Artigo Original ESTUDO CLÍNICO E EPIDEMIOLÓGICO DOS TUMORES DA GLÂNDULA PARÓTIDA NUM SERVIÇO DE REFERÊNCIA EM CIRURGIA DE CABEÇA E PESCOÇO E OTORRINOLARINGOLOGIA CLINICAL-EPIDEMIOLOGICAL STUDY OF THE PAROTID GLAND TUMORS IN A REFERENCE SERVICE OF HEAD AND NECK SURGERY AND OTOLARYNGOLOGY MARCOS ANTÔNIO NEMETZ¹ ELIO GILBERTO PFUETZENREITER JÚNIOR² 3 PEDRO DE ABREU TRAUCZYNSKI ANA BEDUSCHI NEMETZ³ RESUMO Introdução: Realizou-se um estudo no Hospital Santa Isabel e Hospital Dia – Intermed Cooperativa de Administração Médica e Serviços de Saúde, em Blumenau-SC, no qual foram analisados 117 prontuários de pacientes submetidos a parotidectomia. Objetivo: Analisar os achados epidemiológicos e clínicos desses pacientes, comparando os resultados obtidos com a literatura especializada. Método: Estudo retrospectivo. Foi realizado um levantamento de todos os prontuários dos pacientes que foram submetidos a parotidectomia no Hospital Santa Isabel (de janeiro de 1985 a dezembro de 2002) e no Hospital Dia – Intermed Cooperativa de Administração Médica e Serviços de Saúde de Blumenau (de janeiro de 2001 a dezembro de 2002), por meio do serviço de arquivos médicos dos hospitais e da anatomia patológica. Todas as cirurgias foram realizadas pelo mesmo cirurgião. Resultados: Observou-se um predomínio do gênero feminino, com 68 casos (58,1%), em relação ao masculino, com 49 casos (41,8%). As neoplasias benignas tiveram uma maior freqüência, com 88 casos (75,2%); já as malignas ocorreram em 25 casos (21,3%), sendo 16 (64%) do gênero 1. Mestre pelo Programa de Pós Graduação em Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço da Escola Paulista de Medicina–UNIFESP............................... 2. Médico Residente em Cirurgia de Cabeça e Pescoço do Hospital Ana Costa, Santos-SP 3. Acadêmico de Medicina da Universidade Regional de Blumenau (FURB) Instituição: Seção de Cirurgia de Cabeça e Pescoço e Otorrinolaringologia do Hospital Santa Isabel e Hospital Dia – Intermed Cooperativa de Administração Médica e Serviços de Saúde de Blumenau, Blumenau, SC Endereço para correspondência: Rua Heloy Dalsasso, 345 – 89030-230 Blumenau – SCemail: [email protected] Recebido em: 13/02/2006; aceito para publicação em: 07/04/2006. 66 masculino. A neoplasia mais comum foi o adenoma pleomórfico, observado em 61 pacientes (52,1%), sendo que oito desses eram recidivas (13,1%), incluindo seis operados previamente em outros serviços. Entre as neoplasias malignas estudadas, verificou-se que as mais comuns foram: o carcinoma espinocelular, com seis casos (24%), o carcinoma muco-epidermóide, cinco casos (20%) e o melanoma metastático, quatro casos (16%). Conclusões: Conclui-se que as neoplasias encontradas nessa série de parotidectomias têm, estatisticamente, comportamento semelhante ao observado por outros autores. Observou-se ainda uma alta incidência de carcinoma espinocelular e melanoma metastático, quando comparado a outros estudos. O grupo de maior risco é o gênero feminino. Descritores: parótida; parotidectomia; adenoma pleomórfico. ABSTRACT Introduction: This study was performed in Hospital Santa Isabel and Hospital Dia-Intermed Cooperativa de Administração Médica e Serviços de Saúde de Blumenau, in Blumenau-SC. One hundred and seventeen parotidectomies were analyzed. Objective: To analyze clinically and statistically the records of parotidectomies operated at those hospitals, comparing the results with the medical literature. Methods: Retrospective study. The charts of parotidectomies at the Hospital Santa Isabel (since January, 1985 to December, 2002) and the Hospital Dia – Intermed Cooperativa de Administração Médica e Serviços de Saúde de Blumenau (from January, 2001 to December, 2002), were reviewed Rev. Bras. Cir. Cabeça Pescoço, v. 35, nº 2, p. 66 - 69, abril / maio / junho 2006 researching medical and pathological anatomy records. They were performed by the same surgeon. Results: There was a predominance of women with 68 cases (58.1%), and men 49 cases (48.1%). Benign tumors were found in 88 cases (75.2%), whereas malignant tumors were observed in 25 cases (21.3%), from which 16 were men (64%). The pleomorphic adenoma was the most frequent neoplasm, occurring in 61 patients (62.1%), being eight recurrent (13.1%), six of them after previous treatment in other hospitals. Among the malignant tumors, the most common were the squamous cells carcinomas with 6 cases (24%), mucoepidermoid carcinoma in 5 cases (20%) and metastatic melanoma in 4 cases (16%). Conclusion: The tumors in this study agrees with others in the literature. We observed a high occurrence of squamous cells carcinomas and metastatic melanoma compared to others studies. Women were more affected. INTRODUÇÃO As glândulas salivares são órgãos exócrinos produtores de secreções que exercem importante função protetora, lubrificante e digestiva no sistema aerodigestivo alto. Essas glândulas, exceto as menores, são pares; as maiores são as parótidas, as submandibulares e as sublinguais1. A parótida, principal objetivo desse estudo, é a maior das glândulas salivares; está localizada à frente do pavilhão auditivo, tendo íntima relação em sua porção posterior, com o conduto auditivo externo. Tem forma de halteres, com um pólo superficial que toma cerca de três quartos da glândula e um pólo profundo que tem relação com a mucosa jugal2. As neoplasias que acometem as glândulas salivares correspondem a aproximadamente 3% a 5% de todos os tumores da cabeça e do pescoço e 0,28% dos tumores de toda topografia corporal1,2. A maior parte dos tumores de glândulas salivares ocorre nas parótidas, podendo corresponder a até 80%. Os tumores malignos das glândulas salivares representam cerca de 1% de todas as neoplasias que acometem a cabeça e o pescoço. Este trabalho é uma análise retrospectiva de 117 parotidectomias realizadas em 17 anos na cidade de Blumenau, Santa Catarina. permaneceu por 28 dias no hospital. O gênero predominante foi o feminino, totalizando 68 casos (58,1%), contra 49 do masculino (41,8%). Observou-se maior freqüência de neoplasias benignas, com 88 casos (75,2%), enquanto as malignas foram encontradas em 25 pacientes (21,3%). Quatro casos não citavam dados referentes ao diagnóstico. À análise dos exames anatomo-patológicos, constatou-se maior freqüência de adenoma pleomórfico, com 61casos (52,1%), seguido pelo tumor de Whartin, 14 casos (11,9%), carcinoma espinocelular, seis casos (5,1%) e carcinoma muco-epidermóide, cinco casos (4,2%) – tabela 1. Considerando o diagnóstico de acordo com o gênero, observou-se que os tumores malignos corresponderam a 32,6% dos pacientes masculinos e ,13,2% dos pacientes femininos. Ocorreram 33 casos de neoplasias benignas e 16 casos de patologias malignas no gênero masculino. Já no feminino, houve 57 casos de neoplasias benignas e nove malignas. As neoplasias benignas no gênero masculino foram: adenoma pleomórfico ,14 casos (42,4%); tumor de Whartin, 11 casos (33,3%); hemangioma, três casos (9%); dermatofibroma, um caso (3%); lipoma intra-parotídeo, um caso (3%) e cisto de glândula parótida, um caso (3%). As neoplasias benignas no gênero feminino foram: 47 casos de adenoma pleomórfico (82,4%), três de tumor de Whartin (5,2%), um de sarcoidose (1,7%), um de sialoadenite crônica inespecífica (1,7%), um de lesão linfo-epitelial benigna, um de linfangioma (1,7%) e um cisto de glândula parótida (1,7%). As neoplasias malignas da parótida acometeram 16 homens (64%) e 9 mulheres (36%), contabilizando 25 casos (21,3%). A neoplasia maligna mais freqüente foi o carcinoma espinocelular, com seis casos (24%), seguido do carcinoma muco-epidermóide, cinco casos (20%); melanoma metastático, quatro casos (16%) (esses todos com tumor primário oculto); carcinoma epidermóide metastático, dois casos (8%); tumor de células acinares, dois casos (8%) e linfoma linfocítico, dois casos (8%). Ocorreu ainda um caso (4%) de: adenocarcinoma, carcinoma anaplásico, carcinoma de células de Merckel e carcinoma adenóide cístico – tabela 1. O adenoma pleomórfico foi a neoplasia mais freqüente, com 61 casos, sendo 14 do gênero masculino (22,9%) e 47 do feminino (77%), correspondendo a 52,1% dos pacientes operados. Dentre esses, oito eram recidivas (13,1%). O tempo maior de recorrência foi 10 anos da primeira cirurgia. CASUÍSTICA E MÉTODO Analisaram-se retrospectivamente os registros de prontuário de todos os pacientes submetidos a parotidectomia encontrados nos arquivos médicos do Hospital Santa Isabel (período de janeiro de 1985 a dezembro de 2002) e Hospital Dia – Intermed Cooperativa de Administração Médica e Serviços de Saúde de Blumenau (período de janeiro de 2001 a dezembro de 2002), em Blumenau, SC. Estudaram-se ao todo, 117 prontuários, sendo 68 de pacientes do gênero feminino e 49 do masculino. Os dados foram coletados através de um questionário contendo idade, gênero, diagnóstico anatomo-patológico e tempo de permanência no hospital. RESULTADOS A idade dos pacientes variou de 3 a 81 anos de idade, sendo todos caucasianos. O tempo de internação variou de 1 a 13 dias, com exceção de um paciente idoso que DISCUSSÃO A glândula parótida é o local mais comum dos tumores de glândula salivar3, sendo responsável por até 80% dos tumores em glândulas salivares1, podendo ocorrer em ambos os gêneros e em todas as faixas etárias4. Martins et al. relataram idade variando de 13 a 92 anos. Quanto ao gênero, nesse estudo, o feminino correspondeu a 42,8%, enquanto o masculino a 57,2%. Quanto ao diagnóstico, esses autores encontraram 57,8% de neoplasias benignas e 42,1% malignas5. Outros estudos mostram predomínio do gênero feminino, tais como 56,7% (4) e 67%6. Na amostra estudada, 58,1% das parotidectomias ocorreram em mulheres e 41,8% em homens. Dentre todos os pacientes, 75,2% apresentaram neoplasia benigna. As neoplasias malignas ocorreram mais no gênero masculino (64%) do que no feminino (36%). A neoplasia benigna mais freqüente foi o adenoma 67 pleomórfico (54,7% dos casos), seguido do tumor de Whartin (11,9%). Em outro estudo, o adenoma pleomórfico foi o tumor mais encontrado em todas as glândulas salivares maiores, correspondendo a 66,9% dos tumores3. Braconi et al.7 relataram 86,6% de neoplasias benignas e 13,4% de malignas. As mais freqüentes foram adenoma pleomórfico (47%), seguido de parotidite crônica inespecífica (24,6%) e tumor de Whartin (9,2%). O'Brien8 encontrou, num total de 363 pacientes operados devido a tumores benignos de parótida, o adenoma pleomórfico como neoplasia mais comum, sendo responsável por 70% dos casos, seguido pelo tumor de Warthin, 15%. Brasil3 relatou 49% de adenomas pleomórficos e 17% tumor de Whartin. Os tumores malignos ocorreram em 12% dos casos, dos quais 41% eram carcinoma adenóide cístico, enquanto o carcinoma muco-epidermóide e o adenocarcinoma foram encontrados em 11,3%. No presente estudo, o adenocarcinoma e o carcinoma muco-epidermóide foram ambos encontrados em 5,12% dos casos. Constatou-se uma alta incidência de carcinoma espinocelular e melanoma metastático (respectivamente, 24% e 16% dos tumores malignos). Isso ocorreu provavelmente devido à origem étnica européia da população do Vale do Itajaí, onde há alta prevalência dessas doenças. Na Austrália, onde há uma população etnicamente semelhante e com exposição similar às radiações solares, houve uma predominância nítida de carcinoma espinocelular, seguido de melanoma, como principais causas de parotidectomia por doenças malignas9. Em 1991, Shah10 relatou a alta incidência de metástases de melanoma na parótida e a importância da parotidectomia em determinados casos de melanoma em cabeça e pescoço. Hong11 encontrou 20% de pacientes com metástases de carcinoma espinocelular na parótida, requerendo terapia agressiva. Balm12, em estudo sobre metástases em linfonodos cervicais e em parótida a partir de melanomas ocultos, mostrou a região da parótida como a segunda mais acometida pelas metástases. Isso reforça a alta incidência de melanoma na região de Blumenau, já retratada em outros estudos. Isso se deve principalmente à origem étnica da maioria da população e à alta exposição a radiações solares a que essa se submete13-16. Ainda referente às neoplasias malignas, Braconi7 constatou predominância do carcinoma muco-epidermóide, carcinoma espinocelular e carcinoma de células acinares, todas correspondendo a 20% da incidência, totalizando 60% das neoplasias malignas estudadas. Os 40% restantes foram representados por carcinoma adenóide cístico, adenocarcinoma, carcinoma indiferenciado e carcinoma de células claras, cada qual correspondendo a 10%. CONCLUSÃO Observou-se uma alta incidência de carcinoma espinocelular e melanoma metastático, quando comparado a outros estudos. No caso do melanoma, deve-se principalmente ao grupo étnico predominante da população e às altas doses de radiação solar a que esta se submete diariamente. O grupo de maior risco é representado pelo gênero feminino. Porém, há maior incidência de malignidade nos pacientes masculinos. 68 Tabela 1 – Distribuição das patologias na parótida de acordo com o gênero. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 1. Rocha P, Rocha Jr P. Tumores benignos das glândulas salivares maiores. In: Brandão LG, Ferraz AR. Cirurgia de Cabeça e Pescoço. São Paulo: Rocca; 1989. p.127-9. 2. Costa HO, Vianna MR. Tumores das glândulas salivares. In: Tratado de Otorrinolaringologia. São Paulo: Rocca, 2002. vol 4. p. 155-76. 3. Silva SJ, Morais DM, Aguiar ASF, et al. Estudo clínicoepidemiológico de 183 casos de neoplasias de glândulas salivares, baseado na classificação da OMS. Rev Bras Otorrinol. 1998;64(4);387-94. 4. Santos RB, Kowalski LP. 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