Integração Mundial, Desintegração Nacional: A Crise nos Mercados

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Ciclo Integrado de Cinema, Debates e Colóquios na FEUC
2007-2008
Integração Mundial, Desintegração Nacional:
A Crise nos Mercados de Trabalho
DOC TAGV/FEUC
Sessão 3: 5 de Novembro de 2007
Globalização e deslocalizações: As dificuldades na reprodução da
relação salarial
Conferências:
El Mouhoub Mouhoud : Deslocalizações das empresas e vulnerabilidade dos
territórios: Antecipar os choques da mundialização
Edward Gresser: Estado abastado, trabalhadores preocupados: A Carolina
do Norte na Economia Mundial
Comentários de: Margarida Antunes (FEUC)
Queria começar por agradecer a El Mouhoub Mouhoud e a Edward Gresser as
conferências que acabaram de proferir. Julgo que com elas, todos nós, podemos
perceber melhor o aspecto multidimensional da globalização económica, bem como as
redes imbricadas e complexas dos seus motivos, lógicas, processos e consequências.
— Assistimos a duas conferências que têm como pano de fundo dois tipos de análise.
Um situa-se no campo dos efeitos económicos da economia global, da globalização,
termo pelo qual esta lógica de mundialização económica é conhecida. O outro, sequente
a este, centra-se nas políticas de intervenção pública para atenuar ou compensar estes
efeitos. Julgo, no entanto, que existe claramente uma questão prévia a estas duas
abordagens: Será que este processo de globalização é a única via pela qual se
perspectivam os processos de integração económica internacional? Em vez de se
discutirem as políticas de adaptação ou de compensação desta globalização, não haverá
espaço para se discutir antes políticas de reformulação desta globalização ou até mesmo
políticas de criação de uma outra. E isto porque esta globalização não é equitativa,
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penaliza directamente certos trabalhadores, os pertencentes aos sectores expostos à
concorrência internacional, colocando-os no desemprego ou degradando directamente
as suas condições de trabalho, mas pode prejudicar também os outros trabalhadores, dos
sectores protegidos, pela pressão que exerce nas normas laborais e salariais nacionais.
Isto é evidente quando nos lembramos da deterioração do peso dos rendimentos do
trabalho no rendimento global (de acordo com Banco Internacional de Pagamentos,
Relatório de 2006, nos últimos trinta anos, nos países do G-10 este peso diminuiu 5
pontos percentuais).
Esta globalização não é equitativa também porque os países africanos,
principalmente da África sub-sahariana, não estão incluídos nas redes dos fluxos
crescentes de capitais e de mercadorias, notando-se apenas a sua presença através dos
fluxos migratórios, que são o reflexo do que se acabou de dizer (de lembrar que desde
1981, quase que duplicou a população desta zona do globo que vive com menos de um
dólar por dia). Pode mesmo dizer-se então que esta globalização não é de facto global.
(Estes temas serão tratados na próxima sessão do Ciclo Integrado a realizar no dia 30 de
Novembro).
Mais, esta globalização também não é eficiente. Provoca desemprego (de acordo
com as estatísticas da Organização Internacional do Trabalho (OIT), nos últimos 10
anos, o número desempregados no mundo aumentou cerca de 34 milhões) e isto
significa desde logo um disfuncionamento no sistema económico global, mas significa
também um desperdício das capacidades de produção nacionais. Tal como já foi dito, a
globalização, ao provocar uma diminuição ou aumento menor do rendimento do
trabalho, também leva que uma parte da procura agregada não se efective, ou seja, leva
a que investimentos produtivos não se concretizem, que criações de emprego não
ocorram.
Esta globalização não é um processo “natural”, também não se trata de um choque
económico externo ao mundo. Foi uma escolha política deliberada; é fruto de uma acção
coordenada ao nível de várias instâncias, governos nacionais, empresas privadas,
mercados financeiros, instituições internacionais. Se assim é, é também através da
decisão política que se pode alterar o caminho da globalização. Através de regulação
internacional que impeça certos comportamentos de governos nacionais, de empresas
multinacionais… Por exemplo, no que respeita às condições dos mercados de trabalho,
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a solução não passa, como por vezes é preconizado, pela convergência dos níveis
salariais e condições de trabalho numa espécie de nivelamento por baixo. Deve antes
assumir-se que existem diferenças de níveis salariais, justificadas com inúmeros
factores económicos, e impedir que determinadas condições de trabalho e emprego
existam em determinados países. Por outras palavras, sabemos que as diferenças
salariais são atenuadas com diferenças de sinal contrário de produtividades do trabalho,
mas aquelas são ampliadas com as condições de trabalho de alguns países no que
respeita a horas de trabalho por dia, dias de trabalho por semana, trabalho infantil,
práticas discriminatórias, trabalhos forçados, ausência de legislação laboral protectora…
Já existem ao nível da OIT “normas fundamentais” que cobrem o direito de
sindicalização e de negociação colectiva, a interdição do trabalho infantil, a ausência de
discriminações no trabalho, a proibição do trabalho forçado. Importa é que estas passem
a constituir referências na actuação das Instituições económicas internacionais e dos
governos nacionais, através de um sistema regulado e coordenado.
— É de salientar o fio condutor existente entre esta sessão do Ciclo Integrado de
Cinema e as outras duas sessões. Com efeito, na primeira, falou-se das condições de
trabalho, ou melhor da ausência destas condições no sector da construção naval. É aqui
que se inicia o processo de redução dos custos de transporte, com a construção de
barcos. Na segunda sessão, o mesmo tema foi abordado no sector do transporte
marítimo de mercadorias, que representa entre 80 a 90% do transporte de mercadorias,
onde a precariedade das relações laborais atinge situações extremas e onde a existência
de “pavilhões de conveniência” permite contornar algumas legislações laborais
nacionais. Com isto, este processo reforça-se ou conclui-se mesmo. Com custos de
transporte decrescentes, justificam-se assim também com eles algumas deslocalizações
produtivas. Ou seja, vale a pena deslocalizar se a diferença salarial, ou a diferença de
custos de produção, for superior ao custo adicional suportado pelo transporte de
mercadorias para o país de origem.
Parece-me mais um caso em que a realidade se pretende adaptar às hipóteses dos
modelos teóricos, neste caso modelos teóricos do comércio internacional que sugerem
que a abertura de uma economia garante ganhos para os países envolvidos e que na sua
maioria considera custos de transportes nulos ou inexistentes. Entre os outros casos,
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saliento o caso do mercado de trabalho, cujas políticas actuais visam explícita ou
implicitamente torná-lo como um mercado de concorrência perfeita.
— Estamos aqui a falar de um fenómeno: as deslocalizações. Mas afinal do que é que se
trata? Existem várias definições. Existe uma série de indicadores para o medir como,
por exemplo, a evolução das importações industriais provenientes das economias
emergentes, os fluxos de saída de investimentos directos estrangeiros, a evolução do
emprego industrial, a situação da balança comercial. Existe uma panóplia de
designações para expressar o mesmo fenómeno, tal como vimos pela conferência de El
Mouhoub Mouhoud, a saber: deslocalização, deslocalização absoluta, recolocação
global, deslocalização horizontal e vertical e, neste último caso, de substituição ou de
complementaridade ou mesmo deslocalização cognitiva, deslocalização inversa,
deslocalização no local, “não-colocação” ou deslocalização relativa, deslocalização
pura, deslocalização difusa, deslocalização defensiva ou ofensiva… Esta diversidade de
definições, de indicadores e de designações mostra não só a complexidade do
fenómeno, como pode explicar a diversidade de efeitos, pois estes dependem do
conceito assumido à partida e do indicador escolhido para avaliação.
A definição que julgo que melhor capta esta complexidade é dada num documento
da Assembleia Nacional Francesa que refere que uma deslocalização resulta de
“arbitragens de empresas que renunciam a manter, desenvolver ou criar as suas
actividades no país de origem e passam a produzir ou a subcontratar no estrangeiro para
exportarem para o país de origem ou outros mercados de exportação deste país já
existentes ou potenciais” (Assemblée Nationale, Rapport d’Information n.º 3467, 29 de
Novembro de 2006, p. 39). Esta definição inclui provavelmente a versão mais
inquietante deste fenómeno: as “não-localizações”, ou seja, os não-empregos criados
pelo facto de se decidir investir no exterior e não no país de origem e que é muitas das
vezes negligenciado na análise económica das deslocalizações.
— Edward Gresser mostra com toda a clareza os efeitos dramáticos nos trabalhadores e
respectivas famílias quando o desemprego atinge um agregado familiar americano. O
autor, tendo em conta a instabilidade criada pela globalização económica sobre os
rendimentos do trabalho, sugere um novo contrato social para os americanos e novas
políticas sociais de apoio. Ora, é aqui que eu julgo que a questão do desemprego deve
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ser tratada de forma diferente. O desemprego é um problema social, é certo, mas é
essencialmente um problema de origem económica e também um problema colectivo,
resulta da ineficiência do sistema económico. Logo, a resolução deste problema deve
centrar-se no âmbito das políticas económicas. Mas mais, devem escolher-se políticas
que envolvam e atinjam todos aqueles que contribuem para a destruição de empregos,
ou seja, os empregadores. A não ser assim, está-se a ver o desemprego numa
perspectiva individual, ou quando muito como um problema de determinada franja de
quem participa no processo produtivo, os trabalhadores, cabendo apenas a eles, é certo
com o acompanhamento do Estado através de políticas sociais, a responsabilidade de
tentar resolver a sua situação de desemprego, sem se corresponsabilizar as empresas
pelas consequências sociais das suas decisões económicas e financeiras.
A este propósito, vale a pena discutir a proposta de Olivier Blanchard e Jean Tirole
ao avançarem com a ideia de uma taxa de despedimento, apesar de não ter sido
apresentada no contexto específico das deslocalizações e pese embora alguns limites
que lhe podem ser apontados. Estes autores sugerem então uma taxa de despedimento
por trabalhador dispensado, de forma a empresa assumir os custos impostos à sociedade
pelas suas decisões sobre despedimentos. As receitas desta taxa seriam utilizadas
precisamente para financiar os subsídios de desemprego de cada um dos trabalhadores
despedidos. Para os autores, esta internalização de custos poderia ser uma condição para
uma simplificação administrativa e jurídica dos despedimentos, nomeadamente no que
respeita ao seu motivo económico.
— No que respeita à União Europeia (UE), podem ser avançados alguns comentários:
1) Em 2007, surgiu o Fundo Europeu de Ajustamento à Mundialização (FEAM),
referido por El Mouhoub Mouhoud. Apesar de poder significar um certo laivo de
consciência por parte das instituições comunitárias dos efeitos desta globalização
sobre certos trabalhadores, enferma no entanto de alguns limites. Desde logo e na
linha daquilo que já se disse anteriormente, trata-se de mais um caso em que a
questão do desemprego é visto na perspectiva puramente individual de quem perde
um emprego e não como um problema colectivo a exigir uma política económica
corresponsabilizadora. Para além desta questão de princípio e das questões levantadas
por El Mouhoub, podem ainda ser apontadas outras insuficiências ao FEAM:
• Não inclui as deslocalizações intracomunitárias, com o argumento que não se
pode pôr em causa a liberdade de estabelecimento e que não são apoiadas
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financeiramente de forma directa por fundos comunitários. E isto quando os textos
oficiais reconhecem a existência destes movimentos e assumem que existem
custos sobre o emprego e a indústria em alguns países e regiões da UE 15. É
verdade que existe alguma evolução, pois actualmente nas “Orientações relativas
aos auxílios estatais com finalidade regional”, obriga-se que um determinado
auxílio ao investimento fique condicionado pela permanência desse investimento
numa dada região por um período mínimo de cinco anos após a sua finalização.
Julgo que vale a pena perguntar se cinco anos é um tempo suficiente para um
determinado investimento produtivo em certas regiões criar efeitos estruturantes
de desenvolvimento, na zona.
É verdade também que num espaço mundial de mobilidade perfeita de
capitais, nenhum Estado ou bloco económico unilateralmente tem possibilidade
de impedir deslocalizações produtivas à escala mundial, no entanto, no âmbito da
UE é possível definir algumas regras. Julgo que é mesmo uma questão de
coerência das políticas comunitárias. Não parece fazer sentido existirem
programas de desenvolvimento regional dirigidos a regiões menos desenvolvidas
e simultaneamente permitir que empresas que aí se localizem no quadro destes
programas se deslocalizem para outras regiões comunitárias sem se criarem os
tais efeitos estruturantes de desenvolvimento.
• Independentemente da sua concepção, este Fundo surge de forma tardia, quando
os fenómenos que pretende abranger já existem com mais acuidade desde os anos
80. Por exemplo, os EUA começaram com um programa com fins idênticos em
1962, quando os efeitos das negociações no âmbito do GATT começaram a sentirse na indústria americana, foi reformulado em 2002, documento último que serviu
de modelo ao FEAM.
• Os critérios de intervenção exigem pelo menos 1000 despedimentos, o que
penaliza os pequenos países e países onde predominam as PME’s.
• Os fundos financeiros não podem ultrapassar 500 milhões de euros por ano e
estão dependentes de créditos orçamentais não utilizados.
2) Apela-se em ambas as conferências ao desenvolvimento tecnológico e à inovação
nos países mais desenvolvidos como forma de resposta a esta globalização e em
particular aos fenómenos das deslocalizações. No caso da UE julgo relevante
abordar um problema que está directamente relacionado com isto.
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Os níveis de investimento produtivo têm sido bastante insatisfatórios desde o
início dos anos 90. Tal como se sabe há muito, o investimento depende das
expectativas dos empresários quanto ao nível da procura agregada, mas este depende
de fluxos estáveis e elevados de rendimentos, precisamente o que não se tem
verificado no espaço comunitário desde a altura, anos 80, em que o salário passou a
ser visto genericamente apenas como uma componente do custo de produção e não
como uma componente essencial do rendimento. Esta questão ainda é mais relevante
quando se sabe que o principal mercado das empresas exportadoras comunitárias é o
próprio mercado comunitário.
Ora, esta evolução do investimento, num período de progresso técnico e de
inovações sucessivos, pode ter tido consequências estruturais relevantes no tecido
produtivo comunitário. Independentemente da I&D ocorrida, com a não realização
de certos investimentos produtivos na UE, não foi apenas a capacidade de
produção que não se alterou, foi também a aprendizagem e os efeitos dinâmicos de
inovações e de novas tecnologias que não se realizaram.
Neste contexto, vale a pena citar Jean-Paul Fitoussi e Jacques Le Cacheux
(L’État de l’Union européenne 2005, Paris, Fayard/Presses de Sciences Po, 2005, p.
41):
O diagnóstico é sem apelo: a zona euro perde terreno; ela é a lanterna vermelha da
economia mundial… [Esta zona] tem sofrido com a apreciação do euro, que tem retraído a
expansão das suas exportações para um mundo em crescimento rápido e tem encorajado as
suas empresas a deslocalizar a sua produção para os mercados dos seus clientes mais
dinâmicos ou para países onde os custos de produção [salários] são mais baixos, na Ásia ou
no Leste do continente europeu. Mas será isto essencial? Não será necessário procurar mais
longe as causas de um mal que não é unicamente conjuntural?
Ainda a este respeito, importa dizer algumas palavras relativamente à
Estratégia de Lisboa (EL), de 2000. Esta Estratégia foi uma aposta comunitária na
economia do conhecimento, na inovação tecnológica, no trabalho qualificado. A sua
execução tem implícita uma arquitectura de políticas económicas baseada em
reformas do lado da oferta da economia, acompanhadas por “uma adequada
combinação de políticas macroeconómicas”, isto é, 1) uma política monetária a
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garantir a estabilidade dos preços, 2) políticas orçamentais de acordo com o Pacto
de Estabilidade e Crescimento e 3) um processo de formação de salários resultantes
de negociações com os parceiros sociais, ou seja, políticas macroeconómicas que
garantam uma “gestão responsável da procura”. Ao ser assim, ao gerir-se o nível da
procura agregada, pode estar-se simultaneamente a limitar as expectativas
económicas dos investidores e, ao contrário daquilo que se pretenderia, a limitar-se
os up gradings nos processos produtivos e a requalificação de trabalhadores. Para
além disto, nunca foi clarificada a forma de concretização dos investimentos, pois
as questões do financiamento da estratégia nunca foram explicitadas.
A revisão da EL, em 2005, embora signifique um reconhecimento da
dificuldade em concretizar os objectivos definidos, parece ser “menos, mas o
mesmo”. Mais uma vez parece que a questão chave — gerir as expectativas da
procura agregada — foi negligenciada.
3) As deslocalizações são um fenómeno concentrado no espaço e no tempo. Por isto,
podem na sua totalidade ser consideradas na UE um choque económico comum mas
assimétrico, pois afecta países e regiões de forma diferente. Os mais afectados serão
aqueles nos quais os sectores mais vulneráveis a deslocalizações tiverem maior peso
(Portugal e Itália com os têxteis, por exemplo). Esta questão remete para o problema
permanente nesta união monetária de ausência de instrumentos de política económica
nacionais.
4) Edward Gresser mostra, como já disse, as consequências económicas e sociais de
quem perde um emprego num país, os EUA, onde as políticas públicas associadas ao
mercado de trabalho são bastante limitadas. Assim, ficar desempregado significa
usufruir um subsídio de desemprego por um período muito curto, e dependente das
contribuições financeiras dos empregadores, perder o seguro de saúde, num país
onde não existe um sistema nacional de saúde, deixar de pagar as prestações para um
plano de poupança reforma...
Julgo que isto nos deve fazer reflectir sobre aquilo que se tem passado na
União Europeia no que se refere às políticas do mercado de trabalho. Desde os anos
80, que tem havido, digamos, a tentação, quer nos meios políticos nacionais e
comunitários quer a académicos, de comparar os mercados de trabalho europeus com
o americano, salientando-se nomeadamente a menor rigidez deste último como factor
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determinante da maior criação de emprego na economia americana. A partir de então,
as variáveis institucionais associadas ao mercado de trabalho passaram a ser objecto
de desconfiança, “a causa de todos os males”. Esta perspectiva foi assumida de forma
explícita pelas instituições comunitárias no delineamento da Estratégia Europeia para
o Emprego, lançada em 1997, e na arquitectura das políticas macroeconómicas da
união monetária europeia. Neste momento, discute-se a proposta da flexigurança, que
inclui medidas de flexibilização dos contratos de trabalho, o que significa uma
redução da protecção do emprego. É certo que também são propostas novas políticas
de emprego, mas a concepção actual destas políticas leva a colocar muitas dúvidas
quanto à capacidade destas para constituírem um pilar de segurança. A justificação de
base é precisamente a necessidade de adaptação da economia europeia à globalização,
o que exige, segundo documentos comunitários, “mercados de trabalho mais
reactivos à inovação e à mudança”.
Curiosamente, Edward Gresser sugere um novo contrato social para os
americanos, precisamente em sequência da instabilidade de rendimentos provocada
pela globalização. Isto parece um pouco no sentido contrário daquilo que se está a
fazer na UE, partindo do mesmo fenómeno, esta globalização, mas lido numa
perspectiva diferente. A ver vamos…
— Pegando agora nas políticas de emprego de compensação dos efeitos das
deslocalizações, referidas em ambas as conferências, importa frisar dois aspectos:
1) No seu delineamento devem ter-se em conta os seus efeitos indirectos ou induzidos,
ou seja, deve avaliar-se a criação líquida de empregos em toda a comunidade, e não
apenas a criação de emprego de quem beneficia das políticas (os chamados efeitos de
substituição e efeitos de canibalismo); deve assegurar-se igualmente que os
beneficiários são de facto os trabalhadores para quem as medidas se dirigem e não os
empregadores que podem obter um “ganho inesperado” pelo facto de um emprego
que projectavam criar ser agora apoiado.
2) Para além disto, é necessário garantir que os efeitos de rendimento das políticas de
emprego funcionem para além do curto prazo, isto é, que as políticas de emprego
sejam, para cada indivíduo, estruturantes. Isto exige estabilidade nas expectativas
relativas ao rendimento salarial e, tal como também Edward Gresser referiu,
perspectivas de uma carreira profissional.
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— Agora, para terminar, alguns comentários aos Esquemas 2a. e 2b. sobre os efeitos
das deslocalizações, apresentado por El Mouhoub:
1) De acordo com o esquema, independentemente da existência ou não de
comportamentos de margem, pressupõe-se que os lucros são reinvestidos e, como tal,
se criam empregos qualificados a prazo. Mas por esta via também podem existir
bloqueios aos mecanismos de compensação falados por El Mouhoub. Por exemplo,
na zona euro, a taxa de lucro bruto de exploração tem crescido significativamente
desde finais dos anos 90, mas a taxa de investimento tem decaído desde 2000; não
parece assim clara a relação directa entre os lucros e o investimento. A conhecida
frase de Helmut Schmidt, segundo a qual, os investimentos de hoje são os lucros de
amanhã e os empregos de depois de amanhã, não parece ser válida num contexto,
como o actual, de valorização dos investimentos financeiros e do curto prazo.
2) O esquema refere efeitos de compensação de longo prazo. Confesso, tenho sempre
dificuldade em perceber o que significa isto, “o longo prazo”, aliás aspecto também
mencionado por El Mouhoub Mouhoud. Na área de economia, são conhecidas muitas
definições. Neste caso concreto, o horizonte de longo prazo, eventualmente positivo
mas incerto temporalmente, não conforta os trabalhadores que no curto prazo ficaram
sem emprego e podem não atenuar os custos de ajustamento, sociais e económicos,
inerentes às deslocalizações produtivas.
Parece oportuno, neste contexto, citar Jean-Paul Fitoussi quando diz
(“Macroeconomic Policies and Institutions”, OFCE, Document de travail n.º 200606, p. 9):
A conclusão parece clara: a nossa sociedade pode garantir o seu nível de riqueza e o
pleno emprego pode ser atingido fazendo os trabalhadores dependerem de empregos
precários de baixos salários. Como não está prevista nenhuma diminuição nos padrões de
vida da nossa classe mais rica, esta conclusão é equivalente a dizer às categorias mais pobres
que para aumentar a riqueza da nação têm que aceitar tornar-se pobres.
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