Volvo gástrico associado a volvo cecal em paciente jovem

Propaganda
ESTUDO DE CASO
Volvo gástrico associado a volvo cecal
em paciente jovem
Wendel dos Santos Furtado, Diego Antônio Calixto de Pina Gomes Mello, Vitorino Modesto dos Santos,
Wilian Pires de Oliveira Júnior e Walter Ludvig Armin Schroff
RESUMO
Relata-se o estudo de caso de uma mulher jovem
com sintomas de obstrução intestinal alta, por volvo
gástrico associado com volvo cecal causado por má
rotação intestinal. Inicialmente, o volvo gástrico foi
diagnosticado e pode ser desfeito durante endoscopia digestiva alta. No entanto, sintomas persistentes
de obstrução intestinal conduziram ao diagnóstico
de volvo cecal, que foi corrigido cirurgicamente, por
laparotomia e cecopexia. A paciente teve remissão
total dos sinais e sintomas e foi encaminhada para
acompanhamento ambulatorial, e não tem apresentado alterações por longo período.
Palavras-chave. Volvo cecal; volvo gástrico; volvo
ABSTRACT
Wendel dos Santos Furtado – médico, titular do Colégio Brasileiro de
Cirurgiões, Departamento de Cirurgia, Hospital das Forças Armadas,
Brasília-DF, Brasil
Diego Antônio Calixto de Pina Gomes Mello – médico-residente, Hospital
das Forças Armadas, Brasília-DF, Brasil
Vitorino Modesto dos Santos – médico, doutor, professor, Departamento
de Medicina Interna, Hospital das Forças Armadas e Universidade Católica
de Brasília, Brasília-DF, Brasil
Wilian Pires de Oliveira Júnior – médico-residente, Hospital das Forças
Armadas, Brasília-DF, Brasil
Walter Ludwig Armin Schroff – médico-residente, Hospital das Forças
Armadas, Brasília-DF, Brasil
Correspondência: Vitorino Modesto dos Santos. Hospital das
Forças Armadas, Estrada do Contorno do Bosque s/n, Cruzeiro
Novo, CEP 70.658-900, Brasília-DF. Telefone: 61 39662103. Fax:
61-32331599.
Internet: [email protected]
Gastric volvulus associated with cecal volvulus in a
young patient
The authors report the case of a young woman with
symptoms of high intestinal obstruction due to gastric
volvulus associated with cecal volvulus caused by intestinal malrotation. Initially, the gastric volvulus was diagnosed and reversed during high digestive endoscopy.
However, persistent intestinal obstruction symptoms led
to diagnosis of cecal volvulus, which was corrected by
laparotomy and cecopexy. The patient showed complete
remission of clinical symptoms and was referred to outpatient follow-up, which has been uneventful so far.
Key words. Cecal volvulus; gastric volvulus; volvulus
206 • Brasília Med 2012;49(3):206-209
Recebido em 27-7-2012. Aceito em 9-9-2012.
Os autores declaram não haver potencial conflito de interesses.
INTRODUÇÃO
Carl von Rokitansky foi quem relatou o primeiro
caso de volvo cecal, com estrangulamento.1 O principal mecanismo desse tipo de volvo envolve a excessiva mobilidade do ceco.2-5
Wendel dos Santos Furtado e cols. • Volvo gástrico associado a volvo cecal
Cerca de 30% dos volvos acometem o ceco em virtude de fixação embrionária incompleta2-5 e, na
maioria dos casos, o cólon ascendente também está
envolvido nessa alteração.4
São descritos diversos fatores que predispõem a essa entidade, como aderências, alimentação copiosa, dieta rica em fibras, cirurgias abdominais, cistos
mesentéricos, exercício físico, febre tifoide, gravidez e parto, hérnias, íleo adinâmico, megacólon,
obstipação, tosse intensa e trauma abdominal.3-5
O quadro clínico usualmente consiste de obstrução
intestinal alta por envolvimento do íleo terminal e
pode haver recorrências.3,4 Exames de imagem contribuem para o diagnóstico; a radiografia simples pode
mostrar massa estendendo-se por todo o quadrante
superior esquerdo, sinal do “grão de café” e haustrações cecais.2,3,6 A ausência de gás no cólon distal e o
edema de alças do delgado são achados muito comuns
e têm sensibilidade elevada.2,3,5,6 Tomografias computadorizadas e enema opaco são úteis para o diagnóstico,3-6 sendo de 88% a sensibilidade do enema opaco.2,3,6
A tomografia pode confirmar grande distensão cecal
e do intestino delgado, os sinais “grão de café”, “bico
de pássaro” e “redemoinho”, além de distensão do
apêndice no quadrante superior esquerdo.3,4,6
de intensidade crescente, sem irradiação ou fatores
desencadeantes. A dor aliviava na posição genitopeitoral e aumentava na posição supina, associando-se
a episódio de vômito. Apresentava obstipação havia
três dias, iniciada após evacuação de grande volume
fecal. Cursou com dolorimento abdominal difuso e
distensão abdominal, sem resolução mesmo após
evacuação com o uso de laxativos. Negou febre, sudorese, calafrios e sangramento intestinal.
Ao exame físico, havia discreta distensão gasosa no
epigástrio, dolorosa à palpação, sem sinais de irritação
peritoneal. Foram realizados exames laboratoriais de
rotina, incluindo-se hemograma, bioquímica de sangue e exame sumário de urina, que não apresentaram
anormalidades. Feita medicação para aliviar os sintomas e recebeu alta após a remissão parcial do quadro
doloroso. Cerca de doze horas após a alta, retornou ao
hospital com recorrência dos sintomas iniciais.
Foi submetida à rotina radiológica para abdome
agudo, que revelou grande quantidade de fezes no
intestino grosso, distensão gasosa do estômago,
grande nível hidroaéreo na fossa ilíaca direita, discreta distensão do intestino delgado e presença de
gás no reto (figura).
O tratamento inclui suporte clínico, com descompressão gastrointestinal e reposição de fluídos e eletrólitos, além da correção da torção intestinal, que pode
ser realizada por colonoscopia, laparoscopia ou laparotomia.3 O volvo pode ser desfeito durante colonoscopia, mas a recorrência é comum e o procedimento
aumenta o risco de perfuração cecal.4,5 A maioria dos
pacientes necessita de cirurgia de urgência.3-5
Neste relato, descreve-se um caso de volvo cecal
em que o órgão aparece distendido e se localiza no
abdome superior, fenômeno que caracteriza a modalidade em báscula, associado com volvo gástrico.
RELATO DO CASO
Mulher de 25 anos foi atendida no pronto-socorro
do hospital e afirmou que havia oito horas teve início súbito de epigastralgia em cólica, persistente e
Figura. A – radiografia mostra distensão gástrica e
níveis hidroaéreos gástrico e cecal. B – endoscopia
digestiva alta evidencia o volvo gástrico. C – tomografia
de abdome revela a distensão cecal. D – aspecto do ceco
exteriorizado acentuadamente distendido.
Brasília Med 2012;49(3):206-209 • 207
ESTUDO DE CASO
Permaneceu internada sob tratamento e observação
clínica do quadro. No primeiro dia de internação,
teve eructações, sem vômitos, e parada da eliminação de flatos e fezes. O toque retal revelou ampola
vazia. Foi instalada sonda nasogástrica, com pouca
drenagem de secreção amarelada. Aventou-se a possibilidade de distensão gástrica por volvo gástrico
ou bezoar. A endoscopia digestiva alta evidenciou
cavidade gástrica tortuosa ao nível da transição
corpo-antro, com aspecto de torção gástrica, que
foi desfeita endoscopicamente (figura). Apresentou
leucocitose, sem desvio à esquerda (17.200/mm3 e
3% de bastões). Permaneceu assintomática por doze
horas; depois, novo hemograma mostrou aumento
da leucocitose e desvio à esquerda, com a bioquímica do sangue sem alterações.
No segundo dia de internação, queixou-se de epigastralgia, sem remissão com o uso de omeprazol em dose plena e com sonda nasogástrica aberta. A tomografia computadorizada de abdome total com contraste
revelou volvo de ceco distendido (figura), com diâmetro de 10 cm e risco iminente de ruptura, associado à
distensão do estômago e do intestino delgado.
Foi encaminhada ao centro cirúrgico em uso de metronidazol e gentamicina. À laparotomia, foi detectada torção de cólon ascendente próximo ao ceco, com
distensão cecal que ocupava todo o abdome superior
(báscula cecal ascendente) (figura). Foi desfeita a torção e ordenhado o conteúdo líquido e gasoso ao estômago, com aspiração pela sonda nasogástrica. Não foi
evidenciado sofrimento vascular no mesocólon ou no
meso do delgado. Realizada cecopexia, na goteira parietocólica direita, com o objetivo de prevenir novas
rotações do ceco e do cólon ascendente.
Foi encaminhada ao ambulatório do serviço de
cirurgia geral do hospital, sendo dispensada do
acompanhamento ambulatorial, seis meses após a
operação, sem haver recidiva do quadro.
DISCUSSÃO
Distensão de intestino grosso decorrente de volvo do
ceco é condição infrequente, sendo relatada em 1%
a 1,5% das obstruções intestinais em adultos.2,3,5 Há
208 • Brasília Med 2012;49(3):206-209
duas variedades de volvo cecal: por rotação axial em
torno do mesentério e por báscula (10% dos casos);3,4
com obstrução parcial ou completa do lúmen e presença ou não de comprometimento circulatório.2,5
Os dados clínicos dos dois tipos de volvo cecal são
semelhantes, bem como a conduta terapêutica.4
Volvos intestinais são mais frequentes na região do
sigmoide, seguidos pelos cecais.5,7 Diferente do volvo de sigmoide, o cecal é mais comum em jovens,3-5
como ocorreu no presente caso, associando-se com
a mobilidade das alças em virtude de defeito embrionário.4,5 As manifestações incluem dispepsia,
dor abdominal em cólica, vômitos e obstipação ou
distensão abdominal de grau variável.3-5 Massa timpânica pode ser palpável no abdome.3
O diagnóstico diferencial inclui outras causas orgânicas, além de pseudo-obstrução.7 Febre, irritação
peritoneal e hipotensão sugerem perfuração intestinal.3,5 A redução de oxigênio e o acúmulo de gás
carbônico nas alças distendidas favorece a proliferação de germes anaeróbios usuais dos cólons.4 Este
caso se enquadra nos parâmetros descritos, pois a
paciente é jovem, com volvo de ceco e evidência de
segmento colônico hipermóvel, com fixação cecal
insuficiente. O quadro clínico se iniciou com dor
abdominal e vômito, que são manifestações mais
comuns em pacientes com volvo cecal.
Foi instituído tratamento clínico enquanto não havia alteração laboratorial nem outros achados indicativos de medidas invasivas. Com a persistência
dos sintomas iniciais, a investigação diagnóstica
prosseguiu, com a rotina radiográfica de abdome
agudo, que não revelou ausência de ar no cólon distal, nem distensão cecal ou colônica.2 Os achados
foram sugestivos de obstrução intestinal alta, mais
especificamente de volvo gástrico. Foi realizada
endoscopia digestiva alta, que confirmou o volvo
gástrico, o qual pode ser corrigido durante o procedimento. A associação de volvo cecal com volvo
gástrico é condição muito rara.
Na revisão bibliográfica deste estudo, encontrou-se
um relato de volvo de ceco e de estômago concomitantes com volvo de sigmoide.8 O paciente, de
64 anos, tinha situs inversus, e o óbito ocorreu em
Wendel dos Santos Furtado e cols. • Volvo gástrico associado a volvo cecal
virtude dos múltiplos volvos. A necropsia revelou
torção gástrica de 180º, torção de ceco de 360º e torção de sigmoide de 180º.8 As rotações ocorrem mais
frequentemente da esquerda para a direita e são facilitadas pelo alongamento anormal do mesentério
cecal, que pode ser observado em 10% da população.4,7 Acima de 180º obstruem o lúmen e acima de
360° causam oclusão venosa, propiciando gangrena
e perfuração, que constituem as complicações graves mais frequentes.3-5,8 No presente estudo de caso,
a paciente sofreu parada de eliminação de flatos e
fezes, além de leucocitose progressiva, a despeito
da correção endoscópica do volvo gástrico. A tomografia contrastada de abdome revelou volvo de
ceco com acentuado volume, além de distensão
gástrica e de intestino delgado, que são achados
frequentes nos casos de volvo cecal.6 Já a distensão
do ceco com posicionamento no abdome superior
– ou báscula cecal –, ocorre em 10% dos pacientes.5
A paciente foi submetida à laparotomia, que evidenciou torção de cólon ascendente e mobilidade
aumentada do ceco, sem gangrena ou perfuração.
Foi desfeito o volvo e realizada cecopexia, que
apresenta menor morbimortalidade em comparação com a colectomia.3 Como desvantagem, tem
maior índice de recidivas; porém, em algumas séries, a taxa de recidivas é próxima de zero.5 O tratamento de eleição do cólon gangrenado (20% dos
casos) é a ressecção colônica, geralmente a hemicolectomia direita, como tratamento definitivo.5,7
A anastomose primária pode ser realizada em
doentes com estabilidade hemodinâmica e sem
sinais de sepse. Para os demais casos, uma opção
seria a ileostomia.5 Não há consenso com relação
aos casos de o cólon estar viável. No entanto, não
é recomendado apenas desfazer o volvo pelo fato
de que há possibilidade de a recorrência alcançar
até 75% desses casos.3,5 A cecopexia, que consiste
na fixação do ceco ao peritônio parietal, o que reduz a mobilidade cecal, tem taxa de recorrência
que varia de 2% a 40%.3,5 A cecostomia pode ser
realizada, mas associa-se com gangrena, necrose
cecal, extravasamento de fezes para o peritônio,
com mortalidade maior que a cecopexia, além de
acarretar até 33% de recorrências.3,5 Sendo menos
invasiva, pode ser realizada para a descompressão
cecal em pacientes que não suportariam a laparotomia.5 A hemicolectomia direita é a técnica mais
usada. Apesar de mais invasiva, a morbidade e a
mortalidade equivalem às da cecopexia, sem o risco de recorrências.5
O prognóstico é bom, com taxas de mortalidade
após cirurgia de urgência de 12%, elevando-se para
35% na presença de gangrena. A taxa de recorrência é variável.3,5
A evolução pós-operatória transcorreu sem complicações e não apareceram alterações nos seis meses após a alta, fato que confirma o bom êxito do
procedimento cirúrgico adotado.
Em conclusão, descreveu-se um raro caso de volvo
cecal associado com volvo gástrico, enfatizando-se
as dificuldades do diagnóstico. Os estudos de caso
podem aumentar o índice de suspeita e contribuir
para o tratamento precoce, que melhora o prognóstico, reduzindo-se a morbidade e a mortalidade
dos enfermos com volvo cecal.
REFERÊNCIAS
1. Rokitansky C. Intestinal strangulation. Arch Gen Med.
1837;14:202-10.
2. Batista TP, Rolim JC, Gomes AAR, Carvalho WLN, Santos RJ.
Volvo de ceco complicado por icterícia séptica. Rev Col Bras Cir.
2010;37(6):460-2.
3. Consorti ET, Liu TH. Diagnosis and treatment of caecal volvulus.
Postgrad Med J. 2005;81(962):772-6.
4. Raza M, Nasser MF, Ghamdi SA. Volvulus of caecum and ascending
colon. Pak J Surg. 2011;27(4):324-7.
5. Ruiz-Tovar J, Calero García P, Moralez Castiñeiras V, Martinez
Molina E. Caecal volvulus: presentation of 18 cases and review of
literature. Cir Esp. 2009;85(2):110-3.
6. Rosenblat JM, Rosenblit AM, Wolf EL, DuBrow RA, Den EI,
Kevsky JM. Findings of caecal volvulus at CT. Radiology.
2010;256(1):169-75.
7. Jones DJ. ABC of colorectal diseases. Large bowel volvulus. BMJ.
1992;35(6849):358-60.
8. Elsharif M, Basu I, Phillips D. A case of triple volvulus. Ann R Coll
Surg Engl. 2012;94:e62-4.
Brasília Med 2012;49(3):206-209 • 209
Download