O Direito do Trabalho como ramo autónomo de Direito

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TEXTO I
O Direito do Trabalho como ramo autónomo de Direito – as condições
sócio/económicas que presidiram ao seu aparecimento
A existência do Direito do Trabalho como ramo autónomo de direito implica a
existência de um conjunto de princípios e de figuras jurídicas que são específicos desta
área do direito. De acordo com Bernardo da Gama Lobo Xavier (Xavier, 2004: 21) “O
Direito do Trabalho pode ser definido como o conjunto de normas e princípios jurídicos
que disciplinam as relações de trabalho”.
O Direito do Trabalho, como já foi referido, tem na sua base um fenómeno
social, que é o trabalho dependente ou subordinado e embora este fenómeno, com as
características que hoje lhe conhecemos, seja muito recente e só tenha começado a
massificar-se a partir do final do século XVIII, com a Revolução Industrial,
efectivamente só no final do século XIX é que a produção normativa quanto a este
fenómeno se intensificou e permitiu o aparecimento de uma nova área jurídica, com
autonomia própria. Assim, o Direito do Trabalho é um ramo de direito com cerca de um
século de existência e a maioria dos autores situa o aparecimento desta área jurídica
entre o final do séc. XIX/início do século XX e o termo da I Guerra Mundial.
Manuel Carlos Palomeque Lopez (Palomeque Lopez, 2001: 17), considera que
“O Direito do Trabalho é, desde logo, uma categoria cultural fruto do sistema capitalista
industrial”1, ou seja, para este autor, foram as deploráveis condições de vida dos
1
O capitalismo é o sistema económico que tem como base a propriedade privada dos meios de produção.
No entanto, a definição de capitalismo, pode ser muito diversa, consoante a perspectiva de análise. Para
Karl Marx, as sociedades capitalistas, caracterizavam-se pela existência de um antagonismo fundamental
entre os proprietários dos meios de produção, ou seja, os capitalistas e os assalariados, sujeitos a
exploração. Ainda de acordo com este autor, todos os bens são convertíveis num valor comum, que é o
dinheiro e assim, o trabalho também é um bem que o trabalhador troca por um salário. Para outro autor, o
sociólogo alemão Max Weber, o capitalismo pode definir-se pela existência de empresas cujo fim é
alcançar o máximo lucro e cujo método é a organização racional do trabalho e da produção.
Neste ponto não podemos também deixar de referir Adam Smith, economista e filósofo escocês
(1723 - 1790), considerado por muitos como o fundador da economia política, que publicou em 1776 a
obra “Uma investigação sobre a natureza e causas da riqueza das Nações”, que estabeleceu os
fundamentos do liberalismo económico. De acordo com este autor, a fonte de toda a riqueza nacional
1
operários no período da industrialização capitalista que fizeram surgir a designada
“Questão Social”2 e a procura de respostas que pudessem reduzir a situação de extrema
pobreza e debilidade em que se encontravam as classes trabalhadoras. Assim, apesar dos
princípios vigentes à época de autonomia e igualdade das partes, os Estados foram
forçados a intervir através da criação de normas protectoras dos trabalhadores. Outro
autor, Pedro Romano Martinez (Martinez, 2007: 74), considera que o moderno Direito
do Trabalho, surge com a Revolução Industrial e que as circunstâncias muito especiais
da época, levaram a um distanciamento do Direito das Obrigações, que permitiram a
criação de um conjunto de normas com um cariz protector dos trabalhadores. Para
Bernardo Lobo Xavier (Xavier, 2004: 28), “O Direito do Trabalho é um direito
moderno, que surge com a Revolução Industrial, o operariado, as lutas entre o capital e
encontra-se no trabalho e defende também a livre concorrência, a livre iniciativa, a livre troca e a não
interferência do Estado na economia.
Para alguns autores (Albert, 1992: 282 ss), o sistema capitalista, ao longo de mais de dois séculos
de existência terá passado por três fases com características distintas. A primeira fase, inicia-se em 1791,
em França, no período da Revolução Francesa e baseia-se na liberdade do comércio e da indústria em
contraposição à tutela do Estado, ou seja, neste período, vigoram as leis do mercado, ficando para o
Estado o papel residual de protecção da ordem pública (liberalismo clássico). A segunda fase do
capitalismo, é a do capitalismo enquadrado pelo Estado, ou seja, o que se pretende é que o Estado tenha
um papel regulador, relativamente aos excessos das leis de mercado e desta forma, o Estado deixa de ter
um papel meramente residual, passando a ter uma intervenção mais forte. Esta será a semente do futuro
Estado-Providência, em que o Estado desempenha um papel de protecção dos mais desfavorecidos e
procura corrigir os excessos da aplicação das leis de mercado. A terceira fase (designada por neoliberalismo) caracteriza-se por um retrocesso do papel do Estado na economia, uma vez que, de acordo
com esta corrente se considera que, a excessiva intervenção do Estado na economia tem um efeito
paralisante, deixando este de ser visto como um protector ou um organizador, mas como um travão e
portanto verificou-se a necessidade de reduzir o seu papel. As teorias neo-liberais designam-se “neo”,
porque são novas e liberais, porque se inspiram nas teorias clássicas, nomeadamente na teoria do
liberalismo económico de Adam Smith. Assim, de acordo com esta perspectiva é necessário fazer recuar
o Estado e baixar as contribuições para a Segurança Social e os impostos, para que as leis do mercado
possam funcionar em toda a sua plenitude. As correntes neo-liberais, surgem como uma reacção ao
excessivo intervencionismo estatal e encaram o mercado como único regulador da actividade económica.
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A “Questão Social” resulta dos problemas sociais originados pelo grande número de trabalhadores que
acorreram às cidades vindos do campo, com o aparecimento da máquina a vapor e a industrialização. Ora,
esta enorme massa de trabalhadores, encontrava-se completamente desprotegida e a situação de grande
desigualdade perante os empregadores, originou situações de desemprego e também péssimas condições
de vida e de trabalho que se generalizaram (Martinez, 2007: 83 ss).
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o trabalho e as reflexões provocadas por essas mesmas questões, isto é, a Questão
Social”. A origem do Direito do Trabalho, como um conjunto de normas com um cariz
protector da parte considerada mais débil, ou seja, o trabalhador, levou a que
inicialmente se designasse o Direito do Trabalho como Direito Operário, Direito Social
ou até Direito Industrial.
Ainda sobre o tema da formação e evolução histórica do Direito do Trabalho,
José João Abrantes (Abrantes, 1995: 20 ss) considera que este ramo de direito surge
historicamente ligado à necessidade de protecção dos trabalhadores, perante a situação
de miséria extrema a que o sistema capitalista conduziu a classe operária. Em resumo,
este autor considera que os factores que estiveram na origem do Direito do Trabalho
foram o aparecimento da máquina a vapor, que originou profundas modificações
económicas e sociais, a concentração nas cidades de um grande número de operários,
em busca de trabalho e muitos deles oriundos dos meios rurais e ainda, as péssimas
condições de trabalho e de vida que provocaram a intervenção do Estado na regulação
de algumas matérias laborais, de forma a minimizar a gravosa situação em que se
encontravam os trabalhadores. Desta forma, o aparecimento deste novo ramo de direito
procurava resolver problemas para os quais o Direito Civil não se mostrava adequado.
Também Júlio Gomes (Gomes, 2007: 12), considera o aparecimento do Direito do
Trabalho como resultado da Revolução Industrial e da classe operária, mas procurando
evitar ser um direito conotado com uma classe. O aparecimento do Direito do Trabalho,
no contexto histórico em que se verificou, representou um corte com os princípios
tradicionais de Direito Civil, nomeadamente os princípios da igualdade e da autonomia
das partes, que vigoraram até à data, pois estes princípios não se adequavam na prática
às relações de trabalho que se estabeleciam entre os operários e os empregadores, uma
vez que a desigualdade entre as partes era uma realidade, sendo efectivamente a parte
mais débil o trabalhador, que muitas vezes tinha que se sujeitar a condições muito
pouco satisfatórias.
O Direito do Trabalho é ainda marcado por um sentido contraditório, como
refere Manuel Carlos Palomeque Lopez (Palomeque Lopez, 2001: 33), ou seja,
enquanto que por um lado as suas normas legitimam a relação estabelecida entre
empregadores e trabalhadores através do contrato de trabalho e os interesses
empresariais do empregador, por outro lado, limitam o poder deste, através de normas
protectoras dos interesses dos trabalhadores.
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Resumindo, podemos referir que efectivamente o Direito do Trabalho surge
como consequência de um conjunto de circunstâncias sociais, económicas e políticas
que têm como enquadramento o aparecimento da máquina a vapor e a consequente
Revolução Industrial (2ª metade do século XVIII) e a existência de um elevado número
de operários que saem dos meios rurais e acorrem às cidades à procura de trabalho. No
entanto, a oferta de mão-de-obra era claramente superior à procura e como tal os
trabalhadores perderam poder negocial e sujeitavam-se a condições de trabalho (e de
vida) degradantes3.
Neste contexto, os Estados vêem-se confrontados com a necessidade de intervir
para minorar os excessos do liberalismo económico. Por sua vez, a Igreja Católica
também desempenhou um papel fundamental na denúncia das injustiças sofridas pelos
trabalhadores e das degradantes condições de trabalho através da Encíclica Rerum
Novarum do Papa Leão XIII de 15 de Maio de 18914, em que a Igreja Católica chama a
atenção para a denominada “Questão Social” e em que condenou firmemente a
exploração dos operários e os excessos do liberalismo económico e apelou à protecção
do proletariado.
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Para ilustrar esta situação, cada vez mais dramática, não podemos deixar de fazer referência ao relatório
do Dr. Villermé, em França (1840), que dava conta da situação de crianças de seis a oito anos, que
trabalhavam nas manufacturas de seda, algodão e lã, dezasseis e mais horas por dia, o que originava,
como é óbvio, situações absolutamente dramáticas e de completa desprotecção, em relação à maioria dos
trabalhadores, nomeadamente mulheres e crianças.
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Leão XIII (Vincenzo Gioacchino Pecci – 1810-1903) foi eleito Papa a 3 de Março de 1878 e a sua
encíclica mais notável é efectivamente a Rerum Novarum que aborda questões relacionadas com o
trabalho e as questões sociais e a miséria generalizada em que viviam as classes trabalhadoras.
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