade; na proibição de contratar com o Poder Público, bem
como de obter subsídios, subvenções ou doações.
Já a prestação de serviços à comunidade equivale: ao custeio de programas e de projetos ambientais; à execução de obras de recuperação de
áreas degradadas; à manutenção de espaços públicos; e a contribuições a
entidades ambientais ou culturais públicas.
Importa observar, no que se refere aos dirigentes das empresas, que as
penas aplicadas serão aquelas próprias às pessoas físicas, entre elas as restritivas de liberdade, conforme o crime tipificado.
Por fim, dentro do espírito de penalizar o real predador, a Lei 6.905/98
impôs penalidade extremamente gravosa às empresas utilizadas para a
prática de crimes contra o meio ambiente13.
Vejamos os comentários de Sirvinkas (Ob. cit., pág. 585): “A moderna doutrina
penal vem propugnando a abolição da pena privativa de liberdade com a consequente substituição por penas alternativas. Num futuro próximo, a pena privativa
de liberdade será aplicada em casos extremos. Procura-se evitar, ao máximo, a
sua aplicação ao caso concreto, impondo-se medidas alternativas aos infratores. O
legislador da Lei n. 9.605/98 seguiu essa tendência moderna.”
13
Art. 24. A pessoa jurídica constituída ou utilizada, preponderantemente, com o fim
de permitir, facilitar ou ocultar a prática de crime definido nesta Lei terá decretada
12
Responsabilidade Ambiental da Pessoa Jurídica:...
205
Portanto, a responsabilidade penal pode resultar no fim das atividades
da empresa degradadora.
4. Conclusão
A natureza tríplice da responsabilidade ambiental não permite a desatenção de empresas quanto aos seus efeitos.
É cada vez maior a implementação de departamentos em corporações,
dedicados exclusivamente à questão ambiental, motivados por uma postura preventiva (sem dúvida, a maior finalidade das regras de repressão
ao dano ambiental) ou por reflexo de um passivo derivado de autuações
elevadas e de inúmeras obrigações assumidas.
Ao mesmo tempo, as ideias de sustentabilidade, de preservação e da
própria responsabilidade ambiental (esta numa conotação positiva) acabam
por agregar valores a produtos e serviços, num mercado consumidor que
começa a despertar para essas questões.
Por todos esses aspectos, o agir com consciência ambiental, além de ser
uma necessidade iminente, consiste uma postura inteligente às empresas
que pretendem consolidar sua atuação no mercado competitivo.
sua liquidação forçada, seu patrimônio será considerado instrumento do crime e
como tal perdido em favor do Fundo Penitenciário Nacional.
Resolução de conflitos mediante
jurisdição e arbitragem
Francisco Rosito
[email protected]. Mestre e Doutorando em Direito Processual Civil pela
UFRGS. Professor de Direito Processual Civil. Advogado sócio de Lippert
& Cia. Advogados (Aliado em Porto Alegre/RS)
Sumário: 1. Introdução – 2. Diferentes meios de resolução de conflitos.
– 3. Jurisdição: a resolução estatal de conflitos. – 4. Arbitragem: a resolução
privada de conflitos. – 5. Jurisdição e arbitragem: convívio e relações de complementariedade. – 6. Conclusão – 7. Bibliografia.
1.Introdução
O ideal seria se não fosse necessária tutela alguma às pessoas, se
todos cumprissem suas obrigações e ninguém causasse danos nem se
aventurasse em pretensões contrárias ao Direito. Como essa realidade é
inevitavelmente utópica, faz-se necessário pacificar as pessoas de alguma forma eficiente, eliminando os conflitos que as envolvem e fazendo
justiça.
Tradicionalmente, a jurisdição é o meio estatal de conduzir as pessoas à
ordem jurídica justa, eliminando conflitos e satisfazendo pretensões. Nesse contexto, insere-se o processo civil, enquanto instrumento de resolução
de controvérsias.
No entanto, os estudiosos do Direito Processual Civil têm procurado,
nas últimas décadas, formas ou meios alternativos para a solução dos litígios individuais ou coletivos. Trata-se de “os métodos ou as formas de
solução de conflitos intersubjetivos que não envolvam ou, até mesmo, que
CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal do acesso à justiça. Revista de processo. São Paulo:
RT, nº 74, abr.-jun./1994, p. 82-97, passim.
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
207
dispensem, em maior ou menor grau, a participação do Poder Judiciário e,
conseqüentemente, o exercício da função jurisdicional”.
Destaca-se que os métodos alternativos de solução dos conflitos, contexto em que se insere a arbitragem, são compreendidos mais satisfatoriamente quando situados no movimento universal de acesso à Justiça, à medida
que aparecem como novos caminhos a serem percorridos facultativamente
pelos jurisdicionados que necessitam resolver seus litígios, de forma diferenciada dos moldes tradicionais da prestação de tutela oferecida pelo
Estado-juiz.
O objetivo do presente artigo é apresentar aspectos gerais da jurisdição
e da arbitragem no Direito brasileiro, enquanto métodos de resolução de
conflitos, traçando as suas principais características e as relações existentes entre si.
2. Diferentes meios de resolução de conflitos
Tecnicamente, a resolução de conflitos pode ser obtida por três diferentes meios: a) autotutela; b) autocomposição; e c) heterocomposição.
A autotutela é a solução de conflito de interesses que se dá pela imposição da vontade de uma das partes, com o sacrifício do interesse do
outro. É solução egoísta e parcial do litígio, pois o “juiz da causa” é uma
das partes. Por isso, consiste em solução vedada no ordenamento jurídico
brasileiro.
Por sua vez, a autocomposição é a forma de solução de conflito em que
os próprios sujeitos envolvidos encontram caminho apto à pacificação. Dá
BUENO, Cássio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual civil: teoria geral do direito processual civil. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, p. 12.
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e jurisdição. Revista de processo. São
Paulo: RT, n. 58, abr.-jun./1990, p. 33.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e
processo de conhecimento. Vol. 1. 10ª. ed. Bahia: Editora Podium, 2008, p. 74.
Como regra, a autotutela é vedada nos ordenamentos jurídicos civilizados. No Direito brasileiro, é conduta tipificada como crime: exercício arbitrário das próprias
razões (se for um particular - art. 345 do CP) e exercício arbitrário ou abuso de
poder (se for o Estado – art. 350 do Código Penal).
208
Francisco Rosito
se pelo consentimento espontâneo de um dos contendores em sacrificar o
interesse próprio, no todo ou em parte, em favor do interesse alheio. Pode
ocorrer fora (extraprocessual) ou dentro do processo jurisdicional (endoprocessual).
Em todas as suas modalidades, a autocomposição pode ser espontânea
ou induzida. A espontânea é aquele em que obtida pelas partes. A induzida
é aquela que se obtém mediante a intercessão de uma terceira pessoa, dita
conciliador ou mediador. Daí surgem a conciliação e a mediação como
meios de resolução de conflitos.
Por fim, a heterocomposição é a forma de solução de conflito em que um
terceiro impõe a decisão às partes envolvidas, sendo espécies a jurisdição e
a arbitragem, cujos aspectos gerais passam a ser examinados.
3.Jurisdição: a resolução estatal de conflitos
O Brasil, enquanto Estado Democrático de Direito, no desempenho de sua
finalidade de conservar e desenvolver as condições de vida em sociedade,
exerce três funções distintas e harmônicas entre si, correspondentes aos três
poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário (Constituição Federal, art. 2º).
A jurisdição decorre da atividade prestada pelo Judiciário. Em termos
conceituais, é considerada a manifestação do poder estatal, destinada à solução imperativa de conflitos, que tem o objetivo de aplicar o direito, sendo
o juízo investido de garantias funcionais que lhe outorgam imparcialidade
e independência, dotado o seu pronunciamento de irreversibilidade externa. A sua finalidade é promover a justiça do caso concreto e a pacificação
social, seja de conflitos individuais, seja de conflitos coletivos.
Autocomposição é o gênero, do qual são espécies: a) Transação (bilateral): é negócio
jurídico bilateral pelo qual as partes interessadas, fazendo-se concessões mútuas, previnem ou extinguem obrigações litigiosas ou duvidosas (art. 840 do Código Civil);
b) Submissão (unilateral): dá-se quando aquele que vinha resistindo à exigência do
adversário decide submeter-se a ela; é a hipótese de reconhecimento da procedência
do pedido (art. 269, II, CPC); e c) Renúncia (unilateral): é a desistência do direito ou
da pretensão; é uma atitude de resignação; não só determina a extinção do processo
como do próprio direito supostamente existente (art. 269, V, e art. 794, III, CPC).
Essa é a concepção contemporânea de jurisdição, defendida ilustrativamente por:
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3ª edição. São Paulo: Re-
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
209
No ordenamento jurídico brasileiro, a jurisdição, como poder ou função
estatal, é una e abrange todos os litígios que se possam instaurar em torno
de quaisquer assuntos de direito. É una tanto quanto o próprio poder soberano, estando sujeita, entretanto, às normas constitucionais e infraconstitucionais, que disciplinam e organizam o seu exercício.
Nesse aspecto, a área de atuação do juiz brasileiro é mais extensa em
relação aos seus colegas da Europa continental. Como se sabe, o processo
civil brasileiro não se limita à realização da ordem jurídica privada como
ocorre no Direito italiano e alemão, estendendo-se também à tutela do
direito público, sendo admitida, inclusive, a possibilidade de controle dos
atos da administração pública pela Justiça comum, tendo em vista que a
ordem político-constitucional brasileira teve sabida inspiração no modelo
norte-americano, e não no europeu-continental.10
vista dos Tribunais, 2008, v. 1, p. 135-142; e ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso de processo civil: volume 1: teoria geral do processo
civil e parte geral do direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010, p. 125.
“Nisso o processo civil brasileiro diferencia-se de importantes modelos europeus e
latino-americanos em que há certas limitações relacionadas com o Estado em juízo.
Nosso sistema é o da chamada jurisdição una e também o Estado se sujeita aos
juízes integrantes do Poder Judiciário e às normas integrantes do direito processual
civil. Aqui inexiste o contencioso administrativo e o processo diferenciado para
certas causas regidas pelo direito público. Excluem-se do âmbito do processo civil
brasileiro, exclusivamente, as causas de natureza penal” (DINAMARCO, Cândido
Rangel. Instituições de direito processual civil. 6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, v. I, p. 40).
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil. 3ª ed.
rev., atual. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 91.
10
As particularidades do ordenamento jurídico brasileiro, frente ao direito comparado, são expostas por LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo
Civil. 5ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1993. v. 8, t. 1, p. 94-5; e ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Jurisdição e Administração: notas de direito brasileiro e
comparado. Rev. Informação Legislativa, Brasília. n. 30, v. 119, jul./set. 1993, p.
217-232. Ambos juristas ressaltam que o Direito romano tinha uma reconhecida
inaptidão para o direito público, o que explica o fato de que, durante séculos, o
direito privado tenha sido o único direito do continente europeu. Particularmente,
o sistema alemão compreende o processo civil como aquele perante o Tribunal
da jurisdição ordinária das lides civis, cabendo aos Tribunais administrativos os
litígios de direitos públicos, entre cidadão e administração. Da mesma forma, o
sistema italiano estabelece essa divisão de jurisdição, mas com a particularidade de
210
Francisco Rosito
Embora seja una, a jurisdição divide-se por meio de competências, a fim
de obter a necessária organização para atender aos seus objetivos. Assim,
tem-se a jurisdição, enquanto gênero, da qual decorrem a jurisdição civil,
que versa sobre direitos não-penais (por exclusão), e a jurisdição penal,
que abrange conflitos de natureza penal.
A jurisdição civil é exercida através de diversos procedimentos que procuram ajustar-se à natureza do conflito existente. Digno de destaque são
os chamados Juizados Especiais Cíveis, regulados pelas Leis ns. 9.099/95 e
10.259/2001, nos âmbitos dos Estados e da União Federal, respectivamente.
Cuida-se de um procedimento mais simplificado que aqueles conhecidos
pelo Código de Processo Civil e pelas leis extravagantes. Caracteriza-se
pelo que o art. 2º da Lei n. 9.099/95 chama de “oralidade, simplicidade,
informalidade, economia processual e celeridade, buscando, sempre que
possível, a conciliação ou a transação” e que tem aplicação também para
os “juizados federais”, de acordo com o art. 1º da Lei n. 10.259/2001. Em
síntese, representa um procedimento simplificado no que diz respeito ao
reconhecimento judicial do direito e de sua realização prática, para as causas de menor valor econômico e de menor complexidade.11
estabelecer o critério com base na distinção entre a tutela dos direitos subjetivos e
a tutela dos interesses legítimos, a primeira atribuída aos órgãos da jurisdição civil
e a segunda à jurisdição dos órgãos da justiça administrativa. Embora haja particularidades, ambos sistemas (alemão e italiano) impedem que os órgãos da jurisdição
civil exerçam algum poder cautelar de suspensão do ato administrativo e de anulação do ato administrativo, mesmo se declarado lesivo a um direito fundamental,
devendo limitar-se à condenação da administração ao ressarcimento dos danos. Por
derradeiro, cumpre destacar, à análise da atuação do sistema brasileiro em face dos
demais sistemas, a obra de Carlos Alberto Alvaro de Oliveira, Do formalismo no
processo civil, p. 120 e 121.
11
Segundo o art. 3º da Lei n. 9.099/95, “o Juizado Especial Cível tem competência
para conciliação, processo e julgamento das causas cíveis de menor complexidade,
assim consideradas: I - as causas cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário
mínimo; II - as enumeradas no art. 275, inciso II, do Código de Processo Civil; III
- a ação de despejo para uso próprio; IV - as ações possessórias sobre bens imóveis
de valor não excedente ao fixado no inciso I deste artigo”. Já o art. 3º da Lei n.
10.259/2001, dispõe que “compete ao Juizado Especial Federal Cível processar,
conciliar e julgar causas de competência da Justiça Federal até o valor de sessenta
salários mínimos, bem como executar as suas sentenças”.
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
211
O que se percebe, nos dias de hoje, é que a Justiça brasileira se democratizou, tornando-se o processo judicial acessível a segmentos cada vez
maiores da população, tendo sido superados obstáculos econômicos, organizacionais e processuais.12
Destaca-se que a jurisdição, na atualidade, tem ganho importância cada
vez maior, seja na chamada jurisdição constitucional13, seja no incremento
Mauro Cappelletti, ilustrativamente, é autor de célebre obra, na qual aponta os
movimentos de reforma visando ao acesso à justiça. São as chamadas “ondas
renovatórias” do Direito Processual para superar os obstáculos econômicos, organizacionais e processuais, que fazem inacessíveis a tanta gente as liberdades
civis e políticas. O jurista italiano aponta, no primeiro momento, os obstáculos
enfrentados pelos cidadãos ao acesso à justiça: a) obstáculo econômico: a pobreza pode impedir o acesso à prestação jurisdicional, tornando aparentes os
direitos; b) obstáculo organizacional: as instituições devem estar adequadamente
estruturadas para defesa de novos direitos, especialmente dos chamados direitos
coletivos e difusos; c) obstáculo processual: os procedimentos devem ser adequados à tutela desses novos direitos. Para superar esses obstáculos, foram promovidas certas reformas processuais, que, reunidas em torno de um fim comum,
podem ser identificadas como “ondas”: 1ª onda - acesso à justiça aos pobres:
foram realizadas reformas para viabilizar o acesso ao Judiciário àqueles que não
tem condições de suportar as custas e os honorários advocatícios. Exemplos: instituição da Defensoria Pública e concessão do benefício da assistência judiciária
gratuita; 2ª onda – acesso à justiça para defesa de interesses difusos e coletivos:
foram concebidas instituições capazes de promover a defesa desses interesses;
e 3ª onda – acesso à justiça mediante reformas processuais: foram concebidos
meios alternativos de solução de conflitos (mediação, arbitragem etc.) e constituídas formas diferenciadas de tutela, na medida em que o procedimento ordinário
mostrava-se inadequado às características e exigências das novas situações jurídicas (Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee, p. 71 a 102; e Os
métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal
do acesso à justiça, p. 82-97).
13
O Poder Judiciário brasileiro, desde a Constituição Republicana de 1891, pode realizar o controle (difuso) da constitucionalidade. O controle abstrato ou concentrado
foi inserido pela EC 16/1965. Paulatinamente, a jurisdição constitucional foi expandida: (i) ação direta de inconstitucionalidade (art. 102, I, “a”, da CF); (ii) ação
declaratória de constitucionalidade (arts. 102, I, “a”, e 103, § 4º, da CF); (iii) ação
direta de inconstitucionalidade por omissão (art. 103, § 2º, da CF); (iv) arguição
de descumprimento de preceito fundamental (art. 102, § 1º, da CF); (v) ação direta
interventiva (art. 36, III).
12
212
Francisco Rosito
dos poderes conferidos ao juiz14. Se no passado o Legislativo tinha predominância no funcionamento do Estado, hoje podemos dizer que vivemos
numa época vocacionada à jurisdição.15
Isso não significa que o Judiciário brasileiro não tenha seus problemas.
Muito antes pelo contrário, existe uma crise que é constantemente objeto
de debates nos mais diversos segmentos. Nas últimas décadas, o tema da
Justiça tornou-se uma preocupação da sociedade tanto civil como jurídica,
dada sua relevância e a multiplicidade dos processos existentes. Estudos
foram realizados, quer sob o enfoque de reformas estruturais, quer sob o
enfoque de reformas processuais.
De um modo geral, há uma compreensão assentada de que a adequada
prestação jurisdicional é fator determinante da satisfação dos direitos das
partes e do desenvolvimento econômico e social do País.16 Por isso, a Jus Os poderes instrutórios do juiz são exemplo. Como se sabe, cabe ao juiz determinar
a realização de todas as provas que julgue necessárias à instrução do processo, dentro, porém, dos limites dos fatos extremados pelas partes. Quando do exercício da
ação, a parte dispõe do seu interesse material e, por conseguinte, do poder de pedir
a tutela jurisdicional. Já dentro do processo, tomam-se as iniciativas, especialmente de conteúdo probatório. Nesse contexto, atribui-se ao juiz poderes para melhor
conhecimento dos fatos, ponto importante na formação de sua convicção.
15
Nicola Picardi ressalta, com propriedade, a vocação do nosso tempo à jurisdição.
Destaca o processualista italiano que, enquanto no séc. XIX Savigny ressaltava a
vocação do seu tempo à legislação e à ciência jurídica, no séc. XX passamos ao
tempo da vocação à codificação, num primeiro momento, e, ao final do período,
já para o caminho inverso, da descodificação, na conhecida expressão de Natalino
Irti (PICARDI, Nicola. La vocazione del nostro tempo per la giurisdizione. Rivista
trimestrale di diritto e procedura civile. Milano: Giuffrè, v. 58, n. 1, mar./2004, p.
41 e 42).
16
É o que aponta José Eduardo Faria: “Justificada com base na premissa de que paí­
ses com sistemas jurídicos e instituições judiciais eficazes tendem a crescer três
vezes mais do que os países com um ordenamento legal e tribunais precários, no
começo dos anos 90 essa reforma foi encarada pelo Banco Mundial como condição
para a consecução de padrões mínimos de gestão racional e criação de um ambiente
propício às inversões do setor privado, no sentido de que os tribunais deveriam ser
modernizados para não travar a implementação da primeira geração de reformas
(combate à inflação, rigor fiscal, estabilização monetária, desregulamentação da
economia, liberalização das contas de capital, abertura comercial, remoção de barreiras protecionistas, reforma do Estado, revogação de monopólios públicos, privatização de serviços essenciais e flexibilização da legislação trabalhista). Mais tarde,
14
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
213
tiça é importante bastante para que sejam buscadas medidas que visem à
melhoria dos seus serviços prestados.
Desse modo, a preocupação principal tem sido a efetividade da tutela
jurisdicional, “pois não é suficiente tão-somente abrir a porta de entrada
do Poder Judiciário, mas prestar jurisdição tanto quanto possível eficiente,
efetiva e justa, mediante um processo sem dilações temporais ou formalismos excessivos, que conceda ao vencedor no plano jurídico e social tudo
a que faça jus”.17 Esse tem sido o grande desafio da jurisdição brasileira,
a fim de debelar não apenas a morosidade da Justiça senão obter serviços
jurisdicionais de maior qualidade.
4.Arbitragem: a resolução privada de conflitos
A arbitragem constitui forma alternativa para a solução dos litígios individuais ou coletivos que pode ser adotada pelas partes, em casos que
envolvem direitos patrimoniais disponíveis.18
já no final dessa mesma década, a reforma judicial passa a ser vista como instrumento
de afirmação das “regras do jogo”, enfatizando a previsibilidade e a credibilidade
institucionais, a executoriedade dos contratos, o respeito às garantias reais, a agilidade na cobrança das dívidas, o reconhecimento dos direitos de propriedade material e
imaterial, etc. Dito de outro modo, se no início dos anos 90 o Banco Mundial estava
empenhado em fazer com que os diferentes setores e instâncias do Judiciário não
comprometessem a good governance e pressionassem o assim chamado custo-país,
no final da década a preocupação é com a construção de uma ordem legal clara, precisa e confiável. E com a conversão das instituições judiciais em cortes eminentemente técnicas, altamente profissionalizadas, desprovidas de preocupações com justiça
‘distributiva’ ou ‘compensatória’ – portanto, capazes de tomar decisões coerentes,
previsíveis e não retroativas, de neutralizar a discricionariedade dos governantes, de
afastar situações de ‘risco regulatório’ e de assegurar maior fluidez aos negócios”
(Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista.
São Paulo: Max Limonad, 2002, p. 99 e 100).
17
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo civil, p. 87.
18
A doutrina baliza os limites conceituais insertos dentro do que venham a ser os direitos patrimoniais disponíveis: “Os direitos patrimoniais compreendem os direitos
reais, direitos autorais, e os pessoais. Estes subdividem-se em direitos de crédito,
ou obrigacionais, certos direitos de família e sucessões”. Já o direito disponível “é
o alienável, transmissível, renunciável, transacionável. A disponibilidade significa
que o titular do direito pode aliená-lo; transmiti-lo inter vivos ou causa mortis;
pode, também, renunciar ao direito; bem como, pode, ainda, o titular transigir seu
214
Francisco Rosito
Com esse propósito, as partes interessadas podem submeter a solução de
seus conflitos ao juízo arbitral mediante a convenção de arbitragem, assim
entendida a cláusula compromissória e o compromisso arbitral.
No Brasil, a arbitragem está disciplinada na Lei nº 9.307/96, cuja constitucionalidade foi reconhecida pelo Supremo Tribunal Federal, no julgamento da Sentença Estrangeira nº 5206, em 12/12/2001, consoante a contemporânea tendência de buscar meios alternativos à solução das lides.
Podem as partes escolher, livremente, as regras de direito que serão aplicadas na arbitragem, desde que não haja violação aos bons costumes e à
ordem pública. Podem, também, convencionar que a arbitragem se realize
com base nos princípios gerais de direito, nos usos e costumes e nas regras
internacionais de comércio (art. 2º, Lei nº 9.307).
A arbitragem obedecerá ao procedimento estabelecido pelas partes na
convenção de arbitragem, que poderá reportar-se às regras de um órgão
arbitral institucional ou entidade especializada, facultando-se, ainda, às
partes delegar ao próprio árbitro, ou ao tribunal arbitral, regular o procedimento. Recomenda-se, no entanto, o modelo institucional devido às
garantias que oferece quanto à segurança jurídica, ética e qualidade dos
profissionais.
As principais vantagens da arbitragem são: a) especialidade: as partes
nomeiam um ou mais árbitros, sempre em número ímpar, indicando pessoas que detenham o conhecimento técnico e científico necessários ao deslinde da questão (art. 13, Lei nº 9.307/96); b) celeridade: o procedimento
arbitral é mais rápido do que o processo submetido à tramitação perante
o Poder Judiciário. O prazo legal para conclusão do procedimento é de 6
(seis) meses, podendo as partes prorrogá-lo, de comum acordo (art. 23, Lei
nº 9.307/96); e c) sigilo: o procedimento arbitral, ao contrário do judicial,
não é público.
Admite-se, de forma ampla, a tutela arbitral de cognição e de urgência. Nessas hipóteses, o árbitro limita-se a reconhecer o direito das partes,
sem poderes, no entanto, de fazer exercê-lo. A satisfação no plano material
direito” (MATTOS NETO, Antonio José de. Direitos patrimoniais disponíveis e
indisponíveis à luz da lei da arbitragem. Revista de processo. São Paulo: RT, n.
122, abr./2005, p. 153 e 156).
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
215
estará na dependência da vontade do vencido de cumprir a decisão espontaneamente. Na hipótese negativa, deve o interessado executar a sentença
perante o Poder Judiciário, caso seja condenatória.
A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos
efeitos da sentença proferida pelos órgãos do Poder Judiciário e, sendo
condenatória, constitui título executivo (art. 31, Lei nº 9.307/96).19
Portanto, a sentença arbitral brasileira não está sujeita à homologação
perante o Poder Judiciário para surtir os seus efeitos.
Ressalta-se que a sentença arbitral estrangeira é reconhecida no Brasil
em conformidade com os três principais acordos multilaterais firmados sobre a matéria: (a) Convenção de Nova Iorque sobre o Reconhecimento e a
Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras, de 10 de junho de 1958; (b)
Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional do
Panamá, de 30 de janeiro de 1975; e (c) Convenção Interamericana sobre a
Eficácia Extraterritorial das Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros de
Montevidéu, de 8 de maio de 1979.
O reconhecimento ou a execução no Brasil da sentença arbitral estrangeira está sujeito, unicamente, à homologação pelo Superior Tribunal de
Justiça (CF, art. 105, I, “i”).
5.Jurisdição e arbitragem: convívio e relações
de complementariedade
Jurisdição e arbitragem convivem no Direito brasileiro enquanto meios
de resolução de conflitos. Geralmente, a escolha dos indivíduos e empresários, por um meio ou outro, depende de critérios de eficiência, próprios
de uma perspectiva econômica. “Uma conclusão natural é que se recorre
ao judiciário quando a utilidade esperada dessa ação é maior do que a de
19 Discute-se, a propósito, se o instituto da arbitragem reveste-se de caráter jurisdicional, ou se possui natureza marcadamente contratual. Há posições em ambos os
sentidos, cuja exposição, entretanto, foge do escopo deste artigo. Para um exame
da síntese da discussão doutrinária, consulte-se: CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cognição e imperium. Medidas cautelares e
antecipatórias. Civil law e common law. Incompetência da justiça estadual. Revista
dos tribunais. São Paulo: RT, n. 839, set./2005, p. 131 e 132.
216
Francisco Rosito
agir de outra forma. Da mesma forma, as partes em litígio buscam uma
solução fora dos tribunais quando a utilidade de ambas é maior seguindo
esta alternativa do que uma outra.”20
O exame aponta que a utilidade advinda da utilização de um mecanismo
específico de resolução de conflitos, como a jurisdição, por exemplo, depende dos custos envolvidos, da rapidez com que uma decisão é alcançada,
da imparcialidade do julgador e da previsibilidade das decisões e do tempo
até que elas sejam alcançadas.21
Meios alternativos de solução de conflito podem ser preferidos porque
são mais rápidos e também porque os árbitros podem estar mais preparados para interpretar a questão em disputa. Apesar de cara, a utilização
da arbitragem no comércio internacional é bem vista pelos negociantes
porque os árbitros são considerados mais competentes e confiáveis do que
os tribunais.22
De qualquer maneira, uma vez pactuada a arbitragem, nenhuma das
partes, isoladamente, poderá, de forma eficaz, substituir a arbitragem pelo
procedimento judicial visando a solucionar o litígio. Busca-se, em última
análise, o cumprimento das obrigações assumidas23, o que tem sido respeitado pelo Judiciário.24
Aponta-se que “atualmente, segundo a imprensa especializada na área
econômica, a resolução de mais de 80% dos conflitos mercantis internacionais já estaria sendo feita por mediação e arbitragem privadas, sobretudo
no âmbito da Europa Ocidental e América do Norte. Nos Estados Unidos,
PINHEIRO, Armando Castelar (org.). Judiciário e economia no Brasil. São Paulo:
Editora Sumaré, 2000, p. 27.
21
Ibidem, p. 28.
22
A tradição da arbitragem em matéria comercial é de longa data, sendo frequentemente utilizada por mercadores de cidades comerciais como Florença, Veneza e
Barcelona (CAPPELLETTI, Mauro. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal do acesso à justiça, p. 90).
23
FONSECA, José Arnaldo da. Jurisdição estatal e jurisdição arbitral: conflito aparente. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 23, out.-dez./2009, p.
57-59.
24
WALD, Arnoldo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em relação às
sentenças arbitrais. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 9, abr.jun./2006, p. 7-16.
20
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
217
por exemplo, a American Arbitration Association, que é uma entidade privada, conta com mais de 57 mil árbitros inscritos e distribuídos em 35
filiais no país. Cf. ‘Modernização dos sistemas jurídicos’, in Gazeta Mercantil, São Paulo, edição de 12 de março de 1996”.25
No Brasil, a arbitragem vem conquistando espaço cada vez maior, contando o país com boas câmaras arbitrais.26 A utilização da arbitragem tem
sido expressiva no comércio exterior, mediante a celebração de contrato
internacional, que é aquele que envolve um fluxo internacional de mercadorias, uma operação de importação ou exportação.
Discute-se, a propósito, o que mais convém em contratos internacionais,
se é a escolha do Judiciário, mediante a inserção no contrato da cláusula de
eleição27, ou se a arbitragem, mediante a inserção da cláusula compromissória (arbitragem)28. A conclusão é que nesse tipo de contrato convém optar pela cláusula de arbitragem, por três fundamentos principais. Primeiro,
o Judiciário brasileiro entende que a cláusula de eleição de foro não afasta
a jurisdição concorrente das cortes nacionais, não assegurando, portanto,
efetividade à escolha do Judiciário.29 Segundo, a cláusula compromissória
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 1ª ed., 4ª tir. São Paulo:
Malheiros, 2004, p. 36.
26
Ressalta-se que as Câmaras de Comércio binacionais costumam manter centros
específicos de mediação e arbitragem, destacando-se o Centro de Arbitragem e Mediação da Câmara de Comércio Brasil-Canadá. Da mesma forma, existem câmaras
de arbitragem e mediação mantidas pelas associações da indústria e comércio nos
Estados, como a mantida, ilustrativamente, pela Federação das Associações Comerciais e de Serviços do Rio Grande do Sul – Federasul.
27
A cláusula de eleição de foro, prevista no art. 111 do Código de Processo Civil brasileiro, é cláusula inserta em um contrato, a qual determina a escolha pelas partes
de qual juízo exercerá jurisdição sobre um eventual litígio decorrente do contrato
celebrado.
28
A cláusula compromissória (arbitral), segundo o art. 4º da Lei n. 9.307/96, “é a
convenção através da qual as partes em um contrato comprometem-se a submeter
à arbitragem os litígios que possam vir a surgir, relativamente a tal contrato”.
29
Ilustrativamente, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (REsp. 251.438RJ, 4ª T., rel. Min. Barros Monteiro, j. 08.08.2000) não admite a exclusividade da
cláusula de eleição de foro aposta ao contrato internacional, admitindo processar
e julgar determinada matéria quando acionado o tribunal doméstico, ainda que a
cláusula remete ao foro estrangeiro.
25
218
Francisco Rosito
é preferível pela facilidade do procedimento das câmaras arbitrais, evitando as comunicações de atos exigidas no procedimento jurisdicional (cartas rogatórias), que são custosas e demoradas. Terceiro, a arbitragem permite a eleição de árbitros conhecedores do Direito Internacional e da lex
mercatoria, evitando juízos poucos experientes em matérias específicas
(contratos de joint ventures, transferências de tecnologia, cartas de crédito,
incoterms etc.).30
No que se refere às relações de complementariedade entre arbitragem e
jurisdição, admite-se, de forma ampla, a tutela arbitral de cognição, que
tem o objetivo de conhecer e resolver o conflito de interesses. Reconhecese, outrossim, a tutela de urgência arbitral, quer a tutela cautelar propriamente dita, quer a tutela satisfativa de direito. Havendo necessidade de
tutela de urgência, a parte interessada deverá dirigir-se ao árbitro (e não
ao juiz togado), formulando seu pedido fundamentadamente. O árbitro,
considerando estarem demonstrados os seus fundamentos, concederá a
medida. Se a parte em face de quem for decretada a medida conformar-se
com a decisão, a ela submetendo-se, não haverá qualquer interferência do
Judiciário. Se, ao contrário, caracterizar-se a resistência, o árbitro solicitará o concurso do juiz togado, para que este ordene providências para
concretizá-la.31
Nessas hipóteses, entende-se que o árbitro limita-se a formular a norma
jurídica que deve disciplinar o conflito de interesses. Não sendo cumprida
a decisão, a execução deverá ser promovida perante o Judiciário, pois o
juízo arbitral não detém os poderes inerentes ao imperium, ou seja, o poder para ordenar ou efetuar modificações, independentemente da vontade
da parte, no estado de fato em conformidade com a norma que haja sido
declarada incidente (art. 22, § 4º, Lei n. 9.307/96).32
A justificativa para tal restrição consiste no fato de que o juízo arbitral
não tem poder de coerção, próprio do Estado soberano, para ordenar esta
TIMM, Luciano Benetti. A cláusula de eleição de foro versus a cláusula arbitral em
contratos internacionais: qual é a melhor opção para a solução de disputas entre as
partes? Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 10, jul.-set./2006, p. 37.
31
Excepcionalmente, entende-se que a tutela de urgência poderá ser pleiteada diretamente ao juízo estatal, caso o juízo arbitral ainda não houver sido instaurado.
32
CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem..., p. 134.
30
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
219
ou aquela medida33, poderes estes tidos como decorrentes dos elementos
da jurisdição.34
A questão envolvendo os limites entre os juízos arbitral e estatal resolvese pela necessidade de se reservar ao Judiciário determinados procedimentos para preservação de maiores garantias aos jurisdicionados. É também
por essa razão que cabe exclusivamente ao Judiciário a competência para
processar e julgar a execução forçada com base em sentença condenatória,
com a instauração de um procedimento próprio, respeitando-se todos os direitos em face dos agressivos atos de execução que serão implementados.
6. Conclusão
Conclusivamente, pode-se dizer que a jurisdição e a arbitragem são os
principais meios de resolução de conflitos no sistema jurídico brasileiro.
Cada qual tem as suas particularidades. Enquanto a jurisdição abarca a
grande maioria dos conflitos existentes, a arbitragem destina-se a certas
controvérsias, principalmente oriundas do comércio internacional.
A jurisdição é a forma de resolução estatal de conflitos, que tem atributos constitucionais que a particularizam, principalmente a independência
e a imparcialidade (CF, art. 95, parágrafo único), sendo da preferência cultural dos brasileiros.
Dentre as formas ou métodos alternativos de conflitos insere-se a arbitragem, cuja importância não está apenas em desafogar o Judiciário ou
oferecer mecanismos mais céleres para solução de controvérsias. A importância preponderante da arbitragem reside em optar por uma forma mais
qualificada e satisfatória de solução de certos conflitos, não se objetivando
a mera substituição da jurisdição estatal, seja pela vontade das partes, seja
pela especialidade da matéria controversa, o que não raro exige um ambiente de cooperação entre os juízos arbitral e estatal.
GARBAGNATI, Edoardo. Sull’efficacia di cosa giudicata del lodo arbitrale rituale.
Rivista di diritto processuale, nº 40, p. 425; e LEMES, Selma M. Ferreira. Arbitragem na concessão de serviços públicos. Arbitrabilidade objetiva. Confidencialidade ou publicidade processual? Revista de direito mercantil – industrial, econômico
e financeiro, n. 134, abr.-jun. de 2004, p. 152, nota 13.
34
CARMONA, Carlos Alberto. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo:
Malheiros, 1993, p. 35.
33
220
Francisco Rosito
Independentemente da escolha, o que realmente importa é pacificar com
justiça, tornando-se secundário o fato de a pacificação vir por obra do Estado ou por instituições particulares.
7.Bibliografia
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto. Do formalismo no processo
civil. 3ª ed. rev., atual. e aumentada. São Paulo: Saraiva, 2009.
_____. Jurisdição e Administração: notas de direito brasileiro e comparado. Rev. Informação Legislativa, Brasília. n. 30, v. 119, jul./set. 1993, p.
217-232.
ALVARO DE OLIVEIRA, Carlos Alberto; MITIDIERO, Daniel. Curso
de processo civil: volume 1: teoria geral do processo civil e parte geral do
direito processual civil. São Paulo: Atlas, 2010.
BUENO, Cassio Scarpinella. Curso sistematizado de direito processual
civil: teoria geral do direito processual civil. Vol. 1. 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2008.
CAPPELLETTI, Mauro. Dimensioni della giustizia nelle società contemporanee. Studi di diritto giudiziario comparato. Bologna: Il Mulino,
1994.
_____. Os métodos alternativos de solução de conflitos no quadro do movimento universal do acesso à justiça. Revista de processo. São Paulo: RT,
nº 74, abr.-jun./1994, p. 82-97.
CARMONA, Carlos Alberto. Arbitragem e jurisdição. Revista de processo. São Paulo: RT, n. 58, abr.-jun./1990, p. 33-40.
_____. A arbitragem no processo civil brasileiro. São Paulo: Malheiros,
1993.
CARNEIRO, Athos Gusmão. Arbitragem. Cláusula compromissória. Cognição e imperium. Medidas cautelares e antecipatórias. Civil law e common
law. Incompetência da justiça estadual. Revista dos tribunais. São Paulo:
RT, n. 839, set./2005, p. 129-141.
DIDIER JR., Fredie. Curso de direito processual civil: teoria geral do processo e processo de conhecimento. Vol. 1. 10ª. ed. Bahia: Editora Podium,
2008.
Resolução de conflitos mediante jurisdição e arbitragem
221
DINAMARCO, Cândido Rangel. Instituições de direito processual civil.
6ª ed. rev. e atual. São Paulo: Malheiros, 2009, v. 1.
FARIA, José Eduardo. O direito na economia globalizada. 1ª ed., 4ª tir.
São Paulo: Malheiros, 2004.
FARIA, José Eduardo e KUNTZ, Rolf. Qual o futuro dos direitos? Estado, mercado e justiça na reestruturação capitalista. São Paulo: Max Limonad, 2002.
FONSECA, José Arnaldo da. Jurisdição estatal e jurisdição arbitral: conflito aparente. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo: RT, n. 23,
out.-dez./2009, p. 49-59.
GARBAGNATI, Edoardo. Sull’efficacia di cosa giudicata del lodo arbitrale rituale. Rivista di diritto processuale, nº 40/409.
LACERDA, Galeno. Comentários ao Código de Processo Civil. 5ª ed. Rio
de Janeiro: Forense, 1993. v. 8, t. 1.
LEMES, Selma M. Ferreira. Arbitragem na concessão de serviços públicos. Arbitrabilidade objetiva. Confidencialidade ou publicidade processual? Revista de direito mercantil – industrial, econômico e financeiro, n.
134, abr.-jun. de 2004.
MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 3ª edição. São
Paulo: Revista dos Tribunais, 2008, V. 1.
MATTOS NETO, Antonio José de. Direitos patrimoniais disponíveis e
indisponíveis à luz da lei da arbitragem. Revista de processo. São Paulo:
RT, n. 122, abr./2005, p. 151-166.
PICARDI, Nicola. La vocazione del nostro tempo per la giurisdizione. Rivista trimestrale di diritto e procedura civile. Milano: Giuffrè, v. 58, n. 1,
mar./2004, p. 41-71.
PINHEIRO, Armando Castelar (org.). Judiciário e economia no Brasil.
São Paulo: Editora Sumaré, 2000.
TIMM, Luciano Benetti. A cláusula de eleição de foro versus a cláusula
arbitral em contratos internacionais: qual é a melhor opção para a solução
de disputas entre as partes? Revista de arbitragem e mediação. São Paulo:
RT, n. 10, jul.-set./2006, p. 20-38.
WALD, Arnoldo. A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça em relação às sentenças arbitrais. Revista de arbitragem e mediação. São Paulo:
RT, n. 9, abr.-jun./2006, p. 7-16.
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
Agnes Corinaldesi Geraldo
[email protected]. Bacharel em Direito pela Pontifícia
Universidade Católica de Campinas, 2001. Especializada em Direito do
Trabalho pelo Instituto Germinal de Cursos Jurídicos, 2004. Coordenadora
da Área Trabalhista escritório Daniel Marcelino Advogados Associados
(Aliado em Campinas/SP)
Laura Fanelli Luchiari Milani
[email protected]. Bacharel em Direito pela FACAMP
– Faculdades de Campinas. Especialização em Direitos Difusos pela FACAMP, 2009. Possui Curso de Cálculos Trabalhistas, pelo Instituto Germinal de Cursos Jurídicos, 2010. Advogada do Daniel Marcelino Advogados
Associados (Aliado em Campinas/SP)
I.Introdução
O trabalho é a força motriz que impulsiona o desenvolvimento econômico e social, vindo a integrar o rol das figuras fundamentais para manutenção e avanço do sistema capitalista.
Diante de sua enorme importância no cenário desenvolvimentista, surgiu
um ramo específico do direito para regulá-lo, conferindo especial atenção
às peculiaridades e às necessidades que envolvem as relações de trabalho.
Trabalhador é definido, de maneira ampla, como aquele que presta algum tipo de serviço ou de atividade humana, seja por meio de força física
ou intelectual. Essa ampla definição do gênero trabalhador dá origem a várias espécies de figuras, tais como o empregado, o trabalhador autônomo,
o trabalhador eventual, o representante comercial, o profissional liberal, o
chapa, o empreiteiro, dentre outras.
No Brasil, a relação de trabalho é firmada, em regra geral, entre empregado e empregador, mediante registro na carteira de trabalho e encargos
fiscais, nos termos da Constituição Federal, da Consolidação das Leis do
Trabalho – CLT e de legislação complementar.
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
223
Há, ainda, as modalidades especiais de contratos laborais, distintos da
relação de emprego, em sua forma, efeitos e encargos, e presentes no cotidiano do empresário, motivo pelo qual merecem especial atenção.
No presente artigo, serão delineados os principais aspectos dos contratos de trabalho no Brasil, destacando-se as principais características de
cada espécie e atentando-se para os elementos que integram uma relação
de trabalho.
II.Figura do empregado
Os empregados, em particular, integram o grupo de trabalhadores
que recebe maior proteção da legislação trabalhista e seus direitos estão consagrados na Constituição Federal e na Consolidação das Leis
do Trabalho.
A lei prevê quatro requisitos básicos para que um trabalhador possa ser
enquadrado na categoria de empregado, quais sejam: subordinação, habitualidade, pessoalidade e onerosidade.
Esses requisitos são dinâmicos, na medida em que seus perfis evoluem
de acordo com a oscilação do comportamento social e das atividades produtivas, e intimamente interligados, pois o conjunto esvazia na medida em
que um deles perde a importância.
Para melhor compreensão do tema, serão expostas as principais características dos requisitos necessários para configuração de uma relação de
emprego.
A subordinação exerce papel central na definição de empregado e consiste no fato de que é o perfil do empregador que será impresso no ambiente
de trabalho, cabendo a ele o exercício exclusivo do poder diretivo, inclusive
de aplicar penalidades administrativas ao empregado por infração contratual ou legal, tais como advertência, suspensão disciplinar e dispensa por
justa causa.
Art. 3º da CLT: Considera-se empregado toda pessoa física que prestar serviços de
natureza não eventual a empregador, sob a dependência deste e mediante salário.
Parágrafo único: Não haverá distinções relativas à espécie de emprego e à condição
de trabalhador, nem entre o trabalho intelectual, técnico e manual.
224
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
Nesse diapasão, importante destacar que o conjunto de ordens emitidas
pelo empregador deve sempre estar pautado no padrão da dignidade da
pessoa humana e ser acatado pelo empregado, para própria manutenção do
pacto laboral.
A habitualidade relaciona-se à não eventualidade, ao caráter contínuo,
duradouro e permanente em que o empregado se integra aos fins sociais
desenvolvidos pelo empregador.
Ressalta-se que o entendimento dos Tribunais é no sentido de que o trabalho habitual não se resume, simplesmente, ao número de dias da semana
em que o empregado exerce o labor, mas sim, na repetição razoável dessa
prestação de serviços àquele determinado empregador.
A pessoalidade refere-se à impossibilidade de o empregado contratado se fazer substituir por outrem na prestação dos serviços ao
empregador.
A onerosidade refere-se ao salário, à contraprestação pelos serviços
executados e é figura inerente ao contrato de trabalho.
O salário é garantido constitucionalmente ao empregado vinculado, independente dos riscos negociais assumidos pelo empregador.
Assim, presentes os requisitos da pessoalidade, da onerosidade, da nãoeventualidade e da subordinação, configurada está a relação de emprego, a
teor dos artigos 2º e 3º da CLT.
III.Figuras Afins
As espécies de trabalho que guardam maior afinidade com a relação de
emprego, mas dela se distinguem, são a locação de serviços, a prestação de
serviços – representação comercial autônoma, profissional liberal, empreitada e chapa – a sociedade, o mandato e a parceria rural, os quais passam
a ser abordados em suas peculiaridades nos tópicos abaixo.
III.a – Locação de Serviços
A locação de serviços trata de contrato bilateral, oneroso e consensual,
em que uma das partes se obriga para com a outra a fornecer-lhe a presta-
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
225
ção de uma atividade lícita, não vedada pela lei e pelos bons costumes, que
pode ser material ou imaterial, mediante remuneração.
Compreende, de forma ampla, o trabalho autônomo, o trabalho eventual
e o trabalho a cargo de pessoas jurídicas, sob regulação dos artigos 594 e
seguintes do Código Civil Brasileiro.
O locador compromete-se a entregar o serviço feito, ao locatário, no
espaço de tempo ajustado, assumindo os riscos do resultado, sendo-lhe
permitido contratar auxiliares para execução do serviço.
III.b – Prestação de serviços
Os contratos de prestação de serviços não-subordinados, tais como o representante comercial autônomo (agente); o profissional liberal; a empreitada e sub-empreitada e o chapa, distinguem-se do contrato de trabalho
pela subordinação e pessoalidade.
III.b.1 – Representação comercial autônoma
A representação comercial autônoma “é o pacto pelo qual uma pessoa
física ou jurídica se obriga a desempenhar, em caráter oneroso, não eventual e autônomo, em nome de uma ou mais pessoas, a mediação para realização de negócios mercantis, agenciando propostas ou pedidos para os
transmitir aos representados, praticando ou não atos relacionados com a
execução dos negócios”.
Instituto regulado pela Lei nº 4.886/65, com alterações introduzidas pela
Lei nº 8.420/92, que recebeu repercussões normativas no Código Civil
(“Da Agência e Distribuição” – arts. 710 a 721, CCB/2002).
De acordo com a tipificação legal, o contrato de representação comercial
é consensual, bilateral, oneroso e personalíssimo.
As características próprias do contrato de representação ou de agência são, por parte do representante, a profissionalização; a habitualidade;
Art. 594. Toda a espécie de serviço ou trabalho lícito, material ou imaterial, pode
ser contratada mediante retribuição.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho / Maurício Godinho
Delgado. – 5. Ed. – São Paulo: LTr, 2006. fl. 594.
226
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
a independência de ação (itinerários, horários, direção, etc); a autonomia
financeira e a assunção dos riscos da atividade; a delimitação da área de
atuação (zonas de trabalho), com ou sem exclusividade, conforme o caso;
e a remuneração em função dos negócios efetivados, podendo ser variável,
em percentual sobre o valor das operações concretizadas, ou fixa, em valor
certo para determinadas operações.
Em que pese seja o registro no Conselho Regional dos Representantes
Comerciais – CORE condição para o exercício do ofício da representação
comercial autônoma, a ausência não implica, por si só, no reconhecimento
do vínculo empregatício, mas sim ser o trabalhador um simples vendedor
autônomo.
A prestação de serviços do representante comercial autônomo é contínua, sob pena de ser considerado tão-somente vendedor autônomo eventual,­
sem a proteção da Lei n.º 4.886/65 e da CLT.
São elementos favoráveis à caracterização de “subordinação”, o reembolso de despesas; a ajuda de custo; as metas de vendas; a fixação
de horário de trabalho; o controle e a fiscalização de itinerários; a obrigação de comparecimento à empresa em determinado lapso de tempo;
a obediência a métodos de venda; a cota mínima de produção e a ausência de apreciável margem de escolha de clientes e de organização
própria, pois retiram a independência e a autonomia do representante
comercial.
Se o trabalhador for considerado subordinado, na condição de empregado vendedor, viajante ou pracista, a relação jurídica ficará regulada pela
Lei n° 3.207/57.
III.b.2 – Profissional liberal
Profissional liberal é o prestador de serviços de natureza intelectual (advogado, médico, dentista, etc), de forma autônoma, com liberdade na condução técnica do exercício da profissão, sem subordinação e sem vínculo
de emprego com o tomador.
Lei nº 4.886/65, art. 5º. Somente será devida remuneração, como mediador de negócios comerciais, a representante comercial devidamente registrado.
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
227
III.b.3 – Empreitada e Sub-empreitada
Empreitada é o contrato mediante o qual uma ou mais pessoas comprometem-se a realizar ou mandar realizar uma obra certa e específica para
outrem, sob direção e risco do próprio prestador, mediante remuneração
determinada ou proporcional ao serviço executado.
Instituto regulado pelos artigos 610 a 626 do Código Civil Brasileiro,
que pode objetivar a atividade autônoma (empreitada de mão-de-obra) ou
um resultado (empreitada de obra certa).
III.b.4 – Chapa
Chapa é denominação de trabalhadores que ficam em pontos específicos
na estrada, no mercado ou em locais de concentração aguardando serviço
de carga e descarga de caminhões e guias urbanos, mediante o pagamento
da diária, também conhecida por “chapada”.
Não configura a relação de emprego, em razão da eventualidade e da
impessoalidade, própria da escolha aleatória de trabalhadores nos pontos
de concentração ou na estrada.
Trata-se de modalidade excepcional de trabalho, comum em empresas
do ramo de transporte, caminhoneiros, indústrias e armazéns onde haja
manuseio de cargo, e que se assemelha à do avulso portuário, não tendo tal
reconhecimento na legislação.
III.c – Sociedade
Contrato de sociedade é o pacto celebrado entre duas ou mais “pessoas
que reciprocamente se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o
exercício de atividade econômica e a partilha, entre si, dos resultados”. Dá
origem a direitos e obrigações recíprocas entre os sócios e também entre
esses e o ente societário.
Instituto regulado pelos artigos 981 e seguintes do CCB/2002, que possui as seguintes características próprias: convergência de interesses jurídicos dos sujeitos da relação, na paridade entre os sócios, nos riscos do
empreendimento e no objetivo comum de lucro.
Art. 981 do CCB/2002.
228
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
III.d – Mandato
Mandato é o contrato mediante o qual uma pessoa “recebe de outrem
poderes, para, em seu nome, praticar atos ou administrar interesses.” Pode
ser outorgado por meio de procuração, autorização, delegação ou eleição,
sem que haja impedimento legal para coexistência do contrato de mandato
com o contrato de trabalho.
As características essenciais do mandato são a realização de atos jurídicos pelo mandatário, enquanto que o empregado só prática atos materiais (salvo os altos cargos de direção); a especificação prévia de poderes
conferidos ao mandatário; a representação; a presunção de gratuidade do
mandato; a relação tríplice entre mandante, mandatário e terceira pessoa;
a possibilidade de substabelecimento dos poderes; e a revogabilidade dos
poderes do mandato.
O mandato cessa pela revogação ou pela renúncia; pela morte ou interdição de uma das partes; pela mudança de estado que inabilite o mandante
a conferir os poderes, ou o mandatário para os exercer; ou pelo término do
prazo ou pela conclusão do negócio.
III.e – Parceria rural
Parceria rural é o contrato agrário mediante o qual uma pessoa se obriga
a ceder à outra, por tempo determinado ou não, o uso específico de imóvel
rural, de parte ou partes do mesmo, incluindo ou não, benfeitorias, outros
bens e ou facilidades, com o objetivo de nele ser exercida atividade de
exploração agrícola, pecuária, agroindustrial, extrativa vegetal ou mista; e
ou lhe entrega animais para cria, recria, invernagem, engorda ou extração
de matérias primas de origem animal, mediante partilha de riscos do caso
fortuito e da força maior do empreendimento rural, e dos frutos, produtos
ou lucros havidos nas proporções que estipularem, observados os limites
percentuais previstos na Lei nº. 4.504/64 – Estatuto da Terra e Decreto
regulamentador n° 59.566/66.
Art. 653 do CCB/2002.
Art. 682, I a IV, CCB/2002.
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
229
O parceiro rural não é empregado, pois produz por sua própria conta,
sem o poder diretivo, hierárquico ou disciplinar do parceiro cedente – dono
da terra, nem recebe salário ou remuneração fixa por seu trabalho.
As parcerias rurais mais comuns são a agrícola, que importa no cultivo
da terra e divisão dos lucros da agricultura, e a pecuária, em que se faz a
entrega de animais à outra para que sejam tratados e criados, mediante a
retribuição de parte dos lucros.
Diante dessas figuras laborais, pode-se concluir que o traço característico fundamental entre o contrato de trabalho e os demais contratos de
atividade repousa basicamente no elemento subordinação jurídica ou hierárquica. Os demais elementos tipificadores da relação de emprego (pessoa­
lidade, habitualidade e onerosidade) devem servir de subsídio à formação
do convencimento do jurista, que buscará a primazia da realidade das relações, em detrimento de formalidades contratuais.
IV.Figura do empregador
Ao delinear o conceito de empregador, o art. 2º da CLT o define, em linhas gerais, como aquele que pratica os atos de admissão, direção e remuneração dos empregados, assumindo os riscos da atividade econômica.
Nesse espeque, confere-se atenção especial ao tema da assunção dos
riscos da atividade econômica, pois a responsabilidade do empregador é
plena e não comporta nem mesmo a exceção por onerosidade excessiva
ou a escusa por motivo de força maior. Isso significa que, ainda que o
empregador se veja envolvido em desastres de causas naturais ou tenha
Art. 2º da CLT: Considera-se empregador a empresa, individual ou coletiva, que,
assumindo os riscos da atividade econômica, admite, assalaria e dirige a prestação
pessoal de serviços.
§1º Equiparam-se ao empregador, para os efeitos exclusivos da relação de emprego, os
profissionais liberais, as instituições de beneficência, as associações recreativas ou outras instituições sem fins lucrativos, que admitirem trabalhadores como empregados.
§2º Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra,
constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra atividade econômica,
serão para os efeitos da relação de emprego, solidariamente responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas.
230
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
sua atividade proibida pelos poderes públicos, alvará de funcionamento
cassado, rua interditada, capital de giro bloqueado ou matéria prima com
importação suspensa, não será o bastante para justificar a sonegação de
salários e demais vantagens do contrato de trabalho, pelo simples fundamento de que a energia humana, uma vez empreendida, é irrecuperável,
irretornável e inexorável.
Vale destacar que, além da concepção básica delineada acima, o ordenamento jurídico trabalhista, intensificou e dinamizou o conceito de empregador, na medida em que extinguiu a relação linear e estática envolvendo
apenas empregado e empregador, estabelecendo novas figuras entre as partes do contrato de trabalho, em especial, quando há grupos econômicos,
relações de terceirização e sucessão de empresas, cujas características e
responsabilidades serão abordadas a seguir.
V.Terceirização
O fenômeno da terceirização surgiu no processo de modernização
tecnológica e organizacional ocorrido no Brasil com grande intensidade a partir dos anos 80, sob o pretexto da necessidade de aumento
da competitividade, resultando em mudanças significativas na relação
entre empresas10.
A terceirização consiste em fenômeno pelo qual se dissocia a relação
econômica de trabalho da relação justrabalhista que lhe seria correspondente. Por meio desse fenômeno, o trabalhador é inserido no processo
produtivo do tomador de serviços sem que sejam estendidos a ele os
laços justrabalhistas, vínculo empregatício e demais encargos advindos
da relação de trabalho.
Nesse sentido, na terceirização é estabelecida uma relação “trilateral”
composta por: trabalhador, empresa prestadora de serviços e empresa tomadora de serviços.
Homero Batista Mateus da Silva, Curso do Direito do Trabalho Aplicado, volume
1, Rio de Janeiro Elsevier: 2009.
10
Revista do TRT da 2ª Região, São Paulo, n. 3/2009
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
231
Apesar da ampla utilização de atividades terceirizadas, a legislação trabalhista brasileira carece de regulamentação sobre o instituto da terceirização.
Por ora, a Súmula 331 do Tribunal Superior do Trabalho trata da matéria11.
A utilização legal, legítima e eficiente do sistema de terceirização, pressupõe a observância de alguns requisitos. Vejamos.
A relação deve ocorrer entre empresas idôneas com efetiva capacidade
econômica, pois a empresa contratada deve suportar os riscos do negócio e
ter condições econômicas de honrar seus compromissos econômicos com
os trabalhadores, evitando problemas judiciais futuros para a tomadora
dos serviços.
Destaca-se que, na terceirização regular, a empresa tomadora mantém
apenas responsável subsidiária pela adimplência dos créditos trabalhistas
da empresa prestadora de serviços.
Os serviços terceirizados podem estar relacionados somente à atividademeio da empresa tomadora. Atividade-meio consiste nas funções e tarefas
empresariais e laborais que não se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador dos serviços, nem compõem a essência dessa dinâmica ou
contribuem para a definição de seu posicionamento no contexto empresarial
11
Súmula nº 331 do TST – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS. LEGALIDADE.
I – A contratação de trabalhadores por empresa interposta é ilegal, formando-se o
vínculo diretamente com o tomador dos serviços, salvo no caso de trabalho temporário (Lei nº 6.019, de 03.01.1974);
II – A contratação irregular de trabalhador, mediante empresa interposta, não gera
vínculo de emprego com os órgãos da administração pública direta, indireta ou
fundacional (art. 37, II, da CF/1988);
III – Não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de
vigilância (Lei nº 7.102, de 20.06.1983) e de conservação e limpeza, bem como a
de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexistente a pessoalidade e a subordinação direta;
IV – O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, quanto àquelas obrigações, inclusive quanto aos órgãos da administração direta, das autarquias, das
fundações públicas, das empresas públicas e das sociedades de economia mista,
desde que hajam participado da relação processual e constem também do título
executivo judicial (art. 71 da Lei nº 8.666, de 21.06.1993). (Redação dada ao inciso
pela Resolução TST nº 96, de 11.09.2000, DJU 18.09.2000).
232
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
e econômico. Portanto, são atividades periféricas à essência da dinâmica
empresarial do tomador dos serviços, tais como os serviços especializados
de vigilância, limpeza, refeições, assistência técnica e similares.
A atividade-fim é aquela relacionada às funções e tarefas empresariais
e laborais que se ajustam ao núcleo da dinâmica empresarial do tomador
de serviços, ou seja, são atividades nucleares e definitórias da essência da
dinâmica empresarial do tomador de serviços.
Muitas empresas incorrem em fraude e desvirtuamento ao instituto da terceirização, nas seguintes situações: a) quando os funcionários da empresa prestadora de serviços atuam na atividade-fim da tomadora, beneficiando a atividade
econômica desta; b) quando o trabalho dos funcionários da prestadora de serviços é dirigido pela empresa tomadora, configurando-se subordinação à tomadora; e c) quando os funcionários da empresa prestadora de serviços atuam na atividade-fim da tomadora, mas não possuem igualdade nas condições de trabalho
e remuneração com os funcionários da empresa tomadora.
Em ocorrendo alguma das situações acima elencadas, caracterizar-se-á a
terceirização ilícita e o vínculo de trabalho original, inicialmente estabelecido com a empresa prestadora de serviços, por ordem judicial, será rompido e
reatado com a empresa tomadora dos serviços, a qual passará a ser a verdadeira responsável por todos os encargos decorrentes da relação de trabalho.
Por derradeiro, vale ressaltar que o Ministério do Trabalho e Emprego e
as Procuradorias Regionais do Trabalho, órgãos responsáveis pela fiscalização do cumprimento das leis trabalhistas, atuam intensamente na fiscalização envolvendo atividades terceirizadas, sendo comum a autuação mais
simples, com multas pecuniárias, podendo ocorrer autuações mais rigorosas, tais como suspensão das atividades, interdição de estabelecimentos,
dentre outras punições às empresas que infringem a legislação.
VI. Grupo econômico
A figura de “grupo econômico” enunciada pelo Direito do Trabalho Brasileiro, através do artigo 2º, §2º, da CLT12 e do artigo 3º, § 2º, da Lei do
12
CLT, art. 2º, §2º. “Sempre que uma ou mais empresas, tendo, embora, cada uma
delas, personalidade jurídica própria, estiverem sob a direção, controle ou administração de outra, constituindo grupo industrial, comercial ou de qualquer outra
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
233
Trabalho Rural13, trata de duas ou mais empresas favorecidas, direta ou
indiretamente, pelo mesmo contrato de trabalho, por força dos laços de
direção ou coordenação em atividades industriais, comerciais, financeiras,
agroindustriais ou outra atividade econômica.
A configuração de grupo econômico, na seara trabalhista, não exige as
formalidades jurídicas típicas ao Direito Econômico ou Direito Comercial,
tais como holdings, consórcios, pools, etc, bastando que estejam presentes
os elementos fáticos de integração – direção ou coordenação – entre entes
com dinâmica e fins econômicos.
A legislação brasileira admite que o grupo de empresas possa ser integrado por entes econômicos que adotem diferentes formas societárias (sociedades anônimas, sociedades limitadas, etc.) e que atuem em diferentes
ramos econômicos.
A responsabilidade que deriva para os entes que compõe o grupo econômico é solidária, por força da lei. Esse amplo efeito legal confere ao funcionário-credor o poder de exigir de todos ou de qualquer um dos componentes do grupo econômico o pagamento total da dívida, ainda que tenha
sido vinculado a apenas um deles.
A solidariedade passiva entre as entidades componentes do grupo econômico, perante os créditos trabalhistas derivados de contrato de trabalho
subscrito por uma ou algumas desses entes, é o efeito jurídico clássico e
incontroverso da figura justrabalhista do grupo econômico.
Entretanto, a evolução do instituto propiciou uma extensão de seus objetivos e efeitos por além da mera garantia creditícia prevista em lei, alcançando
aspectos contratuais e todos os entes integrantes do grupo econômico.
Nesse espeque, advém corrente de juristas que acrescenta, à solidariedade passiva, a solidariedade ativa das entidades componentes do grupo
econômico, perante direitos e prerrogativas laborativas que lhes favorecem
atividade econômica, serão, para os efeitos da relação de emprego, solidariamente
responsáveis a empresa principal e cada uma das subordinadas”.
13
Lei nº 5.889/73, art. 3º, §2º. “Sempre que uma ou mais empresas, embora tenha
cada uma delas personalidade jurídica própria, estiverem sob direção, controle ou
administração de outra, ou ainda quando, mesmo guardando cada uma sua autonomia, integrem grupo econômico ou financeiro rural, serão responsáveis solidariamente nas obrigações decorrentes da relação de emprego.”
234
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
em face do mesmo contrato de trabalho. Trata-se da solidariedade dual em
face do conjunto do contrato de trabalho, o que, na prática, o grupo seria
empregador único em face dos contratos laborais.
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho firmou-se em direção
à tese da responsabilidade dual (empregador único), através da Súmula 129,
de 1982: “A prestação de serviços a mais de uma empresa do mesmo grupo
econômico, durante a mesma jornada de trabalho, não caracteriza a coexistência de mais de um contrato de trabalho, salvo ajuste em contrário.”
Em conseqüência à responsabilidade dual (empregador único), haveria
negociação coletiva ao nível do grupo; garantia de condições uniformes
de trabalho (equiparação salarial); transferência de trabalhadores entre os
entes quando houver real necessidade do serviço; extensão do poder de direção empresarial por além da especifica empresa em que esteja localizado
o empregado; soma de períodos prestados a mais de uma empresa; garantia
de reintegração do trabalhador em empresa matriz, quando o seu contrato
rescinde junto à filial; distribuição de lucros; dentre outros.
No âmbito judicial, o reclamante pode acionar o empregador e respectivo grupo econômico, na fase inicial, produzindo as provas necessárias ao conhecimento do juízo e responsabilização solidária dos entes.
O reclamante pode, ainda, promover a verificação sumária de grupo econômico apenas na fase tipicamente executória, em busca da solidariedade
dos demais entes para o pagamento do crédito, desde que essa verificação
não demande instrução probatória, nem implique em violação ao princípio
constitucional do devido processo legal, eis que cancelada a Súmula nº 205
do TST14.
São exemplos clássicos de grupo econômico: as sociedades controladas,
as holdings, os consórcios entre empresas, os grupos de direito, as sociedades coligadas, dentre outros.
Por fim, importante mencionar que a responsabilização solidária do
grupo econômico pode se estender, inclusive, às contribuições previden14
TST, Súmula nº 205. GRUPO ECONÔMICO. EXECUÇÃO. SOLIDARIEDADE (cancelada) – Res. 121/2003, DJ 19, 20 e 21.11.2003. O responsável solidário, integrante do
grupo econômico, que não participou da relação processual como reclamado e que, portanto, não consta no título executivo judicial como devedor, não pode ser sujeito passivo
na execução. Histórico: Redação original – Res. 11/1985, DJ 11, 12 e 15.07.1985.
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
235
ciárias, por força do artigo 124 do CTN15 e do artigo 30, inciso IX da Lei
nº 8.212/9116.
VII. Sucessão de empregadores
Sucessão de empregadores é instituto do Direito do Trabalho previsto nos artigos 1017 e 44818 da CLT, que assegura a intangibilidade dos
contratos de trabalho existentes no conjunto da organização empresarial
em alteração ou transferência, ou mesmo na parcela transferida dessa
organização.
Os fundamentos do instituto sucessório trabalhista são resultado da convergência de três princípios informados do Direito do Trabalho: o princípio da intangibilidade objetiva do contrato empregatício, o princípio da
despersonalização da figura do empregador e o princípio da continuidade
do contrato de trabalho.
A relativa imprecisão e generalidade dos dois preceitos celetistas
têm permitido à jurisprudência realizar contínuo e ágil processo de
adequação do sentido do instituto da sucessão de empregadores às
mutações sofridas pela realidade concreta, preservando a teleologia
justrabalhista.
A figura sucessória comporta dois modelos principais, o tradicional, que
envolve a maioria das situações fático jurídicas do mercado empresarial e
trabalho, e o extensivo, que se apresenta em menor número, mas de grande
relevância na atualidade empresarial do Brasil.
As situações tradicionais de sucessão operam-se quando há alteração na estrutura formal da pessoa jurídica titular do contrato de traba Art. 124. São solidariamente obrigadas: I – as pessoas que tenham interesse comum na situação que constitua o fato gerador da obrigação principal; II – as
pessoas expressamente designadas por lei.
16
Lei nº 8.212/91, art. 30, inciso IX. “As empresas que integram grupo econômico de qualquer natureza respondem entre si, solidariamente, pelas obrigações previdenciárias.”
17
“Qualquer alteração na estrutura jurídica da empresa não afetará os direitos adquiridos por seus empregados.”
18
“A mudança na propriedade ou na estrutura jurídica da empresa não afetará os
contratos de trabalho dos respectivos empregados.”
15
236
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
lho ou quando há substituição do antigo empregador por outra pessoa
física ou jurídica, prevalecendo a continuidade da prestação laborativa pelo obreiro, salvo singulares exceções. São exemplos: mudança
na modalidade societária, processos de fusão, incorporação ou cisão,
venda e compra de estabelecimentos isolados ou em conjunto, arrendamento, aquisições da própria empresa em sua integralidade, dentre
outros desdobramentos concretos propiciados pela prática do mercado empresarial.
As novas situações de sucessão surgiram com a profunda reestruturação do mercado empresarial brasileiro, em especial nas privatizações e no
mercado financeiro, no final do século XX, conduzindo a jurisprudência
à maior amplitude na releitura dos artigos 10 e 448 da CLT, de forma a
preservar os direitos do trabalhador em qualquer mudança intra ou interempresarial, independentemente da continuidade efetiva da prestação dos
serviços.
Dentre essas, a situação mais relevante trata da separação do patrimônio de um complexo empresarial, com objetivo de se alienar ou transferir
parte relevante dos ativos saudáveis (direitos, obrigações e relações jurídicas) para outro titular, mantendo-se o restante dos ativos empobrecidos
no antigo complexo, situação que afeta, de forma significativa, os direitos
oriundos contratos de trabalho e atrai a responsabilidade do titular dos
ativos saudáveis.
Importante destacar que a sucessão trabalhista se opera somente em situações de transferência de unidades econômico-jurídicas (substabelecimento, filial, agência, etc), não estando abrangida a transferência de coisas
singulares, como máquinas e equipamentos.
Qualquer título jurídico hábil a operar a transferência interempresarial é
compatível com a sucessão de empregadores, dentre os quais destacamos
três situações concretas que merecem nossa atenção:
1ª) Empresa concessionária de serviço público, ao assumir o acervo
da concessionária anterior ou manter parte das relações jurídicas
contratadas pela precedente, assume as obrigações e direitos trabalhistas prévios, assim como nas privatizações, conforme as regras
gerais da CLT;
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
237
2ª) Em casos de arrendamento de empresas ou estabelecimentos, o
novo titular provisório, assume as obrigações e direitos trabalhistas
prévios, durante sua permanência como arrendatário; e
3ª) As aquisições de acervos empresariais em hasta pública fogem à
regra geral da CLT, em razão da excepcional natureza de aquisição
originária da hasta pública, entendimento esse mantido pelo Tribunal Superior do Trabalho.
Não será, pois, toda e qualquer transferência interempresarial que, isoladamente, será apta a provocar a sucessão trabalhista. Se vier acompanhada da continuidade da prestação de serviços ao novo titular, ocorrerá a
sucessão (modelo tradicional). No entanto, se não houver essa continuidade, necessário haver a transferência que afete, de forma significativa,
os contratos de trabalho, sob pena de extensão demasiada do instituto
justrabalhista.
O instituto da sucessão trabalhista aplica-se a todo tipo de empregado,
seja urbano, seja rural, exceto aos empregados domésticos.
Outra exceção importante foi criada pela Lei nº 11.101/2005, que regula o processo falimentar e de recuperação empresarial. Nas falências, não
incidirá sucessão de empregadores no caso de alienação da empresa falida ou de um ou alguns de seus estabelecimentos (art. 141, II, § 2º, Lei nº
11.101/0519), sendo considerados como “novos” os contratos de trabalho
iniciados com o empregador adquirente, ainda que se tratando de antigos
empregados da empresa extinta.
19
Art. 141. Na alienação conjunta ou separada de ativos, inclusive da empresa
ou de suas filiais, promovida sob qualquer das modalidades de que trata este
artigo:
(...)
II – o objeto da alienação estará livre de qualquer ônus e não haverá sucessão do arrematante nas obrigações do devedor, inclusive as de natureza tributária, as derivadas
da legislação do trabalho e as decorrentes de acidentes de trabalho.
(...)
§ 2º Empregados do devedor contratados pelo arrematante serão admitidos mediante novos contratos de trabalho e o arrematante não responde por obrigações
decorrentes do contrato anterior.
238
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
Tal exceção não se aplica a alienações efetivadas durante processos de
simples recuperação extrajudicial ou judicial de empresas, nos moldes
da recente lei falimentar (art. 161, §1º20, art. 163, §1º21 e art. 8322, Lei nº
11.101/05).
É comum nas relações interempresariais de transferência de empresas
a estipulação contratual de “cláusula de não responsabilização”. O adquirente – que se tornará o novo empregador – ressalva que sua responsabilidade trabalhista inicia-se somente no momento da efetiva transferência,
firmando a responsabilidade do antigo empregador pelo passivo trabalhista
existente até tal oportunidade.
Tais cláusulas são de grande importância prática para regulação das relações jurídicas civis ou comerciais entre as empresas, pois viabilizam o
Art. 161. O devedor que preencher os requisitos do art. 48 desta Lei poderá propor
e negociar com credores plano de recuperação extrajudicial.
§ 1º Não se aplica o disposto neste Capítulo a titulares de créditos de natureza
tributária, derivados da legislação do trabalho ou decorrentes de acidente de trabalho, assim como àqueles previstos nos arts. 49, § 3º, e 86, inciso II do caput,
desta Lei.
21
Art. 163. O devedor poderá, também, requerer a homologação de plano de recuperação extrajudicial que obriga a todos os credores por ele abrangidos, desde
que assinado por credores que representem mais de 3/5 (três quintos) de todos os
créditos de cada espécie por ele abrangidos.
§ 1º O plano poderá abranger a totalidade de uma ou mais espécies de créditos
previstos no art. 83, incisos II, IV, V, VI e VIII do caput, desta Lei, ou grupo de
credores de mesma natureza e sujeito a semelhantes condições de pagamento, e,
uma vez homologado, obriga a todos os credores das espécies por ele abrangidas,
exclusivamente em relação aos créditos constituídos até a data do pedido de homologação.
22
Art. 83. A classificação dos créditos na falência obedece à seguinte ordem:
I – os créditos derivados da legislação do trabalho, limitados a 150 (cento e cinqüenta) salários-mínimos por credor, e os decorrentes de acidentes de trabalho;
(...)
VI – créditos quirografários, a saber:
(...)
c) os saldos dos créditos derivados da legislação do trabalho que excederem o limite estabelecido no inciso I do caput deste artigo;
(...)
§ 4º Os créditos trabalhistas cedidos a terceiros serão considerados quirografários.
20
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
239
mais ágil e funcional ressarcimento de gastos eventualmente realizados
pelo adquirente com direitos trabalhistas adquiridos antes da transferência
empresarial. Contudo, não produzem efeito na esfera trabalhista. A figura
da sucessão trabalhista provoca automática transferência de direitos e obrigações contratuais, por força de lei, do antigo empregador para o sucessor
do empreendimento, ou seja, opera-se a imediata e automática assunção
dos contratos trabalhistas pelo novo titular da organização empresarial ou
de sua parcela transferida.
VIII.Carga tributária nos contratos de trabalho
No presente tópico, revelaremos a carga tributária envolvida nos contratos de trabalho, item importante a ser avaliado pela empresa ao optar a
modalidade contratual.
VIII.a – Carga tributária da empresa / empregadora
A carga tributária global da empresa compreende diversos tributos federais, estaduais e municipais. Dentre os federais, destacam-se IRPJ, CSLL,
COFINS, PIS, FGTS, Contribuição Social Patronal, Contribuição de Outras Entidades e Fundos, Seguro Acidente de Trabalho e Fator Acidentário
de Prevenção. Dentre os estaduais, ICMS, IPVA e ITCMD. Dentre os municipais, ISS, IPTU e ITBI.
A tributação global da empresa envolve outros impostos e contribuições, que incidirão em algumas atividades e setores e deixarão de ser apresentados, em razão da delimitação do objeto do presente estudo à carga
tributária relativa à folha de pagamento.
A contratação de empregados vinculados (CLT) impacta no aumento
da carga tributária da empresa nos tributos que possuem a folha de pagamento como base de cálculo, quais sejam: FGTS (8% e multa rescisória
de 40%); Contribuição Social Patronal (20%); Contribuição de Outras
Entidades e Fundos (de 0,2% a 5,8%, conforme código FPAS da empresa); Seguro Acidente de Trabalho (de 1% a 3%, conforme CNAE da
empresa) e Fator Acidentário de Prevenção (de 0,5% a 2,0%, conforme
metodologia de cálculo prevista nas Resoluções MPS/CNPS nº 1.308/09
e nº 1.309/09).
240
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
VIII.b – Carga tributária do trabalhador autônomo
A carga tributária do trabalhador autônomo envolve tributos federais IRPF
(de 0% a 27,5%, conforme tabela progressiva vigente) e Contribuição Previdenciária (20%), ambos retidos pela fonte pagadora e repassados aos cofres
públicos, além do tributo municipal ISSQN (de 2% até 5%, retido ou não na
fonte, conforme legislação municipal do local da prestação do serviço).
VIII.c – Carga tributária do empregado vinculado – CLT
Na relação de emprego, a empresa assume os riscos da atividade econômica, exerce seu poder diretivo e assalaria os empregados, observando
salário fixo, submissão ao piso da categoria, gratificações, 13º salário,
salário-família, salário–maternidade, auxílio doença, auxílio-doença
acidentário, aviso prévio indenizado, férias acrescidas do terço constitucional, estabilidade gestacional, indenização por dispensa sem justa
causa (40% do FGTS), vale transporte, vale refeição, plano de saúde, estabilidade acidentária, etc., além de outros direitos previstos na Convenção Coletiva, tais como vale-transporte, vale-refeição, plano de saúde,
PLR, etc.
O empregador deverá reter na fonte a Contribuição Previdenciária, cujas
alíquotas são de 8%, 9% ou 11% incidentes sobre as verbas de natureza
salarial, recolhendo-a aos cofres públicos, conforme tabela de contribuição dos segurados em vigor desde 01.01.2010 – Portaria Interministerial nº
350/2009 c.c. artigo 90 do ADCT.
Salário de contribuição
até R$1.024,97
Alíquota para fins de
recolhimento à União
8%
de R$1.024,98 até R$1.708,27
9%
de R$1.708,28 até R$3.416,54
11%
O empregador deverá, ainda, reter, na folha de pagamento, o Imposto de
Renda, cujas alíquotas são de 0%, 7,5%, 15%, 22,5% ou 27,5% incidentes
sobre as verbas de natureza salarial, recolhendo-o aos cofres públicos, de
acordo com a Lei nº 11.945/2009, em vigor desde 1º/1/2010:
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
241
Alíquota
Parcela a
deduzir
-
-
de R$1.499,16 até R$2.246,75
7,5%
R$112,43
de R$2.246,76 até R$2.995,70
15%
R$280,94
de R$2.995,71 até R$3.743,19
22,5%
R$505,62
acima de R$3.743,19
27,5%
R$692,78
Bases de cálculo
até R$1.499,15
Tais valores são retidos pela fonte pagadora, ou seja, descontados na
folha de pagamento do empregado.
VIII.d – Carga tributária da pessoa jurídica prestadora de serviços
Se a prestação de serviços ocorrer por pessoa jurídica, não haverá retenção do Imposto de Renda na fonte, na medida que esta será tributada em
conformidade com o regime geral de tributação das empresas, sob responsabilidade da prestadora.
A pessoa jurídica prestadora de serviços receberá valores brutos e terá
encargo dos recolhimentos de tributos federais, estaduais e municipais, de
acordo com a base de cálculo e o percentual previsto no regime tributário
da empresa. Não haverá retenção pela fonte pagadora, motivo pela qual é
vantajoso ao prestador de serviços ser pessoa jurídica.
Impõe-se registrar que se o prestador de serviços autônomo, pessoa física, também executar negócios mercantis por conta própria, será tributado
como pessoa jurídica por equiparação, nos termos do disposto no art. 150,
§1º, inciso II e §2º, inciso III, do Regulamento do Imposto de Renda (Decreto n.º 3.000/99).
Observa-se, outrossim, que a atividade do representante comercial, na
intermediação de operações por conta de terceiros, exclui a possibilidade
de opção pelo regime tributário diferenciado do Simples Nacional, conforme vedação expressa contida no artigo 17, inciso XI, da Lei Complementar
n.º 7.123, de 14/12/2006.
242
Agnes Corinaldesi Geraldo / Laura Fanelli Luchiari Milani
Em decorrência da prestação do serviço de Representação Comercial,
será devido pelo Representante o pagamento do Imposto ISS (sobre serviços), ao Município de domicílio do Representante ou da sede da empresa,
se por hipótese o representante for pessoa jurídica, de acordo com a Lei
Complementar n.º 116 e a Lei tributária municipal.
Na hipótese de inobservância da obrigação de retenção na fonte dos
tributos pela empresa tomadora de serviços, poderá esta ser compelida a
responder pelos tributos não retidos (com os acréscimos de multas e juros)
pelo Poder Público competente, por meio de Autos de Infração.
A não retenção dos tributos e o não repasse destes aos órgãos públicos
competentes pela tomadora, poderá, inclusive, culminar com a instauração
de um Inquérito Policial para investigar a prática do crime de sonegação
fiscal pelos representantes legais da empresa, na forma da Lei n.º 8.137/1990
e Código Penal em vigor, cuja pena máxima é de 6 anos de reclusão.
A retenção, sem o devido aos órgãos públicos competentes, implica em
crime de apropriação indébita, previsto nos artigos 168 e 168-A, do Código
Penal em vigor, cuja pena máxima é de 5 anos de reclusão.
De tudo o que foi exposto, é possível concluir que, em relação aos encargos fiscais e à responsabilidade fiscal, é mais vantajoso à empresa contratar pessoas jurídicas prestadoras de serviços, desde que respeitadas as
condições contratuais para a não caracterização do vínculo empregatício
(subordinação).
No entanto, compete à empresa avaliar todas as considerações apresentadas acima e decidir qual é a melhor estratégia na condução dos seus
negócios.
IX.Conclusão
No Brasil, em que pese a alta carga tributária envolvida na relação de
emprego, a maior formalização do mercado de trabalho, através do emprego registrado em carteira profissional, representa fator importante para o
crescimento do país e traduz-se no seguro mais barato do mercado, tendo
em vista a gama de benefícios previdenciários garantidos pela legislação
vigente, desde o salário maternidade, auxílios (doença, reclusão, doença
previdenciário, acidente e doença de trabalhador rural), benefícios aciden-
CONTRATO DE TRABALHO NO BRASIL
243
tários (pensão por morte, aposentadoria por invalidez, auxílio doença por
acidente do trabalho, auxílio acidente por acidente do trabalho, auxílio suplementar por acidente do trabalho), aposentadoria por contribuição ou por
idade, até o seguro desemprego.
O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) relatou, no segundo trimestre de 2010, que mais da metade dos trabalhadores atuantes
pelas empresas privadas nas metrópoles do Brasil possuem carteira de trabalhado assinada, o que acontece, pela primeira vez, em 16 anos.
Segundo informações divulgadas pela Fundação Getúlio Vargas (FGV),
um dos fatores primordiais para o crescimento do trabalho formal deve-se a
Lei do Microempreendedor Individual, que entrou em funcionamento em
junho de 2009. Quando foi lançada, a estimativa era de que 100 mil microempresários seriam regularizadas, no entanto, 2009 fechou com aproximadamente 110 mil, segundo o Ministério do Desenvolvimento e do Serviço
Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (SEBRAE).
Outras pesquisas avaliam que além desse quesito, o ano e 2009 foi o
primeiro em que o número de empreendedores por vocação ultrapassou
aqueles que querem ter um próprio negócio simplesmente para a obtenção
de seu sustento.
Embora os resultados sejam importantes para o governo brasileiro, a
informalidade ainda continua em alta no país. Se houvesse maiores incentivos fiscais, certamente os percentuais apregoados aumentariam e permitiriam, inclusive, o aumento salarial. Contudo, inúmeros trabalhadores
preferem, ainda, ter dinheiro incerto mas promissor, na informalidade, a
emprego fixo, garantido e pouco rentável, em razão dos encargos retidos
na fonte.
IMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
Gerusa Nunes de Sousa
[email protected]. Pós-graduada em Direito e Processo
do Trabalho pela Universidade do Vale do Acaraú-UVA. Advogada
do escritório Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)
Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
[email protected]. Pós-graduada em Direito e Processo
do Trabalho pela Universidade Vale do Acaraú-UVA. Advogada
do escritório Mota & Massler Advogados (Aliado em Fortaleza/CE)
01. INTRODUÇÃO
O aquecimento da economia brasileira e o aumento da sua participação
no cenário econômico mundial, aliado as belezas naturais do país, têm
cada vez mais ensejado o aumento do fluxo de ingresso de estrangeiros no
Brasil.
O primeiro passo para todo e qualquer estrangeiro que deseja ingressar
em outro país é tomar conhecimento das condições para o ingresso, os
tipos de visto existentes e aquele que se adequa ao seu objetivo, bem como
a forma para sua obtenção.
Por meio do presente estudo, buscar-se-á demonstrar as formas de ingresso de estrangeiro no Brasil, os tipos de visto e, especialmente, o visto
temporário, visando, assim, facilitar ao leitor o conhecimento inicial destes assuntos.
02.DO INGRESSO DE ESTRANGEIROS NO BRASIL
O ingresso e a permanência legal de estrangeiros no Brasil são regulamentados pela Constituição Federal Brasileira; e, de forma mais específica, pelo “Estatuto do Estrangeiro” (Lei nº 6.815, de 19 de agosto de 1980)
e Decreto nº 86.715/81. Além dessas normas, existem os tratados, convenções e acordos internacionais, assim como, leis, decretos, regulamentos e
iMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
245
normas administrativas especiais, estas últimas, estabelecidas pelos respectivos órgãos de imigração do Governo Brasileiro.
A coordenação das atividades dos imigrantes e o estabelecimento de
normas de seleção daqueles para ingresso no território brasileiro é de competência do Conselho Nacional de Imigração – CNIg, o qual é presidido
por um representante do Ministério do Trabalho, conforme estabelecido
no Decreto n° 840, de 22 de Junho de 1993. Referidas normas do CNIg
geralmente são materializadas através de Resoluções Normativas, as quais
poderão ser consultadas através do sítio www.mte.gov.br.
Para ingressar no Brasil, em regra, o estrangeiro necessita obter autorização do Ministério das Relações Exteriores, materializada através da
concessão de Visto, documento concedido pelas embaixadas e consulados
brasileiros no exterior. Referida autorização exige sejam apresentados documentos comprobatórios da situação do estrangeiro a permitirem o trânsito no Brasil, os quais variam de acordo com a finalidade do ingresso e a
situação especifica do estrangeiro no país.
O artigo 37 do Decreto n.º 88.715/81 apresenta exceção à regra descrita
no parágrafo anterior, autorizando o estrangeiro natural de país limítrofe
com o Brasil, domiciliado em cidade contígua ao território nacional, ingressar nos municípios fronteiriços ao respectivo país, desde que respeitados os interesses de segurança nacional. Nesse caso, será exigida apenas
a apresentação de carteira de identidade válida, emitida por autoridade
competente do país de origem.
Saliente-se que o visto consular configura mera expectativa de direito,
vez que a entrada ou permanência do estrangeiro no Brasil pode ser vedada pela Polícia Imigratória, segundo critérios de conveniência e oportunidade estabelecidos pelo Ministério da Justiça.
Isso porque a aplicação da lei que regulamenta a situação jurídica do
estrangeiro no território brasileiro atenderá, precipuamente, à segurança
nacional, à organização institucional, bem assim aos interesses políticos,
sócio-econômicos e culturais do Brasil. Outrossim, zelará pela defesa do
trabalhador nacional.
O visto é individual e a sua concessão poderá estender-se aos dependentes legais. Ademais, o referido documento apenas será obtido, salvo
no caso de força maior, na jurisdição consular na qual o interessado tenha
246
Gerusa Nunes de Sousa / Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
mantido residência pelo prazo mínimo de um ano imediatamente anterior
ao pedido (Decreto nº 86.715, de 10.12.81, art. 23, § 1º e art. 27 § 1º).
Insta esclarecer, ainda, que os documentos legalmente exigidos para a
concessão do visto deverão ser apresentados em língua portuguesa, admitindo-se, em caso de impossibilidade, que estejam em francês, inglês ou
espanhol.
Por outro lado, é válido salientar que a posse ou a propriedade de bens
no Brasil não confere ao estrangeiro o direito de obter visto de qualquer
natureza ou autorização de permanência no território nacional.
O visto não será concedido ao estrangeiro, segundo o disposto no artigo
5º do Decreto nº 86.715/81, se configuradas umas das seguintes hipóteses:
menor de 18 (dezoito) anos, desacompanhado do responsável legal ou sem
a respectiva autorização expressa; estrangeiro considerado nocivo à ordem
pública ou aos interesses nacionais; estrangeiro anteriormente expulso do
País, salvo se a expulsão tiver sido revogada; condenado ou processado em
outro país por crime doloso, passível de extradição segundo a lei brasileira
ou àquele que não satisfaça as condições de saúde estabelecidas pelo Ministério da Saúde.
O estrangeiro também poderá ser impedido de ingressar no território brasileiro se, muito embora possua visto de entrada no país, não
apresentar documento de viagem ou carteira de identidade – quando
esta for admitida, ou apresentar documento de viagem inválido para o
Brasil, com prazo de validade vencido ou com rasuras, ou com indícios
de falsificação.
São vedadas pela legislação brasileira: a legalização da estada de estrangeiro clandestino e em situação irregular; a transformação dos vistos
de cortesia, trânsito e turista, em permanente; a transformação de visto
temporário em permanente nos casos de viagens de estrangeiro em missão
de estudos, de negócios e cultural, bem como nas condições de artista,
desportista, estudante e correspondente de jornal, revista, rádio, televisão
ou agência noticiosa estrangeira.
Apenas as situações não-previstas nas normas dos Ministérios das Relações Exteriores, da Justiça e do Trabalho é que poderão, por estes órgãos,
ser encaminhadas ao exame do Conselho Nacional de Imigração.
iMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
247
As situações especiais e os casos omissos serão avaliados pelo Governo
Brasileiro, através dos órgãos de imigração, a partir de análise individual
de cada situação apresentada pelo estrangeiro, e concederá a este visto
permanente ou temporário. Serão consideradas como situações especiais
aquelas que, embora não estejam expressamente definidas em lei, possuam­
elementos que permitam considerá-las satisfatórias para a obtenção do visto. Por outro lado, serão definidas como casos omissos as hipóteses não
previstas em leis de imigração.
No processo de avaliação de pedidos baseados em situação especial ou
omissa serão observados os critérios, princípios e objetivos da imigração
brasileira, fixados em lei.
O indivíduo que não é titular de qualquer nacionalidade, o apátrida, poderá requerer visto para adentrar no Brasil, desde que apresente a documentação exigida pela lei, comprovando oficialmente que poderá regressar ao
país de residência ou de procedência, ou ingressar em outro país. Tudo isso,
condicionado à prévia avaliação do Ministério das Relações Exteriores.
Serão garantidos aos estrangeiros no Brasil o respeito à dignidade humana e aos direitos privados; a concessão de direitos essenciais relativos à
liberdade; direito de acesso ao Poder Judiciário e a proteção contra delitos
que ameacem sua vida, liberdade, propriedade e honra; garantia de gozo
de direitos civis e de família. Por outro lado, o estrangeiro não gozará de
direitos políticos no Brasil.
Contudo, a obtenção do visto não conferirá ao estrangeiro o direito de
exercer atividade política; ser proprietário, armador ou comandante de navio nacional; ser proprietário, sócio ou acionista de empresa jornalística
de TV e radiodifusão; obter concessão ou autorização para pesquisa ou
exploração de jazidas minerais e de potenciais de energia hidrelétrica; ser
proprietário ou explorador de aeronave brasileira e participar de associação ou sindicato profissional.
A legislação brasileira ainda estabelece alguns deveres básicos a serem
observados pelo estrangeiro ao ingressar no Brasil, dentre os quais se destacam o respeito às leis e às autoridades; o pagamento de taxas e impostos
que variam de acordo com a nacionalidade do estrangeiro; submissão à
jurisdição civil, comercial e criminal, relativamente aos delitos cometidos
dentro do Estado. O descumprimento dessas regras poderá ensejar em deportação ou expulsão do estrangeiro.
248
Gerusa Nunes de Sousa / Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
03. DOS TIPOS DE VISTO
A legislação brasileira elenca sete categorias de visto que estão relacionadas diretamente com o motivo e a situação específica da viagem do
estrangeiro para o Brasil, quais sejam, trânsito, turista, temporário, permanente, cortesia, oficial e diplomático, que serão devidamente explicitados
a seguir.
Conceder-se-á o visto de trânsito ao estrangeiro que para atingir o país
de destino, tenha que ingressar em território brasileiro. Terá validade máxima de 10 (dez) dias. Exclui-se da referida hipótese a interrupção de viagem contínua de estrangeiro. Nesse caso, deverá ocorrer a comunicação ao
Departamento da Polícia Federal, por escrito.
O visto de turista será conferido aos estrangeiros que venham ao Brasil
em caráter recreativo ou de visita. Mencionado visto proíbe expressamente
a realização de qualquer atividade remunerada e não poderá ser transformado em outro tipo. O prazo de permanência no Brasil autorizado por esse
visto é, em princípio, de 90 (noventa) dias, podendo ser prorrogado por
igual período, limitado a 180 (cento e oitenta) dias por ano. A validade da
mencionada autorização é de 5 (cinco) anos.
Esse visto poderá ser obtido em qualquer Consulado Brasileiro no exterior, apresentando passaporte, bilhete de viagem de ida e retorno, e demonstração de meios para se manter durante a estada no território brasileiro. Devido ao princípio da reciprocidade, alguns países são dispensados da
apresentação no passaporte do visto de turismo.
Será outorgado visto temporário aos estrangeiros que intentam permanecer no Brasil, por determinado lapso de tempo, para a realização justificada de viagem cultural ou missão de estudos, viagem de negócios,
artistas e desportistas, estudantes, trabalhadores em empresas, jornalistas
e ministros em missão religiosa que, em virtude de sua profissão, residem
no país sem o intuito de ali se fixarem.
O prazo de concessão do mencionado visto é variável e está relacionado
ao tipo de atividade a ser exercida, tendo o prazo máximo de 05 (cinco)
anos. O exercício de atividade remunerada deverá ter relação com o contrato de trabalho estabelecido entre o estrangeiro e a empresa para a qual
prestar serviços. Caso o estrangeiro pretenda exercer atividade remunera-
iMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
249
da para empresa diversa daquela por quem fora contratado, deverá requerer a transformação do visto para permanente.
Válido informar que o estrangeiro registrado em caráter temporário que
se ausentar do Brasil poderá regressar, independentemente do novo visto,
se o fizer dentro do prazo de validade de sua estada no território nacional.
A validade para utilização dos vistos é de noventa dias, contados da data
de sua concessão, podendo ser prorrogada pela autoridade consular uma única vez, por igual período. O pedido de prorrogação deve ser protocolado 30
(trinta) dias antes do término do respectivo prazo de validade. O requerimento de prorrogação de prazo do visto de turista, temporário de negócios,
e temporário de artistas e desportistas deverá ser realizado na unidade de
Polícia Federal mais próxima do local de residência do estrangeiro.
De outra sorte, os pedidos de prorrogações relativos aos demais tipos
de vistos temporários (viagem cultural ou missão de estudos; –estudante;– trabalho;– jornalista; e missão religiosa) podem ser protocolados na
Polícia Federal mais próxima do local de residência do estrangeiro ou no
Protocolo Geral do Ministério da Justiça. Após a publicação do deferimento no Diário Oficial da União, o interessado deverá dirigir-se à unidade da
Polícia Federal do local de residência para atualizar o registro.
Na hipótese de indeferimento do pedido de prorrogação, o estrangeiro
possui o prazo improrrogável de 15 (quinze) dias, a contar da data da publicação no Diário Oficial da União, para solicitar a reconsideração do pleito
junto à Polícia Federal ou no Protocolo Geral do Ministério da Justiça.
Deverão ser apresentados documentos que modifiquem a decisão denegatória, bem como o comprovante do recolhimento da taxa GRU/Funapol
referente ao pedido de reconsideração.
A concessão do visto permanente será realizada ao estrangeiro que
pretenda estabelecer-se no Brasil de forma definitiva, sem a intenção de
adquirir a nacionalidade brasileira. Para a obtenção desse visto é necessário que o estrangeiro tenha um vínculo forte e estável com o Brasil, que
deverá ser comprovado perante as autoridades de imigração. É o caso do
visto por casamento, união estável, filhos brasileiros, investimento de capitais, anistia.
Esse tipo de visto permite ao estrangeiro o exercício de qualquer atividade remunerada no país, desde que obedecidas às regulamentações do Con-
250
Gerusa Nunes de Sousa / Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
selho Nacional de Imigração, as quais exigem, para determinadas espécies
de vistos, a autorização do Ministério do Trabalho e Emprego.
Ao estrangeiro em gozo do visto permanente é vedado se ausentar do
Brasil por prazo superior a 02 (dois) anos ininterruptos, sob pena de perder a mencionada autorização. Poderá, contudo, requerer novo visto de
permanência aquele que tenha se ausentado para realizar ou completar
estudos universitários, treinamento profissional, atividade de pesquisa por
entidade reconhecida pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, a serviço do
Governo brasileiro, ou em razão de força maior ou caso fortuito, devidamente comprovado, nos termos da Resolução Normativa 05/97 do Conselho Nacional de Imigração.
Os documentos necessários à obtenção desse tipo de visto estão diretamente relacionados ao motivo da permanência do estrangeiro no Brasil,
havendo, inclusive, procedimentos específicos dispostos em Resoluções
Normativas expedidas pelo Conselho Nacional de Imigração, conforme a
natureza da estada do estrangeiro no país.
É importante evidenciar que o estrangeiro registrado em caráter permanente e que se ausentar do Brasil poderá regressar, independentemente de
visto, se o fizer dentro do prazo de dois anos.
Uma das espécies de visto permanente é o de investidor, cujas regras
encontram-se dispostas na Resolução Normativa 84, do Conselho Nacional de Imigração, e é concedido ao estrangeiro que pretenda se fixar no
Brasil com a finalidade de investir recursos próprios de origem externa em
atividades produtivas, através de empresa nova ou já existente.
Para se enquadrar na categoria de investidor e assim obter o respectivo
visto, o estrangeiro deverá investir no mínimo R$ 150.000,00 (cento e
cinquenta mil reais). Além do investimento, será examinado prioritariamente o interesse social, caracterizado pela geração de emprego e renda
no Brasil, pelo aumento da produtividade, pela assimilação de tecnologia
e captação de recursos para setores específicos. Será conferida atenção
especial aos investimentos de empreendedores oriundos de países sul
americanos.
O prazo de validade desse tipo de visto permanente será de três anos.
Embora sempre designado “permanente”, esse visto é limitado por um
prazo inicial que somente será renovado mediante comprovação de que o
iMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
251
estrangeiro continua como investidor no Brasil e cumpre as metas de interesse social do investimento.
Essa Resolução Normativa também contempla os investidores cujo valor
a ser aplicado seja inferior à quantia acima especificada. Nesse caso, o visto será concedido se o estrangeiro investidor comprovar o interesse social
do evento, cumprindo os critérios estabelecidos na mencionada regra, relacionados aos benefícios gerados, natureza e localização do investimento.
Outra espécie de visto permanente é aquela concedida ao estrangeiro
ingresso no Brasil na condição de Refugiado ou Asilado e que pretenda
permanecer no território nacional. Nesse caso, o ingresso deverá atender a
um dos requisitos previstos na Resolução Normativa n.º 06/1997, do Conselho Nacional de Imigração, quais sejam: residir no Brasil há, no mínimo,
06 (seis) anos na condição de refugiado ou asilado; ser profissional qualificado e contratado por instituição instalada no País; ser profissional com
capacitação reconhecida por Órgão da área pertinente; ou estar estabelecido com negócio resultante de investimento de capital próprio, que satisfaça
os objetivos de Resolução Normativa do Conselho Nacional de Imigração,
relativos à concessão de visto a investidor estrangeiro (Resolução Normativa nº 84/2009).
O visto de cortesia será concedido aos empregados domésticos estrangeiros dos chefes de missão e de funcionários diplomáticos e consulares
acreditados junto ao governo brasileiro; também às autoridades estrangeiras em viagem não-oficial ao Brasil; e aos dependentes de portadores de
visto oficial ou diplomático, maiores de 21 (vinte e um) anos ou até 24
(vinte e quatro) anos na condição de estudantes. Essa autorização é válida
por 90 (noventa) dias, prorrogáveis por igual período junto ao Ministério
das Relações Exteriores.
Aos funcionários de organismos internacionais em missão oficial e funcionários de embaixadas e consulados que não possuam status de diplomata, bem como aos seus cônjuges e filhos menores de 21 anos, será outorgado o visto oficial, que possuirá validade de até 2 (dois) ou do período da
missão, atendendo ao princípio da reciprocidade.
O visto diplomático destina-se, por óbvio, aos diplomatas e trabalhadores
com status diplomático, bem assim aos chefes de escritórios de organismos
internacionais e aos respectivos cônjuges e filhos menores de 21 anos.
252
Gerusa Nunes de Sousa / Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
Válido esclarecer que os portadores dos vistos Diplomático, Oficial,
Temporário V (com contrato de trabalho) e Temporário VII (missão religiosa) podem pleitear a transformação em permanente. Além disso, o visto
Diplomático e Oficial podem ser convertido em Temporário I (viagem cultural ou missão de estudos), IV (estudante), V (trabalho) e VI (jornalista).
O pedido de transformação deverá ser feito até 30 (trinta) dias antes do vencimento da estada, junto ao Departamento de Polícia Federal. Para a obtenção
de maiores informações sobre esse assunto, o interessado poderá acessar o
sítio do Ministério da Justiça no seguinte endereço: www.mj.gov.br.
04. DOS VISTOS TEMPORÁRIOS EM ESPÉCIE
Várias são as espécies de vistos temporários no Brasil. O Decreto
86.715/81, no seu artigo 22 apresenta seis espécies: I – em viagem cultural
ou em missão de estudos; II – em viagem de negócios; III – na condição
de artista ou desportista; IV – na condição de estudante; V – na condição
de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob o regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro; VI – na condição de
correspondente de jornal, revista, rádio, televisão ou agência noticiosa estrangeira; VII – na condição de ministro de confissão religiosa ou membro
de instituto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa.
O visto temporário abordado pelo inciso I do art. 22 do Decreto supracitado, poderá ser concedido para pesquisadores de determinado assunto e conferencistas, possuindo validade de dois anos, prorrogável por igual período,
caso as condições que deram ensejo à concessão do visto persistam.
Assim, o visto temporários é concedido ao professor ou pesquisador,
sem que possua contrato de trabalho com uma instituição brasileira (Resolução Normativa 16/98 CNIg), visitante que vem ao Brasil através de
algum tipo de convênio de intercâmbio ou de cooperação com instituição
estrangeira, ou ainda, como convidado para proferir palestras ou participar
de seminários.
Essa autorização poderá ser concedida, ainda, para estagiário, atletas
menores de 21 anos, não profissionais, para a prática intensiva de treinamento (Resolução Normativa 26/98 CNIg), técnicos, prestadores de serviço, voluntários, especialistas, cientistas e pesquisadores, ao abrigo de
iMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
253
Acordo de Cooperação Internacional reconhecido pelo Ministério das Relações Exteriores (Resolução Normativa 43/99/CNIg), aos que pretendam
vir ao país para, sem vínculo empregatício no Brasil, receber treinamento
na operação e manutenção de máquinas e equipamentos produzidos em
território nacional (Resolução Normativa 37/98) e estudante no âmbito de
programa de intercâmbio educacional (Resolução 40/99).
Acrescente-se, ainda, que a concessão do visto temporário àqueles que
pretendam realizar expedições científicas (coletar dados materiais, espécimes biológicas e minerais, peças integrantes da cultura nativa e popular,
presente ou passada, obtidas por meio de recursos e técnicas que se destinem ao estudo, à difusão ou à pesquisa) e/ou operar em áreas indígenas,
dependerá de autorização prévia do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq ou da Fundação Nacional do Índio, respectivamente, a ser apresentada à Repartição Consular pelo interessado,
ao solicitar o visto.
A obtenção de visto temporário por componentes de missão de caráter
assistencial às comunidades brasileiras, tipo “Flying Hospital” ou “operation smile”, depende de autorização prévia dos Conselhos Federal ou
Regional da categoria profissional envolvida na prestação dos serviços
(odontologia, medicina, etc.)
Em continuidade, o inciso II do art. 22 do Decreto 86.715/81, trata da
espécie de visto temporário concedido àqueles profissionais que venham ao
Brasil para negócios, sem a intenção de imigrar, possibilitando a permanência no país por até 90 (noventa) dias por ano, porém, sua validade pode ser
de até 5 (cinco) anos, dependendo da reciprocidade, podendo ser prorrogado
junto ao Departamento da Polícia Federal, antes de seu vencimento.
No Brasil o Direito Internacional é regido pelo princípio da reciprocidade, o que possibilita aos estrangeiros cujos países tenham feito acordos de
reciprocidade dispensando vistos para negócios, a entrada no país simplesmente marcando no cartão de entrada e saída o item “negócios”, é o caso
dos argentinos, italianos, espanhóis e portugueses, por exemplo.
Outros acordaram pela necessidade do visto, tais como os norte-americanos, canadenses, japoneses, mexicanos, etc. Assim, é importante verificar
no consulado do país de origem a existência de acordos de reciprocidade,
lembrando sempre que os estrangeiros que venham ao Brasil a negócios
254
Gerusa Nunes de Sousa / Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
deverão entrar no País nesta condição e não a turismo, evitando assim que
sua entrada no País seja obstada pelo funcionário da Policia Federal na
fronteira ou aeroporto.
O visto para negócio viabiliza a vinda de estrangeiro ao Brasil para atos
de comércio, divulgação de produtos e pesquisa de mercado. Esta modalidade permite ainda a participação em feiras, eventos, reuniões, seminários
e conferências, entre outros. O portador deste visto não está autorizado a
trabalhar para empresa brasileira. O estrangeiro fica impedido de executar
qualquer tipo de serviço, remunerado ou não, sob pena de incorrer em
multa e expulsão. A empresa também fica sujeita à multa.
Os requerimentos para obtenção do visto de negócios variam de Consulado a Consulado. O Brasil possui Consulados Brasileiros em quase todos
os países do mundo, podendo a lista ser consultada no site do Ministério
das Relações Exteriores no seguinte endereço: www.itamaraty.gov.br. São
comuns a todos os requerimentos as seguintes exigências: passaporte válido por no mínimo seis meses, preenchimento do formulário pedido de
visto, pagamento de taxas consulares, uma ou duas fotos 3x4 e carta da
empresa que explique as atividades a serem desenvolvidas no Brasil, quando for o caso.
Com efeito, o artigo 23 do Decreto regulamentador explicita que para
obter visto temporário, o estrangeiro deverá apresentar: I – passaporte
ou documento equivalente; II - certificado internacional de imunização,
quando necessário; III –revogado; IV – prova de meio de subsistência, e
V – atestado de antecedentes penais ou documentos equivalentes, este a
critério da autoridade consular.
O visto temporário para profissionais que vêm ao Brasil participar de
eventos afins (artistas e desportistas), sem vínculo empregatício no País,
valerá por 90 dias, podendo ser prorrogado junto ao Departamento de Polícia Federal, antes do seu vencimento. Neste caso, a instituição que receberá o estrangeiro deve ter a autorização prévia do Ministério do Trabalho
e Emprego.
Para os estudantes de cursos regulares, tais como ensinos fundamental,
médio, superior, pós-graduação e outros, a validade do visto temporário é
de até 1 (um) ano, prorrogável por igual período até o fim do curso. Para
obtenção da prorrogação deve ser apresentado requerimento na Polícia Fe-
iMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
255
deral local ou no Protocolo Geral do Ministério da Justiça até 30 (trinta)
dias antes do prazo expirar. Neste tipo de visto é proibida a atividade remunerada, sob pena de multa, notificação ou deportação.
O interessado deverá apresentar, para obter este visto, além do preenchimento dos requisitos mencionados anteriormente, prova de meios de
subsistência no Brasil, comprovante de matrícula ou de vaga em instituição de ensino pertinente e certidão negativa de antecedentes penais ou seu
equivalente local.
Os estrangeiros que venham ao Brasil para exercer suas atividades junto
às empresas brasileiras na condição de cientista, professor, técnico ou
profissional de outra categoria, sob o regime de contrato ou a serviço
do Governo Brasileiro, devem ter autorização de trabalho de competência do Ministério do Trabalho e Emprego.
Este tipo de visto temporário tem validade de 2 (dois) anos, sendo prorrogável por igual período e ainda pode ser transformado em permanente.
Caso o estrangeiro seja admitido no território nacional para prestar serviço
em uma determinada empresa e pretenda transferir-se para outra, deve
solicitar, previamente, através de protocolo junto à Polícia Federal ou no
Protocolo Geral do Ministério da Justiça, a competente autorização ao Ministério da Justiça que ouvirá o Ministério do Trabalho e Emprego acerca
da solicitação.
Desta forma, o visto ora tratado pode ser concedido para prestação de
serviço ao Governo brasileiro, em decorrência de contrato, convênio ou ato
internacional de que o Brasil seja parte, assim reconhecido pelo Ministério
das Relações Exteriores (Resolução Normativa 35/99/CNIg), bem como:
a) sob regime de contrato de trabalho com pessoa jurídica sediada no
Brasil (Portaria 3.721 do Ministério do Trabalho e Emprego e Resolução Normativa 12/98/CNIg);
b) para prestação de serviço junto à entidade religiosa ou de assistência social, sem vinculo empregatício com pessoa jurídica sediada no
Brasil (Resolução Normativa 47/00/CNIg);
c) para prestação de serviço de assistência técnica, em decorrência de
contrato, acordo de cooperação, convênio ou instrumento simila-
256
Gerusa Nunes de Sousa / Carmem Cecí­lia Barbosa Moreira
res, firmado com pessoa jurídica estrangeira (Resolução Normativa
34/98/CNIg);
d) para treinamento profissional, sem vinculo empregatício, imediatamente posterior a conclusão de curso superior ou profissionalizante
(Resolução Normativa 37/99/CNIg);
e) para realização de residência médica em instituição de ensino credenciada pelo Ministério da Educação e do Desporto (Resolução
Normativa 23/98/CNIg);
f) para funcionário de empresa estrangeira admitido no país como estagiário junto à subsidiária ou filial brasileira, desde que remunerado exclusivamente no exterior pela empresa estrangeira (Resolução
Normativa 42/99/CNIg);
g) para professor estrangeiro que pretenda vir ao País para estágio no
ensino de línguas estrangeiras (Resolução Normativa 41/99/CNIg);
h) para tripulante de embarcação estrangeira que venha operar em águas
jurisdicionais brasileiras, por força de contrato de afretamento, de
prestação de serviços ou de risco, celebrado com empresa brasileira
(Resolução Normativa 31/98);
i) para tripulante de embarcações de pesca estrangeiras arrendadas por
empresas brasileiras (Resolução Normativa 46/00/CNIg);
j) para tripulante e outros profissionais que exerçam atividade remunerada a bordo de navio de cruzeiro aquaviário na costa brasileira, na
bacia amazônica ou demais águas interiores (Resolução Normativa
48/00/CNIg). (fonte dos itens: http://www.ufmg.br/dri/estrangeiro/legislacao-brasileira/vistos)
É possível, ainda, pelas normas brasileiras o visto temporário para correspondentes de jornais, revistas, rádio, televisão ou agência noticiosa
estrangeira, cuja remuneração provém do exterior e não de empresa brasileira. O visto terá validade de no máximo 4 (quatro) anos, prorrogável
por igual período.
Por fim, o visto temporário poderá ser concedido àqueles que viajam
com atribuições de ministro de confissão religiosa ou membro de insti-
iMIGRAÇÃO E VISTOS TEMPORÁRIOS
257
tuto de vida consagrada e de congregação ou ordem religiosa, sendo o
prazo por até 1 (um) ano, prorrogável por igual período, findo este prazo,
poderá ser pleiteado a transformação em permanente.
Os estrangeiros admitidos no país na condição de temporário devem registrar-se dentro de 30 dias da data de sua entrada no país no Departamento da Polícia Federal, conforme exigido pelo art. 58 do Decreto 86.715/81.
Tal registro se dá mediante apresentação do documento de viagem que o
identifique e da cópia do formulário do pedido de visto consular brasileiro
ou de certificado consular do país da nacionalidade, este quando ocorrer
transformação de visto.
Crucial informar que os vistos temporários para viagem cultural ou em
missão de estudos, viagem de negócios, na condição de estudante, na condição de cientista, professor, técnico ou profissional de outra categoria, sob
o regime de contrato ou a serviço do Governo brasileiro e na condição de
ministro de confissão religiosa ou membro de instituto de vida consagrada
e de congregação ou ordem religiosa, só poderão se obtidos, salvo no caso
de força maior, na jurisdição consular na qual o interessado tenha mantido
residência pelo prazo mínimo de um ano imediatamente anterior ao pedido
(§1º, art. 23, do Decreto 86.715/81).
Finalmente, é importante destacar que os estrangeiros que adentrarem
no Brasil com visto temporário ou permanente deverão efetuar os respectivos registros no Departamento de Polícia Federal e Ministério da Justiça,
requerendo a expedição da Carteira de Identidade do Estrangeiro no prazo
de 30 (trinta) dias da chegada ao território brasileiro ou da publicação da
permanência no Diário Oficial da União. O processo para expedição do
referido documento poderá ser acompanhado no sítio: https://servicos.dpf.
gov.br/SincreWeb/protocolo.
É necessário também o registro desses estrangeiros junto à Receita Federal para fins tributários. Excetuam-se dessas obrigações de registro e
obtenção de identidade de estrangeiro aqueles que possuírem vistos temporários das seguintes espécies: artistas, desportistas, turistas ou pessoas a
negócios de curto prazo, vez que este será realizado de forma imediata.
Por ocasião da saída definitiva do estrangeiro do Brasil, este deverá requerer o cancelamento do registro junto à Receita Federal, através de formulário próprio, intitulado “Declaração de Saída Definitiva”, com o objetivo de extinguir as cobranças de tributos após a saída.
PROPRIEDADE INTELECTUAL –
ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
Luiz Edgard Montaury Pimenta
[email protected]. Árbitro da Organização Mundial da Propriedade
Intelectual (OMPI) e do National Arbitration Fórum (NAF) para a Câmara
de Arbitragem de Disputa de Nomes de Domínio, Membro da Câmara
Arbitral da INTA (International Trademark Association) dos E.U.A.
Membro do Comitê de Propriedade Intelectual da Câmara Americana de
Comércio. Sócio do Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de
Mello Advogados Associados (Aliado no Rio e Janeiro/RJ)
Clarissa Castro Jaegger
[email protected]. Graduada em Direito e Pós-graduada em
Direito da Propriedade Intelectual pela UERJ. Advogada associada do
Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello Advogados
Associados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)
1) A PROPRIEDADE INTELECTUAL
A criatividade humana é o maior recurso natural de qualquer país e
alavanca fundamental para o desenvolvimento econômico de uma nação,
de modo que a proteção à propriedade intelectual é a ferramenta que traz
à tona aquele recurso.
Assim, devemos entender o sistema de proteção à propriedade intelectual como um instrumento valioso para a evolução sócio-econômica e não
simplesmente como uma questão de cunho comercial, ao compreender direitos sobre as patentes de invenção, os modelos de utilidade, os desenhos
industriais, as marcas, e os direitos autorais, bem como a repressão da
concorrência desleal.
De fato, desde o desenvolvimento da capacidade criadora dos homens
quando as criações intelectuais passaram a ser relevantes para a promoção
econômica e da sociedade como grupo cultural e social organizado, podese falar em aparecimento da capacidade criadora. No entanto, artistas,
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
259
escritores, inventores ou cientistas não possuíam qualquer proteção para
suas obras, as quais podiam ser copiadas e reproduzidas sem a autorização
do autor.
Atualmente, esse tema é amplamente protegido no sistema jurídico brasileiro, tanto por leis ordinárias, como a Lei no. 9.279/96 (Lei da Propriedade Industrial – LPI), a Convenção da União de Paris (CUP) e o acordo
TRIPs, como por disposições constitucionais. A proteção assegurada em nosso ordenamento, entretanto, somente respalda as criações industriais registradas perante o órgão nacional competente, o
Instituto Nacional da Propriedade Industrial (INPI), e somente após o ato concessivo correspondente – com a consequente expedição do certificado – nascerá o direito à propriedade e à exploração econômica com exclusividade.
Nesse cenário, passamos então a examinar os institutos protegidos no
Brasil, incluindo o procedimento administrativo correspondente, direitos
e efeitos gerados pelo respectivo registro.
2) O SISTEMA BRASILEIRO DE REGISTRO DE
PROPRIEDADE INTELECTUAL
No Brasil, o direito industrial era filiado ao sistema de exame prévio,
desde 1923. No entanto, a Lei da Propriedade Industrial (LPI) nº 9.279/96
inovou adotando um critério misto submetendo os pedidos de marcas, patentes e modelos de utilidade ao exame prévio, enquanto os registros de
desenho industrial atendem à livre concessão.
Nesse sentido, os processos examinados sob a égide do exame prévio
são analisados quanto aos requisitos legais de registrabilidade, antes de
conceder ao seu titular os direitos sobre determinada marca, patente ou
Artigo 5º, inciso XXIX, da Constituição Federal de 1988, dispõe que “a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização,
bem como para proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos
nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social
e o desenvolvimento tecnológico e econômico do país”.
CERQUEIRA, João da Gama. Tratado da Propriedade Industrial. 2 ed. Rev. e atual. por Luiz Gonzaga do Rio Verde e João Casimiro Costa Neto. São Paulo: Revista
dos Tribunais, 1982, v. 2.
260
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
desenho industrial; ao passo em que no exame pela livre concessão a registrabilidade é verificada em momento posterior, e em apenas alguns casos.
Importante salientar, no entanto, que, o ato administrativo praticado pelo
INPI é sempre de natureza constitutiva do direito que assegura ao titular a
exclusividade na exploração econômica do bem jurídico. Assim, em relação
ao controle jurisdicional deste ato, podemos dizer que todos os interessados
podem discutir em juízo se a concessão do direito industrial pela autoridade
administrativa preencheu os requisitos legais da registrabilidade.
Pois bem, o sistema para o registro de uma marca no Brasil, perante o
INPI, é bastante complexo e atende aos princípios constitucionais que norteiam nossa legislação pátria.
Quanto aos direitos autorais, vale ressaltar que sua proteção independe
de registro como será exposto mais adiante.
Passamos então a examinar cada um dos institutos que compõem o estudo da propriedade intelectual.
2.1 Definição dos institutos e sua proteção no brasil
2.1.1 Patentes
Patente é um título de propriedade temporária sobre uma invenção ou
modelo de utilidade, outorgado pelo Estado aos inventores ou autores ou
outras pessoas físicas ou jurídicas detentoras de direitos sobre a criação.
a) patentes de invenção – toda invenção não compreendida pelo estado
da técnica.
b)modelos de utilidade – disposição ou nova forma introduzida em
objetos conhecidos, desde que possuam uso prático.
2.1.2Procedimento administrativo junto ao INPI para registro de patente
Pedido de Patente e seu depósito
Os pedidos de patente de invenção ou modelo de utilidade devem ser solicitados em formulário específico e depositados junto ao INPI, juntamente
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
261
com a respectiva carta-patente onde a invenção é detalhadamente descrita,
determinando os limites da proteção.
Esse texto deverá conter o relatório descritivo, as reivindicações que
definem seu escopo de proteção, além de desenhos ou fotos, que facilitam
o entendimento da invenção, e um resumo identificando seus principais
aspectos permitindo uma visão geral.
Antes de aceito o depósito, será efetuado um exame preliminar por técnicos do INPI, para verificar se o pedido está de acordo com as normas.
Caso seja necessário, poderão ser elaboradas exigências, que deverão ser
cumpridas em 30 (trinta) dias para patentes, a contar da notificação ao
interessado, sob pena de não aceitação do depósito e devolução da documentação.
Após o depósito, o pedido de patente é mantido em sigilo por no mínimo 18 (dezoito) meses, sendo posteriormente publicado na Revista da
Propriedade Industrial, e disponibilizado para consulta pública no banco
de patentes do INPI.
O exame do pedido de patente pelo INPI ocorre somente mediante requerimento dentro de 36 (trinta e seis) meses contados a partir da data do
depósito. Uma vez requerido, são verificados os documentos apresentados
a fim de conferir se os requisitos de patenteabilidade estão presentes naquela invenção ou modelo de utilidade, havendo a formulação de exigências quando necessário.
Após o deferimento do pedido de patente, inicia-se o prazo para o pagamento da taxa final relativa à emissão da Carta-Patente, cuja data de
notificação indica a data de concessão da patente.
Requisitos de patenteabilidade
O objetivo de uma patente é proteger inovações que determinam um
melhoramento funcional de um produto ou processo, ou resolvam um problema de caráter técnico.
Portanto, para que a uma patente seja passível de proteção, ela deve atender aos requitos fundamentais previstos nos artigos 8, 9 e 13 a 15 da Lei da
Propriedade Industrial, quais sejam:
262
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
Novidade absoluta: a patente não pode ter sido tomada de conhecimento
público, em lugar algum do mundo;
Atividade Inventiva: a patente não pode ser uma modificação ou alteração óbvia daquilo que já se conhece; e
Aplicação Industrial: a patente deve se prestar para ser produzido ou
utilizado em qualquer ramo da indústria, não podendo estar limitado a um
conceito puramente abstrato.
Verificada a presença dos requisitos acima, o exame do pedido de patente pode avançar a fim de que seja aferida se a invenção ou modelo de
utilidade se encontra nas proibições previstas nos artigos 10 e 18 da LPI,
os quais determinam que não são patenteáveis:
I – descobertas, teorias científicas e métodos matemáticos;
II – concepções puramente abstratas;
III – esquemas, planos, princípios ou métodos comerciais, contábeis, financeiros, educativos, publicitários, de sorteio e de fiscalização;
IV – as obras literárias, arquitetônicas, artísticas e científicas ou qualquer criação estética;
V – programas de computador em si;
VI – apresentação de informações;
VII – regras de jogo;
VIII – técnicas e métodos operatórios ou cirúrgicos, bem como métodos terapêuticos ou de diagnóstico, para aplicação no corpo humano
ou animal; e
IX – o todo ou parte de seres vivos naturais e materiais biológicos encontrados na natureza, ou ainda que dela isolados, inclusive o genoma ou germoplasma de qualquer ser vivo natural e os processos
biológicos naturais.
Além de:
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
263
I – o que for contrário à moral, aos bons costumes e à segurança, à ordem e à saúde públicas;
II – as substâncias, matérias, misturas, elementos ou produtos de qualquer espécie, bem como a modificação de suas propriedades físico-químicas e os respectivos processos de obtenção ou modificação,
quando resultantes de transformação do núcleo atômico; e
III – o todo ou parte dos seres vivos, exceto os microorganismos transgênicos que atendam aos três requisitos de patenteabilidade – novidade, atividade inventiva e aplicação industrial – e que não sejam
mera descoberta.
Por oportuno, vale ressaltar que a proteção conferida às plantas está
prevista na Lei de Proteção de Cultivares, Lei no. 9.456/97.
Vigência: efeitos
Conforme exposto acima, a patente pode ser de invenção ou modelo
de utilidade e sua vigência diverge também segundo esse critério; a saber, patentes de invenção possuem vigência de 20 (vinte) anos contados
a partir da data de depósito, ou no mínimo 10 (dez) anos a partir de sua
concessão; modelos de utilidade são válidos por 15 (quinze) anos contados a partir da data de depósito, ou no mínimo 7 (sete) anos a partir
de sua concessão.
Durante esse período, ao titular da patente é conferido o direito de impedir que terceiro, sem o seu consentimento, produza, use, coloque à venda, venda ou importe o produto objeto de patente ou processo ou produto
obtido diretamente por processo patenteado, conforme previsto no art. 42
da LPI.
Findo o período de vigência, o objeto da patente entra em domínio público, quando, salvo algumas excessões, não é mais passível de proteção
exclusiva.
Nulidade
A nulidade de uma patente pode ser requerida nas esferas administrativa ou judicial, podendo ser total – incidindo sobre todas as reivindicações
264
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
– ou parcial – quando apenas algumas reinvindicações são consideradas
em desacordo com a LPI.
O processo de nulidade de uma patente, quando administrativo, pode
ser instaurado por terceiros ou de ofício, pelo próprio INPI, no prazo de 6
(seis) meses contados da sua concessão.
A ação de nulidade – também interposta por terceiros ou pelo próprio INPI – pode ser interposta durante todo o prazo de vigência da
patente.
Para ambas as hipóteses, uma vez declarada a nulidade da patente, essa
produzirá efeitos a partir da data de depósito do pedido de patente.
Extinção
Uma patente pode ser extinta pela expiração do prazo de vigência, pela
renuncia do titular, pela caducidade, pela falta de pagamento da retribuição
anual e, em sendo o titular sediado ou domiciliado no exterior não tenha
constituído procurador no Brasil.
De acordo com o art. 74 da LPI, após o termo final da vigência da patente, essa entra em domínio público, possibilitando que terceiros a explorem
livremente.
A renúncia, requerida pelo titular da patente mediante instrumento próprio, poderá ser total ou parcial, desde que não interfira em direito de terceiros que estejam explorando a patente de forma autorizada.
A caducidade, por sua vez, apresenta-se como outro fator de extinção
da patente previsto no art. 80 da LPI, a medida em que o titular da patente
– sem motivo justificado – não tenha iniciado sua exploração.
A falta de pagamento da retribuição anual, que deve ser efetuado a partir
do terceiro ano contado da data de depósito do pedido de patente até o final
de sua vigência, resulta na extinção da patente.
Por fim, a falta de manutenção de procurador domiciliado no país com
poderes para representar o titular da patente administrativa e judicialmente consiste em uma hipótese de extinção da patente, uma vez que
isso impede sua citação e/ou notificação em casos de nulidade e/ou caducidade.
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
265
2.2 Desenho Industrial (DI)
O Desenho Industrial consiste na forma plástica ornamental de um objeto ou o conjunto ornamental de linhas e cores que possa ser aplicado a um
produto, proporcionando resultado visual novo e original na sua configuração externa e que possa servir de tipo de fabricação industrial.
2.2.1Procedimento administrativo junto ao INPI para registro de DI
Pedido de registro de DI
O pedido de registro de desenho industrial deve ser solicitado em formulário específico e depositado junto ao INPI, juntamente com o relatório descritivo, reivindicações, desenhos ou fotografias e o campo de aplicação do objeto (somente necessário para permitir a total compreensão
do objeto).
Antes de aceito o depósito, será efetuado um exame preliminar por
técnicos do INPI, para verificar se o pedido está de acordo com as normas e se todos os documentos exigidos foram apresentados. Caso seja
necessário, poderão ser elaboradas exigências, que deverão ser cumpridas em 5 (cinco) dias para os desenhos industriais, a contar da notificação do depositante, sob pena de não aceitação do depósito e devolução
da documentação.
Após o depósito, o pedido recebe um número e é encaminhado para o
exame formal, onde o INPI verifica se o mesmo pode ser objeto de desenho industrial (não sendo ele será indeferido); se a documentação exigida
foi devidamente apresentada; se o pedido indica somente um objeto e suas
variações; e se o pedido expõe de forma clara o objeto.
Na ausência de alguns dos requisitos acima, cabe ao INPI a formulação
de exigências a serem cumpridas no prazo de 60 (sessenta) dias contados a
partir da data de sua publicação na Revista da Propriedade Industrial, sob
pena de arquivamento.
Atendidos todos os pressupostos, o pedido será publicado, valendo essa
publicação como concessão do registro de desenho industrial. Em seguida,
o INPI emitirá o respectivo certificado.
266
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
Requisitos necessários para o registro de DI
O desenho industrial deve ser novo, ou seja, não compreendido no estado da técnica; e original, possuindo uma percepção visual distinta dos
objetos que já existam.
Para que seja feita a verificação desses requisitos, aconselha-se uma busca prévia no banco de dados do INPI, embora esse procedimento não seja
obrigatório.
Vigência e extinção
O registro de desenho industrial é válido por 10 (dez) anos contados da
data de seu depósito junto ao INPI, podendo ser prorrogado por mais 3
(três) períodos sucessivos de 5 (cinco) anos.
Nulidade
O registro de desenho industrial é passível de nulidade, podendo ser
requerida por terceiros ou de ofício pelo INPI dentro do prazo de 5 (cinco)
anos após sua concessão. Decorrido esse prazo, a nulidade pode ser arguida judicialmente durante todo o período de vigência do registro.
2.3 Marcas
Marca é todo o sinal distintivo, visualmente perceptível, não compreendido nas proibições legais, que identifica e distingue produtos e serviços de
outros similares, de procedência diversa, bem como certifica a conformidade dos mesmos com determinadas normas ou especificações técnicas. Esses
sinais podem ser palavras incluindo nomes de pessoas, desenhos, letras, números, formas tridimensionais, sons e até sinais olfativos ou sonoros (o tipo
de sinais registáveis depende da legislação de marcas de cada país).
A reputação simbolizada pela marca constitui ainda um elemento essencial do seu valor. Sua reputação dá ao consumidor uma importante
base de escolha entre produtos e/ou serviços concorrentes, particularmente no caso de produtos de consumo cuja avaliação só possa ocorrer
após o uso.
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
267
Assim, ao analisarmos sua função no mercado, observamos que ela é capaz de tornar tangível para o consumidor as idéias, a filosofia e os objetivos
de uma determinada instituição, reunindo e representando suas características, apresentando-se, inclusive, como um importante aval de qualidade e
competência dos produtos ou serviços que representa.
Portanto, é possível dizer que, a marca consiste em um privilégio legal
concedido pelo Estado, através do INPI a quem a requerer, garantindo o
direito de uso exclusivo em todo território nacional em determinado ramo
de atividade. Como uma marca pode corresponder a uma parcela estável
do mercado, pois se trata de um meio eficiente para a constituição de clientela, torna-se eventualmente, um ativo valioso ao seu titular, podendo ser
considerada o maior patrimônio que uma empresa possui.
2.3.1 Procedimento administrativo para registro de marca junto ao INPI
A adoção do sistema eletrônico de marcas e-Marcas
Em 1º de setembro de 2006, o INPI lançou o e-MARCAS sistema que
permite que os pedidos de registro e petições de marcas possam ser feitos
e enviados pela Internet, por meio de formulário eletrônico, que o Instituto
desenvolveu em parceira com o Serpro.
De acordo com o ex-Presidente do INPI, Roberto Jaguaribe, o objetivo
desse sistema era não apenas gerar facilidade e rapidez para os usuários
do INPI; mas com a informatização, conferir maior eficiência, qualidade
e transparência nas análises e decisões dos processos. Juntamente com
outras medidas já adotadas, como a contratação e treinamento de novos examinadores de marcas, a implementação do e-MARCAS permitiu
a aceleração do exame dos milhares de pedidos de registro de marcas
pendentes.
Apesar da polêmica inicial, atualmente o usuário tem a opção de depositar pedidos de registro e apresentar petições tanto por meio digital, como
em papel, sendo as taxas oficiais do INPI em valor maior para as petições
em papel, a fim de encorajar o uso do sistema online, muito mais prático
Disponível: http://inpi.gov.br [capturado em 01 dez. 2006].
268
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
e em harmonia com o futuro no arquivamento e disponibilização das informações.
O pedido de registro
Escolhido um sinal hábil, feita a prévia classificação e as buscas preliminares, procede-se ao depósito do pedido de registro pleiteado perante a
Diretoria de Marcas do INPI, por meio de requerimento próprio.
Não é admitida a acumulação de pedido de diversos sinais distintivos em
um só requerimento, o qual deve ser instruído com um exemplar descritivo
da marca (etiqueta), indicando-se e qualificando o requerente, seu ramo de
atividade e a classe correspondente, juntando, outrossim, o comprovante
de pagamento da guia de recolhimento da respectiva taxa e com outros
documentos que se fizerem necessários. Tratando-se de pessoa jurídica, a
indicação do arquivamento na Junta Comercial ou no Registro Civil das
Pessoas Jurídicas, é requisito essencial.
Apresentando o requerimento, sofrerá exame formal preliminar e, estando devidamente instruído, será protocolizado, com o efeito de se considerar a data da apresentação como a data do depósito.
Se a instrução, todavia, estiver incompleta, porém, atendendo às condições mínimas exigidas, o INPI expede recibo datado e fixa exigências a
serem atendidas dentro do prazo legal de 5 (cinco) dias, sob pena de não
ser aceito.
Requisitos de registrabilidade
A Lei nº 9.279/96 ao tratar das marcas suscetíveis de registro acentuou
os requisitos de que se devem revestir. Portanto, todos os signos podem ser
marcas, desde que atendam certos requisitos que são, simultaneamente, de
ordem jurídica e prática.
Para instrumentalizar o sistema de registro de marcas de acordo com o princípio da
especialidade, os produtos e serviços foram agrupados em 43 classes de acordo com
a Classificação de NICE, adotada em 1997. Cada registro de marca irá referir a uma
única marca, sob uma única apresentação (nominativa, figurativa ou mista), em uma
única classe. Essa limitação faz com que um mesmo titular tenha muitas vezes que
solicitar vários registros para garantir uma proteção efetiva às suas marcas.
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
269
O registro de marca, desta forma, está sujeito às seguintes condições
essenciais:
a) Novidade;
b) Originalidade;
c) Não-colidência com marca notoriamente conhecida;
d) Desimpedimento, isto é, que não estejam compreendidas nas proibições legais;
e) Distintividade;
f) Veracidade, exigida para certas marcas e em certas circunstâncias;
g) Licitude; e
h) Visualmente perceptível.
É sutil a diferença entre originalidade e novidade. No conceito legal a
marca não deve apresentar anterioridades, mas ser diferente de qualquer
outra criada e registrada, na mesma classe.
Significa a originalidade que a marca deve ser intrinsecamente idônea e
capaz de individuar os produtos de uma determinada atividade econômica.
Não deve reproduzir indicações, denominações e nomes de uso comum.
A novidade é exigida para que a marca cumpra sua finalidade de identificar, direta ou indiretamente, produtos e serviços, destacando-os dos seus
concorrentes. Se a marca não for nova, ela não alcançará seu objetivo.
Portanto, além de original, a marca deve ser formada de elementos insuscetíveis de causar confusão, não pode apresentar colidências com registro já existente no mesmo ramo de atividade, devendo ser nova e diversa de
qualquer outra anteriormente criada.
Destaque-se, ademais, uma observação importante: o serviço de registros de marcas é organizado segundo classes, considerando-se a natureza
peculiar dos produtos, das mercadorias, ou dos serviços.
Até dezembro de 1999, o Brasil adotou uma classificação de produtos e serviços
própria, divida em 41 classes. Cada classe abrangia produtos ou serviços pertencentes a um mesmo ramo mercadológico. A partir de janeiro de 2000, o Brasil ado-
270
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
A conseqüência prática desse postulado permite que idêntica marca seja
registrada em classes diferentes. O registro em uma classe não impede, de
fato, que se registre marca idêntica para produto, mercadoria ou serviço
de outra classe, porque a lei garante a exclusividade ao titular da marca
somente na classe correspondente à sua natureza.
Em razão do caráter relativo da novidade, a proteção da marca registrada é restrita à classe a que pertence o bem marcado (regra do direito marcário identificado pelo Princípio da Especialidade). A única exceção a essa
regra diz respeito à marca de alto-renome, passível de proteção extensiva
em todos os ramos de atividade.
Outro requisito para o registro de marca consiste na não-colidência com
marca notoriamente conhecida, que goza de proteção especial, com fundamento legal no art. 126 da LPI, que atribui ao INPI poderes para indeferir de
ofício pedido de registro de marca, que reproduza ou imite, ainda que de forma parcial, uma outra marca, que notoriamente não pertence ao solicitante.
Por outro lado, encontramos o desimpedimento, condição esta identificada através de diversos incisos do art. 124 da LPI, que contém uma extensa lista dos signos que não são registráveis como marca. Trata-se, portanto,
de uma proibição legal.
Na construção do conceito da marca, sua distintividade é fundamental,
pois esta função diferenciadora auxilia o proprietário da marca ao anunciar
seu produto ou serviço, bem como o consumidor na escolha dos produtos
dentre os vários similares concorrentes.
Como a finalidade é identificar o produto ou serviço, é preciso que a
marca tenha características que permitam tal identificação.
Outra condição, a licitude prevista no art. 122 da LPI, diz respeito à
proibição do registro de marcas que contenham expressão, figura ou de-
tou a Classificação Internacional de Produtos e Serviços, aprovada pela Convenção
de Nice, a qual é constituída por 42 classes, também dividida de acordo com o
segmento mercadológico dos produtos ou serviços cobertos. Art. 125 da LPI: “À marca registrada no Brasil considerada de alto renome será
assegurada proteção especial, em todos os ramos de atividade”.
Art. 122 da LPI: “São suscetíveis de registro como marca os sinais visualmente
perceptíveis, não compreendidos nas proibições legais”.
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
271
senho contrário à moral e aos bons costumes, e os que envolvam ofensa
individual ou atentem contra culto religioso ou idéia e sentimento digno de
respeito e veneração.
A veracidade constitui um elemento imanente da licitude. A marca deve
ser honesta, não contendo palavras, figuras ou sinais com indicações que
não sejam verdadeiras sobre a origem-falsa procedência ou sobre a qualidade das mercadorias, dos produtos/serviços, ou ainda que induzam a
engano na escolha da coisa.
Por fim, trataremos da exclusão, pelo legislador, do registro de marcas
sonoras, as aromáticas e gustativas.
Como bem enunciou o art. 122 da LPI, não podem ser marca, os signos
que não sejam visualmente perceptíveis, ou seja, que se pode perceber
pelos sentidos, que se conhece, que se nota, que se entende etc. através de
nosso órgão de visão.
A publicação e a possibilidade de oposição
A publicação do pedido de registro para conhecimento de terceiros na
Revista da Propriedade Industrial, de periodicidade semanal, é fase essencial e automática do processo e prevista no art. 158 da LPI.
A partir da publicação da marca, inicia-se um prazo de 60 (sessenta)
dias para que interessados apresentem oposição, a qual terá fundamento
na colidência, seja total ou parcial, de marca já registrada, na alegação de
termo técnico ou de uso comum, entre outras hipóteses previstas em lei.
Seu objetivo, portanto, é demonstrar ao examinador do INPI o grau de
colidência entre marcas, solicitando o indeferimento do termo oposto.
Decorrido o prazo, o depositante será notificado da existência de eventual oposição através de publicação correspondente para, nos 60 (sessenta)
dias seguintes, defender sua pretensão ao registro, demonstrando de forma
coerente, que não fere as prescrições legais, sejam elas genéricas ou específicas.
SOARES, José Carlos Tinoco. Op. cit. 179 p.
Art. 158 da LPI: “Protocolizado, o pedido será publicado para apresentação de
oposição no prazo de 60 (sessenta) dias”.
272
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
A contra-argumentação não é prevista como um procedimento obrigatório, porém recomendado, pois se trata da oportunidade legal para reforçar
a não-colidência da marca pretendida com aquela da oponente.
O exame dos requisitos de registrabilidade e as exigências
Ao término do prazo de oposição, ou encerrado o prazo para o depositante se manifestar, será realizado o exame do pedido de registro, no
qual se verificará se a marca pretendida atende aos requisitos de registrabilidade (já analisados neste estudo) à luz das proibições insertas no
art. 124 da LPI.
Durante o exame poderão ser formuladas exigências, que deverão ser
cumpridas dentro de 60 (sessenta) dias. Uma vez não obedecidas, o pedido
de registro de marca será definitivamente arquivado; se respondida, ainda
que não cumprida, o exame prosseguirá10.
Havendo ou não oposição, o pedido será então deferido ou indeferido,
conforme os pareceres exarados no processo, cabendo recurso pela parte
prejudicada (art. 212 da LPI). E, caso de deferimento da marca, tem o
requerente o prazo de sessenta dias para recolher as taxas de proteção ao
primeiro decênio e expedição do certificado de registro.
Na seqüência, portanto, cabe ao INPI expedir o certificado em questão, documento este que comprova a existência da marca registrada, assegurando ao seu titular o exercício dos direitos que lhe são próprios.
A concessão do registro: efeitos
O certificado de registro constitui documento formal, tendo seu conteúdo previsto no art. 164 da LPI11. O registro será válido por dez anos em
todo o território nacional, contados da data da concessão, podendo ser
prorrogado por períodos idênticos e sucessivos, desde que requerido no
último ano de vigência.
REQUIÃO, Rubens. Op. cit. 230 p.
Art. 164 da LPI: “Do certificado de registro deverão constar a marca, o número e
data do registro, nome, nacionalidade e domicílio do titular, os produtos ou serviços, as características do registro e a prioridade estrangeira”.
10
11
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
273
Mormente ao registro da marca, o titular adquire sua propriedade limitada à utilização do sinal para os fins a que se destina. Representa, pois,
um direito de uso exclusivo do sinal restrito ao ramo de atividade ou classe
correspondente, podendo o titular impedir o eventual uso por terceiros,
autorizá-lo ou transferir o título a outro que exercerá o direito nas mesmas
condições.
A exclusividade concedida pela lei legitima ao titular lançar mão de
todos os recursos legais, administrativos, judiciais e extrajudiciais, para
impedir que outrem usufrua a marca registrada.
Ademais, salienta-se que a publicação da concessão de uma marca pelo
INPI abre um prazo de 180 (cento e oitenta) dias para que terceiros interessados iniciem processo administrativo de nulidade do registro, com
respaldo nas proibições do art. 124 da LPI, bem como, em hipóteses de
infração aos princípios e requisitos pertinentes à matéria. Vale ressaltar
que este procedimento não suspende os direitos assegurados pela lei, até
que seja oficialmente declarada sua nulidade.
Perda dos direitos: hipóteses
O registro da marca extingue pela expiração do prazo de vigência ante a
falta de prorrogação, pela renuncia ou pela caducidade.
De acordo com o art. 133, § 2º da LPI, caso o pedido de prorrogação não
tenha sido efetuado até o termo final da vigência do registro, o titular poderá fazê-lo nos seis meses subseqüentes, mediante o pagamento de retribuição complementar. Decorrido o prazo de vigência, não sendo requerida
sua prorrogação, o registro de marca será declarado extinto por meio de
publicação na Revista da Propriedade Industrial.
A renúncia, requerida pelo titular do registro mediante instrumento próprio, poderá ser total ou parcial em relação aos produtos ou serviços assinalados pela marca.
A caducidade total ou parcial, por sua vez, apresenta-se como outro fator
de extinção do registro, configurada quando após cinco anos da concessão do
registro, e na data de seu requerimento, o uso da marca não tiver sido iniciado
no mercado interno, tiver sido interrompido por igual período ou no caso de a
veiculação da marca ter ocorrido com alteração de sua forma original.
274
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
Conclui-se, portanto, que o uso da marca deverá ser imediato e completo,
indicando todos os produtos ou serviços previstos no certificado, evitando
que interessados, embora legitimados, possam interferir no exercício dos
direitos exclusivos conferidos pelo INPI, cabendo, unicamente, ao seu titular a conveniência e relevância da manutenção de sua marca.
Ação de Nulidade
Sem o rigor técnico necessário, pode-se dizer que a ação de nulidade é a
versão judicial do processo administrativo de nulidade.
É claro que essa possibilidade de reconhecimento da nulidade do ato
concessivo do INPI, pela via judicial, possui uma infinidade de aspectos
específicos e relevantes, não abrangidos pelo PAN, todavia, o que move
essa ação é justamente o mesmo fundamento.
A previsão legal está no artigo 175 da LPI, que atribui a qualquer interessado, inclusive o próprio INPI a legitimidade para propor a ação. Aliás,
o INPI sempre fará parte da ação, seja no pólo ativo (por liberalidade), ou
no pólo passivo (por imposição legal).
O prazo para ajuizamento da ação é de 5 (cinco) anos, contatos da concessão do registro e não é necessário que o interessado tenha tomado medidas na esfera administrativa, contra a concessão do registro anulando.
A exemplo do que ocorre no PAN, os efeitos da decisão que declaram
nulo o ato de concessão do registro pelo INPI são ex tunc e erga omnes,
observadas as regras processuais cíveis quanto à execução de sentença.
No entanto, nesse caso o poder judiciário poderá suspender, até mesmo
liminarmente, os efeitos da concessão do registro, e do próprio uso da
marca, resultado que não pode ser alcançado com a via administrativa
(PAN).
2.4 Direitos Autorais
Esse instituto visa à proteção dos direitos de autor sobre suas obras intelectuais que pode ser literárias, artísticas ou científicas.
Atualmente, essa matéria é regulada pela Lei no. 9.610 de 19 de Fevereiro de 1998, além de disposições previstas no art. 5º, incisos XXVII e
PROPRIEDADE INTELECTUAL – ASPECTOS GERAIS E SUA PROTEÇÃO
275
XXVIII da Constituição Federal. A lei brasileira abriga, sob a denominação direitos autorais, os direitos de autor propriamente ditos, bem como
os direitos conexos – que protegem intérpretes, executantes, produtores e
empresas de radiodifusão.
Além disso, a lei deixa claro que pertencem ao autor os direitos morais e
patrimoniais sobre a obra que criou. Os direitos morais de natureza pessoal
são inalienáveis e irrenunciáveis e estão listados de forma exaustiva na referida lei. Os direitos patrimoniais listados de forma exemplificativa na Lei
de Direitos Autorais são, por outro lado, relativos à utilização econômica
da obra intelectual, sendo do autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e
dispor dos mesmos.
Obras intelectuais passíveis de proteção
De acordo com o art. 7 da Lei de Direitos Autorais, são passíveis de
proteção as criações do espírito, expressas por qualquer meio ou fixadas
em qualquer suporte, tangível ou intangível, conhecido ou que se invente
no futuro. Devem, portanto, ser obras originais, exteriorizadas das mais
diversas formas, sejam músicas, obras literárias, dramáticas, audiovisuais,
arquitetônicas, desenhos, programas de computador, etc.
Vale ressaltar ainda que a proteção aos direitos autorais independe
de registro, podendo, no entanto, ser requerido seu registro de forma
facultativa junto à Biblioteca Nacional ou à Escola Nacional de Belas
Artes, através de procedimento extremamente simples e sem exame de
mérito.
Direitos patrimoniais e limitações ao Direitos Autorais
Conforme exposto acima, os direitos patrimoniais do autor referem-se
à utilização econômica da obra intelectual, sendo do autor o direito exclusivo de utilizar, fruir e dispor dos mesmos. Dessa forma, sua utilização
requer autorização prévia e expressa do autor.
A Lei no. 9.610 exemplifica tais direitos em seu Capítulo III e determina
sua vigência, dentre eles destacamos os direitos de reprodução, direito de
distribuição, direito de edição, execução pública, etc.
276
Luiz Edgard Montaury Pimenta / Clarissa Castro Jaegger
Nesse contexto e muito embora a proteção dos direitos autorais recaia
sobre criações intelectuais, a lei impõe limitações a sua utilização evitando abuso por parte dos seus titulares e impedindo que esse direito tenha
caráter absoluto12.
Tais limitações estão exaustivamente previstas nos artigos 46 a 48 da lei
vigente e constituem verdadeiras autorizações legais para o uso de obras
protegidas de terceiros.
Vigência
No Brasil, a proteção aos direitos sobre obras intelectuais é conferida
a pessoas físicas e jurídicas. Dessa forma, a proteção às obras artisticas,
científicas e literárias é garantia ao longo de toda a vida dos autores, sendo
seus direitos autorais transmissíveis aos sucessores por causa mortis.
Aos sucessores a perda dos direitos autorais expira somente setenta anos
após a morte do autor, tal como indica o artigo 41 da Lei no. 9.610.
Após esse período, as obras entram em domínio público quando pode
ser utilizada por todos sem prévia autorização, juntando-se às criações de
autores sem sucessores e/ou autores desconhecidos.
12
ASCENSÃO, José de Oliveira. Direito Autoral. Rio de Janeiro: Renovar, 1997. P.
256 e 257
Licitações Públicas e Contratação
com a Administração Pública
no Brasil
Cauê Vecchia Luzia(*)
[email protected]. Mestrando em Direito do Estado pela UFSC.
Especialista m Direito Público pelo CESUSC
Carolina Sena Vieira(*)
[email protected]. Mestranda em Direito do Estado pela UFSC.
Especialista m Direito Tributário pelo IBET. Professora
do Curso de Direito do CESUSC
Gustavo Amorim(*)
[email protected].
Especialista m Direito Tributário pela Fundação Boiteux/UFSC
(*) Sócios integrantes do escritório Farah,
Gomes e Silva Advogados (aliado em Florianópolis/SC)”.
1. NOÇÕES INTRODUTÓRIAS
No âmbito de atuação do Poder Público, a estruturação de um mínimo
organizacional do Estado torna, imprescindível, a realização de atividades
que permitam a prestação de serviços públicos e o funcionamento da burocracia estatal. Para tanto, dentre um sem-número de providências, tem-se a
contratação de particulares como um dos instrumentos mais utilizados.
Paralelo a isso, as relações negociais apontam para uma interdependência entre as pessoas e, por óbvio, o Estado encontra-se inserido neste
contexto. Com efeito, quanto mais constantes e corriqueiras forem essas
relações, mais se torna necessária a conceituação sobre temas que venham
a intermediar a aproximação entre os agentes destas negociações.
A Administração Pública, sendo expressão da atividade estatal, necessita interagir e celebrar negócios com os particulares.
278
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
Essa necessidade de travar relacionamento de interesses mútuos submete-se, inexoravelmente, às regras gerais de trato da coisa pública, em
especial aos princípios da isonomia e juridicidade. Como selecionar adequadamente a pessoa com a qual a Administração Pública irá contratar,
é a pergunta de maior relevância frente aos deveres de impessoalidade e
probidade.
Ademais, ressalvados casos excepcionais, as contratações públicas representam volume significativo de relações. Os gastos e investimentos
públicos são extremamente relevantes e ocupam parcela expressiva nas
economias nacionais.
Todo esse contexto traz consigo a necessidade de manter rigor na seleção
dos particulares que serão agraciados com a prerrogativa de contratarem
com o Poder Público.
A preocupação é efetivar um ponto de afirmação do regime de jurídico
público nas relações em que Administração Pública participe. E esse reconhecimento é o passo inaugural para equilibrar a inquietação dos diversos
interesses que circundam qualquer aproximação contratual, notadamente
a necessidade de conciliar interesses sociais e econômicos.
De um lado, a Administração buscando realizar seus objetivos sociais
ou organizar sua burocracia, e, de outro lado, os interesses privados presididos primordialmente por motivos econômicos.
Como ressalta Juan Alberto Martínez, o que se deve buscar é sempre
uma integração mais eficiente entre o Poder Público e a iniciativa privada,
buscando evitar, obrigatoriamente, que os regimes de seleção e contratação públicos sofram indesejáveis interferências totais ou parciais pelos
aspectos patrimonialistas que imperam no regime jurídico privado.
Enfim, há que prevalecer o regime jurídico público, de modo que não
existam interferências relevantes do direito privado.
Assim como outras nações, o Brasil elegeu o processo licitatório como
meio adequado a solucionar tais conflitos. Com isso, autorizou-se ao admi
MARTÍNEZ, Juan Alberto. Apud: PEREIRA, César A. Guimarães. O Regime Jurídico das Licitações no Brasil e o Mercosul. REDE. Salvador: IBDP, n° 22, abril/
maio/junho de 2010. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br> . Acesso em: 17/08/2010.
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
279
nistrador público a prerrogativa de lançar mão de processo licitatório para
alcançar a contratação desejada.
Abstraindo incursões históricas, que não constituem objeto deste singelo estudo, atualmente o tema merece relevância constitucional, onde estão
assentadas as premissas basilares do instituto jurídico.
2. REGIME JURÍDICO DAS LICITAÇÕES PÚBLICAS
(a) Regime Constitucional:
Como diretriz básica, a competência legislativa em matéria de licitações públicas é detida concorrentemente pelos entes políticos, apesar de,
ressalte-se, pertencem exclusivamente à União Federal o ônus de regular
seus aspectos gerais. Tal repartição decorrer, quase que naturalmente, da
composição federativa adotada pelo Estado Brasileiro e da consequente
autonomia político-administrativo dada aos entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Municípios).
Neste sentido, o artigo 22, inciso XXVII, da Constituição Federal, suprindo o silêncio de regimes anteriores, elencou expressamente a seguinte
competência legiferante:
Art. 22. Compete privativamente à União Legislar sobre:...
XXVII – normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades,
para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União,
Estados, Distrito Federal e Municípios, obedecido o disposto no art. 37, XXI,
e para as empresas públicas e sociedades de economia mista, nos termos do
art. 173, § 1°, III;
Note-se que a competência delimitada sob o manto da exclusividade diz
respeito apenas à normas gerais. Assim, também incumbe aos demais entes federados a legislatura específica sobre o tema, desde que respeitadas
as condições gerais.
A repartição de competências encontra, também, sustentação noutros
dispositivos do texto constitucional: na disposição residual descrita no artigo 25, § 1°, em relação aos Estados; na regra de interesse local inserida no
artigo 30, inciso I, para os Municípios; e, na equiparação contida no artigo
32, § 1°, em relação ao Distrito Federal.
280
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
Ademais, as sociedades de economia mista e as empresas públicas, que
explorem atividades econômicas, poderão contar com regramento licitatório próprio, sujeitos exclusivamente aos princípios da administração pública, conforme regra do artigo 173, § 1°, inciso III, do texto constitucional.
Referido regramento diferenciado poderá ser inserido no estatuto jurídico
da entidade.
Em teoria, essa difusão de competências poderia representar dificuldades para compreender o instituto. Entretanto, na prática, a compreensão
ampla independe de grandes investigações, principalmente porque a Lei
instituída pela União Federal, abarcando tanto normas gerais como regramento específico para suas entidades, vem sendo amplamente utilizada pelas diversas esferas governamentais, como será abordado posteriormente.
Como segunda diretriz básica, o texto constitucional também traça linhas gerais sobre a licitação pública propriamente dita, afirmando a essencialidade da existência de processo licitatório precedente às contratações
administrativas. E o faz através da regra descrita no artigo 37, inciso XXI,
nos seguintes termos:
XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de
licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento,
mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual
somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica
indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Esses traços fundamentais dados pela indigitada regra permitem ressaltar,
desde logo, alguns aspectos norteadores do regime licitatório no Brasil.
O primeiro deles reside na obrigatoriedade do procedimento, dispondo que as contratações realizadas pela Administração Pública deverão ser
precedidas de processo de licitação, salvo disposições legais. A essencialidade se repete no texto do artigo 175 da Constituição Federa, determinando que as concessões ou permissões contratadas junto ao Poder Público
serão efetivadas “sempre através de licitação”, sendo, portanto, incisiva a
aplicação destas normas.
Além disso, a norma fixa a primazia da igualdade de condições como
um dos pilares do regime em questão. Em razão desse preceito, torna-se
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
281
necessário que a legislação infraconstitucional discipline de forma detalhada os requisitos necessários e as condições em que as propostas serão
avaliadas.
Em terceiro lugar, a consagração da manutenção das condições efetivas
da proposta durante a integralidade da vigência contratual. Aliás, talvez
um dos grandes diferenciais do regime licitatório brasileira seja, exatamente, a proteção constitucional ao equilíbrio da equação econômico-financeira da relação, trazendo, como grande benefício, uma perspectiva de
segurança aos licitantes quando da apresentação de suas propostas.
Ao final, o dispositivo estabelece uma limitação à exigências excessivas
e desnecessárias, afirmando que a Administração Pública deve preocuparse em exigir apenas as condições de habilitação indispensáveis a demonstrar capacidade operacional e executiva dos licitantes. Veda-se o excesso
para garantir a mais ampla competitividade.
(b) Regime Legal:
Fazendo uso da atribuição outorgada pela Constituição Federal, a União
editou a Lei Federal n° 8.666, de 21 de junho de 1993, cujo teor “regulamenta o art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, institui normas para
licitações e contratos da Administração Pública e dá outras providências”.
Posteriormente e de forma complementar ao regime legal existente, a
União editou a Lei Federal n° 10.520, de 17 de julho de 2002, que “institui,
no âmbito da União, Estados, Distrito Federal e Municípios, nos termos
do art. 37, inciso XXI, da Constituição Federal, modalidade de licitação
denominada pregão, para aquisição de bens e serviços comuns, e dá outras providências”.
O conteúdo daquelas leis não se limita apenas às normas gerais como
aludido pelo artigo 22, inciso XXVII, da carta constitucional, mas, também, contempla normas específicas que devem ser obrigatoriamente observadas pelas entidades vinculadas à esfera política federal e, de forma
suplementar, pode ser observado pelos demais entes políticos que não possuam regramento próprio.
A Lei de Licitações e Contratos Administrativos, como usualmente
chamada, estabeleceu o processo administrativo destinado à seleção do
282
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
particular que irá contratar com o Poder Público. Na clássica acepção da
doutrina, o regime jurídico das Licitações Pública é entendido como:
Licitação é o procedimento administrativo mediante o qual a Administração Pública seleciona a proposta mais vantajosa para o contrato de seu
interesse. Como procedimento, desenvolve-se através de uma sucessão
ordenada de atos vinculados para a Administração e para os licitantes,
o que propicia igual oportunidade a todos os interessados e atua como
fator de eficiência e moralidade nos negócios administrativos.
E, com relação aos seus objetivos:
A licitação visa a alcançar duplo objetivo: proporcionar às entidades
governamentais possibilidades de realizarem o negócio mais vantajoso
(pois a instauração de competição entre os ofertantes preordena-se a
isto) e assegurar aos administrados ensejo de disputarem a participação
nos negócios que as pessoas governamentais pretendem realizar com
os particulares.
A despeito de algumas especificidades de alguns autores, a conceituação do regime jurídico das licitações é bastante constante dentre os estudiosos, que sempre procuram esmiuçar as diversas características deste
procedimento complexo que é a licitação. Sem embargos, trata-se da forma
mais equânime que encontrou o Estado em contratar, de maneira sempre a
buscar a melhor proposta para a Administração Pública.
3. COMPREENDENDO O PROCESSO LICITATÓRIO
Como mencionado, a Administração Pública necessita celebrar contratos
com entes privados e para fazê-lo deve preservar uma atuação íntegra. Isto
porque, ao contrário dos particulares quando almejam realizar negócios,
as contratações procedidas pelo Poder Público necessitam de um processo
preliminar e suficientemente formal, com o intuito de afastar interesses
pessoais dos administradores. Desta necessidade nasceu o instituto da licitação pública.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros, 1996, p. 247.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros,
2003, p. 481.
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
283
Os princípios que harmonizam esta aproximação primária, antecessora do negócio em si, são de suma relevância para que se tenha a justa
e acertada medida de obrigações e deveres a serem contratados. Nesse
contexto, a Lei de Licitações sustenta-se, dentre outros, em dois princípios
primordiais, que devem irradiar seus comandos de otimização por todo o
processo.
Inicialmente, o processo deve pautar-se pelo tratamento isonômico aos
licitantes e entre eles. Em linhas gerais, o tratamento isonômico significa
o livre acesso a todo e qualquer interessado que, preenchidos os requisitos
indispensáveis à qualificação, tenham interesse em contratar com a Administração Pública. Ou seja, não se permite escolher um determinado
particular à revelia do procedimento estabelecido.
Ao paralelo, além desse viés de garantia, a isonomia vista sob um enfoque subjetivo compreende o direito de cada particular de concorrer na
disputa pela contratação administrativa.
O respeito à isonomia é o que dá suporte e legitimidade à Licitação
Pública, pois, é através daquela que se pode contemplar com louvor a moralidade, a impessoalidade, a eficiência e outros princípios e valores relacionados à Administração Pública.
Cabe ressalvar, entretanto, que o tratamento isonômico não pressupõe a
exclusão total de diferenciações. O simples fato de a Administração Pública escolher, ao cabo do processo licitatório, um vencedor, já acarreta uma
distinção entre os particulares. Mas esta medida de diferenciação é da própria natureza do processo licitatório, de modo que a existência distinções
é indissociável sob esse ângulo.
Também de forma tangencial, durante todo o processo licitatório, apresenta-se de extrema relevância o princípio da seleção da proposta mais
vantajosa, que é a própria razão de ser da licitação. Isto porque, o processo
busca, exatamente, selecionar o particular que detenha as melhores condições para realizar o objeto licitado, sem desatender às exigências pertinentes (boa técnica, qualidade, preço, etc.).
NIEBUHR, Joel de Menezes. Princípio da Isonomia na Licitação Pública. Florianópolis: Obra Jurídica,
2000, p. 74.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São
Paulo: Dialética, 2009, pp. 67/68.
284
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
A vantagem significa a expectativa de uma adequada e satisfatória realização, através da execução contratual, do interesse almejado pelo Poder
Público. O conceito decorre do próprio princípio da República, que reclama do governante a melhor gestão e administração dos recursos e interesses da nação.
A maior vantagem não se confunde com menor preço, ou seja, a proposta mais vantajosa não é, em absoluto, aquela de menor preço. Isto porque
o conceito não deve ser compreendido unicamente sob a luz de um único
critério, como, por exemplo, a economia.
Em matéria de licitações, mais vantajosa ao interesse público é a proposta que melhor conjugar os requisitos essenciais de aptidão e os critérios de
julgamento da oferta, de forma a garantir a melhor medida entre onerosidade aos cofres públicos e qualidade da prestação.
Nenhum desses dois pilares pode ser encarado isoladamente como absoluto em si mesmo. Ao contrário, um serve ao outro reciprocamente, na
medida em que a probabilidade da Administração Pública receber proposta que lhe garanta maiores vantagens cresce paralelamente à amplitude
do universo de participantes, que, por sua vez, é aumentada sempre que
garantida a igualdade de acesso a todos os interessados.
(a) Processo Licitatório e suas Modalidades:
O Processo de Licitação compreende o procedimento administrativo pelo
qual uma pessoa pública, pretendendo alienar, adquirir ou locar bens, realizar
obras ou serviços, outorgar concessões, permissões de obra, serviço ou de uso
exclusivo de bem público, segundo condições por ela estipuladas previamente,
mediante ampla convocação para que quaisquer interessados apresentem suas
propostas, a fim de selecionar a que se revele mais conveniente em função de
parâmetros antecipadamente estabelecidos e divulgados.
O processo de licitação pública comporta duas fases distintas e relativamente autônomas, tendo início numa etapa interna, promovida exclusi
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos Administrativos. 13ª ed. São
Paulo: Dialética, 2009, pp. 63/65.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª ed. São Paulo: Malheiros,
2003. pp. 479/481.
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
285
vamente pelo ente público, e sendo concluída noutra etapa externa, com
a participação de todos os interessados com habilidades para cumprir os
requisitos mínimos exigidos.
O marco inicial do processo de licitação é a verificação, por parte da
Administração Pública, da necessidade e conveniência da contratação. Sua
continuidade se dá através da caracterização do objeto a ser contratado,
seguindo da cotação estimada de seus custos e verificação da disponibilidade financeira.
Configurada como processo, a Licitação Pública admite variações procedimentais de acordo com a importância e/ou, principalmente, valor do
objeto pretendido. Surgem, então, as diversas modalidades de licitação,
contemplando formas específicas de processamento, elementos integrais
do processo e formalidades essenciais.
Nos termos do artigo 22 da Lei de Licitações e da inclusão trazida pela Lei
do Pregão, a Administração Pública poderá lançar mão de seis modalidades
licitatórias, devendo utilizar aquela condizente com o objeto licitado.
A forma mais simples é aquela denominada Convite, que consiste na
espécie de licitação entre interessados do ramo pertinente, cadastrados ou
não, escolhidos e convidados pela entidade licitante em número mínimo de
três. Como requisito complementar, a Administração Pública deverá afixará, em local visível dentro da unidade, cópia do instrumento convocatório
para estender a qualquer interessado que se manifeste com antecedência
de até vinte e quatro horas.
O Convite pode ser adotado para as obras e serviços de engenharia orçados em até R$ 150.000,00 (cento e cinqüenta mil reais), assim como para
as demais contratações estimadas em até R$ 80.000,00 (oitenta mil reais).
Permite-se, ainda, o uso desta modalidade em Licitações internacionais
quando não houver fornecedor no país, observados os valores descritos.
Outra modalidade, a Tomada de Preços ocorre entre os interessados
previamente cadastrados perante a entidade licitante, ou, ainda, aqueles
que venham a atender as condições exigidas para cadastramento até o terceiro dia anterior à data do recebimento das propostas.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e Contratações da Administração
Pública. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2002, p. 5.
286
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
Referida espécie tem aplicação para as contratações em engenharia estimadas em até R$ 1.500.000,00 (um milhão e quinhentos mil reais) ou,
ainda, nas demais licitações provisionadas em até R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais). Ou, ainda, a espécie tem lugar em Licitações de
abrangência internacional se a entidade possuir cadastro de fornecedores
com esta amplitude.
A Concorrência configura a modalidade mais complexa de licitação e,
em seu turno, é realizada entre quaisquer interessados que, na fase inicial
de habilitação preliminar, comprovem possuir os requisitos mínimos de
qualificação exigidos no edital para execução do objeto. A espécie envolve
as contratações mais importantes, sendo aberta com ampla publicidade
para permitir a participação do maior número de interessados.
A forma complexa é obrigatória para todas as contratações orçadas acima dos valores estabelecidos para a Tomada de Preços. Entretanto, referida
modalidade é facultativa para toda e qualquer contratação.
O uso dessa modalidade também é obrigatória nas compras e alienações
de bens imóveis, nas concessões e direito real de uso e, ainda, nos registros
de preços, independentemente do valor estimado para o bem.
A Concorrência também foi eleita como obrigatória para o regime de
concessão da prestação de serviços públicos, conforme artigos 2° e 14 da
Lei Federal n° 8.987/95, sendo processada nos termos do regulamento padrão com alguns acréscimos, como a necessidade de especificação de metas e a indicação dos bens reversíveis.
No mesmo norte, também se tem como obrigatória a adoção da Concorrência nos casos de contratação sob o regime de Parceria Público-Privada,
por força do artigo 10 da Lei Federal n° 11.079/04, também com especificidades, como, por exemplo, a necessidade de especificação da contraprestação pecuniária suportada pelo parceiro público.
Por último, as Licitações internacionais devem preferencialmente adotar
a Concorrência.
O Concurso é a modalidade de licitação entre quaisquer interessados
para escolha de trabalho técnico, científico ou artístico, mediante a instituição de prêmios ou remuneração aos vencedores, conforme critérios e
valores definidos no instrumento convocatório. A adoção desta modalida-
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
287
de depende exclusivamente do objeto, sem qualquer condicionante relativa
a valores.
Outra modalidade que independe de valores é o Leilão, promovido para
a venda de bens móveis inservíveis para a administração ou de produtos
legalmente apreendidos ou penhorados, ou para a alienação de bens imóveis de valor inferior a R$ 650.000,00 (seiscentos e cinqüenta mil reais), a
quem ofertar o maior lance.
Por fim, o Pregão compreende a modalidade licitatória destinada à aquisição de bens e serviços comuns, qualquer que seja o valor da contratação,
sempre atrelado ao menor preço ofertado. Sempre que o bem ou serviço
for comum, será obrigatória a adoção desta modalidade licitatória, dando
preferência para sua realização na forma eletrônica.
Entretanto, a modalidade não poderá ser utilizada para contratações
de obras de engenharia, bem como locações imobiliárias e alienações
em geral.
A própria natureza do objeto submetido a esta modalidade licitatória
– bens e serviços comuns – permite a identificação da maior vantagem
sempre na proposta de menor custo. Nesse contexto, são considerados bens
e serviços comuns aqueles cujos padrões de desempenho e qualidade possam ser objetivamente definidos pelo edital, por meio de especificações
usuais no mercado.
O Pregão pode ser realizado de forma presencial (Decreto Federal n°
3.555/02) em sessão pública, em local específico, presidida pelo Pregoeiro e auxiliada, quando necessário, pelos membros da equipe de apoio.
Ou, ainda, pode ser realizada sob a forma eletrônica (Decreto Federal n°
5.450/05) por meio de sistema que permita a comunicação de dados pela
internet.
O Pregão trouxe significativo diferencial para os processos licitatório,
garantindo maior celeridade e competitividade nos certames. O elemento
central destes benefícios e, ao mesmo tempo, principal diferencial desta
modalidade em relação às outras, é a inversão das etapas procedimentos,
ou seja, primeiro ocorre a classificação das propostas e realização de
lances, para, posteriormente, realizar a habilitação apenas do licitante
vencedor.
288
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
(b) Instrumento Convocatório e Critérios de Julgamento:
Uma vez superadas as etapas iniciais do procedimento e eleita a modalidade de seu processamento, o encerramento da fase interna ocorre com
a confecção e divulgação do instrumento convocatório, denominado Convite para a modalidade de mesmo nome ou Edital para as demais modalidades.
O instrumento convocatório compreende a matriz embrionária da contratação administrativa, onde estão descritos os desejos da Administração
Pública e as condições para a apresentação de propostas adequadas. O
instrumento convocatório compreende, não apenas o documento de divulgação pública da Licitação, mas, também, representa “a lei interna da
licitação, e, como tal, vincula aos seus termos tantos os licitantes como a
Administração que o expediu”.
Um dos elementos centrais do instrumento convocatório é a definição
do critério que será utilizado no julgamento das propostas. Vale dizer, o
instrumento conterá os elementos que identificarão a proposta mais adequada e vantajosa ao interesse público.
Nos certames que envolvam a alienação de bens ou a concessões de
direito real de uso, o julgamento das propostas deverá, obrigatoriamente,
privilegiar o tipo maior lance ou oferta.
Noutro norte, as Licitações que tem como objeto serviços de natureza
predominantemente intelectual, poderá ser escolhido como critério de julgamento o tipo melhor técnica ou o tipo técnica e preço. Aquele critério
(melhor técnica) será processado através de uma negociação, que poderá
ocorrer na sucessão da maior à menor nota técnica, para que se contrate o
particular mais apto pelo valor da menor proposta. Ao passo que, este critério (técnica e preço) aponta como mais vantajosa a proposta que obtenha
a melhor média ponderada entre a qualificação e o preço.
Por fim, o critério do Menor Preço, segundo o qual a proposta mais
adequada para a Administração Pública será determinada pela oferta de
menor preço.
MEIRELLES, Hely Lopes. Licitações e Contratos Administrativos. 10ª ed. São Paulo: RT, 1991, p. 29.
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
289
O instrumento convocatório e os critérios nele contidos demandam observância bastante rigorosa durante o processamento da Licitação, tanto
que informam dois princípios setoriais do procedimento, o da vinculação
ao edital e o do julgamento objeto das propostas. A eventual inobservância
destes princípios pode comprometer toda a lisura e legalidade do procedimento.
A fase externa da licitação, aquela de efetiva disputa entre os interessados, é processada através de uma sequência ordenada de atos.
No caso das modalidades tradicionais (Concorrência, Tomada de Preços,
Convite, Concurso e Leilão), o processo tem início com a etapa de habilitação dos interessados, que objetiva comprovar que os licitantes possuem
aquelas condições indispensáveis ao cumprimento do contrato. Esta etapa
compreende a habilitação jurídica, aptidão técnica, qualificação econômico-financeira, regularidade fiscal e atendimento à proibição de trabalhos
de menores.
Os licitantes que não comprovem possuir as condições exigidas no instrumento convocatório serão inabilitados e, consequentemente, impedidos
de participarem das demais etapas do processo.
Os particulares regularmente habilitados seguirão na disputa, passando á etapa de efetivo julgamento das propostas, conforme critério de julgamento eleito no instrumento convocatório. Essa etapa de julgamento
poderá compreender uma aferição de pontuação técnica quando do tipo
“melhor técnica” ou “técnica e preço”, ou poderá limitar-se à aferição e
julgamento dos preços ofertados.
A proposta que melhor vantagem traga ao interesse público, ou seja,
aquela que melhor satisfaça o critério de julgamento, será declarada vencedora do certame, garantindo ao proponente o direito lhe ser adjudicado
o objeto licitado e a expectativa jurídica de uma contratação.
Por seu turno, a modalidade Pregão é processada em ordem inversa,
iniciando com o julgamento das propostas de preços, com uma etapa de
lances sucessivos entre os concorrentes, para a identificação da proposta
vencedora (menor preço). Segue-se, então, à etapa de habilitação com a
verificação dos documentos apenas do licitante vencedor.
290
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
(c) Tratamento de Licitantes Estrangeiros e Licitações com Recursos
Estrangeiros:
Ponto específico a ser tratado diz respeito á participação estrangeira nas
Licitações Públicas promovidas pelo governo brasileiro.
Em primeiro lugar, importante investigar sobre a existência – ou não
– de preferências por licitantes ou produtos nacionais em detrimento de
estrangeiros. O que, desde já, responde-se de forma negativa.
Não existe na legislação aplicável qualquer espécie de preterição do licitante ou produto estrangeiro. Ao contrário, no âmbito da Lei de Licitações
“é vedado aos agentes públicos (...) estabelecer tratamento diferenciado
de natureza comercial, legal, trabalhista, previdenciária ou qualquer outra, entre empresas brasileiras e estrangeiras, inclusive no que se refere
a moeda, modalidade e local de pagamentos, mesmo quando envolvidos
financiamentos de agências internacionais”. (artigo 3°, § 1°, inciso II, Lei
n° 8.666/93).
Em recente alteração legislativa, apenas como critério de desempate a
Lei de Licitações passou a prever a preponderância de bens ou serviços
produzidos no País, independentemente da nacionalidade do produtor ou
prestador.
Assim como, também como critério de desempate, a Lei de Licitações
garante preferência à pessoa que invista em pesquisa ou desenvolvimento
tecnológico no País. Note que, neste caso, a regra pode beneficiar até mesmo uma empresa estrangeira em detrimento de um concorrente nacional,
caso apenas aquela realize investimentos tecnológicos.
No passado, até houve determinadas diferenciações em razão da nacionalidade do licitante. Entretanto, essas distinções perderam seu fundamento após a promulgação da Emenda Constitucional n° 6, de 1995, que
suprimiu do ordenamento jurídico brasileiro o conceito de empresa nacional. Em outras palavras, após a revisão do texto constitucional, não mais
existem distinções em razão da nacionalidade ou bandeira da empresa.
Existem, sim, distinções relacionadas aos bens e serviços produzidos no
País; mas isso independe da nacionalidade do empreendedor. Até mesmo
uma empresa estrangeira, que possua um estabelecimento no País poderá
ser beneficiada pela regra.
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
291
Enfim, em todas as licitações são admitidos licitantes nacionais e estrangeiros e, mais, tradados de forma absolutamente isonômica e imparcial.
Noutro prisma, também cabe investigar a hipótese de contração de bem
ou serviço financiada com recursos provenientes de agência de cooperação
estrangeira ou organismo financeiro multilateral.
Em casos como estes, a legislação pátria admite considerável flexibilização. Isto porque, a Licitação poderá ser processada com observância das
regras e procedimentos adotados pela entidade estrangeira ou multilateral,
inclusive com relação aos critérios de julgamento e seleção da proposta
mais vantajosa para a Administração Pública, podendo contemplar fatores
mais abrangentes que o preço.
Como requisitos para a adoção de regras diferenciadas, estas devem ser
condição indispensável para a concessão dos recursos, assim como não
podem conflitar com o princípio do julgamento objetivo e, ainda, devem
ser devidamente justificadas em processo administrativo.
4. ASPECTOS DESTACADOS E CONTEMPORÂNEOS
Após mais de quinze anos de vivência, a Lei de Licitações e Contratos
Administrativos vem passando por algumas alterações, das quais três merecem maior destaque.
A primeira decorre do regime jurídico diferenciado dispensado às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte10, como parte integrante das
políticas públicas de incentivo e favorecimento daquelas espécies empresariais. O advento da Lei Complementar n° 123, de 14 de dezembro de
2006, ampliou e inaugurou uma séria de favorecimentos para aquelas empresas, inclusive dedicando um capítulo específico de vantagens quando
participantes de processos licitatórios.
10
Lei Complementar n° 123/06:
Art. 3°. Para os efeitos desta Lei Complementar, consideram-se microempresas ou empresas de pequeno porte a sociedade empresária, a sociedade simples e o empresário a que se refere o art. 966 da Lei
n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002, devidamente registrados no Registro de Empresas Mercantis ou no
Registro Civil de Pessoas Jurídicas, conforme o caso, desde que:
I – no caso de microempresas, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada, aufira, em cada
ano-calendário, receita bruta igual ou inferior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais);
II – no caso das empresas de pequeno porte, o empresário, a pessoa jurídica, ou a ela equiparada,
aufira, em cada ano-calendário, receita bruta superior a R$ 240.000,00 (duzentos e quarenta mil reais)
e igual ou inferior a R$ 2.400.000,00 (dois milhões e quatrocentos mil reais).
292
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
Dentre as inovações, a comprovação de regularidade fiscal das MEs e
EPPs, como usualmente chamadas, terá lugar apenas quando da assinatura do contrato, ou seja, apenas quando a empresa vencedora tenha essa
qualidade.
Destaque-se que, em nenhum momento a Lei Complementar dispensa a
apresentação das certidões fiscais. O que acontece é que as MEs ou EPPs
não serão inabilitadas e excluídas do certame caso possuam pendência
fiscais, pois a elas é dada a oportunidade de regularizar tais pendências
fiscais até o momento de assinatura do contrato, caso venha a ser declarada
vencedora do certame.
Outra significativa inovação reside na criação do denominado “empate
ficto”, assim assegurado às MEs e EPPs:
Art. 44. Nas licitações será assegurado, como critério de desempate, preferência de contratação para as microempresas e empresas de pequeno porte.
§ 1°. Entende-se por empate aquelas situações em que as propostas apresentadas pelas microempresas e empresas de pequeno porte sejam igual ou até 10%
(dez por cento) superiores à proposta mais bem classificada.
§ 2°. Na modalidade de pregão, o intervalo percentual estabelecido no § 1°
deste artigo será de 5% (cinco por cento) superior ao melhor preço.
Em outras palavras, considera-se empate mesmo quando a proposta
de uma ME ou EPP seja superior – em até 5% nos pregões ou até 10%
nas demais modalidades – à proposta de empresa que não detenha essas
condição. Nestes casos, será oportunizado à ME ou EPP a revisão de
sua proposta para ofertar preço inferior àquela menor, garantindo-lhe
a vitória no certame. Mas, caso a ME ou EPP não revise sua oferta, o
objeto será adjudicado em favor daquela proposta originalmente vencedora.
O segundo aspecto contemporâneo e, por sua vez, mais recente de todos,
remete às intenções governamentais de uniformização do processo licitatório no âmbito do MERCOSUL, cuja preocupação vem sendo manifestada desde o ano de 1994 pelo Conselho do Mercado Comum.
Os objetivos dessas políticas multilaterais foram fixados em 1998, através da Resolução n° 34/98 do Grupo Mercado Comum, que fixou três diretrizes básicas a serem adotadas, a saber:
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
293
(a)estender aos bens e serviços produzidos em qualquer dos Estados
Partes do MERCOSUL, o mesmo favorecimento dado a produtos
nacionais;
(b)intenção de identificar os entes políticos e os bens e serviços abrangidos no regime multilateral; e,
(c)transparência plena dos procedimentos, de forma a garantir e permitir o acesso às informações e exercício de direitos.
Importante destacar que os trabalhos do MERCOSUL vem adotando,
em grande medida, os padrões brasileiros das Licitações Públicas, dando
ênfase e buscando estender aos demais Estados-Partes os princípios adotados pela legislação brasileira ao regime jurídico licitatório.
Em boa medida, as diretrizes foram internalizadas no ordenamento jurídico brasileiro, através da Edição da Medida Provisória n° 495/10. Em alguns casos, há um alargamento das diretrizes iniciais, como, por exemplo,
a determinação de que os bens e serviços produzidos pelos Estados-Partes
do MERCOSUL terão tratamento idêntico aos nacionais, que foi alargada
através da abertura para que o Poder Executivo Federal estenda essa lista a
com os quais o Brasil venha a assinar acordos de compras governamentais.
Por derradeiro, o terceiro aspecto de grande destaque reside na forte
tendência de desburocratização e flexibilização do processo licitatório nacional. A partir do gérmen iniciado com a inclusão expressa do princípio
da eficiência no âmbito constitucional, aliado aos agradáveis resultados
obtidos com o Pregão, criaram ambiente nitidamente favorável à revisão
de alguns conceitos.
O gradual desapego às formas, com a conseqüente valorização do conteúdo, permitiu o alcance de resultados mais vantajosos à Administração
Pública, autorizando uma análise mais substancial no processo. Esses dois
ideais representam relevantes avanços ao processo licitatório, inserindo-o
no campo de um direito administrativo constitucionalizado, na medida em
que abandona a concepção rígida de legalidade formal e privilegia a idéia
da Constituição como sistema aberto de princípios11.
11
BINENBOJM, Gustavo A. A Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. RERE, Salvador: IBDP, n° 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em:
<http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10/08/2010.
294
Cauê Vecchia Luzia/Carolina Sena Vieira/Gustavo Amorim
Em primeiro plano, a tendência de melhoramento do processo caminha
no sentido de concretizar, para todas as modalidades, a inversão das etapas
de aferição das ofertas, colocando a classificação dos preços em primeiro
plano, para posterior aferição da habilitação tão somente do vencedor.
De imediato, já se vislumbra que esta simples inversão procedimento
propiciou, sem suprimir nenhuma etapa, duas grandes vantagens. A primeira consiste na drástica redução do número de litígios paralelos ao certame. A segunda foi a desburocratização do processo, através da redução
do número de documentos que serão submetidos à análise.
Essa salutar medida, de inversão das etapas, já é realidade em diversos
casos, constituindo regra obrigatória no caso dos pregões (Lei n° 10.520/02)
e, ainda, regra facultativa no caso das concorrências para concessão e permissão de serviços públicos (Lei n° 8.987/95) e das concorrências para
contratação de parceria público-privada (Lei n° 11.079/04).
Em segundo plano, o que se busca prestigiar é a possibilidade de saneamento de erros materiais irrelevantes, como por exemplo, a falta de rubrica
em um documento. E, como resulta prático imediato dessa orientação, o
aumento da competitividade nos certames.
A inversão das etapas procedimentos e a permissão de saneamento de
propostas já estão presentes em algumas leis locais de licitações, como
nos Estados da Bahia (Lei Estadual n° 9.433/05), Sergipe (Lei Estadual n°
5.848/06), Paraná (Lei Estadual n° 15.340/06) e São Paulo (Lei Estadual
n° 13.121/08).
Assim, visando incorporar tais avanços ao regulamento federal das Licitações Públicas, há Projeto de Lei em tramitação buscando incorporar
aquelas inovações ao texto da Lei Federal n° 8.666/93.
Exatamente nesse contexto, onde se procura soluções que empreguem
conteúdo prático ao princípio da eficiência e uma boa gestão dos recursos
e políticas, que as inovações vem sendo realizadas e recebidas no ordenamento jurídico brasileiro.
REFERÊNCIAS
BINENBOJM, Gustavo A. A Constitucionalização do Direito Administrativo no Brasil: um inventário de avanços e retrocessos. RERE, Salvador:
Licitações Públicas e Contratação com a Administração...
295
IBDP, n° 13, março/abril/maio, 2008. Disponível em: <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 10/08/2010.
DALLARI, Adilson Abreu. Aspectos Jurídicos da Licitação. 6ª ed. São
Paulo: Saraiva, 2003.
GASPARINI, Diogenes. Pincípios e Normas Gerais. Palestra apresentada
dia 14/06/2004. In: II SEMINÁRIO DE DIREITO ADMINISTRATIVO:
Licitações e Contratos – Direito Aplicado, de 14 a 18 de junho de 2004,
São Paulo: TCMSP. Disponível na Internet: <http://www.tcm.sp.gov.br>.
Acesso em: 09/03/2009.
GORDILLO, Agustín. Tratado de Derecho Administrativo. Tomo 2. 8ª ed.
Buenos Aires: Fundación de Derecho Administrativo, 2006.
JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à Lei de Licitações e Contratos
Administrativos. 13ª ed. São Paulo: Dialética, 2009.
MARTÍNEZ, Juan Alberto. Apud: PEREIRA, César A. Guimarães. O Regime Jurídico das Licitações no Brasil e o Mercosul. REDE. Salvador:
IBDP, n° 22, abril/maio/junho de 2010. Disponível em <http://www.direitodoestado.com.br>. Acesso em: 17/08/2010.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 21ª ed. São
Paulo: Malheiros, 1996.
__________. Licitações e Contratos Administrativos. 10ª ed. São Paulo:
RT, 1991.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 15ª
ed. São Paulo: Malheiros, 2003.
NIEBUHR, Joel de Menezes. Licitação Pública e Contrato Administrativo. Curitiba: Zênite, 2008.
__________. Princípio da Isonomia na Licitação Pública. Florianópolis:
Obra Jurídica, 2000.
PEREIRA JUNIOR, Jessé Torres. Comentários à Lei das Licitações e
Contratações da Administração Pública. 5ª ed. Rio de Janeiro: Renovar,
2002.
Concessão de serviços públicos
e as Parcerias Público-Privadas (PPP)
Saulo Baqueiro Cerejo
[email protected]. Bacharel em Direito pela Universidade Católica
do Salvador (UCSal). Especialista em Direito Tributário pela Universidade
Federal da Bahia. Especializando em Direito do Estado pela Universidade
Federal da Bahia. Nogueira Reis Advogados (Aliado em Salvador/BA)
INTRODUÇÃO
A sociedade hodierna necessita que o Estado – entendendo-se este como
União, Estados e Municípios – preste-lhe serviços essenciais e indispensáveis à sua manutenção, o que envolve, muita vez, a necessidade de aporte
de recurso de grande vulto, o que impede que o Estado, de per si, preste
este serviços.
Desta forma, para a realização de obras públicas de grande vulto e a
prestação de serviços públicos mais complexos, a Administração Pública
poderá socorrer-se do setor privado para a consecução do interesse público, por meio das Parcerias Público-Privadas, instrumento legal apto à
consecução deste fim, transferindo a incumbência de prestar ou executar
alguns serviços públicos ao setor privado.
A esta transferência da incumbência de prestar um serviço público ou
realizar uma obra público, denomina-se delegação, que se opera por uma
concessão deste mesmo serviço ou obra públicos, sendo a delegação de
prestação de serviço ou obra pública para que terceiro, pessoa jurídica ou
consórcio de empresas, o execute em seu próprio nome, sempre mediante
licitação, por sua conta e risco e por prazo determinado, assegurando-se ao
concessionário uma remuneração, normalmente decorrente da tarifa paga
pelos usuários, sem excluir outras fontes de remuneração indiretas.
Por meio da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, restou estabelecida a possibilidade da Administração Pública firmar parcerias públicoprivadas, que nada mais são que um contrato administrativo de concessão,
Concessão de serviços públicos e as Parcerias...
297
operando-se pela modalidade patrocinada ou administrativa, que envolve,
adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária
do parceiro público ao parceiro privado.
Poderá se configurar a parceria público-privada, ainda, na modalidade
de concessão administrativa, que é contrato de prestação de serviços de
que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que
envolva execução de obra ou fornecimento e instalação de bens, podendo
ter como objeto, desta forma, a prestação de serviço público, como ocorre
com uma concessão comum, ou a prestação de serviços de que a Administração seja a usuária direta ou indireta, que também pode, mas não necessariamente, corresponder a serviço público, institutos cujos traços gerais
serão analisados neste trabalho.
A CONCESSÃO DE SERVIÇO PÚBLICO
Conforme antecipado, a concessão de serviço público é a delegação de
prestação de serviço ou obra pública, feita pelo poder concedente para que
o execute em seu próprio nome, sempre mediante licitação pela modalidade de concorrência, à pessoa jurídica ou consórcio de empresas que
demonstre capacidade para seu desempenho, por sua conta e risco e por
prazo determinado, assegurando ao concessionário uma remuneração por
tarifa paga pelos usuários ou por outras fontes de remuneração indiretas.
Apenas para se apartar a concessão da permissão, esta configura-se também como delegação de execução de serviço público, porém a título precário, mas mediante licitação, da prestação de serviços públicos, feita pelo
poder concedente à pessoa física ou jurídica que demonstre capacidade
para seu desempenho, por sua conta e risco, que possui caráter precário,
sem prazo definido como ocorre com a concorrência.
Somente existirá concessão quando se tratar de serviço de titularidade
do Estado, sempre assim definidos por lei e que permita sejam prestados
por terceiros, pela qual se transfere ao concessionário a execução do serviço, continuando o Estado o titular deste mesmo serviço, o que lhe permite dispor do serviço de acordo com o interesse público, donde decorre
sua principal prerrogativa, qual seja a possibilidade de alterar as cláusulas
regulamentares do contrato ou rescindí-lo por motivo de interesse público. Decorre deste ponto, também, que o poder concedente possui diver-
298
Saulo Baqueiro Cerejo
sas prerrogativas públicas, como a possibilidade de alterar o contrato de
concessão de forma unilateral, a utilização dos institutos de encampação,
intervenção, uso compulsório de recursos humanos e materiais da empresa
concessionária, poder de direção e controle sobre a execução do serviço,
poder sancionatório e poder de decretar a caducidade do contrato, sendo
algumas destas adiante demonstradas.
O concessionário executa o serviço em seu próprio nome e corre os riscos normais da atividade, sujeitando-se a princípios essenciais à prestação
de qualquer serviço público, como os princípios da continuidade, mutabilidade, igualdade dos usuários e prestação de serviço adequado. Pelo
princípio da continuidade, todo serviço público deve ser prestado de forma
contínua, evitando-se quaisquer interrupções, salvo em situação de emergência ou após prévio aviso, quando motivada por razões de ordem técnica
ou de segurança das instalações e, por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
O serviço público prestado pela empresa concessionária deverá ser adequado, entendendo-se como adequado o serviço que satisfaça as condições
de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade – esta
compreendida como a modernidade das técnicas, do equipamento e das
instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço – além da generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das
tarifas. Por sinal, os atributos de generalidade, cortesia e modicidade das
tarifas leva-nos ao princípio da igualdade dos usuários, pelo qual se visa
resguardar o acesso de toda a população que necessite ou queria usufruir
de um serviço público, mediante a fixação de tarifas módicas e a expansão,
sempre que possível, do serviço ofertado.
Visando o melhor meio de atingir o interesse público, o poder concedente poderá alterar unilateralmente o contrato de concessão, mesmo após sua
formalização e iniciada obra pública ou a prestação do serviço público, o
que se denomina mutabilidade. Contudo, deve lhe ser preservado, como
garantia, o equilíbrio econômico do contrato de concessão, o que é realizado por meio da constante atualização do valor da remuneração recebida,
seja a decorrente de tarifas, seja a decorrente de outras fontes de receita,
tais como a possibilidade de aluguel de áreas internas do local da concessão etc. Isto quer dizer que o poder público pode alterar unilateralmente
Concessão de serviços públicos e as Parcerias...
299
o contrato, no tocante a como será prestado o serviço, mas não poderá
alterar o objeto do contrato de concessão, além de assegurar a manutenção
do equilíbrio econômico-financeiro, majorando a tarifa ou compensando
financeiramente o concessionário, na forma do art. 11 da Lei nº 8.987/95,
por meio de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade,
com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, que serão obrigatoriamente consideradas para a aferição do inicial equilíbrio econômico-financeiro
do contrato.
No que tange à extinção da concessão e decorrente de prerrogativa especial do poder público concedente, este pode rescindir o contrato de concessão antes do prazo estabelecido, ao que se denomina encampação, que
é a retomada do serviço pelo ente público quando a concessão revelar-se
contrária ao interesse público, cabendo ao concessionário direito ao ressarcimento dos prejuízos regularmente comprovados, na forma do art. 37
da Lei nº 8.987/95.
Na hipótese de eventual inadimplemento das obrigações contratuais,
o poder público pode também rescindir o contrato de concessão, quando
ocorrerá a denominada caducidade deste contrato e não caberá qualquer
indenização ao concessionário, exceto no que tange à parcela não amortizada do capital, representada pelos equipamentos necessários à prestação
do serviço e que serão revertidos ao poder concedente, sujeitando-se, ainda, às penalidades administrativas cabíveis. São hipóteses de declaração
de caducidade do contrato de concessão: (a) quando o serviço estiver sendo
prestado de forma inadequada ou deficiente, tendo por base as normas,
critérios, indicadores e parâmetros definidores da qualidade do serviço; (b)
quando a concessionária descumprir cláusulas contratuais ou disposições
legais ou regulamentares concernentes à concessão; (c) quando a concessionária paralisar o serviço ou concorrer para tanto, ressalvadas as hipóteses decorrentes de caso fortuito ou força maior; (d) quando a concessionária perder as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter
a adequada prestação do serviço concedido; (e) quando a concessionária
não cumprir as penalidades impostas por infrações, nos devidos prazos;
(f) quando a concessionária não atender a intimação do poder concedente
no sentido de regularizar a prestação do serviço; e (g) quando a concessionária for condenada em sentença transitada em julgado por sonegação de
300
Saulo Baqueiro Cerejo
tributos, inclusive contribuições sociais, todas hipóteses previstas em lei,
precisamente no art. 38, §1º, da Lei nº 8.987/95. Neste ponto é interessante
destacar que a decretação de falência da concessionária acarretará na declaração de caducidade da concessão, pois resume-se que a concessionária
perdeu as condições econômicas, técnicas ou operacionais para manter a
adequada prestação do serviço concedido, mas o pedido de recuperação
judicial, na forma da Lei nº 11.101/05, não produzirá este efeito.
Todavia, esta rescisão não poderá ser efetuada de pronto e de forma
automática; o art. 38, §2º, da Lei nº 8.987/95, exige que a declaração de
caducidade seja previamente verificada da real inadimplência do concessionário em processo administrativo, no qual é assegurado o direito de
ampla defesa, sendo que este processo somente poderá ser instaurado após
a comunicação oficial à concessionária de seu eventual descumprimento
de qualquer obrigação, de forma detalhada, inclusive com a concessão de
prazo para que corrija as supostas falhas. Por fim, urge destacar que, declarada a caducidade, o poder concedente não será responsável em relação
aos encargos, ônus, obrigações ou compromissos com terceiros ou com
empregados da concessionária, limitando a indenização do poder público
à parcela correspondente aos bens reversíveis e ainda não amortizados.
Outro ponto importante que decorre do poder de fiscalizar do poder
público concedente é a possibilidade deste decretar uma intervenção na
empresa concessionária, que não terá caráter de sanção ou punição, mas
de averiguação, a fim de apurar eventuais irregularidades na prestação
do serviço público, assegurar a continuidade do serviço e propor, ao final, medias necessárias e convenientes para este mister. Esta também não
ocorre de forma automática, devendo o interventor, no prazo de trinta dias,
instaurar procedimento administrativo destinado a apurar eventuais irregularidades, no qual a concessionária terá ciência de tudo o que for averiguado e emitir defesa sobre o que for levantando, devendo ser concluído o
procedimento no prazo de cento e oitenta dias, sob pena de considerar-se
inválida a intervenção.
A propósito, interessa notar que o poder concedente, no exercício de sua
prerrogativa de fiscalização, terá acesso aos dados relativos à administração, contabilidade, recursos técnicos, econômicos e financeiros da concessionária, sendo esta fiscalização feita por intermédio de órgão técnico do
Concessão de serviços públicos e as Parcerias...
301
poder concedente ou por entidade com ele conveniada e, periodicamente,
conforme previsto em norma regulamentar, por comissão composta de representantes do poder concedente, da concessionária e dos usuários.
A concessão vincula o concessionário à prestação de serviço público ou
realização de obra pública, podendo-se inferir que, em tese, o contrato
de concessão não poderá ser transferido a terceiro. Entretanto, existem
exceções a esta regra. A primeira diz respeito à possibilidade de subconcessão, na qual uma parte do próprio objeto da concessão é delegada para
outra empresa – subconcessionária, que deverá ser autorizada pelo poder público concedente e está sujeita a nova licitação, por concorrência,
implicando ao subconcessionário a assunção de todos os direitos e obrigações do subconcedente. Outra possibilidade é a subcontratação, que
corresponde à terceirização de serviços ou obras ligados à concessão,
não necessitando de procedimento de licitação, tampouco autorização
do poder concedente. Por fim, tem-se a transferência da concessão, que
significa a entrega do objeto da concessão a outra empresa, sendo necessário apenas a anuência do poder concedente, sob pena de declaração
de caducidade da concessão, e que o pretendente satisfaça os requisitos
de capacidade técnica, idoneidade financeira e regularidade jurídica e
fiscal, necessárias à assunção do serviço, bem como comprometa-se a
cumprir as cláusulas do contrato de concessão que está a assumir, sendo desnecessário novo procedimento de licitação. É salutar destacar que
esta hipótese não se confunde com a transferência do controle societário
da empresa concessionária, eis que não existe alteração desta, sendo necessária apenas prévia autorização do poder concedente e que a aludida
transferência não afete as exigências de capacidade técnica, idoneidade
financeira e regularidade jurídica e fiscal fundamentais para a prestação
do serviço ou conclusão da obra.
Caso seja necessário ao cumprimento do objeto do contrato de concessão, o financiamento por terceiro, existe a possibilidade que o concessionário ofereça como garantia os direitos emergentes da concessão, até o limite
que não comprometa a operacionalização e a continuidade da prestação
do serviço. Todavia, ao oferecer estes direitos, especialmente pecuniários,
decorrentes da concessão, torna-se possível ao agente financiador assumir
o controle da empresa concessionária, para promover sua reestruturação
financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, o que não
302
Saulo Baqueiro Cerejo
alterará as obrigações da concessionária e de seus controladores perante o
poder público concedente. E nos contratos de empréstimo com prazo superior a cinco anos, desde que destinados a investimentos relacionados ao
contrato de concessão, permite-se que a concessionária cedam ao financiador, como garantia, não somente os direitos que eventualmente possuam,
mas futuros créditos operacionais e desde que não afete a continuidade do
serviço público.
À parte da extinção anormal do contrato de concessão, conforme explanado, extingue-se a concessão também por advento do termo contratual,
anulação e falência ou extinção da empresa concessionária, sendo fundamental destacar que a decretação de falência da concessionária acarretará
na declaração de caducidade da concessão, mas o pedido de recuperação
judicial, na forma da Lei nº 11.101/05, não produzirá este efeito. A extinção
da concessão por anulação decorre da verificação posterior, pelo poder
público concedente, de algum vício no procedimento de licitação ou na
feitura do contrato administrativo de concessão e caberá indenização à
empresa concessionária de quaisquer gastos que tenha efetuado, desde que
não tenha dado azo à anulação.
Em qualquer hipótese de extinção, retornam ao poder concedente todos os bens reversíveis, direitos e privilégios transferidos ao concessionário, conforme previsto no edital e estabelecido no contrato, havendo
a imediata assunção do serviço pelo poder concedente, procedendo-se
aos levantamentos, avaliações e liquidações necessários, o que autoriza a ocupação das instalações e a utilização, pelo poder concedente, de
todos os bens reversíveis. Esta reversão no advento do termo contratual
far-se-á com a indenização das parcelas dos investimentos vinculados
a bens reversíveis, ainda não amortizados ou depreciados, que tenham
sido realizados com o objetivo de garantir a continuidade e atualidade do
serviço concedido.
Por fim, urge destacar que a responsabilidade por eventuais danos causados a terceiros, em decorrência da execução do serviço público, especialmente a usuários do serviço, é objetiva, tornado-a independente de
culpa e serão suportados pela concessionária, que somente se eximirá se
demonstrar a ausência do dano ou a falta de ligação causal entre o dano
sofrido por terceiro e qualquer ato ou omissão sua.
Concessão de serviços públicos e as Parcerias...
303
AS PARCERIAS PÚBLICO-PRIVADAS
Por meio da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, restou estabelecida a possibilidade da Administração Pública firmar parceria públicoprivada, que nada mais é que um contrato administrativo de concessão,
operando-se pela modalidade patrocinada ou administrativa.
A parceria público-privada na modalidade de concessão patrocinada é a
concessão de serviços públicos ou de obras públicas de que trata a Lei nº
8.987/95, quando envolver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários,
contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Por
sua vez, a parceria pela modalidade de concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva execução de obra ou fornecimento
e instalação de bens, podendo ter como objeto, desta forma, a prestação de
serviço público, como ocorre com uma concessão comum, ou a prestação
de serviços de que a Administração seja a usuária direta ou indireta, que
também pode, mas não necessariamente, corresponder a serviço público.
Pode-se dizer que a concessão administrativa constitui-se a um só tempo
em empreitada, eis que o serviço, ainda que prestado a terceiros, é remunerado pela própria administração pública e de concessão de serviço público,
uma vez que o serviço prestado sujeita-se à muitas normas previstas para
a concessão comum.
E não é todo contrato de prestação de serviço público ou de construção
de obra pública que será possível fazer-se uma parceria público-privada,
eis que a Lei nº 11.079, em seu art. 4º, vedou a celebração da parceria para
contratos: (a) cujo valor do contrato seja inferior a R$ 20.000.000,00 (vinte
milhões de reais); (b) cujo período de prestação do serviço seja inferior a 5
(cinco) anos; ou (c) que tenha como objeto único o fornecimento de mãode-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de
obra pública.
Um traço marcante da distinção entre as duas modalidades de parceria
público-privada é que na concessão patrocinada, a remuneração do parceiro privado (concessionária) compreende a tarifa do usuário e contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado, ao tempo
em que a remuneração do parceiro privado, na concessão administrativa,
decorre exclusivamente da contraprestação pecuniária advinda do parcei-
304
Saulo Baqueiro Cerejo
ro público. Esta contraprestação da Administração Pública nos contratos
de parceria público-privada poderá ser feita por: ordem bancária; cessão
de créditos não tributários; outorga de direitos em face da Administração
Pública; outorga de direitos sobre bens públicos dominicais e outros meios
admitidos em lei, podendo o contrato prever o pagamento ao parceiro privado de remuneração variável vinculada ao seu desempenho, conforme
metas e padrões de qualidade e disponibilidade.
A concessão patrocinada possui um regime jurídico parcialmente distinto do previsto à da concessão de serviço comum, especialmente pela
previsão de remuneração do parceiro privado pelo parceiro público. Outra
distinção fundamental é referente quanto à obrigatoriedade de constituição de sociedade de propósito específico para implantar e gerir o objeto
da parceria, que poderá assumir a forma de companhia aberta, com valores mobiliários admitidos a negociação no mercado e obedecer a padrões
de governança corporativa, além de adotar contabilidade e demonstrações
financeiras padronizadas. É importante destacar que é vedado à Administração Pública ser titular da maioria do capital votante destas sociedades,
exceto à eventual aquisição da maioria do capital votante da sociedade de
propósito específico por instituição financeira controlada pelo Poder Público em caso de inadimplemento de contratos de financiamento. Porém, toda
e qualquer transferência do controle da sociedade de propósito específico
estará condicionada à autorização expressa da Administração Pública, nos
termos do edital e do contrato.
Na concessão patrocinada, diferentemente da concessão comum, as
obrigações pecuniárias contraídas pela Administração Pública em contrato de parceria público-privada poderão ser garantidas: (a) mediante a vinculação de receitas, salvo as decorrentes de impostos; (b) por instituição ou
utilização de fundos especiais previstos em lei; (c) por contratação de seguro-garantia com as companhias seguradoras que não sejam controladas
pelo Poder Público; (d) garantia prestada por organismos internacionais ou
instituições financeiras que não sejam controladas pelo Poder Público; (e)
garantias prestadas por fundo garantidor ou empresa estatal criada para
essa finalidade ou por (f) outros mecanismos admitidos em lei.
Outro aspecto marcante da concessão patrocinada é o compartilhamento de riscos e ganhos econômicos efetivos do parceiro privado, decorrentes
Concessão de serviços públicos e as Parcerias...
305
da redução do risco de crédito dos financiamentos utilizados pelo parceiro
privado.
Na contratação de parceria público-privada, serão ainda observadas as
seguintes diretrizes: (a) eficiência no cumprimento das missões de Estado
e no emprego dos recursos da sociedade; (b) respeito aos interesses e direitos dos destinatários dos serviços e dos entes privados incumbidos da
sua execução; (c) indelegabilidade das funções de regulação, jurisdicional,
do exercício do poder de polícia e de outras atividades exclusivas do Estado; (d) responsabilidade fiscal na celebração e execução das parcerias;
(e) transparência dos procedimentos e das decisões e (f) sustentabilidade
financeira e vantagens socioeconômicas dos projetos de parceria.
As cláusulas dos contratos de parceria público-privada deverão prever o
prazo de vigência do contrato, compatível com a amortização dos investimentos realizados, não inferior a 5 (cinco), nem superior a 35 (trinta e cinco) anos, incluindo eventual prorrogação, além das penalidades aplicáveis
à Administração Pública e ao parceiro privado em caso de inadimplemento contratual, fixadas sempre de forma proporcional à gravidade da falta
cometida e às obrigações assumidas.
Deverão constar no contrato de concessão, ainda, as formas de remuneração e de atualização dos valores contratuais, baseadas em índices e fórmulas matemáticas, quando houver, que serão aplicadas sem necessidade
de homologação pela Administração Pública, exceto se esta publicar, na
imprensa oficial, onde houver, até o prazo de 15 (quinze) dias após apresentação da fatura, razões fundamentadas para a rejeição da atualização; os
mecanismos para a preservação da atualidade da prestação dos serviços;
os fatos que caracterizem a inadimplência pecuniária do parceiro público,
os modos e o prazo de regularização e, quando houver, a forma de acionamento da garantia; os critérios objetivos de avaliação do desempenho
do parceiro privado; a prestação, pelo parceiro privado, de garantias de
execução suficientes e compatíveis com os ônus e riscos envolvidos e a
realização de vistoria dos bens reversíveis, podendo o parceiro público
reter os pagamentos ao parceiro privado, no valor necessário para reparar
as irregularidades eventualmente detectadas.
No tocante às garantias dos financiadores, os contratos poderão prever,
adicionalmente, os requisitos e condições em que o parceiro público auto-
306
Saulo Baqueiro Cerejo
rizará a transferência do controle da sociedade de propósito específico para
os seus financiadores, com o objetivo de promover a sua reestruturação
financeira e assegurar a continuidade da prestação dos serviços, bem como
a possibilidade de emissão de empenho em nome dos financiadores do
projeto em relação às obrigações pecuniárias da Administração Pública e
a legitimidade dos financiadores do projeto para receber indenizações por
extinção antecipada do contrato, bem como pagamentos efetuados pelos
fundos e empresas estatais garantidores de parcerias público-privadas.
Por meio do Decreto nº 5.385, de 2005, a União Federal criou o Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal - CGP, nos termos do art.
14 da Lei nº 11.079, de 30 de dezembro de 2004, que é integrado por um
representante, titular e suplente, dos seguintes órgãos: I - Ministério do
Planejamento, Orçamento e Gestão, que o coordenará; II - Ministério da
Fazenda; III - Casa Civil da Presidência da República, cabendo ao Ministro de Estado do Planejamento, Orçamento e Gestão designar os membros
do CGP, indicados pelos titulares dos órgãos referidos neste artigo.
O Comitê Gestor de Parceria Público-Privada Federal possui competência para: definir os serviços prioritários para execução no regime de parceria público-privada; disciplinar os procedimentos para celebração desses
contratos; autorizar a abertura da licitação e aprovar seu edital e apreciar
os relatórios de execução dos contratos.
O início de qualquer projeto de parceria público-privada competirá aos
Ministérios e às Agências Reguladoras, nas suas respectivas áreas de competência, submetendo o edital de licitação ao referido órgão gestor e, posteriormente, proceder à licitação, acompanhando e fiscalizando os contratos de parceria público-privada.
A Lei nº 11.079 trouxe ainda a autorização para que a União, suas
autarquias e fundações públicas participem, no limite global de R$
6.000.000.000,00 (seis bilhões de reais), em Fundo Garantidor de Parcerias Público-Privadas – FGP, que terá por finalidade prestar garantia de
pagamento de obrigações pecuniárias assumidas pelos parceiros públicos
federais. Este fundo terá natureza privada e patrimônio próprio, separado
do patrimônio dos cotistas, sendo sujeito a direitos e obrigações próprios.
A integralização das cotas do fundo poderá ser realizada em dinheiro,
títulos da dívida pública, bens imóveis dominicais, bens móveis, inclusive
Concessão de serviços públicos e as Parcerias...
307
ações de sociedade de economia mista federal excedentes ao necessário
para manutenção de seu controle pela União, ou outros direitos com valor
patrimonial e será feita independentemente de licitação, mediante prévia
avaliação e autorização específica do Presidente da República, por proposta do Ministro da Fazenda.
O FGP será criado, administrado, gerido e representado judicial e extrajudicialmente por instituição financeira controlada, direta ou indiretamente,
pela União e seu estatuto, bem como seu regulamento, serão aprovados em
assembléia dos cotistas. As garantias do FGP serão prestadas proporcionalmente ao valor da participação de cada cotista, sendo vedada a concessão de
garantia cujo valor presente líquido, somado ao das garantias anteriormente
prestadas e demais obrigações, supere o ativo total do FGP, nas seguintes
modalidades: fiança, sem benefício de ordem para o fiador; penhor de bens
móveis ou de direitos integrantes do patrimônio do FGP, sem transferência
da posse da coisa empenhada antes da execução da garantia; hipoteca de
bens imóveis do patrimônio do FGP; alienação fiduciária, permanecendo a
posse direta dos bens com o FGP ou com agente fiduciário por ele contratado antes da execução da garantia; outros contratos que produzam efeito de
garantia, desde que não transfiram a titularidade ou posse direta dos bens
ao parceiro privado antes da execução da garantia; garantia, real ou pessoal,
vinculada a um patrimônio de afetação constituído em decorrência da separação de bens e direitos pertencentes ao FGP.
O FGP poderá ainda prestar contra-garantias a seguradoras, instituições
financeiras e organismos internacionais que garantirem o cumprimento
das obrigações pecuniárias dos cotistas em contratos de parceria públicoprivadas.
A quitação pelo parceiro público de cada parcela de débito garantido
pelo FGP importará exoneração proporcional da garantia e no caso de crédito líquido e certo, constante de título exigível aceito e não pago pelo parceiro público, a garantia poderá ser acionada pelo parceiro privado a partir
do 45o (quadragésimo quinto) dia do seu vencimento.
O parceiro privado poderá ainda acionar a garantia relativa a débitos
constantes de faturas emitidas e ainda não aceitas pelo parceiro público,
desde que, transcorridos mais de 90 (noventa) dias de seu vencimento, não
tenha havido sua rejeição expressa por ato motivado.
308
Saulo Baqueiro Cerejo
É importante notar que o FGP não pagará rendimentos a seus cotistas,
assegurando-se a qualquer deles o direito de requerer o resgate total ou
parcial de suas cotas, correspondente ao patrimônio ainda não utilizado
para a concessão de garantias, fazendo-se a liquidação com base na situação patrimonial do Fundo.
A dissolução do FGP, deliberada pela assembléia dos cotistas, ficará
condicionada à prévia quitação da totalidade dos débitos garantidos ou
liberação das garantias pelos credores e uma vez dissolvido o FGP, o seu
patrimônio será rateado entre os cotistas, com base na situação patrimonial à data da dissolução.
Por fim, urge destacar que a União somente poderá contratar parceria
público-privada quando a soma das despesas de caráter continuado derivadas do conjunto das parcerias já contratadas não tiver excedido, no ano
anterior, a 1% (um por cento) da receita corrente líquida do exercício, e as
despesas anuais dos contratos vigentes, nos 10 (dez) anos subsequentes,
não excedam a 1% (um por cento) da receita corrente líquida projetada
para os respectivos exercícios.
CONCLUSÃO
Conforme visto, a sociedade hodierna necessita que o Estado preste-lhe
serviços essenciais e indispensáveis à sua manutenção, tais como serviços de segurança e saúde pública. A prestação destes serviços públicos
pelo Estado pode ser feita diretamente por este ou pode-se transferir a
incumbência de prestar ou executar alguns serviços públicos a terceiros,
visando o melhor atendimento à população e a entrega de serviço público
adequado.
Neste sentido, para a realização de obras públicas de grande vulto e a
prestação de serviços públicos mais complexos, a Administração Pública
poderá socorrer-se do setor privado para a consecução do interesse público, configurado na entrega duma obra ou serviço adequado e especializado à população, satisfazendo-a plenamente.
E quando a obra ou serviço público importar na necessidade de mobilização de capital vultuoso, existe a possibilidade de ser firmada uma parceria público-privada, excelente meio para conseguir o mister pretendido
Concessão de serviços públicos e as Parcerias...
309
pela Administração Pública – a consecução do interesse público, por meio
da entrega de serviço adequado à população e a construção de obra pública
de acordo com padrões internacionais de qualidade, tanto que a própria lei
que instituiu e regulou as PPP, somente permite sua utilização quando o
valor do contrato seja superior a R$ 20.000.000,00 (vinte milhões de reais)
e o período de prestação do serviço não seja inferior a 5 (cinco) anos, desde
que não tenha como objeto único o fornecimento de mão-de-obra, o fornecimento e instalação de equipamentos ou a execução de obra pública.
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS
RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL
Mário Roberto Pereira de Araújo
[email protected] Advogado na área empresarial com
ênfase no Direito do Consumidor; Professor de Direito do Consumidor na
Graduação e na Pós-Graduação; Palestrante em Congressos e Seminários na
área do Direito do Consumidor; Titular do escritório Mário Roberto Pereira
de Araújo – Sociedade de Advogados (Aliado em Teresina/PI)
1. INTRODUÇÃO
O direito consumerista brasileiro é relativamente recente, tendo surgido
tardiamente em relação ao dos países de primeiro mundo. Até o início da
década de 90 não existia um diploma específico sobre a matéria, e as relações de consumo eram reguladas pelos Códigos Civil, Comercial e por
leis esparsas.
Contudo, em 1990 foi elaborado o Código de Defesa do Consumidor
– CDC, um evoluído sistema de proteção ao consumidor, que é um verdadeiro microssistema-jurídico. O CDC aborda diversas facetas das relações
de consumo, desde a criação de órgãos de proteção ao consumidor, até a
responsabilização civil, administrativa e penal de fornecedores que descumprirem as normas de consumo.
De fato, a própria Constituição Brasileira alçou a defesa do consumidor
à condição de princípio basilar da Ordem Econômica ao inseri-la no rol do
art. 270. Também a elevou à categoria de direito fundamental da pessoa
humana, ao determinar, no art. 5º, que é dever do Estado Brasileiro promover, na forma da lei, a defesa do consumidor.
Todo o protecionismo da legislação consumerista brasileira parte do
princípio de que o consumidor é a parte vulnerável da relação, visto seu
desconhecimento técnico do produto e sua absoluta falta de controle sobre
estes quando são postos no mercado. Dentre os aspectos mais vulneráveis
do consumidor estão: a sujeição à publicidade enganosa e abusiva; a sub-
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL
311
missão às cláusulas impostas pelo fornecedor no contrato de adesão; e a
possibilidade de ocorrência de vícios e defeitos do produto ou serviço, que
podem inclusive lhe acarretar danos.
Diante de tal desequilíbrio entre consumidor e fornecedor, é necessária a criação de regras mais benéficas ao primeiro, de forma a garantir a
igualdade de forças entre as partes. Também se faz importante a presença
do Estado Brasileiro no mercado de consumo para regular e fiscalizar a
qualidade e segurança dos produtos e serviços disponibilizados.
Pelo princípio da Ação Governamental é dever do Estado promover a
defesa do consumidor, inclusive facilitando seu acesso ao poder judiciário. Assim, além da previsão de normas de direito material, que regem de
forma geral o instituto das relações de consumo, há também a previsão de
vários mecanismos que garantem efetivamente esta tutela.
Como exemplos de instrumentos utilizados pelo Poder Público atualmente na promoção da defesa do consumidor estão a manutenção de assistência jurídica, integral e gratuita para o consumidor carente e a instituição de Promotorias de Justiça de Defesa do Consumidor, no âmbito do
Ministério Público. No último caso, a criação dos PROCONS se revelou
um enorme sucesso na efetivação dos direitos consumeristas.
Os PROCONS são órgãos do Ministério Público especializados na defesa e proteção do consumidor. Atuam em diversas frentes: orientação e
educação dos consumidores quantos aos seus direitos e deveres; fiscalização de eventuais violações de normas administrativas; e legitimação para
a propositura de ações coletivas em matéria de consumo.
É fato que o CDC oferece uma gama de vantagens ao consumidor, mas
assim o faz apenas por causa da vulnerabilidade daquele. Por isso, a aplicação das normas do aludido diploma estão necessariamente adstritas a
este tipo de relação contratual, em que uma parte está necessariamente em
desvantagem em relação a outra. O Código de Defesa do Consumidor só
será aplicado, portanto, em se tratando de relação de consumo.
2. CARACTERIZAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO
Relação de consumo é exclusivamente aquela desenvolvida entre um
consumidor e um fornecedor, consistente na comercialização de produtos
312
Mário Roberto Pereira de Araújo
e serviços. É necessário, portanto, caracterizar e tecer breves comentários
acerca do que seja consumidor, fornecedor, produtos e serviços.
Segundo o art.2º, do CDC, “consumidor é toda pessoa física ou jurídica
que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”. Assim,
não é considerado consumidor aquele que adquire ou utiliza produto para
revender, transformar ou incorporar.
Também se discute se podem ser considerados consumidores aqueles
que adquirem o produto ou serviço para fins profissionais. Neste caso, três
critérios são adotados para se verificar a destinação final do produto:
1) Deve haver o desconhecimento do mecanismo de produção e funcionamento do produto por quem o adquiriu. Este critério frisa a
importância do conceito de vulnerabilidade para definir quem é consumidor.
2) O produto deve estar disponível para a aquisição do público em geral. Assim, não se poderia considerar que uma fábrica de aviões fosse consumidora de uma mineradora, pois os minérios em seu estado
bruto não estão disponíveis para a massa.
3) O produto não deve ser utilizado diretamente na atividade-fim de
quem os adquiriu. Desta forma, não haveria relação de consumo entre uma companhia de táxis e uma revendedora de automóveis.
Em relação à possibilidade das pessoas jurídicas figurarem como consumidoras, é necessário interpretar este dispositivo de acordo com o princípio da vulnerabilidade do consumidor e a conseqüente desvantagem deste
na relação.
Assim, como explica José Reinaldo de Lima Lopes (1992:78-79), é possível que uma pessoa jurídica seja consumidora em relação à outra, mas se
faz necessário a presença de dois requisitos: primeiro, os bens adquiridos
devem ser bens de consumo, e não de capital; segundo, deve haver entre
fornecedor e consumidor um desequilíbrio que favoreça o primeiro.
Portanto, em uma relação contratual estabelecida entre pessoas jurídicas
em que não haja uma posição de desvantagem de uma em relação à outra,
o CDC não deverá ser utilizado, e as regras a serem observadas são as
constantes do Código Civil ou Comercial.
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL
313
Além disso, o CDC ainda estendeu o conceito de consumidor para além
daquele que utiliza o produto ou serviço, prevendo casos de equiparação.
Para fins de responsabilização por danos provocados por defeito do produto ou serviço, são considerados consumidores todas as vítimas do evento. Da mesma forma, em se tratando de publicidade enganosa ou abusiva,
toda pessoa que possa ser atingida pelo anúncio é legitimada como parte
na relação de consumo. Por último, são ainda consideradas consumidoras
todas as pessoas expostas à produtos e serviços que possam provocar risco
à segurança e saúde.
Os dois últimos casos prevêem a coletividade indeterminada como consumidora. Na prática, isto significa que, nestes casos, o Ministério Público
está legitimado a ajuizar uma ação contra os fornecedores em nome de
toda a sociedade, mesmo que não chegue ao seu conhecimento a identidade de alguém que realmente se sentiu ofendido.
Desta forma, o Código Consumerista protege não apenas o consumidor
individual, mas também os direitos difusos e transindividuais da sociedade coletiva.
O fornecedor, por sua vez, pode ser pessoa física ou jurídica, pública ou
privada, nacional ou estrangeira e entes despersonalizados, que integre a
linha de fornecimento do produto ou serviço, desde a produção até a etapa
final de comercialização. Pode ser, portanto, tanto o fornecedor da matéria-prima, quanto o comerciante do produto final.
O consumidor pode demandar em juízo qualquer um e todos os fornecedores, pois a responsabilização solidária é imprescindível para a efetiva
proteção do consumidor.
Como objeto da relação de consumo estão os produtos e serviços. Os
produtos podem ser móveis ou imóveis, materiais ou imateriais. Já serviços são quaisquer atividades oferecidas no mercado de consumo mediante
remuneração, com exceção das de natureza trabalhista.
Importante ressaltar que a remuneração ao qual se refere o conceito
anterior não é apenas pagamento em dinheiro. A remuneração pode ser
indireta, ou estar embutida no preço do produto. Desta forma, eventuais
serviços gratuitos tais como estacionamento, amostras e manobristas submetem-se às regras do CDC.
314
Mário Roberto Pereira de Araújo
3. RESPONSABILIDADE DO FORNECEDOR
Sobre o instituto da responsabilidade civil, o Código Consumerista
mais uma vez demonstrou a preocupação em proteger o consumidor dos
possíveis danos provocados por defeito do produto ou serviço.
Em se tratando de relação de consumo, a responsabilidade do fornecedor é objetiva, ou seja, este terá o dever de indenizar o consumidor pelos
danos provocados por seus produtos ou serviços, independentemente da
existência de culpa. Esta culpa abrange tanto os conceitos de dolo, quanto
os de negligência, imperícia e imprudência.
O instituto da responsabilidade objetiva se revelou um grande avanço no
direito consumerista. Antes, a responsabilização do fornecedor se apurava
mediante a comprovação de culpa, mas tal comprovação, no campo processual, era extremamente difícil. O consumidor, como parte vulnerável,
tinha acesso restrito às provas, e muitas vezes, estas nem existiam mais.
Na prática, dificilmente o fornecedor era responsabilizado.
Atualmente, como a culpa não é mais um dos elementos necessários
para a responsabilização do fornecedor, basta que o consumidor comprove
que adquiriu o produto ou serviço, e que sofreu um dano em decorrência
deste, para ter garantido o seu direito à indenização.
Ressalte-se que, ainda assim, o consumidor tem o dever de provar os
fatos que alega. O que não será necessário é demonstrar que o fornecedor
agiu com negligência, imprudência ou imperícia.
O fornecedor, contudo, pode se eximir da responsabilidade se conseguir
comprovar: a culpa exclusiva do consumidor ou de terceiro; que não colocou o produto no mercado; que, tendo colocado, o defeito inexiste. Ainda
assim, cabe ao fornecedor provar estas eximentes de responsabilidade.
Também é importante frizar que o CDC não contempla o caso fortuito
e a força maior neste rol. Os prejuízos advindos nestes dois casos deverão
ser suportados pelo fornecedor.
Ainda sobre a responsabilidade do fornecedor, vale ressaltar a existência
de uma exceção. A culpa dos profissionais liberais é subjetiva, e não objetiva. Neste caso, é necessária a verificação de culpa para que haja o dever
de indenizar.
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL
315
Como dito anteriormente, a regra é a solidariedade de fornecedores na
responsabilização civil. Desta forma, respondem conjuntamente pelos danos o fabricante, o produtor, o construtor, nacional ou estrangeiro, e o importador.
O comerciante, entretanto, não responde de forma solidária pelos defeitos do produto. Ele só irá ser responsabilizado se algum outro fornecedor
não puder ser identificado ou se não tiver conservado adequadamente os
produtos perecíveis.
Em qualquer caso, os fornecedores têm a possibilidade de ingressar posteriormente em juízo uns contra os outros para o ressarcimento de prejuízos, via Ação Regressiva. É óbvio, contudo, que as leis utilizadas para
resolver o litígio serão as do Código Civil, e não do consumidor.
Além da imputação da responsabilidade objetiva aos fornecedores, o
CDC ainda trouxe mais uma inovação no campo processual da defesa do
consumidor: a inversão do ônus da prova.
Em regra, no direito brasileiro, a prova dos fatos cabe a quem os alega.
Assim, o autor deve provar a veracidade de suas alegações.
Contudo, a legislação consumerista trouxe a possibilidade inversão do
ônus da prova. Basicamente, o consumidor não precisará provar o que alega. Cabe ao fornecedor demonstrar o contrário. Se este não conseguir, então se presumirá como verdadeiros os fatos alegados por aquele.
Por privilegiar o consumidor ao extremo, a inversão do ônus da prova
não é regra. O juiz poderá deferi-la ante a existência de algum dos dois
requisitos: a hipossuficiência do consumidor e a verossimilhança das alegações.
O consumidor hipossuficiente é aquele que tem a sua condição de vulnerabilidade agravada por questões de ordem econômica ou intelectual. É
o consumidor de baixa renda, que não teve acesso a uma educação privilegiada, e, portanto, é ainda mais indefeso que os consumidores médios.
Todos os consumidores são vulneráveis, mas só os mais desfavorecidos
são também hipossuficientes.
Para satisfazer o requisito da verossimilhança, é necessário que da narração dos fatos o juiz se convença que há uma grande probabilidade de
existência do direito.
316
Mário Roberto Pereira de Araújo
A inversão do ônus da prova só será regra em se tratando de informação publicitária. Neste caso, sempre caberá ao patrocinador da campanha
provar a veracidade da informação veiculada. Por esta razão, os fornecedores são obrigados a guardar os dados fáticos, técnicos e científicos da
propaganda.
Na esteira do protecionismo, o CDC não poderia deixar de prever também o instituto da desconsideração da personalidade jurídica da empresa
para fins de reparação de danos causados ao consumidor.
As pessoas jurídicas têm personalidade própria, dissociada das de seus
diretores e representantes. Por isso, a regra no direito brasileiro é que o
patrimônio dos sócios não pode ser alcançado para satisfazer as obrigações
da pessoa jurídica.
Uma vez que esta impossibilidade de se atingir o patrimônio dos sócios
prejudicava a satisfação dos direitos dos consumidores, o CDC previu a
possibilidade de desconsiderar a personalidade jurídica, e responsabilizar
diretamente os sócios.
O Código do Consumidor, no art.28, elencou várias situações em que o
juiz deverá tomar tal atitude. Como exemplos, há o estado de falência e de
insolvência, o abuso de direito e o excesso de poder.
Mas é no §5º, do mencionado artigo, que o Código praticamente
determina que sempre irá ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica. Aduz o referido parágrafo que “também poderá ser
desconsiderada a pessoa jurídica sempre que a sua personalidade for,
de alguma forma, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados
aos consumidores”.
De fato, o Código do Consumidor foi por demasiado severo com os fornecedores ao transformar em regra o que deveria ser exceção.
4. PROTEÇÃO CONTRATUAL
Um dos princípios basilares do direito civil é o que reconhece que o
contrato faz lei entre as partes. Este princípio está muito ligado ao da autonomia da vontade. Conjugando ambos, temos que as partes são livres para
contratar nos termos que desejarem e estes termos deverão ser respeitados
como se fossem leis.
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL
317
Contudo, a sociedade está em constante evolução, e o fornecimento de
serviços e produtos em massa exige agilidade no momento de contratar.
Neste aspecto, os contratos de adesão oferecem a rapidez e organização
que os fornecedores necessitam no ato da contratação, mas prejudicam o
direito do consumidor de conhecer plenamente as cláusulas obrigacionais
e de modificá-las quando não se agrada.
Levando em consideração esta nova situação no direito obrigacional,
em que a parte contraente pode não perceber inteiramente as implicações
do contrato que está firmando, o CDC estabeleceu alguns princípios para
proteger os consumidores no campo contratual.
Um dos princípios diz respeito à interpretação do contrato. Esta deve ser
feita sempre da forma mais favorável ao consumidor. O outro trata sobre a
possibilidade de mudança das cláusulas contratuais.
Este último princípio relativiza a autonomia da vontade, sendo possível,
em vários casos, a anulação pelo juiz de cláusulas que estabeleçam obrigações desproporcionais e onerosas ao consumidor, tais como a incidência de
juros muito elevados. Esta obrigação onerosa pode ser, inclusive, oriunda
de um fato superveniente.
Além disto, o consumidor só estará obrigado em relação às cláusulas
perfeitamente compreensíveis e legíveis. Um contrato redigido de forma
a dificultar a compreensão do consumidor poderá ser inteira ou parcialmente anulado ou modificado. Quanto às cláusulas limitadoras de direitos,
estas precisam ser grafadas em destaque para obrigar o consumidor ao seu
cumprimento.
5. PUBLICIDADE
A publicidade representa o principal fator de estímulo ao consumo na sociedade, por isso há uma rigorosa regulamentação desta no ordenamento brasileiro, como forma de proteger a sociedade de anúncios enganosos ou abusivos.
O princípio basilar da publicidade no ordenamento brasileiro é do da
Ética, estando inclusive previsto na Constituição Federal, no art.37 e 221,
inciso IV.
A propaganda de acordo com a ética é aquela de conteúdo verdadeiro e
claro o suficiente para não induzir o consumidor em erro. Desta forma, não
318
Mário Roberto Pereira de Araújo
são admitidos anúncios com conteúdo ambíguo, discriminatório, ou que
sejam, de qualquer forma, ofensivos à moral social.
A publicidade enganosa ou abusiva sofre sanções de ordem administrativa e penal. Administrativamente, a sanção mais gravosa é a imposição de
uma contra-propaganda, que deve ser divulgada da mesma forma, freqüência e dimensão do anúncio abusivo, como forma de remediar o malefício
causado. No campo penal, as sanções sempre cumulam detenção e multa.
Outro aspecto relevante sobre a publicidade é a sua natureza contratual.
A partir do momento em que o fornecedor veicula uma oferta, está obrigado a cumpri-la nos exatos moldes divulgados.
Inclusive, já houve casos em que um anúncio impresso de forma errada,
em que o produto deveria custar, por exemplo, R$100,00, mas foi divulgado como custando R$1,00, obrigou o fornecedor a vendê-lo pelo preço
mais barato divulgado.
6. AÇÕES COLETIVAS
Anteriormente, mencionamos que o CDC, além de proteger o consumidor individual, protege também os interesses da coletividade. Explica-se.
Algumas vezes, o produto ou serviço colocado no mercado causa danos a vários consumidores indeterminados, não sendo possível precisar
exatamente todas as vítimas do evento. É o que ocorre, por exemplo, com
medicamentos nocivos à saúdes disponibilizado em várias redes de farmácia, ou então com serviços de telefonia em que as taxas cobradas são
consideradas abusivas.
Nestes casos, o Código do Consumidor previu, no art.82, a possibilidade
de pessoas legalmente legitimadas ajuizarem uma ação coletiva em nome
de todas as possíveis vítimas do evento. São legitimados, dentre outros, o
Ministério Público e as associações de defesa do consumidor.
A ação coletiva apresenta algumas vantagens em relação à ação individual. Juntos, os consumidores são mais fortes, pois há a conjugação de
provas e uma maior visibilidade política, além da diminuição dos custos
individuais. Em relação ao judiciário, há uma economia de tempo e a uniformização das decisões.
ASPECTOS GERAIS DO DIREITO DAS RELAÇÕES DE CONSUMO NO BRASIL
319
A ação coletiva pode trazer o nome de algumas das vítimas do evento,
mas este rol não é taxativo. Assim, outras pessoas que não tenham figurado na ação, mas que também tenham sofrido danos pelo mesmo fato,
podem posteriormente ser inclusos no rol de consumidores aptos a serem
indenizados.
Diante desta impossibilidade de se precisar todos os litigantes da ação,
a sentença procedente da ação coletiva estabelece apenas uma condenação
genérica do fornecedor. Isto significa que este terá a obrigação de indenizar
todos os consumidores vítimas do evento, mas o valor desta indenização
para cada indivíduo será estipulado posteriormente, conforme a extensão
do dano sofrido no caso concreto.
6. CONCLUSÃO
Como demonstrado, a defesa do consumidor está salvaguardada pela
Constituição, e, portanto, a legislação específica tem a clara finalidade de
proteger os interesses destes, criando regras e mecanismos que o beneficiem na relação do consumo.
O Código de Defesa do Consumidor forneceu os meios necessários para
que o consumidor se tornasse mais consciente dos seus direitos. Assim,
cresce o ingresso ao judiciário para responsabilizar os fornecedores por
danos provocados por seus produtos e serviços, ao mesmo tempo em que
há uma incessante procura pelos de maior qualidade.
Como conseqüência desta nova atitude do consumidor, os fornecedores
precisaram se adequar às novas exigências da lei, condicionando as suas
práticas comerciais aos princípios éticos e da boa-fé, tornando, inclusive, a
concorrência mais saudável e leal. Além disto, os fornecedores nacionais
agora têm mais chances de competir no mercado externo, pois estão adequados aos altos padrões de exigência internacional.
Por fim, a prosperidade do mercado de consumo fortalece a economia
nacional, pois esta gira em torno basicamente da produção e comercialização de bens e serviços. É uma regra básica: consumidores satisfeitos
tendem a consumir mais.
Assim, apesar de à primeira vista parecer que a legislação consumerista
brasileira favorece apenas o consumidor, uma análise mais profunda revela
320
Mário Roberto Pereira de Araújo
que há uma melhora nas relações de consumo como um todo, beneficiando todos os envolvidos: consumidores, fornecedores e a própria economia do país.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESA – Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. Guia Legal
para o Investidor Estrangeiro no Brasil, 8 ed., Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, São Paulo, 2006
FILOMENO, José Geraldo Brito. Manual de Direitos do Consumidor, 9
ed., Atlas, São Paulo, 2007
NUNES, Luis Antonio Rizzatto. Comentários ao Código de Defesa do
Consumidor, Saraiva, 2000
GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direito do Consumidor, Impetus, Niterói – RJ, 2008.
A Arbitragem no Brasil
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
[email protected]. Pós-graduada em Direito de Empresa pelo Instituto de
Educação Continuada PUC/MG. Mestre em Ciências Jurídico-Políticas pela
Universidade Clássica de Lisboa. Sócia do Tostes & Coimbra Advogados
1.Introdução
A arbitragem é uma exceção ao monopólio estatal da jurisdição. Nádia de Araujo define a arbitragem , como “um meio jurídico de solução
de controvérsias, presentes ou futuras, baseado na vontade das partes
envolvidas, as quais elegem por si mesmas e diretamente, ou através de
mecanismos por elas determinados, árbitros para serem os juízes da controvérsia, confiando-lhe a missão de decidir de forma obrigatória o litígio
através da prolação de um laudo arbitral”.
Esse método, que subtrai dos tribunais do Estado a decisão sobre determinados conflitos, tem sido cada vez mais utilizado em âmbito internacional, majoritariamente em disputas oriundas de transações comerciais,
seguidas de conflitos nas áreas de construção, propriedade intelectual e
joint ventures, conforme dados da PriceWaterHouseCoopers.
Estudo recente, elaborado pela White & Case em 2010, demonstra que
81% (oitenta e um por cento) das empresas pesquisadas possuem a política
ARAÚJO, Nádia de. A nova Lei de Arbitragem Brasileira e os princípios uniformes dos contratos comerciais internacionais, elaborados pelo UNIDROIT. In
CASELLA, Paulo Borba (Coord). Arbitragem – A Nova Lei Brasileira e a Praxe
Internacional. 2º Ed. São Paulo: LTr, 1999, p.91.
WHITE & CASE. International arbitration: corporate attitudes and practices, 2010.
Disponível em <http://www.whitecase.com/files/upload/fileRepository/2010-International-Arbitration-Survey-Choices-International-Arbitration.PDF>. Acesso
em 04 de maio de 2011.
322
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
interna de adotar, em seus contratos internacionais, cláusula que remete eventuais conflitos aoo tribunal arbitral no lugar do Poder Judiciário
local/nacional. Além disso, 86% (oitenta e seis por cento) das empresas
estão satisfeitas com as arbitragens internacionais, segundo pesquisa da
PriceWaterHouseCoopers desenvolvida em 2008.
No Brasil, a arbitragem tem se consolidado como caminho inovador
para a solução de disputas de forma rápida e eficaz, notadamente nos contratos internacionais. A prática da solução arbitral tem crescido de maneira
vigorosa desde a promulgação da Lei Brasileira da Arbitragem, em 1996.
Tanto é que o país alcançou, no ano de 2009, a quarta posição no ranking
da International Chamber of Commerce – ICC entre os países que possuemmais partes em procedimentos arbitrais no mundo e a primeira posição na América Latina.
Esse crescimento contínuo tem como principais motivos a expansão da
economia brasileira e a abertura comercial vivenciadas nas últimas décadas, bem como do processo de desestatização da economia do país.
Ademais, o Poder Judiciário brasileiro passa por profunda crise, incapaz
de solucionar, em virtude da ausência de estrutura física e humana adequadas, os milhares de novos casos que lhe são submetidos.
2.Evolução Histórica no Brasil
A arbitragem surgiu no Brasil na sua primeira Constituição (1824), ainda
durante o regime monárquico brasileiro. Naquele texto, restou estabelecido
que as partes poderam nomear juízes-árbitros para solucionar litígios cíveis,
sendo suas decisões executadas sem recurso, se previamente combinado.
PRICEWATERHOUSECOOPERS. International arbitration: corporate attitudes
and practices. 2008. Disponível em <http://www.pwc.co.uk/pdf/PwC_International_Arbitration_2008.pdf>. Acesso em 04 de maio de 2011.
As estatísticas da ICC em relação ao ano de 2009 foram divulgadas pelo Sr. Emmanuel Jolivet, Conselheiro Geral da Corte Internacional de Arbitragem da ICC,
e pelo Sr. José Ricardo Feris, Conselheiro da Secretaria da Corte Internacional de
Arbitragem para a América Latina da ICC, respectivamente, durante o seminário
“Opportunités et risques juridiques en matière d’investissements au Brésil”, e o
Treinamento Avançado em Arbitragem Internacional (PIDA), ambos ocorridos na
Sede do ICC em Paris, de 14 a 18 de Junho de 2010.
A Arbitragem no Brasil
323
A primeira Constituição republicana (1891) não previu a arbitragem em
âmbito particular, mas apenas entre Estados soberanos. O tema voltou a
ser inserido no ordenamento jurídico brasileiro na Constituição de 1934,
mas foi novamente esquecido nas Cartas de 1937, 1946 e 1967.
A atual Constituição brasileira de 1988 reinseriu a arbitragem na ordem
jurídica nacional. Já no preâmbulo se prevê como fundamento da sociedade brasileira o compromisso com a solução pacífica das controvérsias,
tanto na ordem interna quanto na internacional.
No âmbito infraconstitucional, a primeira lei a tratar da arbitragem foi
em 1831. O Código Comercial brasileiro de 1850 também previa a arbitragem para os conflitos existentes entre comerciantes. O Código de Processo
Civil de 1939 regulou o tema, sendo que as disposições ali constantes foram reproduzidas no atual CPC (1973).
No entanto, o marco da disciplina ocorreu em 1996, quando a arbitragem passou a ter regulação específica através da Lei 9.307/96. Essa lei
permite a solução dos conflitos fora do âmbito do Poder Judiciário, que se
limita a atuar no sentido de garantir o êxito da arbitragem como solução
pacífica na área privada. Tal garantia se dá em dois momentos: na remessa
ou instalação de um juízo arbitral no caso de existência de cláusula contratual com tal previsão e/ou na execução do laudo arbitral.
Nos últimos anos, os mecanismos de resolução de conflitos alternativos têm ganhado força e importância não só em razão da morosidade da
Justiça brasileira, mas também pelo fato de que esses mecanismos trazem
soluções mais negociais e convenientes. Além disso, o crescimento do comércio internacional brasileiro gerou a necessidade de decisões rápidas e
eficientes, de forma a assegurar um ambiente mais seguro e propício aos
negócios.
Desta forma, o sistema legal brasileiro se reestruturou, de modo a incentivar a arbitragem como mecanismo alternativo de solução de conflitos.
Além da entrada em vigor da lei específica supracitada, o Brasil ratificou,
em 2002, a Convenção de Nova Iorque, assinada em 1958, que trata da
homologação e do reconhecimento de laudos arbitrais estrangeiros. Esse
tratado foi incorporado ao ordenamento jurídico brasileiro logo em seguida, garantindo que laudos arbitrais estrangeiros tenham validade no país,
salvo se ofenderem a ordem pública. A ratificação desta convenção revela
324
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
o empenho do país em formar um ambiente propício e atrativo para a adoção da arbitragem.
Há outros diplomas legais que preveem uma maior utilização desse modelo de solução do conflito, inclusive na atuação conjunta entre os setores
público e privado:
• A Lei 9.478/97, que dispõe sobre a política energética nacional e as
atividades relativas ao monopólio do petróleo e gás natural – concessão de exploração, desenvolvimento e produção, estabelece que
o contrato de concessão terá como cláusulas essenciais “as regras
sobre solução de controvérsias, relacionadas com o contrato e sua
execução, inclusive a conciliação e a arbitragem internacional”.
• A Lei 10.233/01, que trata da reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, prevê que o contrato de concessão para a exploração
de infraestrutura ou de prestação de serviços de transporte ferroviário também terá como cláusulas essenciais “as regras sobre solução
de controvérsias relacionadas com o contrato e sua execução, inclusive conciliação e arbitragem”.
• A Lei 10.848/04, que cuida da comercialização de energia elétrica,
determina que “as regras para a resolução das eventuais divergências entre os agentes integrantes da CCEE [Câmara de Comercialização de Energia Elétrica] serão estabelecidas na convenção de
comercialização e em seu estatuto social, que deverão tratar do mecanismo e da convenção de arbitragem”.
• A Lei 11.079/04, que institui normas gerais para licitação e contratação de Parcerias Público-Privadas (PPPs), prescreve a arbitragem
como mecanismo privado de resolução de conflito a ser empregado
para dirimir conflitos decorrentes ou relacionados ao contrato.
• A Lei 11.196/05 alterou a Lei de Concessões (Lei 8.987/95), para
permitir que os contratos públicos de concessão possam dispor sobre
a utilização de mecanismos privados de resolução de disputas advindas ou relacionadas ao contrato, entre elas a arbitragem.
• A Lei 11.909/09, que discorre sobre as atividades relativas ao transporte, tratamento, processamento, estocagem, liquefação, regaseifi-
A Arbitragem no Brasil
325
cação e comercialização de gás natural, estatui que o contrato de
concessão de transporte de gás natural terá como cláusulas essenciais “as regras sobre solução de controvérsias relacionadas com o
contrato e sua execução, inclusive conciliação e a arbitragem”.
3.A Lei Brasileira de Arbitragem – Lei 9.307/96
Inspirada na Model Law on International Commercial Arbitration da
United Nations Commission on International Trade Law – UNCITRAL, a
Lei 9.307/96 representou grande avanço no sistema de resolução alternativa de conflitos. A lei brasileira dá grande importância à autonomia da vontade, além de desburocratizar o procedimento arbitral até então vigente.
Quando de sua promulgação, discutiu-se se a lei violava o direito fundamental previsto na Constituição de acesso a justiça. Contudo, a Lei de
Arbitragem teve sua constitucionalidade reconhecida em 2001 pelo STF. A
Suprema Corte considerou que, segundo o princípio da autonomia da vontade, as partes são livres para renunciar ao processo judicial, escolhendo
a arbitragem como meio de solução de disputas. Em outras palavras, cabe
às partes optar entre o Poder Judiciário e a jurisdição privada para resolver
conflitos relativos a direitos patrimoniais disponíveis.
A lei, portanto, tem como base o princípio da autonomia da vontade. Assim, as partes podem escolher a modalidade da arbitragem, os
árbitros, o direito processual aplicável, o direito material aplicável ao
caso e o local da arbitragem. Verifica-se que a arbitragem possui um
procedimento bastante flexível e dinâmico, cujo objetivo é a celeridade.
A resolução do conflito através da arbitragem pode ser escolhida pelas
partes, por meio da convenção de arbitragem, em dois momentos: (i)
numa cláusula presente no contrato firmado entre elas – chamada cláusula compromissória; ou (ii) mediante um compromisso arbitral, antes do
início dos procedimentos.
A lei modelo, adotada em 1985 e aditada em 2006, trata de todas as fases do procedimento arbitral, desde o compromisso arbitral até a execução da sentença arbitral.
A UNCITRAL sugere a ampla utilização da lei, visando a uniformizar do tema, já
que refletiu, na sua elaboração, um consenso em âmbito mundial em relação aos
princípios e questões relevantes à arbitragem internacional.
326
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
As partes podem nomear um ou mais árbitros, sempre em número ímpar. Segundo a lei, o laudo arbitral deve ser emitido no prazo estipulado
pelas partes. No silêncio delas, a sentença deve ser proferida, pelo menos
tecnicamente, num prazo máximo de seis meses a contar da instituição
da arbitragem ou da substituição do árbitro, de acordo com a Lei de Arbitragem.
Essa lei igualou o status do laudo arbitral ao da sentença proferida no
âmbito do Poder Judiciário, sem a necessidade de homologação pelo juiz,
constituindo-se título executivo, se condenatório for. Isto significa que a
sentença arbitral é uma decisão obrigatória, que vincula as partes de forma
definitiva. No entanto, diferentemente da sentença judicial, não são admitidos recursos contra o laudo arbitral.
O Poder Judiciário só interferirá nos casos em que a lei prevê a nulidade da sentença arbitral. São eles: (i) o compromisso arbitral é nulo; (ii) a
sentença foi emanada por quem não podia ser árbitro; (iii) a sentença não
preenche os requisitos (relatório, fundamentação, dispositivo, data e local);
(iv) a sentença ultrapassa os limites estabelecidos na convenção arbitral;
(v) todo o litígio submetido não restar decidido; (vi) a sentença ter sido
comprovadamente proferida por prevaricação, concussão ou corrupção
passiva; (vii) a sentença foi proferida fora do prazo estipulado; e (viii) não
forem observados os princípios do contraditório, da igualdade das partes,
da imparcialidade do árbitro e do seu livre convencimento.
Proferido e válido o laudo, se espontaneamente a parte vencida e condenada não o cumprir não tem o tribunal arbitral, porém, o poder de polícia
para obrigar o vencido à entrega do bem tutelado. O tribunal arbitral não
pode praticar os atos comuns à execução forçada: penhora expropriação,
“Art. 23. A sentença arbitral será proferida no prazo estipulado pelas partes. Nada
tendo sido convencionado, o prazo para a apresentação da sentença é de seis meses,
contado da instituição da arbitragem ou da substituição do árbitro.Parágrafo único.
As partes e os árbitros, de comum acordo, poderão prorrogar o prazo estipulado.”
O Ministro Francisco Rezek ensina que “da arbitragem diz-se, com acerto, que
é um mecanismo jurisdicional não judiciário” (REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 353). É jurisdicional porque as decisões proferidas pelos árbitros são obrigatórias. Porém,
não é judiciária porque a arbitragem não é implementada diretamente por órgãos
judiciários permanentes.
A Arbitragem no Brasil
327
imposição de multas, entre outros. Estes atos continuam exclusivos do Estado, fazendo com que seja necessário recorrer ao juízo estatal para o cumprimento forçado do laudo.
4.Instituições Arbitrais no Brasil
Quando da convenção arbitral, as partes devem escolher entre a arbitragem ad hoc e a arbitragem institucional.
A primeira modalidade se desenvolve sem qualquer vínculo com uma
instituição específica. As arbitragens envolvendo valores menos expressivos tendem a adotar esse modelo. Contudo, quando o interesse econômico
é mais expressivo, as empresas preferem adotar a arbitragem institucional,
tendo em vista que as entidades responsáveis detêm experiência nesse tipo
de processo.
A arbitragem institucional, portanto, é aquela que ocorre no âmbito das
Instituições Arbitrais, instituições privadas que administram o procedimento arbitral, sem emitir qualquer julgamento sobre o conflito. Elas são
responsáveis pela comunicação entre as partes e os árbitros, pelos documentos e pelas providências em geral. Cada instituição tem um regulamento, com as regras que devem ser obedecidas tanto pelas partes quanto
pelo árbitro durante o processo.
A ICC – Internacional Chamber of Commerce é responsável por cerca de 70% da arbitragem internacional envolvendo partes brasileiras. Os
30% restantes são administrados por outras instituições internacionais,
tais como a AAA – American Arbitration Association e a LCIA – London
Court of International Arbitration, ou outras instituições. Câmaras arbitrais regionais tem se tornado cada vez mais populares, principalmente
dentre as empresas sul-americanas.
O Brasil possui instituições arbitrais que vêm obtendo reconhecimento no exterior. São algumas delas: a Câmara de Mediação e Arbitragem
de São Paulo – CIESP, a Câmara de Comércio Brasil-Canadá – CCBC,
a Câmara FGV de Conciliação e Arbitragem, o Centro de Arbitragem da
Câmara Americana de Comércio Brasil-Estados Unidos – AMCHAM e a
Câmara Empresarial de Arbitragem da Federação do Comércio de Bens,
Serviços e Turismo do Estado de São Paulo – Fecomércio Arbitral.
328
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
Algumas dessas instituições arbitrais brasileiras firmaram convênios
com instituições estrangeiras, a exemplo da Fecomércio Arbitral, que assinou convênio com a Câmara Arbitral Internacional de Paris.
A definição, em uma convenção arbitral, da instituição que administrará o procedimento é de extrema importância, devendo ser levado em conta
elementos como o regulamento, a estrutura, a experiência e os custos da
respectiva entidade. Em contratos internacionais, outros fatores como a localização geográfica da câmara, a composição de eventual lista de árbitros e
a nacionalidade das partes envolvidas também não podem ser ignorados.
A convenção arbitral, portanto, é bastante técnica e sua discussão exige
cautela. A consultoria de advogados especializados num momento anterior
à negociação da arbitragem é interessante não só para fins de redação da
cláusula arbitral, que possui conteúdo econômico, mas também no acompanhamento do processo arbitral em si.
5. Reconhecimento e execução de sentenças
arbitrais estrangeiras
O Brasil ratificou, em 2002, a Convenção de Nova Iorque de 1958. Tal
Convenção é o diploma internacional multilateral mais importante no que
se refere à arbitragem, não só pela sua amplitude mundial, mas também
por ter tido enorme influência no desenvolvimento da arbitragem internacional, porquanto garante aos seus signatários a efetividade das sentenças
arbitrais, através do procedimento de reconhecimento e execução.
Apesar da Lei da Arbitragem já trazer disposições sobre o reconhecimento e homologação de decisões arbitrais estrangeiras, a ratificação da
Convenção pelo Brasil, ainda que tardia, revela a consolidação do instituto
no país, bem como aumenta a segurança jurídica de partes estrangeiras de
participarem de procedimentos arbitrais com partes brasileiras.
Assim, quando uma sentença arbitral estrangeira deve ser executada no
Brasil, faz-se necessário o seu reconhecimento no país, por meio de sua
homologação pelo Supremo Tribunal Federal. Uma vez homologada pelo
STF, a sentença arbitral passa a ter força de título executivo judicial, po
O Decreto n. 4.311/02 promulga a Convenção sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras.
A Arbitragem no Brasil
329
dendo ser executada no Brasil pelos tribunais estatais. Esclarece-se que
a ratificação da Convenção pelo Brasil não dispensa a homologação da
sentença arbitral pelo STF, tendo em vista que tal exigência decorre de
previsão constitucional.
6.Vantagens da Arbitragem
Entre a conciliação e a arbitragem, a conciliação é preferível à arbitragem na medida em que normalmente um acordo é mais rápido e barato do
que uma longa demanda. No entanto, nem sempre o ambiente está propício
para um entendimento entre as partes. Nesses casos, tornam-se necessárias as vias jurisdicionais: arbitral ou judiciária.
Além do formalismo, da publicidade, da lentidão e do custo, a via judiciária é temida também pela falta de especialização do juiz para o conhecimento do conflito. Assim, uma sentença judicial pode se caracterizar como
de imprevisível desenlace, tecnicamente incorreta e cara. Muitas vezes fica
o juiz, já assoberbado, dependente de peritos também assolados por outros
vários trabalhos. Além da ausência de aptidão técnica (o juiz é um técnico
do direito, e não das outras ciências), há ainda a questão do excesso de
demandas x escassez de tempo.
Por outro lado, o procedimento arbitral é flexível e rápido. Trata-se de
um procedimento que se desenvolve com discrição, atendendo aos interesses das partes, por razões mercantis e fiscais. Ademais, a escolha do árbitro, feita pelas partes ou por uma instituição arbitral responsável, garante
a dedicação e a perícia.
Também é cediço que a arbitragem é mais célere , se comparada com o
procedimento judiciário. O valor das custas judiciais varia de Estado para
Estado, mas não é incomum que esse valor corresponda a um percentual
do valor da causa. Se o valor da causa é alto, o valor das custas também
o será. Normalmente, o dispêndio financeiro com a arbitragem é maior,
porém sua rapidez e efetividade compensam o tempo de espera e incerteza
em relação à ação que tramita no judiciário. Dez anos de espera por um
julgamento pode significar bastante dinheiro que se perde ou que se deixa
de receber. No caso da arbitragem, o valor também é variável. Em uma
arbitragem institucional, por exemplo, costuma-se pagar não só por des-
330
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
pesas dos árbitros e peritos, mas também pelos serviços administrativos
prestados pela instituição arbitral. Efetivamente, o custo de cada uma das
vias só pode ser calculado após uma criteriosa análise.
Mas em relação à celeridade, não é necessária uma análise mais profunda. Indubitavelmente, o procedimento arbitral é mais rápido do que o
judiciário, já que o processo arbitral evolui de acordo com as regras processais estabelecidas pelas partes. Além disso, a sentença arbitral é final,
diferentemente da sentença judicial, que comporta recursos, o que pode
atrasar, ainda mais, a solução da disputa.
7. Conclusão
O processo arbitral tem evoluído de maneira exponencial no Brasil, facilitando a inserção do país no comércio internacional. A consolidação
desse instituto no ordenamento brasileiro é resultado de três marcos: (i) a
promulgação da Lei Brasileira de Arbitragem, em 1996; (ii) o reconhecimento, pelo Supremo Tribunal Federal, da constitucionalidade da referida
lei, em 2001; e (iii) a ratificação da Convenção de Nova Iorque de 1958,
em 2002.
Esses três fatos foram fundamentais para a ampliação da atuação do
país em arbitragens internacionais, o que ajudou sobremaneira na solidificação do instituto no ordenamento nacional. Hoje as empresas brasileiras
não apenas têm buscado a solução arbitral no exterior e no Brasil, como
possuem também, entre o staff das câmaras estrangeiras, juristas e expertos pátrios.
Além disso, o crescimento da demanda de contratos de infraestrutura, joint ventures e parcerias público-privadas nos próximos anos abre
espaço para uma aplicação cada vez maior do instituto da arbitragem
no país.
8.Bibliografia
ARAÚJO, Nádia de. A nova Lei de Arbitragem Brasileira e os princípios
uniformes dos contratos comerciais internacionais, elaborados pelo UNIDROIT. In CASSELA, Paulo Borba (Coord.). Arbitragem – A Nova Lei
Brasileira e a Praxe Internacional. 2ª Ed. São Paulo: LTr, 1999.
A Arbitragem no Brasil
331
BRASIL, Constituição da República Federativa do Brasil, de 05 de outubro de 1988.
BRASIL, Decreto (Federal) n. 4.311, de 23 de julho de 2002.
BRASIL, Lei n. 8.987, de 13 de fevereiro de 1995.
BRASIL, Lei. n. 9.307, de 23 de setembro de 1996.
BRASIL, Lei. n. 9.478, de 06 de agosto de 1997.
BRASIL, Lei. n. 10.233, de 05 de junho de 2001.
BRASIL, Lei n. 10.848, de 15 de março de 2004.
BRASIL, Lei n. 11.079, de 30 de dezembro de 2004.
BRASIL, Lei n. 11.196, de 11 de novembro de 2005.
BRASIL, Lei n. 11.909, de 04 de março de 2009.
BRASIL, Supremo Tribunal Federal. Pleno. Homologação de Sentença
Estrangeira n. SE-AgReg 5206/EP–Espanha, Relator Min. Sepúlveda Pertence. Acórdão de 12.12.2001. DJ 30.04.2004.
CORREA-LIMA, Sergio Mourão. Convenção de Arbitragem. Tese de
doutorado. Orientador: Prof. Dr. Aroldo Plínio Gonçalves. Belo Horizonte:
UFMG, 2001.
PITOMBO, Eleonora; STETNER, Renato. A convenção de Nova Iorque:
ratificação pelo Brasil. Disponível em <http://www.cbsg.com.br/pdf_publicacoes/a_convencao_de_nova_iorque.pdf> Acesso em 05 de maio de 2011.
PRICEWATERHOUSECOOPERS. International arbitration: corporate attitudes and practices, 2008. Disponível em <http://www.pwc.co.uk/pdf/PwC_
International_Arbitration_2008.pdf>. Acesso em 04 de maio de 2011.
REZEK, J. Francisco. Direito Internacional Público – Curso Elementar.
São Paulo: Saraiva, 1995.
Site da International Chamber of Commerce – ICC (www.iccwbo.org) no
dia 04 de maio de 2011.
Site da United Nations Commission on International Trade Law – UNCITRAL (www.uncitral.org) no dia 04 de maio de 2011.
STENGER, Irineu. Arbitragem comercial Internacional. São Paulo: LTr,
1996.
WALD, Arnoldo. The Arbitration Review of the Americas 2011. Brazil.
Disponível em <http://www.globalarbitrationreview.com/reviews/32/sections/115/chapters/1203/brazil/> Acesso em 05 de maio de 2011.
332
Ana Paula Corrêa da Silveira Gomes
WHITE & CASE. International arbitration: corporate attitudes and
practices, 2010. Disponível em <http://www.whitecase.com/files/upload/
fileRepository/2010-International-Arbitration-Survey-Choices-International-Arbitration.PDF>. Acesso em 04 de maio de 2011.
Parte ii
principais mercados
A MINERAÇÃO NO BRASIL –
ASPECTOS MAIS RELEVANTES
Paulo Roberto Coimbra Silva
[email protected].
Professor de Direito Tributário da UFMG e do CEAJUFE.
Doutor e Mestre em Direito pela UFMG Sócio do
Tostes & Coimbra Advogados
1. A VOCAÇÃO MINERÁRIA BRASILEIRA
Em virtude da crescente demanda por commodities minerais, grande
destaque no cenário mundial recente foi reconquistado pela exploração
mineral, especialmente sob a ótica do desenvolvimento socioeconômico dos países em cujo território são desenvolvidas as atividades de
extração.
O Brasil, titular de extensão territorial e de geodiversidade privilegiadas, historicamente possui posição de relevância na indústria mundial de
mineração. Em 2010, em notável recuperação da crise mundial ocorrida
em 2009, a Produção Mineral Brasileira (PMB), estimada em US$35 bilhões, atingiu novo recorde, registrando um aumento de 45% em relação
ao ano anterior. Estima-se que a PMB manterá um crescimento anual
entre 10% a 15% nos próximos três anos.
Segundo a 5ª. Edição do Estudo intitulado Informações e Análises da Economia
Mineral Brasileira, promovido pelo IBRAM (Instituto Brasileiro de Mineração),
de 2000 a 2008 houve um aumento de 250% na produção mineral brasileira. De
2008 para 2009, verificou-se um decréscimo de 14%, totalmente recuperado em
2010, como revela o gráfico transcrito. Estudo disponível em http://www.ibram.
org.br/sites/1300/1382/00000957.pdf, acessado em 07/03/2011.
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES
335
O Brasil é um importante player mundial no Setor Mineral. Titular
de um dos maiores patrimônios minerais do planeta, estando entre um dos
maiores produtores e exportadores de minérios.
No Brasil, os Estados em cujo território se concentra a indústria de extração de minerais são Minas Gerais (MG) e Pará (PA), responsáveis, respectivamente por 48% e 28% da produção nacional. Certamente, por essa
mesma razão, são os Estados que mais atraem investimentos no setor de
pesquisa e processamento de minérios.
Ob et loc cit.
336
Paulo Roberto Coimbra Silva
O interesse de empresas transnacionais e, mais recentemente, de fundos de investimento, pelo Setor Mineral Brasileiro decorre de sua Geodiversidade e da qualidade de suas reservas, associadas ao crescimento
pela demanda (nos mercados interno e externo) por commodities minerais. As vantagens comparativas das jazidas brasileiras, estribadas na
combinação de qualidade (volumes e teores), custo operacional e disponibilidade de energia, fornecem as condições básicas de competitividade ao
País no mercado internacional.
Nota Por tais razões, observa-se forte tendência de concentração no mercado
brasileiro, onde ainda é predominante a presença de empresas de mineração de menor porte e com grande carência de investimentos e potencial
de alavancagem. Nesse cenário, destaca-se a existência de muitas opor
Sumário Mineral, 2009, DNPM.
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES
337
tunidades e propensão para a concretização de operações de aquisições,
fusões e formação de joint ventures.
Dentre as diversas conseqüências positivas da vocação brasileira para
a indústria da mineração, merecem destaque no crescimento e na competitividade crescente da indústria de bens de capital brasileira voltados
para a atividade de extração e processamento de minérios, bem como na
qualificação de mão de obra qualificada..
2. MARCO REGULATÓRIO
2.1 A propriedade do subsolo, do solo, das reservas minerais e do
produto mineral extraído.
De acordo com a Constituição da República, o subsolo, inclusive os recursos minerais nele existentes, são bens da União. Desta forma, são
considerados “bens públicos”, que podem ser classificados, segundo o
Código Civil de 2002, como (i) bens de uso comum, assim entendidos
aqueles destinados ao uso indistinto de todos, (ii) bens de uso especial, os
quais são afetados a um serviço ou estabelecimento público, e os (iii) bens
dominiais, que “são próprios do Estado como objeto de direito real”,
não afetados e sobre os quais o Estado possui a senhoria, como qualquer
proprietário particular.
Os recursos minerais são considerados bens dominiais. Por sua própria natureza, em virtude da ausência de qualquer destinação essencial ao
Poder Público, e da necessidade de investimento de capital intensivo para
Os maiores players mundiais da cadeia de fornecimento de equipamentos e insumos
para a indústria da mineração, bem como empresas de engenharia especializadas
na infraestrutura e montagem de unidades produtivas (turn-key, built to suit, etc.)
estão instaladas no país. A par disso, há diversas são as empresas locais dedicadas,
há anos, a assegurar o fornecimento para as mineradoras.
A título exemplificativo, citem-se o tradicional curso de Engenharia de Minas da
Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP), criado em 1875; e o Departamento de
Engenharia de Minas e de Petróleo da Escola Politécnica da Universidade de São
Paulo.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 21ª Ed. São
Paulo: Malheiros Editores Ltda., 2006, p. 867.
338
Paulo Roberto Coimbra Silva
a pesquisa, abertura e exploração de lavras, podem e devem ser alienados
pelo Estado. Com efeito, a viabilização de sua exploração, com a participação do Estado no produto da lavra, mediante a cobrança de “royalties”
intitulados CFEM (Compensação Financeira sobre a Exploração de Minerais), desde que adotadas as medidas voltadas à preservação ambiental,
é entendido como um dever do Estado, de forma a converter tal riqueza
natural em benefícios à sociedade.
Importante destacar, ainda que brevemente, serem distintas a propriedade
do solo e a do subsolo. O solo, via de regra, é de propriedade particular,
nos termos do Código Civil brasileiro. O subsolo, por sua vez, conforme
já exposto, é de propriedade da União e pode ser explorado pelos particulares mediante concessão, permissão ou licenciamento. Assim sendo,
a propriedade do solo (de titularidade do superficiário) e a titularidade
de autorização para pesquisa ou do direito de concessão para exploração
(direitos minerários) não se confundem. Havendo titulares distintos, o
superficiário não pode impedir que as atividades de pesquisa e de lavra
autorizadas pelo Poder Público sejam desenvolvidas em sua propriedade,
mas fará jus a percepção de royalties, como forma de indenização legal,
correspondentes a cinquenta por cento do valor total de CFEM.
O produto da lavra (minério extraído), por sua vez, é de propriedade
do particular titular do direito minerário, seja de concessão, da permissão
ou licenciamento. Assim, segundo a Constituição Brasileira, a reserva
mineral, que era de propriedade da União enquanto disposta de forma
bruta na natureza (no subsolo), após a atividade extrativista, uma vez
extraída e convertida em produto mineral, passa a ser propriedade do
particular. De se ver, mais uma vez, razões para a exigência da CFEM,
A CFEM será objeto de uma breve exposição mais adiante, neste capítulo. A respeito do tema, vide nosso CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de
Recursos e Minerais: Natureza Jurídica e Questões Correlatas. São Paulo: Quartier
Latin, 2010
Os diferentes regimes de exploração, comumente aludidos como direitos minerários (ou títulos minerários) serão abordados mais adiante (item 2.3 infra).
A participação (royalties) do superficiário corresponde a 50% dos royalties da União, intitulados CFEM, que variam em função do tipo de minério extraído e, atualmente, pode chegar até 3% (a CFEM é objeto de item específico mais abaixo).
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES
339
como forma de indenizar a dilapidação do patrimônio público através da
retirada de bens naturais não renováveis de seu subsolo.
2.2 Departamento Nacional da Produção Mineral – DNPM
Em março de 1934 foi criado o Departamento Nacional de Produção
Mineral (DNPM), então considerado um órgão integrante do Ministério
da Agricultura, substituto da Diretoria-Geral de Pesquisas Científicas.
Em 1992, com a recriação do Ministério de Minas e Energia, pela Medida Provisória nº 302, o DNPM se incorpora a esse ministério.
Apenas em 1994, com a edição da Lei nº 8.876, o DNPM foi transformado
de autarquia pública federal vinculada ao Ministério das Minas e Energia,
possuindo, desde então, autonomia patrimonial, administrativa e financeira.
O DNPM tem por finalidade “promover o planejamento e o fomento
da exploração e do aproveitamento dos recursos minerais, e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem como
assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mineração
em todo o território nacional”. É o DNPM responsável pela emissão e
registro dos direitos de pesquisa e de exploração de lavra, tendo também
competência para fiscalizar o desenvolvimento das atividades de exploração de minérios, bem o cumprimento do plano econômico de aproveitamento da lavra.
Atualmente, inserido na proposta de modificação do marco regulatório
da mineração no Brasil, o Governo Federal tem a intenção de transformar o DNPM em uma agência reguladora, de forma a lhe conferir maior
autonomia e independência.
2.3. Direitos e títulos minerários
As espécies de direitos minerários (ou regimes de atividades mineradoras), e seus respectivos títulos, são:
• Autorização: autoriza a fase de pesquisa mineral, cuja finalidade
consiste na localização, qualificação e quantificação da substância
mineral de interesse. Tem prazo pré-determinado, podendo ser objeto de prorrogação. É concedida por ato administrativo de competên-
340
Paulo Roberto Coimbra Silva
cia do Diretor-Geral do DNPM, consistente em alvará de pesquisa.
Precede o Regime de Concessão (fase de lavra) que, para ser concedido, depende da demonstração (no relatório final de pesquisa) da
exequibilidade técnico-econômica da lavra.
• Concessão: autoriza a fase de lavra ou o aproveitamento industrial da jazida cuja viabilidade técnica e econômica tenha sido
demonstrada no relatório final de pesquisa. É concedida por ato
do Ministro de Estado das Minas e Energia, mediante a expedição
do título Portaria de Lavra. Outorga ao concessionário o direito de
lavrar e comercializar o mineral extraído, conforme o plano de aproveitamento econômico arquivado perante o DNPM.
Nota 10
• Permissão: o regime de permissão de Lavra Garimpeira autoriza o
aproveitamento imediato de jazidas minerais garimpáveis (exploráveis mediante processos mais rústicos ou artesanais), independentemente de prévios trabalhos de pesquisa. É concedida pelo Diretor-Geral do DNPM, formalizado no título de Permissão de Lavra
Garimpeira.
10
MineralNegócios – Guia do Investidor no Brasil. DNPM. 2006.
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES
341
• Licenciamento: o regime de licenciamento autoriza o aproveitamento
de substâncias minerais in natura de aplicação imediata na construção
civil, e outras especificadas na legislação (ex.: areia, cascalho, saibro,
rochas e argilas), independente de prévios trabalhos de pesquisa. Sua
concessão, mediante licença(s), é condicionada à prévia autorização
da atividade pelos órgãos municipais e de meio ambiente.
• Extração: o registro de extração autoriza o aproveitamento das
substâncias minerais de emprego imediato na construção civil por
órgão da Administração Direta ou Indireta da União, Estados, DF e
Municípios para emprego exclusivo em obras públicas.
O Código Minerário Brasileiro (Decreto-Lei nº 227/67), para a concessão
dos direitos minerários, adotou o chamado “direito de prioridade”. Por esse
critério, o interessado que primeiro apresentar o requerimento de autorização (pesquisa), concessão (lavra), permissão (garimpo) ou licenciamento
(emprego direto de certas substancias minerais na construção civil) e preencher os requisitos definidos em lei receberá o respectivo título minerário.
Antes de ocorrer a atividade extrativa, os recursos minerais são insuscetíveis de qualquer valoração, porquanto se revela impossível qualquer
aproveitamento econômico antes de sua extração da jazida. Neste diapasão, considera-se ser o minerador o responsável pela atribuição de valor e
utilidade econômica aos minerais, na medida em que aplica seus próprios
recursos nas atividades de pesquisa (de alto risco) e de lavra. Por essa
peculiar característica dos recursos minerais em relação aos demais bens
públicos, somada aos investimentos intensivos jungidos à atividade mineradora e ao seu alto risco, recorde-se, a Constituição Brasileira garante ao
concessionário a propriedade do produto de sua lavra.
2.4 Licenciamento ambiental
Qualquer instalação de empreendimento ou atividade mineraria, enquanto potencialmente poluidora ou degradadora domeio ambiente deve
ser necessariamente precedida do respectivo licenciamento ambiental.
Após realização de audiências públicas, uma vez atendidas às condições
previstas em lei, a licença deverá ser concedida pelos órgãos integrantes
do Sistema Nacional de Meio Ambiente – SISNAMA.
342
Paulo Roberto Coimbra Silva
Considera-se licenciamento ambiental o procedimento administrativo
a partir do qual o “órgão ambiental competente licencia a localização,
instalação, ampliação e a operação de empreendimentos e atividades
utilizadoras de recursos ambientais, consideradas efetiva ou potencialmente poluidoras ou daquelas que, sob qualquer forma, possam causar
degradação ambiental”.11
Dentre as atividades ou empreendimentos sujeitos ao licenciamento ambiental, encontra-se, em sentido amplo, a “extração e tratamento de
minerais”, compreendendo a pesquisa mineral com guia de utilização, a
lavra a céu aberto, inclusive de aluvião, a lavra subterrânea com ou sem
beneficiamento, a lavra garimpeira e a perfuração de poços e produção de
petróleo e gás natural.
Por meio da licença ambiental, o órgão responsável define as condições, restrições e medidas de controle ambiental necessárias para que
o empreendedor possa localizar, instalar, operar e ampliar os empreendimentos ou atividades objeto do licenciamento. Essas licenças ambientais
poderão ser expedidas isolada ou sucessivamente, o que varia de acordo
com a natureza, características e fase do empreendimento ou atividade.
Três são os tipos de licença ambiental, concedidos em sequência, a saber:
• A Licença Prévia (LP), concedida na fase inicial do planejamento
do empreendimento ou atividade. Essa licença corresponde a uma
aprovação da localização e concepção da atividade, confirmando a
viabilidade ambiental e definindo os requisitos básicos e condicionantes que deverão, obrigatoriamente, ser atendidos nas próximas
fases de sua implementação;
• A Licença de Instalação (LI) autoriza a instalação do empreendimento ou atividade de acordo com as especificações constantes dos planos,
programas e projetos aprovados. Nesse caso também há a definição de
medidas de controle ambiental e condicionantes; e, por fim,
• A Licença de Operação (LO) autoriza a operação da atividade ou
empreendimento, após a constatação do efetivo cumprimento das
11
Resolução CONAMA nº 237/1997, art. 1º, inciso I.
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES
343
condicionantes previstas nas licenças anteriores. Além disso, novas
medidas de controle ambiental e condicionantes podem ser erigidas
para viabilizar a operação.
2.5 Proposta de mudança
O Ministério de Minas e Energia divulgou, em fevereiro de 2011, o
Plano Nacional de Mineração – 2030, cujo objetivo é guiar as políticas
de médio e longo prazos, a fim de que o setor mineral seja mais atrativo
ao investimento de capital intensivo e se firme como um alicerce para o
desenvolvimento sustentável do país nos próximos 20 anos.
Para tanto, o Plano Nacional de Mineração estabeleceu objetivos estratégicos, a serem alcançados através de programas e projetos, com a definição
de metas e indicadores de acompanhamento, dentre os quais se destacam:
1)assegurar a governança pública eficaz do setor mineral;
2)garantir a ampliação do conhecimento geológico do território nacional;
3)estabelecer diretrizes para minerais estratégicos;
4)estabelecer diretrizes para mineração em áreas com restrições legais;
5)ampliar os programas de formalização e fortalecimento de MPEs;
6)ampliar o conteúdo de P,D&I nas atividades de Geologia, Mineração e Transformação Mineral;
7)estimular programas de formação e qualificação de Recursos Humanos;
8) promover a ampliação de infraestrutura e logística;
9)promover a produção sustentável do setor mineral;
10) estimular a agregação de valor na cadeia produtiva de bens minerais com competitividade;
11) promover o desenvolvimento sustentável em regiões de base mineradora.
344
Paulo Roberto Coimbra Silva
Para o cumprimento dos objetivos supracitados, o governo brasileiro entende ser imprescindível a articulação governamental com o setor privado
e a sociedade civil.
A Secretaria de Geologia Mineração e Transformação Mineral do Ministério de Minas e Energia (SGM/MME), por sua vez, elaborou projeto
de lei denominado de “Novo Marco Regulatório da Mineração”, cujos
objetivos básicos são o fortalecimento da eficiência do Estado no processo regulatório, o estímulo ao aproveitamento das jazidas, às medidas de
segurança nas minas e ao aumento do controle ambiental nas atividades
extrativistas.
Ademais, o governo federal pretende atrair mais investimentos para o
setor mineral e aumentar a atividade mineraria formal. Nesse sentido, verifica-se a tendência de um cenário mais favorável à concorrência entre as
empresas mineradoras e de maior estimulo ao desenvolvimento do mercado nacional relacionado à mineração.
O projeto prevê a determinação de prazos fixos para pesquisa e exploração,
além da maior fiscalização e verificação de gastos durante as pesquisas.
Caso seja aprovado tal qual como encaminhado pelo Poder Executivo, a
autorização de pesquisa terá o prazo de 5 anos, prorrogável uma vez por
até três anos, desde que o autorizado comprove a necessidade de realização
de trabalhos complementares por meio de laudo técnico. Será obrigatória
a apresentação de um relatório final, e, a partir da sua aprovação, iniciarse-á a contagem do prazo de 1 ano para requerimento da lavra. O contrato
de concessão de lavra possuirá, dentre outras cláusulas, a obrigação de o
contratado assumir os riscos das atividades de aproveitamento mineral,
o direito do contratado à propriedade do produto da lavra, definição dos
procedimentos para acompanhamento e fiscalização das atividades de mineração e para auditoria do contrato e o prazo de vigência limitado a 35.
Ainda, caso aprovado o projeto de lei, o DNPM será transformado
em Agência Reguladora, cujo objetivo será regular e fiscalizar a atividade
mineraria com maior independência.12
12
Nos termos do projeto, os Diretores da Agência Brasileira de Mineração serão indicados pelo Presidente da República e autorizados pelo Senado Federal.
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES
345
O Ministério de Minas e Energia ainda elaborou projeto de alteração das regras concernentes à CFEM, com o intuito de garantir a justa redistribuição dos das receitas dela decorrentes entre todos os atores
que compõem o setor minerário. Pretende-se alterar a forma de cálculo
da CFEM, assim como as alíquotas para cada produto mineral, e incrementar a fiscalização do recolhimento mediante o compartilhamento
de informações entre os órgãos municipais, estaduais e federais, bem
como pela atribuição exclusiva à nova agência reguladora (substituta do
DNPM) da função fiscalizadora.
3. Compensação Financeira pelo Resultado da
Exploração de Recursos Minerais – CFEM
Desde os primórdios da civilização brasileira, diante da relevância da
exploração mineral no cenário nacional, foram instituídos mecanismos
que permitiam ao Estado participar do resultado das atividades envolvendo os recursos minerais. A referida participação já podia ser observada
desde os tempos de Colônia, mediante a exigência, pela Coroa Portuguesa,
do chamado “quinto do ouro”, previsto na legislação de 1603.
Diversas alterações legislativas e constitucionais acerca do tema surgiram até ser consolidado o modelo atual de tributação dos recursos provenientes da exploração mineral. A Constituição da República de 1988
limitou a tributação do setor a, basicamente:
• Tributos indiretos (VAT):
oImposto sobre a circulação de mercadorias (ICMS)13;
oTributos sobre a receita bruta das empresas (COFINS e PIS)14;
• Tributos diretos:
Imposto não cumulativo (VAT estadual), de competência dos Estados, podendo
suas alíquotas variar de um Estado para outro. Não incide sobre operações que destinem produtos e mercadorias ao exterior.
14
Tributos não cumulativos (VAT federal), de competência da União, cujas alíquotas,
via de regra, somam o percentual de 9,25%. Também não incidem sobre operações
de exportação, onerando tão somente as vendas para o mercado interno.
13
346
Paulo Roberto Coimbra Silva
oImposto sobre a renda (IR)15; e no caso de pessoas jurídicas,
oContribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL)16.
Parra viabilizar a participação do Estado na exploração dos recursos
minerais (ou a compensação financeira por essa exploração) prevista na
constituição da República17, o legislador infraconstitucional, instituiu a
compensação financeira pelo resultado da exploração de recursos minerais – CFEM.18
A CFEM é devida a partir da saída, por venda, do produto mineral das
áreas da extração ou o de quaisquer estabelecimentos do minerador, sempre após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de
sua transformação ndustrial.19
A alíquota da Compensação Financeira pela Exploração de Recursos
Minerais – CFEM varia de 0,2% a 3%, de acordo com a substância mi De competência exclusiva da União, sua alíquota é de 15%, à qual se soma um adicional de 10% para o lucro anual que exceder o valor de R$240.000,00 (duzentos e
quarenta mil reais).
16
De exclusiva competência da União, sua alíquota é de 9% sobre o lucro líquido das
pessoas jurídicas.
15
17
“Art. 20. (...)
§ 1º É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos
Munic ípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação
no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para
fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou
compensação financeira por essa exploração.
Lei n. 7.990/89, posteriormente alterada e regulada, respectivamente, pela Lei n.
8.001/90 e Decreto n. 01/91.
19
Dec. nº 01/91: “Art. 15. Constitui fato gerador da compensação financeira devida
pela exploração de recursos minerais a saída por venda do produto mineral das
áreas da jazida, mina, salina ou de outros depósitos minerais de onde provêm, ou
o de quaisquer estabelecimentos, sempre após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua transformação industrial.
“Parágrafo único. Equipara-se à saída por venda o consumo ou a utilização da
substância mineral em processo de industrialização realizado dentro das áreas da
jazida, mina, salina ou outros depósitos minerais, suas áreas limítrofes ou ainda em
qualquer estabelecimento.”
18
A MINERAÇÃO NO BRASIL – ASPECTOS MAIS RELEVANTES
347
neral explorada20 e se aplica sobre o valor do faturamento líquido, assim
entendido o total das receitas de venda do produto mineral, excluídos os
tributos incidentes sobre sua comercialização, as despesas de transporte e
as de seguros21.
Caso a substância mineral seja consumida, transformada ou utilizada
pelo próprio titular dos direitos minerários, o faturamento líquido sobre
o qual incidirá a exação será o valor total do produto mineral apurado
até a data de elaboração do produto final, antes de sobre ele incidir o
Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
A repartição das receitas auferidas pelo Estado com a arrecadação da
CFEM se realiza na seguinte proporção:
• 23% para o Estado,
• 65% ao Município e
• 12% à Administração Pública Indireta da União (inclusive ao
próprio DNPM, responsável pela fiscalização do recolhimento da
CFEM).
20
21
Decreto nº 01/91: “Art. 13. A compensação financeira devida pelos detentores de
direitos minerários a qualquer título, em decorrência da exploração de recursos
minerais para fins de aproveitamento econômico, será de até 3% (três por cento)
sobre o valor do faturamen to líquido resultante da venda do produto mineral,
obtido após a última etapa do processo de beneficiamento adotado e antes de sua
transformação industrial.
§ 1º O percentual da compensação, de acordo com as classes de substâncias minerais, será de: I – minério de alumínio, manganês, sal-gema e potássio: 3% (três
por cento);
II – ferro, fertilizante, carvão e demais substâncias minerais: 2% (dois por cento), ressalvado o disposto no inciso IV deste artigo;
III – pedras preciosas, pedras coradas lapidáveis, carbonados e metais nobres:
0,2% (dois décimos por cento);
IV – ouro: 1% (um por cento), quando extraído por empresas mineradoras, isentos
os garimpeiros.”
Dec. nº 01/91: “Art. 14. Para efeito do disposto no artigo anterior, considera-se:
II – faturamento líquido, o total das receitas de vendas excluídos os tributos
incidentes sobre a comercialização do produto mineral, as despesas de transporte
e as de seguro;”
348
Paulo Roberto Coimbra Silva
4. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
BRASIL, Decreto (Federal) n. 62.934, de 2 de julho de 1968. BRASIL, Decreto (Federal) n. 01, de 11 de janeiro de 1991. BRASIL, Decreto (Federal)
n. 3.358, de 2 de fevereiro de 2000.
BRASIL, Decreto-Lei n. 227, de 28 de fevereiro de 1967 – Código de Minas.
BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. Economia Mineral do Brasil. Brasília: DNPM, 2009.
BRASIL, Departamento Nacional de Produção Mineral. MineralNegócio.
Guia do Investidor. Brasília: DNPM, 2006.
BRASIL, Lei n. 7.990, de 28 de dezembro de 1989. BRASIL, Lei n. 8.001,
de 13 de março de 1990. BRASIL, Lei n. 9.827, de 27 de agosto de 1999.
BRASIL, Ministério de Minas e Energia. Plano Nacional de Mineração
2030. Brasília: MME, 2011.
FREIRE, William. Direito Ambiental Aplicado á Mineração. Belo Horizonte: Mineira, 2005.
MELLO, Celso Antônio Bandeira. Curso de Direito Administrativo. 21ª
Ed. São Paulo: Malheiros, 2006.
SILVA, Paulo Roberto Coimbra (Org.). CFEM – Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais. Natureza Jurídica e Questões
Correlatas. São Paulo: Quartier Latin, 2010.
Site do Departamento de Engenharia de Minas da UFOP (www.ufop.
br/demin) no dia 25 de fevereiro de 2011.
Site do DNPM (www.dnpm.gov.br), nos dias 30 de junho de 2010 e 06
de março de 2011.
Site do DNPM – Superintendência de Pernambuco (www.dnpm-pe.gov.
br), no dia 25 de fevereiro de 2011.
Site da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo (USP) (www.poli.
usp.br), no dia 25 de fevereiro de 2011.
Site do IBRAM (www.ibram.org.br), nos dias 23 de fevereiro e 07 de março de 2011. Site do Ministério das Minas e Energia (www.mme.gov.br),
nos dias 2 de julho de 2010 e 06 de março de 2011.
O MERCADO DE ENERGIA
ELÉTRICA NO BRASIL
Luiz Geremias de Aviz
[email protected]. Ex-Superintendente de Assuntos Jurídicos
da Companhia Paranaense de Energia – Copel. Especialista em Direito
Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar. Sócio
responsável pela área de energia do escritório Hilú, Costódio Filho & Caron
Baptista Sociedade de Advogados (Aliado em Curitiba/PR)
1.Introdução
O Conselho Nacional de Política Energética - CNPE, através da Resolução n. 005/2003, aprovou o Relatório “Proposta do Modelo Institucional
do Setor Elétrico”, de 4 de julho de 2003, contendo as seguintes diretrizes
básicas para sua implementação:
I) prevalência do conceito de serviço público para a produção e distribuição de energia elétrica aos consumidores cativos;
II)modicidade tarifária;
III) restauração do planejamento da expansão do sistema;
IV) transparência no processo de licitação permitindo a contestação
pública, por técnica e preço, das obras a serem licitadas;
V)mitigação dos riscos sistêmicos;
VI) manter a operação coordenada e centralizada necessária e inerente
ao sistema hidrotérmico brasileiro;
VII)universalização do acesso e do uso dos serviços de eletricidade; e
VIII) modificação no processo de licitação da concessão do serviço público de geração priorizando a menor tarifa.
350
Luiz Geremias de Aviz
Essas diretrizes se encontram consolidadas na legislação que decorreu
do Relatório aprovado, conforme pode ser constatado do contido na Lei n.
10.848/2004 e no Decreto n. 5.163/2004, que a regulamentou.
Vinculadas à implementação e operacionalização do modelo aludido as
instituições que conformam a estrutura básica setorial são as relacionadas
e descritas no quadro a seguir:
Ministério de Minas e
Energia – MME
O MME encarrega-se da formulação, do planejamento e da implementação de ações do governo federal no
âmbito da política energética nacional.
Conselho Nacional de Política Energética – CNPE
(Lei n. 9.478/1997)
Órgão de assessoramento do Presidente da República para formulação de políticas nacionais e diretrizes
de energia, que visa, dentre outros, o aproveitamento
racional dos recursos energéticos do país, a revisão
periódica da matriz energética e o estabelecimento de
diretrizes para programas específicos. É órgão interministerial presidido pelo Ministro de Minas e Energia
– MME.
Empresa de Pesquisa
Energética – EPE (Decreto n. 5.184/2004)
Empresa pública federal vinculada ao MME. Tem por
finalidade prestar serviços na área de estudos e pesquisas destinadas a subsidiar o planejamento do setor
energético. Elabora os planos de expansão da geração e
transmissão da energia elétrica.
Comitê de Monitoramento
do Setor Elétrico – CMSE
Constituído no âmbito do MME e sob sua coordenação
direta, tem a função de acompanhar e avaliar permanentemente a continuidade e a segurança do suprimento eletroenergético em todo o território do país.
Operador Nacional do
Sistema Elétrico – ONS
(Decreto n. 5.081/2004)
Pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
sob regulação e fiscalização da ANEEL, responsável
pelas atividades de coordenação e controle da operação
da geração e da transmissão de energia elétrica do Sistema Interligado Nacional (SIN).
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
351
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE (Decreto n.
5.177/2004)
Pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos,
sob regulação e fiscalização da ANEEL, que tem a finalidade de viabilizar a comercialização de energia elétrica no SIN e de administrar os contratos de compra
e venda de energia elétrica, sua contabilização e liquidação.
Agência Nacional de
Energia Elétrica – ANEEL (Lei n. 9.427/1996)
Autarquia sob regime especial, vinculada ao MME, tem
a finalidade de regular e fiscalizar a produção, a transmissão, a distribuição e a comercialização de energia
elétrica, em conformidade com as políticas e diretrizes
da União Federal.
Em bases econômicas, o mercado de energia elétrica brasileiro pode ser
compreendido a partir da segmentação das atividades abrangidas pelo Decreto n. 2655/1998, a saber:
Art 1º A exploração dos serviços e instalações de energia elétrica
compreende as atividades de geração, transmissão, distribuição e
comercialização, as quais serão desenvolvidas na conformidade da legislação específica e do disposto neste regulamento. (Destaques acrescentados).
Em realidade esse é o primeiro ato normativo a formalizar a existência
do segmento de comercialização de energia elétrica de forma autônoma.
A atividade de comercialização especificamente é conferida ao autorizado na forma da Resolução n. 265/1998, expedida pela Aneel.
O presente visa oferecer elementos para compreender melhor o mercado de energia elétrica no Brasil e os seus segmentos específicos, bem
como identificar os sujeitos de direitos e obrigações que orbitam no seu
âmbito.
Considerado que a comercialização de energia elétrica entre concessionários, permissionários e autorizados de serviços e instalações de energia
elétrica, bem como destes com seus consumidores, se dá no Sistema Interligado Nacional - SIN, mediante contratação regulada ou livre, incorpora-se o SIN à análise em razão de ser elemento fundamental para que
as atividades de geração, transmissão, distribuição e comercialização de
energia elétrica se desenvolvam no país.
352
Luiz Geremias de Aviz
2. Geração
O primeiro é o segmento da geração, também chamado de produção,
processo através do qual transforma-se um outro tipo qualquer de energia
em energia elétrica.
É o que dispõe o Decreto n. 41.019/1957, no artigo 3º: “o serviço de produção de energia elétrica consiste na transformação em energia elétrica de
qualquer outra forma de energia, seja qual for a sua origem”.
As fontes são variadas, sendo que a predominante no Brasil é a hídrica
(atualmente cerca de 85% (oitenta e cinco por cento)), sendo a energia elétrica obtida com a utilização da força das águas, através dos represamentos
dos cursos d’água. Refere-se aos potenciais de energia hidráulica, cujos
bens pertencem à União e constituem propriedade distinta da do solo.
As fontes térmicas para geração de energia elétrica podem ser divididas em convencionais, as mais comumente utilizadas, que são as que se
baseiam na queima de combustíveis conhecidos e empregados há mais
tempo, como o gás, o óleo e o carvão mineral, e outras, ditas não-convencionais como a decorrente da fissão nuclear. Esta, não convencional até
porque merece tratamento restritivo previsto na Constituição Federal.
No desdobramento dos processos de geração térmica tem-se a chamada
co-geração, que em termos técnicos, propicia o melhor aproveitamento térmico do combustível para a produção simultânea de energia elétrica e de
vapor industrial. Os processos de co-geração são amplamente utilizados.
Muito em voga na atualidade, em face do apelo ambiental, são as chamadas fontes alternativas para geração de energia elétrica, a saber: a) eólica:
baseada na força dos ventos; b) solar: obtida a partir do aproveitamento da
luz e do calor do sol; c) biomassa: mediante o emprego de resíduos resultantes de processos de transformação naturais ou humanos, que ensejam, com
sua queima, a produção de energia elétrica. Existem outras que poderiam ser
mencionadas, como as marés e hidrogênio, mas ainda incipientes.
Cumpre aludir na sequência ao regime jurídico de exploração da geração de energia elétrica.
Três regimes legais de produção de energia elétrica são identificados,
sendo o primeiro consistente no regime de serviço público, voltado ao
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
353
atendimento do publico em geral, de toda a sociedade. O segundo é o regime da autoprodução, explorado por quem deseja ou precisa autoconsumir,
isto é, utilizar energia elétrica para finalidades próprias, comumente em
atividades industriais. O terceiro é o regime da produção independente de
energia elétrica, criado através da Lei n. 9.074/1995. É caracterizado como
intermediário entre a concessão de serviço público e a autoprodução. Envolve tanto a possibilidade de comercialização da energia produzida como
seu autoconsumo, estabelecendo a legislação que o titular da outorga assim
qualificada é aquele que produz energia elétrica para consumo próprio ou
para comercialização, por sua conta e risco.
A titulação das outorgas para cada um desses regimes se formaliza mediante instrumentos de concessão ou autorização, não havendo no setor
elétrico o uso da permissão para produção. Entretanto, aos aproveitamentos de pequeno porte para a geração de energia elétrica, assim os compreendidos abaixo de 1MW (um megawatt) para a geração hídrica e os abaixo
de 5MW (cinco megawatts) para a geração térmica, basta uma comunicação à Aneel.
O agente gerador caracterizado como de serviço público pode ser concessionário, autorizado ou titular de registro (comunicação) junto à Aneel.
Detém contratos de concessão de geração de energia elétrica que sofreram prorrogação de prazo conforme o Decreto n. 1717, de 1995.
Com o advento da Lei n. 10.848/2004 aqueles concessionários devem,
por um lado informar oportunamente ao poder concedente a energia de
que dispõem para fins de leilões de venda a serem realizados no âmbito da
Câmara de Comercialização de Energia Elétrica - CCEE, e por outro lado,
podem comercializar disponibilidades na mesma Câmara.
O agente gerador concessionário ou autorizado produtor independente
de energia elétrica é conceituado como a “pessoa jurídica ou consórcio
de empresas titular de concessão, permissão ou autorização para produzir
energia elétrica destinada ao comércio de toda ou parte da energia produzida, por sua conta e risco”, conforme o contido no Decreto n. 2003/1996.
O mesmo Decreto n. 2003 define autoprodutor como a “pessoa física
ou jurídica ou empresas reunidas em consórcio que recebam concessão ou
autorização para produzir energia elétrica destinada ao seu uso exclusivo”,
determinando que o aproveitamento de potencial hidráulico será outor-
354
Luiz Geremias de Aviz
gado a título oneroso, cujos critérios, condições e forma de pagamento
devidos deverão estar configurados no respectivo edital de licitação, sendo
que a comercialização de energia elétrica (a contratação) dependerá dos
contratos de concessão ou dos atos de outorga.
No que tange ainda à titulação das outorgas, estabelece o Decreto n.
2003/1996 que dependem de autorização a implantação de usina termelétrica de potência superior a 5.000 kW, destinada a autoprodutor e a produtor independente, e o aproveitamento de potencial hidráulico de potência
superior a 1.000 kW e igual ou inferior a 10.000 kW, por autoprodutor, enquanto o aproveitamento de potencial hidráulico igual ou inferior a 1.000
kW e a implantação de usina termelétrica de potência igual ou inferior a
5.000 kW independem de concessão ou autorização, devendo, entretanto,
ser comunicados para fins de registro.
A geração de energia elétrica no Brasil é caracterizada legalmente como
sendo uma atividade competitiva, e não mais uma atividade regulada e protegida. É o que determina o art. 2º. do Decreto n. 2655/1988: “As atividades
de geração e de comercialização de energia elétrica, inclusive sua importação e exportação, deverão ser exercidas em caráter competitivo, (...)”.
Portanto, os empreendedores de geração têm que competir no mercado
para vender a sua energia, ou seja, têm que buscar vender pelo melhor preço, uma vez que os geradores poderão comercializar energia no mercado
regulado (ao agente de distribuição), mediante contratação precedida de
leilão público, ou, se disponível, ao mercado de livre negociação.
2.1 Itaipu Binacional
A importância na menção não está apenas no fato de esta decorrer de
tratamento legal especial, mas também no fato de que a sua produção
constitui-se em cerca da quarta parte de toda a capacidade de geração de
energia elétrica do País.
Trata-se de empresa binacional criada a partir de tratado celebrado entre Brasil e Paraguai em 26 de abril de 1973, aprovado pelo Decreto-Legislativo n. 23/73 e promulgado pelo Decreto n. 72.707/73, com o objetivo de
realizar o aproveitamento hidrelétrico dos recursos hídricos do rio Paraná
pertencentes, em condomínio, aos dois países.
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
355
Em 05 de julho de 1973, foi editada a Lei n. 5.899 dispondo sobre a
aquisição dos serviços de eletricidade da usina de Itaipu, com base no supracitado Tratado, o qual estabeleceu o seguinte: (i) Furnas e Eletrosul, na
qualidade de subsidiárias da Eletrobrás, ficaram designadas para a aquisição da totalidade dos serviços de eletricidade de Itaipu (art. 4º); e (ii) algumas concessionárias de distribuição, expressamente nomeadas, deveriam
celebrar contratos com Furnas ou Eletrosul para a utilização em conjunto
da totalidade da potência contratada com Itaipu (art. 8º).
Por causa da legislação especial a comercialização de energia elétrica
proveniente da Itaipu Binacional não se dá da forma usual operada no
âmbito da CCEE, mas no âmbito da Centrais Elétricas Brasileiras S. A.
– Eletrobrás..
No presente encontra-se em tramitação no Congresso Nacional Brasileiro proposição resultante de acordo entre os países para alterar o mencionado Tratado.
3. Transmissão
A transmissão é compreendida como a transferência por meios físicos
da energia elétrica do sistema do produtor ao sistema de distribuição. Ou
seja, a energia elétrica gerada (produzida) precisa ser levada aos locais de
consumo.
Existem dois segmentos de transporte, diferenciados conforme o nível
de tensão utilizada, sendo um o da transmissão, que na maior parte dos
casos leva a energia da geração para o segmento seguinte que é o da distribuição, e que também pode ser entendido como transporte, porém com
características distintas.
A transmissão é feita através de linhas de transmissão, compostas por
torres, cabos, isoladores e outros equipamentos, inclusive subestações, que
operam com tensões médias, altas e extra-altas.
Conceitualmente, como sabido, a energia elétrica produzida não pode
ser armazenada.
Beneficiado por sua geografia e recursos hídricos abundantes o Brasil
construiu desde há muito um sistema de geração e transmissão de energia
elétrica de base hidrotérmica de grande porte, com forte predominância de
356
Luiz Geremias de Aviz
usinas hidrelétricas e com múltiplos proprietários, com tamanho e características que permitem considerá-lo único em âmbito mundial.
Tem dimensão continental. Grandes usinas hidroelétricas distantes dos
centros de carga (como São Paulo, por exemplo) são interligadas com longas redes de transmissão, cujas instalações constituem a chamada “rede
básica do sistema elétrico”, tratada na Lei n. 9.074/1995.
As usinas de geração hidroelétricas brasileiras estão localizadas em pelo
menos 12 (doze) bacias hidrográficas. Estas, junto com a Itaipu Binacional,
devem representar equilíbrio sistêmico no âmbito do Sistema Interligado
Nacional – SIN, a que faz referência diretriz específica do CNPE mencionada ao início.
A estrutura do SIN, com suas usinas de geração, redes de transmissão e
outras instalações correlatas, permite regular a vazão defluente das usinas
rio acima. tornando a geração de energia elétrica em cadeia e otimizada,
de forma a evitar que ocorra desperdício de água por vertimento.
Para tanto, torna-se imprescindível o sistema de transmissão que sustenta o SIN.
Por sua vez, a interligação das bacias hidrográficas faz com que a transmissão de energia elétrica no SIN seja um fator de expansão da oferta
de energia elétrica, já que permite a relocação da geração para as usinas
onde, num certo período de tempo, haja melhor abastecimento de água aos
reservatórios, retirando de atividade aquelas usina de geração com reservatórios de água com dificuldades de abastecimento.
Justamente pelo exposto o SIN é concebido para ser operado de modo
integrado, e graças ao sistema de transmissão de grande porte que o
integra através da mencionada “’rede básica de transmissão” a sua operação foi definida e estruturada para funcionar segundo processo condominial, regido por normas técnicas e gerenciais severas sob fiscalização
do CMSE e da Aneel. Por lei cumpre ao Operador Nacional do Sistema
Elétrico – ONS referido ao início, a tarefa de coordenação e de controle
o SIN.
Enfim, vale mencionar que a própria Lei n. 10.848/2004, em seu Art.
1º,. § 4o,, acabou por normatizar que na operação do Sistema Interligado
Nacional – SIN serão considerados:
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
I)
357
otimização do uso dos recursos eletroenergéticos para o atendimento
aos requisitos da carga, considerando as condições técnicas e econômicas para o despacho das usinas;
II)as necessidades de energia dos agentes;
III) os mecanismos de segurança operativa, podendo incluir curvas de
aversão ao risco de deficit de energia;
IV) as restrições de transmissão;
V)o custo do deficit de energia; e
VI) as interligações internacionais.
Considerada a multiplicidade de agentes setoriais transacionando
energia elétrica no SIN, visa a lei assegurar que todos tenham garantido o direito de acesso às redes (conforme § 6º, do art. 15, da Lei n.
9074/1995, e Decreto n. 2655/1998), podendo optar pelo melhor fornecimento de energia elétrica que o mercado ofereça, seja nos ambientes
de contratação livre ou.regulada, pagando pelos encargos de uso correspondente.
No que respeita ao regime de exploração, a transmissão está submetida única e exclusivamente ao regime de serviço público, titulada sob concessão.
Importante característica da transmissão é que ela se constitui em atividade neutra, isto é, não comercial e nem competitiva. Ocorre que a concessionária de transmissão não gera, não compra e nem vende energia elétrica. Ela apenas realiza a transmissão de energia elétrica, caracterizada
como um serviço, sendo que a remuneração por este é definida como preço
público, isto é, tarifa de uso dos sistemas de transmissão e/ou de distribuição, reguladas e fixadas pela Aneel, em bases anuais, esob a denominação
de receita anual permitida (RAP).
Existem no Brasil dezenas de concessionárias de transmissão. Não
obstante as mais antigas titulares e algumas das principais serem estatais, é fato que com advento das necessárias expansões de instalações de
transmissão no SIN, têm ingressado de forma expressiva agentes privados arrematando leilões levados a efeito pelo poder concedente, a União
Federal.
358
Luiz Geremias de Aviz
4. Distribuição
Como visto, a transmissão de energia elétrica é feita em tensões elevadas, que não são as usuais para consumidores finais, não obstante existirem alguns grandes consumidores sendo supridos em tensões similares às
da transmissão.
O comum é que consumidores finais sejam atendidos em tensões de fornecimento menores, em sistema capilarizado, que possibilite a circulação
e entrega da energia elétrica. Neste segundo nível de transporte da energia
elétrica há a caracterização do serviço de distribuição.
Além de levar energia elétrica aos consumidores finais (chamados cativos) de sua área de concessão agrupada, (a natureza da concessão de distribuição é territorial), o agente de distribuição, como já referido no tópico
sobre a transmissão, deverá observar o princípio do livre acesso às redes
de sua titularidade, eis que também ele gerencia redes elétricas das quais
dependem interessados em se conectar.
A partir da vigência da Lei n. 10.848/2004 o regime jurídico da exploração da atividade de distribuição sofreu alterações, definindo-se restritamente como de serviço público, inclusive para efeitos de comercialização
da energia elétrica fornecida aos seus consumidores cativos, a qual passou a
ser caracterizada como regulada, tanto na aquisição dos geradores (quando
recebe suprimento), quanto no fornecimento aos seus consumidores finais.
A citada Lei n. 10.848/2004 dedica o art. 2º. integralmente à contratação
regulada e portanto ao agente de distribuição, no que se refere ao suprimento, isto é, à aquisição de energia elétrica para revenda. Já o fornecimento
aos consumidores finais está regulada na Resolução Aneel n. 456/2000 que
estabelece as “Condições Gerais de Fornecimento de Energia Elétrica”.
Em sintonia com as diretrizes básicas ressaltadas ao início, estipula a
Lei que os agentes de distribuição: (i) deverão garantir o atendimento à
totalidade de seu mercado, mediante contratação regulada, por meio de
licitação; e (ii) a contratação regulada deverá ser formalizada por meio de
contratos bilaterais denominados Contrato de Comercialização de Energia
no Ambiente Regulado – CCEAR, celebrados entre cada concessionária
ou autorizada de geração e todas as concessionárias, permissionárias e
autorizadas do serviço público de distribuição.
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
359
Ao agente de distribuição cumpre a exploração empresarial da atividade
que compreende a concessão dos serviços públicos de distribuição de energia elétrica que está definida no contrato ou no ato de outorga que celebrou
ou detém com a União Federal.
São objeto das concessões territoriais reagrupadas, sendo o município, ou
parte dele, a menor porção territorial de uma concessão individualizada.
É obrigatório, garantida a exclusividade, o atendimento a ser oferecido
pela distribuidora na sua área territorial, ressalvado o atendimento a consumidores de energia elétrica que, por força de lei, são livres ou potencialmente livres para adquirir energia elétrica de outro fornecedor.
A partir de 2004 a referida Lei n. 10.848 restringiu as atividades das
concessionárias, e permissionárias de serviço público de distribuição de
energia elétrica que atuem no SIN, as quais não podem desenvolver atividades de geração, de transmissão, de venda a consumidor livre e de participação em outras sociedades.
Por outro lado, pela mesma normatização, os agentes de distribuição
com mercado próprio superior a 500 GWh/ano (quinhentos gigawatts hora
ano) devem obrigatoriamente participar da Câmara de Comercialização de
Energia Elétrica – CCEE.
Ao agente de distribuição está afeta a chamada geração distribuída, que
é regulamentada no Art. 14, do Decreto n 5.163/2004, nos seguintes termos:
“a) considera-se geração distribuída a produção de energia elétrica proveniente de empreendimentos de agentes concessionários, permissionários
ou autorizados, conectados diretamente no sistema elétrico de distribuição
do comprador, exceto aquela proveniente de empreendimento hidrelétrico
com capacidade instalada superior a 30 MW (trinta megawatts), e termelétrico, inclusive de co-geração, com eficiência energética inferior a setenta
e cinco por cento, conforme regulação da ANEEL”.
A contratação de energia elétrica proveniente de empreendimentos de
geração distribuída não poderá exceder a dez por cento da carga do agente
de distribuição.
Complementarmente à energia contratada no ambiente regulado, a partir
do Decreto n. 6.353/2008, passou-se a contar com a contratação da chamada energia de reserva. Seu objetivo é elevar a segurança no fornecimento
360
Luiz Geremias de Aviz
de energia elétrica do SIN com energia proveniente de usinas especialmente contratadas para este fim.
Atualmente no Brasil são mais de 60 (sessenta) as concessionárias agentes de distribuição de energia elétrica, abrangendo toda área territorial do
país, sendo usual a existência de uma delas com preponderância na atuação em cada estado membro da federação. Muitas dessas concessionárias
passaram por procedimentos de “privatização” a partir da segunda metade
dos anos 1990, decorrentes da reforma setorial ocorrida, conforme ampla
legislação editada a partir do ano de 1995.
Em face da legislação e atuação da agência setorial de regulação e fiscalização, a Aneel, que por atribuição regulamentar passou a monitorar os
contratos de concessão de distribuição celebrados com os agentes desse
segmento, atualmente são acompanhados índices envolvendo a qualidade
técnica do serviço de distribuição, reajustes e revisões tarifárias, satisfação
dos consumidores, e outros.
5. Comercalização
Como já adiantado, a comercialização de energia elétrica por agente comercializador autônomo constitui-se em inovação setorial regulamentada
com a Resolução Aneel n. 265/1998, após legislação autorizativa (Lei n.
9648/1998).
Esta atividade está sujeita ao regime competitivo, do qual diversos agentes podem participar. Relembre-se que as concessionárias de transmissão
não podem comercializar energia elétrica, de modo a manter a neutralidade setorial, enquanto que as concessionárias ou permissionárias de distribuição podem comercializar apenas com seus consumidores ditos “cativos”, sendo também vedado a estas participar societariamente de empresas
comercializadoras.
O que faz um agente comercializador?
Atuam basicamente de três maneiras: (i) como “trader” na compra e
venda de energia elétrica em nome próprio, em mercados livres e organizados, assumindo os riscos do mercado; (ii) como “broker” na intermediação
das negociações e dos contatos entre o vendedor e o comprador, utilizando
seus conhecimentos do mercado para gerar novos negócios; e (iii) como
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
361
“dealer” representando outros agentes ou interessados em participar do
mercado livre, associando a seus serviços outras utilidades e funcionalidades, envolvendo a customização ou a personalização dos produtos típicos.
Ainda, atuam como consultores sobre o setor elétrico, analisando arranjos comerciais de empreendimentos, auxiliando em negociações de financiamentos, fazendo gerenciamento de risco.
A comercialização tem por objeto tanto o atendimento aos consumidores
livres quanto a realização de negócios de compra e venda entre agentes setoriais, não envolvidos com o uso final da energia. Nesta segunda hipótese
o negócio pode decorrer de uma relação obrigacional direta entre dois agentes, um vendedor e outro comprador, por meio do que a legislação setorial
denomina contrato bilateral, ou ser realizado sem contato direto entre eles,
através da Câmara de Comercialização de Energia Elétrica – CCEE.
Mas como ocorrem essas transações na CCEE?
É o Decreto n. 5163/2004 que regulamenta a forma e a sistemática de
contratação regulada e livre e determina para qual dos ambientes da CCEE
deve ser remetida a operação.
Tal contratação é afeta à CCEE segundo a convenção de comercialização (aprovada através da Resolução ANEEL n. 109/2004), bem como das
regras e procedimentos de comercialização que compõem a normatização
da CCEE, também aprovados e fiscalizados pela Aneel.
Conforme o Decreto n. 5.163/2004 e a Convenção de Comercialização,
entende-se como Ambiente de Contratação Regulada - ACR o segmento
do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica entre agentes vendedores e agentes de distribuição, precedidas
de licitação, ressalvados os casos previstos em lei, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos.
Igualmente compreendido no âmbito da CCEE o Ambiente de Contratação Livre - ACL é o segmento do mercado no qual se realizam as operações de compra e venda de energia elétrica, objeto de contratos bilaterais
livremente negociados, conforme regras e procedimentos de comercialização específicos.
Quem usualmente se utiliza do agente comercializador, quando ele próprio não constitui uma comercilizadora, são os consumidores livres e os
362
Luiz Geremias de Aviz
consumidores especiais, agentes fundamentais na consolidação do mercado de livre contratação de energia elétrica
O consumidor livre é definido como: “aquele que, atendido em qualquer tensão, tenha exercido a opção de compra de energia elétrica, conforme definida nos arts. 15 e 16 da Lei n. 9.074/1995”. É o consumidor
que adquire energia elétrica de qualquer fornecedor, conforme legislação
e regulamentos específicos. Ou seja, são consumidores que, atendendo
aos requisitos da legislação vigente, podem escolher seu fornecedor de
energia elétrica (geradores e comercializadores) por meio de livre negociação.
As condições para que o consumidor de energia elétrica possa se tornar
livre, saindo do atendimento e fornecimento de energia elétrica pelo
concessionário do serviço público de distribuição de energia elétrica
são as seguintes: (1) se a data de ligação originária do consumidor cativo junto ao agente de distribuição ocorreu antes de 08.07.1995 (data
de publicação da Lei n. 9074/1995), a demanda mínima exigida para
se tornar livre é de 3 MW (três megawatts) em tensão de 69 kV (sessenta e nove quilovolts); (2) no caso de a data de ligação originária do
consumidor cativo junto ao agente de distribuição ter ocorrido após
08.07.1995, a demanda mínima exigida é de 3 MW (três megawatts)
em qualquer tensão.
Com a edição da Resolução Aneel n. 247/2006, passou a ser regulamentado o chamado Consumidor Especial, definido como consumidor responsável por unidade consumidora ou conjunto de unidades consumidoras do
Grupo “A”, integrante(s) do mesmo submercado no Sistema Interligado
Nacional - SIN, reunidas por comunhão de interesses de fato ou de direito,
cuja carga seja maior ou igual a 500 kW (quinhentos quilowatts) e que podem adquirir energia de agente gerador incentivado.
As condições para tal comercialização é prevista na Lei n 9.427/1996
(Art. 26, § 5º, com a redação dada pela Lei n. 11.943/2009), para os consumidores com demanda mínima de 500 kW, atendidos em qualquer
tensão de fornecimento, têm o direito de adquirir energia de qualquer
fornecedor, desde que a energia adquirida seja oriunda de Pequenas
Centrais Hidrelétricas (PCHs) ou de fontes alternativas (eólica, biomassa ou solar).
O MERCADO DE ENERGIA ELÉTRICA NO BRASIL
363
Tanto os consumidores livres como os especiais deverão, celebrar os
contratos de conexão e uso dos sistemas de transmissão ou distribuição, conforme o caso.
No âmbito do agente comercializador usualmente podem ocorrer operações envolvendo o agente importador e o agente exportador de energia
elétrica.
A propósito, registre-se que a importação de energia elétrica é considerada como se fora uma usina de geração na fronteira do País, atribuindose-lhe todos os requisitos regulatórios correspondentes.
As relações contratuais de compra e venda entre esses agentes são estabelecidas no âmbito da CCEE, no ambiente de contratação livre (ACL), o
que exige a participação deles na Câmara, por si ou representados.
Vale ressaltar que a CCEE não compra ou vende energia e não tem fins
lucrativos, mas viabiliza as transações de compra e venda de energia elétrica entre os agentes do mercado, inclusive no que respeita ao mercado
de curto prazo que opera e no estabelecimento do preço de liquidação de
diferenças (PLD), que estabelece em base semanal.
6. Síntese
A implementação e operacionalização do Modelo Institucional do Setor
Elétrico a partir de 2003 contemplou as diretrizes básicas aprovadas pelo
Conselho Nacional de Política Energética – CNPE, consagradas na Lei n.
10.848/2004 e no Decreto n. 2003/2004, assegurando ao mercado de energia elétrica: a) prevalência do conceito de serviço público para a produção
e distribuição de energia elétrica aos consumidores cativos dos agentes
de distribuição; b) modificação no processo de licitação da concessão do
serviço público de geração priorizando a menor tarifa; c) um ambiente de
contratação regulada (ACR) e outro de contratação livre (ACL) no âmbito
da CCEE; d) regime jurídico de serviço público para as atividades de distribuição e transmissão de energia elétrica; e) competição de preços para
as atividades de geração e comercialização de energia elétrica; f) mercado
livre para atuação de geradores (produtores independentes de energia elétrica e autoprodutores), consumidores livres e especiais e agentes comercializadores de energia elétrica na forma da Resolução Aneel n. 265/1998.
364
Luiz Geremias de Aviz
A atividade de geração, compreendendo os regimes de serviço público, autoprodução ou produção independente, é o principal elo de uma
imaginária cadeia energética composta pelas outras atividades, a saber:
i) de transmissão, compreendida como a transferência por meios físicos
da energia do sistema do produtor ao sistema de distribuição; ii) de distribuição, consistente no fornecimento de energia elétrica a consumidores
finais, em uma determinada área territorial concedida; e iii) da atividade
de comercialização de energia elétrica decorrente do portfólio de contratos
de suprimento para revenda de que seja titular o agente comercializador,
ou o gerador que assim disponha para venda.
As atividades setoriais de forma preponderante (exceção feita a sistemas isolados) se realizam no Sistema Interligado Nacional (SIN), elemento
fundamental para que as atividades de geração, transmissão, distribuição
e comercialização de energia elétrica se desenvolvam num país de dimensões continentais e matriz hidroelétrica preponderante.
Cumpre à CCEE viabilizar a comercialização de energia elétrica no SIN
e administrar os contratos de compra e venda de energia elétrica, sua contabilização e liquidação, enquadrando as operações em face de sua natureza em dois ambientes de contratação: i) livre (ACL); e ii) regulado (ACR).
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL:
UM PANORAMA REGULATÓRIO
E AMBIENTAL
Antonio Augusto Reis
[email protected]. Graduado em Direito e pós-graduado em Direito
Ambiental pela PUC–Rio. Mestre em Direito Ambiental pela Pace
University Law School – NY. Professor de cursos de pós-graduação em
Direito Ambiental da PUC-Rio e da FGV. Professor convidado da disciplina
de Direito Ambiental Comparado – Brasil/EUA da Pace University Law
School – NY. Sócio responsável pela área de meio ambiente de Bichara,
Barata, Costa & Rocha Advogados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)
Aline Cardoso de Barros
[email protected]. Especialista em Direito dos Contratos pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV-RJ). Graduada em Direito pela
Universidade Gama Filho (UGF -2001). Co-autora de artigos publicados na
área de contratos Associada do Escritório Bichara, Barata, Costa & Rocha
Advogados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)
1. Introdução
A economia mundial está fortemente atrelada à utilização em massa de
combustíveis fósseis, i.e. petróleo, gás natural e carvão mineral. As fontes
mais significativas de demanda são a geração de energia (usinas termoelétricas a óleo, gás natural e carvão), os setores de transporte e siderurgia, etc.
Combustíveis fósseis são sustâncias formadas basicamente por compostos de carbono, usados para alimentar e/ou potencializar a combustão.
Como são originados a partir da conjugação de diversos fatores, como
a decomposição de materiais orgânicos, temperatura, pressão, por um
prazo muito extenso, são considerados recursos naturais não renováveis,
ainda que ao longo de uma escala de tempo geológica consideravel esses
366
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
combustíveis continuem a ser formados na natureza. A transformação é
observada pelo acúmulo de grandes quantidades de matéria orgânica comprimida, sob fortes condições de temperatura e pressão, durante um vasto
decurso de tempo.
Com as descobertas realizadas nas últimas décadas, em destaque o início
da produção na camada pré-sal, o Brasil hoje desponta como um dos grandes produtores mundiais de petróleo e gás, tendo sido até mesmo especulada
a possibilidade de o país se tornar membro da Organização dos Países Exportadores de Petróleo – OPEC. Somados, petróleo e gás natural respondem
por aproximadamente 46,5% da oferta interna de energia no país.
O carvão mineral é o combustível fóssil mais disponível no mundo (a
reserva total mundial é estimada em aproximadamente 847,5 bilhões de
toneladas). Diferentemente do que ocorre com petróleo e gás natural, em
que há grandes concentrações em poucas regiões do globo, as reservas de
carvão estão bem distribuídas geograficamente, com especial ênfase no
hemisfério norte. O Brasil ocupa posição relevante, com reservas estimadas de 32 bilhões de toneladas.
Apesar da aparente grande disponibilidade de recursos, a demanda
mundial é também extremamante elevada. Nesse contexto, o preço dos
combustíveis fósseis está ligado em proporcionalidade inversa à quantidade disponível para extração e, consequentemente, sua venda. Quanto mais
se observe a dificuldade de se conseguir tais combustiveis, ou, quanto mais
perto se chegue do esgotamento de suas reservas, mais elevado se apresenta seu preço.
Paralelamente, em função do significativo aumento do preço dos combustíveis fósseis e da poluição causada pelo seu uso ininterrupto, o mundo
busca soluções alternativas viáveis. No entanto, a relativa abundância dos
citados recursos naturais no país, conjugada com a ausência de tecnologias economicamente viáveis para subtituição completa dos combustíveis
Empresa de Pesquisa Energética – EPE, Balanço Energético Nacional 2010, disponível em https://ben.epe.gov.br/downloads/Resultados_Pre_BEN_2010.pdf.
ANEEL, Atlas de Energia Elétrica do Brasil, disponível em http://www.aneel.gov.
br/arquivos/PDF/atlas_par3_cap9.pdf.
CPRM – Serviço Geológico do Brasil, informação disponível em http://www.cprm.
gov.br/coluna/carvaomineral0.html.
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
367
fósseis, faz com que seu uso, ao menos no curto e médio prazos, seja uma
realidade indiscutível.
Nesse cenário, este breve estudo apresenta um panorama objetivo sobre
o mercado de exploração de combustíveis fósseis no Brasil. Para tanto,
apresenta-se um quadro resumido do marco regulatório vigente e as perspectivas futuras, além de uma visão geral sobre as questões ambientais
associadas às atividades de exploração e produção de petróleo e gás e mineração de carvão.
2.Legislação aplicável e Agências
Governamentais envolvidas:
Tanto petróleo e gás natural, quanto carvão mineral são classificados,
nos termos do art. 20 da Constituição Federal (“CF”), como bens da União,
ente ao qual incumbe, portanto, sua adequada gestão.
Para cumprir tal missão institucional, em 1960 foi instituído, e posteriormente recriado em 1992, o Ministério de Minas e Energia (“MME”),
com as seguintes áreas de competência: geologia, recursos minerais e energéticos, aproveitamento da energia hidráulica, mineração e metalurgia, e
petróleo, combustível e energia elétrica, incluindo a nuclear.
Em 2004, foi regulamentada a estrutura do MME, criando-se as Secretarias de Petróleo, Gás Natural e Combustíveis Renováveis, e de Geologia,
Mineração e Transformação Mineral.
Estão vinculadas ao MME a Petróleo Brasileiro S/A – Petrobras, sociedade de economia mista, além das autarquias Agência Nacional do Petróleo
(“ANP”) e o Departamento Nacional de Produção Mineral (“DNPM”).
A seguir descreve-se, resumidamente, o quadro regulatório aplicável à
exploração de petróleo, gás natural e carvão mineral no Brasil.
2.1. Petróleo e Gás
O texto original da CF manteve o monopólio estatal sobre as atividades de
exploração e produção de petróleo e gás natural, conforme dispôs seu art. 177:
Decreto n. 5.267/04.
368
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
“Constituem monopólio da União:
I – a pesquisa e a lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros
hidrocarbonetos fluidos;
II – a refinação do petróleo nacional ou estrangeiro;
III – a importação e exportação dos produtos e derivados básicos resultantes das atividades previstas nos incisos anteriores;
IV – o transporte marítimo do petróleo bruto de origem nacional ou de
derivados básicos de petróleo produzidos no País, bem assim o transporte, por meio de conduto, de petróleo bruto, seus derivados e gás
natural de qualquer origem (...)”.
A Emenda Constitucional n. 9/95, no entanto, abriu caminho para a flexibilização do monopólio, estabelecendo que: “a União poderá contratar com
empresas estatais ou privadas a realização das atividades previstas nos incisos I a IV deste artigo observadas as condições estabelecidas em lei”.
Finalmente, em 1997, com a edição da Lei n. 9.478 (“Lei do Petróleo”)
estava aberta a possibilidade de empresas privadas participarem em todos
os elos da cadeia produtiva do petróleo e gás natural (do poço ao posto). A
lei criou ainda o Conselho Nacional de Política Energética (“CNPE”) e a
Agência Nacional de Petróleo (“ANP”), à qual caberia gerenciar as concessões para exploração das atividades de exploração e produção de petróleo
e gás natural.
Com a edição do Decreto n. 2.455/98, a ANP foi implantada como autarquia especial vinculada ao MME, com a finalidade promover a regulação,
a contratação e a fiscalização das atividades econômicas integrantes da
indústria do petróleo, de acordo com o estabelecido na legislação, nas diretrizes emanadas do CNPE e em conformidade com os interesses do País.
Merece destaque, ainda, a publicação, em 2009, da Lei n. 11.909, que
instituiu normas para a exploração das atividades econômicas de transporte de gás natural por meio de condutos e da importação e exportação
de gás natural, bem como para a exploração das atividades de tratamento,
processamento, estocagem, liquefação, regaseificação e comercialização
de gás natural.
Assim, a ANP regula, contrata e fiscaliza as atividades relacionadas à
cadeia produtiva do petróleo e gás natural. No âmbito da regulação, a ANP
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
369
estabelece regras por meio de portarias, instruções normativas e resoluções. Na esfera contratual, a ANP promove licitações (“Rodadas de Licitação”) e celebra contratos em nome da União com os concessionários em
atividades de exploração, desenvolvimento e produção de petróleo e gás
natural. Ademais, a ANP fiscaliza as atividades das indústrias reguladas,
diretamente ou mediante convênios com outros órgãos públicos.
Em conformidade com o marco regulatório vigente, a participação nas
Rodadas de Licitação promovidas pela ANP é a única forma de se obter a
concessão do direito de exercício das atividades de exploração e produção
de petróleo e gás.
Cabe à ANP, como órgão regulador do setor, promover estudos visando
à delimitação de blocos e também promover licitações para concessão de
exploração, desenvolvimento e produção, celebrar, em nome da União, os
contratos delas decorrentes, além de fiscalizar a sua execução. Os blocos
são partes de uma bacia sedimentar onde são desenvolvidas atividades de
exploração ou produção de petróleo e gás natural.
A delimitação dos blocos oferecidos nas Rodadas de Licitações é condicionada à disponibilidade de dados geológicos e geofísicos que demonstrem indícios da presença de petróleo e gás natural e a considerações preliminares sobre condicionantes ambientais, entre outros itens técnicos. A
seleção final é feita de acordo com as diretrizes do CNPE.
Empresas nacionais e estrangeiras devidamente habilitadas podem participar das Rodadas de Licitação. Entretanto, para se tornarem concessionárias, devem ser constituídas sob as leis brasileiras, com sede e administração no País. Os processos licitatórios transcorrem sob regras claras e
ampla transparência.
Como informa a ANP, a organização de uma Rodada de Licitações inclui as seguintes etapas: (i) definição de blocos; (ii) anúncio da rodada; (iii)
publicação do pré-edital e da minuta do contrato de concessão; (iv) realização da audiência pública; (v) recolhimento das taxas de participação e das
garantias de oferta; (vi) disponibilização do pacote de dados; (vii) seminário técnico-ambiental; (viii) seminário jurídico-fiscal; (ix) publicação do
edital e do contrato de concessão; (x) abertura do prazo para a habilitação
das empresas concorrentes; (xi) realização do leilão para apresentação das
ofertas; e (xii) assinatura dos contratos de concessão.
370
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
Importante destacar as contribuições devidas pelos concessionários.
Além dos impostos rotineiros, as sociedades vinculadas à produção de
petróleo e gás natural pagam royalties a municípios, estados e à União.
Para campos de produção e rentabilidade significativas, pagam também
participações especiais. Os concessionários de blocos terrestres pagam,
adicionalmente, a participação ao proprietário da terra. As alíquotas são
definidas pela Lei n. 9.478/97 e os critérios a serem utilizados para os cálculos e cobrança estão determinados no Decreto n. 2.705/98.
No contexto, pode-se resumir a atuação da ANP no setor de petróleo e
gás da seguinte forma, levando-se em consideração as etapas do processo
produtivo:
a) Exploração e Produção – Upstream: a ANP administra e fornece
dados técnicos, promove estudos delimitando áreas para exploração,
desenvolvimento e produção de petróleo e gás natural; promove licitações para a concessão das áreas e fiscaliza o cumprimento dos
contratos de concessão, que estabelecem as seguintes fases: (i) Exploração: os vencedores nas licitações adquirem estudos, buscam
petróleo e gás promovendo avaliações sobre as descobertas e suas
viabilidades comerciais; (ii) Produção: caso o concessionário avalie ser comercialmente viável a sua descoberta, deverá submeterá à
ANP seu plano de desenvolvimento, contemplando a potencialidade
do campo, a proposta de trabalho e previsão de investimentos para,
só então, iniciar a produção.
b) Refino, Processamento, Transporte e Armazenamento – Midstream: a construção, operação e ampliação de refinarias, instalações
de processamento de gás natural, de armazenamento e transporte de
petróleo, seus derivados e gás natural, inclusive o liqüefeito (GNL)
depende de autorização a ser emitida pela ANP. Dependem também
de autorização a importação e exportação de petróleo, gás natural e
biodiesel, as atividades de distribuição de gás natural comprimido
(GNC) e de GNL, bem como as de produção e estocagem de biodiesel, fiscalizando todas as atividades acima mencionadas.
c) Distribuição e Revenda – Downstream: a ANP regula todas as atividades de distribuição, revenda, importação e exportação de combus-
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
371
tíveis líquidos, gás liqüefeito de petróleo (GLP), solventes e lubrificantes. É responsável ainda pelo estabelecimento das especificações
dos produtos vinculados, pelo acompanhamento da qualidade e dos
preços praticados no mercado. Ademais, cabe à ANP a fiscalização
e medidas no intuito de restringir infrações ou irregularidades na
comercialização de combustíveis. Com relação à fiscalização, a ANP
atua juntamente com a Polícia Federal, os Ministérios Públicos de
todos os estados e do Distrito Federal, Corpo de Bombeiros, secretarias estaduais de Fazenda e prefeituras.
Vale destacar, ainda, a atuação da ANP no que se refere ao monitoramento da qualidade dos combustíveis comercializados em todo e território
nacional, assim como o levantamento dos preços praticados, com vistas a
identificar possíveis infrações à ordem econômica.
Por fim, importante destacar que estão em análise no Congresso Nacional os projetos de lei enviados pelo Governo Federal que, uma vez aprovados, formarão o novo marco regulatório para as atividades de exploração
e produção na camada pré-sal. Caso a proposta do Governo Federal venha
a ser aprovada, o modelo de exploração da camada pré-sal deverá ser o
de partilha de produção (e não de concessão, como ocorre atualmente em
relação às atividades de exploração e produção não inseridas na camada
pré-sal). Há previsão de que no novo modelo a Petrobras detenha participação de, no mínimo, 30% nos consórcios formados para a exploração e
produção, atuando como operadora única da camada pré-sal. Está prevista
ainda a formação de uma nova estatal, a Petrosal, e do Fundo Social, com
objetivo de investir no desenvolvimento social nacional os recursos advindos das referidas atividades de exploração e produção.
2.2. Carvão Mineral
Assim como petróleo e gás natural, os recursos minerais, dentre eles o
carvão mineral, são bens da União Federal, conforme art. 20, IX, da Constituição Federal.
Nos termos do art. 176 da CF, “as jazidas, em lavra ou não, e demais
recursos minerais e os potenciais de energia hidráulica constituem propriedade distinta da do solo, para efeito de exploração ou aproveitamento, e
372
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
pertencem à União, garantida ao concessionário a propriedade do produto
da lavra”.
O mesmo dispositivo esclarece, em seu parágrafo primeiro, que “a pesquisa e a lavra de recursos minerais somente poderão ser efetuados mediante autorização ou concessão da União, no interesse nacional, por brasileiros ou empresa constituída sob as leis brasileiras e que tenha sua sede
e administração no País, na forma da lei, que estabelecerá as condições
específicas quando essas atividades se desenvolverem em faixa de fronteira ou terras indígenas”.
Nesse contexto, a gestão macro do patrimônio mineral nacional está
subordinada às decisões do MME. Para a atuação específicamente voltada
à área mineral, em 09.11.04, foi editado o Decreto n. 5.267/04, por meio do
qual foi instituída a Secretaria de Geologia, Mineração e Transformação
Mineral (“SGM”).
A SGM é responsável por assuntos relacionados à geologia, recursos
minerais; mineração e metalurgia, cabendo, dentre outros: (i) implementar,
orientar e coordenar as políticas para geologia, mineração e transformação
mineral; (ii) coordenar os estudos de planejamento setoriais, propondo as
ações para o desenvolvimento sustentável da mineração e da transformação mineral; (iii) promover e apoiar atividades de pesquisa e desenvolvimento tecnológico nos domínios da geologia e da indústria mineral; (iv)
coordenar o processo de concessões de direitos minerários e supervisionar
o controle e a fiscalização da exploração e produção dos bens minerais.
Como autarquia responsável pela execução da política mineral nacional,
foi criado em 1934, e recriado em 1994 como autarquia federal vinculada ao MME, o Departamento Nacional de Produção Mineral (“DNPM”),
com sede e foro em Brasília, Distrito Federal, e circunscrição em todo o
território nacional.
O DNPM tem por finalidade promover o planejamento e o fomento da
exploração mineral e do aproveitamento dos recursos minerais e superintender as pesquisas geológicas, minerais e de tecnologia mineral, bem
como assegurar, controlar e fiscalizar o exercício das atividades de mine
Decreto n. 23.979/34.
Decreto nº 1.324/94, em conformidade com a Lei n. 8.876/94.
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
373
ração em todo o território nacional, na forma do que dispõem o Código
de Mineração, o Código de Águas Minerais, os respectivos regulamentos e a legislação que os complementam competindo-lhe, em especial: (i)
promover a outorga, ou propô-la à autoridade competente, quando for o
caso, dos títulos minerários relativos à exploração e ao aproveitamento
dos recursos minerais e expedir os demais atos referentes à execução da
legislação minerária; (ii) coordenar, sistematizar e integrar os dados geológicos dos depósitos minerais, promovendo a elaboração de textos, cartas
e mapas geológicos para divulgação; (vi) fiscalizar a pesquisa, a lavra, o
beneficiamento e a comercialização dos bens minerais, podendo realizar
vistorias, autuar infratores e impor as sanções cabíveis, na conformidade
do disposto na legislação minerária; (vii) baixar normas, em caráter complementar, e exercer a fiscalização sobre o controle ambiental, a higiene e
a segurança das atividades de mineração, atuando em articulação com os
demais órgãos responsáveis pelo meio ambiente e pela higiene, segurança
e saúde ocupacional dos trabalhadores; (ix) baixar normas e exercer fiscalização sobre a arrecadação da Compensação Financeira pela Exploração
de Recursos Minerais.
A principal norma legal a regular a atividade de mineração no Brasil é
o Código de Mineração, instituído pelo Decreto-Lei n. 227/67. De acordo
com o Código de Mineração, a exploração de recursos minerais no Brasil
far-se-á de acordo com os regimes de (i) concessão; (ii) autorização; (iii)
licenciamento; (iv) permissão de lavra garimpeira; e (v) monopolização.
O Código de Mineração estabelece procedimentos e atos específicos para
a exploração de recursos minerais, de acordo com as etapas do processo
produtivo (i.e. pesquisa e lavra).
Assim, o carvão mineral só poderá ser explorado por particulares por
meio de ato administrativo específico (e.g. concessão de lavra) outorgado
pela União Federal, em conformidade com os procedimentos previstos no
Código de Mineração. No item 3.2 abaixo são brevemente descritas as etapas de licenciamento de um projeto de mineração no Brasil (procedimento
regulatório e ambiental).
Nos termos do art. 20, § 1º, da Constituição Federal, “é assegurada, nos
termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como
a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da
374
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva,
ou compensação financeira por essa exploração”.
Nessa linha foi instituída, pela Lei n. 8.876/94, a Compensação Financeira pela Exploração de Recursos Minerais (“CFEM”), administrada pelo
DNPM. A CFEM é devida por quem exerce atividade de mineração em
decorrência da exploração ou extração de recursos minerais e tem por fato
gerador (i) a saída por venda do produto mineral das áreas da jazida, mina,
salina ou outros depósitos minerais e, ainda, (ii) a utilização, a transformação industrial do produto mineral ou mesmo o seu consumo por parte do
minerador.
A CFEM é calculada sobre o valor do faturamento líquido, obtido por
ocasião da venda do produto mineral. No caso do carvão mineral, a alíquota aplicada sobre o faturamento líquido será de 2% (dois por cento).
Por fim, cumpre destacar que está em análise uma proposta do MME/
SGM de novo marco regulatório para a atividade de mineração no Brasil,
com o objetivo principal de modernizar a gestão dos recursos minerais
no país. Dentre as propostas incluídas no novo marco regulatório estão:
(i) a criação do Conselho Nacional de Política Mineral e uma Agência
Reguladora de Mineração e também (ii) mudanças na outorga de título
mineral, garantindo-se melhor acompanhamento, fiscalização e gestão
pelo órgão gestor. Outra importante decisão é a participação federativa
na fiscalização e gestão dos recursos minerais que constam no artigo 23
da Constituição Federal (participação efetiva de Estados e Municípios).
3. Aspectos ambientais relevantes
A despeito de sua inegável importância para o desenvolvimento econômico no Brasil e no mundo, a utilização em massa de combustíveis fósseis
acarreta impactos relevantes sobre o ambiente. Tais impactos são verificados tanto durante o processo de exploração e produção, que, em razão
Entende-se por faturamento líquido o valor da venda do produto mineral, deduzindo-se os tributos (ICMS, PIS, COFINS), que incidem na comercialização, como
também as despesas com transporte e seguro.
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
375
da característica rigidez locacional da atividade, implicam significativa
alteração dos ecossistemas, quanto na sua queima para geração de energia,
associada a emissões atmosféricas relevantes (e.g. emissão de gases do
efeito estufa – dióxido de carbono, etc.).
Exatamente para equilibrar-se a imprescindibilidade da utilização de
combustíveis fósseis com a também inafastável necessidade de proteção
do meio ambiente é que surge a necessidade de controle rígido associado
ao desenvolvimento de tais atividades. Note-se que não se trata aqui da
criação de restrições infundadas, mas sim da busca, com base no princípio
da prevenção, de medidas que garantam, de forma razoável, a sustentabilidade das atividades.
Dentre os instrumentos que visam a garantir a sustentabilidade da exploração, produção e utilização de combustíveis fósseis, pode-se citar o
zoneamento ambiental (com a indicação de áreas adequadas à exploração),
a criação de padrões de qualidade (para o ar, água, solo, etc.), a avaliação
de impactos ambientais, etc.
Merece especial destaque, como instrumento de prevenção, o processo
de licenciamento ambiental, por meio do qual caberá ao órgão ambiental
competente analisar os impactos da atividade proposta (e.g. exploração e
produção de petróleo, mineração de carvão, etc.) e decidir sobre sua viabilidade ambiental, estabelecendo as respectivas medidas de mitigação e
compensação dos impactos ambientais associados.
3.1. Licenciamento Ambiental para Exploração e Produção de Petróleo e Gás
A preocupação com a proteção ambiental é elemento fundamental do
processo de concessão para exploração e produção de petróleo e gás con
Diferentemente de outras atividades industriais – onde se pode optar pela melhor
localidade para implantação de projetos –, a exploração de combustíveis fósseis
precisa ocorrer onde há disponibilidade do recurso natural (i.e. carvão, petróleo,
gás, etc.), sendo que em não raras vezes os recursos são encontrados em áreas consideradas sensíveis do ponto de vista ambiental.
Considerando a inexistência, até o momento, de norma legal válida para repartição
de competências em matéria ambiental, a definição da competência para condução
do processo de licenciamento ambiental é, em regra, definida em função de critérios de abrangência dos impactos ambientais decorrentes e titularidade (i.e. federal,
estadual ou municipal) dos bens ambientais afetados.
376
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
duzido pela ANP. O trabalho tem início com os estudos conduzidos conjuntamente com o IBAMA, Instituto Chico Mendes de Conservação da
Biodiversidade – ICMBIO e órgãos ambientais estaduais, com vistas a definir eventuais zonas de exclusão para licitação (áreas consideradas sensíveis do ponto de vista ambiental, tal como unidades de conservação, etc.).
Além disso, os editais e os contratos de concessão celebrados entre a
ANP e as empresas vencedoras nos processos licitatórios prevêem exigências referentes à conservação e proteção do meio ambiente, sendo certo
que, atualmente, a variável ambiental inclusive contabiliza pontos para a
empresa concorrente.
No que se refere ao licenciamento ambiental das atividades de exploração e produção, tendo em vista as suas peculiaridades, a legislação nacional estabeleceu um sistema específico de licenciamento, que leva em
consideração as etapas de pesquisa, perfuração, produção para pesquisa,
instalação e operação dos sistemas de produção de petróleo e gás.
As regras gerais para o licenciamento ambiental de atividades de exploração e produção estão estabelecidas principalmente nas Resoluções
CONAMA n. 23/94, 237/97 e 350/04.
No que se refere à competência para condução do processo de licenciamento das atividades de exploração e produção, em regra as atividades
conduzidas em terra (“onshore”) são licenciadas pelos órgãos ambientais
estaduais. As atividades realizadas na plataforma continental (“offshore”),
no entanto, são licenciadas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e
dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA, por meio de sua Coordenação Geral de Licenciamento de Petróleo e Gás (CGPEG). Como no Brasil
as atividades de exploração e produção são majoritariamente conduzidas
offshore, há um grande volume de processos de licenciamento em curso
perante o IBAMA.
Para adequar-se às atividades de exploração e produção de petróleo e
gás, o processo de licenciamento ambiental contempla a emissão das seguintes licenças:
(i) Licença de Pesquisa Sísmica (LPS) – que deve ser solicitada para a
realização de atividades de aquisição de dados sísmicos marítimos e
em zona de transição.
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
377
(ii) Licença Prévia para Perfuração (LPper) – que autoriza a perfuração
de poços para identificação de jazidas e suas extensões.
(iii) Licença Prévia de Produção para Pesquisa (LPpro) – que autoriza a
produção para pesquisa da viabilidade econômica da jazida.
(iv) Licença de Instalação (LI) – que autoriza a instalação das unidades
e sistemas necessários à produção e ao escoamento.
(v) Licença de Operação (LO) – que autoriza o início da operação do empreendimento ou das suas unidades, instalações e sistemas integrantes.
Para a emissão das licenças referidas acima, o órgão ambiental licenciador exigirá a elaboração, pelo empreendedor, dos seguintes estudos
ambientais, de acordo com a fase e características do licenciamento: (i)
Estudo de Sísmica; (ii) Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA; (iii)
Relatório de Controle Ambiental – RCA; (iv) Estudo de Viabilidade Ambiental – EVA; (v) Relatório de Avaliação Ambiental – RAA; (vi) Projeto
de Controle Ambiental – PCA.
O processo de licenciamento ambiental de projetos de exploração e produção de petróleo e gás, em regra, contará com participação popular através de audiências públicas coordenadas pelo órgão licenciador, as quais
normalmente contam com a participação de outros órgãos e entidades interessados, como representantes do(s) município(s) afetado(s), do Ministério
Público, representantes de ONGs, associações de trabalhadores, etc.
As licenças serão concedidas por prazo determinado e caberá ao empreendedor a estrita observância dos termos e condições nelas estabelecidos,
além de requerer sua renovação nos prazos previstos.
O processo de licenciamento das atividades relacionadas aos setores de
midstream e downstream em regra seguem as normas gerais de licenciamento ambiental (licenciamento em três etapas: licença prévia, de instalação e de operação).
3.2. Licenciamento da Atividade de Mineração
A atividade de mineração no Brasil, por ser considerada atividade potencialmente poluidora, está sujeita a prévio licenciamento junto ao DNPM
(cf. item 2.2 acima) e ao órgão ambiental competente.
378
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
As regras gerais para o licenciamento ambiental de atividades minerárias estão estabelecidas, principalmente, na Constituição Federal, na Lei
n. 6.938/81 (Política Nacional do Meio Ambiente) e nas Resoluções do
Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA de n. 01/86, 09/90 e
237/97. Regras estaduais e municipais específicas poderão ser aplicáveis de
acordo com a competência para a condução do processo de licenciamento
ambiental.
O processo de licenciamento ambiental para a atividade de mineração
está intimamente ligado ao processo de licenciamento junto ao DNPM, e,
assim, segue as etapas de pesquisa, análise de viabilidade, implantação e
operação do projeto mineral.
3.2.1. A Pesquisa Mineral
Em regra, não é exigido o licenciamento ambiental para as atividades
de pesquisa mineral. A princípio tal licenciamento somente será exigível
nas seguintes hipóteses: (i) quando o empreendedor desejar extrair minério durante a fase de pesquisa (mediante prévia obtenção de “guia de
utilização” junto ao DNPM), ou (ii) quando a pesquisa mineral, por si só,
for capaz de causar significativo impacto ambiental (e.g. necessidade de se
remover vegetação, etc.).
Caso, nos termos acima expostos, seja necessário o licenciamento ambiental, caberá ao empreendedor requerer uma “Licença de Operação para
Pesquisa Mineral” junto ao órgão ambiental competente antes do início da
pesquisa (cf. Resolução CONAMA n. 09/90).
Naturalmente, o empreendedor deverá obter, também, o Alvará de Pesquisa junto ao DNPM (cf. art. 15 do Decreto-Lei nº 227/67 – Código de
Mineração).
3.2.2. A Viabilidade Econômica e Ambiental do Projeto
Uma vez finalizada a pesquisa mineral, deve ser apresentado ao DNPM
um Relatório de Pesquisa. Sendo aprovado o Relatório (ou seja, caso constatada a existência de recursos minerais potencialmente aproveitáveis), o
empreendedor deverá requerer e obter do DNPM a respectiva Concessão
de Lavra. O requerimento de lavra deve ser instruído, entre outros ele-
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
379
mentos, com um Plano de Aproveitamento Econômico (“PAE”), contendo
um memorial explicativo e projetos ou anteprojetos relativos, por exemplo,
ao método de mineração a ser adotado (cf. art. 38, VI, e art. 39, II, do Código de Mineração). Esse requerimento de lavra deve ser apresentado ao
DNPM no prazo de 1 ano contado da data de apresentação do relatório de
pesquisa, admitida a prorrogação desse prazo por igual período mediante
aprovação do DNPM (cf. art. 31 do Código de Mineração).
Assim, caso a pesquisa mineral revele a existência de recursos minerais
e a viabilidade econômica de seu aproveitamento, caberá ao empreendedor
dar início aos processos de obtenção do seu título de lavra (a concessão)
e de licenciamento ambiental (ou dar-lhe seguimento, caso já tenha sido
expedida uma licença de operação para pesquisa mineral).
Primeiramente, o empreendedor deverá contratar a elaboração de um
estudo ambiental10 a ser definido pelo órgão ambiental licenciador, o qual
identificará os potenciais impactos do projeto sobre os meios físico, biótico
e sócio-econômico na região e proporá as correspondentes medidas mitigadoras e compensatórias cabíveis.
O órgão ambiental, com base nas conclusões do estudo ambiental, decidirá sobre a viabilidade ambiental do empreendimento. Caso entenda
possível, o órgão expedirá a respectiva Licença Prévia para o projeto,
aprovando a localização e a viabilidade do projeto proposto (cf. art. 4º,
Parágrafo único, da Resolução CONAMA n. 09/90 c/c o art. 8º, I, da Resolução CONAMA n. 237/97).
Ademais, nos termos do Decreto n. 97.632/8911, os empreendimentos
de mineração deverão, quando da apresentação do EIA/RIMA, submeter
à aprovação do órgão ambiental competente um Plano de Recuperação
de Área Degradada (PRAD). O PRAD é instrumento fundamental para
Caso o projeto implique em significativo impacto ambiental, o estudo aplicável será o
Estudo de Impacto Ambiental – EIA/RIMA (cf. art. 225, § 1º, IV, da Constituição Federal, art. 2º, IX, da Resolução CONAMA n. 1/86, e do 4º da Resolução CONAMA n.
09/90). Na hipótese de não ser constatado potencial de impacto ambiental significativo
poderá ser exigida a elaboração de estudo ambiental menos complexo (e.g. Relatório
de Controle Ambiental/Plano de Controle Ambiental – RCA/PCA, etc.).
11
Esse Decreto regulamentou o art. 2º, VIII, da Política Nacional de Meio Ambiente, que
estabelece como um dos princípios da PNMA a recuperação de áreas degradadas.
10
380
Antonio Augusto Reis / Aline Cardoso de Barros
a orientação dos trabalhos de reabilitação ambiental das áreas mineradas
após o encerramento do período de explotação.
3.2.3. A Implantação do Projeto
Sendo viável do ponto de vista econômico e ambiental, o projeto deverá
seguir para a fase de implantação, cujo início dependerá (i) da expedição
da Licença de Instalação (“LI”) pelo órgão ambiental competente e (ii) da
outorga da Concessão de Lavra pelo DNPM. A LI autoriza o início das
obras de implantação da estrutura física do projeto.
Para expedir a LI, o órgão ambiental exigirá a apresentação do Plano
de Controle Ambiental (PCA), estudo que detalhará os projetos ambientais
previstos no Estudo Ambiental para a mitigação e a compensação dos impactos do empreendimento.
Somente após a emissão da LI, o DNPM outorgará a Concessão de Lavra, por meio de Portaria do Ministro de Estado de Minas e Energia (cf. art.
43 do Código de Mineração e art. 6º da Resolução CONAMA n. 09/90).
3.2.4. O Início da Operação do Projeto
Após a outorga da concessão de lavra e tendo implantado integralmente
os projetos previstos no PCA, o empreendedor deverá requerer ao órgão
ambiental a expedição da respectiva Licença de Operação (“LO”). Só com
a expedição da LO estará autorizado o início da operação de lavra mineral. A lei mineral determina que as operações previstas no PAE devem ter
início dentro do prazo de 6 (seis) meses contados da data de publicação da
portaria de lavra.
Durante toda a fase de operação o empreendedor deverá observar as
restrições constantes das condicionantes previstas na licença de operação
(e.g. monitoramento ambiental, etc.).
4. Conclusões
Projeções internacionais indicam que os combustíveis fósseis devem
seguir como as principais fontes energéticas ao menos no curto e médio
prazos. Tal cenário é igualmente verdadeiro em âmbito nacional, conside-
COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS NO BRASIL: UM PANORAMA REGULATÓRIO...
381
rando a abundância dos referidos recursos naturais – notadamente a partir
das descobertas recentes de petróleo e gás e a presente ausência de alternativas economicamente viáveis.
Alguns fatores fazem do Brasil uma interessante opção em termos de investimento na exploração e produção de combustíveis fósseis. Dentre eles,
pode-se destacar, além da própria estabilidade política e econômica do país
e da já citada abundância dos recursos naturais, uma sólida indústria local,
com disponibilidade de materiais, equipamentos e serviços, e um mercado
interno bem desenvolvido.
Em geral, o marco regulatório nacional, apesar da necessidade de modernização em alguns aspectos, notadamente no que se refere à atividade
de mineração, garante segurança jurídica aos que investem na exploção de
combustíveis fósseis. Não por outro motivo, já é significativa a presença
de investimentos estrangeiros, por exemplo, no setor de exploração e produção de petróleo (quase 40 grupos internacionais atuam hoje no setor de
exploração e produção de petróleo e gás no Brasil).
De todo modo, com vistas a garantir um licenciamento célere e com a
necessária segurança jurídica, os interessados em explorar combustíveis
fósseis no Brasil deverão estar atentos aos aspectos regulatórios e também
de natureza ambiental associados a tais atividades, principalmente à vista
das alterações em estudo (i.e. novo marco regulatório da mineração e marco regulatório para as atividades de exploração e produção de petróleo e
gás natural na camada pré-sal).
Os Contratos de Infraestrutura
no Brasil
Paulo Roberto Coimbra Silva
Professor de Direito Tributário da UFMG e do CEAJUFE. Doutor e Mestre
em Direito pela UFMG. Sócio do Tostes & Coimbra Advogados
Paula Andrade R. Chaves
Graduada em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos.
Ex-advogada estrangeira do escritório Holland & Knight LLP (Nova Iorque).
LL.M Cum Laude pela Northwestern University School of Law. Especialista
em Business Administration pela Kellogg School of Management. Sócia do
escritório Tostes & Coimbra Advogados
Marcelo Tostes de Castro Maia
Graduado em Direito pela Faculdade de Direito da PUC/MG.
Sócio do escritório Tostes & Coimbra Advogados
1.Introdução
A prestação eficiente de serviços de infraestrutura é fundamental para
proporcionar condições de desenvolvimento e crescimento da economia de
um país. A infraestrutura tem grande impacto nas atividades produtivas,
uma vez que pode contribuir para aumentar suas remunerações, elevar a
sua produtividade, e tornar os investimentos mais atrativos.
Com vistas à obtenção de bom desempenho econômico, o país deve contar com setores de infraestrutura modernos e em bom estado de conservação, de forma que estes sejam capazes de dar suporte ao crescimento
dos demais setores, não sobrecarregando ou inviabilizando a produção e
comercialização dos bens.
Neste contexto, o Brasil tem se apresentado como um dos principais
alvos de investimentos internacionais e o setor de infraestrutura é a “bola
da vez” para estrangeiros. O atual cenário brasileiro é bastante favorável, e
a comparação com o exterior aumenta o interesse do investidor estrangeiro
Os Contratos de Infraestrutura no Brasil
383
no Brasil não só pela segurança, mas também pelo retorno das aplicações
de longo prazo.
De fato, os investimentos nas áreas de transporte, energia, saneamento, habitação e recursos hídricos, fundamentais para o desenvolvimento do Brasil, têm se tornado grandes oportunidades para o capital
privado.
Em primeiro lugar porque o governo federal anseia atrair investimentos
para o setor, através do PAC – Programa de Aceleração do Crescimento. O
PAC é um programa do governo brasileiro que pretende investir recursos
em determinados setores do Brasil, visando: (i) ao desenvolvimento sustentável no país; (ii) à superação dos gargalos na economia; (iii) ao estímulo ao aumento da produtividade; e (iv) à diminuição das desigualdades
regionais e sociais.
Além do mais, os investimentos no setor de infraestrutura tendem a se
intensificar com a realização da Copa do Mundo de 2014 e dos Jogos Olímpicos de 2016, principalmente no que diz respeito à construção e reforma
de rodovias, portos e aeroportos.
A experiência internacional mostra que a ampliação dos investimentos
em infraestrutura é essencial para o crescimento dos países. Em anos
recentes, países asiáticos como China, Vietnã, Tailândia e Índia aumentaram significativamente os seus investimentos, por meio tanto do setor
público quanto do setor privado, visando à modernização de sua infraestrutura.
Até algumas décadas atrás, a infraestrutura do Brasil foi desenvolvida
quase exclusivamente com investimentos públicos. Contudo, com as privatizações e parcerias entre os setores público e privado, a partir da década
de 1990, grandes empresas nacionais e internacionais passaram a investir
no setor de infraestrutura.
Apesar disso, é notório que a infraestrutura brasileira se encontra em estado precário. O Brasil atravessa momentos de caos aéreo, apresenta altos
custos logísticos, passa por uma grave crise energética e revela problemas
de saneamento básico.
http://www.fazenda.gov.br/portugues/releases/2007/r220107-PAC.pdf
384
Paulo Roberto Coimbra Silva/Paula Andrade R. Chaves/
Marcelo Tostes de Castro Maia
Tais deficiências têm ocorrido em função de décadas de falta de uma
política nacional coordenada que consolide uma infraestrutura nacional.
Problemas na infraestrutura não faltam, o que abre espaço para ótimas
oportunidades de investimentos.
2. Contratos de Infraestrutura
Diante do atual cenário brasileiro, impende tratar dos contratos de infraestrutura, a fim de que aquele que é parte do negócio compreenda e utilize
de maneira adequada as ferramentas que se encontram ao seu dispor.
Atualmente, com o apoio de organismos internacionais (BID, Banco
Mundial) e de bancos estatais de fomento (BNDES e outros regionais), novas formas de contratação foram criadas e aperfeiçoadas, buscando minimizar custos, encurtar prazos e dar garantia aos investidores no intuito de
atender as novas formas de negociação exigidas pelo mercado, bem como
estimular o contratante e atrair o contratado.
Em geral, as partes contratantes estabelecem, por meio de um contrato, os direitos e obrigações que cabem a cada uma delas. Devem restar
claros o escopo contratual, seu prazo de execução e o seu preço. Além
disso, dentre as matérias tratadas, estabelecem-se ainda as responsabilidades de cada parte, questões ambientais, contratação de terceiros,
confidencialidade, penalidades, etc. As questões técnicas atinentes ao
objeto da contratação são estipuladas por meio de um Cronograma Físico-Financeiro, o que gera um controle rigoroso sobre o cumprimento
da execução do objeto. A partir dessas definições, surgem infindáveis
negociações sobre temas como Teoria da Imprevisão, Onerosidade Excessiva, Responsabilidade Objetiva e Formas de Resolução de Conflitos, definindo-se tanto o que diz respeito a consequências contratualmente previstas como a caso fortuito, força maior, fato do príncipe e
álea econômica extraordinária.
Urge mencionar, ainda, que nesses complexos contratos de infraestrutura é extremamente comum se deparar com a subcontratação. Com vistas
a proteger o contratado, costuma-se adotar, no Brasil, a figura do backto-back basis, que se resume no deslocamento proporcional de responsabilidades, garantias, multas e limitações do contrato principal para os
contratos de subcontratação.
Os Contratos de Infraestrutura no Brasil
385
2.1. Garantias, Seguros e Riscos
Um ponto de grande relevância para a estruturação do contrato de infraestrutura é a identificação das garantias e riscos incorridos. Imprescindível, para tanto, observar não só o custo de cada garantia, mas também o
benefício gerado por ela e quais os riscos cobertos. Isto porque, por vezes,
as contratantes ultrapassam o limite da razoabilidade ao exigir seguros e
garantias já presentes em empreendimentos, o que torna o projeto muito
caro e até mesmo economicamente inviável a determinados contratantes.
Convém dizer, no entanto, que a maioria das garantias utilizadas nos
projetos de infraestrutura é formalizada por meio de contratos atípicos ou de tipos contratuais advindos de outros sistemas legais e adaptados ao
ordenamento jurídico brasileiro.
Uma dessas adaptações é o chamado escrow agreement, ou contratos
de conta vinculada de garantia. Esse instrumento regula a criação de uma
conta bancária em conjunto entre as partes contratantes, e estabelece as
condições em que cada parte tem permissão para realizar saques dessa
conta. Esse contrato, com as devidas condições, gera um sentimento de
segurança tanto para os titulares da conta, quanto para aqueles envolvidos
no projeto.
Vale mencionar, ainda, que tal modelo de garantia, em razão de sua
versatilidade, pode ser empregado em diversas modalidades de contratos
de infraestrutura, sendo utilizado eficaz e constantemente em contratos de
construção. Nessas hipóteses, por exemplo, pode-se estipular que somente
a apresentação ao banco de um laudo de conclusão assinado pelo contratante permite o recebimento do pagamento pela construtora, ao mesmo
tempo em que garante à construtora que a quantia a ser recebida já esteja
depositada.
Além disso, também muito usuais são os contratos de venda de longo
prazo do tipo take or pay. Através de tais instrumentos, o contratante se
compromete a pagar um preço fixo por uma quantidade mínima do produ
Contratos típicos são aqueles que têm previsão na lei, sendo disciplinados pelo
legislador. Os contratos atípicos, por sua vez, são aqueles não previstos na lei,
advindos da criatividade e necessidade nos negócios jurídicos, não havendo regulamentação em lei.
386
Paulo Roberto Coimbra Silva/Paula Andrade R. Chaves/
Marcelo Tostes de Castro Maia
to, ainda que não o utilize. O objetivo desse mecanismo - que é amplamente utilizado no mercado brasileiro de gás natural –, é amenizar os riscos,
oferecendo estabilidade ao contratado.
Outro ajuste que merece ser mencionado é o step in shoes, através do
qual a contratante tem o direito de substituir a contratada por outra de sua
escolha, caso esta não observe o cronograma de conclusão da obra.
Além das garantias, insta citar os seguros mais utilizados nos contratos
de infraestrutura, a saber:
(i) performance bond, espécie de seguro-garantia, em que uma seguradora passa a garantir a performance mínima do objeto do contrato;
(ii) completion bond, que garante a própria conclusão da obra; e
(iii) all risk insurance, que, embora pareça cobrir todos os riscos, engloba extenso rol de riscos, sem esgotá-los.
No que tange aos riscos envolvidos nos contratos de infraestrutura, é
importante mencionar que os mesmos são constituídos pela possível superveniência de acontecimentos extraordinários que desequilibrem a execução do contrato firmado. Trata-se da Teoria da Imprevisão, que pode ser
invocada em hipóteses determinadas, a saber: (i) alteração radical no ambiente objetivo existente ao tempo da contratação, advinda de circunstâncias imprevistas e imprevisíveis; (ii) onerosidade excessiva para uma das
partes, não compensada por outras vantagens auferidas ou esperáveis nos
termos do ajuste; ou (iii) enriquecimento inesperado para uma das partes,
decorrente da superveniência imprevista.
Por fim, considerando que o objeto, o preço e o prazo são elementos essenciais dos contratos, qualquer variação circunstancial, qualitativa ou quantitativa em tais dados influencia o resultado dos demais. Tais variações, a
depender da forma e dos prejuízos causados, podem ocasionar desde a repactuação do contrato até a sua rescisão. Daí a importância do gerenciamento jurídico de projetos de infraestrutura, tema que será tratado adiante.
2.2. Contratos de Infraestrutura em espécie
O método de contratação tem grande influência não só na gestão do
empreendimento, mas também na definição das relações contratuais e
Os Contratos de Infraestrutura no Brasil
387
funcionais entre as partes. A escolha imprópria do tipo de contrato pode
acarretar reivindicações e disputas, além, é claro, da perda da qualidade do
investimento. O contrato utilizado define também o grau de envolvimento
do contratante sobre a direção dos trabalhos, a sua disposição de assumir
parte ou todos os riscos, bem como a importância que se dá aos elementos
do contrato – escopo, preço e prazo.
Os contratos de infraestrutura mais comuns são o EPC – Engineering,
Procurement and Construction, Turn-Key, BOT – Build, Operation and
Transfer e o Contrato de Aliança.
Cumpre destacar, entretanto, que tais contratos não são tipificados no
ordenamento jurídico brasileiro, o que faz com que as acepções doutrinárias e os cases tornem-se ainda mais relevantes para sua conformação
jurídica.
2.2.1.EPC – Engineering, Procurement and Construction
Uma das mais habituais formas de gestão de contratos de engenharia, o
contrato de EPC – Engineering, Procedurement and Construction guarda,
à luz do direito brasileiro, pontos em comum com os contratos de empreitada global, previstos no Código Civil Brasileiro, embora não seja, de fato,
contrato de empreitada.
Aqui, normalmente o projeto básico e a tecnologia ficam por conta do
cliente, responsabilizando-se a empresa contratada pelo fornecimento dos
serviços de engenharia, equipamentos, construção e montagem, executando-os ela mesma ou subcontratando partes do trabalho.
Em tal tipo de contratação, normalmente a empresa contratada assume o
risco do projeto em termos de prazos e custos, exigindo, em contrapartida,
um montante prefixado, que deve abranger, dentre outros, os custos para a
execução e administração do projeto, os custos financeiros, a carga tributária incidente e o lucro da contratada.
2.2.2. Turn Key (Chave na Mão)
Por sua vez, o contrato de Turn Key, que normalmente também é celebrado a preço fixo, é bastante similar ao contrato de EPC e à empreitada
388
Paulo Roberto Coimbra Silva/Paula Andrade R. Chaves/
Marcelo Tostes de Castro Maia
global prevista pelo Código Civil Brasileiro, mas este é um método de
contratação por meio do qual a empresa contratada se obriga por toda a
execução do objeto, ficando responsável por entregar a obra em condições
de pleno funcionamento. Assim, o contratante fica isento do pagamento de
qualquer gasto extra, além daquele já ajustado no contrato.
Apesar de ser muito similar ao EPC, deste se diferencia, pois o seu objeto é mais amplo, tendo em vista que na modalidade Turn Key o contratante adquire a prestação completa dos serviços, incluindo a tecnologia,
o comissionamento, ou seja, o teste das máquinas e equipamentos e até
mesmo o treinamento da equipe e testes de desempenho, enquanto no EPC
a contratação termina com a entrega do bem adquirido.
2.2.3. BOT – Build, Operation and Transfer
Modalidade que se expandiu como mecanismo de financiamento privado para obras públicas de infraestrutura, através da qual a contratada
financia a obra desde seu projeto, aportando recursos financeiros, tecnologia e estrutura próprios, para, então, explorar o empreendimento durante a
vigência contratual e, ao final do prazo estipulado no contrato, entregá-lo
ao contratante, o que pode ocorrer por meio de uma taxa de reversão.
O financiamento do projeto a ser realizado pela contratada compreende
o treinamento de equipe, operação e manutenção durante o prazo contratual, sendo que nesse período esta recebe os rendimentos pela exploração
comercial ou, no mínimo, um pagamento assegurado pelo contratante, de
modo a garantir a amortização do investimento inicial.
Durante a execução contratual, as responsabilidades e os ônus financeiros são integralmente suportados pela contratada, que tem a faculdade de
instituir tarifas de uso e arrendar os estabelecimentos, ou seja, a execução
contratual não se limita a simples execução material do objeto, mas também a sua gestão.
O prazo de vigência geralmente é de dez ou vinte anos, e, caso o período
contratual não seja suficiente para suportar o investimento realizado pela
contratada, pode haver previsão de pagamento de taxa de reversão ao término de vigência contratual. Nesse ponto, importante destacar a relevância
de um planejamento financeiro coerente com o lapso temporal, no intuito
de assegurar a viabilidade do projeto.
Os Contratos de Infraestrutura no Brasil
389
2.2.4. Contrato de Aliança
O contrato de Aliança é uma recente modalidade de contratação em
obras de infraestrutura. Pactuado entre os contratados que estão em um
mesmo plano, como uma espécie de consórcio, este contrato tem a finalidade única de assegurar a cooperação para a plena conclusão do projeto,
garantindo os lucros os contratados e minimizando o custo total do projeto
para o contratante.
Trata-se de um modelo de gestão eficiente e transparente, com alto grau
de flexibilidade, criando um ambiente propício à inovação e troca de experiências, em busca da melhoria contínua e do atendimento aos objetivos do
projeto. Ademais, é um meio de controle eficaz de prazos e custos, com um
elevado grau de comprometimento e previsibilidade, cuja responsabilidade
é sempre da Aliança.
2.3. Resolução de Conflitos
Como anteriormente descrito, a complexidade do contrato de infraestrutura
pode ensejar intermináveis negociações. Além disso, é extremamente comum
que, independente do interesse contrário dos envolvidos, outros fatores gerem
conflitos entre as partes. Alteração de escopo por interesse do contratante,
descumprimento de obrigações e inúmeros outros imprevistos podem ocorrer
após a formação do contrato, requerendo atenção especial das partes.
Neste contexto, de suma importância também é a forma de resolução
de conflitos escolhida pelos contratantes. Dentre os diferentes meios existentes para sanar as controvérsias originadas, emerge a arbitragem, forma
alternativa para a solução de conflitos que pode ser adotada pelas partes
em casos que envolvam direitos patrimoniais disponíveis.
Indubitavelmente, diante da complexidade dos contratos de infraestrutura, a arbitragem desponta não apenas como um meio de solução de
conflitos. Deve-se, mais, ser vista como um mecanismo de mitigação de
custos, otimizando resultados, de forma a poupar o comprometimento do
cronograma físico-financeiro da obra.
Neste ponto, remete-se o leitor aos capítulos “Resolução de Conflitos mediante
Jurisdição e Arbitragem” e “A Arbitragem no Brasil”.
390
Paulo Roberto Coimbra Silva/Paula Andrade R. Chaves/
Marcelo Tostes de Castro Maia
Ademais, a busca por uma solução mais rápida e eficaz, nos moldes
definidos pelas próprias partes, pode ajudar a evitar situações indesejadas
como o atraso no projeto, o prejuízo do resultado final e a quebra das relações profissionais.
2.4. Gerenciamento Jurídico de Obras de Infraestrutura
Diante da complexidade dos contratos de infraestrutura, seja pelas particularidades técnicas que os envolvem, seja pelos altos custos gerados,
o gerenciamento jurídico das obras pode proporcionar a otimização dos
resultados pretendidos no projeto, a saber:
(i) Primeiramente, contornando os embaraços do cotidiano das obras,
assim como das particularidades do método de contratação escolhido, de forma a melhor resguardar os interesses do contratante e
evitar maiores impasses;
(ii) Em segundo lugar, prestando auxílio durante todas as fases de negociação, implementação e operação do projeto contratado, monitorando não apenas o instrumento contratual, mas também toda a
documentação a ele relacionada, oferecendo orientação na forma de
elaboração das mesmas e, por consequência, permitindo que todos
os direitos sejam melhor delimitados e comprovados;
(iii) Além disso, o gerenciamento jurídico presta assistência durante
a execução do contrato, que, inevitavelmente, sofre alterações, auxiliando, assim, com maior propriedade, a renegociação contratual
decorrente dessas mudanças.
(iv) Por fim, o gerenciamento jurídico mostra-se imprescindível em casos de conflitos provenientes do contrato, orientando a discussão dos
pontos controversos e buscando a melhor forma para a sua resolução,
quer por meio de uma ação judicial, arbitragem, mediação ou conciliação, conforme o caso.
Tais pontos se revelam valiosos e de grande valia para as empresas, tendo em vista que, somada à expertise técnica normalmente apresentada pela
equipe de gestão e execução de obras, a gestão jurídica dos projetos revelase de grande utilidade para a redução de custos, prazos, simplificação de
Os Contratos de Infraestrutura no Brasil
391
procedimentos e, o mais importante, provê uma melhora considerável dos
resultados, diminuição de controvérsias, bem como uma efetiva defesa dos
interesses da parte contratante durante toda a vigência contratual.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
Hermano Gadelha de Sá
[email protected]. Especialista em Direito Econômico pela
Fundação Getúlio Vargas (FGV). Especialista em Direito do Trabalho –
ESMAT. Membro do Comitê de Ética em Pesquisa (CEP/FCM).
Vice-Presidente do CESA – Seccional Paraíba. Sócio-gestor do escritório
Coriolano Dias de Sá Sociedade de Advogados (Aliado em João Pessoa/PB)
● Telecomunicações e Tecnologia da Informação
Introdução:
O texto a seguir busca trazer uma visão objetiva e abrangente do setor de
telecomunicações no Brasil: os avanços, os aspectos jurídicos, normativos
e tributários.
Para tanto, num primeiro momento, será realizada uma breve análise
dos aspectos históricos, a evolução do setor pós-privatização e a forma de
regulação.
Buscar-se-á, portanto, demonstrar o papel da agência reguladora – ANATEL (Agência Nacional de Telecomunicações) e a participação do CADE
(Conselho Administrativo de Defesa Econômica) nas práticas de anticoncorrência após o marco regulatório, que tem como termo inicial a privatização do extinto Sistema Telebrás, buscando um paralelo com o princípio
da universalização.
Em ato contínuo, serão abordadas as principais mudanças no setor, com
vistas aos aspectos normativo e jurídico, e ênfase ao regime de outorgas.
Será, ainda, avaliada a criação dos fundos para fomentar o acesso universal da telecomunicação à sociedade e, finalmente, será abordada a responsabilidade das prestadoras e operadoras do serviço, os aspectos tributários e seus reflexos nas tarifas e desenvolvimento do setor.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
−
393
Evolução do setor (pós-privatização)
As transformações sofridas pelo setor de telecomunicações e tecnologia da informação pós-privatização, implantado nos anos noventa, trouxeram expressivos avanços, continuando presentes até os dias atuais,
frente à dinâmica e especificidade deste setor, o qual tem características
especialísticas.
O marco legal, quando da reestruturação deste seguimento, se operou
na segunda metade dos anos noventa, com a edição da Emenda Constitucional número 8 de 1995 (modificou a redação do artigo 21, IX), prevista pelo Plano Diretor de Reforma do Aparelho do Estado, que objetivou,
como principal aspecto, reorganizar a participação do Estado na economia
(deixa de ter participação direta e passa a regular e promover o desenvolvimento econômico), transferindo à iniciativa privada algumas atividades de
grande relevo social, até então exploradas com insucesso pelo poder público brasileiro. Apressou-se, então, o legislativo, em aprovar a denominada
Lei Mínima das Telecomunicações (Lei nº 9.295, de 19 de julho de 1996).
A referida Lei tinha como plano de emergência abrir alguns segmentos
do atrativo mercado de telecomunicações à iniciativa privada, haja vista a
clara defasagem existente entre a grande demanda e a insuficiente e ineficiente oferta.
Não obstante, no âmbito da necessidade proeminente de mudanças decorrentes da atividade do Estado, era imperioso ao Brasil criar mecanismos
e sistemas jurídicos que pudessem, de maneira rápida e eficiente, exercer o
papel de agente regulador e fiscalizador. Decorre daí a necessidade de uma
nova alteração legislativa que pudesse possibilitar este cenário, a qual foi
concretizada com a promulgação da Lei nº 9.472/97 (LGT – Lei Geral das
Telecomunicações), que revogou quase toda Lei nº 9.295/96, e passou a disciplinar o regime da prestação dos serviços, a criação da Agência Reguladora (ANATEL – AGÊNCIA NACIONAL DE TELECOMUNICAÇÕES)
e a privatização do Sistema Telebrás.
As reformas introduzidas abriram o caminho para o leilão da Banda B
de telefonia celular, em 1997, e para a operação de privatização do Sistema
Telebrás, em 1998, ocorrendo, naquela oportunidade, a cisão parcial da
TELEBRÁS em doze empresas, estabelecendo-se o seguinte modelo:
394
Hermano Gadelha de Sá
• Três concessionárias explorariam os serviços de telefonia local e de
longa distância intra-regional em cada uma das três regiões divididas pelo PGO – Plano Geral de Outorgas;
• A Embratel prestaria os serviços de longa distância nacional e internacional em uma quarta região, de âmbito nacional, também estabelecida pelo PGO;
• Oito holdings restantes prestariam os serviços de telefonia celular
em dez áreas de concessão.
A privatização foi realizada com base na alienação onerosa das ações
do Estado, tendo as empesas vencedoras assinado contratos de concessões,
como estabelece o artigo 207 da LGT.
Mais adiante, houve a autorização de exploração de telefonia fixa pelas
empresas-espelho, cada uma concorrendo com a concessionária em sua
respectiva região de concessão, sendo que, não teriam metas de universalização, como as concessionária locais, tampouco teriam seus preços regulados.
Em julho de 1999, foi possibilitada a competição na longa distância,
completando-se, assim, as feições gerais do sistema, definindo um novo
modelo. Porém, o grande desenvolvimento se dá a partir de 31 de dezembro de 2001, quando deixou de existir um limite para o número de prestadores de STFC por região.
Desde então, a ANATEL passou a outorgar novas autorizações, não mais
existindo limite para o número de prestadores de STFC por região. Estas
autorizações têm sido concedidas para novas empresas e para as concessionárias/espelhos ampliarem sua área de atuação, sendo importante frisar
que, até março de 2010, tais serviços eram prestados no Brasil por mais de
140 (cento e quarenta) empresas.
Por outro tanto, em igual período, o sistema de telecomunicações móvel,
que conta com 08 (oito) operadoras, dentre elas 04 (quatro) com atuação
em todo território nacional, teve espantoso crescimento, de modo que os
dados oficiais mostram que, a continuar o número de adições líquidas pelas operadoras, até outubro de 2010 o Brasil entrará no grupo de países que
possuem, pelo menos, um celular por habitante.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
395
Outro relavante aspecto, diz respeito ao PNBL (PLANO NACIONAL DE
BANDA LARGA), que além de prever uma operadora voltada a oferecer
acesso à internet rápida com preços populares contém várias outras medidas
de incentivo, tanto no campo fiscal a redes, serviços e equipamentos.
Destaca-se, por último, que este serviço tornará uma ferramenta cada
vez mais demandada pelos mais diferentes públicos, sendo certo que, num
futuro próximo, terá uma presença semelhante à da televisão, que abrange
cerca de 95% dos domicílios brasileiros.
Em resumo, o fascinante ritmo de progresso tecnológico que vem sendo
incorporado aos diversos segmentos do setor de telecomunicações e tecnologia da informação, embora com algumas falhas para estabelecer um
ambiente de concorrência eficaz, tem se revelado um meio valioso para os
investidores nestes seguimentos.
−
Regulação
A Constituição Federal de 1988, em seus artigos 21, inciso XI e 22,
IV, atribui definitivamente à União Federal, a competência para explorar e
legislar sobre telecomunicação no Brasil. Vejamos o que rezam os dispostivos citados:
Art. 21. Compete à União:
XI – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão, os serviços de telecomunicações, nos termos da lei, que disporá sobre a organização dos serviços, a criação de um órgão regulador e
outros aspectos institucionais;
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre:
IV – águas, energia, informática, telecomunicações e radiodifusão;
A redação primeira do artigo 21 confirmava o monopólio estatal sobre o
serviço, ao prever expressamente que a prestação dos serviços públicos de
telecomunicações deveriam ser explorados pela União, de maneira direta,
ou mediante concessão.
Somente após a promulgação da Emenda Constitucional nº 8 de 1995 é
que se vislumbrou a possibilidade do fim do monopólio estatal e, finalmente, a viabilidade de exploração do setor pelas empresas privadas.
396
Hermano Gadelha de Sá
A partir de então, inicia-se todo o compendio legislativo que estabeleceu
a base para exploração dos serviços de telecomunicações, tendo como principal marco a edição da Lei Geral de Telecomunicações (Lei n.º 9.472/97),
a qual buscou instituir uma regulação autônoma do setor e reunir as variadas disposições legais que tratavam da matéria.
Com efeito, a Lei Geral de Telecomunicações previu a criação de uma
agência com poder normativo-regulatório, de fiscalização e sanção. A Agência Nacional de Telecomunicações – ANATEL, portanto, recebeu autonomia
e independência regulatória, justamente com o intuito de promover a universalização dos serviços considerados essenciais, aumentar a participação da
iniciativa privada, garantindo a livre concorrência do setor.
Portanto, o marco regulatório da LGT busca não apenas disciplinar o
regime de prestações de serviços, mas criar metas de universalização, qualidade e continuidade da prestação do serviços de telecomunicações, como
também estabelecer a livre e justa concorrência entre as prestadoras.
Não se pode deixar de mencionar, destarte, que embora a Lei Geral das
Telecomunicações traga um ambiente regulatório totalmente autônomo
para o setor, a positivação do princípio da livre concorrência, aproxima a
necessidade de participação e intervenção do Conselho Administrativo de
Defesa Econômica em determinadas práticas, sobretudo, quando da fusão
e incorporação das prestadoras.
Pode-se afirmar, assim, que o direito das telecomunicações encontra-se
no campo do direito administrativo econômico, todavia, de forma independente, já que rompeu com padrões anteriores, criando uma nova realidade
normativa e regulatória, em que a regulação autônoma e a competição entre os entes de regime público ou privado convivem em simetria, fato que
se torna evidente quando a LGT afasta, de forma expressa, a aplicabilidade
das leis gerais de licitação e concessão ao setor.
É importante que se diga que há tempos que o Congresso Nacional estuda a realização de um novo marco regulatório, com amplas modificações
na legislação das telecomunicações, cujo principal objetivo é atualizar e
adequar a legislação à nova realidade do setor, que cresce num ritmo e
passa por constantes transformações.
O maior desafio atualmente encontrado pela agência e pelo Ministério
da Comunicação, é criar mecanismos de expansão do acesso à Banda Lar-
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
397
ga a toda população, bem como que possibilitem a convergência dos vários
serviços de comunicação e telecomunicação, a exemplo do denominado
triple play, que oferece, de forma agregada, de serviços de voz, dados e
conteúdo audiovisual.
Há, sobretudo, acirradas discussões sobre este último aspecto, visto que,
embora o setor caminhe a passos largos para a convergência de serviços,
houve, na Emenda Constitucional nº 8/95, clara distinção entre os serviços de telecomunicações e de radiodifusão, sendo, este último, sujeito a
normas constitucionais específicas quanto ao regime de outorgas e concessões, bem como, às normas do Código Brasileiro de Telecomunicações
de 1962 (Lei nº 4.117/62), cabendo à ANATEL apenas regular e fiscalizar
o espectro de rádio frequência e as estações transmissoras. Além disso, o
serviço de TV a Cabo continua sendo regulado por legislação específica
(Lei nº 8.977/95).
Todas essas especificidades atribuídas pelo legislador, cria, num contexto geral, um ambiente institucional e regulatório distintos, com aplicação
de normas diferentes e às vezes incompatíveis, inclusive de mercado, que
podem gerar diversos problemas num futuro próximo, visto que, a aproximação dos variados serviços se demonstra uma realidade presente, mas, que
poderá ser bastante prejudicada, dada a incidência de normas distintas.
−
Os Órgãos de controle das práticas
anticompetitivas e operações de
concentração setoriais.
No sistema atual de regulação concorrencial, podemos afirmar que o modelo praticado no setor de telecomunicações é o de competências concorrentes, cabendo assim, tanto ao CADE quanto a ANATEL sua regulação.
A própria LGT, em seu parágrafo segundo, do artigo 7º, prevê a submissão ao Conselho Administrativo de Defesa Econômica, de determinadas
práticas, sobretudo dos atos das prestadoras que visem concentração de
poder. Vejamos o texto do dispositivo em referência:
Art. 7º. As normas gerais de proteção à ordem econômica são aplicáveis ao setor de telecomunicações, quando não conflitarem com o
disposto nesta Lei.
398
Hermano Gadelha de Sá
§ 2º. Os atos de que trata o parágrafo anterior serão submetidos à apreciação do Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE, por
meio de órgão regulador.
O CADE tem fundamental importância em sua atribuição judicante,
examinando atos de concentração econômica tais como fusões, aquisições,
joint ventures ou incorporações. Este controle no Brasil foi instituído pela
Lei federal 8.884 de junho de 1994, a lei de Defesa da Concorrência.
Objetivando maior efetividade, o CADE promoveu relevantes mudanças
no procedimento de análise de atos de concentração em colaboração com
a Secretaria de Direito Econômico (SDE) e a Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE). Entre tais mudanças, destacam-se: a criação de
um procedimento simplificado (quando os casos não são muito complexos
e requerem um volume menor de informação para a decisão) e uma maior
articulação entre os órgãos de Defesa da Concorrência (a nova sistemática
promove audiência inicial com os três órgãos, reduzindo a ineficiência gerada pelo sequenciamento temporal dos pareceres).
Por seu turno, a ANATEL, na qualidade de agência reguladora setorial,
também se utiliza de seus instrumentos em prol da concorrência setorial e
do bem-estar dos usuários dos serviços de telecomunicações no Brasil.
Como já afirmado, a legislação setorial não atribui competência exclusiva ao CADE ou ao Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência, ao
contrário, atribui, também, obrigações ao regulador setorial, no caso, a
ANATEL.
Neste compasso, a Lei Geral de Telecomunicações (Lei Nº 9.472, de 16
de julho de 1997), em seu art. 70, ao tratar do papel da ANATEL quanto a
concorrência, assim estabeleceu:
Art.70º – Serão coibidos os comportamentos prejudiciais à competição
livre, ampla e justa entre as prestadoras do serviço, no regime público
ou privado, em especial:
I – a prática de subsídios para redução artificial de preços;
II – o uso, objetivando vantagens na competição, de informações obtidas dos concorrentes, em virtude de acordos de prestação de serviço;
III – a omissão de informações técnicas e comerciais relevantes à prestação de serviços por outrem.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
399
Mais adiante, o legislador, no artigo subsequente, de forma clara, atribui
a competência da ANATEL para julgamento de atos de concentração, assim estabelecendo:
Art.71º – Visando a propiciar competição efetiva e a impedir a concentração econômica no mercado, a Agência poderá estabelecer restrições,
limites ou condições a empresas ou grupos empresariais quanto à obtenção e transferência de concessões, permissões e autorizações
Assim, qualquer fator que venha impactar diretamente no seguimento em estudo, será submetida a uma análise pró-concorrencial, cabendo,
tanto ao CADE quanto a ANATEL, cumprir seus papéis, evitando concentrações, operações que possuem caráter anti-concorrencial, ainda que
de forma preventiva ou cautelar, preservando a reversibilidade de atos que
possam vir a ser avaliados como nocivos à concorrência.
−
Regime jurídico da prestação de serviços das
operadoras de telecomunicações e outorgas
(SMP e STFC)
A LGT, em seu art. 83, assim dispõe sobre a exploração da atividade de
telefonia em regime Público.
Art. 83. A exploração do serviço no regime público dependerá de prévia
outorga, pela Agência, mediante concessão, implicando esta o direito
de uso das radiofreqüências necessárias, conforme regulamentação.
Parágrafo único. Concessão de serviço de telecomunicações é a delegação de sua prestação, mediante contrato, por prazo determinado, no
regime público, sujeitando-se a concessionária aos riscos empresariais,
remunerando-se pela cobrança de tarifas dos usuários ou por outras
receitas alternativas e respondendo diretamente pelas suas obrigações
e pelos prejuízos que causar.
Há de se destacar que, no regime Público a exploração do serviço se opera
mediante concessão, sendo, em caso excepcional, realizado através de permissão, nos termos do art. 118, da LGT, que assim se encontra redigido:
Art. 118. Será outorgada permissão, pela Agência, para prestação de
serviço de telecomunicações em face de situação excepcional comprometedora do funcionamento do serviço que, em virtude de suas
400
Hermano Gadelha de Sá
peculiaridades, não possa ser atendida, de forma conveniente ou em
prazo adequado, mediante intervenção na empresa concessionária ou
mediante outorga de nova concessão.
O prazo máximo estipulado nos contratos para exploração dos serviços
de telefonia em regime Público será de 20 (vinte) anos, podendo ser renovável por igual período.
Quanto a extinção do contrato, as regras se encontram prescritas no art.
112, da LGT.
No que pertine ao serviço de telefonia em regime privado, o art. 116, da
LGT, estabelece:
Art. 126. A exploração de serviço de telecomunicações no regime privado será baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica.
Ao contrário do regime Público que se opera através de concessão ou
permissão, no regime privado a exploração dos serviços se opera por meio
de autorização, nos termos do art. 131, da LGT, ressaltando as hipóteses
excepcionais. Assim reza o referido artigo e seus parágrafos:
Art. 131. A exploração de serviço no regime privado dependerá de prévia autorização da Agência, que acarretará direito de uso das radiofreqüências necessárias.
§ 1º. Autorização de serviço de telecomunicações é o ato administrativo
vinculado que faculta a exploração, no regime privado, de modalidade
de serviço de telecomunicações, quando preenchidas as condições objetivas e subjetivas necessárias.
§ 2º. A Agência definirá os casos que independerão de autorização.
§ 3º. A prestadora de serviço que independa de autorização comunicará previamente à Agência o início de suas atividades, salvo nos casos
previstos nas normas correspondentes.
§ 4º. A eficácia da autorização dependerá da publicação de extrato no
Diário Oficial da União.
Art. 112. A concessão extinguir-se-á por advento do termo contratual, encampação,
caducidade, rescisão e anulação.
Parágrafo único. A extinção devolve à União os direitos e deveres relativos à prestação do serviço.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
401
Frise-se que, na modalidade do regime privado, não há um prazo previamente estabelecido para exploração dos serviços, ou seja, sua vigência não
se sujeita a termo final, extinguindo-se, no entanto, quando da cassação,
caducidade, decaimento, renúncia ou anulação.
Afora as diferenças constantes nas regras acima citadas, destacam-se
três grandes diferenças entre os regimes público e privado. PRIMEIRO
– a denominada telefonia fixa (STFC), executada em regime público tem
como impositivo a universalização dos serviços, sendo tratado tal aspecto, também, no Dec. 2.592/98, art. 3º, III, e art. 79, da LGT ; SEGUNDO
– este mesmo serviço rege-se pelo princípio da continuidade (art. 79, §2º,
LGT), pontos que diferem em muito da telefonia móvel (SMP), executado
em regime privado; TERCEIRO – No regime público impera a responsabilidade objetiva.
Como se denota, a telefonia móvel é de exploração em regime privado,
logo, tem um regime próprio, com características diferenciadas e sem as
obrigações peculiares e impositivas aos serviços públicos (telefonia fixa
– STFC), ou seja, os serviços são exercidos em caráter privado não têm
natureza pública, não sendo alcançado pelo princípio da universalização
e da continuidade e, como conseqüência, não podendo ser tratado como
serviço essencial.
Art. 140. Em caso de prática de infrações graves, de transferência irregular da autorização ou de descumprimento reiterado de compromissos assumidos, a Agência
poderá extinguir a autorização decretando-lhe a caducidade.
Art. 141. O decaimento será decretado pela Agência, por ato administrativo, se, em
face de razões de excepcional relevância pública, as normas vierem a vedar o tipo
de atividade objeto da autorização ou a suprimir a exploração no regime privado.
Art. 142. Renúncia é o ato formal unilateral, irrevogável e irretratável, pelo qual a
prestadora manifesta seu desinteresse pela autorização.
Art. 143. A anulação da autorização será decretada judicial ou administrativamente, em caso de irregularidade insanável do ato que a expediu.
Art. 79. A Agência regulará as obrigações de universalização e de continuidade
atribuídas às prestadoras de serviço no regime público. § 2º. Obrigações de continuidade são as que objetivam possibilitar aos usuários dos serviços sua fruição
de forma ininterrupta, sem paralisações injustificadas, devendo os serviços estar à
disposição dos usuários, em condições adequadas de uso.
Art. 126. A exploração de serviço de telecomunicações no regime privado será
baseada nos princípios constitucionais da atividade econômica.
402
Hermano Gadelha de Sá
Portanto, distingue-se, essencialmente, o regime público do privado, quando ao primeiro, prestado mediante concessão ou permissão,
é submetido ao interesse da coletividade, em que a prestadora é submetida por imposição legal às metas de universalização e de continuidade.
Já o regime privado, prestado mediante autorização, sujeita-se a regras
menos inflexíveis, por não haver tanta interferência da União na sua regulação, vigorando, em regra, a liberdade de atuação das prestadoras, inclusive, sem controle de tarifas.
−
Características do Regime de outorgas nas
telecomunicações: concessão, permissão e
autorização
Como visto no tópico anterior, via de regra, os serviços prestados em
regime público serão sempre objeto de contrato de concessão, sendo, apenas em situação excepcional que comprometa a funcionalidade do serviço,
outorgada a permissão.
Portanto, podemos definir concessão como o ato em que a União delega à concessionária, através de contrato por tempo determinado, a prestação do serviço de telecomunicação em regime público. Neste caso, a
concessionária está submetida aos riscos inerentes da atividade empresarial, sendo remunerada através da cobrança de tarifas dos usuários do
serviço. Dada a natureza e essencialidade do serviço, a concessionária
responde direta e objetivamente pelas obrigações legais e danos a que
der causa.
Já pela permissão, entende-se o ato em que a União atribui a terceiro o
dever de prestar serviço de telecomunicação em regime público, em caráter provisório, até que uma situação excepcional surgida, que tenha dado
causa à permissão, seja regularizada.
Finalmente, por autorização, deve-se entender pelo ato vinculado da administração pública que autoriza a exploração do serviço de telecomunicação em regime privado, àquele que preencher as condições objetivas e
subjetivas estabelecidas em lei.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
403
Tais condições estão previstas nos artigos 132 e 133 da LGT, sendo a
disponibilidade de radiofrequências necessária, quando o serviço utilizar,
e a apresentação de um projeto viável, as objetivas. As subjetivas são a
necessidade de a autorizatária ser constituída sob as leis brasileiras; a não
proibição de licitar e/ou contratar com o poder público; qualificação técnica, capacidade econômico-financeira e regularidade fiscal; e, por fim,
não deter mais de uma autorização para prestar a mesma modalidade de
serviço na mesma área.
−
Fundos (FUST, FISTEL, FUNTTEL)
Neste item trataremos das denominadas Contribuições de Intervenção no
Domínio Econômico, prevista no art. 14910, da Constituição Federal, as quais
possuem diferenças quanto ao fato gerador, base de cálculo e finalidade.
O FUST (Fundo de Universalização das Telecomunicações), tem
como fato gerador a prestação de serviço de telecomunicação pública
ou privada; por base de cálculo a receita operacional bruta, excluídos
o ICMS, o PIS e a COFINS , e a alíquota no percentual de 1% (art.
6º, VI, da referida lei). O objetivo é o de promover a universalização dos
serviços de telefonia e inclusão digital a todos os brasileiros, atendendo ao
Art. 132. São condições objetivas para obtenção de autorização de serviço: I – disponibilidade de radiofreqüência necessária, no caso de serviços que a utilizem; II – apresentação de projeto viável tecnicamente e compatível com as normas aplicáveis.
Art. 133. São condições subjetivas para obtenção de autorização de serviço de
interesse coletivo pela empresa: I – estar constituída segundo as leis brasileiras,
com sede e administração no País; II – não estar proibida de licitar ou contratar
com o Poder Público, não ter sido declarada inidônea ou não ter sido punida, nos
dois anos anteriores, com a decretação da caducidade de concessão, permissão ou
autorização de serviço de telecomunicações, ou da caducidade de direito de uso
de radiofreqüência; III – dispor de qualificação técnica para bem prestar o serviço,
capacidade econômico-financeira, regularidade fiscal e estar em situação regular
com a Seguridade Social; IV – não ser, na mesma região, localidade ou área, encarregada de prestar a mesma modalidade de serviço.
10
Art. 149. Compete exclusivamente à União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais e econômicas, como instrumento de atuação nas respectivas áreas, observado o disposto
nos arts. 146, III, e 150, I e III, e sem prejuízo do previsto no art. 195, par. 6º,
relativamente às contribuições a que alude o dispositivo.
404
Hermano Gadelha de Sá
disposto no artigo 2.º da Lei 9.472/97 – Lei Geral das Telecomunicações.
Ao instituir o referido fundo, nossos legisladores externaram a necessidade de garantir a toda população brasileira o acesso às telecomunicações.
Já a Lei n. 10.052/2000 instituiu o FUNTTEL (Fundo Para Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações), cujo fato gerador é
ser prestador de serviço de telecomunicação pública ou privada, base
de cálculo a receita operacional bruta, excluídos o ICMS, o PIS e
a COFINS, e alíquota de 0,5% (art. 4º, III). O FUNTTEL, que tem
sua gestão submetida ao Ministério das Comunicações, tem como finalidade estimular o processo de inovação tecnológica, incentivando a
capacitação de recursos humanos, fomentando a geração de empregos
e promovendo o acesso de pequenas e médias empresas a recursos de
capital, permitindo e ampliando a competitividade da indústria brasileira
de telecomunicações.
O FISTEL (Fundo de Fiscalização das Telecomunicações), criado pela
Lei 5.070, de julho de 1996, criado pela Lei 5.070/66 e alterado posteriormente pela Lei Geral de Telecomunicações, é um fundo que se destina a
custear as despesas realizadas pelo Governo Federal no exercício da fiscalização das telecomunicações, como também, serve para custeio da criação de novos meios e técnicas para o exercício desta fiscalização.
Em suma, a criação dos fundos das telecomunicações busca garantir
a aplicação de três princípios primordiais da Lei Geral das Telecomunicações: Universalização e Continuidade do serviço, além do estimular o
Desenvolvimento Tecnológico.
−
Responsabilidade objetiva frente aos clientes
Antes de abordarmos o tema inerente ao capítulo em estudo, necessário
estabelecer o conceito de responsabilidade civil no direito brasileiro.
Segundo, MARIA HELENA DINIZ, “poder-se-á definir a responsabilidade civil como a aplicação de medidas que obriguem alguém a reparar
dano moral ou patrimonial causado a terceiros em razão de ato do próprio imputado, de pessoa por quem ele responde, ou de fato de coisa ou
animal sob sua guarda (responsabilidade subjetiva), ou, ainda, de simples
imposição legal (responsabilidade objetiva)”.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
405
Feita a pequena digressão acerca da responsabilidade civil, observando a ordem cronológica da nossa legislação infraconstitucional, a Lei
8.078/90, denominado Código de Defesa do Consumidor, em seus arts. 4º
e 22, estabelece:
Art. 4º. A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à
sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes
princípios:
I – reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de
consumo;
II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
Art. 22. Os órgãos públicos, por si ou suas empresas, concessionárias,
permissionárias ou sob qualquer outra forma de empreendimento, são
obrigados a fornecer serviços adequados, eficientes, seguros e, quanto
aos essenciais, contínuos.
Seguindo os princípios contidos no Código Consumerista, a Lei nº
8.987/1995, que cuida das concessõs públicas, em seu art. 7º e incisos,
dispõem:
Art. 7º. Sem prejuízo do disposto na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de
1990, são direitos e obrigações dos usuários:
I – receber serviço adequado;
II – receber do poder concedente e da concessionária informações para
a defesa de interesses individuais ou coletivos;
III – obter e utilizar o serviço, com liberdade de escolha entre vários
prestadores de serviços, quando for o caso, observadas as normas do
poder concedente.
IV – levar ao conhecimento do poder público e da concessionária as
irregularidades de que tenham conhecimento, referentes ao serviço
prestado;
V – comunicar às autoridades competentes os atos ilícitos praticados
pela concessionária na prestação do serviço;
406
Hermano Gadelha de Sá
VI – contribuir para a permanência das boas condições dos bens públicos através dos quais lhes são prestados os serviços.
Ainda, a Lei em testilha, em seu art. 23 e inc. VI, reza:
Art. 23. São cláusulas essenciais do contrato de concessão as relativas:
VI – aos direitos e deveres dos usuários para obtenção e utilização do serviço;
No mesmo trilhar, a Lei nº 9.472/1997, denominada de Lei Geral
das Telecomunicações, em seu art. 3º, cuidou de estabelecer os direitos dos
usuários dos serviços de telecomunicações, sendo importante destacar o
contido no inciso XII. Vejamos:
Art. 3º. O usuário de serviços de telecomunicações tem direito:
XII – à reparação dos danos causados pela violação de seus direitos.
Mais adiante, outra relevante incursão na LGT se encontra previsto no
art. 5º11, ao declarar que nas relações econômicas no setor de telecomunicações, vários pincípios constitucionais deverão ser observado, dentro
deles, para o tópico em estudo, destacamos a defesa do consumidor.
Como podemos notar, da leitura das normas infraconstitucionais, extraimos, de forma bastante incisiva, a defesa dos usuários dos serviços de
telecomunicações, os quais atendem ao comando da nossa Carta Magna,
que assim estabelece em seu art. 175:
Art. 175. Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou
sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a
prestação de serviços públicos.
I – o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação,
bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II – os direitos dos usuários;
11
Art. 5º. Na disciplina das relações econômicas no setor de telecomunicações observar-se-ão, em especial, os princípios constitucionais da soberania nacional, função
social da propriedade, liberdade de iniciativa, livre concorrência, defesa do consumidor, redução das desigualdades regionais e sociais, repressão ao abuso do poder
econômico e continuidade do serviço prestado no regime público.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
407
Da leitura dos dipositivos supracitados, observamos que as normas infraconstitucionais obedeceram rigorosamente os preceitos Constitucionais
quando da defesa do interesse dos consumidores, ou seja, os serviços públicos a partir da Constituição Federal tiveram uma nova roupagem.
O mais relevante aspecto, foi traçado pela Constituição Federal do Brasil, quando do art. 37,§6º, que cuida da responsabilidade objetiva:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
§ 6º – As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito
de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
No que diz respeito à responsabilidade objetiva, SÉRGIO CAVALIERI
FILHO, destaca as teorias do risco-proveito, do risco profissional, do risco excepcional, do risco criado e do risco integral.
A construção das teorias decorrrem do liame entre a atividade normalmente desenvolvida pelo agente com fins lucrativos – conduta humana,
e o dano, além do nexo de causalidade, justificando-se o dever de indenizar, ainda que inexistente a ilicitude ou a culpa.
Exatamente neste escopo, assimilando a regra Constitucional, o
Código Civil Brasileiro, em seu parágrafo único do art. 92712, do Código
Civil, também cuidou de se manifestar sobre a responsabilidade objetiva.
Como podemos observar, tanto a norma Constitucional quanto a infraconstitucional, deram tratamento diferenciado a responsabilidade civil,
cabendo à concessionária responder de forma objetiva, nos termos dos artigos acima mencionados.
12
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica
obrigado a repará-lo.Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade
normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco
para os direitos de outrem.
408
Hermano Gadelha de Sá
No entanto, é importante destacar que, a teoria do risco, pelos danos
causados aos usuários, ao poder concedente ou a terceiros, sem que haja
qualquer diminuição da exclusão ou diminuição da responsabilidade, é
aplicável aos serviços de natureza pública devendo haver distinção com os
serviços de natureza privada.
Desta forma, a responsabilidade do fornecedor do serviço público independe de qualquer discussão sobre a extensão da culpa, porém, não afasta
a possibilidade de exclusão de responsabilidade quando prestado o serviço, o defeito inexiste, ou quando a culpa for exclusiva do usuário ou de
terceiro, como também, a análise quanto a sua natureza.
−
Aspectos tributários
De imediato, sobre a receita bruta das empresas prestadoras de serviços
de telecomunicações incidem os seguintes tributos: COFINS, PIS-PASEP,
FUST, FUNTTEL e ICMS e, neste compasso, os quatro primeiros tributos,
diferentemente do ICMS são invariáveis, tendo como alíquotas, os percentuais de 3,0%, 0,65%, 1,0% e 0,5%, respectivamente. Já o ICMS, este tributo varia de acordo com as alíquotas estabelecidos pelos Estados da nossa
Federação, as quais vão desde 25% a 35%, caracterizando uma distorção
absolutamente injustificável. Vejamos o quadro abaixo:
TRIBUTO – ICMS – ALÍQUOTA
ESTADO
35% (trinta e cinco por cento)
Rondônia
30% (trinta por cento)
Mato Grosso, Pará, Rio de Janeiro e
Paraíba
29% (vinte nove por cento)
Goiás, Mato Grosso do Sul e Paraná
28% (vinte e oito por cento)
Pernambuco
27% (vinte e sete por cento)
Alagoas, Bahia, Ceará, Maranhão,
Rio Grande do Norte e Sergipe
25% (vinte e cinco por cento)
Acre, Amapá, Amazonas, Distrito Federal,
Espírito Santo, Minas Gerais, Piauí, Rio
Grande do Sul, Roraima, Santa Catarina,
São Paulo e Tocantins
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
409
Diante da discrepância existentes entre os Estados, a conta dos serviços
de telecomunicações oscilam entre 30,15% e 40,15% de tributos incidentes
sobre a receita bruta, o que corresponde à 43,16 % ou 53,16% sobre a receita líquida, ou seja, a cada um real pago pela utilização dos serviços, entre
30 ou 40 centavos, aproximadamente, serão destinados ao pagamento de
tributos.
Importante, ainda, frisar que a falta de isonomia deste tributo “ICMS”,
conduz a distorções e influenciam no preço final, especialmente quando
subsistem serviços de valor adicionado, locação de equipamentos, manutenção de equipamentos/redes, serviços de ativação e instalação, hosting/
housing/aluguel de espaço etc..
Por outro tanto, além das obrigações incidentes sobre a receita bruta, as
empresas de serviços de telecomunicações se sujeitam aos seguintes tributos: Imposto de Renda sobre Pessoas Jurídicas – IRPJ, Contribuição Social
Sobre o Lucro Líquido – CSSL, Imposto sobre Operações Financeiras,
IOF, Encargos trabalhistas, Fundo de Fiscalização das Telecomunicações
– Fistel e a contribuição de intervenção de domínio econômico destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade-Empresa para o Apoio à Inovação, conhecida como CIDE-Royalties.
Embora as condições atuais da economia brasileira sejam bastante favoráveis, e o setor apresente evidentes sinais de amadurecimento em sua
regulação, com regras mais claras e objetivas, a elevada carga tributária
é apontada pelas prestadoras de serviços de telecomunicações, como o
grande gargalo para maior desenvolvimento do setor, especialmente, para
levá-lo às camadas mais baixas da população. Porém, este último aspecto
não tem impedido que o setor de telecomunicações seja capaz de atrair
investimentos vultosos, propiciando riquezas àqueles que acreditam neste
seguimento.
REFERÊNCIAS:
ARAGÃO, Alexandre Santos de. Agências Reguladoras e a evolução do
direito administrativo econcômico. 2ª ed. Forense. Rio de Janeiro, 2006.
BIBLIOTECA on-line. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br >
Acesso em: 20 jun.2010.
410
Hermano Gadelha de Sá
CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 4 ed.
São Paulo: Malheiros, 2003.
Constituição Federal
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do
Brasil. Brasília, DF, Senado, 1998.
DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 15 ed. São Paulo: Saraiva, 2001.
Emenda Constitucional
BRASIL. Constituição (1998). Emenda constitucional nº. 8, de 1995. Dá
nova redação ao art. 21, XI, da Constituição Federal.
ESCOBAR, J. C. Mariense. Serviços de Telecomunicações – Aspectos Jurídicos e Regulatórios. Porto Alegre, 2005.
FARACO, Alexandre Ditzel. Regulação e direito concorrencial: as telecomunicações. São Paulo: Livr. Paulista, 2003.
FARACO, Alexandre Ditzel. Direito e Economia na Regulação Setorial, v.
pág. 35/101. Série GVlaw. Ed. Saraiva, 2009.
FORGIONI, Paula A. Os fundamentos do antitruste. São Paulo: RT.
GONÇALVES, Pedro. Direito das Telecomunicações. Coimbra: Almedina, 1999.
JUSTEN FILHO, Marçal. O direito das agências reguladoras independentes. São Paulo: Dialética, 2002.
LEI GERAL DAS TELECOMUNICAÇÕES
BRASIL. Lei nº 9 de 16 de julho de 1997. Lei Geral das Telecomunicações.
Brasília, DF, Congresso Nacional, 1997.
MATTOS, Paulo Todescan Lessa. O novo Estado Regulador no Brasil:
eficiência e
legitimidade. São Paulo: Singular.
Relatório de Gestão – Fundo de Universalização dos serviços de Telecomunicações – FUST. Superintendência de Universalização (SUN). Disponível em http://www.anatel.gov.br.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as estruturas. São Paulo: Malheiros.
SALOMÃO FILHO, Calixto. Direito Concorrencial: as condutas. São Paulo:
Malheiros.
ESTUDOS SOBRE AS TELECOMUNICAÇÕES
411
SALOMÃO FILHO, Calixto. Regulação da atividade econômica. São
Paulo: Malheiros.
SCHAPIRO, Mario Gomes (org.). Direito e economia na regulação setorial. São Paulo: Saraiva.
Temas específicos: Novos serviços e novos contratos públicos.
LEHFELD, Lucas de Souza, As novas Tendências na Regulamentação do
Sistema de Telecomunicações pela Agência Nacional de Telecomunicações: Biblioteca de Teste – Renovar
ESTUDOS, http://www.telcomp.org.br . Acesso em: 20 de junho de 2010.
DADOS, http://www.teleco.com.br e http://www.anatel.gov.br. Acessos
em: 20 de junho de 2010.
Mercado Imobiliário
Ricardo Lacaz Martins
[email protected]. Doutor e Mestre em Direito Econômico e
Financeiro pela Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo.
Membro do Conselho Jurídico do Secovi – Sindicato da Empresas de
Compra, Venda e Administração de Imóveis de São Paulo . Professor do curso da GV de Private Equity. Sócio do escritório Lacaz
Martins,Halembeck, Pereira Neto, Gurevich & Schoueri Advogados
(Aliado em São Paulo/SP)
João Victor Guedes Santos
[email protected]. Advogado associado de Lacaz Martins,
Halembeck, Pereira Neto, Gurevich e Schoueri Advogados
(Aliado em São Paulo/SP)
I.A Importância do Mercado Imobiliário na
Economia
O mercado imobiliário, também conhecido por setor imobiliário, vem adquirindo progressiva importância na economia nacional. Representando em
2008 13,8% do Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro, é setor que mais
possui empresas abertas participantes do mercado de capitais brasileiro, que,
como se sabe, possui como primordial função a mobilização da poupança
nacional. Em razão de sua relevância para o desenvolvimento sócio-econô
O presente estudo expõe alguns dos principais aspectos do mercado imobiliário
analisados pelo autor em: MARTINS, Ricardo Lacaz. Tributação da Renda Imobiliária. Tese de doutoramento apresentada junto à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo. São Paulo, 2009.
FEDERAÇÃO DAS INDÚSTRIAS DO ESTADO DE SÃO PAULO. Proposta de
Política Industrial para a Construção Civil: Edificações. Caderno 1. São Paulo,
2008.
Mercado Imobiliário
413
mico do País, as autoridades governamentais passaram a dedicar cada vez
mais atenção ao mercado imobiliário.
Trata-se do segmento da economia que tem como um dos seus principais
produtos a construção de habitações residenciais, possibilitando à população alcançar o almejado sonho da casa própria. Neste sentido, destaquese que a suma importância da habitação não foi ignorada pelo legislador
brasileiro, o qual, por meio da Emenda Constitucional nº 26/00, conferiu
à moradia o status de direito social fundamental do cidadão, ao lado de
educação, saúde e segurança, entre outros.
Adicionalmente, aspecto que atribui ao mercado imobiliário papel de destaque na seara social é o seu alto potencial de geração de empregos, especialmente no que se refere aos trabalhadores de menor qualificação técnica
situados em grandes centros urbanos. A título exemplificativo, pode-se mencionar que em 2006 foram empregados no Brasil pela construção civil cerca
de 1,5 milhão de pessoas. De forma semelhante ao que ocorreu com relação
à moradia, também existe norma constitucional objetivando a busca do pleno emprego, nos termos do artigo 170, VIII, da Constituição Federal.
Destaque-se ainda que os produtos desenvolvidos pelo mercado imobiliário, dentre os quais podem ser mencionados os imóveis para habitação
residencial ou para destinação comercial, são bens cuja produção e venda independem das economias estrangeiras. Da mesma maneira, a matéria-prima empregada, as empresas participantes e os clientes finais estão
normalmente situados no Brasil, atribuindo ao setor em referência maior
independência vis-à-vis a economia mundial.
Apenas essas razões já justificariam, por si só, uma regulamentação legislativa especialmente direcionada ao mercado imobiliário. Há, contudo,
outro aspecto que merece ser destacado: a atipicidade do ciclo produtivo da
indústria imobiliária. O ciclo que começa do processo de planejamento do
A média de remuneração por trabalhador no setor imobiliário em 2006 foi de 2,5
salários mínimos, o que demonstra o potencial gerador de empregos na camada da
população de menor qualificação profissional. Cumpre ressaltar que os números
apresentados referem-se à construção civil como um todo e não somente ao mercado imobiliário. Vide dados extraídos de: INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIA E ESTATÍSTICA. Pesquisa Anual da Construção Civil, v. 6, 2006.
Disponível em: http://www.ibge.gov.br/home/estatistica/economia/industria/paic/2006/
comentario.pdf (acesso em 26.06.2010)
414
Ricardo Lacaz Martins / João Victor Guedes Santos
produto a ser ofertado, passando pela sua viabilização financeira, produção e venda, demanda em média de três a cinco anos. Mesmo após a entrega da obra, remanescem relações econômicas e jurídicas entre a empresa
vendedora e o adquirente do produto vendido, existindo créditos a serem
recebidos e obrigações relativas ao produto vendido, conforme dispõe o
artigo 618 do Código Civil.
Em decorrência da conjugação de todos esses fatores, observou-se no
Brasil uma verdadeira profusão de leis especiais visando à regulamentação do setor imobiliário, tais como a Lei nº 4.591/64 (versando sobre incorporações imobiliárias), a Lei nº 6.766/79 (disciplinando os loteamentos
urbanos) e a Lei nº 10.931/04 (regulamentando o patrimônio de afetação),
dentre outros atos legais e infralegais.
A legislação tributária também destinou especial atenção ao mercado
imobiliário. Seus objetivos foram tanto de adequar as regras de imposição
tributária às especificidades apresentadas pelas atividades econômicas desenvolvidas neste setor como de atender aos objetivos da Ordem Econômica e Social previstos na Constituição Federal, induzindo comportamentos
dos agentes participantes de tal mercado com vistas a atingir objetivos de
política fiscal, financeira, econômica e social.
II.Mercado Imobiliário: Atividades, Agentes e
Instrumentos
A fim de que se possa avançar no estudo do mercado imobiliário, tornase fundamental a apresentação de noções preliminares acerca da natureza
dos negócios desenvolvidos e dos agentes que participam do referido segmento da economia.
Mercado imobiliário, indústria da construção civil ou setor imobiliário
são termos imprecisos que não refletem com exatidão as operações, agentes e instrumentos que atuam neste ramo econômico. Dentre as variadas
atividades desenvolvidas no setor podem-se citar: (i) incorporação imobiliária; (ii) venda de imóveis próprios; (iii) venda de imóveis de terceiros;
(iv) loteamento; (v) locação de imóveis próprios, de acordo com o regime
da Lei nº 8.245/91, ou nas operações de sale lease back ou de built-to-suit;
e (vi) construção civil para terceiros, excluído o regime tributário aplicável
à construção de obras públicas.
Mercado Imobiliário
415
Por sua vez, os principais agentes que atuam no mercado imobiliário
são: (i) pessoas físicas; (ii) pessoas jurídicas; (iii) não-residentes em geral;
(iv) fundos de investimento imobiliário (FII); (v) companhias securitizadoras; e (vi) companhias hipotecárias. Além dos FII, outros fundos de investimento regulamentados pela Comissão de Valores Mobiliários (CVM)
atuam direta ou indiretamente no mercado imobiliário. Exemplos mais
comuns desses outros fundos são os fundos de investimento em participações (FIP) e os fundos de investimento em direitos creditórios (FIDC), os
quais, no entanto, podem atuar em diferentes mercados, não se limitando
a operar no mercado imobiliário.
Dado o escopo restrito do presente estudo, passa-se a apresentar de forma sucinta os principais conceitos e definições do mercado imobiliário,
reservando-se para outra oportunidade comentários sobre operações relativas à securitização de recebíveis imobiliários e concernentes a valores
mobiliários e fundos de investimento.
II.1. Conceito de bem imóvel
Costuma-se definir bem imóvel como sendo as coisas que não podem
ser movidas ou outros objetos que o Direito equipara a bens imóveis. Em
razão disso, o Código Civil segrega os bens imóveis em quatro categorias
distintas: (i) imóveis por natureza; (ii) imóveis por acessão física; (iii) imóveis por acessão intelectual; e (iv) imóveis por definição legal.
São imóveis por natureza as coisas que não podem ser transportadas, de
um lugar para outro, sem que haja a sua destruição (ex.: solo, árvore).
Os imóveis por acessão física são aqueles que o homem incorpora de
maneira permanente ao solo (ex.: pontes, viadutos), ao passo que os imóveis por acessão intelectual são os bens que por natureza são móveis, não
havendo uma adesão física propriamente dita ao imóvel, mas vínculo meramente intelectual (ex.: animais em uma propriedade rural). Por isto se
diz que nos imóveis por acessão intelectual é a vontade humana que imobiliza os bens móveis.
Por fim, há os imóveis que apenas são considerados como tal porque lei
assim os define independentemente de haver relação direta ou indireta com
um bem imóvel (ex.: direito à sucessão aberta).
416
Ricardo Lacaz Martins / João Victor Guedes Santos
II.2. Incorporação imobiliária
O incorporador figura como aglutinador de interesses. Em primeiro lugar,
aproxima o proprietário do terreno aos interessados na aquisição de uma
unidade imobiliária. Além disso, o incorporador atua como corretor, vendendo o produto que desenvolveu. É chamado também de engenheiro ou
arquiteto, pois elabora um projeto e executa a construção da obra, seja de
modo direto ou por meio de terceiros. Mostra-se também o incorporador
como financiador, na medida em que pode parcelar o preço do imóvel a ser
alienado. Dito de outra forma, utilizando a definição legal existente na Lei
de Incorporações Imobiliárias (Lei nº 4.591/64), o incorporador é aquele que
promove a construção para a venda de unidades imobiliárias autônomas.
Tendo em vista essa multiplicidade de tarefas do incorporador, o instituto da incorporação imobiliária acabou sendo legalmente definido como
a atividade exercida com o intuito de promover e realizar a construção,
para alienação total ou parcial, de edificações ou conjunto de edificações
compostas por unidades autônomas.
A Lei de Incorporações Imobiliárias não restringe a execução da atividade de incorporação às pessoas jurídicas, também podendo as pessoas
físicas exercer tal atividade. Sob a ótica econômica e tributária, a renda
decorrente da incorporação imobiliária deve ser tratada como decorrente
da venda de imóvel. Sendo essa renda auferida por pessoa jurídica, a receita deverá ser tratada como operacional, observada as normas que regem
essa atividade. Se o agente econômico for pessoa física, em princípio a renda tributável deveria ser o ganho de capital existente, porém a legislação
tributária equipara às pessoas jurídicas as pessoas físicas que promovam
incorporação de unidades imobiliárias para venda.
II.3. Venda de imóveis próprios
Entende-se por venda de imóveis próprios a atividade segundo a qual
o agente econômico executa a construção, em nome próprio, de unidade
imobiliária autônoma que, posteriormente, será oferecida ao mercado, bem
como a compra de imóvel em nome próprio para posterior revenda.
Nessas situações não há o exercício de atividade de incorporação imobiliária, já que a venda é realizada após a obtenção de registro individuali-
Mercado Imobiliário
417
zado da unidade autônoma em cartório. Neste sentido, as operações de retrofit, as quais consistem em remodelar um empreendimento normalmente
antigo com a finalidade de adequá-lo às exigências tecnológicas atuais,
nada mais são do que parte do processo de viabilização da venda ou locação do produto.
II.4. Loteamento
Considera-se loteamento a atividade de subdivisão, para venda, de gleba em
lotes, com a abertura de novas vias de circulação ou com a modificação das
porventura já existentes, além da instituição de logradouros públicos. Portanto, o lote nada mais é que o terreno atendido por uma infra-estrutura básica.
O loteamento constitui, pois, a venda de imóvel com benfeitorias executadas pelo loteador, o qual não se confunde com o proprietário do terreno.
O loteador atua de maneira similar ao incorporador, identificando o produto adequado ao mercado, desenvolvendo e coordenando os projetos para a
implementação do loteamento, executando o planejamento de venda, etc..
No entanto, diferentemente do que acontece nas incorporações imobiliárias, em que geralmente o incorporador adquire a propriedade do imóvel
em que será erigido o empreendimento, o loteador associa-se ao proprietário da gleba que será dividida em lotes.
Diante disso, numa primeira análise poder-se-ia considerar que o loteador seria um mero prestador de serviços, porquanto a venda dos lotes é
efetuada pelo proprietário original da gleba. Contudo, haja vista as especificidades do desenvolvimento dos projetos de loteamento, em especial o
risco envolvido nas vendas e o prazo de maturação do negócio, o loteador
associa-se ao proprietário da gleba, comumente num contrato de parceria,
recebendo sua remuneração em função do sucesso do empreendimento.
Para fins tributários, o loteador é equiparado ao vendedor dos lotes.
II.5. Intermediação imobiliária
Também conhecida como corretagem imobiliária, essa atividade consiste em exercer a intermediação de compra, venda, permuta e locação de
imóveis, podendo ainda caracterizar atividade opinativa acerca da comercialização imobiliária.
418
Ricardo Lacaz Martins / João Victor Guedes Santos
Trata-se, pois, de verdadeira prestação de serviços, figurando o corretor
como mero intermediário entre o comprador e o vendedor, não participando do negócio final realizado.
II.6. Locação de imóveis próprios e as operações de sale lease back e de
built-to-suit
Além da modalidade tradicional de locação de imóveis, surgiram no
mercado as operações de sale lease back e de built-to-suit. Trata-se de modalidades similares à locação que, pelas demandas de mercado, possuem
fundamentos econômicos diversos dos aluguéis ordinários.
Nas operações de sale lease back as empresas que necessitam de capital
de giro para suas atividades operacionais vendem seus imóveis, normalmente aqueles que ocupam, para investidores imobiliários, que os alugam
para a mesma empresa vendedora. Assim, cada agente econômico atinge
seus objetivos com o negócio pactuado: a empresa vendedora/locatária obtém recursos para seu capital de giro, mantendo-se no mesmo imóvel anteriormente ocupado, e o investidor imobiliário adquire imóvel com garantia
de locação por longo período.
As operações de built-to-suit seguem lógica econômica similar. Uma
empresa que pretende instalar-se em determinada localidade e não possui
recursos para a construção da unidade pretendida contrata com investidores imobiliários, que se obrigam a construir o referido imóvel e a locá-lo à
empresa por prazo determinado desde o momento da primeira contratação
entre as partes.
III.Tributação da Renda Imobiliária nas Pessoas
Jurídicas: Principais Aspectos
A tributação do setor imobiliário é dotada de um número infindável de
peculiaridades que, em face do escopo limitado do presente estudo, não
serão expostas com os detalhes que mereceriam. Essas peculiaridades envolvem não apenas os tributos que incidem sobre o lucro imobiliário, como
o Imposto de Renda da Pessoa Jurídica (IRPJ) e a Contribuição Social sobre o Lucro (CSL), mas também as contribuições sociais que incidem sobre
a receita – Contribuição ao PIS e COFINS –, e em algumas situações o im-
Mercado Imobiliário
419
posto que incide sobre prestações de serviços – ISS – e o imposto incidente
sobre a transmissão de bens imóveis e de direitos a eles relativos – ITBI.
Nesta ocasião, serão delineados os principais aspectos relativos à tributação da renda imobiliária quando auferida pelas pessoas jurídicas e
pessoas a elas equiparadas, expondo ao leitor um cenário geral acerca das
sistemáticas de incidência do IRPJ e da CSL que são adotadas pelas entidades que atuam no mercado imobiliário: o lucro real, o lucro presumido e o
regime especial de tributação (RET). Ademais, quando for exposto quadro
sinótico comparando esses três regimes tributários, será feita menção à
Contribuição ao PIS e à COFINS apenas para se apresentar de forma mais
clara a carga fiscal incorrida no mercado imobiliário.
III.1. Lucro real
Todas as pessoas jurídicas submetidas à tributação com base no lucro
real deverão sofrer incidência do IRPJ e da CSL sobre o lucro líquido do
exercício ajustado por adições, exclusões e compensações admitidas ou
previstas em lei. Com relação às pessoas jurídicas que exercem atividades
imobiliárias, este cenário não se modifica, havendo apenas algumas importantes peculiaridades relativas ao reconhecimento de receitas e custos
e despesas para a apuração da renda imobiliária, haja vista as especificidades do setor.
Em razão da atipicidade dos contratos de compra e venda de unidades
imobiliárias, a legislação tributária prevê algumas sistemáticas especiais
que visam a emparelhar receitas e custos e despesas tanto na hipótese de
recebimento à vista do preço antes da construção do imóvel negociado
(venda na planta) como na hipótese de o preço ser recebido de forma parcelada, já que o prazo de recebimento do preço nesse setor é normalmente
longo. Vê-se na legislação tributária que regulamenta a imposição fiscal
sobre o lucro decorrente das operações imobiliárias que o emparelhamento
entre receitas e custos e despesas é um dos pilares básicos do sistema.
Exemplo clássico da primeira hipótese (recebimento à vista do preço
antes da construção) é a sistemática do “custo orçado”, em que a legislação permite que se a venda for contratada antes de completado o empreendimento, o contribuinte compute, no custo total do imóvel vendido,
além dos valores pagos, incorridos ou contratados, os custos orçados para
420
Ricardo Lacaz Martins / João Victor Guedes Santos
a conclusão das obras ou dos melhoramentos a que estiver contratualmente
obrigado. É importante destacar que a sistemática do “custo orçado” é uma
mera opção do contribuinte, não sendo obrigatória a sua adoção para fins
de apuração do resultado tributável referente aos empreendimentos imobiliários de que participe.
Além disso, no que tange à segunda hipótese aventada (recebimento parcelado), no caso de vendas a prazo ou a prestações existe a possibilidade
de diferimento do reconhecimento do lucro imobiliário. Com vistas a contrapor as receitas auferidas aos custos e despesas, a legislação fiscal prevê
a possibilidade de submissão do lucro imobiliário à tributação tão somente
quando do reconhecimento de parcela do preço contratado.
Importante se faz salientar que para efeito de apuração do lucro real, os
juros e correção monetária decorrentes do financiamento de imóvel, com
a conseqüente venda de forma parcelada, são considerados pela legislação
tributária como sendo receita financeira, não recebendo o mesmo tratamento previsto para o reconhecimento das demais receitas imobiliárias.
Merece críticas a ausência de previsão legislativa específica com relação a
esse aspecto, diferentemente do que ocorre para efeitos de determinação
do lucro presumido e do RET, pois no setor imobiliário os juros e correção
monetária nada mais são que parte do preço da unidade vendida, sendo
o financiamento direto meramente um meio para que o negócio possa se
efetivar.
Sobre o lucro tributável apurado incidem o IRPJ e a CSL, às alíquotas de
25% e de 9%, respectivamente.
III.2. Lucro presumido
A tributação do lucro conforme uma base presumida é mecanismo muito utilizado por pessoas jurídicas que atuam no mercado imobiliário, especialmente pelas que se dedicam às atividades de incorporação, compra e
venda de imóveis próprios, loteamento e locação de imóveis.
Alíquota base de 15% acrescida do adicional de 10% sobre o lucro que ultrapassar
o montante de R$ 20.000,00 multiplicados pelo número de meses do período de
apuração.
Mercado Imobiliário
421
As razões para a opção pelo lucro presumido são diversas. Primeiro, o
percentual de margem de lucro estabelecido para venda de imóveis próprios, incorporados ou loteados é de 8% e de 12% sobre a receita, respectivamente para a incidência do IRPJ e da CSL, o que se mostra vantajoso se
comparado com as margens de lucro normalmente praticadas no mercado.
No caso de locação de imóveis próprios, a margem de presunção de lucro é
de 32%, tanto para a apuração do IRPJ como para a determinação da CSL
devida.
Outra razão é a simplificação existente em relação ao adimplemento das
obrigações tributárias por parte dos contribuintes, aliada ao fato de que as
pessoas jurídicas optantes pelo lucro presumido que exerçam atividades
imobiliárias têm em regra carga tributária menor relativamente à incidência de Contribuição ao PIS e de COFINS.
Fator que acaba por auxiliar os empreendedores imobiliários na possibilidade de tributação pelo lucro presumido é o fato de instituições financiadoras dos projetos normalmente exigirem que o empreendimento imobiliário seja desenvolvido por meio de sociedades constituídas exclusivamente
para esse único fim: as denominadas sociedades de propósito específico
(SPE). Isto porque a opção pelo lucro presumido apenas pode ser exercida
por pessoas jurídicas que tenham auferido, no ano-calendário anterior, receita anual máxima de R$ 48.000.000,00. Destarte, à medida que é constituída uma pessoa jurídica para abrigar cada empreendimento imobiliário
a ser desenvolvido, torna-se factível que o lucro imobiliário seja tributado
conforme o lucro presumido, pois o limite acima mencionado deve ser
computado individualmente por pessoa jurídica.
Em regra, as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas optantes pela sistemática do lucro presumido são tributadas integralmente
pelo IRPJ e pela CSL, sem a aplicação de qualquer percentual de presunção de lucro (diz-se que se presume que o lucro é de 100%). Atento para as
peculiaridades do setor imobiliário e para a incongruência que seria submeter as receitas decorrentes de juros e correção monetária concernentes
a financiamentos imobiliários a carga tributária deveras elevadas, o legislador previu a aplicação dos mesmos percentuais ordinários de presunção
de lucro à receita financeira das pessoas jurídicas que exploram atividades
imobiliárias relativas a loteamento de terrenos, incorporação imobiliária,
422
Ricardo Lacaz Martins / João Victor Guedes Santos
construção de prédios destinados à venda e venda de imóveis construídos
ou adquiridos para a revenda. Para tanto, devem ser observados índices ou
coeficientes previstos em contrato.
Tal como ocorre na sistemática do lucro real, o lucro tributável aferido
de acordo com a sistemática do lucro presumido é tributado pelo IRPJ e
pela CSL às alíquotas respectivas de 25% e de 9%.
III.3. Regime especial de tributação (RET)
O patrimônio de afetação das incorporações imobiliárias traduz um
mecanismo legal que possibilita maior proteção aos credores e facilita da
obtenção de financiamento para empreendimentos imobiliários. Na seara
tributária, a Lei nº 10.931/04 regulamentou o tratamento a ser conferido
ao patrimônio de afetação das incorporações imobiliárias, tendo sempre
como objetivo fomentar o mercado imobiliário.
Instituiu-se com o aludido ato legal o RET, regime especial de tributação
de caráter opcional e irretratável concernente à segregação patrimonial relativa aos empreendimentos executados, enquanto perdurarem direitos de
crédito ou obrigações do incorporador junto aos adquirentes dos imóveis
que compõem a incorporação.
Criado originalmente para ser uma forma de antecipação da tributação
devida pelo incorporador imobiliário ao Fisco federal, em razão de alteração promovida em 2005 o RET tornou-se uma sistemática de tributação
definitiva que abrange o IRPJ, a CSL, a Contribuição ao PIS e a COFINS,
quando a incorporadora passou a sujeitar-se a pagamento equivalente a 7%
da receita mensal recebida.
Mediante modificação legislativa ocorrida em 2009, esse percentual de
7% foi reduzido para 6%, mostrando-se o RET, ao menos em princípio,
como sendo uma sistemática tributária mais vantajosa ao incorporador
imobiliário do que o lucro presumido, o qual, em relação a esses quatro
tributos, confere-lhe carga tributária aproximada de 6,73%. Vale ressaltar
que, tal como ocorre no lucro presumido, incluem-se na receita sujeita ao
Alíquota base de 15% acrescida do adicional de 10% sobre o lucro que ultrapassar
o montante de R$ 20.000,00 multiplicados pelo número de meses do período de
apuração.
Mercado Imobiliário
423
RET as receitas com juros e com variação monetária referentes às operações de incorporação.
Cumpre finalmente mencionar que como forma de estímulo a projetos
de incorporação de imóveis residenciais de interesse social cuja construção
tenha sido iniciada ou contratada a partir de 31 de março de 2009, reduziuse, até 31 de dezembro de 2013, para 1% o percentual referente à incidência
fiscal conforme o RET. Consideram-se projetos de incorporação de imóveis de interesse social os destinados à construção de unidades residenciais
de valor comercial de até R$ 60.000,00, no âmbito do Programa Minha
Casa, Minha Vida (PMCMV).
III.4. Quadro comparativo
Ante todo o exposto, apresentam-se abaixo as principais semelhanças e
diferenças entre o lucro real, o lucro presumido e o RET:
Lucro Real
Quanto ao
objeto
Aplicável a todo o
mercado imobiliário
Quanto à
receita
Não há limite de receita para a opção
Carga fiscal
(IRPJ, CSL,
Contribuição
ao PIS e
COFINS)
- IRPJ + CSL: 34% sobre o lucro
- PIS + COFINS: sobre a receita, 9,25% ou
3,65% (contratos de
longo prazo firmados
antes de 31.10.2003)
Lucro
Presumido
Aplicável a todo
o mercado imobiliário
RET
Limitado às incorporações imobiliá­
rias
Limite de R$ 48
milhões em relação
ao ano anterior
Não há limite de receita para a opção
6,73% sobre a receita (exceto atividades de locação e
prestação de serviços)
6% sobre a receita
Quando da opção
pelo RET (a qualquer momento no
curso da incorporação)
Definitivo, a partir
da opção
Momento da
opção
Anual (no primeiro pagamento do exercício)
Anual (no primeiro pagamento do
exercício)
Alteração do
regime de
tributação
Facultada a cada exercício
Facultada a cada
exercício
424
Ricardo Lacaz Martins / João Victor Guedes Santos
IV.Perspectivas Futuras
Viu-se com as breves considerações apresentadas no decorrer deste estudo que a evolução do mercado imobiliário brasileiro na última década
esteve estritamente vinculada às modificações ocorridas no sistema tributário vigente: o legislador nacional vem se utilizado do instrumento fiscal
como meio de induzir comportamentos, introduzindo uma série de incentivos tributários visando a fomentar o setor imobiliário.
A tendência que se observa é que cada vez mais sejam retirados entraves tributários para os investimentos no mercado imobiliário, fazendo com
que empresários sejam estimulados a aportar recursos em setor de extrema
relevância para a sociedade brasileira.
O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL
Luís Fernando Hasegawa
Advogado, com Capacitação Empresarial em Gestão de Negócios
e Liderança, pela Universidade da Indústria – Unindus.
Introdução – Importância do transporte de
passageiros para a economia brasileira
O transporte de passageiros no Brasil é um serviço público essencial,
cuja outorga é efetuada através de licitação pública.
A exploração do serviço é realizada, quase em sua totalidade, pela iniciativa privada. Entretanto, em certas situações, na área urbana, a exploração pode ser feita por empresas públicas.
O transporte rodoviário de passageiros representa quase 95% do total de
deslocamentos interestaduais realizados no Brasil, com uma movimentação superior a 140 milhões de usuários ao ano, nos 13.400 ônibus utilizados pelas empresas prestadoras desse tipo de serviço.
Estima-se a existência de 1.211 empresas atuantes no transporte de passageiros, intermunicipal e interestadual. O faturamento anual dessas empresas do setor supera R$ 2,5 bilhões, segundo informações da agência
reguladora.
Além disso, a malha rodoviária no Brasil compreende cerca de 1,8 milhões de quilômetros.
Diante da grandiosidade dessa operação, restou imperiosa a divisão de
competências de regulamentação e de fiscalização, cabendo dizer, em linhas gerais, que (i) as prefeituras municipais são responsáveis pelo transporte urbano, (ii) os governos estatuais pelas linhas intermunicipais e (iii)
o governo federal pelo transporte interestadual e internacional de passageiros.
426
Luís Fernando Hasegawa
Da agência reguladora e as suas competências
A gestão dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional coletivo de passageiros era realizada pelo Departamento Nacional
de Estradas de Rodagem – DNER, até o ano de 1990.
Em 1990, com a edição da Lei n.º 8.028, de 12 de abril e do Decreto n.º
99.244, de 10 de maio, foram transferidas as competências para o Ministério da Infra-Estrutura – MINFRA. Nasceu, então, o Departamento Nacional de Transportes Rodoviários – DNTR.
Em 1991, extinguiu-se o DNTR, por meio do Decreto n.º 35, de
11/02/1991, que criou a Coordenação Geral de Transportes, ainda na estrutura do MINFRA. Em 1992, foi criado o Departamento Nacional de
Transportes Terrestres – DNTT, na estrutura do Ministério dos Transportes e Comunicações que, em outubro do mesmo ano, foi transformado em
Ministério dos Transportes.
Em 1993, com a edição do Decreto n.º 731, de 25/01, foi transferida a
competência do DNTT para a Secretaria de Produção, que incluiu, em sua
organização, o Departamento de Transportes Rodoviários – DTR.
Em 1995, foi retomado o Ministério dos Transportes e instalada a Secretaria de Transportes Terrestres – STT. O DTR passou a integrar a estrutura da STT e recebeu delegação de competência, para praticar os atos
relativos à organização, coordenação, controle, outorga e fiscalização dos
serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional coletivo de
passageiros, bem como aplicar o Acordo sobre o Transporte Internacional
Terrestre – ATIT.
Com a publicação da Lei n.º 10.233, de 05 de junho de 2001, a regulação e
a supervisão da prestação dos serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional coletivo de passageiros passou para a Agência Nacional de
Transportes Terrestres – ANTT, que determinou a reestruturação dos transportes aquaviário e terrestre, com a implantação do Conselho Nacional de
Integração de Políticas de Transporte, a Agência Nacional de Transportes Terrestres – ANTT, a Agência Nacional de Transportes Aquaviários – ANTAQ e
o Departamento Nacional de Infra-Estrutura de Transportes – DNIT.
Com o Decreto n.º 4.130, que regulamentava a Lei n.º 10.233/2001, ocorreu, efetivamente, a instalação da ANTT, com foro no Distrito Federal.
O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL
427
São competências da Agência Reguladora a concessão de ferrovias,
rodovias e transporte ferroviário associado à exploração da infra-estrutura; a permissão de transporte coletivo regular de passageiros pelos
meios rodoviários e ferroviários e a autorização de transporte de passageiros, sob regime de fretamento, transporte internacional de cargas
e terminais.
Além disso, cabe à ANTT, por lei, in verbis:
I – promover pesquisas e estudos específicos de tráfego e de demanda
de serviços de transporte;
II – promover estudos aplicados às definições de tarifas, preços e fretes,
em confronto com os custos e os benefícios econômicos transferidos
aos usuários pelos investimentos realizados;
III – propor ao Ministério dos Transportes os planos de outorgas, instruídos por estudos específicos de viabilidade técnica e econômica,
para exploração da infra-estrutura e a prestação de serviços de transporte terrestre;
IV – elaborar e editar normas e regulamentos relativos à exploração
de vias e terminais, garantindo isonomia no seu acesso e uso, bem
como à prestação de serviços de transporte, mantendo os itinerários
outorgados e fomentando a competição;
V – editar atos de outorga e de extinção de direito de exploração de
infra-estrutura e de prestação de serviços de transporte terrestre, celebrando e gerindo os respectivos contratos e demais instrumentos
administrativos;
VI – reunir, sob sua administração, os instrumentos de outorga para
exploração de infra-estrutura e prestação de serviços de transporte
terrestre já celebrados antes da vigência desta Lei, resguardando os
direitos das partes e o equilíbrio econômico-financeiro dos respectivos contratos;
VII – proceder à revisão e ao reajuste de tarifas dos serviços prestados,
segundo as disposições contratuais, após prévia comunicação ao Ministério da Fazenda;
428
Luís Fernando Hasegawa
VIII – fiscalizar a prestação dos serviços e a manutenção dos bens arrendados, cumprindo e fazendo cumprir as cláusulas e condições
avençadas nas outorgas e aplicando penalidades pelo seu descumprimento;
IX – autorizar projetos e investimentos no âmbito das outorgas estabelecidas, encaminhando ao Ministro de Estado dos Transportes, se for
o caso, propostas de declaração de utilidade pública;
X – adotar procedimentos para a incorporação ou desincorporação de
bens, no âmbito dos arrendamentos contratados;
XI – promover estudos sobre a logística do transporte intermodal, ao
longo de eixos ou fluxos de produção;
XII – habilitar o Operador do Transporte Multimodal, em articulação
com as demais agências reguladoras de transportes;
XIII – promover levantamentos e organizar cadastro relativos ao sistema de dutovias do Brasil e às empresas proprietárias de equipamentos e instalações de transporte dutoviário;
XIV – estabelecer padrões e normas técnicas complementares relativos
às operações de transporte terrestre de cargas especiais e perigosas;
XV – elaborar o seu orçamento e proceder à respectiva execução financeira.
XVI – representar o Brasil junto aos organismos internacionais e em
convenções, acordos e tratados na sua área de competência, observadas as diretrizes do Ministro de Estado dos Transportes e as atribuições específicas dos demais órgãos federais. XVII - exercer, diretamente ou mediante convênio, as competências expressas no Código de Trânsito Brasileiro, nas rodovias federais por
ela administradas.
Dentro da organização criada para a regulamentação, fiscalização dos
transportes rodoviários de pessoas no Brasil temos a figura do Conselho
Nacional de Integração de Políticas de Transporte – CONIT, criado no
artigo 5.º, da Lei n.º 10.233, de 2001.
O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL
429
O CONIT é um órgão de assessoramento, vinculado à Presidência da
República, que possui como objetivo a proposição de políticas nacionais
de integração dos diferentes modos de transporte de pessoas e bens, em
conformidade com as seguintes diretrizes:
I - as políticas de desenvolvimento nacional, regional e urbano, de defesa nacional, de meio ambiente e de segurança das populações, formuladas pelas diversas esferas de governo;
II – as diretrizes para a integração física e de objetivos dos sistemas
viários e das operações de transporte sob jurisdição da União, dos
Estados, do Distrito Federal e dos Municípios;
III – a promoção da competitividade, para redução de custos, tarifas e
fretes, e da descentralização, para melhoria da qualidade dos serviços prestados;
IV – as políticas de apoio à expansão e ao desenvolvimento tecnológico
da indústria de equipamentos e veículos de transporte;
V – a necessidade da coordenação de atividades pertinentes ao Sistema
Federal de Viação e atribuídas pela legislação vigente aos Ministérios dos Transportes, da Defesa, da Justiça, das Cidades e à Secretaria Especial de Portos da Presidência da República.
O Conselho CONIT é formado por Conselheiros de diversos Ministérios e também pelo Secretário Especial de Portos da Presidência da
República. A critério do presidente do CONIT, podem participar de reuniões do colegiado outros Ministros de Estado, dirigentes de outros órgãos
ou entidades públicas, dirigentes de entidades não governamentais da área
de transportes e representantes da sociedade civil, de conformidade com a
pauta a ser apresentada.
Da regulamentação da exploração de serviços de
transportes de passageiros
A regulamentação da exploração dos serviços de transporte rodoviário,
interestadual e internacional coletivo de passageiros, é realizada através de
normas aprovadas, em Resolução pela Diretoria Colegiada da ANTT, pelo
430
Luís Fernando Hasegawa
Decreto nº 2.521/1998, sob a égide da Lei n.º 10.233/2001 e da Lei n.º 8.987,
de 13 de fevereiro de 1995.
O Decreto de n.º 2.521/1998 dispõe sobre a exploração, mediante permissão e autorização, de serviços de transporte rodoviário interestadual e
internacional de passageiros, sendo que, em seu artigo 1.º, expõe a competência privativa da União para exploração dos serviços rodoviários interestadual e internacional de transporte coletivo de passageiros.
A delegação dos serviços está condicionada ao princípio da prestação
de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários. Por serviço adequado, a legislação entende que “é o que satisfaz as condições de pontualidade, regularidade, continuidade, segurança, eficiência, generalidade,
cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas”.
A delegação tratada pelo decreto é realizada por meio de permissão, nos
casos de transporte rodoviário de passageiros interestadual e internacional
e por meio de autorização, nos seguintes casos:
a)transporte rodoviário internacional em período de temporada turística;
b)prestação de serviços em caráter emergencial;
c)transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros,
sob regime de fretamento contínuo;
d)transporte rodoviário interestadual e internacional de passageiros,
sob regime de fretamento eventual ou turístico;
Referida norma está em consonância com o determinando pela Constituição Federal, que rege os serviços públicos:
Art. 175:
Incumbe ao poder público, na forma da lei, diretamente ou sob regime
de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de
serviços públicos.
Além disso, temos o artigo 21, da Constituição, que se refere especificamente ao serviço público de transporte rodoviário de passageiros, in
verbis.
Art. 21 da Constituição Federal do Brasil
O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL
431
Compete à União:
XII – explorar, diretamente ou mediante autorização, concessão ou permissão:
d) os serviços de transporte ferroviário e aquaviário entre portos brasileiros e fronteiras nacionais, ou que transponham os limites de Estado ou Território;
e) os serviços de transporte rodoviário interestadual e internacional de
passageiros.
As permissões são sempre precedidas de licitação, na forma da lei, possuindo duração de 15 anos. Ainda, não há caráter de exclusividade e são
formalizadas por meio de contrato de adesão.
Por sua vez, as autorizações são formalizadas mediante termo de autorização, no qual resta indicada a forma e o período de prestação dos serviços.
Para evitar a formação de monopólios e, também, com vistas a estimular
a concorrência, a legislação veda a exploração de serviços, em uma mesma
linha, por transportadoras que mantenham, entre si, vínculo de interdependência econômica, entendido como:
I – participação no capital votante, um das outras, acima de dez por
cento;
II – diretor, sócio gerente, administrador ou sócios em comum, estes
com mais de dez por cento do capital votante;
III – participação acima de dez por cento no capital votante de uma e
outra das empresas, de cônjuge ou parente até o terceiro grau civil;
IV – controle pela mesma empresa “holding”.
Como dito, as permissões são concedidas por meio de licitações, que
seguem, grosso modo, as regras gerais de contratação da administração
pública. Entretanto, o referido decreto esclarece os critérios para o julgamento das licitações afeitas ao transporte público, sendo:
I – o menor valor da tarifa do serviço público a ser prestado após qualificação de propostas técnicas;
432
Luís Fernando Hasegawa
II – melhor oferta de pagamento pela outorga após qualificação de propostas técnicas;
Ill – a combinação dos critérios referidos nos incisos I e II deste artigo.
O critério a ser adotado é sempre o descrito no item III, entretanto, em
casos excepcionais, pode ser aceito apenas um dos critérios anteriores.
É importante destacar que, nas licitações, em igualdade de condições,
será dada preferência às propostas de empresas brasileiras, em detrimento
das estrangeiras, por se tratar de serviço público essencial.
Da regulamentação da exploração de serviços de
transportes rodoviários de cargas
Pelo destaque que também possui na economia nacional, não podemos
deixar de discorrer sobre o serviço de transporte rodoviário de cargas.
O transporte rodoviário de cargas está embarcado na esfera de competência da ANTT, conforme artigo 21, da Lei n.º 10.233/2001. Ao contrário
do transporte de passageiros, não é competência privativa da União, assim,
não necessita de permissões e autorizações.
Entretanto, para a realização de tais serviços, a ANTT exige que
as Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas, as Cooperativas de
Transporte de Cargas e os Transportadores Autônomos de Cargas, que
praticam atividade econômica de transporte rodoviário de cargas no Brasil, por conta de terceiros e mediante remuneração, estejam regularmente
inscritas, no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTRC.
O registro foi regulamentado pela Resolução n.º 3056, de 12 de março de
2009, que dispõe sobre o exercício da atividade de transporte rodoviário de
cargas por conta de terceiros e mediante remuneração, estabelece procedimentos para inscrição e manutenção no Registro Nacional de Transportadores Rodoviários de Cargas – RNTRC.
A resolução divide a atividade em duas categorias:
I – Transportador Autônomo de Cargas – TAC;
II – Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas – ETC;
O TRANSPORTE RODOVIÁRIO NO BRASIL
433
Os transportadores autônomos de cargas, para regularização de sua situação, devem preencher os seguintes requisitos:
a) possuir Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ativo;
b) possuir documento oficial de identidade;
c) ter sido aprovado em curso específico ou ter ao menos três anos de
experiência na atividade;
d) estar em dia com sua contribuição sindical;
e) ser proprietário, co-proprietário ou arrendatário de, no mínimo, um
veículo ou uma combinação de veículos de tração e de cargas com
Capacidade de Carga Útil – CCU, igual ou superior a quinhentos
quilos, registrados em seu nome no órgão de trânsito como de categoria “aluguel”, na forma regulamentada pelo Conselho Nacional de
Trânsito – CONTRAN.
Por sua vez, as Empresas de Transporte Rodoviário de Cargas devem
preencher as exigências de sua categoria, sendo:
a) possuir Cadastro Nacional das Pessoas Jurídicas – CNPJ ativo;
b) estar constituída como Pessoa Jurídica por qualquer forma prevista em
Lei, tendo no transporte rodoviário de cargas a sua atividade principal;
c) ter sócios, diretores e responsáveis legais idôneos e com CPF ativo;
d) ter Responsável Técnico idôneo e com CPF ativo com, pelo menos,
três anos na atividade, ou aprovado em curso específico;
e) estar em dia com sua contribuição sindical; e
g) ser proprietário ou arrendatário de, no mínimo, um veículo ou uma
combinação de veículos de tração e de cargas com Capacidade de
Carga Útil – CCU, igual ou superior a quinhentos quilos, registrados
em seu nome no órgão de trânsito como de categoria “aluguel”, na
forma regulamentada pelo CONTRAN.
Importante destacar que essas categorias não comportam o transportador de carga própria, o qual nunca cobra frete e, por conseguinte, está dispensado da inscrição no RNTRC. Quem somente transporta carga própria
434
Luís Fernando Hasegawa
deve ter seus veículos emplacados como categoria “particular” (placa com
fundo cinza e letras pretas).
O Transporte de Carga Própria é identificado, quando a Nota Fiscal dos
produtos tem como emitente ou destinatário a empresa, entidade ou indivíduo proprietário ou arrendatário do veículo.
Solicitado o registro e preenchidos os requisitos, será emitido o Certificado de Registro Nacional de Transportador Rodoviário de Cargas
– CRNTRC, sendo obrigatória a identificação dos veículos de propriedade,
co-propriedade ou arrendados pelo transportador registrado, mediante
fixação do código do registro, nas laterais externas da cabine de cada
veículo automotor e de cada reboque ou semi-reboque. O Certificado de
Registro deverá ser renovado, a cada 05 anos, a contar da data de sua
expedição
A fiscalização será realizada pela Polícia Rodoviária Federal, nas
rodovias federais, bem como por fiscais da ANTT, nas rodovias concedidas à iniciativa privada. Os transportadores que não possuírem o
Certificado ou com irregularidades no registro estarão sujeitos à multa
e às sanções.
E-COMMERCE
Marianna Furtado de Mendonça
[email protected]. Graduada em Direito e Pós-graduada em
Direito da Propriedade Intelectual pela Pontifícia Universidade Católica do
Rio de Janeiro (PUC-RJ). Mestranda em Propriedade Intelectual e Inovação
pelo INPI . Associada do Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira
de Mello Advogados Associados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)
Eduardo Magalhães Machado
[email protected]. Mestre em Propriedade Intelectual pela MIPLC
– Munich Intelectual Property Law Center. Árbitro da Organização Mundial
da Propriedade Intelectual (OMPI) e do National Arbitration Fórum (NAF)
para a Câmara de Arbitragem de Disputa de Nomes de Domínio.
Sócio do Escritório Montaury Pimenta, Machado & Vieira de Mello
Advogados Associados (Aliado no Rio de Janeiro/RJ)
DOS ASPECTOS GERAIS:
O e-commerce pode ser definido como a compra e venda de produtos,
ou a prestação de serviços, ofertadas e efetuadas através de sites na Internet, que atuam como verdadeiros estabelecimentos comerciais virtuais.
As transações comerciais realizadas em ambiente virtual vêm crescendo consideravelmente nos últimos anos e ainda possui grande potencial de
crescimento no Brasil. De acordo com levantamento feito pela consultoria
e-bit, de cerca de um milhão de consumidores online registrados em 2001,
o Brasil chegou a 2009 com um número de 17,6 milhões de pessoas que
preferem consumir bens e serviços pela internet.
Fator que contribui para o crescimento do comércio eletrônico é, sem
dúvida, o aumento do acesso das classes populares devido a ampliação do
crédito e as facilidades oferecidas através do parcelamento das compras. O
comércio eletrônico brasileiro vem evoluindo de forma consistente e atualmente apresenta índices de crescimento superior a 18% ao ano.
436
Marianna Furtado de Mendonça / Eduardo Magalhães Machado
Segundo pesquisa do Ibope/Instituto Nielsen, realizada em dezembro
de 2009, existem no Brasil 67,5 milhões de internautas, aproximadamente
40% da população brasileira. E de cada dez internautas, sete visitam regularmente sites de compra.
Assim, não restam dúvidas de que com a expansão e disseminação da
internet, o comércio eletrônico tornou-se um segmento importante do setor de varejo no Brasil.
DOS ASPECTOS LEGAIS:
Não há no Brasil qualquer Lei que esteja em vigor com o objetivo de
regular especificamente os fatos ocorridos no ambiente virtual e as transações avençadas por meio da Internet.
Alguns projetos de lei referentes ao tema tramitam nas casas do legislativo brasileiro, dentre eles: o Projeto de Lei nº 1.589/99 (apensado ao Projeto
de Lei n.º 1483/99); o Projeto de Lei nº 3.303/00 (apensado ao Projeto de
O projeto de lei nº 1.589/99, em síntese, trata dos seguintes aspectos:
a) desnecessidade de autorização prévia para oferta de bens e serviços em razão do
meio eletrônico;
b) obrigatoriedade de identificação do ofertante, do armazenador, do provedor de
acesso e dos sistemas de segurança para o arquivamento do contrato eletrônico;
c) regras de utilização de informações de caráter privado;
d) segurança e certificação eletrônica das transações;
e) responsabilidades dos intermediários, transmissores e armazenadores de informações;
f) aplicabilidade das normas de proteção e defesa do consumidor ao comércio eletrônico;
g) eficácia jurídica das assinaturas eletrônicas e dos documentos eletrônicos;
h) certificações eletrônicas públicas e privadas;
i) responsabilidade de tabeliães relacionada á atividade de certificação eletrônica;
j) registros eletrônicos;
l) competência do Poder Judiciário para autorizar, regulamentar e fiscalizar o exercício das atividades de certificação;
m) competência do Ministério da Ciência e Tecnologia para regulamentar os aspectos técnicos das certificações;
n) as sanções administrativas e penais aplicáveis.
As principais inovações trazidas pelo projeto de Lei nº 3.303/00, dentre outras
são:
E-COMMERCE
437
Lei n.º 3016/2000) e o Projeto de Lei n.º 672/99, tendo como substitutivo o
Projeto de Lei n.º 4.906/01.
Com o Projeto de Lei nº 4.906/01 que tem como objeto principal o comércio
eletrônico, pretendeu-se, de certa forma, unificar todas as principais propostas
trazidas pelos outros Projetos, tendo em vista a necessidade de uniformização
das normas de comércio eletrônico não só para o território nacional, como
também para atender as transações eletrônicas de uma modalidade de comércio cada vez mais globalizado, criando regras para a aplicação de requisitos
legais às mensagens eletrônicas, para que pudesse ser validada a celebração de
contratos celebrados através da Internet, por exemplo.
Todavia, apesar de todo o esforço despendido até o momento, nenhuma
outra iniciativa para a regulamentação da Internet no Brasil, contou tanto
com a colaboração popular quanto o projeto do Marco Regulatório Civil
da Internet no Brasil.
A primeira fase da consulta pública do Marco Civil Regulatório da Internet foi iniciada no dia 29 de outubro de 2009 e, segundo a Secretaria de
Assuntos Legislativos do Ministério da Justiça – a responsável pela criação do Marco Civil Regulatório em questão –, contou com a colaboração
de 822 pessoas físicas e jurídicas, tais como a Ordem dos Advogados do
a) a classificação do provedor de acesso como prestador de serviços de valor adicionado ao serviço de telecomunicação;
b) a instituição de mecanismos de segurança, cadastro de usuários juntos aos provedores de acesso e meios adequados para a identificação de práticas ilícitas na
Internet;
c) a realização dos registros e a coordenação dos nomes de domínio pelo Comitê
Gestor da Internet do Brasil; e
d) a criação de Conselho de Ética da Internet.
Os principais pontos trazidos pelo projeto de Lei nº 672/99, são os seguintes:
a) reconhecimento de efeitos jurídicos às mensagens de dados;
b) equiparação da mensagem eletrônica à mensagem impressa;
c) equiparação dos métodos de identificação eletrônicos à assinatura;
d) autenticidade de informações em meio eletrônico;
e) conservação de mensagens eletrônicas;
f) validade das declarações de vontade e formação de contratos através de mensagens eletrônicas;
g) princípios aplicáveis à determinação do remetente, do destinatário, do tempo e
do lugar relativos ao envio e ao recebimento das mensagens eletrônicas.
438
Marianna Furtado de Mendonça / Eduardo Magalhães Machado
Brasil (OAB), Associação Nacional de Jornais (ANJ), Associação Brasileira de Internet (ABRANET), Instituto Brasileiro de Defesa de Consumidor
(IDEC), Câmara de Comércio Eletrônico, dentre outras entidades.
Entre as sugestões trazidas pelas discussões, há a proposta de obrigar
a empresa prestadora de serviço ou que comercialize produtos através da
Internet, a informar seus dados, tais como: Razão Social, CNPJ, endereço
físico e telefone para que o consumidor tenha acesso a seus dados.
Há também a sugestão de que o provedor de serviço de internet seja
isento da responsabilidade sobre conteúdo gerado por seu usuário que
ofenda direito de terceiros.
Note que tal sugestão hoje já ocorre na prática, vez que os Tribunais
Brasileiros têm entendido que o provedor de serviços de Internet não pode
ser responsabilizado por conduta de seu usuário que prejudique terceiros.
Ressalte-se, nesse sentido, que o provedor de serviço só será isento de
responsabilização se não tiver sido notificado da ofensa. O provedor poderá ser responsabilizado na hipótese ter sido notificado e se omitido.
Outra sugestão - talvez para evitar decisões de censura absurda, tal como
a do caso Cicarelli em que um Desembargador do Tribunal de Justiça de
São Paulo determinou o bloqueio do Youtube para os internautas brasileiros - foi a de que um site só pode ser retirado do ar se colocar em risco a
segurança nacional.
Quanto ao tema aqui tratado é importante observar o que foi discutido
no chamado segundo eixo do Marco – O Marco Regulatório Civil da Internet no Brasil tem 3 eixos – que tem como objetivo delimitar as responsabilidades dos diversos atores encarregados de viabilizar processos de
comunicação e transação através da internet.
Um dos questionamentos desse tema é relacionado ao tipo de responsabilidade que devem ser imputadas aos provedores de internet: responsabilidade objetiva, onde basta que se evidencie a ocorrência de um dano
e um nexo de causalidade ou responsabilidade subjetiva, onde além da
ocorrência do dano e da existência de nexo de causalidade entre conduta e
resultado, é necessária a conduta culposa do agente.
A nosso ver, imputar aos provedores de serviço de internet regra de
responsabilidade civil tão ampla inviabilizaria a prestação do serviço, vez
E-COMMERCE
439
que tais provedores, para evitar ao máximo sua responsabilização, seriam
obrigados a monitorar cada passo de seus usuários quando da utilização
de seus serviços.
As discussões em torno desse tema demonstraram grande preocupação,
no sentido de se evitar eventuais ofensas a direitos fundamentais, como
por exemplo, a liberdade de expressão e o direito de acesso à informação
sob a alegação de necessidade de implantação de filtros para afastar a responsabilização dos provedores.
Segundo a proposta de debate do Marco Civil ofertada pela Fundação
Getúlio Vargas (FGV Direito Rio) e a Secretaria de Assuntos Legislativos
do Ministério da Justiça “... do ponto de vista tecnológico, uma neutralidade “absoluta” é impraticável. Critérios técnicos, por exemplo, podem
exigir determinado privilégio de tráfego. No entanto, permitir formas de
favorecimento ou discriminação por motivos políticos, comerciais, religiosos, culturais ou de qualquer outra natureza, que não seja fundada
em valores técnicos, significa degradar a rede e seu próprio valor como
bem público – sem falar em uma potencial ofensa a valores fundamentais,
como a liberdade de expressão e o direito ao acesso e à comunicação. A
delimitação de eventual legislação que tenha por objetivo impedir tais
práticas de filtragem indevida e outros obstáculos à circulação de dados
pela rede, garantindo sua neutralidade, é o principal objeto deste tópico” e acrescenta “Tais procedimentos – administrativos ou extrajudiciais
judiciais para resolução de conflitos ou para salvaguardar uma limitação
de responsabilidade dos provedores de serviço de internet – precisam ser
adequadamente calibrados, para não gerarem prejuízo à privacidade, à
liberdade de expressão e à própria natureza da rede. Um desequilíbrio em
tais procedimentos pode levar, por um lado, a um cerceamento a direitos
fundamentais. Um desequilíbrio em direção oposta pode causar, por sua
vez, uma total falta de responsabilização ou sobrecarga dos magistrados
com questões que poderiam ser decididas sem que fosse necessário o recurso ao Poder Judiciário.”
Aliás, a preocupação com os direitos individuais e coletivos são tratados
no eixo 1 da proposta para a discussão do Marco Regulatório. De acordo
http://www.ccsl.ime.usp.br/files/anexo_9.pdf . Acessado em 07.06.2010
440
Marianna Furtado de Mendonça / Eduardo Magalhães Machado
com a proposta de debate acima mencionada “o primeiro eixo da discussão
busca identificar direitos individuais e coletivos relacionados ao uso da internet atualmente não previstos de forma explícita no ordenamento jurídico
nacional. Embora passíveis de proteção por derivarem de princípios constitucionais, a ausência de previsão legal específica para sua proteção acaba
por prejudicar sua tutela e exercício. Também busca adaptar os direitos
fundamentais existentes a um contexto de comunicação eletrônica.”
Além do direito à liberdade de expressão e do direito à informação e
comunicação, as discussões do Marco Civil Regulatório da Internet no
Brasil cuidoaram de outros direitos fundamentais garantidos por nossa
Constituição, como por exemplo, o direito à intimidade e à vida privada e
à inviolabilidade do sigilo de correspondência e das comunicações telegráficas, telefônicas e de dados.
Quanto ao eixo 3 da discussão do Marco Regulatório, o mesmo visa o
debate para que se alcance diretrizes governamentais “que possam servir de
referência para a formulação de políticas públicas e para a posterior regulamentação em nível infralegal de aspectos relacionados à internet.”
O terceiro eixo trata também do acesso a dados e informações públicos,
ampliação das redes de banda larga e inclusão digital e de inciativas públicas e privadas para a cultura digital e para o desenvolvimento social.
Assim, é inquestionável que a discussão do Marco Regulatório Civil da
Internet no Brasil é de extrema importância se firmar uma legislação específica para a Internet no Brasil e para o crescimento e desenvolvimento do
Comércio Eletrônico no País, vez que a ausência de regras formais claras dá
margem a decisões judiciais díspares que gera grande insegurança jurídica
para a implementação de novos negócios online, face a falta de parâmetros
para se avaliar o real risco jurídico envolvido no novo empreendimento.
DA APLICAÇÃO DAS NORMAS GERAIS DE DIREITO
BRASILEIRO NO AMBIENTE VIRTUAL
Enquanto diversas discussões são travadas acerca das regras que devem
nortear ou não, o uso do espaço cibernético no Brasil, as relações jurídicas
http://www.ccsl.ime.usp.br/files/anexo_9.pdf . Acessado em 07.06.2010
http://www.ccsl.ime.usp.br/files/anexo_9.pdf . Acessado em 07.06.2010
E-COMMERCE
441
originadas das relações virtuais não podem ficar sem regulamentação, até
mesmo porque os atos e fatos ocorridos no chamado “mundo virtual” refletem diretamente no mundo real.
Sem dúvida que para cerca de 95% de todos os atos praticados em ambiente virtual já temos uma legislação aplicável que pode e deve ser utilizada
para embasar o julgamento das condutas adotadas em ambiente virtual.
Assim, devem ser aplicadas ao comércio eletrônico no Brasil, seja no
caso concreto ou através da analogia, os preceitos das legislações atualmente em vigor no território nacional, pertinentes aos negócios e práticas
tradicionais do comércio. Da mesma forma devem ser aplicados, os princípios contidos na Lei de Introdução ao Código Civil no que for relevante,
face ao caráter internacional do comércio eletrônico.
Tratando-se de comércio eletrônico, um primeiro ponto que deve ser
observado são as normas aplicáveis à formação dos contratos (artigos 427
a 435 do Código Civil Brasileiro). Assim como ocorre no mundo real, onde
os atos jurídicos para serem válidos devem apresentar agente capaz, objeto
lícito e forma prescrita ou não defesa em lei, os atos ocorridos no mundo
virtual para serem válidos devem da mesma forma, atender os referidos
requisitos, conforme preceitua o nosso Código Civil.
Assim, conforme o inciso I do artigo 428 do Código Civil, considera-se
a contratação eletrônica entre presentes efetivada quando a proposta e a
aceitação realizarem-se de forma imediata ou on-line, na linguagem da
Internet. Já de acordo com o teor do artigo 434 do Código Civil, a contratação eletrônica entre ausentes ocorrerá, por exemplo, quando a proposta
e a aceitação forem mediante troca de mensagens eletrônicas desde que as
partes não estejam conectadas no momento da transação.
Quanto à lei aplicável e a competência jurisdicional há que se observar
que o artigo 435 do Código Civil brasileiro estabelece que o contrato reputa-se celebrado no lugar em que foi proposto. Aqui há um impasse, vez que
não existem fronteiras no mundo virtual. Pessoas de diversos países podem transacionar através da internet sem qualquer limitação geográfica.
Nesse caso, há que se recorrer a Lei de Introdução ao Código Civil que
em seu artigo 9º dispõe: “Para qualificar e reger obrigações, aplicar-se-á
a lei do país em que se constituírem. § 1.º Destinando-se a obrigação a ser
executada no Brasil e dependendo de forma essencial, será esta obser-
442
Marianna Furtado de Mendonça / Eduardo Magalhães Machado
vada, admitidas as peculiaridaesda lei estrangeira quanto aos requisitos
extrínsecos do ato. § 2.º A obrigação resultante do contrato reputa-se contituída no lugar em que residir o proponente”.
Dessa forma, uma transação comercial eletrônica celebrada entre partes
situadas em países diferentes será regulada pela lei do país onde residir o
proponente. Portanto, se a proposta é feita por empresa ou pessoa residente
no estrangeiro e aceita por empresa ou pessoa residente no Brasil, a lei
aplicável será a do país estrangeiro e, vice-versa, se a proposta for feita
por empresa ou pessoa residente no Brasil, e aceita por empresa ou pessoa
residente no estrangeiro, a lei aplicável será a lei brasileira.
No tocante à competência internacional do judiciário brasileiro, quando
o contrato for celebrado entre partes situadas em países diferentes, devese atentar ao disposto nos artigos 88, 89 e 90 do Código de Processo Civil
que estabelecem que a autoridade judiciária brasileira será competente em
três hipóteses.
A primeira hipótese se dará quando o réu, qualquer que seja a sua
nacionalidade, estiver domiciliado no Brasil. Conforme o parágrafo único do acima mencionado artigo 88, “reputa-se domiciliada no
Brasil a pessoa jurídica estrangeira que aqui tiver agência, filial ou
sucursal”.
A segunda hipótese é quando a obrigação tiver que ser cumprida no
Brasil e a terceira é quando a ação se originar de fato ocorrido ou praticado no Brasil.
Portanto, quando o contrato eletrônico for celebrado por duas pessoas
físicas ou jurídicas situadas em países diferentes, sendo a proponente sediada no estrangeiro, sem possuir agência, filial ou sucursal em território
brasileiro, a lei aplicável será a do país estrangeiro.
Caso a obrigação decorrente do contrato deva ser cumprida no Brasil, a
justiça brasileira será competente para processar e julgar o caso.
Por fim, quanto às normas aplicáveis à responsabilidade dos ofertantes de bens e serviços deve se atentar ao fato de que a responsabilidade
por bens e serviços comercializados por meios eletrônicos se submete
às mesmas normas legais aplicáveis à comercialização por outros métodos.
E-COMMERCE
443
Quando os bens e serviços são ofertados ao público consumidor, estarão as respectivas transações eletrônicas sujeitas às normas do Código
Brasileiro de Proteção e Defesa Consumidor (Lei nº 8.078/90).
A aplicação deste se dará quando se tratar de relação de consumo, caracterizada simplesmente pela presença da figura do consumidor e do fornecedor de bens ou serviços em cada um dos pólos da transação.
No que se refere às transações eletrônicas firmadas entre empresários,
seja através do uso da Internet, seja através do uso do correio eletrônico
não se aplicam as regras do Código Brasileiro de Proteção e Defesa Consumidor, uma vez que o empresário não é o destinatário final do produto.
Pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.
Pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como
entes despersonalizados, que desenvolvem atividades de produção, montagem,
criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços
COMÉRCIO E SERVIÇOS
Eder Fasanelli Rodrigues
[email protected]. Especialista em Direito das obrigações pela FAPERP/
UNESP. Ex-professor de Direito Civil. Advogado formado pela UEL –
Universidade Estadual de Londrina. Sócio do escritório Fasanelli
Advogados Associados (Aliado em São José do Rio Preto-SP)
Ricardo Carneiro Mendes Prado
[email protected]. Advogado formado pela UFU – Universidade
Federal de Uberlândia – MG. Especialista em administração de
empresas pela Kent Institute of Business and Technology – Sydney –
Austrália. Advogado atuante na área de Direito Empresarial do Fasanelli
Advogados Associados (Aliado em São José do Rio Preto-SP)
INTRODUÇÃO
Inegavelmente, as atividades de comércio e serviços são o cerne da economia e das atividades da sociedade atual, sendo responsáveis por atender
às demandas do grande mercado consumidor final, o mercado de varejo,
não se podendo desprezar, ainda, toda a atividade de comércio e serviços
desenvolvida paralelamente entre os entes intermediários envolvidos na
cadeia de produção.
Devido ao crescimento do volume e da complexidade das atividades
de comércio e serviços, foi desenvolvido e aprimorado o sistema jurídico
visando oferecer eficácia e segurança jurídicas sem prejudicar a dinâmica
e a liberdade das atividades.
Assim é que houve de se encontrar um equilíbrio na disposição de toda a
estrutura legal que regula as atividades de comércio e serviços, no sentido
de se preservar a liberdade dinâmica inerente à execução de tais atividades pelo setor privado, mas ao mesmo tempo impor responsabilidades e
conseqüências legais para garantir o interesse público e o cumprimento e
a execução das obrigações contraídas pelas partes.
COMÉRCIO E SERVIÇOS
445
No caso brasileiro, seguindo tendência mundial para a organização de
novos mercados, desde o início da década de 1990, iniciou-se a retirada do
estado do setor de serviços públicos essenciais, tais como energia, telecomunicações, transportes e outros, transferindo a execução de tais serviços
para a iniciativa privada mediante a concessão estatal da exploração de tais
serviços. Tal movimento foi seguido da criação de agências federais reguladoras dotadas de poder de vigilância (ANATEL, ANEEL, ANTT e outras),
com competência para a regulamentação legal de seus setores e imposição
de sanções e penalidades na hipótese de descumprimento das normas, lesões
ao interesse público ou privado. As sanções e penalidades são advertência,
assinatura de termos de compromisso para ajuste de condutas, multas, e até
perda da concessão pública para a exploração privada do serviço.
Além da privatização do setor de serviços públicos essenciais, era necessária a elaboração de lei específica com o objetivo de regular as relações
de consumo de bens e serviços, instaurando-se garantias ao consumidor
final de forma a obter-se um equilíbrio entre a maior capacidade técnica
e econômica dos fornecedores de bens e serviços e os direitos do consumidor final em obter bens e serviços que atendam a bons padrões de uso,
fruição, qualidade e segurança, respondendo legalmente os fornecedores e
fabricantes na hipótese de que tais parâmetros não sejam atendidos. Deuse, então, a elaboração da Lei nº 8.078/90, intitulada de Código de Defesa
do Consumidor, bem como a criação da Fundação de Proteção ao Consumidor – PROCON, entidade estatal com poder de fiscalização e sanção no
que se refere às atividades no mercado de consumo de bens e serviços.
Por seu turno, com o objetivo de disponibilizar aos fornecedores de bens
e serviços informações sobre as condições daqueles com os quais estão
contratando o fornecimento, existem os cadastros de proteção e restrição
ao crédito (SERASA, SPC, SCPC, CADIN), nos quais é possível checar
a existência de informações sobre a eventual inadimplência anterior em
nome daqueles para quem serão fornecidos os bens ou serviços. E, da mesma forma, é possível se verificar a idoneidade comercial de quem está a
fornecer bens e serviços, sendo possível aferir se possuem bons antecedentes, estando assim disponíveis para ambas as partes informações que
podem minimizar os riscos inerentes a qualquer contratação.
Cumpre mencionar, ainda que sua atuação se dê de forma mais geral
e abrangente a todos os ramos da economia, e não apenas aos setores de
446
Eder Fasanelli Rodrigues / Ricardo Carneiro Mendes Prado
comércio e serviços, a existência do CADE – Conselho Administrativo
de Defesa Econômica, autarquia federal com atribuições fixadas pela Lei
nº 8.884/94. Sua finalidade geral é prevenir o monopólio e atividades de
“dumping” comercial, acompanhar atos que possam causar concentração
do controle de um mercado específico nas mãos de um mesmo grupo empresarial (fusões, aquisições, “joint ventures”) e proteger, assim, a livre
concorrência em igualdade de condições.
Dando-se prosseguimento às adequações legais reguladoras das atividades privadas, especificamente as atividades de comércio e serviços, cabe
mencionar a aprovação do novo Código Civil em 2.002, ratificando e adequando as modalidades de contratos celebrados na esfera privada aplicáveis às atividades de comércio e serviços.
Vale mencionar, ainda, que no sentido de se conceder e aumentar a eficácia dos dispositivos legais e dos organismos acima definidos, no que
se refere ao atendimento judicial da demanda oriunda das atividades de
comércio e serviços de pequeno valor prestadas no âmbito do varejo, mas
que representam o maior volume das operações, houve a elaboração da Lei
nº 9.099/95, ou Lei dos Juizados Especiais Cíveis, prevendo a resolução
judicial de conflitos que envolvam pequenos valores de forma mais rápida
e informal e que não dependem de maiores provas, desonerando assim a
chamada justiça comum, para a qual se direciona a resolução dos conflitos
judiciais de maior valor e complexidade de prova.
Para encerramento desta breve introdução e ainda discorrendo sobre eficácia e efetividade do controle legal das atividades de comércio de bens
e serviços, há de se mencionar a recente reforma da parte do Código de
Processo Civil, que alterou os procedimentos das execuções de títulos judiciais e extrajudiciais, visando dar maior celeridade e efetividade aos processos judiciais. As alterações trouxeram maior garantia de que o credor
venha a receber efetivamente o quanto lhe é devido.
CONTRATOS NÃO ESCRITOS – ACEITAÇÃO TÁCITA
Cabe, inicialmente, mencionar que como as atividades de comércio de
bens e serviços se dão em grande volume, cotidianamente, tais atividades
se desenvolvem de acordo com a livre aceitação das partes envolvidas, sem
que seja necessário celebrar qualquer instrumento escrito.
COMÉRCIO E SERVIÇOS
447
Assim, visando dar a agilidade necessária às atividades de comércio é
que a legislação brasileira regulamenta, por meio do Código Civil, que a
validade da declaração de vontade não depende de forma especial, ressalvados os casos em que a lei assim o exige.A compra e venda de imóveis é
uma exceção na qual o instrumento público e o seu registro são requisitos
formais essenciais à transmissão da propriedade.
Contudo, como acima já se disse, dada a natureza comum e à rapidez e
volume com que se desenvolvem as atividades de comércio, é dispensável
que todas se façam acompanhar de instrumentos escritos, sendo certo que
a legislação lhes confere validade bem como atribui direitos e deveres às
partes, de forma independente de qualquer formalidade.
CONTRATOS – VALIDADE ANULAÇÃO E NULIDADE
Por definição legal expressa contida no Código Civil, a validade dos contratos em geral está condicionada à capacidade das partes (partes maiores
de idade, em pleno uso de seu discernimento e com condição de expressar
livremente a sua vontade) e à licitude do objeto do contrato (proibição de
contratos para atividades ilegais).
Contudo, ainda que formalizados os contratos com observância aos seus
requisitos legais básicos, existe a previsão legal contida no Código Civil
sobre as causas que podem determinar a sua anulação e a sua nulidade.
Como causas de anulação dos contratos, o Código admite a comprovação de erro sobre as condições contratuais, caso em que uma das partes
equivoca-se quanto aos termos essenciais do contrato, podendo assim ser
o contrato submetido a uma apreciação judicial para o reconhecimento de
sua nulidade.
Também como causas de anulação o Código prevê mecanismos de reconhecimento do uso do contrato para que uma das partes contratantes
obtenha vantagem econômica exagerada ou desproporcional, beneficiando-se das condições em que a outra parte encontrava-se por ocasião da
contratação, podendo ser situação de extrema necessidade a prejudicar-lhe
Código Civil Brasileiro. “Art. 107. A validade da declaração de vontade não dependerá de forma especial, senão quando a lei expressamente a exigir.”
448
Eder Fasanelli Rodrigues / Ricardo Carneiro Mendes Prado
a livre vontade, ou até mesmo grave ameaça praticada contra a parte no
sentido de obrigá-la a firmar o contrato.
São ainda anuláveis, nos termos do Código Civil, os contratos firmados
com o objetivo de fraudar terceiros, como por exemplo os que têm por
objeto a venda dos bens de pessoa devedora, no sentido de que o vendedor
passe a não mais responder com os bens objeto da venda para o pagamento
de dívidas anteriores a terceiros.
Por derradeiro, também nos termos do Código Civil, os contratos são
nulos e não surtem quaisquer efeitos legais nas hipóteses em que tenham
sido firmados por pessoas incapazes, cujo objeto contratual é impossível
ou ilícito, que tenham sido simulados com o objetivo de prejudicar terceiros, ou que não cumpram com outros requisitos legais formais de validade
previstos em leis específicas, em caso de contratos solenes.
Portanto, observados os requisitos de validade e as causas de anulação
e nulidade dos contratos, o que vigora é a plena liberdade entre as partes
para a fixação das previsões contratuais que melhor se adequarem à atividade a ser desempenhada.
POSSIBILIDADE DE REVISÃO X “PACTA SUNT SERVANDA”
Tradicionalmente no Brasil, no que se refere aos contratos, sempre vigorou a aplicação do enunciado romano “pacta sunt servanda”, ou seja,
o contrato faz lei entre as partes que o firmam e suas cláusulas, depois
de aceitas, não comportam modificações pela vontade de apenas uma das
partes.
Certamente tal princípio é necessário para que se preserve a força vinculante e a eficácia dos direitos e obrigações previstos nos contratos, instaurando-se um regime de segurança jurídica.
No entanto, o princípio de sua imutabilidade não é absoluto, havendo a
previsão legal das hipóteses em que suas cláusulas poderão ser revistas.
Assim, tanto o Código Civil quanto o Código de Defesa do Consumidor,
no âmbito de seu alcance, definem que poderão ser revistos os contratos
quando houver a influência de fatores externos imprevisíveis ou de força
maior, que coloquem uma das partes do contrato em desvantagem exagerada em relação à outra parte. Nesses casos, deve haver a revisão dos
COMÉRCIO E SERVIÇOS
449
termos do contrato no sentido de se promover o re-equilíbrio econômico
e financeiro, o qual, se inatingível, pode gerar, até mesmo, a rescisão do
contrato.
Multa e Cláusula Resolutiva Expressa
No que se refere à celebração dos contratos, ainda há de se mencionar
que as partes podem estipular cláusulas que estimulam o seu cumprimento
e a observências das obrigações mútuas.
Tais cláusulas são dotadas de previsão legal e, uma vez expressas no
contrato, conferem maior segurança para as partes contratantes.
Assim, principalmente nos contratos de prestação continuada, há a possibilidade da elaboração do contrato com a chamada cláusula resolutiva
expressa, ou seja, havendo o descumprimento de qualquer obrigação ou
cláusula por uma das partes, a rescisão do contrato se opera de forma imediata e independente de declaração judicial.
Também no sentido de se fortalecer o vínculo contratual e a estimular
as partes a lhe dar cumprimento, pode ser instituída a chamada cláusula
penal, por meio da qual a parte que der causa à rescisão contratual ou descumprir qualquer de suas cláusulas pagará a outra uma pena pecuniária,
pré-estipulada.
COMPRA E VENDA
Sem dúvida, no que se refere às atividades de comércio de bens, o contrato de compra e venda é a modalidade de avença que se apresenta em
maior volume, dando-se a todo o tempo e em seus mais variados níveis.
desde aqueles bens que pela sua natureza singela e baixo valor não requerem a existência de um contrato formal escrito, até as transações nas quais
estão envolvidos altos valores e o fornecimento de bens de grande comple
Código Civil Brasileiro. Art. 474. A cláusula resolutiva expressa opera de
pleno direito; a tácita depende de interpelação judicial. Art. 475. A parte lesada pelo inadimplemento pode pedir a resolução do contrato, se não preferir
exigir-lhe o cumprimento, cabendo, em qualquer dos casos, indenização por
perdas e danos
450
Eder Fasanelli Rodrigues / Ricardo Carneiro Mendes Prado
xidade ou em grande quantidade, passando a ser importante a celebração
de contratos escritos.
O Código Civil regula expressamente este tipo de contrato, conferindo
ampla liberdade às partes no que se refere à fixação de parâmetros como
preço e prazo. As partes são livres para elaborarem os termos entre si, desde que não violem a lei, devendo ainda o contrato, como exigência legal,
estabelecer equilíbrio entre as partes, sendo vedada, por exemplo, a fixação de preço de forma posterior e ao arbítrio exclusivo de uma das partes.
Também são vedadas cláusulas abusivas, que coloquem uma das partes em
desvantagem e favoreça exageradamente a outra, caso em que tais cláusulas poderão ser discutidas judicialmente no sentido de se re-conduzir as
partes a uma situação de equilíbrio econômico.
Ainda através de previsão contida no Código Civil, como opção ao contrato de compra e venda em sua forma comum, é possível a instituição de
outras garantias, tais como a venda com reserva de domínio, na qual bem
móvel é entregue ao comprador, mas a propriedade do bem permanece
sendo do vendedor até que haja o total pagamento do preço. Com esta
garantia, caso não haja o pagamento do preço, a posse do bem poderá ser
reavida pelo vendedor.
PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS
No que se refere à contratação de prestação de serviços, cumpre observá-las principalmente na esfera dos serviços prestados por empresas, uma
vez que os serviços tomados de pessoas físicas, acabam por se sujeitar à
legislação trabalhista, ou às leis específicas que regulam a prestação de
serviços autônomos por meio de profissionais liberais especializados.
Contratos de prestação de serviços visam a execução de atividade que
implique em obrigação de fazer mediante o pagamento de um preço respectivo. Diferencia-se do contrato de trabalho pela ausência de subordinação entre as partes.
Quanto à necessidade de contrato escrito para a realização e reconhecimento legal de uma relação de prestação de serviços, aplica-se a mesma
Código Civil Brasileiro. Art. 521. Na venda de coisa móvel, pode o vendedor reservar para si a propriedade, até que o preço esteja integralmente pago.
COMÉRCIO E SERVIÇOS
451
regra dos contratos de compra e venda. Não há forma exigida em lei, sendo
conveniente a forma escrita em casos de maior valor ou complexidade.
Vale destacar, ainda, que na contratação da prestação de serviços continuados por prazo determinado, por disposição expressa do Código Civil,
tal contrato não poderá vigorar por período superior a quatro anos. E, na
hipótese de rescisão sem justo motivo de contrato por prazo determinado,
será devido ao prestador contratado o pagamento de metade do valor do
período remanescente.
REPRESENTAÇÃO COMERCIAL E DISTRIBUIÇÃO
No que se refere ao tema ora abordado, comércio e serviços, por certo
não poderiam deixar de serem abordadas as atividades meio que possibilitam a circulação e a venda de bens e serviços, quais sejam a representação
comercial e a distribuição.
A figura dos representantes ou agentes comerciais ou das empresas que
exercem tais atividades é tradicional no Brasil, exercendo a função essencial de promoção das vendas de produtos e serviços, submetendo os
pedidos e as propostas para a empresa representada. Assim, no caso de
efetivação da venda o agente ou representante terá direito ao recebimento
de um percentual sobre o valor da venda, previsto em contrato. O contrato
também define o território de atuação do representante, onde serão desenvolvidas as vendas.
A atividade de representação comercial ou agência é regulamentada no
Brasil pelas Leis 4.886/65 e 8.420/92, bem como de forma conjunta pelo
Código Civil. E os representantes devem registrar-se perante o Conselho
de Representantes Comerciais, o qual tem a atribuição de regulamentar e
fiscalizar o exercício da atividade.
Conforme previsão legal, a atividade de representação comercial deve
ser exercida de acordo com condições expressas em um contrato formal.
Além das cláusulas que as partes podem livremente dispor, existem algumas cláusulas obrigatórias como a descrição das características dos produtos ou serviços que serão objeto de representação, o tempo de duração do
contrato, a definição da área ou território no qual o representante exercerá
a atividade, permissão ou proibição de que a empresa realize vendas diretas (sem a interveniência do representante), exclusividade do representante
452
Eder Fasanelli Rodrigues / Ricardo Carneiro Mendes Prado
como sendo o único a representar a empresa no território de vendas, e a fixação do direito do representante em receber o valor equivalente a 1/12 sobre
o valor de todas as vendas realizadas sob seu intermédio durante o contrato
na hipótese de rescisão injustificada do contrato pela representada.
É relevante que se observe que as características da atividade de representação comercial, quando o representante atue para uma só ou poucas
representadas, podem se aproximar dos requisitos para a caracterização de
uma relação de emprego, tais como dependência salarial, habitualidade e
pessoalidade. Nesses casos, a diferença entre o representante e o empregado seria a autonomia do primeiro e a subordinação do segundo. Em casos
de dúvida sobre o enquadramento, pode haver riscos para a representada,
já que a configuração do vínculo trabalhista faria incidir encargos mais
onerosos que os pagos em função da atividade de representação.
Por esta razão, até mesmo em cumprimento ao artigo 1º da Lei 4.886/65
é que se recomenda que as empresas representadas firmem contratos com
empresas de representação, evitando que ordens diretas sejam dadas aos
representantes, devendo tais ordens serem direcionadas para a empresa de
representação e daí para os seus funcionários.
Por fim, há de se diferenciar as atividades de representação comercial ou
agência da atividade de distribuição.
Na distribuição as partes contratantes são livres para a estipulação das
condições do contrato, mediante o qual o distribuidor compra e armazena os produtos de uma determinada empresa, mas não realiza qualquer
intermediação de venda em nome da fornecedora. O distribuidor apenas
compra e estoca os produtos, e a partir daí realiza a sua distribuição vendendo-os a terceiros em seu próprio nome, arcando o distribuidor com os
riscos de mercado, já que adquire os produtos para uma revenda sujeita às
variações de mercado e até a eventual inadimplência.
De forma específica, cabe mencionar que quando a distribuição envolver
veículos automotores, suas peças e serviços de manutenção, o contrato de
distribuição é regulado pela Lei nº 6.729/79. Esta lei traz definições expressas quanto à definição da área abrangida pela distribuição, a distância
mínima entre distribuidores diferentes, a exclusividade na distribuição dos
produtos da mesma marca, a vedação à distribuição de veículos novos de
outras marcas, a obrigação do distribuidor manter um estoque mínimo
COMÉRCIO E SERVIÇOS
453
para atender ao fluxo de revendas e a proibição de revenda para outros revendedores, autorizada a revenda apenas para o consumidor final.
Nas demais atividades de distribuição de produtos que não envolvam
veículos automotores e suas partes ou peças, a liberdade na definição das
cláusulas entre as partes é plena, sendo reguladas pelas definições gerais
do Código Civil e ainda pelo que restou de vigente no Código Comercial
Brasileiro de 1.850.
EFICÁCIA DOS CONTRATOS INTERNACIONAIS
O Brasil, no contexto do comércio internacional, por certo desde há
muito já adotou diversas padronizações formais para viabilizar as suas
operações, bem como faz uso dos INCOTERMS, termos técnicos internacionais referentes ao trânsito das mercadorias.
Ainda, foi grande a evolução obtida com o início da vigência da Lei
9.307/96, Lei de Arbitragem, que regulamenta a homologação de sentenças estrangeiras estatais ou arbitrais no Brasil, fazendo-as executáveis em
território nacional e, portanto, forçosamente recebíveis os pagamentos
ou adimplemento contratual devidos por empresas situadas no Brasil.
Contudo, a ratificação de outros princípios internacionais de uniformização de interpretação dos contratos complementará sobremaneira tal evolução, concedendo segurança aos negócios internacionais com o Brasil.
Além da possibilidade de homologação das sentenças estrangeiras, também facilita a interpretação, por parte de nossa jurisdição, dos contratos
internacionais de acordo com entendimentos uniformes, conferindo maior
segurança aos meios de pagamento utilizados por exportadores e importadores, diminuindo riscos de eventuais divergências interpretativas.
O Brasil, acompanhando a evolução das disposições internacionais sobre a arbitragem, assinou o Protocolo de Genebra em 1923, reconheceu
em 2002, a Convenção de Nova Iorque de 1958 – CNY, e é signatário da
Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional de
1975, além de outros acordos e convenções bilaterais tal como o firmado
com a Comunidade Européia em 1994, sendo ainda membro da Organização Mundial de Comércio – OMC.
Quanto à Lei Modelo sobre Arbitragem Internacional da UNCITRAL,
o Brasil não adotou seu texto irrestritamente, como fizeram muitos países
454
Eder Fasanelli Rodrigues / Ricardo Carneiro Mendes Prado
que a adotaram expressamente, mas os seus termos influenciaram fortemente a elaboração do texto da Lei 9.307/96.
O dispositivo legal brasileiro guarda certas condições específicas, dentre as quais a de que a sentença arbitral proferida em outro país esteja de
acordo com a legislação daquele país para que possa ser executada no Brasil, nos termos do artigo 38 da Lei 9.307/96.
Ainda, nos termos do “caput” do artigo 34 de referida Lei, o reconhecimento e a execução de sentença arbitral estrangeira no Brasil se dá, preferencialmente, nos termos dos tratados internacionais com eficácia no ordenamento jurídico pátrio, e somente na ausência destes, prevalece os termos
da Lei 9.307/96. É certo que o Brasil, em menos de uma década, aprovou e
promulgou três dos mais importantes tratados internacionais sobre a homologação de sentença estrangeira, quais sejam a Convenção de Nova Iorque
sobre o Reconhecimento e a Execução de Sentenças Arbitrais Estrangeiras,
a Convenção Interamericana sobre Arbitragem Comercial Internacional do
Panamá e a Convenção Interamericana sobre a Eficácia Extraterritorial das
Sentenças e Laudos Arbitrais Estrangeiros de Montevidéu, além de outros
tratados bilaterais, latino-americanos e do MERCOSUL.
Para as empresas estrangeiras que mantém contratos e relações de comércio com o Brasil, é recomendável que as mesmas, ao elaborar seus
contratos, levem em consideração as peculiaridades e requisitos exigidos
pela legislação brasileira para a homologação da eventual sentença arbitral
no território brasileiro.
Assim, no que tange à execução da sentença arbitral estrangeira, depois
de homologada pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, será emitida Carta
de Sentença pelo referido Tribunal, que deverá ser encaminhada ao Juízo
Federal com jurisdição no território do executado, conforme disposição do
artigo 12 da Resolução nº 9 – STJ, procedendo-se então à solução econômica do litígio, compelindo a parte devedora ao pagamento, sob pena de
bloqueio e leilão judicial de seus bens.
O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR
No que se refere ao Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8.078/90),
sua abordagem já é objeto de análise mais detalhada em capítulo próprio
desta obra.
COMÉRCIO E SERVIÇOS
455
No entanto, convém fazer breves considerações sobre pontos relacionados ao tema deste capítulo
O principal fator limitador da incidência do Código do Consumidor é a
condição de destinatário final do produto ou serviço, ou seja, o produto ou
serviço há de ser empregado de forma definitiva pela pessoa ou pela empresa
adquirente. Assim, sendo o produto ou serviço empregado como meio ou
matéria prima para a produção de outros bens ou serviços, o seu utilizador
ou adquirente não mais se enquadra na condição de consumidor final, e por
conseqüência deixa também de ser titular dos direitos fixados pelo Código.
Ainda quanto à abrangência, há que se mencionar que durante anos
instaurou-se controvérsia jurídica quanto à sua aplicação às atividades de
crédito e serviços financeiros oferecidos pelos bancos e outras entidades
de crédito integrantes do Sistema Financeiro Nacional – SFN, controvérsia que já foi pacificada pela Súmula 297 do Superior Tribunal de Justiça
– STJ, que determinou a plena aplicabilidade do Código às atividades oferecidas no mercado pelas instituições financeiras.
O Código de Defesa do Consumidor instaura um regime de direitos dos
quais são titulares os consumidores de produtos e serviços, garantindo-se padrões de sua qualidade e quantidade, bem como havendo a previsão legal expressa de indenização caso os produtos e serviços não ofereçam tais padrões.
Os bens e serviços oferecidos no mercado de consumo devem ser seguros à saúde, conter instruções sobre suas características e uso corretos,
informações sobre sua quantidade, qualidade, composição e preço, sendo
vedada a publicidade enganosa ou abusiva de produtos e serviços, e métodos comerciais desleais.
O fabricante, produtor, importador ou fornecedor, bem como o comerciante, brasileiro ou estrangeiro, de produtos ou serviços, respondem de
forma abrangente e independente de prova de sua culpa, pela reparação de
eventuais danos causados aos consumidores por defeitos decorrentes do
projeto, fabricação, construção, montagem, fórmulas e acondicionamento
de seus produtos e serviços.
OS Órgãos de Proteção e Restrição ao Crédito
Ante a necessidade de informações cadastrais sobre os parceiros comerciais ou clientes, para minimizar os riscos do negócio, as pesquisas podem
456
Eder Fasanelli Rodrigues / Ricardo Carneiro Mendes Prado
ser feitas mediante consultas a cadastros unificados de abrangência nacional,
vinculados aos números fiscais únicos de Cadastro de Pessoa Física-CPF, no
caso de pessoas, ou Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas – CNPJ, sendo
os cadastros de maior abrangência o SERASA, mantido pelas instituições
financeiras de crédito, e o Serviço de Proteção ao Crédito – SPC.
Tais cadastros oferecem informações sobre a existência de obrigações
comerciais descumpridas cadastradas em nome da pessoa ou empresa sob
análise, sendo possível aferir as condições daquele com o qual se está a
manter relação comercial.
É certo que a inscrição do nome de pessoas ou empresas em tais cadastros requer, de forma imprescindível, que haja a prévia notificação sobre a
inserção de dados negativos no cadastro, com a concessão de prazo razoável para que a inscrição seja questionada caso a obrigação já tenha sido
cumprida. Somente após o decurso de tal prazo a inserção da informação
de inadimplência passa a constar dos cadastros.
O Código de Defesa do Consumidor delimita as condições legais para
a inserção do nome de consumidores em tais cadastros, que manterão tais
informações pelo prazo máximo de cinco anos.
É possível, ainda, haver o questionamento administrativo ou judicial sobre a
negativação, caso os dados não correspondam à realidade, com possibilidade
de emissão de ordem para que referidos órgãos retirem de imediato as informações negativas indevidamente lançadas, inclusive com risco de indenização
por perdas e danos contra o fornecedor dos dados de desabono indevidos.
A Execução Judicial das obrigações
De todo inútil é a celebração de contratos comerciais, se não houverem dispositivos legais que lhe dêem real eficácia na hipótese de descumprimento.
Assim, descumprido o contrato comercial, e desde que em sua celebração tenha sido observada a formalidade legal de assinatura de duas testemunhas, sendo líquida, certa e exigível a obrigação, é possível iniciar de
imediato ação de execução judicial contra o devedor inadimplente. Com
isso, pode-se ingressar na esfera patrimonial do devedor para que sejam
bloqueados bens de sua propriedade avaliados em valor suficiente ao pagamento do devido.
COMÉRCIO E SERVIÇOS
457
A mesma possibilidade de imediata execução judicial e bloqueio de bens
do devedor existe no que se refere à cobrança dos valores lançados nos títulos de crédito, (cheque, duplicata mercantil e outros), utilizados como meio
de pagamento nas transações comerciais. E também para a execução de
sentenças judiciais ou arbitrais estrangeiras no Brasil, após a sua regular
homologação pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ e expedição de Carta
de Sentença, documento hábil a ser então executado judicialmente.
Evidente que, nos termos das cláusulas fundamentais da Constituição
Federal do Brasil, é oferecido ao devedor direito à ampla defesa judicial
e ao devido processo legal, podendo apresentar provas e justificativas
legais em sua defesa que demonstrem os motivos do descumprimento
contratual. Nesse caso, o bloqueio e a alienação judicial de seus bens poderão ser revistos e cancelados, caso as justificativas sejam judicialmente
declaradas legítimas.
CONCLUSÃO
Conforme demonstra o presente capítulo, bem como os demais da presente obra, o aparato legal necessário para a regulamentação das atividades de comércio de bens e serviços no Brasil já se encontra vigente e
adaptado, principalmente no que se refere aos contratos e sua eficácia. Tem
se observado, ainda, a aceleração das atividades nos meios judiciais de solução de controvérsias, criando-se juizados especiais, tribunais arbitrais e
a introdução de uma cultura de conciliação como melhor opção na solução
de controvérsias.
No âmbito das atividades de comércio de bens e serviços, são inegáveis
as oportunidades atualmente presentes no Brasil.
O país opera com inflação baixa e controlada há dezesseis anos, com a
adoção de uma política econômica responsável, fundada na flexibilidade do
câmbio, responsabilidade fiscal e cumprimento das metas inflacionárias.
Completando o panorama de segurança econômica, em junho de 2010 o
país atingiu o recorde em suas reservas externas, atingindo o patamar de
US$ 250 bilhões.
Fonte: www.tendenciasemercado.com.br/financas/reservas
458
Eder Fasanelli Rodrigues / Ricardo Carneiro Mendes Prado
A democracia representativa opera plenamente e com estabilidade, sem
risco de rompimento do pacto constitucional, observando-se ainda, como
é resumido neste capitulo, a existência de um regime de segurança jurídica
no que se refere ao cumprimento das obrigações ligadas ao exercício do
comércio.
Ainda, nos próximos anos o produto interno bruto – PIB deverá crescer
em torno de 5% a 6%, havendo de se observar que o Brasil é um dos dois
maiores produtores e exportadores de “commodities” agropecuários, tais
como a carne bovina, soja, café e etanol, sem menção ainda do início da
exploração comercial das novas jazidas de petróleo localizadas em águas
profundas.
No setor de serviços, a necessidade de criação e adequação de infraestrutura, conforme dados governamentais, irá requerer investimentos no
valor aproximado de 840 bilhões de reais até 2014.
Os fatos econômicos demonstram a relevância do desenvolvimento do
setor de comércio e serviços nos próximos anos no Brasil, desenvolvimento que por certo estará amparado por um sistema legal sólido no que se refere ao regime jurídico contratual vigente, bem como por regulamentação
eficaz dos direitos, deveres, garantias e informações inerentes às atividades comerciais.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CESA, Centro de Estudos das Sociedades de Advogados. GUIA LEGAL
PARA O INVESTIDOR ESTRANGEIRO NO BRASIL – Imprensa Oficial do Estado de São Paulo – São Paulo – 2006.
PRADO, Ricardo Carneiro Mendes. RODRIGUES, Eder Fasanelli. –
Questões Atuais de Direito Empresarial VOL. ii – aliança de advocacia
empresarial – alae – PG. 200-215. Métodos de Pagamento no Comércio
Internacional – Reconhecimento dos Meios de Cobrança e sua Eficácia
– Editora MP – São Paulo – 2009.
Fontes: Revista VEJA – Edição 2165, ano 43, nº20, 19 de maio de 2010, BANCO
CENTRAL DO BRASIL – BACEN, BOVESPA, FUNDAÇÃO GETÚLIO VARGAS – FGV.
COMÉRCIO E SERVIÇOS
459
VALÉRIO, Marco Aurélio Gumieri. Homologação e execução de sentença arbitral estrangeira no STJ . Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n.
987, 15 mar. 2006. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.
asp?id=8098>.
BRASIL. Lei Ordinária n°. 9.307, de 24.9.96. Dispõe sobre a arbitragem.
Diário Oficial, Brasília, 24.9.1996.
BRASIL. Lei Ordinária n°. 8.078, de 11.9.90. Código de Defesa do Consumidor. Diário Oficial, Brasília, 11.9.90.
BRASIL. Lei Ordinária n°. 10.406, de 10.1.2002. Código Civil. Diário Oficial, Brasília, 10.1.2002.
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
Emmanuel Casagrande
Advogado, pós-graduado em Regime Democrático de Direito,
pela Fundação Escola do Ministério Público do Estado do Paraná.
Especialista em Direito Processual Civil, pelo Instituto de
Direito Constitucional e Cidadania
Luís Hasegawa
Advogado, com Capacitação Empresarial em Gestão de Negócios e
Liderança, pela Universidade da Indústria – Unindus.
1.Educação – O principal instrumento para o
crescimento de um país
Há consenso quanto à importância da educação para o crescimento e a
sustentabilidade de qualquer nação. Sem uma educação robusta e ampla, o
país jamais alcançará níveis desejáveis de desenvolvimento.
Embora o Brasil tenha avançado neste campo, nas últimas décadas,
ainda há muito a ser feito. De outro lado, é notório o crescimento do país
e a sua escalada para deixar de ser um país emergente e ingressar no rol
das principais potências mundiais. Esse objetivo não será totalmente
cumprido, enquanto não forem resolvidos vários problemas no sistema
de educação e, por isso, a busca por um ensino de qualidade deve se
tornar cada vez mais intensa. E, sempre que se apresenta uma situação
como a ora vivenciada, surgem inúmeras oportunidades de negócios e
experiências.
Pesquisas apontam que um terço dos brasileiros freqüenta diariamente a
escola (professores e alunos). São mais de 2,5 milhões de professores e 57
milhões de estudantes matriculados, em todos os níveis de ensino. Estes
números apontam um crescimento no nível de escolaridade da população,
fator primordial para a melhoria do nível de desenvolvimento.
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
461
Outro ponto importante diz respeito ao índice de analfabetismo. Em
1992, o número de analfabetos correspondia a 16,4% da população. Esse
índice caiu para 10,9%, em 2002, e continua em declínio. Outro dado mostra que, em 2006, 97% das crianças de sete a quatorze anos frequentavam
a escola.
Partindo dessa visão inicial de necessidade de investimento no setor da
educação, o presente artigo buscará trazer as principais diretrizes do sistema educacional brasileiro, através de uma compilação das normas e institutos que regulam a atividade.
1.1. A Educação no sistema legal brasileiro
O Ministério da Educação (MEC) é o órgão do Governo Federal responsável pelo estudo e despacho de todos os assuntos relativos ao ensino,
saúde pública e assistência hospitalar. O MEC foi criado pelo Decreto nº
19.402, de 14 de novembro de 1930, com o nome de “Ministério dos Negocios da Educação e Saúde Publica”, no governo do então presidente Getúlio Vargas.
Em 13 de janeiro de 1937, passou a se chamar Ministério da Educação e Saúde e suas atividades passaram a ser limitadas à administração
da educação escolar/educação extra-escolar e da saúde pública/assistência
médico-social.
Em 1953, o Governo Federal cria o Ministério da Saúde e tira do Ministério da Educação e Saúde as responsabilidades de administração destinadas a ela. A partir daí, é que passa a se chamar oficialmente de MEC
– Ministério da Educação e Cultura (com o advento da Lei n.° 1.920, de 25
de julho de 1953).
Em 15 de março de 1985, foi criado o MinC, Ministério da Cultura, pelo
decreto 91.144. Curiosamente, a sigla MEC continua, porém, passa a se chamar Ministério da Educação – como é conhecido até hoje este ministério.
Em 8 de novembro de 1990, as atividades do MEC passaram a integrar
a política nacional de educação; a educação, ensino civil, pesquisa e extensão universitárias; o magistério e a educação especial.
Em 12 de junho de 2000, após muitas mudanças em sua estrutura organizacional e a criação de secretarias como o INEP e o FNDE, por exem-
462
Emmanuel Casagrande / Luís Hasegawa
plo, o MEC passa a ter as seguintes competências: política nacional de
educação; educação infantil; educação em geral, compreendendo ensino
fundamental, ensino médio, ensino superior, ensino de jovens e adultos,
educação profissional, educação especial e educação a distância, exceto
ensino militar; avaliação, informação e pesquisa educacional; pesquisa e
extensão universitária; e magistério.
A estrutura regimental do MEC, como conhecemos, só ficou estabelecida realmente pelo Decreto n° 4.791, de 22 de julho de 2003, o qual estabelece como área de competência do MEC:
-
política nacional de educação;
- educação infantil;
- educação em geral, compreendendo ensino fundamental, ensino
médio, ensino superior, ensino de jovens e adultos, educação profissional, educação especial e educação a distância, exceto ensino
militar;
- avaliação, informação e pesquisa educacional;
- pesquisa e extensão universitária;
- magistério;
- assistência financeira a famílias carentes para a escolarização de
seus filhos ou dependentes.
Entre algumas áreas ligadas ao Ministério da Educação podem-se
citar:
- educação especial
- educação superior
- educação profissional e tecnológica
- educação infantil
- educação à distância
- educação do campo
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
463
- educação indígena
- educação ambiental
Em nível de legislação, o direito à educação está inserto no Título dos
Direitos e Garantias Fundamentais, da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, no Capítulo dos Direitos Sociais:
Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho,
a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 64, de 2010)
Na sequência, encontram-se as regras jurídicas infraconstitucionais: a
Lei Federal n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional e a Lei Federal n.º 10.172, de 09 de
janeiro de 2001, que aprova o Plano Nacional de Educação e dá outras
providências.
1.1.1. A Lei n.º 9.394/1996
Referida lei, promulgada no primeiro governo do então Presidente Fernando Henrique Cardoso, estabelece as diretrizes e bases da educação nacional. Contempla, pois, desde o conceito de educação, os seus princípios,
fins e direitos, até a sua forma de financiamento, passando por sua organização, níveis e modalidades de ensino.
Importante destacar o contido em seu artigo 7º:
Art. 7º O ensino é livre à iniciativa privada, atendidas as seguintes
condições:
I – cumprimento das normas gerais da educação nacional e do respectivo sistema de ensino;
II – autorização de funcionamento e avaliação de qualidade pelo Poder
Público;
III – capacidade de autofinanciamento, ressalvado o previsto no art. 213
da Constituição Federal.
Daí a conclusão de que qualquer nível de ensino pode ser mantido e
ofertado pela iniciativa privada, sem exceção.
464
Emmanuel Casagrande / Luís Hasegawa
Ainda, a Lei n.º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, previu a criação do
Plano Nacional de Educação, que será tratado no tópico seguinte.
1.1.2. A Lei n.º 10.172/2001 – Plano Nacional de Educação
A referida Lei, promulgada no segundo governo do Presidente Fernando
Henrique Cardoso, traz em anexo um plano, uma política nacional para a
educação, com uma série de explanações, conceitos e dados, que traçam o
retrato e o que se pensa para o futuro de cada nível ou modalidade de ensino no Brasil, partindo de um diagnóstico, para depois indicar diretrizes
e fixar os objetivos e as metas.
Em síntese, o Plano tem como objetivos, entre outros:
- a elevação global do nível de escolaridade da população;
- a melhoria da qualidade do ensino em todos os níveis;
- a redução das desigualdades sociais e regionais no tocante ao acesso
e à permanência, com sucesso, na educação pública e
- democratização da gestão do ensino público, nos estabelecimentos
oficiais, obedecendo aos princípios da participação dos profissionais
da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola e a participação das comunidades escolar e local em conselhos escolares ou
equivalentes.
- Estabelecer um amplo sistema interativo de educação a distância,
utilizando-o, inclusive, para ampliar as possibilidades de atendimento nos cursos presenciais, regulares ou de educação continuada.
E, para alcançar tais objetivos, o Plano Nacional de Educação define:
- as diretrizes para a gestão e o financiamento da educação;
- as diretrizes e metas para cada nível e modalidade de ensino e
- as diretrizes e metas para a formação e valorização do magistério e
demais profissionais da educação, nos próximos dez anos.
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
465
- expandir a oferta de programas de educação a distância na modalidade de educação de jovens e adultos, incentivando seu aproveitamento nos cursos presenciais.
As informações contidas no Plano Nacional de Educação, mais do que
servirem como fonte fidedigna da realidade do ensino, podem trazer elementos bastante úteis para direcionarem o início ou o caminho dos trabalhos, para a análise de um mercado gigantesco, o da educação em um
país continental e populoso, que ainda possui um ensino extremamente
deficitário, que precisa ser corrigido a passos largos, a fim de suportar o
crescimento buscado e experimentado pelo Brasil, nos últimos anos.
2.Outros dados do estágio da educação no Brasil
O Brasil, como um grande país de rendimento médio, possui várias regiões subdesenvolvidas. Seu sistema de educação apresenta muitas deficiências e disparidades, com grandes oscilações entre as suas regiões.
Dados de 2007, constataram taxas de alfabetização de 90%, para pessoas com 15 anos ou mais de idade. A escolaridade média do brasileiro é de
6,9 anos, contra 12 anos, nos EUA; 11 anos, na Coréia do Sul e 8,8 anos de
educação formal, na Argentina.
A nação investe 4,3% do PIB em Educação, sendo que o Governo Federal pretende aumentar, progressivamente, esse número para 7%.
O sistema de ensino público brasileiro foi o pior colocado, em um estudo
promovido pelo Banco Mundial, a respeito das condições dos principais
países emergentes, para se inserirem na chamada “sociedade do conhecimento”, estágio mais avançado do capitalismo.
Em 26 de outubro de 2006, a Unesco publicou o relatório anual “Educação para Todos”, no qual colocou o país na 72ª posição, em um ranking de
125 países. Com a velocidade de desenvolvimento atual, o país só atingiria
o estágio atual de qualidade dos países mais avançados, em 2036.
O grau de educacional da população brasileira é ínfimo, perto dos outros
países latino-americanos, bem como de outras economias emergentes. O
ensino médio completo no país atinge apenas 22% da população, contra
55% na Argentina e 82% na Coréia do Sul.
466
Emmanuel Casagrande / Luís Hasegawa
De acordo com o Programa de Avaliação Internacional de Estudantes
(PISA), o Brasil está sempre em último lugar em leitura, matemática e
ciências.
Estudos da Fundação Getúlio Vargas afirmam que 35% das desigualdades sociais brasileiras podem ser explicadas pela desigualdade no ensino.
Como visto, apesar dos esforços do governo, é pouco provável que suas
políticas sejam suficientes para conduzir o Brasil a um nível de educação
capaz de satisfazer as demandas de um país em franco desenvolvimento.
Certamente, as necessidades, inerentes ao crescimento, precisarão ser suportadas pela iniciativa privada, abrindo-se um enorme mercado potencial.
3.O ensino a distância
Além de apresentar a regulamentação e um panorama geral do ensino
no Brasil, esse artigo tem como objetivo trazer informações ao investidor,
nacional ou estrangeiro, que possam auxiliá-lo na pesquisa e na identificação de oportunidades de negócio.
Com o avanço tecnológico, a educação a distância (EAD) teve acentuado crescimento em sua utilização e vem desenvolvendo importante papel
na educação do Brasil. Todavia, referido avanço ainda é muito pequeno,
em face do potencial da sociedade brasileira e à demanda existente deste
tipo de serviço.
A metodologia ganhou força com a popularização do uso dos computadores e da internet, ao longo da última década. As atividades viabilizadas
pela EAD contemporânea nas instituições de ensino, sejam de caráter fundamental, superior ou de caráter livre como apoio extraclasse, permitem
ao professor presencial continuar sua atividade de ensino, resolvendo problemas de calendário escolar, carga horária de disciplinas ou, até mesmo,
vencer conteúdos programáticos extensos.
Hoje, vários educadores valem-se do recurso da internet para programar
estudos e atividades para os alunos, com agendamento de atendimentos
virtuais, via programas de mensagem instantânea ou fóruns de discussão
em ambientes virtuais de aprendizagem, possibilitando que os alunos enviem trabalhos por e-mail, para posterior correção, com objetivo de resolverem um problema comum do nosso século, o tempo.
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
467
A elaboração de programas de educação a distância, para um grande
número de estudantes, encerra desafios relacionados às necessidades de
logística, suporte de tutoria, produção de material, dentre outros. A distância é um desafio brasileiro, pois somente os grandes centros ou cidades
com maior desenvolvimento contam com a estrutura física de grandes instituições, dificultando o acesso ao conhecimento para os centros e cidades
menores.
Pensar em termos de escala, principalmente quando se trata de geração
e transferência de conhecimento, traz benefícios e oportunidades incomensuráveis.
Quando se projeta uma perspectiva de economia de escala, muito própria das instituições particulares de ensino, pressupõe-se uma abordagem
profissional de gestão, que necessariamente deverá contar com infra-estrutura tecnológica, planejamento eficaz, dinâmico e adequado, frente às
demandas de atendimento, não só dos clientes externos (alunos e comunidade), como relativas às necessidades de coordenação e de satisfação
dos clientes internos (docentes e equipe técnico-pedagógica) e, por fim, o
acompanhamento e a coordenação de cada etapa do trabalho.
Na última década, as instituições de ensino, diante deste novo mercado,
forçaram o MEC a rever a legislação existente, tendo por base experiências
já consolidadas, em países desenvolvidos, dando início ao processo de regulação desta modalidade de ensino.
Ainda remanescem desafios, como estruturação e planejamento estratégico, professores capacitados, tutores, equipes de produção de mídias, suporte técnico e gestores, que estarão na linha de frente do funcionamento
do projeto a distância, incluindo-se também os programas, os cursos e os
materiais.
Instituições privadas e públicas investem na educação a distância, geralmente preocupadas com a escolha do ambiente de aprendizagem e com
as tecnologias a serem adotadas. Entretanto, muito mais do que a escolha
tecnológica ou da plataforma, o planejamento e a execução de um projeto
de educação a distância requerem um trabalho de organização detalhado,
multidisciplinar. As exigências variam de acordo com a natureza do curso, o tipo de aluno, as tecnologias envolvidas, e se alteram ao ritmo das
múltiplas situações. Isto impede que uma instituição educacional possa
468
Emmanuel Casagrande / Luís Hasegawa
construir um modelo único de EAD, que apresente solução para toda a
gestão do projeto.
Conforme o porte da instituição de ensino ou a sua abrangência e diversidade de atuação, uma solução única pode não se mostrar adequada. A
tendência é pela adoção de desenhos diversos de cursos a distância e esta
diversidade de soluções de EAD pressiona para a necessidade de um domínio, de todas as etapas de produção e de operação do curso. Principalmente, quando a instituição trabalha com variados níveis e tipos de educação
profissional e/ou ensino superior.
Assim, uma mesma instituição de ensino poderá ter cursos na modalidade a distância com características diferenciadas, baseadas em suportes midiáticos e de tipos de interação distintos, com estruturas de tutoria
diversas e com logísticas de aulas, estratégias pedagógicas e professores
diferenciados.
A reflexão sobre a importância da estruturação de todo aprendizado a
distância leva a entender que as instituições, ofertadoras desta modalidade,
devem levar em conta os múltiplos cursos, públicos e níveis, bem como a
gestão dos clientes internos da instituição, buscando a construção de modelos próprios, com características de soluções flexíveis, equacionando a
relação custo benefício, tanto para a instituição como para o cliente aluno,
sem perder o foco das questões pedagógicas e, principalmente, da natureza
dos conteúdos complexos e de exigência cognitiva elevada.
4.A escola bilíngue
Por fim e sem perder o foco dessa visão negocial, uma situação bastante singular nos chamou a atenção: a das escolas bilíngues, que oferecem currículo
brasileiro completo, acrescido das vantagens do currículo internacional.
O Brasil engatinha nesse tipo de educação, mas sentiu um crescimento razoável,
nos últimos anos, se considerarmos que, até a década passada, havia apenas 08 (oito)
escolas com esse modelo, reconhecido mundialmente. Já em 2007, esse número era
de 145 e saltou para 180, em 2009, registrando um aumento de 24% no período.
Especialistas apostam num crescimento vigoroso. Marcas da globalização,
que, em conjunto com o desenvolvimento que o Brasil vem enfrentando, pressionam e demandam por profissionais mais capacitados e aptos a se comunica-
A EDUCAÇÃO NO BRASIL
469
rem em vários idiomas, a fazerem negócios em outros países, a atenderem novos
mercados. Esse tipo de ensino passa a atrair, cada vez mais, as classes brasileiras
média e alta.
É importante destacar que as escolas bilíngues não possuem legislação específica e estão, pois, vinculadas ao mesmo regramento das escolas tradicionais, já
tratado aqui.
Diante desse cenário, há muito a ser explorado nessa área, pois, apesar de
nossa envergadura continental e de nossa imensa população, mesmo em números
absolutos, o Brasil ainda está bastante atrás de países muito menores e menos
populosos da América Latina, como o Chile, o Uruguai e a Argentina.
Referências Bibliográficas
FABRI, José Augusto; CARVALHO, Marly Monteiro de. QFD Estendido
em ambiente de gerenciamento de informações para ensino a distância.
Revista Produção Online. ISSN1676–1901, Vol. 5, Num.2, Junho de 2005.
Disponível em: http://www.producaoonline.ufsc.br/v05n02/artigos/205_
2005.htm Acesso em 13/02/2007.
FREEMAN, Richard. Planejamento de sistemas de educação à distância:
Um manual para decisores. The Commonwealth of Learning – COL. Vancouver, Canadá, 2003. Disponível em: < http://www.col.org/> Acesso em:
10/01/2007.
MEC/SEED. Referenciais de qualidade para cursos de graduação a distância. Brasília, DF: 2003. Disponível em: < http://portal.mec.gov.br/seed/
arquivos/pdf/ ReferenciaisdeEAD.pdf> Acesso em:11/02/2007.
Outros sites consultados
http://www.suapesquisa.com/educacaobrasil/
http://abt-br.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=394&I
temid=2
http://pt.wikipedia.org/wiki/ISTO%C3%89
http://portal.mec.gov.br/
http://www.estadao.com.br/noticias/geral
Parte iIi
temas especiais
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME
DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA PELO NOVO
REGULAMENTO ADUANEIRO
José Henrique Cabello
Pós-Graduado em Direito Tributário pela PUC/Campinas. Pós-Graduado
em Direito Constitucional pela PUC/Campinas. Pós-Graduando em Direito
do Comércio Internacional pelo Instituto Internacional de Ciências Sociais.
Coordenador das Áreas Tributária e Aduaneira do Daniel Marcelino
Advogados Associados
1. Introdução
Conforme bem sintetiza o Conselho Federal de Economia – COFECON,
em artigo intitulado de o poder da inovação no Brasil, “há uma relação
simbiótica entre a inovação e o mundo dos negócios, visando o sucesso dos
empreendimentos, sejam eles públicos ou privados. Os países desenvolvidos possuem um alto grau de inovação das companhias, com substanciais
investimentos em P&D – pesquisa e desenvolvimento – e, num outro extremo, encontramos os países em desenvolvimento, com baixo nível de
inovação, tornando-se um dos principais obstáculos para o crescimento da
produtividade e, por conseqüência, da economia da nação.”
É fato, quanto mais as empresas inovam tecnologicamente, mais o país
desenvolve economicamente.
Sob esta perspectiva, se comparado com os outros países, como os Estados Unidos, o Japão e a Europa, o Brasil ainda ostenta baixíssimo nível.
Em razão desta desigualdade, afigura-se inequívoco que o comércio internacional se apresenta como um importante meio para que as empresas brasileiras, por meio da importação de produtos melhores, com menor
http://www.cofecon.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=1357
&Itemid=99
472
José Henrique Cabello
custo, estejam aptas a fabricarem produtos mais competitivos no mercado
internacional, repercutindo positivamente na balança comercial.
Utilizando como fonte as informações fornecidas pelo INMETRO, Câmara Americana de Comércio, IBGE, Revista Banas Qualidade, o Conselho Federal de Economia relata, dentre outros dados comparativos, que,
no ano de 2000, de um milhão de peças fabricadas no Brasil, entre 2.000
a 4.000 estavam com defeitos (foram rejeitados), enquanto que no EUA e
Europa, na mesma quantidade de peças fabricadas, 200 estavam com defeito, e no Japão, em apenas 10 delas.
Ocorre que, em muitos casos, seja em razão da natureza, alto custo de
aquisição ou até mesmo pela política da empresa (fundado no princípio
da “liberdade de contratar”), estes “produtos” estrangeiros, ao invés de
serem comprados, são apenas alugados pelas empresas brasileiras para serem economicamente utilizados, ou seja, permanecerão no território nacional apenas no período determinado em que for acordado em contrato
internacional (temporariamente).
Estas importações devem ser feitas segundo regime aduaneiro especial
de “admissão temporária para utilização econômica”, instituído pelo artigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, através do qual os impostos incidentes na
importação devem ser pagos “proporcionalmente ao tempo de sua permanência em território nacional”, haja vista o conteúdo dos Princípios da
Legalidade, da Capacidade Contributiva e da Isonomia.
Até 06/09/2009, sob a vigência do Decreto n. 4.543/2002, a proporcionalidade desta tributação era obtida utilizando-se como critério de cálculo o
Conforme divulgado pelo Ministério do Desenvolvimento, atualmente o resultado
é positivo: “Na 2ª semana de julho, a balança comercial apresentou exportações de
US$ 4,161 bilhões e importações de US$ 3,439 bilhões, resultando em superávit
de US$ 722 milhões. Até a 2ª semana de julho, as exportações acumulam US$
5,687 bilhões e as importações, US$ 4,741 bilhões, com superávit de US$ 946
milhões. No ano, as exportações totalizam US$ 94,874 bilhões e as importações,
US$ 86,049 bilhões, com saldo positivo de US$ 8,825 bilhões.” Fonte http://www.
desenvolvimento.gov.br/sitio/interna/interna.php?area=5&menu=567.
Código Civil – Lei n.º 10.406/2002: Art. 421. A liberdade de contratar será exercida em razão e nos limites da função social do contrato.
Neste texto, os termos “bens”, “mercadorias” e “produtos”, foram utilizados sem
considerar a natureza jurídica que os diferencie, eventualmente.
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
473
potencial tempo de vida economicamente útil do bem, em relação ao tempo
em que este permanecerá no território para produção de riquezas, utilizando de forma integrativa, o disposto no artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964, bem
como Instrução Normativa SRF n.º 162/98, de 31 de dezembro de 1998.
Nada mais justo, pois se uma máquina com vida economicamente útil de
6 anos é alugada por 3 anos, deve o tributo desta operação corresponder a
50% do valor devido naquela, para que o tributo incida proporcionalmente
em ambas as operações, tratando-as de forma isonômica.
Com o advento do Decreto n.º 6.759/2009 (novo Regulamento Aduaneiro), esta forma de cálculo mudou, passando o importador a ter que pagar
1% do tributo que é devido na importação definitiva, por cada mês em que
permanecer no país para ser economicamente utilizado, tornando indiferente o natural tempo de vida útil do bem importado, o que, na prática,
acabou por dar tratamento jurídico diferenciado entre as empresas que fazem uso deste regime especial, bem como importam definitivamente.
Por exemplo, a empresa que importa ferramentas por meio da Admissão
Temporária foi beneficiada pela nova regra, pois quando esta mercadoria
não puder mais ser economicamente utilizada (5 anos), ocasião em que
poderá ser destruída ou devolvida, o tributo pago corresponderá apenas
a 60% do que seria devido na hipótese de ter sido comprada no exterior,
embora também neste caso a utilidade do bem esgotar-se-ia também em
5 anos. Neste caso, a nova regra desestimula, inclusive, a compra destes
bens, vez que o comprador suportará uma carga tributária maior do que a
do locatário.
Por outro lado, a empresa que importa temporariamente equipamentos
foi prejudicada pela nova regra, pois, ainda que a locação seja pelo prazo
de 10 anos, em 8,3 anos de locação o tributo já terá sido 100% pago do
tributo (tal como se tivesse sido comprada), embora ainda possa ser economicamente utilizada por mais 1,7 anos.
Assim, este trabalho analisará, primeiramente, como se põe o regime
aduaneiro especial da Admissão Temporária no sistema jurídico de forma
contextualizada, bem como demonstrará que a nova forma cálculo, instituída pelo Decreto n.º 6.759/2009, padece de inconstitucionalidade, por
não consistir método que garanta a proporcionalidade da tributação (não
apenas entre locatários, como também entre estes e os compradores), ofen-
474
José Henrique Cabello
dendo, sobremaneira, os Princípios da Legalidade, da Capacidade Contributiva e da Isonomia.
2.Do Regime de Admissão Temporária
É sabido que quando da importação de bens ou produtos, há a incidência
dos tributos federais II, IPI, PIS/COFINS, bem como do ICMS, imposto
este de competência dos Estados e do Distrito Federal, todos tendo como
pressuposto fático-lógico a respectiva entrada destes no território nacional, em razão (1) da exteriorização de riqueza manifestada pelo importador com esta compra, (2) da necessidade de o Estado captar recursos para
que possa atender às exigências e necessidades da coletividade, em prol do
desenvolvimento econômico do País, o que se afiguram em harmonia com
o Princípio da Capacidade Contributiva, que “é um conceito econômico e
de justiça social, verdadeiro pressuposto da lei tributária”, valendo-se das
palavras de Ruy Barbosa Nogueira10.
Conforme esclarece Ives Gandra da Silva Martins11, a Capacidade Contributiva é a capacidade do contribuinte relacionada com a imposição do
ônus tributário. É a dimensão econômica particular da vinculação do contribuinte ao poder tributante, ao Estado, de forma geral.
Todavia, há situações em que determinados bens ou mercadorias são
importados temporariamente (por prazo determinado) para serem utilizados economicamente pelos importadores, no exercício de determinada
atividade (empresarial ou negocial) com fins lucrativos. É o que ocorre, por
Artigo 153, inciso I, da CF de 1988 e artigos 1º e 2º, do Decreto-Lei n.º 37/1966.
Artigo 153, inciso IV, da CF de 1988 e artigos 2º e 13, da Lei n.º 4.502/1964.
Artigos 149, § 2º, inciso II, e 195, inciso IV, da CF/88 e artigos 3º e 7º, da Lei n.º
10.865/2004.
Artigo 155, da Constituição Federal de 1988 e Lei n. 6.374/1989, no Estado de São
Paulo.
Artigo 145, §1 , da Constituição Federal de 1988.
10
NOGUEIRA, Ruy Barbosa. Curso de Direito Tributário. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, 1999. p.12.
11
MARTINS, Ives Gandra da Silva. Caderno de Pesquisas Tributárias Vol. 14 – Capacidade Contributiva. São Paulo: Ed. Resenha Tributária, 1989. p. 35.
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
475
exemplo, na locação12 de máquinas estrangeiras ou na importação de animais reprodutores por criadores (em razão dos descendentes ostentarem
melhores índices de desempenho em prol da base da criação), em que não
ocorre a transferência de propriedade da máquina locada.
Além da questão quanto à transferência de propriedade, necessário registrar distinção que existe entre o valor (preço) que é pago na locação de
um bem se comparado com de sua compra, o que conseqüentemente reflete quantitativamente nos fatores “exteriorização de riqueza” e “condições
econômicas de suportar a tributação”, a teor do que prescreve o já visto
Princípio da Capacidade Contributiva, considerando que a base de cálculo
dos tributos, para ambos os casos, consubstancia-se no valor aduaneiro do
bem, ou seja, o valor da mercadoria importada13.
Objeto das Ciências Contábeis, o preço é a expressão monetária do valor
de um produto ou serviço. É o valor agregado que justifica a troca de bens
ou serviços, cuja formação deve “atingir o equilíbrio correto entre as necessidades dos consumidores, as soluções alternativas e a necessidade da
empresa em cobrir seus custos”14.
Grosso modo, pode-se afirmar que o cálculo do preço de venda se dá fixando uma margem de lucro como porcentagem do capital empregado pela
empresa, ao passo que o cálculo do preço de locação é fixado com base
na depreciação do bem locado segundo seu tempo de vida útil, ou seja, a
perda do valor com base em critério objetivo (valor de mercado) em função
de causas físicas (desgaste pelo uso e a ação dos elementos da natureza) ou
causas funcionais (obsolescência e inadequação).
Contrato de Locação de Bens Móveis é aquele pelo qual o locador se obriga
a ceder ao locatário, por certo tempo, o uso e gozo de bem móvel infungível,
mediante pagamento de aluguel, nos exatos termos do artigo 565, do vigente
Código Civil (Lei n.º 10.406/2002). Trata-se, pois, de uma OBRIGAÇÃO DE
DAR por parte do Locador, bem como, por outro lado, de uma OBRIGAÇÃO DE
RESTITUIR, por parte do Locatário, nos exatos termos dos artigos 233 e 238, da
referida Lei.
13
Conforme definido no Acordo sobre a Implementação do Artigo VII do Acordo
Geral sobre Tarifas e Comércio – GATT 1994 (Acordo de Valoração Aduaneira),
promulgado pelo Decreto nº 1.355, de 30 de dezembro de 1994.
14
FERREL, O.C., HARTLINE, Michael D., JUNIOR, George H. L. e LUCK, David.
Op cit. Pag 154
12
476
José Henrique Cabello
Motivo pelo qual, afigurar-se inconstitucional imputar ao locador de um
bem a obrigação de efetuar o pagamento da mesma carga tributária que
deve ser suportada pelo comprador deste mesmo bem, razão pela qual, em
atenção ao Princípio da Proporcionalidade (conforme lições do plenário do
Supremo Tribunal Federal15), a União instituiu, em 1996, o Regime Aduaneiro Especial de Admissão Temporária, através do qual as importações de
caráter temporário para utilização econômica são tributadas proporcionalmente ao tempo de permanência no território nacional (o artigo 75, do Decreto-lei n.º 37/6616, combinado com o artigo 79, da Lei n.º 9.430/199617).
Segundo Supremo Tribunal Federal: O Poder Público, especialmente em sede de
tributação, não pode agir imoderadamente, pois a atividade estatal acha-se essencialmente condicionada pelo princípio da razoabilidade, que traduz limitação material à ação normativa do Poder Legislativo. O Estado não pode legislar abusivamente. A atividade legislativa está necessariamente sujeita à rígida observância
de diretriz fundamental, que, encontrando suporte teórico no princípio da proporcionalidade, veda os excessos normativos e as prescrições irrazoáveis do Poder
Público. O princípio da proporcionalidade, nesse contexto, acha-se vocacionado a
inibir e a neutralizar os abusos do Poder Público no exercício de suas funções, qualificando-se como parâmetro de aferição da própria constitucionalidade material
dos atos estatais. A prerrogativa institucional de tributar, que o ordenamento positivo reconhece ao Estado, não lhe outorga o poder de suprimir (ou de inviabilizar)
direitos de caráter fundamental constitucionalmente assegurados ao contribuinte.
É que este dispõe, nos termos da própria Carta Política, de um sistema de proteção
destinado a ampará-lo contra eventuais excessos cometidos pelo poder tributante
ou, ainda, contra exigências irrazoáveis veiculadas em diplomas normativos editados pelo Estado.” (ADI 2.551-MC-QO, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em
2-4-03, Plenário, DJ de 20-4-06)
16
Art.75 – Poderá ser concedida, na forma e condições do regulamento, suspensão
dos tributos que incidem sobre a importação de bens que devam permanecer no
país durante prazo fixado. § 1º – A aplicação do regime de admissão temporária ficará sujeita ao cumprimento das seguintes condições básicas: I – garantia de
tributos e gravames devidos, mediante depósito ou termo de responsabilidade; II
– utilização dos bens dentro do prazo da concessão e exclusivamente nos fins previstos; III – identificação dos bens.
17
Art. 79. Os bens admitidos temporariamente no País, para utilização econômica,
ficam sujeitos ao pagamento dos impostos incidentes na importação proporcionalmente ao tempo de sua permanência em território nacional, nos termos e condições
estabelecidos em regulamento. Parágrafo único. O Poder Executivo poderá excepcionar, em caráter temporário, a aplicação do disposto neste artigo em relação a
determinados bens.
15
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
477
Sendo que, por meio do CONVÊNIO CONFAZ n.º 58/199918 (publicado
no DOU de 28/10/1999 com ratificação Nacional no DOU de 17/11/1999),
introduzido no ordenamento jurídico na forma do artigo 155, inciso II, §2º,
inciso XII, alínea “g”, da Constituição Federal de 198819 e da Lei Complementar n° 24/197520, os Estados21 e o Distrito Federal foram autorizados a
Cláusula primeira Ficam os Estados e o Distrito Federal autorizados a conceder isenção do
ICMS incidente no desembaraço aduaneiro de mercadoria ou bem importado sob o amparo do Regime Especial Aduaneiro de Admissão Temporária previsto na legislação federal
específica. Cláusula segunda Em relação a mercadoria ou bem importado sob o amparo de
Regime Especial Aduaneiro de Admissão Temporária, quando houver cobrança proporcional, pela União, dos impostos federais, poderão as unidades federadas reduzir a base de
cálculo do ICMS, de tal forma que a carga tributária seja equivalente àquela cobrança proporcional. Cláusula terceira O inadimplemento das condições do Regime Especial previsto
nas cláusulas anteriores tornará exigível o ICMS com os acréscimos estabelecidos na legislação de cada unidade federada. Cláusula quarta O disposto neste convênio não se aplica
às operações com mercadorias abrangidas pelo Regime Aduaneiro Especial de Exportação
e de Importação de Bens Destinados às Atividades de Pesquisa e de Lavra das Jazidas de
Petróleo e de Gás (REPETRO), disciplinado no Capítulo XI do Decreto federal nº 4.543, de
26 de dezembro de 2002.
19
Artigo 155 – (...) XII – cabe à lei complementar: (...) g) regular a forma como,
mediante deliberação dos Estados e do Distrito Federal, isenções, incentivos e benefícios fiscais serão concedidos e revogados.
20
Art. 1º As isenções do Imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias
serão concedidas ou revogadas nos termos de convênios celebrados e ratificados pelos
Estados e pelo Distrito Federal, segundo esta Lei. Parágrafo único. O disposto neste
artigo também se aplica: I – à redução da base de cálculo; (...) IV – a quaisquer outros
incentivos ou favores fiscais ou financeiro-fiscais, concedidos com base no Imposto
sobre Circulação de Mercadorias, dos quais resulte redução ou eliminação, direta ou
indireta, do respectivo ônus; V – às prorrogações e às extensões das isenções vigentes
nesta data.; Art. 2º Os convênios a que alude o art. 1º, serão celebrados em reuniões
para as quais tenham sido convocados representantes de todos os Estados e do Distrito
Federal, sob a presidência de representantes do Governo Federal. § 1º As reuniões se
realizarão com a presença de representantes da maioria das Unidades da Federação. §
2º A concessão de benefícios dependerá sempre de decisão unânime dos Estados representados; a sua revogação total ou parcial dependerá de aprovação de quatro-quintos,
pelo menos, dos representantes presentes. § 3º Dentro de 10 (dez) dias, contados da
data final da reunião a que se refere este artigo, a resolução nela adotada será publicada
no Diário Oficial da União; Art. 3º Os convênios podem dispor que a aplicação de qualquer de suas cláusulas seja limitada a uma ou algumas Unidades da Federação. (...)
21
Segundo estabelece o artigo 155, inciso II, §2º, inciso IX, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988, quando da importação de bens ou mercadorias, os ICMS que
18
478
José Henrique Cabello
conceder isenção ou redução da base de cálculo do ICMS incidente nestas
importações, “de tal forma que a carga tributária seja equivalente àquela
cobrança proporcional” pelo Poder Público Federal (o que, no Estado de São
Paulo, encontra-se disciplinado no artigo 38, do Anexo II, do RICMS/SP).
Valendo-se da definição dada pela Receita Federal22, a “Admissão
Temporária é o regime aduaneiro que permite a entrada no País de certas mercadorias, com uma finalidade e por um período de tempo determinados, com a suspensão total ou parcial do pagamento de tributos
aduaneiros incidentes na sua importação, com o compromisso de serem
reexportadas”.
O período de permanência no território nacional corresponderá, necessariamente, ao prazo de vigência previsto no contrato internacional que
fundamenta a importação sob o regime especial, na forma prescrita no
artigo 374, do Decreto n.º 6.759/09, artigo 326, do Decreto n.º 4.543/09 e
artigo 10, §1º, inciso I, alínea “a”, da IN/SRF n.º 285/03.
Trata-se de verdadeira regra de isenção parcial condicionada de caráter individual, cujo regime jurídico geral encontra-se consubstanciado nos
artigos 17523 à 17824 e 17925, do Código Tributário Nacional, como causa
de “exclusão do crédito tributário”, exigindo (ainda que desnecessário),
observância ao princípio da legalidade.
22
23
24
25
incide sobre a operação é devido “ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o
estabelecimento do destinatário da mercadoria, bem ou serviço”.
www.receita.fazenda.gov.br/aduana/RegAdmExportTemp/RegAdm/RegEspAdmTemp.
htm.
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei
que especifique as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos
a que se aplica e, sendo caso, o prazo de sua duração. Parágrafo único. A isenção
pode ser restrita a determinada região do território da entidade tributante, em função de condições a ela peculiares.
Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do artigo 104.
Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada
caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o
interessado faça prova do preenchimento das condições e do cumprimento dos
requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão. (...)
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
479
Essa legislação isentiva, conforme lições de Paulo de Barros Carvalho,
pertence à classe das regras de estrutura, “que intrometem modificações
no âmbito da regra matriz de incidência”26, no caso, artigos 1º e 2º, do DL
n.º 37/1966, artigos 2º e 13, da Lei n.º 4.502/1964 e artigos 3º e 7º, da Lei
n.º 10.865/2004.
Assim, trata-se do encontro de duas normas jurídicas que tem por
resultado a inibição parcial da incidência do tributo sobre o fato jurídico “importação temporária de bens para utilização econômica”,
comprometendo parcialmente os efeitos prescritivos da conduta “pagar
tributo na importância de”, modulando-a no sentido de que o valor seja
“proporcional ao tempo de permanência no território nacional”, desde
que atendidas as “condições e requisitos exigidos para a concessão do
benefício”.
Tratando-se de isenção parcial condicionada ao cumprimento de determinadas condições (condição suspensiva), o beneficiário pagará os tributos
referentes ao período de permanência (exemplo: por 06 meses, 01 ano, etc),
mas o valor dos tributos referentes ao período futuro (além dos 06 meses,
01 ano, etc) estará isento desde que cumpridas as condições para o gozo
do benefício.
Se ao final do período, a importadora tiver cumprido, integralmente,
todas as condições e requisitos prescritos na legislação, o valor recolhido
“proporcionalmente ao tempo de permanência no território nacional” reveste-se, de causa extintiva, da totalidade do crédito tributário devido, na
forma do artigo 156, inciso I, do CTN27, tornando definitivamente isento o
valor da diferença que até então estava suspenso.
Por outro lado, descumpridas as condições para fruição da isenção
(como, v.g., efetuar a venda do bem no mercado nacional ou não apresentar
este para reexportação no prazo legal), a importadora perderá o direito de
beneficiar-se deste regime especial, sendo obrigada a efetuar o pagamento dos tributos calculados de forma integral (até então suspensos), com a
imediata execução do Termo de Responsabilidade e Garantia, na hipótese
Direito Tributário, Linguagem e Método. 2ª Ed.. São Paulo: Editora Noeses, 2008,
p. 521.
27
CTN: Art. 156. Extinguem o crédito tributário: I – o pagamento;
26
480
José Henrique Cabello
de inadimplemento, na forma dos artigos 7228 e 7529, do Decreto-Lei n.º
37/1966, bem como dos artigos 36930 e 37331, do Decreto n.º 6.7959/2009
(cuja redação é idêntica à do artigo 320, do Decreto n.º 4.543/2002, ora
revogado).
Ou seja, descumpridas as condições e os requisitos, perde-se o direito à
isenção e os tributos voltam a ser exigidos integralmente, passando a operação a ser tratada como importação definitiva (compra).
Art.72 – Ressalvado o disposto no Capítulo V deste Título, as obrigações fiscais
relativas à mercadoria sujeita a regime aduaneiro especial serão constituídas em
termo de responsabilidade. § 1º – No caso deste artigo, a autoridade aduaneira
poderá exigir garantia real ou pessoal. § 2º – O termo de responsabilidade é título
representativo de direito líquido e certo da Fazenda Nacional com relação às obrigações fiscais nele constituídas. § 3º – O termo de responsabilidade não formalizado por quantia certa será liquidado à vista dos elementos constantes do despacho
aduaneiro a que estiver vinculado. § 4º – Aplicam-se as disposições deste artigo e
seus parágrafos, no que couber, ao termo de responsabilidade para cumprimento de
formalidade ou apresentação de documento.
29
Art.75 – Poderá ser concedida, na forma e condições do regulamento, suspensão
dos tributos que incidem sobre a importação de bens que devam permanecer no
país durante prazo fixado.
30
Art. 369. O crédito tributário constituído em termo de responsabilidade será exigido com observância do disposto nos arts. 761 a 766, nas seguintes hipóteses: I –
vencimento do prazo de permanência dos bens no País, sem que haja sido requerida
a sua prorrogação ou uma das providências previstas no art. 367; II – vencimento
de prazo, na situação a que se refere o § 9º do art. 367, sem que seja iniciado o
despacho de reexportação do bem; III – apresentação para as providências a que se
refere o art. 367, de bens que não correspondam aos ingressados no País; IV – utilização dos bens em finalidade diversa da que justificou a concessão do regime; ou
V – destruição dos bens, por culpa ou dolo do beneficiário. (...)
31
Art. 373. Os bens admitidos temporariamente no País para utilização econômica
ficam sujeitos ao pagamento dos impostos federais, da contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, proporcionalmente ao seu tempo de
permanência no território aduaneiro, nos termos e condições estabelecidos nesta
Seção (Lei no 9.430, de 1996, art. 79; e Lei no 10.865, de 2004, art. 14). (...)
§ 3o O crédito tributário correspondente à parcela dos tributos com suspensão do
pagamento deverá ser constituído em termo de responsabilidade. § 4o Na hipótese do § 3o, será exigida garantia correspondente ao crédito constituído no termo de
responsabilidade, na forma do art. 759, ressalvados os casos de expressa dispensa,
estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil. 28
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
481
3.Da “proporção” como critério de cálculo
fixado em lei, que exige o “tempo de vida
economicamente útil do bem” em razão do
fator “tempo de permanência”.
O artigo 79, da Lei n.º 9.430, de 27 de dezembro de 1996, prescreveu
que, no caso da Admissão Temporária “para utilização econômica, ficam
sujeitos ao pagamento dos tributos incidentes na importação (II, IPI, PIS/
PASEP e COFINS) proporcionalmente ao tempo de sua permanência em
território nacional”, o que também se aplica face o ICMS, por força do
Convênio n.º 58/1999.
Destarte, o legislador ordinário, de maneira habilidosa e objetiva, configurou a proporcionalidade da isenção sob análise (artigo 79) por meio da
vinculação dos critérios “tempo de permanência no território nacional” e
“importação para utilização econômica”.
Afigura-se inequívoco que a “proporcionalidade” (núcleo do conseqüente da regram matriz de incidência da norma isentiva) é conceito da lógica
matemática que exprime uma relação de equivalência entre grandezas, ou
seja, uma fração sobre o total.
Conforme é ensinado desde os bancos escolares, a “proporção é uma
igualdade dentre duas razões”, possuindo, em síntese, as seguintes propriedades:
• Propriedade fundamental: Qualquer que seja a proporção, o produto dos extremos é igual ao produto dos meios. Assim sendo, dados
os números a, b, c e d, todos diferentes de zero e formando, nesta
ordem, uma proporção, então o produto de a por d será igual ao produto de b por c:
• Segunda propriedade: Qualquer que seja a proporção, a soma ou a
diferença dos dois primeiros termos está para o primeiro, ou para o
segundo termo, assim como a soma ou a diferença dos dois últimos
termos está para o terceiro, ou para o quarto termo.
Então temos:
482
José Henrique Cabello
ou
Ou
ou =
• Terceira propriedade: Qualquer que seja a proporção, a soma ou a
diferença dos antecedentes está para a soma ou a diferença dos conseqüentes, assim como cada antecedente está para o seu respectivo
conseqüente. Temos então:
ou Ou
ou • Quarta proporcional: Dados três números a, b, e c, chamamos de
quarta proporcional o quarto número x que junto a eles formam a
proporção, vez que, tendo o valor dos números a, b, e c, podemos obter o valor da quarta proporcional, o número x, recorrendo à propriedade fundamental das proporções, tal como é utilizado na resolução
de problemas de regra de três simples:
Objetivamente, por fazer parte da lógica, a proporcionalidade ostenta
propriedade que permite confirmar, de forma inquestionável, se a afirmação de que “duas razões são iguais” é verdadeira (caso de proporção) ou
falsa (de desproporção).
Deste modo, a investigação da proporcionalidade na regra isentiva da
Admissão Temporária parte da seguinte indagação: Quanto tempo determinado bem pode ser potencialmente utilizado economicamente na função a que se destina, por ocasião da compra? A resposta refletirá o “tempo”
correspondente à “permanência definitiva” no território nacional, vez que,
ao final deste período, não terá mais utilidade, na qualidade de referencial
indissociável no cálculo da proporção sob análise.
Destarte, a proporcionalidade tributária resulta da relação temporal que
há entre a “permanência temporária do bem locado” e a “permanência
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
483
definitiva do mesmo bem comprado”, sob a perspectiva do quanto este
determinado bem pode ser economicamente utilizado, conforme quadro
abaixo:
Vale ressaltar, novamente, que o artigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, não
deixa dúvidas de que a proporcionalidade diante do tempo de permanência
tem por referência a importação do bem para temporária utilização econômica.
É justamente pelo fato “do tempo de vida economicamente útil do bem”
estar para a importação temporária assim como também para a importação definitiva, que se afigura possível obter, matematicamente a relação
de proporcionalidade do tributo que é devido em razão do tempo de permanência no território nacional para utilização econômica. É a lógica da
matemática, no caso, da matemática tributária.
Neste sentido, o tributo deverá ser 100% pago na hipótese de permanecer no território nacional por 100% de sua “vida economicamente útil”,
ao passo que se o bem permanecer por apenas 40% de sua “vida útil” no
território nacional, haverá a isenção tributária à ordem de 60% por força
da lei instituidora do benefício.
Se for excluído o “tempo de vida economicamente útil do bem”, afigura-se inquestionavelmente impossível calcular o tributo de forma “propor-
484
José Henrique Cabello
cional ao tempo de permanência para utilização econômica” no território
nacional, nos exatos termos do artigo 79, da Lei n.º 9.430/1996, que instituiu a regra de isenção parcial condicionada, hipótese em que a proporcionalidade terá sido substituída pela arbitrariedade.
4.Da “proporcionalidade” prescrita no
Regulamento Aduaneiro para o cálculo dos
tributos na Admissão Tributária – ofensa aos
Princípios da Legalidade e da Isonomia.
O Poder Executivo, no exercício de sua competência regulamentar (artigo 84, inciso IV, da Constituição Federal de 198832), disciplinando a matéria no Decreto n.º 2.889/199833, conforme redação dada pelo Decreto n.º
3.328/2000, foi fiel ao princípio da legalidade, prescrevendo que a “tributação proporcional” seria obtida com a conjugação dos elementos “tempo
de permanência no território nacional” e “tempo de vida útil do bem”, nos
termos da legislação do “imposto de renda”, ou seja, do artigo 57, da Lei
n.º 4.506/6434, que atribuiu aos bens um “tempo de vida útil” em razão do
Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República: [...] IV – sancionar,
promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para
sua fiel execução;
33
Art. 1º Poderão ser importados, em regime de admissão temporária, bens destinados à utilização econômica no País. Art. 2º Os bens submetidos ao regime de
admissão temporária sujeitam-se ao pagamento dos impostos federais exigidos na
importação, proporcionalmente ao seu tempo de permanência no território nacional. § 1o – A proporcionalidade a que se refere este artigo será obtida pelo percentual representativo do tempo de permanência do bem no País em relação ao seu
tempo de vida útil, determinado nos termos da legislação do imposto de renda.
34
Art. 57. Poderá ser computada como custo ou encargo, em cada exercício, a importância correspondente à diminuição do valor dos bens do ativo resultante do
desgaste pelo uso, ação da natureza e obsolescência normal. § 1º A quota de depreciação registrável em cada exercício será estimada pela aplicação da taxa anual de
depreciação sôbre o custo de aquisição do bem depreciável, atualizado monetàriamente, observadas nos exercícios financeiros de 1965 e 1966, as disposições constantes do § 15 do artigo 3º da Lei nº 4.357 de 16 de julho de 1964. § 2º A taxa anual
de depreciação será fixada em função do prazo durante o qual se possa esperar a
utilização econômica do bem pelo contribuinte, na produção dos seus rendimentos.
§ 3º A administração do Impôsto de Renda publicará periódicamente o prazo de
vida útil admissível a partir de 1º de janeiro de 1965, em condições normais ou
32
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
485
respectivo desgaste pelo uso no exercício da atividade econômica, objetivando mensurar o valor dedutível a título de quota de depreciação.
Trata-se da aplicação por analogia da legislação, por meio do necessário raciocínio lógico-integrativo-indutivo diante da “realidade econômicomatemática da tributação proporcional em sede de admissão temporária”,
nos exatos termos do artigo 108, inciso I, do Código Tributário Nacional,
que prescreve, expressamente, que “na ausência de disposição expressa, a
autoridade competente para aplicar a legislação tributária utilizará sucessivamente, na ordem indicada: I – a analogia;”
No trato da matéria, leciona Amílcar de Araújo Falcão35 que: “a analogia
é meio de integração da ordem jurídica, através do qual, formulando raciocínios indutivos com base num dispositivo legal (analogia legis), ou em
um conjunto de normas ou dispositivos legais combinados (analogia juris),
se preenche a lacuna existente em determinada lei. Nesse caso, há criação
de direito, ainda que o processo criador esteja vinculado à norma ou às
normas preexistentes levadas em consideração.”
Necessário observar que a lacuna não está na conceituação de proporcionalidade, mas sim na quantificação do tempo de vida útil dos bens,
razão pela qual a questão foi importada da Instrução Normativa n.º 162/98,
da Secretaria da Receita Federal, alterada pela Instrução Normativa n.º
130/99, as quais levaram em consideração, inclusive, o desgaste real de
cada tipo de bem (natureza) pelo uso no exercício da atividade econômica
(binômio: natureza do bem / tempo de vida útil), como, por exemplo, 5
anos para o animais vivos, 2 anos para correias de transmissão e 10 anos
para máquinas.
E isto porque este dado não é imputado discricionariamente pela administração pública, mas fixado com base nas informações técnicas que são
prestadas pelo “Instituto Nacional de Tecnologia – INT” (órgão público
federal da administração direta, pertencente à estrutura do Ministério da
Ciência e Tecnologia – MCT), ou “outra entidade oficial de pesquisa cientímédias, para cada espécie de bem, ficando assegurado ao contribuinte o direito
de computar a quota efetivamente adequada às condições de depreciação dos seus
bens, desde que faça a prova dessa adequação, quando adotar taxa diferente.
35
FALCÃO, Amílcar de Araújo. Interpretação e Integração da Lei Tributária, Introdução ao Direito Tributário, Rio de Janeiro:Editora Rio, 1976, p.73/74.
486
José Henrique Cabello
fica ou tecnológica”, o que garante, sobremaneira, a necessária efetividade
do Princípio da Capacidade Contributiva. Conforme consta no site INT36,
este “trabalha de forma integrada com o setor empresarial, promovendo o
desenvolvimento de pesquisas nas áreas de Química, Tecnologia dos Materiais, Engenharia Industrial, Energia e Meio Ambiente. Realiza consultoria tecnológica, serviços técnicos especializados certificação de produtos
e atua na formação e capacitação profissional, através de programas de
educação continuada e treinamento.”
Posteriormente, o regime especial da “Admissão Temporária” passou a ser disciplinado pelo Regulamento Aduaneiro de 2002 (Decreto n. 4.543/2002), dispondo sobre a forma de cálculo nos artigos 30637 e 32438 à
334, também nos exatos termos da Lei n.º 4.506/1964 (e conseqüentemente
das Instruções Normativas n.º 162/1998 e 130/1999).
Sendo que a Secretaria da Receita Federal, por sua vez, prescreveu mais
detalhadamente sobre a forma de cálculo na IN/SRF n.º 285/03, também
atendendo os critérios da Lei n.º 4.506/1964 (inclusive fazendo expressa
referência à IN/SRF n..º 162/98). Embora o cálculo aritmético seja simples,
http://www.int.gov.br/Novo/INT/Apresentacao/int_apresentacao.html
Art. 306. O regime aduaneiro especial de admissão temporária é o que permite
a importação de bens que devam permanecer no País durante prazo fixado, com
suspensão total do pagamento de tributos, ou com suspensão parcial, no caso de
utilização econômica, na forma e nas condições deste Capítulo (Decreto-lei no 37,
de 1966, art. 75, e Lei no 9.430, de 1996, art. 79).
38
Art. 324. Os bens admitidos temporariamente no País, para utilização econômica,
ficam sujeitos ao pagamento dos impostos de importação e sobre produtos industrializados, proporcionalmente ao seu tempo de permanência no território aduaneiro, nos termos e condições estabelecidos nesta Seção (Lei no 9.430, de 1996,
art. 79). § 1o Para os efeitos do disposto nesta Seção, considera-se utilização econômica o emprego dos bens na prestação de serviços ou na produção de outros
bens. § 2o A proporcionalidade a que se refere o caput será obtida pelo percentual
representativo do tempo de permanência do bem no País em relação ao seu tempo
de vida útil, determinado nos termos da legislação do imposto sobre a renda e
proventos de qualquer natureza. § 3o O crédito tributário correspondente à parcela
dos impostos com exigibilidade suspensa deverá ser constituído em termo de responsabilidade. § 4o Na hipótese do § 3o, será exigida garantia correspondente ao
crédito constituído no termo de responsabilidade, na forma do art. 675, ressalvados
os casos de expressa dispensa, estabelecidos em ato normativo da Secretaria da
Receita Federal.
36
37
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
487
é inegável sua pouca praticidade, conforme se denota pela fórmula extraída do artigo 6 :
Onde:
V = valor a recolher;
I = imposto federal devido no regime comum de importação;
P = tempo de permanência do bem no País, correspondente ao número
de meses ou fração de mês; e
U = tempo de vida útil do bem, de acordo com o disposto na Instrução
Normativa SRF n.º 162/98, de 31 de dezembro de 1998.
Contudo, com o advento do Decreto n.º 6.759/2009, publicado no DOU
de 06/02/09 (novo Regulamento Aduaneiro), com vigência imediata, esta
forma de cálculo mudou. Neste, ao invés do cálculo ter como parâmetro
a necessária conjugação do período de permanência proporcionalmente
ao tempo de vida útil do bem importado (conforme exigido pelo artigo
79, da Lei n.º 9.430/1996, e de forma integrativa, pelo artigo 57, da Lei n.º
4.506/1964), estipulou-se, no artigo 37339, §2º, que o tributo seria devido no
39
Art. 373. Os bens admitidos temporariamente no País para utilização econômica
ficam sujeitos ao pagamento dos impostos federais, da contribuição para o PIS/PASEP-Importação e da COFINS-Importação, proporcionalmente ao seu tempo de
permanência no território aduaneiro, nos termos e condições estabelecidos nesta
Seção. § 1º Para os efeitos do disposto nesta Seção, considera-se utilização econômica o emprego dos bens na prestação de serviços ou na produção de outros
bens. § 2º A proporcionalidade a que se refere o caput será obtida pela aplicação
do percentual de um por cento, relativamente a cada mês compreendido no prazo de concessão do regime, sobre o montante dos tributos originalmente devidos.
§ 3º O crédito tributário correspondente à parcela dos tributos com suspensão do
pagamento deverá ser constituído em termo de responsabilidade. § 4º Na hipótese
488
José Henrique Cabello
valor fixo de 1% a cada mês de permanência no país, em relação ao tributo que seria devido na hipótese de se tratar de uma importação definitiva
(100%).
Grosso modo, o que fez o artigo 373, §2º, do Decreto n.º 6.759/2009,
ressalta-se, autonomamente pelo Poder Executivo, foi exigir que a cada 8
anos e 3 meses40, 100% do tributo deveria ser pago pelo importador (tal
como se fosse importação definitiva), dando por irrelevante a distinção no
que tange à natureza dos bens e produtos, bem como ao “prazo durante o
qual se possa esperar a utilização econômica do bem pelo contribuinte, na
produção dos seus rendimentos”41, ou seja, dando por irrelevante o “tempo de vida útil”,
sem prejuízo do prazo fixado no contrato de locação entre o importador e
o exportador.
Destarte, é inegável que a nova regra facilitou o trabalho dos Auditores
Fiscais no dia-a-dia, todavia, consubstancia-se numa “falsa proporcionalidade”.
Se analisada a nova regra de acordo com a lógica da matemática, somente tratar-se-ia de uma “proporção”, se por hipótese todos os bens, independentemente de sua natureza e particularidades (animais, máquinas,
correias de transmissão, etc.), possuíssem, de fato, vida economicamente
útil de 8 anos e 3 meses, ou se, por outro lado, determinada Lei (sentido estrito) instituí-se uma ficção jurídica, criando uma verdade legal como referência contrária à verdade natural (fenomênica), respeitados, obviamente,
os princípios norteadores pertinentes ao Direito Tributário.
Ora, como sabido, apesar de a produção legislativa ser tarefa típica do
Poder Legislativo, em virtude da descentralização do sistema jurídico brasileiro, também o Poder executivo possui competência para produção de
atos normativos, dentre os quais as medidas provisórias, leis delegadas e
regulamentos.
do § 3o, será exigida garantia correspondente ao crédito constituído no termo de
responsabilidade, na forma do art. 759, ressalvados os casos de expressa dispensa,
estabelecidos em ato normativo da Secretaria da Receita Federal do Brasil.
40
Divisão de 100% do tributo pela quantidade de meses do ano, considerando que pela nova regra o
valor do tributo corresponde à 1% aplicado a cada mês de permanência no país, sobre o montante dos tributos
originalmente devidos (100%).
41
Transcrição da redação do §2º, do artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964.
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
489
Contudo, o artigo 373, §2º, do Decreto n.º 6.759/2009, ao mudar a forma
de cálculo do tributo, desconsiderando o artigo 57, da Lei n.º 4.506/64,
ou seja, do “tempo de vida economicamente útil do bem que importado
temporariamente para utilização econômica”, criou autonomamente uma
nova regra, contrariando o Princípio da Legalidade e o da Separação de
Poderes, constantes dos artigos 242, 5º, inciso II43 e 3744, caput, da Constituição Federal de 1988 (e reiterados no Código Tributário Nacional, em
seus artigos 97, inciso VI45, 9946, 17647, 17848 e 17949), motivo pelo qual se
afigura inconstitucional, conforme já foi alertado pelo Supremo Tribunal
Federal50.
Quanto ao Princípio da Legalidade na doutrina, sempre pertinente são
os ensinamentos de Celso Antonio Bandeira de Melo51, segundo qual “é
livre de qualquer dúvida ou entredúvida que, entre nós, por força dos artigos 5º, II, 84, IV, e 37 da Constituição, só por lei se regula liberdade e
42
Judiciário
Art. 2º. São Poderes da União, independentes e harmônicos entre si, o Legislativo, o Executivo e o
43
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança
e à propriedade, nos termos seguintes: (...) II – ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude de lei;
44
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do
Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte: (Redação dada ao caput pela Emenda Constitucional nº 19/98)
45
Art. 97. Somente a lei pode estabelecer: (...) VI – as hipóteses de exclusão, suspensão e extinção de
créditos tributários, ou de dispensa ou redução de penalidades.
46
Art. 99. O conteúdo e o alcance dos decretos restringem-se aos das leis em função das quais sejam
expedidos, determinados com observância das regras de interpretação estabelecidas nesta Lei.
47
Art. 176. A isenção, ainda quando prevista em contrato, é sempre decorrente de lei que especifique
as condições e requisitos exigidos para a sua concessão, os tributos a que se aplica e, sendo caso, o prazo de
sua duração. (...)
48
Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições,
pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do artigo 104.
49
Art. 179. A isenção, quando não concedida em caráter geral, é efetivada, em cada caso, por despacho da autoridade administrativa, em requerimento com o qual o interessado faça prova do preenchimento das
condições e do cumprimento dos requisitos previstos em lei ou contrato para sua concessão.
50
ADI 2.075-MC, Rel. Min. Celso De Mello, DJ 27/06/03 e ACO 1.048-QO, Rel. Min. Celso de
Mello, DJ de 31-10-07.
51
Curso de Direito Administrativo. Editora Malheiros: São Paulo, 2000. p. 302.
490
José Henrique Cabello
propriedade; só por lei se impõem obrigação de fazer ou não fazer. Vale
dizer: restrição alguma à liberdade ou à propriedade pode ser imposta se
não estiver previamente delineada, configurada e estabelecida em alguma
lei, e só para cumprir dispositivos legais é que o Poder Executivo pode
expedir decretos e regulamentos.”
É certo, todavia, que a nova regra acabou por beneficiar os importadores
de bens cujo tempo de vida economicamente útil é inferior a oito anos e
três meses, como por exemplo, importação de animais vivos (5 anos), correias de transmissão (2 anos), tapetes (5 anos), caixas de madeira (5 anos),
artigos para acampamento (4 anos), ferramentas (5 anos), fitas magnéticas
(3 anos), dentre outros.
Contudo, muitos foram severamente prejudicados, tais como os importadores de construções pré-fabricadas (25 anos), construções de alumínio
(25 anos), elementos de pontes (25 anos), aparelhos de navegação (10 anos),
motores (10 anos), máquinas (10 anos), centrifugadores (10 anos), empilhadeiras (10 anos), dentre outros.
A desigualdade no tratamento é evidente, inclusive se compararmos
dois importadores de determinado bem com tempo de vida útil de 4 anos,
um de forma definitiva e outro de forma temporária. Por ocasião da imprestabilidade do bem, o que importou temporariamente poderá rescindir
a locação e devolver ao proprietário estrangeiro, tendo feito o pagamento
de, aproximadamente, 50% do tributo, ao passo que o que comprou, na
mesma data (4 anos), já terá pago 100% do tributo, não obstante tenham
utilizado da mesma forma.
Ora, como sabido, o ordenamento jurídico pátrio52 expressamente prescreveu que a Lei não pode ser fonte de privilégios ou perseguições, mas
instrumento regulador da vida social que necessita tratar igualmente todos
os cidadãos e empresas. Este é o conteúdo político-ideológico absorvido
pelo princípio da isonomia e jurisdicizado pela Magna Carta de 1988. Em
síntese, vislumbra-se inequívoco que, ao se cumprir a lei, todos os abrangidos por ela hão de receber tratamento parificado, sendo-lhes defeso disciplinar diferentemente situações equivalentes.
52
Conforme preâmbulo, artigo 5, caput, inciso I e artigo 150, inciso II, da Constituição Federal de 1988, já transcrito – pg. Do presente Writ.
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
491
Conforme ensinamentos do professor Celso Antonio Bandeira de Mello,
em sua clássica obra “O conteúdo jurídico do princípio da igualdade”53,
os critérios jurídicos justos para se aferir quando a diferenciação, (a desequiparação legal), não ofende o princípio da igualdade, percorrem três
questões:
1.A primeira diz com o elemento tomado como fator de desigualação;
2.A segunda reporta-se à correlação lógica e abstrata existente entre
o fator erigido em critério de discrímen e a disparidade estabelecida
no tratamento jurídico diversificado;
3.A terceira atina à consonância desta correlação lógica com os interesses absorvidos no sistema constitucional e destarte jurisdicizados;
Em síntese, “para se verificar se uma norma respeita ou não o princípio
da igualdade, vislumbra-se necessário verificar de um lado o que foi adotado como critério discriminatório e de outro se há justificativa racional
(fundamento lógico e razoável), para, à vista do traço desigualador acolhido, atribuir tratamento jurídico diferenciado em função da desigualdade
proclamada. E por último, verificar se a justificativa evidencia-se não só
de forma abstrata, mas sim em concreto, com os valores prestigiados no
sistema normativo constitucional”.
Nas palavras do ilustre administrativista54: “Só a conjunção dos três aspectos é que permite análise correta do problema. Isto é: a hostilidade ao
preceito isonômico pode residir em quaisquer deles. Não basta, pois, reconhecer-se que uma regra de direito é ajustada ao princípio da igualdade no
que pertine ao primeiro aspecto. Cumpre que o seja, também, com relação
ao segundo e ao terceiro. É claro que a ofensa a requisitos do primeiro
é suficiente para desqualificá-la. O mesmo, eventualmente, sucederá por
desatenção a exigências dos demais, porém, quer-se deixar bem explícita a
necessidade de que a norma jurídica observe cumulativamente aos reclamos provenientes de todos os aspectos mencionados para ser inobjetável
em face do princípio isonômico.”
O conteúdo jurídico do princípio da igualdade. Editora Malheiros: São Paulo, 1999.
P. 21.
54
Idem, p. 22.
53
492
José Henrique Cabello
Sendo que interessa para o presente as conclusões do referido e
renomado jurista55, com o brilhantismo que lhe é peculiar, mais especificamente no sentido de que há ofensa ao princípio constitucional da igualdade
quando:
• a norma adota como critério discriminador, para fins de diferenciação de regimes, elementos não residentes nos fatos, situações ou pessoas por tal modo desequiparadas. É o que ocorre quando pretende
tomar o fator “tempo” – que não descansa no objeto – como critério
diferencial;
• a norma supõe relação de pertinência lógica existente em abstrato,
mas o discrímen estabelecido conduz a efeitos contrapostos ou de
qualquer modo dissonantes dos interesses prestigiados constitucionalmente; e
Ora, se a regra isentiva tem como pressuposto a diferença temporal que
há entre a potencial utilização econômica de determinado bem por ocasião
da compra deste por uma empresa a aquela por ocasião do prazo em que
o mesmo bem foi alugado, afigura-se incontroverso e indispensável que,
no cálculo do tributo, seja considerada a distinção que existe entre bens
de natureza distinta, em decorrência do respectivo tempo de vida economicamente útil, sob pena de ser dado tratamento jurídico distinto entre
importadores temporários e definitivos de um mesmo bem.
É o que ocorre com a nova regra do artigo 373, §2 , do Decreto n. 6.759/2009, o que atesta sua inconstitucionalidade por ofensa ao princípio
da isonomia.
5.Da correta interpretação do artigo 111, do
Código Tributário Nacional, em razão do
Princípio da Capacidade Contributiva.
Necessário registrar que, provavelmente, há quem argumentará a impossibilidade de se aplicar o artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964 bem como
IN/SRF n.º 162/1998 e IN/SRF n.º 130/1999, por força do enunciado no
55
Idem, p. 47.
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
493
artigo 111, inciso II, do Código Tributário Nacional56, que exige seja interpretada literalmente a legislação tributária que disponha sobre outorga de
isenção:
Todavia, entendemos de outro modo, principalmente pelo fato de que no
próprio artigo 79, da Lei n. 9.430/96, está embutido, por necessidade, que
a proporcionalidade está no potencial período total em que determinado
bem pode ser utilizado economicamente, em relação ao tempo em que este
será locado para ser utilizado da mesma forma.
Conforme enaltece a melhor doutrina no que tange ao alcance do artigo
111, do Código Tributário Nacional, a observância estrita e isolada de qualquer regra de isenção não pode distorcer gravemente a aplicação da norma,
levando a resultado oposto do desejado pelo legislador, bem como não
pode afrontar o Princípio da Capacidade Contributiva, basilar do sistema
jurídico-tributário e deixar de consagrar, na aplicação prática, valores sociais e jurídicos implícitos no texto (qual seja, de que a cobrança do tributo
justifica-se quantitativamente no fato de alguém “exteriorizar riqueza”, ostentando ter “condições econômicas de suportar a tributação”).
Destarte, o professor Vicente Ráo, já na década de 50, afirmou que “a
ignorância dos princípios quando não induz a erro, leva à criação de rábulas em lugar de juristas”57. Ou seja, não basta ao operador do direito
saber dos artigos de lei, mas sim saber para que eles sirvam de acordo com
os princípios que lhe fundamentam, sob pena de não serem corretamente
aplicados.
Ora, se a regra de isenção tem por finalidade garantir que o pagamento
na importação temporária para utilização econômica seja feito de forma
proporcional ao valor que é pago por ocasião da importação definitiva deste mesmo bem, o que importa, efetivamente, é que esta proporcionalidade
seja alcançada, ainda que, para tanto, seja necessário valer-se do processo
integrativo, já que se afigura impossível efetuar um cálculo objetivando
obter um resultado proporcional no caso sem considerar o tempo de vida
economicamente útil do bem.
Art. 111. Interpreta-se literalmente a legislação tributária que disponha sobre: II
– outorga de isenção;
57
RÁO, Vicente. O Direito e a Vida dos Direitos, 5a ed. Revista dos Tribunais, São
Paulo, 1999.
56
494
José Henrique Cabello
A interpretação literal da legislação é quanto ao bem jurídico tutelado,
e não quanto à mera construção sintática do texto, não raras vezes em desacordo com a gramática.
Sobre o tema, leciona Hugo de Brito Machado58: “O elemento literal
é de pobreza franciscana, e utilizado isoladamente pode levar a verdadeiros absurdos, de sorte que o hermeneuta pode e deve utilizar todos os
elementos de interpretação, especialmente o elemento sistemático (interpretação observado o sistema em que a norma se insere), absolutamente indispensável em qualquer trabalho sério de interpretação, e ainda o
elemento teleológico (finalistico: captar a finalidade a qual a norma se
destina), de notável valia na determinação do significado das normas
jurídicas. Há quem afirme que a interpretação literal deve ser entendida como interpretação restritiva. Isto é um equívoco. Quem interpreta,
literalmente, por certo não amplia o alcance do texto, mas com certeza
também não o restringe.”
No mesmo sentido, enuncia Luciano Amaro59: “Artigo 111 do CTN: Nessas matérias, quer o Código que o intérprete se guie preponderantemente
pela letra da Lei, sem ampliar seus comandos nem aplicar a integração
analógica ou a interpretação extensiva. Não obstante se preceitue a interpretação literal nas matérias assinaladas, não pode o intérprete abandonar
a preocupação com a exegese lógica, teleológica, histórica e sistemática
dos preceitos legais que versem as matérias em causa.”
O que é corroborado por Carlos da Rocha Guimarães60: “Quando o art.
111 do C.T.N. fala em interpretação literal, não quer realmente negar que se
adote, na interpretação das leis concessivas de isenção, o processo normal
de apuração compreensiva do sentido da norma, mas simplesmente que se
estenda a exoneração fiscal a casos semelhantes.”
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 19 ed. São Paulo: Malheiros, 2001. p. 98
59
AMARO, Luciano.Direito Tributário Brasileiro. 9ª ed. São Paulo:Saraivas, 2003.
p. 217
60
GUIMARÃES, Carlos da Rocha.Interpretação das isenções tributárias. In. Proposições Tributárias, p. 61. Apud AMARO, Luciano.Direito Tributário Brasileiro. 9ª
ed. São Paulo:Saraivas, 2003. p. 217
58
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
495
Sendo que Leandro Paulsen, complementando o raciocínio tecido por
Guimarães61, enaltece que “nos julgados que deram origem à súmula 100
do STJ muito se discutiu sobre a interpretação das normas concessivas de
isenção, tendo restado consolidada posição no sentido de que descaberia
raciocinar-se analogicamente para o efeito de estender benefício de isenção a situação que não se enquadraria no texto expresso da lei.”
Diante de tudo o que foi exposto no presente trabalho, inexiste ofensa
ao artigo 111 do CTN, o fato da regra isentiva, por necessidade obvia, ser
integrada ao enunciado no artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964 (em atenção
ao princípio da legalidade), e consequentemente nos índices fixados na
IN/SRF n.º 162/1998 e na IN/SRF n.º 130/1999, com base nas informações
contidas em estudos feitos pelos órgãos técnicos.
6.Da questão referente aos Pedidos de
Prorrogações formalizados após vigência do
artigo 373, §2 , do Decreto n. 6.759/2009, referente
às Admissões Temporárias concedidas
anteriormente à instituição da nova regra.
À evidência que o recolhimento dos tributos, seja sob o regime da isenção parcial ou o do recolhimento integral (na hipótese de execução do
termo de responsabilidade), tem como objeto a relação jurídico-tributária
instaurada com a importação dos bens ou produtos, mais especificamente
com o registro da Declaração de Importação (no caso do II62, PIS/CO-
PAULSEN, Leandro. In Direito Tributário – Código Tributário Nacional anotado,
Ed. Livraria do Advogado, 6ª ed. 2004, p. 881.
62
Decreto-Lei n.º 37/1966 (Lei do II): Art.1º – O Imposto sobre a Importação incide
sobre mercadoria estrangeira e tem como fato gerador sua entrada no Território Nacional. (Redação dada pelo Decreto-Lei nº 2.472, de 01/09/1988); Art. 23 – Quando se tratar de mercadoria despachada para consumo, considera-se ocorrido o fato
gerador na data do registro, na repartição aduaneira, da declaração a que se refere o
artigo 44. Parágrafo único. No caso do parágrafo único do artigo 1°, a mercadoria
ficará sujeita aos tributos vigorantes na data em que autoridade aduaneira apurar
a falta ou dela tiver conhecimento. Art.24 – Para efeito de cálculo do imposto, os
valores expressos em moeda estrangeira serão convertidos em moeda nacional à
taxa de câmbio vigente no momento da ocorrência do fato gerador.
61
496
José Henrique Cabello
FINS63) ou com o Desembaraço Aduaneiro (no caso do IPI64), conforme se
verifica da legislação.
Trata-se de fato instantâneo, que se esgota e se completa no momento
do Desembaraço Aduaneiro ou do registro da Declaração de Importação,
tornando-se ato jurídico e perfeito, e constitucionalmente protegido de
modificações, na forma dos artigos 5º, inciso XXXVI65 (proteção ao ato
jurídico perfeito) e artigo 150, inciso III66, da Constituição Federal de 1988,
que estabelecem o Princípio de Direito Intertemporal da Irretroatividade
Tributária, o que restou reforçado nos artigos 10567 e 11668, do Código Tributário Nacional.
Lei n.º 10.865/2004 (Lei do PIS/COFINS – Importação): Art. 3º. O fato gerador
será: I – a entrada de bens estrangeiros no território nacional; ou (...); Art. 4º. Para
efeito de cálculo das contribuições, considera-se ocorrido o fato gerador: I – na
data do registro da declaração de importação de bens submetidos a despacho para
consumo;
64
Lei n.º 4.502/1964 (Lei do IPI): Art. 2º Constitui fato gerador do impôsto: I – quanto aos produtos de procedência estrangeira o respectivo desembaraço aduaneiro;
(...); Art . 19. O impôsto será lançado pelo próprio contribuinte: I) na guia de recolhimento; a) por ocasião do despacho de produtos de procedência estrangeira, nos
casos de importação e de arrematação em Ieilão;
65
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos
seguintes: (...) XXXVI – a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico
perfeito e a coisa julgada;
66
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I – exigir ou aumentar
tributo sem lei que o estabeleça; (...) III – cobrar tributos: a) em relação a fatos
geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou
aumentado; b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os
instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b;
67
Art. 105. A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas
não esteja completa nos termos do artigo 116.
68
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador
e existentes os seus efeitos: I – tratando-se de situação de fato, desde o momento
em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os
efeitos que normalmente lhe são próprios; II – tratando-se da situação jurídica,
63
A REPERCUSSÃO TRIBUTÁRIA NO REGIME DE ADMISSÃO TEMPORÁRIA...
497
Assim, por último, insta consignar que, se a nova regra estivesse de
acordo com o sistema jurídico afigurando-se constitucional, obviamente somente incidiria sobre as Declarações de Importação de Admissão
Temporária registradas após sua entrada em vigor, não disciplinando os
pedidos de prorrogação das Admissões Temporárias protocolizados após
esta data, mas concedidas na forma da legislação anterior ao Decreto n. 6.759/2009. E isto, porque, mesmo estando revogados os decretos anteriores, permanecem estes com sua plena vigência no que tange aos fatos
acontecidos anteriormente à sua revogação, conforme lições de Paulo de
Barros Carvalho69 e Tércio Sampaio Ferraz Jr70.
Atinando-se aos três planos da análise semiótica (sintático, semântico
e pragmático), a frase declarativa “requerer a prorrogação do ato concessório de admissão temporária” denota mensagem deôntica referente ao
“adiamento do prazo de algo que já existe”.
Dos conceitos de De Plácido e Silva, em sua elementar obra Vocabulário
Jurídico71, extrai-se mais claramente quanto os efeitos da prorrogação de
um ato, como sendo o que “exprime, originalmente, o aumento de tempo,
a ampliação do prazo, o espaçamento de tempo, prestes a extinguir, para
que certas coisas possam continuar [...].” Só há, portanto, prorrogação de
algo que ainda não se extinguiu. “Não se prorroga ou o que já se mostra
terminado ou acabado, isto é, fora da vigência ou do exercício de um prazo, que não mais existe. Aí ocorreria coisa nova...”
Assim, considerando que o ato de prorrogar o regime de admissão temporária refere-se ao alongar no tempo os efeitos do ato já concedido, deve
seguir, portanto, as regras e normas vigentes à época do aspecto material
da hipótese de incidência tributária, motivo pelo qual as novas regras de
recolhimento proporcional dos tributos somente valerão para as Declarações de Importação registradas posteriormente à 05/02/2009.
desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos de direito
aplicável.
69
Direito Tributário – Linguagem e Método. 2ª edição. Ed, Noeses, 2008: São Paulo.
P. 404.
70
Introdução ao estudo do direito, 3ª Ed., São Paulo, Atlas: 2001, pp. 193-199.
71
SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 21ª. edição. Ed. Forense, Rio de Janeiro: 2008, p. 653.
498
José Henrique Cabello
Ademais, incide, na espécie, o comando contido expressamente no artigo 17872, combinado com artigo 10473, inciso III, do CTN, segundo qual,
a alteração da isenção concedida por prazo certo (no caso, vinculado à vigência o contrato de arrendamento internacional, inclusive suas prorrogações) e em função de determinadas condições (cumprimento dos requisitos
da admissão temporária) entram em vigor no primeiro dia do exercício
seguinte àquele em que ocorra a alteração legislativa:
7. Conclusão
Não é possível aplicar a regra isentiva prescrita no artigo 79, da Lei n.º
9.430/1996, ou seja, de forma que a carga tributária na importação temporária seja proporcional à definitiva, sem considerar o “tempo de vida que
o bem pode ser economicamente utilizado”, afigurando-se plenamente não
só possível, como obviamente necessária, aplicar, por meio da integração
analógica permitida pelo artigo 108, inciso I, do Código Tributário Nacional, o disposto no artigo 57, da Lei n.º 4.506/1964 e, consequentemente
dos índices fixados na IN/SRF n.º 162/1998 e na IN/SRF n.º 130/1999, com
base nas informações contidas em estudos feitos pelos órgãos técnicos.
Sendo que, por ofender, de forma inequívoca, os Princípios da Legalidade, da Capacidade Contributiva e da Isonomia, o artigo 373, § 2º, do
Decreto n. 6.759/2009, consubstancia-se inconstitucional, principalmente
na hipótese de sua regra ser aplicada em face dos pedidos de prorrogações
formulados após 05/02/2009, nos autos dos processos administrativos em
que Admissão Temporária foi concedida anteriormente à sua vigência, em
que o “fato gerador”, inquestionavelmente está garantido pela proteção ao
ato jurídico perfeito (artigo 5º, XXXVI, da CF1988, e artigos 105 e 116, do
CTN).
Art. 178. A isenção, salvo se concedida por prazo certo e em função de determinadas condições, pode ser revogada ou modificada por lei, a qualquer tempo, observado o disposto no inciso III do artigo 104.
73
Art. 104. Entram em vigor no primeiro dia do exercício seguinte àquele em que
ocorra a sua publicação os dispositivos de lei, referentes a impostos sobre o patrimônio ou a renda: (...) III – que extinguem ou reduzem isenções, salvo se a lei
dispuser de maneira mais favorável ao contribuinte, e observado o disposto no
artigo 178.
72
REGIMES ADUANEIROS ESPECIAIS
Bruno Coelho da Silveira
Mestre em Negócios Internacionais pela Universidade de Barcelona.
Pós-graduado em Comércio Exterior e Economia Internacional
pela Universidade de Barcelona. Sócio do Coelho da
Silveira & Rodrigues Alves Advogados
Operações Especiais de Comércio Exterior
Existem algumas operações no Brasil que visam estimular a produção
nacional, favorecendo, consequentemente, transações internacionais com
redução ou isenção de tributos. Pode-se citar dentre elas o chamado drawback e os ex-tarifários.
Drawback – Importação sem tributos?
O Drawback é um regime aduaneiro especial, previsto no Regulamento
Aduaneiro (Decreto 6.759 de 05 de fevereiro de 2009) e regulamentado
pela Portaria Secex nº 10, de 24 de maio de 2010. Através do mesmo as
empresas instaladas no Brasil podem promover a importação de vários
componentes, como peças, insumos e mesmo matérias-primas. Essas
Regulamento Aduaneiro: Decreto 6.759 de 05 de fevereiro de 2009.
“ Art. 384. O regime de drawback poderá ser concedido a:
I – mercadoria importada para beneficiamento no País e posterior exportação;
II – matéria-prima, produto semi-elaborado ou acabado, utilizados na fabricação
de mercadoria exportada, ou a exportar;
III – peça, parte, aparelho e máquina complementar de aparelho, de máquina, de
veículo ou de equipamento exportado ou a exportar;
IV – mercadoria destinada a embalagem, acondicionamento ou apresentação de
produto exportado ou a exportar, desde que propicie comprovadamente uma agregação de valor ao produto final; ou
V – animais destinados ao abate e posterior exportação.
§ 1º O regime poderá ainda ser concedido:
500
Bruno Coelho da Silveira
operações podem receber isenção ou suspensão dos tributos incidentes,
mas para isso, deve-se utilizar o que for importado para fabricar novos
produtos e exportar o produto acabado.
A razão de ser do drawback reside exatamente na lógica que não se
deve inserir tributos em produtos importados se estes servirem de base ou
estiverem inseridos na operação de fabricação de produtos exportados brasileiros. O drawback permite às empresas que sejam adquiridos insumos/
peças/matéria prima ao exterior com preços semelhantes a concorrência
internacional. A introdução de tributos nos produtos importados, portanto,
só serviria para aumentar o custo do produto acabado exportado brasileiro,
retirando-lhe a competitividade. Essa é a razão da existência deste regime
aduaneiro especial.
O incentivo do drawback pode ser requerido pelas empresas que promovem a industrialização de bens para exportação, promovendo operações
sobre bens importados ou que tais bens sejam industrializados para fabricar produtos intermediários que venham a integrar uma mercadoria a ser
exportada, ou mesmo para empresas comerciais, nesse caso a mercadoria
deve ser importada por uma operação chamada de “conta e ordem” para
que a segunda empresa, esta inscrita no benefício do drawback, promova
a exportação.
Dessa forma, há duas formas de drawback aceitas pela Receita Federal:
-Drawback suspensão: Nesse tipo de operação a empresa brasileira
pode importar bens do exterior com suspensão de alguns tributos,
I – para matéria-prima e outros produtos que, embora não integrando o produto
exportado, sejam utilizados na sua fabricação em condições que justifiquem a concessão; ou
II – para matéria-prima e outros produtos utilizados no cultivo de produtos agrícolas ou na criação de animais a serem exportados, definidos pela Câmara de Comércio Exterior. II – para matéria-prima e outros produtos utilizados no cultivo de produtos agrícolas ou na criação ou captura de animais a serem exportados, definidos pela Câmara
de Comércio Exterior.”
São os seguintes os tributos que são suspensos nas operações de drawback suspensão:
a) Imposto de Importação – II.
b) Imposto sobre Produtos Industrializados – IPI.
regimes aduaneiros especiais
501
no momento em que se comprovar a exportação, a empresa não precisa mais efetuar o pagamento dos tributos que estavam suspensos.
É necessário um excelente controle administrativo e contábil para se
evitar problemas com a Receita Federal.
Além da compra de produtos importados, há a possibilidade da empresa
se utilizar do drawback suspensão com a compra de produtos no mercado
interno brasileiro, essa operação também é chamada de drawback integrado ou verde-amarelo e nela gera-se suspensão dos tributos: IPI, PIS e
COFINS. Também nessa operação os tributos ficam suspensos, perdendo
sua exigibilidade apenas após a comprovação do processo de exportação.
Normalmente as operações de drawback podem ser se estender por um
prazo de 2 (dois) anos, mas, em caso de bens de capital, o prazo pode ser
ampliado para 5 (cinco) anos.
-Drawback Isenção: Nesse tipo de operação, a empresa tendo importado bens (componentes para sua produção), com o recolhimento
dos tributos incidentes e que poderiam ser objeto de drawback, tendo
fabricado produtos com os bens importados em sua cadeia de produção e, posteriormente, exportado o produto acabado, é permitido às
empresas efetuarem a importação de novos bens com isenção de tributos (IPI, PIS, COFINS e AFRMM) para reposição do estoque. Há
um período de 2 (dois) anos para que se possa efetuar tal importação
sem os tributos incidentes, após isso perde-se o direito de se creditar
dos valores pagos anteriormente.
O Drawback possui a gestão do Ministério Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC) e seus órgãos: Secretaria de Comércio
Exterior (SECEX), Departamento de Operações de Comércio Exterior
(DECEX) e ao Banco do Brasil, em seu departamento de Comércio
Exterior. As operações de Drawback são fiscalizadas pela Secretaria
da Receita Federal.
c) Imposto sobre Circulação de Mercadorias e prestação de Serviços – ICMS.
d) Programa de Integração Social – PIS.
e) Contribuição para Financiamento da Seguridade Social – COFINS.
f) Adicional de Frete para Renovação da Marinha Mercante – AFRMM.
502
Bruno Coelho da Silveira
Por ser um mecanismo complexo, o Drawback deve ser utilizado de forma
cautelosa, para evitar problemas futuros. Dentre as maiores dificuldades em uma
operação de drawback estão as abaixo apontadas, em gráfico preparado pela
Confederação Nacional das Indústrias (CNI).
Dessa forma, comprovado está que o drawback é uma operação complexa, mas bastante rentável para as empresas que realizarem procedimentos
de importação de mercadorias para posterior exportação.
Ex-trarifários – Diminuição de custo de
importação de bens de capital
Uma das formas para o crescimento econômico de um país reside em
sua força industrial. Às vezes, entretanto, há a necessidade de se promover
a adequação do parque industrial à competitividade internacional e não
se possui o tempo necessário para que as o maquinário de base possa ser
projetado e construído. Para tais situações o Estado brasileiro criou o chamado “Ex-tarifário”, esse regime visa a redução de custo na aquisição de
bens de capital, de informática e de telecomunicação, setores imprescindíveis para o crescimento econômico ordenado e com isso aumentam o grau
tecnológico de setores estratégicos nacionais e gera uma maior oferta de
emprego e renda nesses segmentos.
O regime de Ex-tarifário é está regulamentado pela Resolução Camex
nº 35 de 22 de novembro de 2006 e pela Portaria MDIC/GM nº 20, de 26
regimes aduaneiros especiais
503
de janeiro de 2007, consiste na redução temporária do Imposto de Importação para tais bens (normalmente redução do imposto de 14 para 2%) e
apresenta-se como exceção à Tarifa Externa Comum (TEC), apresentando
a condição essencial de que não haja produção nacional do produto beneficiado com o regime, garantindo proteção a indústria de bens de capital
nacional, por sua importância estratégica.
Para a concessão do regime é necessário um parecer do Comitê de
Análise de Ex-Tarifários (CAEX) e após sua aprovação o mesmo é
concedido por meio de Resolução da Câmara de Comércio Exterior
(CAMEX).
Para se beneficiar dessa redução tributária a empresa deve encaminhar
seu pleito para à Secretaria do Desenvolvimento da Produção, acompanhados de informações relativas a:
• Empresa ou entidade de classe pleiteante.
• Informações técnicas sobre o produto.
• Previsão de importação.
• Informações sobre os investimentos e objetivos vinculados ao
pleito.
O Comitê de Análise de ex-tarifários – CAEX, promoverá a análise
de mérito dos pleitos apresentados ao Ministério, segundo os seguintes
critérios:
• Compromissos nos Fóruns de Competitividade das Cadeias Produtivas.
• Política para o desenvolvimento do setor a que pertence o pleiteante.
• Impactos sobre a exportação e substituição competitiva de importações.
• Absorção de novas tecnologias.
• Investimento em melhoria de infra-estrutura.
O CAEX é formado no âmbito do MDIC, composto por representantes da Secretaria de Desenvolvimento da Produção, que o presidirá, da Secretaria de Comércio
Exterior e da Secretaria Executiva da CAMEX.
504
Bruno Coelho da Silveira
Supondo que o CAEX verifique que os pleitos apresentados possuem
mérito, seguirá o seguinte fluxo:
• Protocolo do Pleito no MDIC.
• Análise Preliminar da Documentação.
• Análise da Secretaria da Receita Federal (Nomenclatura e Classificação do Produto).
• Verificação de Inexistência de Produção Nacional.
• Análise de Mérito.
• Elaboração de Parecer.
• Análise pelo GECEX/CAMEX.
• Publicação.
Considerando que a redução de imposto de importação pode gerar diversos problemas à indústria nacional, o regime de ex-tarifário é muito seletivo, sendo necessária a prova conclusiva de que não há produtores nacionais
do bem beneficiário da redução. Sendo assim, são esses os procedimentos
básicos para verificação da inexistência de produção nacional: • Atestado ou declaração de comprovação de inexistência de produção
nacional, para o produto solicitado, emitido por entidade idônea e
qualificada para emitir documentos desta natureza.
• Consultas aos fabricantes nacionais de bens de capital, informática e
telecomunicações, ou às suas entidades representativas, estabelecendo prazo de até 15 (quinze) dias corridos para a resposta e alertando
aos interessados que, na ausência de manifestação, poderá ser considerado atendido o requisito de inexistência de produção nacional.
O prazo médio para análise de pleito é de noventa dias. Entretanto, esse prazo pode
variar por várias razões, dentre elas:
a) Rigor das empresas na elaboração do pleito e no fornecimento dos documentos
e informações exigidos.
b) Dificuldade em comprovar a inexistência de produção nacional.
regimes aduaneiros especiais
505
• Mecanismo de consulta pública com vistas a reunir subsídios para o
exame de inexistência de produção nacional.
• Laudo técnico elaborado por entidade tecnológica de reconhecida
idoneidade e competência técnica, na hipótese de divergência quanto
à existência de produção nacional.
Na verificação de inexistência de produção nacional, são considerados
os seguintes fatores comparativos, quando pertinentes:
• Qualidade do produto final ou do serviço executado.
• Produtividade do equipamento ou sistema integrado.
• Fornecimentos anteriores efetuados.
• Garantia de performance.
• Consumo de energia e de matérias-primas.
• Prazo de entrega usual para o mesmo tipo de mercadoria.
• Outros fatores de desempenho (específicos do caso).
Dessa forma, demonstrada a importância do benefício de ex-tarifário na
aquisição de bens de capital importados.
Importação de linha de produção usada
A importação de bens de capital, conforme demonstrado no item anterior, é um meio bastante eficaz para o desenvolvimento do país. Há casos,
porém, de necessidade de uma modificação ainda mais radical na questão
de importação de maquinário para o setor industrial interno, uma vez que
a questão tempo pode se revestir de um fator primordial na escolha do local de implantação de um parque industrial. Para esses casos, as empresas
atualmente podem importar toda linha de produção, com isso viabiliza-se
a transferências para o país de uma linha de produção completa e já usada.
Essa importação estimula investimentos produtivos nas empresas e para
o país, pois como há uma redução dos custos envolvidos, uma vez que tal
importação é efetuada baseando-se em valores depreciados, além da rapidez da implantação dessas unidades, tais transferências têm se revelado
506
Bruno Coelho da Silveira
oportunas do ponto de vista das empresas e porque não se dizer, para os
países que usufruem do aumento de oferta de mão-de-obra e de tributos
incidentes.
Como toda moeda possui duas faces, a transferência de unidades de produção não deixa de ser uma forma de desestímulo, também, ao investimento, implicando no deslocamento de máquinas e equipamentos usados de um
país para outro. Dessa forma, tanto a transferência como a implantação de
uma fábrica nova são responsáveis por geração de emprego e de renda, mas,
logicamente, os efeitos benéficos da transferência para a economia normalmente são menores do que no caso da nova implantação, uma vez que não há
movimento econômico de compra e venda das maquinas no país transferido,
com suas repercussões econômicas, financeiras, tributárias e de emprego.
Assim, para estimular os efeitos positivos do procedimento e evitando
os negativos, a legislação para o caso é bastante específica e segura. No
Brasil a importação de linha de produção usada é regida pela Portaria
Decex nº 8, de 13 de maio de 1991 e pela Portaria MDIC nº 235, de 7 de
dezembro de 2006, exigindo que a análise das citadas transferências seja
efetuadas pela Secretaria de Defesa da Produção – SDP e pela Secretaria
de Comércio Exterior – SECEX, sempre vinculando-as a projetos específicos de interesse da economia nacional, desde que confiram redução de
custos, promovam aumento da geração de emprego e elevem o nível de
produtividade/qualidade.
Em termos de procedimentos, a SDP, em seu parecer final, analisa a
transferência sobre os seguintes critérios para a aprovação do pleito:
• Se a importação está vinculada a um projeto que gere emprego e
eleve o nível de produtividade/qualidade da produção nacional.
• Se a idade máxima das máquinas e equipamentos integrantes da unidade linha de produção é inferior ao limite de sua vida útil, e que
isso devidamente comprovado nos laudos técnicos de vistoria e avaliação apresentados junto com o processo.
Portaria Decex nº 8/1991, arts. 22 ao 27.
Portaria Decex nº 8/1991, art. 25, “f”.
Portaria Decex nº 8/1991, art. 25, “f1”.
regimes aduaneiros especiais
507
• Se há produção nacional dos bens usados a serem importados, e se
foi assinado compromisso com entidade representativa da indústria,
de âmbito nacional, contrapartida de aquisição de equipamentos de
fabricação doméstica no mínimo no mesmo montante e apresentado
no processo.
Dessa forma, na análise de mérito será visto os possíveis impactos da
importação da linha de produção usada para a empresa importadora, para
o setor ao qual ela pertence e também para a indústria nacional de bens de
capital, conforme compromisso assinado com a Associação. Para a aprovação do pleito podem ser integradas informações relevantes, como a balança
comercial do país, os efeitos da transferência na cadeia produtiva do bem a
ser produzido no País com a linha que será importada e a importância dos
bens de capital que fazem parte do rol a ser produzido no País.
Portaria Decex nº 8/1991, art. 25, “f2”.
A Copa do Mundo de Futebol
(2014) e as Olimpíadas (2016):
Oportunidades e Incentivos Legais
Daniel Marcelino
Sócio e Advogado de Daniel Marcelino Advogados Associados.
Mestre em Direito Internacional. Especialista em Direito Tributário
O Brasil vive um grande momento na sua história econômica, política e
social, talvez o melhor de todos os tempos. É reconhecido como um país
seguro para se investir.
Durante e depois da crise econômica dos “subprimes” de 20081 que afetou praticamente todo o globo terrestre, o Brasil e outros poucos países
emergentes, foram os que se destacaram tanto no que concerne a pouca
avaria em sua economia durante o período, quanto pela retomada rápida
e vigorante da produção, do emprego, da renda e das exportações; todos
esses campos com índices em crescimento até o presente, cujo prognóstico
futuro também é de crescimento.
Vários são os fatores que possibilitaram esta grande mudança no país,
que estava acostumado há repetições de planos econômicos ou reformas a
cada 04 anos, em média, com extrema insegurança política e econômica.
Mas, desde 1994, com o plano Real2 criado e implementado no governo do
Presidente Itamar Franco, sob a gestão do Ministro da Fazenda Fernando
Henrique Cardoso, o Brasil mostrou-se gestor responsável, cumpridor de
suas responsabilidades internas e externas, inclusive transformando-se de
devedor a credor de instituições de fomento internacional.
Nesses 17 anos de estabilidade fiscal, cambial, econômica, política e social, o mercado consumidor cresceu, bem como o percentual de mão-deobra economicamente ativa, que se transformou em maior número, comparando com os jovens e velhos. Assim, utilizando uma boa metáfora de
alguns economistas, o Brasil pode ser comparado a um jovem de 24 anos,
com formação completa, com vigor para o trabalho e para empreender pelos próximos 30 anos. É a geração da consolidação da classe média brasi-
a copa do mundo de futebol (2014) e as olimpíadas (2016)...
509
leira que, nos recentes 08 anos, teve novos 30 milhões de pessoas inclusas
neste status econômico.
Claro que, como muitos outros países emergentes o fardo de problemas
não é pequeno, existem inúmeros percalços a serem vencidos, nos principais pilares da nação, como educação, saúde, segurança, cultura, habitação, meio ambiente, infraestrutura de portos, aeroportos, estradas, etc.
O caminho para a solução dos problemas listados passa pela burocracia
dos governos federal, estadual e municipal, ainda inchados por pessoas
incompetentes, falsas autoridades nos assuntos sob suas responsabilidades, pois o sistema político-estatal de preenchimento dos cargos técnicos é
movido, ainda, por interesses corruptos, na maioria das vezes.
A imprensa brasileira, as instituições de classe como OAB – Ordem dos
Advogados do Brasil, associações dos magistrados, do Ministério Público,
Tribunais de Contas, entre outros, aliados aos focos de qualidade e honradez dentro da máquina estatal, levam a passos largos, mudanças na legislação que facilitam a fiscalização e punição dos corruptos. Nos últimos 08
anos, aproximadamente 3.000 servidores públicos foram demitidos, apenas no âmbito federal.3
Indiscutivelmente são boas notícias para nós brasileiros, para os estrangeiros que aqui vivem e para os novos investidores que chegam a cada dia.
Para coroar esses anos recentes de bons índices, mais duas magníficas
notícias agitaram o nome do Brasil no mundo, as escolhas para que a Copa
do Mundo de Futebol de 2014 e as Olimpíadas de 2016 se realizassem no
Brasil. A Copa do Mundo de Futebol, pela característica própria, utilizará
diversas cidades e pólos importantes de economia e turismo e as Olimpíadas terão o Rio de Janeiro como sede.
Além dos motivos inerentes ao dia a dia de um país, que necessita melhorar suas condições de infraestrutura, agora, a obrigatoriedade tem data de
vencimento, os dois eventos com datas marcadas, cujas estruturas devem estar prontas para receber os milhões de turistas para os respectivos períodos.
Nesse sentido, além dos estádios, arenas esportivas, instalações de atletas, espaços olímpicos, etc, o país deve ainda preparar estrutura urbana,
aumentar aeroportos, fomentar o crescimento da rede hoteleira, reforçar o
sistema de transporte, o turismo, etc.
510
Daniel Marcelino
As cifras de investimento ao longo dos próximos anos são bilionárias e as obras já começaram, mas estamos apenas no início. Muitas
empresas já chegaram ao Brasil para participar desta festa econômica
e de desenvolvimento, algumas procuram parcerias com empresas brasileiras, outras preferem atuar sozinhas ou em parcerias com player
internacionais, mas, uma análise preliminar da legislação brasileira se
faz necessária para minimamente esclarecer o investidor estrangeiro
sobre um elemento predominante no custo do serviço ou do produto, a
carga tributária.
No Brasil, o sistema tributário é tão complexo que um grande estudioso
sobre o tema o classificou de “manicômio tributário” 4, portanto, não se
pretende no presente artigo explicar nosso manicômio, mas tão somente
alertar o que é i
Download