Magali Gavazzoni

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Magali Gavazzoni
FUNDAÇÃO E PRIMEIROS ANOS DA PRÁTICA EDUCATIVA DO ASILO
CORAÇÃO DE MARIA NOSSA MÃE DE
PIRACICABA/SP – 1896 - 1912
UNISAL
Americana
2009
Magali Gavazzoni
FUNDAÇÃO E PRIMEIROS ANOS DA PRÁTICA EDUCATIVA DO ASILO
CORAÇÃO DE MARIA NOSSA MÃE DE
PIRACICABA/SP – 1896 - 1912
Dissertação apresentada como exigência
parcial para obtenção do Grau de Mestre
em Educação Sócio-comunitária à
Comissão
Julgadora
do
Centro
Universitário Salesiano de São Paulo,
sob a orientação do Professor Dr. Paulo
de Tarso Gomes.
UNISAL
Americana/SP
2009
Ficha Catalográfica:
L851d
Gavazzoni, Magali
Fundação e primeiros anos da prática educativa do
Asilo Coração de Maria Nossa Mãe de Piracicaba/SP –
1896 - 1912 / Magali Gavazzoni. – Americana: Centro
Universitário Salesiano de São Paulo, 2009.
219 f.
Dissertação (Mestrado em Educação). UNISAL – SP.
Orientadora: Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes.
Inclui bibliografia
1. História da Educação. 2. Franciscanismo. 3.
Asilo Coração de Maria Nossa Mãe. 4. Práticas
educativas – Brasil. I. Título.
CDD – 371.2
Catalogação elaborada por Terezinha Aparecida Galassi Antonio
Bibliotecária do Centro UNISAL – UE – Americana – CRB-8/2606
Dedicatória
A inspiradora de toda essa pesquisa – Irmã Cecília
do Coração de Maria e todas as suas co-Irmãs que
continuam levando a diante o jeito franciscano de
ser e a presença do Coração de Maria no cuidado
da vida.
Agradecimentos
A Deus por conduzir a minha vida, me conceder os dons necessários para servir e amar
o meu próximo;
À minha família que, apesar da distância, é o alento, a proteção e o chão que firma o
meu projeto de vida;
Às minhas Irmãs de Congregação Religiosa, que diariamente não me deixam esquecer
do único fundamental na minha vida;
À minha Superiora Provincial – Irmã Terezinha Catarina Andreola – amiga, mãe e
mestra, que aceitou e possibilitou a realização desta pesquisa;
À minha fraternidade, especialmente na pessoa da guardiã – Irmã Neuza Hirata, que me
incentivou, compreendeu e apoiou em todos os momentos;
À Irmã Norma Barnabé, pelo apoio, incentivo e por partilhar comigo a história da
Congregação.
Às professoras, alunos e colaboradores do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe,
que são a continuidade da inspiração de Irmã Cecília e comungam comigo do grande
sonho de levar adiante esse projeto educativo;
Aos professores e colegas de mestrado, pela partilha dos dons: conhecimento,
informações, vivências, leituras, presença;
Ao meu orientador: Prof. Dr. Paulo de Tarso Gomes, por colaborar na descoberta das
palavras e expressões mais adequadas, pelo seu profissionalismo e seu jeito lúdico e
simples de ensinar.
A todos a minha reverência e gratidão.
Resumo
A pesquisa Fundação e primeiros anos da prática educativa do Asilo Coração de
Maria Nossa Mãe de Piracicaba/SP – 1896 – 1912 faz uma análise do contexto
histórico em que está inserido o Asilo Coração de Maria e dos seus idealizadores,
principalmente Irmã Cecília do Coração de Maria e Frei Luiz Maria de São Tiago.
Apresenta também, a proposta franciscana de educação por meio das suas diversas
dimensões que influenciaram a maneira de se viver e educar no Asilo. A última parte da
pesquisa foi dedicada à análise de fontes primárias que possibilitaram uma compreensão
da organização, estrutura e manutenção da Instituição, bem como conhecer a demanda
atendida e a formação que as alunas recebiam. A principal questão que norteia a
pesquisa se formula por: Como se estabeleceu o projeto educativo do Asilo Coração de
Maria Nossa Mãe e qual sua importância na vida dos seus atendidos, para as Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria e para a sociedade piracicabana no período
pesquisado? Buscando responder essa indagação, o trabalho foi construído a partir da
pesquisa de cunho histórico, tendo como centralidade a proposta educativa do Asilo, seu
atendimento, sua organização, sua estrutura, enfim, o processo histórico que resultou na
permanência da Entidade até aos dias atuais. A metodologia utilizada na dissertação
pautou-se no levantamento de informações a partir dos documentos no arquivo histórico
da Congregação e de diversas leituras bibliográficas, principalmente das que foram
elaboradas para o processo de canonização de Irmã Cecília. Em relação às leituras,
destaco: CAMARGO (1992); LIMA (1992); MARCON (1992); MERINO (1999);
NETTO (2000); PEDROSO (1996 e 2003), entre outros. Redescobrir a história do Asilo
Coração de Maria Nossa Mãe revelou uma proposta franciscana de se educar, pautada
pelo jeito materno de cuidar da vida e que se estendeu por 110 anos de história.
Palavras - chave: História da Educação, Franciscanismo, Asilo Coração de Maria
Nossa Mãe, Práticas educativas.
Abstract
The research Foundation early years and educational process of the nursery Asilo
Coração de Maria Nossa Mãe in Piracicaba/SP 1896 – 1912 is analyzing the historical
background of the nursery Coração de Maria and their creators, especially sister Cecilia
do Coração de Maria and father Luiz Maria de São Tiago. It also presents the
Franciscan proposal of education in its different dimensions which influence the way of
living and educating in the nursery. The last part of the research is dedicated to
analyzing the primary sources which enable the understanding of the organization, the
structure and the maintenance of the institution as well as the awareness of the request
being met as the instructions that the pupils received. The main question of the research
is the following: in which way was the educational project of the nursery of Coração de
Maria Nossa Mãe established and what is the importance in the life of the pupils, the
Franciscan Sisters do Coração de Maria and for the society of Piracicaba during the time
of the research? Trying to answer this question, the work was constructed from the
historic research, with the educational proposal of the nursery in its center, as also its
attendance, organization, structure, and the historic process which led to consistency of
the entity our days. The methodology used in the dissertation was based on information
from historic documents files of the congregation and different biographic readings,
especially those which had been elaborated during the process of canonization of Sister
Cecilia. As for the bibliography I emboss: CAMARGO (1992); LIMA(1992);
MARCON(1992); MERINO(1999); NETTO(2000); PEDROSO(1996 and 2003); and
others. To rediscover the history of the nursery of Coração de Maria Nossa Mãe
revealed a Franciscan way of educating, headlined by the maternal caretaking of 110
years of history.
Key-words: History of the Education, Franciscan, Asilo Coração de Maria Nossa Mãe,
Educational practices.
Sumário
Introdução................................................................................................................
01
Capítulo I - Asilo Coração de Maria Nossa Mãe: seus idealizadores e o contexto
de fundação .............................................................................................................
05
1. Cenário piracicabano............................................................................................
06
2. A Igreja no contexto da fundação do Asilo Coração de Maria...........................
09
3. Porque a implantação do Asilo Coração de Maria dentro do referido contexto
social e religioso?.....................................................................................................
13
4. Biografia de Antonia Martins de Macedo...........................................................
14
4.1 Primeiros anos e formação.............................................................................
15
4.2 Vocação religiosa e casamento......................................................................
16
4.3 Ingresso na Ordem Terceira Secular e a fundação do Asilo Coração de
Maria........................................................................................................................
18
4.4 A difícil escolha entre ser mãe e fundadora da Congregação: os anos no
Chalé.........................................................................................................................
26
4.5 O retorno ao Asilo do Coração de Maria e os últimos anos...........................
28
5. Biografia de Frei Luiz Maria de São Tiago..........................................................
30
5.1 Nascimento e formação..................................................................................
30
5.2 Vinda ao Brasil...............................................................................................
31
5.3 Atuação de Frei Luiz em Piracicaba e Taubaté: a Ordem Terceira
Secular......................................................................................................................
33
5.4 Idealizador e co-Fundador do Asilo Coração de Maria..................................
38
5.5 Outras contribuições significativas de Frei Luiz ao franciscanismo no
Brasil.........................................................................................................................
40
5.6 Retorno à Itália e últimos anos.......................................................................
41
6. Outros atores que contribuíram na formação e Expansão do Asilo Coração de
Maria.........................................................................................................................
43
6.1 Os Frades Capuchinhos..................................................................................
43
6.2 A Ordem Terceira Secular..............................................................................
45
6.3 Voluntárias e a população de Piracicaba........................................................
48
Capítulo II – A proposta franciscana de educação no contexto de fundação do
Asilo Coração de Maria Nossa Mãe.........................................................................
51
1. Os Capuchinhos no Brasil: especificidades de sua atuação no século XIX.........
51
2. Proposta Franciscana de Educação......................................................................
58
2.1 Dimensão de comunhão entre o ser humano e as criaturas............................
59
2.2 Dimensão da paz, diálogo e acolhimento.......................................................
60
2.3 Dimensão de liberdade...................................................................................
63
2.4 Dimensão do serviço humilde e gratuito........................................................
65
2.5 - Dimensão da ludicidade...............................................................................
66
3. O perfil do educador franciscano.........................................................................
69
Capítulo III - Educação Franciscana no Coração de Maria Nossa Mãe – 1898 a
1912..............................................................................................................
73
1. Análise do Estatuto do Asilo Coração de Maria de 1897.....................................
74
2. Análise do livro de matrículas..............................................................................
90
3. Análise do Livro Caixa do Asilo Coração de Maria............................................
100
4. Educação Franciscana do Coração de Maria expressa nas Constituições e
Diretórios das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.........................................
105
5. A visão educacional das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria registradas
nas Fontes Históricas da Congregação.....................................................................
115
6. Testemunhos de alunas internas e religiosas do Asilo Coração de Maria............
122
6.1 Testemunho coletado por Irmã Maria Lavínia do Coração de Jesus..............
123
6.2 Testemunho de Irmã Ana Maria de São Leonardo.........................................
124
6.3 Testemunho da Irmã Maria Júlia da Eucaristia..............................................
125
6.4 Testemunho da Irmã Maria Apparecida Rocha..............................................
128
6.5 Testemunho Maria Aparecida Pereira Cotrim................................................
130
6.6 Testemunho de Bárbara Vicentin Cordeiro....................................................
130
6.7 Testemunho Magdalena de Faria Gonçalves..................................................
131
6.8 Testemunho de Rosa Leite.............................................................................
132
6.8 Testemunho de Zuleika Furlani......................................................................
134
6.9 Testemunho de Therezinha Cangiani Borges.................................................
134
6.10 Testemunho de Maria Cristina Toledo Hatz................................................
135
Considerações finais.................................................................................................
137
Referência Bibliográfica..........................................................................................
141
Anexos......................................................................................................................
146
1. Fotografias referentes o período e o contexto pesquisado....................................
146
2. Fotografias do atual Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe...........................
158
3. Certidão de batismo de Antonia Martins de Macedo..........................................
166
4. Certidão de Casamento de Antonia Martins de Macedo.....................................
168
5. Certidão de óbito de Antonia Martins de Macedo...............................................
170
6. Escritura de doação do terreno do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe..............
172
7. Escritura de compra de outros terrenos do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe.
176
8. Primeiro Estatuto do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe...................................
181
9. Lista de doações para o Asilo Coração de Maria Nossa Mãe..............................
193
10. Amostras do Livro Caixa do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – 1898........
201
11. Amostras do Primeiro Livro de Matrículas do Asilo Coração de Maria Nossa
Mãe – 1898...............................................................................................................
204
12. Cartas de pedido de auxílio de Irmã Cecília à Câmara de Vereadores de
Piracicaba – 1900, 1902 e 1905................................................................................
213
1
Introdução
“A história é a mestra da vida”.
(Cícero)
Voltar às fontes, às origens, ao passado é uma das maneiras de buscar as
razões pelas quais se vive o presente, é descobrir os caminhos trilhados que se
estenderam até o hoje da história. É muito mais que uma simples lembrança ou um
saudosismo que cristaliza as ações. É investigar e descobrir as raízes de uma Instituição,
que se tornou uma Congregação religiosa. É encontrar a verdadeira identidade, o germe
que possibilitou a construção de uma obra a se estender por vários espaços do Brasil e
da África e que se desenvolveu e continua atuando no campo da educação, da saúde, da
assistência social e da evangelização.
Criar um projeto de pesquisa que buscasse perceber a origem do Asilo
Coração de Maria Nossa Mãe e analisar os primeiros anos de fundação e a prática
educativa tornou-se algo extremamente inquietante e prazeroso. Frente aos desafios em
levantar dados, diante da escassez dos registros na área educacional, pois basicamente
todas as fontes são primárias, cada vez mais me animava a prosseguir o trabalho que se
tornou uma alegria em trazer à luz uma Instituição piracicabana de 110 anos de
existência, que é o berço acolhedor da minha opção religiosa e de inúmeras co-irmãs,
portanto o trabalho foi extremamente significativo.
Outros fatos influenciaram a minha pesquisa. O primeiro foi de assumir em
2006 a direção pedagógica do atual Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe,
denominado anteriormente de Asilo Coração de Maria e verificar a amplitude do
atendimento, os vários projetos que são executados na obra e, ao mesmo tempo,
perceber que não houve uma sistematização da origem deste trabalho. No aspecto
religioso há diversas informações, dados e registros, porém na área educativa a falta de
2
fontes é grande, pois em 1898, ano da fundação do Asilo, não existia uma legislação
que exigisse tal estrutura. Outro aspecto que impulsionou a minha pesquisa foi a
convivência com os alunos do Lar Escola e descobrir a alegria e o interesse das crianças
na participação dos diversos projetos oferecidos pela Instituição. Os pequenos querem
vir para creche até nos finais de semana e os maiores ficam tristes por deixarem a
Instituição aos 11 anos. Então passei a me perguntar: qual é o verdadeiro sentido do Lar
Escola na vida destas crianças? O que os motiva estar participando deste projeto?
Almejando encontrar respostas para minhas inquietações, me reportei aos
primeiros anos de fundação do Asilo e levantei novos questionamentos: Por que
trabalhar com educação e cuidar de uma demanda social menos favorecida? Quais as
influências que o Asilo Coração de Maria recebeu nos primeiros anos de fundação?
Quem auxiliou no início dos trabalhos da Instituição? Como foram os primeiros passos
da obra e qual a linha de trabalho que foi sendo tecida? Como entender uma Instituição,
formada apenas por mulheres, que há 110 anos sustentam uma obra educacional com
recursos de doações, promoções e trabalhos?
As perguntas são inúmeras, mas no decorrer da pesquisa pretendo tecer
algumas considerações e encontrar algumas respostas, principalmente em relação às
influências que o Asilo recebeu nos primeiros anos, a caracterização dos atendidos e a
linha de trabalho adotada pelos fundadores da Instituição. O trabalho abrangerá um
período histórico determinado: 1896 a 1912. Fiz essa opção porque em 1896 aconteceu
a Inspiração1 de Irmã Cecília, que posteriormente resultou no Asilo Coração de Maria e
termino em 1912 porque é o ano em que a fundadora deixa de ser a responsável direta
pela Instituição. Posteriormente explicarei melhor a influência desses fatos na história
do Asilo, da Instituição Religiosa e para a sociedade piracicabana.
1
É denominada Inspiração a idéia que Irmã Cecília teve de morar juntas, com outras Irmãs, numa casa e
levar uma vida de oração, trabalho e evangelização.
3
A primeira parte da pesquisa objetiva apresentar o contexto de Piracicaba no
período pesquisado e a posição da Igreja na fundação do Asilo, suas influências e
organização. Abordará também, os idealizadores do Asilo Coração de Maria - Irmã
Cecília e Frei Luiz Maria de São Tiago, bem como aos demais atores que contribuíram
para a expansão da Instituição – os Freis Capuchinhos, a Ordem Terceira Secular, as
voluntárias e a população piracicabana.
O segundo capítulo será dedicado a proposta franciscana de educação no
contexto de fundação do Asilo Coração de Maria, principalmente pela presença dos
Frades Capuchinhos e da influência exercida na atuação das primeiras Irmãs.
A terceira e última parte da pesquisa será dedicada aos aspectos
educacionais dos primeiros anos de fundação do Asilo Coração de Maria. Os dados
foram obtidos por meio da análise documental do livro de matrículas, do primeiro livro
de registro, dos aspectos educacionais presentes nas fontes históricas e nos diretórios e
constituições da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Analisarei,
também, alguns testemunhos de religiosas e alunas internas que viveram ou tiveram
contato com a fundadora do Asilo – Irmã Cecília.
Encerrarei o trabalho destacando as características mais relevantes da
Educação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria praticadas no período
pesquisado e que muitas perduraram no decorrer do tempo.
A pesquisa é de cunho histórico e sua centralidade está em perceber a
proposta educativa do Asilo, seu atendimento, sua organização, sua estrutura, enfim
entender um pouco do processo histórico que resultou na permanência da Entidade até
os dias atuais.
A metodologia utilizada na dissertação pautou-se no levantamento de
informações a partir dos documentos no arquivo histórico da Congregação e de diversas
4
leituras bibliográficas, principalmente as que foram elaboradas para o processo de
canonização de Irmã Cecília. Em relação às leituras, destaco: CAMARGO (1992);
LIMA (1992); MARCON (1992); MERINO (1999); NETTO (2000); PEDROSO (1996
e 2003), entre outros.
As revistas comemorativas da Congregação das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria também foram fontes de pesquisa que auxiliaram na percepção do
trabalho e da organização dos primeiros anos de fundação do Asilo.
Enfim, toda essa busca resultou no presente trabalho, que rememora a vida
dos primeiros anos de uma instituição centenária tecida de esperança, em meio a
desafios, a conflitos, a descobertas, a vivência partilhada, incansável luta. É uma
história que ensina, que faz pensar, que orienta e que faz vislumbrar o caminho
percorrido, com respostas criativas, na fidelidade ao Evangelho.
Afirma Cícero: “a história é a mestra da vida”, que desperta a cada dia um
novo olhar, novas indagações. É o encantador processo de contemplar o passado como
um bom educador para tecer o presente com coragem e planejar o futuro com força
decisiva, sensibilidade, liberdade e co-responsabilidade; sempre como pertença de um
mundo necessitado de ajuda, na decisão firme de torná-lo melhor.
A história que lhes apresento confirma o quanto é importante a vocação da
mulher educadora – vivida na perspectiva de uma nobre missão.
5
Capítulo I
Asilo Coração de Maria Nossa Mãe:
seus idealizadores e o contexto de fundação
“Seus nomes duram através das gerações”.
(Eclesiástico 44, 14)
Esse primeiro capítulo da pesquisa esboça alguns aspectos históricos, tendo
como enfoque geral os fatores que compõem o cenário em que surge o principal núcleo
da minha pesquisa - o Asilo Coração de Maria. Procurarei estabelecer interfaces com os
campos da economia, da política, da educação e com os problemas sociais existentes no
período, a fim de perceber o entorno do objeto e as influências recebidas, almejando
compreender a expansão, as interconexões, a abrangência e o vigor da obra pesquisada.
Apresentarei um breve relato histórico e biográfico da vida de Antonia
Martins de Macedo e Frei Luiz Maria de São Tiago - fundadores da referida Instituição
– posteriormente dos demais colaboradores a quem se deve a expansão e a continuidade
do Asilo.
Para se chegar a esse resultado terei como referência AQUINO, 1985;
CAMARGO, 1900; CAMARGO, 1979; MARCON, 1992; NETTO, 2000; PEDROSO,
1996, que apresentam o contexto da sociedade piracicabana no final do século XIX e
início do século XX.
6
1. Cenário piracicabano
No final do século XIX e início do século XX, Piracicaba ocupou um lugar
de destaque no cenário nacional, principalmente por suas iniciativas e seu
desenvolvimento.
Conforme apresenta NETTO, a população neste período era de 25.374
habitantes, sendo 13.114 mulheres e 12.260 homens. Desta população, 14 mil residiam
na região urbana. A cidade tinha aproximadamente 2.252 prédios, quatro igrejas –
Matriz de Santo Antonio, Coração de Jesus, São Benedito e Assunção. O Almanak de
Piracicaba de 1900 (CAMARGO, 1900, p. 141 a 155) traz o nome de vinte escolas, que
atendem aproximadamente 1.381 alunos matriculados, porém o total é de 2.016 crianças
no município.
Em 1909, Piracicaba era considerada a quinta cidade em população do
estado de São Paulo e a segunda em educação, que lhe conferiu o título de Ateneu
Paulista (NETTO, 2000, p. 35). A educação estava em pleno advento e era apoiada por
pessoas influentes da sociedade piracicabana.
Esse acentuado desenvolvimento educacional está intimamente relacionado
ao movimento do cenário nacional denominado Entusiasmo pela Educação e
posteriormente o Otimismo Pedagógico, que objetivavam melhorias no ensino público
no país, conforme explicita GHIRALDELLI em sua obra (1994, p. 15).
As principais escolas piracicabanas foram: Escolas confessionais: Colégio
Piracicabano – 1881; Colégio Nossa Senhora de Assunção – 1883; Asilo Coração de
Maria - 1898 e a Escola Sagrado Coração de Jesus – 1890 (Anexo 1), das quais falarei
posteriormente. Escolas públicas: 1º e 2º graus – 1º Grupo Escolar, hoje Barão do Rio
Branco; Escola Complementar – hoje Sud Menuci, ambas de 1897 (Anexo 1); Escola
Prática de Agricultura Luiz de Queiroz – 1901. (CAMARGO, 1900, p. 149 a 155)
7
Destaco a Escola Sagrado Coração de Jesus, dirigida pelos Frades
Capuchinhos, que atendiam os filhos dos italianos e filhos de escravos libertos, bem
como, o Asilo Coração de Maria que era destinado as órfãs abandonadas e para os filhos
das famílias mais necessitadas, principalmente da zona rural, por se tratar de um
internato.
Outra notável experiência foi a criação da Sociedade “Egualitária Instructiva,
formada por negros para atender a pessoas da raça negra”. Foi fundada em 13 de maio
de 1898. (NETTO, 2000, p. 65)
A fundação da referida instituição é uma resposta que o próprio grupo de
escravos libertos procura dar ao problema emergente do preconceito e da desintegração
social que assolavam não só Piracicaba, mas também o pais.
Piracicaba destaca-se, também, por outras melhorias que garantem uma vida
mais saudável e confortável para a população: Chegada da Ferrovia Cia. Ituana em
1877, que possibilitou maior escoamento dos produtos e facilidade, rapidez e segurança
no transporte de passageiros. Atendimento à saúde realizado pela Santa Casa de
Misericórdia, que iniciou os seus trabalhos em 1883. Em 1887 começa a instalação do
Serviço de água do município, que era retirada do Rio Piracicaba, porém ainda não era
filtrada. O Mercado Municipal foi inaugurado em 1888 (Anexo 1), disponibilizando à
população uma grande variedade de produtos. A rede de telefonia começou a ser
implantada em 1889. Início da circulação do Jornal de Piracicaba em 1900. Instalação
de um banco em 1891, sendo a 8ª cidade a conquistar esse privilégio no estado. A rede
elétrica de iluminação que foi implantada em 1893, mas não atendia toda a população e
deixava muito a desejar. A rede de Esgoto teve seu início em 1898 no município. A
população reivindicava melhorias urgentes no tratamento da água e na qualidade da
iluminação pública. (NETTO, 2000, p. 34 e 41)
8
A cidade de Piracicaba torna-se pioneira na instalação da iluminação
elétrica, serviço de água e esgoto e em telefonia – resultados do trabalho árduo do
visionário Luiz Vicente de Souza Queiroz. (NETTO, 2000, p. 50)
Outro aspecto que merece destaque são as indústrias, que colocaram a cidade
num patamar de destaque no estado e nação. O Engenho Central criado em 1881
(Anexo 1); a Fábrica de tecidos Santa Francisca de 1896; as indústrias: Engelberg,
Krahenbul, Blumer, que criam e produzem máquinas.
Não poderia deixar de mencionar a produção agrícola das grandes fazendas
de algodão, frutas cítricas, café e de cana-de-açúcar, que alimentavam as indústrias e
proporcionavam mão-de-obra para inúmeros imigrantes e brasileiros, principalmente
escravos libertos.
Segundo TORRES,
A cidade ia-se tornando mais culta, adquirindo novos hábitos,
com um esboço de Biblioteca sob a forma de Club de Leitura,
com novo Teatro Santo Estevão, com seu Clube Piracicabano,
onde se reunia a Sociedade Piracicabana, e ainda com suas
bandas de música, uma tradição na cidade e o seu acentuado
gosto pela música em geral, pois havia bons professores de
piano que davam aulas particulares, não apenas no perímetro
urbano, mas também na zona rural, nas casas dos alunos, e nas
fazendas. (2003 p.162)
Piracicaba era uma cidade promissora, porém repleta de conflitos. Muitos
criticavam exacerbadamente a ascendência que o clero exercia sobre o povo, afirmando
que o sentimento religioso era tal que chegava ao fanatismo e à intolerância. Conflitos
entre negros e brancos, brasileiros e estrangeiros, republicanos e monarquistas, católicos
e protestantes.
O problema era nacional: em vez de dar emprego e terras ao
negro liberto, o Brasil fora em busca de imigrante europeu. Em
Piracicaba eles eram numerosos, especialmente os italianos. Os
negros continuavam em subempregos ou vivendo uma nova
9
forma de escravidão. Eles eram muitos, pois Piracicaba,
durante a escravidão, tivera uma mancha feia a marcar-lhe a
história: fora a terceira cidade de São Paulo em número de
escravos, cerca de cinco mil. (NETTO, 2000, p. 52)
Uma das soluções para os conflitos entre negros e brancos, brasileiros e
estrangeiros, foi a criação de diversas Sociedades beneficentes: Italiana – 1887;
Espanhola – 1898, Igualitária – 1893, Sociedade Síria – 1902. (NETTO, 2000, p. 35)
Os principais problemas sociais do período analisado, segundo GRACIANI,
eram realizados pela sociedade civil, que aos poucos foi forçando o governo a implantar
a política de assistência social que assegurasse a garantia de direitos, principalmente à
criança e ao adolescente.
Voltando ao período colonial até os dias de hoje, verifica-se na
dinâmica da elaboração das chamadas políticas públicas –
programas de atenção à infância e adolescência – que elas
tiveram sua gênese por iniciativa e empenho da sociedade civil,
como compromisso das iniciativas privadas preocupadas com a
criança. Pelo seu caráter de resistência, essas iniciativas foram
ao longo do tempo correlacionando forças com os governos e
sendo adotadas como políticas governamentais. (GRACIANI,
1997, p. 255)
Neste período do final do século XIX e início do XX existia uma luta
política dos republicanos, anticlericalistas e maçons, contra a Igreja Católica e os
monarquistas. Em Piracicaba foi muito acentuado o conflito, algumas vezes declarado
outras velado, como veremos posteriormente.
2. A Igreja no contexto da fundação do Asilo Coração de Maria
No Brasil colonial e imperial, não era cidadão quem não fosse católico.
Todos pagavam dízimo ao Rei de Portugal e depois ao Imperador e eram essas
autoridades que mantinham bispos, padres, religiosos e hospitais. Era o regime chamado
10
de “Régio Padroado”, acertado entre os reis de Portugal e os Papas. Por isso, a Igreja era
totalmente dependente dos soberanos. Eram eles que nomeavam os bispos e davam
autorização para as ordenações dos clérigos.
Desde o início da colônia, os missionários católicos eram destinados
principalmente aos índios. Algumas ordens, como os beneditinos, mantinham-se nas
cidades ou em suas fazendas, mas não assistiam ao povo. O clero diocesano era muito
mal preparado e a maioria mantinha esposas e filhos. Em geral eram muito pobres,
mestiços e dependentes das famílias poderosas. Nunca pregavam, nem nas missas de
domingo. Na verdade, até o século XIX, houve uma intensa vida católica – com todas as
suas limitações – porque as próprias famílias educavam seus filhos e escravos na fé,
tendo no máximo o auxílio de ermitães leigos. (ZAGONEL, 2001, p. 301 e 302)
Essa educação dava fundamentos a uma forma de catolicismo popular,
muitas vezes em conflito com a hierarquia da Igreja. Um exemplo disso é Dom Frei
Vital Maria Gonçalves de Oliveira, o primeiro capuchinho brasileiro, pertencente à
província da Sabóia, que é tido como um mártir porque chegou a ser encarcerado pelo
governo e se diz que morreu envenenado. (ZAGONEL, 2001, p. 305)
A presença franciscana em terras brasileiras é desde 1500, quando foi
celebrada a primeira Missa por um franciscano. Depois, foram sendo trazidos
primeiro os Jesuítas, que fizeram um trabalho de missão e catequese, posteriormente
vieram outros Franciscanos, Beneditinos, Carmelitas, Oratorianos e os Lazaristas.
Religiosas vieram muito poucas até o século XIX: Clarissas, Carmelitas,
Concepcionistas, Dorotéias. Mais tarde, as irmãs de Caridade de São Vicente de
Paulo. A atuação dessas ordens e da Igreja no Brasil Colônia era mantida pelo
Concílio de Trento.
11
Houve sérios problemas com alguns grupos de religiosos, porque o
governo dizia que eles eram inúteis e também porque cobiçavam os bens dos
beneditinos e dos carmelitas, que tinham grandes fazendas. Pouco a pouco, no século
XIX, os religiosos foram sendo proibidos de receber noviços.
O resultado desse movimento foi uma Igreja cada vez mais abrasileirada e
distante das normas de Roma. Nesse processo incluem-se até mesmo as cartas do
Papa, que só eram publicadas se o Rei permitisse.
A população com a instrução católica, que era pouca, sob a influência das
religiões dos escravos, produziram um sincretismo religioso; a superstição e a
resignação passiva, fenômenos característicos da religiosidade popular brasileira,
constituindo grandes desconfianças para a pastoral no período. (BRUNEAU, 1979, p.
39 e 40)
Outro conflito interno da Igreja do Brasil ocorreu a partir do século XIX,
quando os bispos e alguns religiosos, especialmente os vindos de fora, fizeram um
amplo movimento de obediência e maior adaptação à Igreja Romana – na prática, isso
consistiu, muitas vezes, em serem mais europeus e se afastarem do povo mais
humilde, de quem só os capuchinhos e os oratorianos cuidavam.
Os Franciscanos Capuchinhos constituíram um caso bem específico: fora
uma primeira incursão que acompanhou invasores franceses no Norte, os frades vinham
ao país como enviados da “Propaganda Fidei”. Não podiam acolher noviços, recebiam
uma pequena ajuda, e seus trabalhos eram dispostos pelo Ministério da Consciência e
Ordens. Foram fundadores de cidades e paróquias e seu número não chegou a diminuir
significativamente.
No século XIX os Capuchinhos de Trento, enviados a pedido do
Imperador Dom Pedro II por Frei Bernardo de Andermatt, foram os primeiros que
12
tiveram permissão para abrir seminário e noviciado. Não dependiam mais da
Propaganda Fidei e, como a República foi proclamada e a Igreja separada do Estado,
apenas alguns dias depois de sua chegada, também tiveram mais liberdade. Umas das
coisas que mais chamou a atenção em Piracicaba, o primeiro lugar em que se
estabeleceram, foi a pregação nas missas de domingo, a catequese, a pregação de
missões populares, a renovação das Ordens Terceiras e o fato de terem imediatamente
começado a receber candidatos brasileiros, filhos de escravos, coisa que outros
religiosos só começaram a fazer mais de quarenta anos depois.
Nesse momento de separação entre Igreja e Estado, vieram muitos
religiosos europeus e começaram a ser fundadas Congregações femininas brasileiras.
Dentro do meu objeto de estudo destaco a fundação da Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria, fundada por Irmã Cecília, em 1900.
Em termos de hierarquia da Igreja, o contexto piracicabano sofreu várias
alterações. Conforme consta no Anuário Católico de 2000, inicialmente o município
de Piracicaba pertencia a Diocese de São Paulo, situada ao leste do Estado de São
Paulo e foi criada aos 6 de dezembro de 1745, pela Bula “ Candor Lucis aeterne” do
Papa Bento XIV, desmembrada da então Diocese de São Sebastião do Rio de Janeiro.
Posteriormente passa a pertencer a Diocese de Campinas, situada na região
centro-leste do Estado de São Paulo, foi criada aos 7 de junho de 1908 pela Bula
“Dioecesium nimiam amplitudine” do Papa Pio X, desmembrada da então Diocese de
São Paulo. Destaco o primeiro bispo Dom João Batista Correia Nery (1908-1920),
por fazer parte do período pesquisado e exercer papel significativo no afastamento de
Irmã Cecília da sua própria Congregação, como veremos posteriormente.
Atualmente o Asilo pertence a Diocese de Piracicaba, situada na região
centro-interior do Estado de São Paulo, criada aos 26 de fevereiro de 1944, pela Bula
13
“Vigil Campinensis Ecclesie”, do Papa Pio XII, desmembrada da então Diocese de
Campinas. (Anuário Católico, 2000, p. 189, 601)
3. Porque a implantação do Asilo Coração de Maria dentro do referido contexto
social e religioso?
Após a apresentação sucinta do contexto histórico da sociedade piracicabana
e da Igreja Católica do final do século XIX e início do século XX, é possível levantar
algumas hipóteses que explicam o surgimento do Asilo Coração de Maria.
Primeiramente o Asilo surgiu para atender as meninas pobres e necessitadas
de Piracicaba, pois não havia nenhuma instituição educacional católica para essa
demanda.
Surgiu, também, para difundir a fé católica, os valores evangélicos e trazer
mais fiéis à Igreja. Esse era um dos objetivos da evangelização dos capuchinhos e esse
legado foi transmitido para as primeiras religiosas Franciscanas do Coração de Maria.
A vivência do jeito franciscano de ser foi outro aspecto que impulsionou a
fundação do Asilo e sua continuidade, pois essa proposta traz, em sua essência, o
comprometimento com os excluídos da sociedade e uma das poucas oportunidades para
estar sempre na observância do carisma.
Oferecer educação para filhos de ex-escravos era outra novidade para o
período e as Irmãs e os Capuchinhos não mediram esforços para concretizar essa
iniciativa. O Asilo surgiu numa época em que pouca gente tinha oportunidade de
estudar, muito menos os filhos de escravos, pobres e os filhos de pequenos agricultores.
Esses são alguns critérios que viabilizaram o surgimento do Asilo Coração
de Maria e, com o surgimento da Congregação religiosa, a partir da Instituição, o
trabalho do Asilo se multiplicou em outras filiais.
14
Tendo apresentado o contexto histórico da sociedade piracicabana no limiar
do século XX, destacando os aspectos sociais, políticos, econômicos e culturais,
passarei às apresentações dos idealizadores e cooperadores do Asilo Coração de Maria
Nossa Mãe.
Primeiramente apresentarei um breve relato histórico e biográfico da vida de
Antonia Martins de Macedo e Frei Luiz Maria de São Tiago - fundadores da referida
Instituição – posteriormente dos demais colaboradores a quem se deve a expansão e a
continuidade do Asilo.
4. Biografia de Antonia Martins de Macedo
Essa breve biografia de Antonia Martins de Macedo – Madre Cecília – se
fundamenta nos seguintes documentos: Um coração de Maria, obra de PEDROSO
(1996); Um pouco de nossa história, obra de CAMARGO (1979); Fontes históricas da
Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, obra de AQUINO (1985),
dos quais sintetizamos as informações que julgamos relevantes para contextualizar em
sua vida, a fundação do Asilo Coração de Maria.
O relato histórico sobre a vida de Antonia Martins de Macedo, com sucinta
biografia, apresenta as principais características da fundadora do Asilo Coração de
Maria que, como veremos, foi filha – ficando solteira até 35 anos, esposa – por
determinação do pai - mãe, viúva, educadora, religiosa e, ao mesmo tempo, uma pessoa
comprometida com a causa dos menos favorecidos.
Antonia Martins de Macedo – que na Ordem Terceira Franciscana e depois
como religiosa e fundadora da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de
Maria – ficou conhecida como Madre Cecília do Coração de Maria - foi quem fundou o
Asilo Coração de Maria Nossa Mãe, denominado na época, Asilo de Órfãs Coração de
15
Maria, objeto desta pesquisa, obra à qual dedicou boa parte de sua vida para que essa
Entidade beneficente pudesse cumprir com eficiência sua missão.
Quem foi Antonia Martins de Macedo? Pergunta simples, cuja resposta não
é tão simples assim. Colocarei os dados principais, para que os leitores possam conhecer
um pouco dos aspectos históricos da vida dessa mulher que, sendo filha de Piracicaba e
conhecedora de seu contexto histórico empenhou-se num trabalho relevante e
significativo na sociedade piracicabana.
4.1 Primeiros anos e formação
Antonia nasceu aos 7 de julho de 1852 na cidade de Vila Nova da
Constituição, que passou a ser denominada Piracicaba por meio da lei nº 21, de 13 de
abril de 1877 (NETTO, 2000, p. 25). Era filha de Pedro Liberato de Macedo e Rosa
Martins Bonilha, foi a quinta filha, entre nove irmãos. Batizada na Paróquia de Santo
Antônio aos 7 de novembro de 1852 pelo Pe. João José de Almeida2 (Anexo 3). Sua
certidão de nascimento não foi encontrada apenas, a de batismo. Sabe-se que na época
em diversos lugares, a certidão de batismo tinha validade no civil e isto justifica a
ausência do referido documento.
Antonia teve uma infância normal, aprendeu os cuidados da casa, bordado e
costura para ser uma boa modista. Com isso tornara-se independente e conseguiu que as
portas das famílias mais abastadas e importantes da sociedade se abrissem para ela.
Aprendeu a relacionar-se bem e isso foi muito útil para si e para as outras pessoas que
dependiam de suas iniciativas.
A vivência das virtudes cristãs aprendeu com sua mãe, que era uma mulher
muito piedosa e simples. O pai passava grande parte de seu tempo às margens do rio
2
O registro original se encontra na Paróquia Santo Antônio (Catedral) em Piracicaba/SP, livro do ano de
1852 à folha 22v.
16
Piracicaba durante o período das cheias, entretendo-se em pescarias, porém seu trabalho
era com homeopatia atendendo a doentes da cidade e de outros locais, ao ser solicitado.
Em relação à formação intelectual Antonia freqüentou provavelmente a
escola pública, recebendo certamente instrução fundamental – embora não haja prova
documental quanto a seu grau de instrução - pois sabemos que Antonia lia muito bem,
sabia escrever corretamente e administrou sua família e, posteriormente, o Asilo
Coração de Maria, com denodo e eficiência. Esses são os indicativos que nos fazem
concluir que Antonia freqüentou algum estabelecimento de ensino e fez com proveito
seu tirocínio escolar.
4.2 Vocação religiosa e casamento
Desde jovem Antonia queria ser religiosa, porém ficou solteira até aos 35
anos. Testemunhos indicam que Antonia julgava ter sido chamada por Deus a uma vida
consagrada, mas teve que enfrentar dificuldades e, só posteriormente, pôde concretizar
seu sonho. (PEDROSO, 1996, p. 14; CAMARGO, 1979, p.10)
Uma grande dificuldade foi a não aceitação do pai em ver uma filha
consagrada e obrigou-a a se casar, quando já estava com quase 36 anos, um caso
excepcional em sua época, pois as moças casavam-se bem novas. Outra dificuldade foi
em relação ao dote - quantia em dinheiro que a jovem que queria ser religiosa deveria
levar ao entrar numa congregação. Isto causava certamente, preocupação a Antonia que
costurava para ajudar a família.
Além destas dificuldades, existia o problema da distância até São Paulo ou
Itu/SP, cidades mais próximas que tinham convento e recebiam jovens que almejavam
ser religiosas, pois não havia ferrovia que ligava as cidades, tornando as viagens
perigosas e demasiadamente demoradas.
17
O casamento de Antonia aconteceu em 1888 com Francisco José Borges
Ferreira, na matriz de Santo Antônio 3 (Anexo 4). Ele era um português, marceneiro e
músico. Desta união matrimonial, que durou apenas cinco anos e nove meses, nasceram
três filhos: Rosa, João e Antônio.
De 1888 a 1894 foi um período de provação na vida de Antonia.
Contratempos e tristezas a acometeram: casou-se contra sua vontade com um homem
que nem conhecia. Em 1889 teve sua primeira filha, que era deficiente mental, quase
totalmente cega, surda e muda; em maio 1893 perdeu seu pai, o Sr. Pedro Liberato de
Macedo; em dezembro desse mesmo ano perde seu marido de infecção pulmonar e em
1894 morre Rosa Martins de Macedo, mãe de Antonia.
Além de todas essas dificuldades teve que suportar o marido alcoólatra por
quase seis anos de convívio matrimonial. Muitas vezes deixou faltar à família o
alimento necessário, mas não a agressividade. Francisco maltratava a filha deficiente,
batia em seus filhos, porém nunca agrediu a esposa. Certo dia Antonia afirmou: “É para
meu castigo, fui infiel à minha vocação, não devia ter-me casado” (LIMA, 1992, p. 41).
E, após a morte dos seus familiares mais próximos Antonia se viu sozinha para cuidar,
sustentar e educar os seus três filhos. Certo dia expressou seus sentimentos: “[...] tenho
chorado tanto que não sei o que será de minha vida”. (LIMA, 1992, p. 42)
Outro aspecto importante da vida de Antonia é sua dedicação ao trabalho.
Desde moça exercia a função de costureira e artesã, auxiliando sua família na
manutenção da casa. Após o casamento continuou o seu ofício, tendo um atelier de
costura do qual conseguia recursos para manutenção dos filhos e do marido que, como
foi dito, pouco a auxiliava nesta tarefa. Constata-se portanto, ter sido Antonia uma
3
O registro se encontra à página 150 do livro de assentamentos de casamentos nº 6 da Catedral de
Piracicaba/SP.
18
mulher corajosa, de longa visão, que avança e não se sujeita a permanecer na
dependência do próprio marido ou simplesmente dedicar-se aos serviços domésticos.
Em relação à sua vida de fé e de sua atividade apostólica, os que
conviveram com ela ressaltam que Antonia sempre foi muito empenhada,
comprometida com a causa dos mais necessitados e muito fervorosa na participação da
vida da Igreja, de oração e piedade. Aos domingos Antonia ensinava o catecismo às
crianças e jovens, visitava os presos e chegou a auxiliar os leprosos em abrigos que se
encontravam fora da cidade. Levava-lhes refeição e rezava o terço com eles.
Mesmo com dificuldade na vida, D. Antonia não deixou sua
vivência religiosa, pois – muito sensível à fé cristã e fiel aos
anseios da piedade e oração, sempre disponível aos planos de
Deus – dedicava-se aos necessitados.
O Apostolado era a concretização de sua vida de piedade e
oração.
Em companhia de suas amigas de trabalho dedicava-se, aos
domingos, à catequese em capelas da cidade e arredores. De
tempo em tempo, visitava a cadeia local, levando aos presos o
conforto de suas palavras, com ensinamentos de vida cristã e
algum auxílio material que lhe fosse possível. (CAMARGO,
1979, p. 14)
Por esses fatos concluímos que, a compreensão da caridade e o desejo de se
assemelhar às atitudes de Jesus Cristo e São Francisco são amplamente vivenciados por
Antonia, que nunca deixou de estar do lado dos mais necessitados, como Camargo
descreve muito bem em seu texto.
4.3 Ingresso na Ordem Terceira Secular e a fundação do Asilo Coração de Maria
Antonia após o falecimento do seu esposo começou a fazer parte de um
grupo religioso denominado Ordem Terceira Secular ou Ordem Franciscana Secular
(OFS), como é conhecida até hoje. É uma Ordem fundada por São Francisco de Assis,
no século XIII, para homens e mulheres que vivem em suas próprias casas, no dia-a-dia,
19
a espiritualidade franciscana, isto é, o seguimento de Jesus Cristo na pobreza, na vida
fraterna, na oração e no trabalho. Antonia ingressou nesta Ordem em 31 de dezembro de
1895, quando recebeu o hábito religioso, como era costume, e passou a ser chamada de
Irmã Cecília, conforme consta nos livros de registro da referida Ordem de Piracicaba 4.
Naquele tempo as pessoas que entravam para uma Ordem religiosa ou Congregação
mudavam de nome, significando que haviam deixado tudo o que era do mundo e
passariam a ser pessoas consagradas a Deus. Mesmo que fossem seculares
denominavam-se Irmãos ou Irmãs.
Enquanto Antônia participou da Ordem Terceira Secular foi eleita primeira
zeladora em 1 de janeiro de 1896, fez profissão no dia 6 de janeiro de 1897,
permanecendo no cargo por seis meses, tendo sido eleita em seguida primeira ministra5
aos 8 de junho de 1896 e em 1899 foi eleita segunda conselheira6. Depois de ter
trabalhado muito na Ordem Terceira, passa definitivamente para o Asilo Coração de
Maria Nossa Mãe (Anexo 1), anteriormente denominado, também, de Asilo de Nossa
Mãe, como servidora incansável dos pobres.
Gostaria de esclarecer a questão dos nomes da Instituição. No início a obra
era denominada Asilo de órfãs7, Asilo de Nossa Mãe8 ou Asilo Coração de Maria Nossa
Mãe9, mas também algumas pessoas usavam outras expressões similares, porém não
oficiais. A partir da Lei Estadual 1943, de 04 de dezembro de 1952, passa a denominarse definitivamente Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, porém no presente
trabalho utilizarei apenas Asilo Coração de Maria ou simplesmente Asilo.
4
O atestado que comprova a entrada de Antonia na Ordem Terceira Secular encontra-se nos livros I e II
do Arquivo da Ordem Terceira de Piracicaba/SP.
5
Ministra era a denominação que a pessoa recebia quando era eleita em Capítulo Geral da Fraternidade
para ser responsável pela Ordem Franciscana Secular por um triênio.
6
Dados extraídos do livro de relatórios da Ordem III de São Francisco de Assis em Piracicaba – p. 9 a 47.
7
Nome expresso na Ata do lançamento da primeira pedra do edifício. O original encontra-se nos
Arquivos Históricos da Congregação (AHC).
8
Essa denominação é do 1º Estatuto do Asilo de Nossa Mãe dedicado ao Imaculado Coração de Maria,
com data de 27/02/1896. O Original se encontra no AHC.
9
Frase escrita na fachada do prédio por sugestão de Frei Luiz. (PEDROSO, 1996, p. 47)
20
O Asilo Coração de Maria localizava-se, como até aos dias atuais, na Rua
Boa Morte (Anexo 1). Em 1896 essa rua pertencia à região periférica de Piracicaba,
hoje já faz parte da região central da cidade. Era essa entidade uma obra destinada,
conforme o primeiro Estatuto, logo no primeiro artigo, para “[...] educar e sustentar
meninas desvalidas, órfãs ou não, sem distinção de cor ou de classe” (MARCON, 1992,
v. 4, p. 132). Irmã Cecília ocupou, até 1912, o cargo de Diretora da Instituição ou de
Mãe, como Frei Luiz descreve no primeiro Regimento que elaborou para os membros
do Asilo. (PEDROSO, 1996, p. 47)
Irmã Cecília do Coração de Maria, no dia 6 de janeiro de 1896 em seu
atelier de costura junto com algumas Irmãs da Ordem Terceira Secular teve uma idéia,
verdadeira inspiração, que confiou à sua amiga Rosa Cândida, na Ordem: Irmã
Nazária10:
Anda em minha mente, Cândida, uma idéia que não sei se será
inspiração ou tentação. Desejava arranjar uma casa onde,
morando com algumas Irmãs Terceiras, pudéssemos, além de
levar uma vida de oração e trabalho, nos dedicar ao apostolado
das almas, auxiliando os nossos capuchinhos em suas
missões11.
Todas as Irmãs ficaram animadas com a idéia mas não tinham noção de
como iriam concretizar tamanha realização. Certa ocasião Irmã Cecília disse:
Tenho no cofre quatro moedinhas de vintém. Só com elas nada
posso, mas com Jesus e Maria e os quatro vinténs poderei fazer
tudo isso e muito mais, não eu, mas o Coração de Maria. Basta
que eu saiba ser esta a vontade de Deus e não loucura ou
tentação. (CAMARGO, 1979, p. 17)
10
Rosa Cândida recebeu o nome de Irmã Nazária quando entrou para a Ordem Terceira Franciscana.
Retirado da Revista dos 75 anos da Congregação, 1975, p. 23 e da Revista dos 40 anos da
Congregação, 1940, p. 8. Encontra-se também no Arquivo Histórico da Congregação (AHC), num
documento mimeografado que não traz nem data e nem assinatura.
11
21
Com o intuito de esclarecer a dúvida, Irmã Cecília e suas companheiras
procuraram por Frei Luiz Maria de São Tiago, um padre da Ordem dos Frades Menores
Capuchinhos, que era diretor espiritual da Ordem Terceira, e pediram que as ajudassem.
Após ouvir a inspiração Frei Luiz afirmou: “Nem loucura, nem tentação, minhas filhas,
mas verdadeira inspiração de Deus”12. Neste momento, Frei Luiz apresenta uma
proposta arrojada e desafiadora, pois diz: “E seja esta casa, que esperam fundar, um
asilo para meninas pobres e desvalidas, órfãs ou não”13.
A princípio Irmã Cecília, como diziam algumas Irmãs, teve resistência e não
queria aceitar o trabalho de cuidar de meninas órfãs. Entretanto, Frei Luiz encheu-as de
coragem e as encaminhou para o vigário da cidade, para que as autorizasse a pedir
esmolas em benefício da futura casa das órfãs. Pe. Francisco Galvão Paes de Barros
acatando a idéia como inspiração divina concedeu às Irmãs uma lista para que pedissem
ajuda aos paroquianos14. Nesta lista o padre já cita a doação de dois terrenos para a
construção do Asilo Coração de Maria. (LIMA, 1992, p. 45)
Frei Luiz acaba por determinar o trabalho que as Irmãs deveriam realizar,
mesmo contra a vontade delas, que simplesmente queriam viver uma vida fraterna de
oração, de trabalho, de apostolado e de auxílio às missões dos Frades Capuchinhos.
Irmã Cecília, no início, resistiu em aceitar construir e cuidar de uma Instituição de
meninas:
Esse alvitre encheu Ir. Cecília de indescritível repugnância, não
sentia coragem para começar essa obra de educação da
infância. Mas Frei Luiz sabe impor encorajando. Nem lhes
oculta as inúmeras dificuldades e sofrimentos que adviriam
com toda a certeza, para ficar bem provado ser obra de Deus.
(AQUINO, 1985, p. 2)
12
Retirado da revista dos 40 anos da Congregação, 1940, p. 8.
Retirado da revista dos 50 anos, p. 28.
14
O documento original da subscrição dada à Madre Cecília para esmolar encontra-se no AHC e contém
a assinatura de Pe. Francisco, o assunto, a data de 08 de julho de 1896 e 196 assinaturas com as referidas
doações.
13
22
Os textos evidenciam claramente que na inspiração de Irmã Cecília não
estava explícita a constituição de uma congregação religiosa, embora implicitamente
nos elementos da inspiração estão as bases para uma vida religiosa: oração, vida fraterna
e trabalho apostólico. Porém a idéia do trabalho educativo é de Frei Luiz Maria. Irmã
Cecília e suas companheiras simplesmente aceitam a proposta e passam a levar adiante,
no intuito de organizar e concretizar o ideal legado pelo fundador.
Em relação à doação do terreno, um relato, porém sem documentação
oficial, mas citada em revistas e livros da Congregação das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria, que conta o fato da aquisição do espaço para construção do Asilo
Coração de Maria.
Um dia, passando pela rua Boa Morte com sua amiga
Mariquinha Morato, na altura onde ficava, nesse tempo, a casa
provisória dos capuchinhos, D. Antônia ficou encantada com
uma bela paineira em flor, do outro lado da rua, e manifestou
que aquele poderia ser um bom lugar para construir o Asilo.
Surpresa, Mariquinha declarou que aquele terreno era de sua
família e que ela teria a maior alegria em conseguir sua doação.
(PEDROSO, 1996, p. 44)
A doação foi realizada e registrada em cartório15, sendo doadora D. Maria
das Dores Morato e o outorgado é o Asilo Coração de Maria Nossa Mãe, sociedade
beneficente, com sede em Piracicaba e representado por sua Diretora, D. Antonia
Martins de Macedo. (Anexo 6)
Posteriormente Irmã Cecília adquire outros terrenos, a fim de ter espaço
suficiente para construir cômodos necessários ao alojamento das órfãs e das Irmãs16.
(Anexo 7)
15
A escritura de doação foi registrada no Primeiro Tabelião da cidade de Piracicaba, Estado de São Paulo,
no livro nº 141, à fls. 65 e no livro 171, à fls. 59.
16
Os documentos originais encontram-se registrados no 2º Cartório de Registro de Imóveis, no livro 3-Y,
à fls. 281, sob o nº 40.874; 40.876; 40.877 e 40.875.
23
No dia 21 de fevereiro de 1897 aconteceu o lançamento da primeira pedra
do Asilo. A Ata foi escrita pelo Sr. Antonio de França Júnior e diz que a cerimônia foi
realizada pelo Pe. Francisco Galvão Paes de Barros e menciona algumas pessoas
participantes17.
Apenas um ano após o lançamento da pedra fundamental o Asilo é
inaugurado, aos 2 de fevereiro de 1898; porém, algumas alas ainda não estavam
concluídas, mas o primeiro grupo de Irmãs Terceiras: Cecília do Coração de Maria,
Názaria de São Rafael, Virgínia de São Bernardo e Valéria, bem como as duas órfãs:
Maria Joaquina e Odila, e também, os três filhos de Antonia já se instalaram na nova
casa.
Durante a inauguração Frei Luiz Maria fez um discurso solene que expressa
o verdadeiro sentido da Instituição e antecipa o que posteriormente seria expresso e
assumido como carisma18 da Congregação religiosa, constituindo sua identidade. Assim
ele proclama:
[...] que dali em diante, em Piracicaba, as meninas pobres, e
sem mãe não chorariam mais a lágrima da orfandade, pois o
Coração de Maria nossa Mãe, a todas oferecia carinho e
agazalho (sic) maternais. [...] Por isso aquela casa se chamaria
para sempre, Asilo Coração de Maria Nossa Mãe. (As Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria 1900-1940, p. 13)
O Asilo era uma construção muito simples e pobre, que existe até aos dias
atuais, tendo passado por muitas reformas, incluindo ampliações e remanejamentos de
salas e espaços. No frontispício do prédio, no dia da inauguração, foi colocado um
quadro do Coração de Maria e na fachada os dizeres: Asilo Coração de Maria Nossa
Mãe. Essa idéia foi de Frei Luiz que disse: “Dia e noite, este dístico atrairá os olhares
17
A ata encontra-se no AHC. É um documento bem antigo e um tanto danificado.
Carisma para as congregações religiosas significa o modo de ser, viver e trabalhar de um referido grupo
de pessoas. Expressa a essência da vida religiosa, identifica e diferencia o grupo religioso dos demais
grupos ou congregações.
18
24
dos transeuntes, e assim todos, católicos, hereges, indiferentes e infiéis, lendo a
inscrição hão de dizer: Coração de Maria Nossa Mãe”. (PEDROSO, 1996, p. 47)
As instalações do Asilo nos primeiros anos eram bem precárias. Não havia
água encanada, nem luz e poucos móveis. Conta a história que as Irmãs e cada órfã que
chegava usavam lata vazia de marmelada como prato; as alunas andavam descalças e,
como as Irmãs, faziam as refeições sentadas no chão. (PEDROSO, 1996, p. 47)
Lentamente a situação foi melhorando com doações recebidas e muito trabalho das
Irmãs, que ficavam bordando até tarde da noite à luz de lampião, com objetivo de venda
para angariar recursos ao sustento das meninas.
Antes mesmo de o Asilo ficar pronto, Irmã Cecília e suas companheiras se
preocuparam em organizar um Estatuto e constituir uma Diretoria, com reconhecimento
civil. Percebe-se, portanto, que aquelas senhoras sabiam das leis de sua época e eram
cientes de seu dever de cidadania e, certamente, experientes e expertas para se sentirem
seguras naquilo que realizavam.
O primeiro Estatuto do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe é de 27 de
fevereiro de 1896 e foi registrado em cartório no dia 26 de fevereiro de 189719. Este
documento comprova o que acabamos de dizer acima. As responsáveis tinham clareza
do que estavam fazendo, pois os registros lhes asseguravam a legalidade do trabalho a
ser desempenhado.
Em relação a essa questão, GRACIANI afirma:
O que se percebia, no início do século XX, era um enorme
crescimento da criação de entidades assistenciais para o
atendimento de crianças órfãs, para a atenção aos abandonados
e aos delinqüentes, ligados à Igreja Católica, em duas
modalidades educativas fundamentais: de um lado,
ensinamento moral e, de outro, a preparação para o trabalho.
Nesse sentido, percebe-se a mobilização dos sindicatos em
19
O texto original encontra-se nos AHC, num fascículo com 9 folhas de papel almaço, manuscrito e
assinado de próprio punho pelo oficial de Registro Geral, Joaquim Moreira Coelho.
25
torno de reivindicações vinculadas à infância e ao trabalho da
mulher, em 1907, exigindo a regulamentação e denunciando a
exploração da mão-de-obra infantil. (GRACIANI, 1997, p.
258)
Os filhos sempre foram uma preocupação para Irmã Cecília, pois eles
davam bastante trabalho e o Asilo não era um lugar adequado para os meninos. Para
resolver essa situação Irmã Cecília procura ajuda; primeiramente deixa João e Antônio
na casa de parentes, posteriormente consegue uma vaga no Liceu Coração de Jesus em
São Paulo, instituição dirigida pelos Salesianos, e os meninos passam a residir e estudar
no referido colégio. Os gastos com os estudos são assumidos pelo Sr. José Estanislau do
Amaral (Revista: As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1900-1940, p. 15). A
filha Rosa, continua com Irmã Cecília, pois requeria cuidados especiais, devido a sua
deficiência.
Irmã Cecília e suas primeiras companheiras receberam o hábito religioso
aos 30 de setembro de 1900 (Anexo 1). Aos 30 de outubro de 1901 fizeram os votos
temporários de pobreza, obediência e castidade. Ambas as celebrações aconteceram na
antiga capela do Asilo. As celebrações foram presididas por Frei Bernardino de Lavalle,
Comissário Provincial dos Capuchinhos. No dia 20 de maio de 1921 o primeiro grupo
de Irmãs fez a profissão religiosa perpétua 20 na Congregação das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria21 (Anexo 1), desse grupo fazia parte Irmã Cecília do Coração de
Maria. Essa celebração aconteceu na Igreja Coração de Jesus presidida pelo Bispo
Diocesano de Campinas, Dom Francisco de Campos Barreto.
20
Na vida religiosa existe uma seqüência na formação, primeiro se recebe o hábito de religioso, depois se
faz a profissão temporária ou simples, isto é, os votos de pobreza, obediência e castidade. Chama-se
profissão temporária porque é feita por um ano, quando chegar ao final deste, faz-se necessário renovar os
votos. A etapa seguinte é a profissão definitiva ou perpétua destes mesmos votos, que é feita
publicamente, dentro de uma celebração própria, onde a pessoa consagra-se definitivamente a Deus, a
serviço de sua Igreja.
21
Dados extraídos do Livro para registro de admissão ao postulado, noviciado e profissão temporária das
Irmãs da Congregação – apêndice p. 1.
26
Desde a fundação do Asilo, 1898 até 1912, Irmã Cecília, já conhecida por
Superiora Geral – título outorgado a quem exerce o cargo de responsável de uma
Congregação religiosa - ou Mamãe Cecília - como era carinhosamente chamada pelas
crianças e Irmãs (75 anos de presença, amor e serviço – Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria. Campinas, 1975, p. 25) - exerceu o cargo de
Diretora da Instituição e em 1900 de Superiora Geral da Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria. Quando deixou a função de responsável pela
Instituição e pela Congregação religiosa foi designada a residir em Jundiaí/SP, como
superiora do hospital São Vicente.
É necessário esclarecer o título outorgado a Irmã Cecília em alguns escritos
e até mesmo na citação oficial das fontes que fazem parte do processo de canonização,
pois, por determinação do bispo diocesano de Campinas, Dom João Batista Corrêa
Nery, a superiora geral da Congregação deveria ser chamada de Madre Geral. Essa
decisão ficou registrada no livro Atas I de 1898 a 1927 e entrou em vigor dia 22 de
julho de 1912. Neste período Irmã Cecília tinha deixado de ser a Superiora Geral.
4.4 A difícil escolha entre ser mãe e fundadora da Congregação: os anos no Chalé
A partir de 20 de dezembro de 1916 Irmã Cecília passa a residir numa
pequena casa, ao lado do Asilo Coração de Maria, denominada “Chalé” 22 (Anexo 1),
junto com sua filha Rosa e a Irmã Maria do Carmo, ficando quase exilada da
Congregação que fundara. Sua transferência para o chalé aconteceu por diversos
motivos, mas o principal foi a carta enviada pelo Bispo Dom João Batista Corrêa Nery,
que propunha à Irmã Cecília só poder receber os filhos, que estudavam em São Paulo,
22
Chalé é a denominação que as Irmãs deram para um pequeno sobradinho ao lado do Asilo. Este imóvel
foi adquirido por Irmã Ignez Meneghetti, no dia 1/09/1913.
27
da sala de visita para fora, ou então ela se retiraria da Congregação 23, alegando que os
meninos atrapalhavam o silêncio da clausura e provocavam as noviças e internas do
Asilo, não respeitando o regulamento da casa.
Irmã Cecília como boa mãe optou por deixar a fraternidade e as Irmãs e
residir no chalé, para cuidar de sua filha e receber os seus filhos. Mas não se desligou
definitivamente da sua Congregação religiosa. Continuou a sua vida de oração e
vivência fraterna, pois sempre teve a companhia da Irmã Maria do Carmo. (PEDROSO,
1996, p. 84)
Ausente do convívio das Irmãs e órfãs manteve-se sempre muito unida,
jamais deixou de pensar, preocupar-se e rezar por elas, sendo fiel aos seus
compromissos de consagrada. Essa postura revela o domínio de si, a renúncia e a
firmeza de Irmã Cecília. (Anexo 1)
Teve que permanecer no chalé dos 64 aos 95 anos. Suas forças
físicas foram diminuindo. Foi então que, mais do que nunca,
mais do que na luta para ficar solteira e entrar no mosteiro, na
luta para manter um casamento difícil e sustentar três filhos
pequenos, mais do na batalha para construir o Asilo, fundar a
Congregação e abrir novas casas, perder o cargo e agüentar o
“exílio”, ela recebeu o maior chamado de Deus. O de enfrentálo no silêncio e no abandono. E, mais uma vez, esteve à altura.
(PEDROSO, 1996, p. 86)
Irmã Cecília acompanhou todos os fatos da sua querida Congregação
religiosa, alguns com alegria, tais como: votos perpétuos os quais também professou em
1921, mesmo residindo no Chalé; a ereção canônica da Congregação, que aconteceu em
1928; o nome definitivo da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,
em 1931; o Decreto Pontifício de Louvor enviado pela Santa Sé em 1945 à
23
O texto da carta do bispo foi conservado por Irmã Celina Simões no seu caderno de anotações
denominado posteriormente “caderno verde”: “Madre ... cumprimentos. Se a senhora puder conservar os
seus filhos do locutório para fora, poderá ficar em qualquer casa; do contrário, ficará dispensada da
Comunidade, em lugar onde possa recebe-los e cuidar deles”. (LIMA, 1992, p. 9)
28
Congregação e o início da celebração dos 50 anos de fundação da Congregação. Por
outro lado os sofrimentos também foram inúmeros: a transferência do noviciado para
Campinas/SP, em 1930; a morte de seus dois filhos, Antônio em 1929 e João em 1940;
perde, também, sua companheira dos 28 anos de exílio no Chalé, Irmã Maria do Carmo,
falecida em 1947.
É preciso indicar ainda que em 1940, Irmã Cecília elabora o seu testamento
em que entre outras providências deixa seus bens e os cuidados de sua filha deficiente à
Congregação, evidenciando o vínculo de pertença que se manteve, apesar da provação
imposta.
4.5 O retorno ao Asilo do Coração de Maria e os últimos anos
Aos 07 de abril de 1947, a Superiora Geral Madre Angelina Maria da
Sagrada Face, após consultar Irmã Cecília a acompanha de volta ao Asilo, terminando,
assim, o seu tempo de provação, com quase 95 anos. Mas já se encontrava bem
debilitada sua saúde e, com 98 anos, aos 06 de setembro de 1950 encerra sua caminhada
neste mundo deixando como herança à Congregação, da qual o Asilo Coração de Maria
faz parte, sua filha Rosa, que necessitava de contínuos cuidados (Anexo 5). Rosa veio a
falecer cinco anos após a mãe.
Aos 6 de dezembro de 1956, a Congregação recebeu o Decreto de
Aprovação Definitiva24 outorgado pelo papa Pio XII. A partir dessa data a Congregação
passa a ser de Direito Pontifício, isto é, está diretamente sob a responsabilidade da Santa
Sé Romana.
Antonia Martins de Macedo - Irmã Cecília do Coração de Maria,
finalizando o século XIX e no limiar do século XX marcou o seu tempo e deixou um
24
O documento original encontra-se no AHC.
29
legado significativo para o povo piracicabano – o Asilo Coração de Maria do qual
falarei posteriormente, e para a Igreja e o povo brasileiro – a Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria, que atualmente se faz presente em sete estados
brasileiros, mantém diversas instituições sociais e de ensino e trabalhos pastorais. A
partir de 2008 iniciou uma frente missionária na África.
Toda sua vida revela a vivência heróica de virtudes evangélicas:
solidariedade, atenção, carinho, delicadeza, ternura e respeito para com as pessoas,
conforme apresenta CAMARGO,
Costumava após o jantar, contar às crianças belas histórias
despertando-lhes a alegria, o amor ao belo, ao útil e ao
agradável. Na festa de santo Antonio, levava-as para a fazenda
pertencente ao Dr. Elias Chaves, onde seu irmão Nhonhô era o
administrador. Zelava também pela saúde delas. (CAMARGO,
1979, p. 31 e 32)
Outro aspecto que merece destaque na vida de Irmã Cecília é sua
sensibilidade às necessidades do outros, sua prudência e atenção:
Irmã Isabel do Sagrado Coração – Mamãe encontrou-a pela
estrada. Tinha 4 a 5 anos e acompanhava uma companhia de
circo. Tão judiada e fraca, o corpo coberto de cicatrizes e
contusões das judiações que sofria.
Temendo que morresse logo, e ficasse mal para o asilo algum
boato de que as meninas morriam de judiação das Irmãs,
Mamãe Cecília, prudente como era, chamou 2 testemunhas
para examinarem o estado da menina na sua entrada. Mas a
caridade venceu e ela sarou e fortificou-se. Então Mamãe
chamou de novo as mesmas testemunhas para atestarem a fé da
verdade. (AQUINO, 1985, p. 23)
Dentro de sua perspectiva religiosa mantinha uma postura de gratidão pelos
bens que recebia, pelos cuidados e atenção a ela dispensados, principalmente nos
últimos anos de sua vida. “Como Nosso Senhor é bom, manda gente para cuidar desta
miserável”. (AQUINO, 1985, p. 43)
30
Irmã Cecília foi mulher de iniciativa decidida e de capacidade
empreendedora. Apesar de não possuir formação acadêmica, soube administrar o Asilo
Coração de Maria por 14 anos, enviar Irmãs à Santa Casa de Descalvado/SP, aos 22 de
fevereiro de 1904; e ao Externato Imaculada Conceição, em Descalvado/SP, aos 20 de
fevereiro de 1905, ao Hospital em Jundiaí/SP, em 1º de março de 1906 e a Creche Bento
Quirino, aos 31 de março de 1910.
Irmã Cecília escreve um artigo e publica no Jornal de Piracicaba aos 6 de
junho de 1946, quando ainda se encontra fora da Congregação e está com 94 anos,
solicitando ao povo piracicabano para que ajudem na construção da catedral.
(AQUINO, 1985, p. 65). Esse exemplo vem confirmar que Irmã Cecília sempre atenta
às necessidades da Igreja e da sociedade, não media esforços para participar, contribuir
e suscitar o auxílio da população.
Destaquei algumas posturas de Irmã Cecília - no meu modo de considerar –
verdadeiras virtudes evangélicas, pois julguei de suma importância ressaltar mais
nitidamente a nobreza desse coração feminino. Mulher intrépida, operosa, confiante,
voltada para Deus e para o próximo, como comprovam os textos já mencionados.
5. Biografia de Frei Luiz Maria de São Tiago
Após comentar sucintamente os aspectos históricos da vida de Madre
Cecília, é de fundamental importância destacar aspectos da vida do co-fundador do
Asilo Coração de Maria, Frei Luiz Maria de São Tiago.
5.1 Nascimento e formação
Nasceu na cidade de San Giacomo – Trento, na Itália, no dia 26 de abril de
1862 e recebeu o nome de Benjamim Zucali. O nome da cidade traduzida em português
31
é São Tiago. Como vimos no caso de Irmã Cecília, também no ato da profissão religiosa
trocava-se de nome e em algumas ordens religiosas se acrescentava o nome do local de
origem. Benjamim recebeu a denominação de: Frei Luiz Maria de São Tiago.
Aos 15 anos ingressou na Ordem dos Frades Menores Capuchinhos 25 e
tornou-se um frade. Estudou filosofia e teologia nos conventos de Rovereto e Trento –
Itália. Foi um moço muito estudioso, inteligente e com muita clareza e convicção de sua
decisão para a vida religiosa e sacerdotal.
Frei Luiz fez sua profissão temporária no dia 29 de setembro de 1878 e a
profissão definitiva aos 15 de maio de 1883. Ordenou-se sacerdote em 21 de setembro
de 1884, quando tinha apenas 22 anos de idade.
Após sua ordenação dedicou-se ao trabalho missionário popular e,
posteriormente, como professor.
5.2 Vinda ao Brasil
Os frades menores sempre foram reconhecidos pela vida simples, abnegada,
voltados para o anúncio do Evangelho e a defesa dos menos favorecidos: pobres,
doentes, excluídos e marginalizados.
Destacaram-se, também, pela evangelização de novos povos em países
estrangeiros, com intuito de tornar a palavra de Deus conhecida, bem como, revitalizar a
própria Ordem, que havia decaído significativamente entre o século XVIII e XIX.
No capítulo de 1889 dos frades capuchinhos da Província de Trento/Itália,
Frei Luiz é escolhido para fazer parte do primeiro grupo que seria enviado para o Brasil
25
A Ordem dos Frades Menores Capuchinhos é uma das subdivisões da Ordem dos Freis fundados por
São Francisco de Assis no ano de 1209, na cidade de Assis – Itália. O carisma dos freis é o seguimento do
evangelho de Jesus Cristo, vivendo a minoridade, a fraternidade e sem nada de próprio. A Ordem dos
Frades Menores teve sua última cisão em 1525 a 1528, quando um grupo, desejoso de viver a radicalidade
da proposta franciscana, decide formar um novo seguimento – a Ordem dos Frades Menores
Capuchinhos. É bom ressaltar que este grupo faz parte da primeira família franciscana, pois existe a
segunda, que são das Irmãs Clarissas e a terceira, que é a Ordem Franciscana Secular.
32
em missão. Essas missões em terras brasileiras haviam sido solicitadas ainda pelo
governo imperial. Os missionários vinham também com o objetivo de despertar
vocações entre os filhos dos imigrantes.
Os frades de outras províncias e de outras famílias franciscanas já atuavam
em terras brasileiras desde a chegada dos portugueses. Esses missionários, como foi
dito, vinham com uma missão específica, implantar uma província capuchinha e iniciar
seminários para formar novas vocações.
O grupo era formado por dois freis sacerdotes: Felix de Lavalle e Luiz
Maria de São Tiago e dois irmãos leigos: Frei Vigílio de Trento e Frei Caetano de
Pietramurata. O Frei Vigílio contraiu tifo e morreu em alto mar.
Antes de os Frades partirem para a missão, dirigiram-se a Roma para
pedirem a bênção do Santo Padre o Papa Leão XIII, que os abençoou e lhes deu uma
estampa do Coração de Jesus, recomendando que propagassem essa devoção. Frei Luiz
Maria assume em seu coração o encargo de divulgar, também, a devoção ao Coração de
Maria. Ambas as missões foram cumpridas, pois a primeira Igreja que os Frades
construíram em solo brasileiro foi dedicada ao Coração de Jesus e o povo piracicabano
consagrado ao Coração de Maria. Porém a devoção continuou e o Asilo Coração de
Maria e a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, obras co-fundadas
por Frei Luiz Maria recebem o nome da Mãe de Jesus.
Os Frades, ao virem para o Brasil, afastaram-se das terras brasileiras,
passando alguns dias em terras argentinas, por motivo de uma epidemia de tifo; ao invés
de ancorarem no Rio de Janeiro seguiram a Montevidéu. Chegaram finalmente ao seu
destino no dia 6 de outubro 1889.
Bem recebidos pelo Prefeito Apostólico, Fr. Fidélis de Avola,
não encontram nele nenhuma boa vontade em auxiliá-los na
execução do projeto sonhado. A preocupação, não sem
fundamentos, dos missionários que aqui atuavam na Catequese
33
indígena, nas Missões populares, na substituição de párocos,
era de que a implantação da Ordem confiada aos trentinos
viesse obrigá-los a enquadrar-se na regular observância da vida
conventual ou voltar para a Itália. Um frade do Hospício do
Rio lhes joga em rosto que “não pode nem ver reformadores.
(ZAGONEL, 2001, p. 306)
Após um período no Rio de Janeiro para aprenderem o português, e sentindo
a impossibilidade de realizarem a tarefa que tanto almejavam – fundar um seminário e
uma província, atender os imigrantes italianos, Frei Felix recorreu ao bispo diocesano
de São Paulo, Dom Lino Deodato, pedindo autorização para fundar uma casa em sua
diocese. Este os encaminha a Tietê/SP, com intuito de atender aos imigrantes italianos.
Ao chegarem encontraram algumas dificuldades: o sacerdote da localidade não estava
interessado no trabalho dos frades e os italianos do local não acolheram muito bem a
evangelização dos missionários.
Com o intuito de resolver essa problemática, Frei Felix procurou outros
locais para a instalação do novo convento, encontrando, assim, a cidade de Piracicaba,
que os acolhe e para onde o grupo se transferiu, a partir de 16 de março de 1890.
5.3. Atuação de Frei Luiz em Piracicaba e Taubaté: a Ordem Terceira Secular
O grupo de missionários chegou a Piracicaba e foi morar no Colégio
Assunção, que estava preparado para receber as Irmãs de São José de Chambery, porém
essa residência foi provisória, pois logo adquiriram um terreno com uma casa. Os frades
iniciaram, também, a construção da Igreja Sagrado Coração de Jesus (Anexo 1) e o
convento, que serviria de residência para os frades e casa de formação para as novas
vocações.
34
O trabalho evangelizador também foi iniciado, através de pregações,
atendimentos aos doentes, catequese, preparação para primeira comunhão e a instalação
de uma pequena escola, da qual Frei Luiz Maria foi o primeiro professor.
O jeito simples, a alegria franciscana e o fervor em anunciar o evangelho
contagiaram a população piracicabana, causando comentários de admiração, como
também críticas severas, gerando posições contraditórias:
[...] Não conseguem entender como podemos viver apenas de
esmola e fazer o que fazemos sem pretender dinheiro... de
maneira que não sei dizer o que seja maior: o entusiasmo dos
brasileiros por nossa conduta ou a consolação dos italianos por
nossa chegada a esta infeliz cidade. (ZAGONEL, 2001, p. 306)
Depois de ouvir, ó frade, a tua prática.
Em linguagem boçal, de lavadeiras,
Recheada de insultos à gramática
E do princípio ao fim cheia de asneiras. (ZAGONEL, 2001, p.
308)
Diante do desejo de expansão da missão capuchinha, outros frades vieram
contribuir para o bom êxito do trabalho: Frei Silvério – da missão de Pernambuco e os
freis: Gregório de Rumo, Mansueto de Valfloriana e Benjamim de Vigo, todos da Itália.
Os capuchinhos estavam animados com os novos trabalhos e com a
possibilidade de, finalmente viverem a observância regular: vida de oração comunitária,
silêncio e convivência fraterna, bem como, a dedicação ao trabalho pastoral: missões,
atendimento a confissões, serviço aos enfermos, pregação de tríduos, novenas, semana
santa, mês de maio e preparação para eucaristia e catequese.
Todos esses trabalhos eram feitos com muito zelo e ardor, sendo tudo
anotado e prestado conta. Após um ano de trabalho, Frei Luiz Maria envia notícias ao
superior da Província em Trento/Itália, como podemos observar através do relatório:
[...] atendi cerca de duas mil confissões, preguei cinco missões
em italiano, catequizei e admiti à primeira comunhão cerca de
setenta crianças, e ainda assisti a muitos doentes”.
35
“[...] Na escola foram matriculados 130 rapazes, que ficaram
todos juntos até os primeiros dias de agosto, época em que,
com a chegada de novos companheiros, formamos duas
classes, com 61 alunos na dos grandes e 69 na dos pequenos.
Eu fiquei com a classe dos maiores, lecionando quatro horas
por dia. O cansaço, para dizer a verdade, foi enorme, e o
aproveitamento, levando em conta que no primeiro ano nem
tudo estava bem organizado, foi satisfatório. (PEDROSO,
2003, p. 14 e 15)
É interessante destacar que cada frade fazia o seu relatório e além dos
trabalhos realizados apresentavam outros dados, que são fundamentais para se
compreender a vida, os serviços e o contexto em que os missionários estavam inseridos.
[...] De resto, para mim, como para muitos outros, o Brasil não
é muito favorável para a saúde do corpo, tanto pelo clima
ardente como pelas febres freqüentes, os insetos que
atormentam de dia e de noite, e tantas outras coisas: mas não
vou perder a coragem por causa disso, pois acho que esses são
presentezinhos dos pobres missionários. (PEDROSO, 2003, p.
15)
No relatório de 1894, Frei Luiz Maria faz um breve comentário das
dificuldades que vem encontrando, principalmente em seu trabalho pastoral; afirma:
[...] Já faz quatro anos e meio, Reverendíssimo Padre, que parti
de minha amada província de Trento. Nesse tempo tive que me
convencer de que a vida do pobre missionário é uma vida de
sacrifício, tanto pelas contradições, que encontra em toda parte
o exercício do ministério apostólico, como também pelos
incômodos corporais a que se está sujeito [...]. (PEDROSO,
2003, p. 16)
Frei Luiz Maria inicia suas atividades sempre com espírito ardoroso,
devoção inigualável e visão apuradíssima de grandes projetos. Teve a ousadia em
fundar uma escola e lecionar, sendo que mal falava o português.
A foto a seguir é referente à primeira turma da escolinha de 1890. Nela
percebemos o grupo de alunos atendido pelos frades, tanto filhos de italianos como
36
brasileiros e afros descendentes, o que não era comum para a época. Destaco o carinho
de Frei Luiz Maria com seus alunos, pois a criança que nele se apóia volta o olhar à cruz
da coroa26 que os frades traziam à cintura.
Fonte: Província dos Capuchinhos de São Paulo.
A foto da turma de Taubaté/SP revela a mesma atenção e carinho de Frei
Luiz para com seus alunos, chegando a pegar um em seu colo e o outro se volta para o
crucifixo que o colega segura, não se importando de estarem sendo fotografados.
Percebemos que é algo natural e espontâneo.
Fonte: Província dos Capuchinhos de São Paulo.
26
Coroa é um objeto de piedade parecido com o terço; mas tem 7 dezenas com dez continhas em cada
uma. Serve para rezar a coroa das sete alegrias de Nossa Senhora. Enquanto a coroa das Dores de Maria,
nas dezenas contém apenas sete continhas.
37
Destaco mais dois aspectos importantes, o primeiro é a posição séria dos
frades e alunos, algo que é muito próprio da época; as pessoas não sorriam para tirar
fotografia. O segundo é a debilidade do Frei Luiz Maria, que apresenta um semblante
bem mais cansado na foto de Taubaté. Ele já está com muitos problemas de saúde, um
dos fatores que o levaram a deixar a missão no Brasil e regressar para sua província.
Frei Luiz Maria residiu por dois períodos em Taubaté/SP, 1892 a 1894 e
1898 a 1902, sendo notório seu incansável ardor apostólico e seu dinamismo de
professor. Também nesta cidade reformou a Ordem Terceira Secular, que estava
desestruturada. No final do século XIX esse movimento encontrava-se em crise. Era
uma organização grande, forte, com pessoas influentes, inclusive ligadas à maçonaria,
que recebiam prestígios, vantagens e gostavam de serem reconhecidas perante a
sociedade e a Igreja.
Com orientações da Igreja de Roma Frei Luiz Maria inicia o trabalho de
reestruturar a Ordem Terceira Secular, mas foi um trabalho que exigiu muito diante das
dificuldades e das resistências. Temos um testemunho de Frei Tiago de Cavêdine, que
afirma:
Quantos casos, episódios, lutas, dificuldades e vitórias não
contava ele com referência aos seus trabalhos... e também das
dificuldades que encontrara na reforma da Venerável Ordem
Terceira segundo a Regra de Leão XIII, pois a fraternidade
estava eivada pelo espírito dos tempos da maçonaria.
(PEDROSO, 2003, p. 42)
Fundou também em Piracicaba/SP a Ordem Terceira Secular. Essa fundação
foi bem diferente, pois aconteceu a implantação do movimento franciscano e foi sendo
estruturada em conformidade com o carisma próprio e as orientações da Igreja. Temos
um testemunho de uma das primeiras Irmãs, que apresenta o caráter primoroso de Frei
Luiz Maria:
38
[...] Foi esse dia de grande festa para o povo piracicabano. A
hora aprazada, a Igreja regorgitava de fiéis, quando saíram da
sacristia e prostraram-se perante o santo altar para receber o
Santo Hábito as fundadoras, entre as quais Antonia Martins de
Macedo, que recebeu o nome de Irmã Cecília, e Rosa Candida
de Jesus, o de Irmã Nazária. A seguir fizeram sua profissão as
citadas: D. Benedita e Irmã Virginia. Era o primeiro passo que
se dava pelo surgir da nossa querida Congregação [...].
A vida dos frades, em especial do nosso santo fundador, era um
exemplo vivo que atraia, arrastava após si os Terceiros
Seculares, os quais viviam em contínua porfia, querendo cada
qual ser o mais pobre, o mais humilde. (AQUINO, 1985, p. 1)
A Ordem Franciscana Secular foi um apoio contínuo para os frades e sua
ação evangelizadora, bem como para o Asilo Coração de Maria e a Congregação das
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, que surgiu posteriormente. Além do incentivo
e da vivência do carisma franciscano, a implantação do movimento demonstra a visão
que os primeiros frades tiveram em relação à participação dos leigos na Igreja.
5.4. Idealizador e co-Fundador do Asilo Coração de Maria
Outra iniciativa de Frei Luiz foi a fundação do Asilo Coração de Maria, no
qual nasceu a Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. Quando Irmã
Cecília consultou Frei Luiz sobre sua decisão de morar numa casa com outras
companheiras e levar vida de oração, trabalho e auxiliar os capuchinhos na missão, foi
ele que sugeriu a idéia de ser essa casa para crianças pobres, desvalidas, órfãs ou não.
A planta do Asilo foi desenhada pelo próprio Frei Luiz, bem como o
primeiro regimento e horário. É um texto significativo, que revela a organização, a
finalidade e o objetivo daquela comunidade que iniciava uma obra social e uma
observância religiosa - a princípio denominada: Recolhimento.
Todas devem estar prontas para prestar auxílio às Irmãs
conforme o exigir a necessidade ou pedido da Mãe (tradução
direta da palavra Madre em italiano: era Mamãe Cecília).
39
[...] À Mãe e às duas Conselheiras pertencerá aceitar
definitivamente as órfãs, como também, excluí-las, porém será
bom e prudente que a Mãe se aconselhe acerca disso também
com as outras Irmãs. Na diversidade de parecer se passe à
votação entre a Mãe e as duas conselheiras.
A Mãe terá dois registros em que assentará, por meio da
Secretária, o ativo e o passivo, em dinheiro, do Asilo. Os
objetos assentar-se-ão em livro particular, com o nome do
ofertante. A Mãe guardará no quarto o dinheiro necessário,
pouco mais ou menos, para uma semana; o mais entregará para
a Irmã Tesoureira, assentando esta, tudo o que receberá e
entregará a pedido da Mãe – à Mãe mesma. A Mãe cada mês
deverá apresentar as contas às duas Conselheiras para que as
examinem e as subscrevam se as acharem justas. A Irmã
Tesoureira, cada mês, deverá dar contas à Mãe.
Guardar-se-á o horário que já está na mão da Mãe, nos
domingos e dias santos, o tempo nos outros dias marcado para
a escola, servirá para exercícios de piedade, para estudo, etc.,
conforme o que a Mãe quiser.
[...] Na escola ensinar-se-á a Doutrina Cristã (História
Sagrada), leitura, contas, etc., caligrafia grande e pequena.
Compor contas (quatro operações), um pouco de canto,
civilidade e trabalho de agulha, de lavar, de engomar e tudo o
que for necessário para uma mãe de família pobre.
(PEDROSO, 1996, p. 47 e 48)
Além de dar as primeiras orientações para o início da Instituição, Frei Luiz
preocupava-se com a sobrevivência e manutenção do grupo, chegando a pedir para ver
as provisões da despensa e trazer doações em gêneros alimentícios.
Quando Frei Luiz deixou Piracicaba, em 1898, continuou acompanhando e
orientando o grupo através de cartas. Relativamente restaram poucas, que se encontram
no Arquivo Histórico da Congregação, pois segundo alguns testemunhos orais das
Irmãs mais antigas, Frei Luiz Maria escreveu inúmeras cartas e muitas não foram
conservadas.
Enquanto Frei Luiz Maria esteve em Taubaté/SP e depois na Itália, Frei
Bernardino de Lavalle e seus co-irmãos continuaram ajudando e apoiando a
comunidade de senhoras - Irmãs Terceiras - que se constituiu em Congregação, presente
40
em diversos estados brasileiros e no exterior, dedicando-se à educação, saúde,
assistência social, trabalhos paroquiais e evangelização.
5.5 Outras contribuições significativas de Frei Luiz ao franciscanismo no Brasil
Podemos afirmar, também, que Frei Luiz Maria foi o co-fundador da
Província dos Capuchinhos de São Paulo27 - Procasp - por fazer parte do primeiro grupo
e contribuir imensamente na propagação do espírito franciscano em terras brasileiras e,
incentivar e ajudar na organização do primeiro seminário de formação das futuras
vocações capuchinhas.
Merece destaque a contribuição de Frei Luiz Maria na implantação do
seminário, pois neste período não se acreditava em vocações brasileiras, porém os
primeiros frades não se deixaram levar por essa idéia e apostaram na instituição de um
espaço para formação. O primeiro frade capuchinho foi Frei Serafim de Piracicaba, um
afro-descendente, que fora aluno de Frei Luiz Maria e se ordenara em 1906.
Os conventos de Taubaté e Piracicaba, que foram idealizados e construídos
por Frei Luiz Maria, bem como as escolinhas e as duas Ordens Terceiras Seculares
foram as sementeiras vocacionais da Província, das quais emergiram muitos frades.
O dinamismo e o espírito vigoroso de Frei Luiz Maria deixaram marcas
significativas na vida dos seus alunos e dos jovens que estudavam para serem frades.
Percebemos isso através do testemunho de um dos seus alunos de 1899: José Maria
Assis Pinheiro,
Era uma vez um frade moço, alegre e sobretudo virtuoso,
chamado Frei Luiz. Parece-me vê-lo na direção de um colégio
em que eu me educava.
27
A Ordem se implanta quando estabelece províncias: grupos que têm um território definido onde
formam frades de acordo com a Igreja e a cultura do local. A província de São Paulo foi criada
oficialmente em 8 de dezembro de 1953 e dedicada à Imaculada Conceição. (PEDROSO, 2003, p. 21)
41
Frei Luiz era um verdadeiro pedagogo, que sabia associar à
severidade na disciplina um sentimento de ternura quase
maternal!
Uma infração mais grave contra o estatuto colegial era punida
com seu olhar repassado de tão profunda mágoa que o culpado,
arrependido, pedia perdão com o propósito firme de não
reproduzi-la. (PEDROSO, 2003, p. 31)
Frei Luiz Maria residiu apenas 07 anos em Piracicaba (1889 a 1892 e 1894 a
1898), porém conseguiu deixar marcas profundas na vida do povo, principalmente para
as Irmãs Franciscanas do Coração de Maria e Ordem Terceira Secular.
5.6 Retorno à Itália e últimos anos
Frei Luiz Maria por motivos de saúde regressou para Itália em 1902 Anexo
1, p. 147), onde continuou o seu trabalho de professor e guardião28. Deste período temos
um testemunho de Frei Tiago de Cavêdine, que diz:
Homem preparado e de muita experiência como era, aliava em
si e na sua atividade zelosa um coração humilde, simples e de
uma jovialidade quase infantil. Conosco parecia mais um
colega do que um Superior. O assunto preferido dele, quer no
recreio quer na aula, era sua Missão.
Quantos casos, episódios, lutas, dificuldades e vitórias não
contava ele com referência aos seus trabalhos na fundação do
Convento de Piracicaba, na fundação do asilo Coração de
Maria Nossa Mãe, em lutas contra a maçonaria e protestantes,
assim com também as dificuldades encontradas na reforma do
antigo convento franciscano de Taubaté, as pregações
extraordinárias por todo o vale do Paraíba, a propaganda da sua
devoção particular ao Puríssimo Coração de Maria, e também
as dificuldades que encontraram na reforma da Venerável
Ordem Terceira [...]. (PEDROSO, 2003, p. 35)
Em vários escritos encontramos a sua luta contra a maçonaria e os
protestantes, por isso, apresentarei mais adiante uma reflexão sobre essa problemática e
28
Guardião é o termo utilizado por diversas Ordem religiosas para denominar a pessoa responsável pela
casa e pelas pessoas que ali residem. É aquele que guarda, cuida, zela.
42
sua influência no trabalho de evangelização dos frades, bem como, da Igreja de maneira
geral.
Além do seu problema de saúde, que ele mesmo manifestava em seus
relatórios, das adversidades causada pelos que são contra a Igreja, Frei Luiz Maria
sofreu inveja de seus próprios co-irmãos. Frei Bernardino de Lavalle, superior da
missão de São Paulo, escreve para o superior geral uma carta em alemão, em sigilo
absoluto, dizendo:
[...] Ninguém de nós trabalhou e realizou tanto aqui quanto ele.
[...] Tanto zelo e tão incansável operosidade provocou até, e
muitas vezes, depoimentos públicos de admiração dos próprios
inimigos da religião. Infelizmente, porém, este mesmo espírito
empreendedor causou desgostos, aborrecimentos. Além das
perseguições do Inimigo do bem, ele encontrou no próprio
convento, principalmente como guardião, constantes oposições.
Oposições procedentes dos co-irmãos de hábito a quem
faltavam as virtudes, as qualidades, a coragem e a vontade do
Pe. Luiz [...]. (PEDROSO, 2003, p. 61)
Todos esses fatos acentuaram os seus problemas de saúde e, após sofrer dois
derrames, morreu aos 24 de julho de 1910, com apenas 48 anos de idade, mas com uma
vida entregue à grande vocação que recebera – de frade menor capuchinho.
Esse pequeno histórico com traços biográficos de Frei Luiz Maria, terminoo com a descrição deixada por Irmã Virgínia, uma das primeiras Irmãs da Congregação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria:
Da primeira leva de missionários fazia parte o Rer.mo Frei
Luiz Maria de São Tiago, operoso apóstolo, dotado de um zelo
infatigável, energia máscula para o bem, qualidades essas
aliadas a uma jovial benignidade. De estatura midiana,
corpulento, tez morena, farta a negra barba, mantinha
comumente uma postura decisiva, apertando com a mão
esquerda os pés do crucifixo de missionário, enquanto a direita
aberta acima do cordão, introduzia o polegar entre a dobra do
hábito ao mesmo tempo. O olhar espraiava-se além, parecendo
divisar qualquer coisa, lá bem distante. Era voz corrente entre o
43
povo que toda empresa em que Frei Luiz pusesse as mãos
vingaria cheia de forças e vida. [...] (PEDROSO, 2003, p. 63)
Essa é a imagem de Frei Luiz Maria, uma pessoa de fé e de genialidade na
arte de evangelizar, educar, transformar e construir.
Os textos citados nos fazem concluir que Frei Luiz Maria foi uma pessoa
incansável, sempre voltado para o bem e em defesa dos mais necessitados. Acreditou no
povo brasileiro, deixou marcas e obras extremamente edificantes.
6. Outros atores que contribuíram na formação e Expansão do Asilo Coração de
Maria
Apresentados os autores principais da fundação do Asilo Coração de Maria Irmã Cecília e Frei Luiz Maria, não poderia deixar de mencionar os coadjuvantes, que
são de igual grandeza e importância, pois foram pessoas que ajudaram a estruturar,
organizar e expandir a Instituição, bem como apoiaram, incentivaram e defenderam o
trabalho das Irmãs.
6.1 Os Frades Capuchinhos
Primeiramente os Frades da Província dos Capuchinhos de São Paulo que,
pela ausência do fundador, Frei Luiz Maria, dedicaram-se na continuidade do Asilo.
Merece destaque especial Frei Bernardino de Lavalle 29, então Comissário
dos Capuchinhos, que assume a incumbência de levar adiante aquele grupo de senhoras
que se preparava para se constituírem em Congregação Religiosa. Redigiu Estatutos
Disciplinares e submeteu-os à aprovação do Bispo de São Paulo – Dom Antônio
Cândido de Alvarenga e também orientou-as na elaboração do Estatuto Civil.
29
Bernardino de Lavalle nasceu em 1843 em Wengen, no Tirol austríaco. Foi provincial em Trento/Itália
e quem enviará o primeiro grupo de missionários ao Brasil. Em 1894 torna-se missionário em Piracicaba,
e logo assume o cargo de comissário dos capuchinhos. Morreu em 1930, com 86 anos, em São Paulo. Foi
um homem de visão abertíssima e de uma energia incalculável. (PEDROSO, 1996, p. 55)
44
A preparação para a recepção do hábito religioso foi realizada por Frei Félix
de Lavalle e a formação religiosa nos primeiros anos foi assumida por Frei Bernardino.
Durante muito tempo as Irmãs receberam o hábito religioso das mãos de um Frade
Capuchinho dentro de uma celebração solene. Inclusive eu, que agora escrevo essa
dissertação, fiz todas as minhas profissões religiosas dentro de uma celebração presidida
por um Frei Sacerdote Capuchinho.
Após a aprovação dos Estatutos Disciplinares em maio de 1905, pelo Bispo
Dom José de Camargo Barros, as Irmãs puderam realizar o primeiro Capítulo Geral, o
qual foi presidido por Frei Bernardino de Lavalle e Irmã Cecília foi eleita Superiora
Geral, com 14 votos, sendo que as capitulares eram 15, portanto com maioria absoluta.
O segundo capítulo também foi presidido por Frei Camilo de Valda,
delegado por Dom João Batista Corrêa Nery, então Bispo de Campinas/SP – diocese da
qual Piracicaba fazia parte. Irmã Cecília foi novamente reeleita. O terceiro capítulo, de
1912, foi presidido por Monsenhor Antônio Pereira Reimão – sacerdote diocesano - e
Irmã Cecília deixou o cargo de Superiora Geral, sendo eleita a quarta conselheira.
Os Frades Capuchinhos marcaram presença nos principais acontecimentos
da Congregação. Na maioria das vezes pregam retiros para as Irmãs, auxiliam nos
Capítulos Gerais e Provinciais, nas assembléias, enfim, são irmãos que partilham da
vida consagrada na mesma espiritualidade.
Lembramos que, nem todos os frades da época apoiavam a iniciativa
daquela pequena comunidade de Irmãs, que, a princípio se denominou Recolhimento.
Julgavam inútil tão grande esforço, algo que não iria prosperar. Ficou registrado o que
disse um Frade à Irmã Cecília, ao término de uma missa: “Não se alegre muito não,
porque essa obra não irá avante, mas dará tudo em nada, por fim”. (MARCON, 1992, v
4, p. 157)
45
6.2 A Ordem Terceira Secular
Também contribuiu expressivamente desde o início - na formação e
expansão do Asilo Coração de Maria - a Ordem Terceira Secular, da qual Irmã Cecília
era membro como conselheira e, depois, ministra por um período. Essa Ordem, como
mencionei anteriormente, foi fundada em Piracicaba/SP por Frei Luiz Maria e segue a
espiritualidade de São Francisco de Assis, optando por uma vida simples, abnegada,
voltada para Deus e dedicada aos mais necessitados.
Fundar a Ordem Terceira foi um testemunho válido da visão
que esses pioneiros tiveram da presença dos leigos nos
movimentos religiosos. Na época, isso era feito com a crença,
expressa pelo Papa Leão XIII, de que os irmãos terceiros
poderiam mudar a sociedade. Eles estavam levantando uma
bandeira contra o espírito, até então reinante, de ser terceiro só
para gozar de benefícios, materiais ou espirituais. (PEDROSO,
1996, p. 42)
Em vários momentos da vida do Asilo Coração de Maria e da Congregação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria os Irmãos Terceiros30 se fizeram presentes.
No ato da inspiração de Irmã Cecília, em seu atelier de costura, encontravam-se as
Irmãs Terceiras – Nazária e D. Luizinha (Luiza Josefina de Matos). A última
acompanhou Irmã Cecília para conversarem com Frei Luiz Maria e pedirem a sua
aprovação sobre a idéia de morarem juntas e levarem vida de oração e trabalho
apostólico. Outra Irmã Terceira – Maria das Dores Morato, chamada por Mariquinha,
contribuiu, juntamente com a sua família, na doação do primeiro terreno para a
construção do Asilo. Os demais foram sendo adquiridos pela própria Irmã Cecília.
Sabe-se que Manoel Morato de Carvalho, o doador, ficou em má situação financeira e
teve que vender outros terrenos. (MARCON, 1992, v. 4, p. 122)
30
Irmãos Terceiros é outra denominação dada aos membros da Ordem Franciscana Secular, pois foi o
terceiro grupo fundado por São Francisco de Assis.
46
Na revista dos 40 anos da Congregação as senhoras: Luiza Josefina de
Matos e Maria das Dores Morato são apresentadas como co-fundadoras do Asilo
Coração de Maria, com Irmã Cecília e Irmã Nazária. As três primeiras foram a São
Paulo pedir a aprovação e a bênção do bispo Dom Joaquim Arcoverde Cavalcante e
expor-lhe tudo aquilo que almejavam fazer. O bispo concedeu autorização para pedirem
esmolas em toda a diocese.
Vários franciscanos fizeram doação em dinheiro ou de material para a
construção do Asilo. Contribuição, essa, que favoreceu poder se inaugurar o Asilo
Coração de Maria um ano depois do lançamento da primeira pedra.
No ato do lançamento da primeira pedra da Instituição, aos 21 de fevereiro
de 1897, a Ordem Franciscana Secular se fez presente, bem como no dia da
inauguração, aos 2 de fevereiro de 1898 (As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,
1900-1940, p. 13). O responsável pela construção do Asilo foi um membro da Ordem
Franciscana Secular, José Perches de Menezes, grande colaborador das Irmãs Terceiras.
É importante ressaltar que as primeiras companheiras de Irmã Cecília que
foram residir no Asilo Coração de Maria, eram todas da Ordem Terceira Secular, Irmãs:
Názaria de São Rafael (Rosa Cândida da Silva), Virgínia de São Bernardo (Francisca da
Silva) e Valéria (Idalina Ferraz). (As Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 19001940, p. 13)
O traje habitual das Irmãs era o hábito da Ordem Terceira Secular: “vestido
preto, e charpe amplo, também preto, e uma medalha do Coração de Maria pendente de
uma fita azul a qual receberam no dia da consagração [...]” (MARCON, 1992, v 4, p.
153). As Irmãs receberam o novo hábito em 30 de setembro de 1900, data oficial em
que se fizeram religiosas, constituindo-se em Congregação. Nesta data se comemora a
Fundação da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.
47
As Irmãs Terceiras pediam esmolas às pessoas da comunidade e da região.
Enquanto Irmã Cecília saía para esmolar nas chácaras e sítios, seus filhos, que moraram
por dois anos no Asilo, eram cuidados por Rosa Cândida de Jesus – Ir. Nazária, na
Ordem Terceira Secular e futura religiosa das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.
As Irmãs residentes no Asilo Coração de Maria, até setembro de 1900,
observavam a Regra da Ordem Terceira Secular de São Francisco, hoje Ordem
Franciscana Secular; possuíam Estatutos Disciplinares com aprovação diocesana e
seguiam um regulamento escrito de próprio punho pelo Fundador Frei Luiz Maria.
Atualmente as Irmãs seguem a Regra e Vida dos Irmãos e das Irmãs da Terceira Ordem
Regular, aprovada em 8 de dezembro de 1982 pelo Papa João Paulo II e possuem uma
Constituição e Diretório próprios.
As colaboradoras da primeira hora – Maria das Dores Morato e Luiza
Josefina de Matos auxiliaram significativamente o Asilo Coração de Maria. Fizeram
parte da primeira Diretoria e das Assembléias, porém nunca residiram na Instituição,
nem ficaram freiras, mas continuaram na Ordem Terceira Secular. Preferiram continuar
em suas casas. Constituíram família e contribuíram para a expansão e manutenção da
nascente casa que abrigava meninas necessitadas de Piracicaba. Na revista dos 40 anos a
primeira, denominada carinhosamente de dona Mariquinha, foi elogiada como: piedosa,
delicada, cheia de cultura e habilidade. A segunda, chamada, também, de dona
Luizinha, recebeu a referência de: calma, dedicada e amante da música. (As Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria, 1900-1940, p. 13)
Os Irmãos e Irmãs da Ordem Franciscana Secular foram pessoas atuantes na
Igreja, na vida do Asilo e dos Frades Capuchinhos, devido às ações que promovem para
a paz e o bem. Pela sólida formação cristã e franciscana que receberam, são pessoas que
mostraram através do testemunho e da prática, aquilo em que acreditavam.
48
Os Irmãos Terceiros foram sempre bons e dedicados amigos da
nascente instituição e a auxiliavam à medida de suas posses,
particularmente os sitiantes e fazendeiros como ainda
atualmente o fazem. (MARCON, 1992, v 4, p. 154).
6.3 Voluntárias e a população de Piracicaba
Não poderia deixar de ressaltar o trabalho e a contribuição de outro grupo de
pessoas que atuaram significativamente na vida do Asilo Coração de Maria - as
senhoras piracicabanas voluntárias.
Denominei-as assim, por serem consideradas pessoas importantes na
sociedade, de grande influência e condições financeiras tais, que puderam auxiliar
grandemente a obra social beneficente e educacional que nascia.
Através do primeiro Estatuto do Asilo, de 1897 e da revista dos 40 anos da
Congregação conhecemos entre outras os seus nomes: Baroneza de Resende, Francisca
Carolina Pinto de Mattos, Maria Rosa Lopes Pinto, Escolástica Morato de Almeida,
Idalina Augusta de Almeida Morato, Ambrozina J. de Almeida Morato, Maria das
Dores Morato, Águeda Sebastiana Pinto de Toledo e Luiza Josefina de Matos. (As
Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, 1900-1940, p. 17)
Este grupo de voluntárias foi um esteio na vida do Asilo. Fizeram parte da
organização dos Estatutos e das Assembléias, realizaram bazares beneficentes e venda
de bordados que ajudavam financeiramente a Instituição. Apoiavam a nova iniciativa,
colaboravam nas atividades apostólicas, enfrentando desafios: pois muitas pessoas eram
contrárias às obras e movimentos ligados à Igreja Católica.
Nos primeiros anos, conforme consta do Estatuto de 1897, as mestras, isto é,
as responsáveis pelas meninas eram algumas dessas senhoras chamadas de benfeitoras.
Porém, a partir de 1900, toda a incumbência em relação ao cuidado das órfãs era das
Irmãs residentes no Asilo Coração de Maria e as benfeitoras passaram a colaboradoras
49
externas. Faziam pedidos de alimentos, roupas, material escolar e conseguiam condução
para passeios das crianças.
O Asilo Coração de Maria contou, também, com o auxílio da senhora Tatá
Botelho, que foi a primeira professora das Irmãs - um serviço voluntário, não tendo
honorários para a Instituição. A senhora Olímpia, que era irmã da religiosa Nazária e a
senhora Vitória, mãe de Irmã Canuta, também contribuíram na prestação dos seus
serviços voluntários (LIMA, 1992, p. 24). Algumas ajudavam na costura para as
meninas, conserto de roupas ou aulas particulares.
Finalizando, quero destacar a sociedade piracicabana que muito contribuiu
na expansão do Asilo Coração de Maria e até aos dias atuais, quer por órgãos públicos,
quer pela indústria e casa comercial, ou colaborações pessoais, continua auxiliando na
manutenção desta Entidade social, com 110 anos de história e de trabalho no campo da
educação. O povo piracicabano em geral se voltou com carinho, ofereceu seus préstimos
e visitou as internas até 1981, quando se encerrou o Regime de Internato.
Na ata da sessão ordinária das mestras do Asilo, de 10 de outubro de 1899,
consta que a Instituição recebeu uma verba do Governo do Estado de três contos de réis
para o presente ano e outros três contos de réis para o ano subseqüente. (CAMARGO,
1992, v 3, p. 54). Provavelmente alguém influente indicou e fez os trâmites legais para
que o Asilo Coração de Maria pudesse receber o referido benefício.
Um gesto expressivo da sociedade piracicabana é a lista de doação (Anexo
9). O documento foi dado à Irmã Cecília pelo Padre Francisco Galvão Paes de Barros,
para angariarem esmolas. Na lista constam 196 assinaturas e as respectivas doações,
sendo diversas de valor monetário significativo para a época, como por exemplo:
5.000$000 (cinco mil contos de réis).
No enunciado da referida lista, temos a finalidade da Instituição:
50
[...] Nós vemos que tantas meninas se perdem por falta de uma
educação moral e religiosa que farão conhecer os seus deveres.
Nesta casa que vão ficar se ensinará a ler, escrever, contas
triviais e trabalhos domésticos, e mormente o catecismo, que é
a base de toda a educação. Deus Nosso Senhor abençoará aos
que contribuírem para tão justo fim. (MARCON, 1992, v 4, p.
124)
Os piracicabanos acompanharam o nascimento e crescimento do Asilo
Coração de Maria em muitos momentos significativos da Instituição: Inauguração,
transladação da imagem do Coração de Maria da Matriz para o Asilo, profissão religiosa
das primeiras Irmãs, datas comemorativas da entidade, aniversário das crianças
(comemorava-se a cada mês) e turmas de catequese. Esses eventos foram marcados por
uma presença expressiva da comunidade, inclusive de autoridade locais – prefeito, juiz
de direito, promotor, médicos e de benfeitores e outras pessoas amigas. (MARCON,
1992, v 4, p. 155)
Todos esses atores de uma forma ou de outra são responsáveis diretos e
indiretos, ou seja, participaram da formação e atendimento de milhares e milhares de
crianças e adolescentes beneficiados nestes 110 anos de caminhada. O mérito desse
trabalho de assistência social, educação e sobretudo, de evangelização cabe a todos.
Conforme apresenta a citação de Eclesiástico, “seus nomes duram através
das gerações”, é possível concluir que os gestos, as atitudes e a própria vida desses
homens e mulheres marcaram a história de muitas pessoas, portanto os seus feitos
permaneceram e poderão ser rememorados.
Na próxima parte do trabalho explicarei a influência da proposta franciscana
na prática educativa do Asilo, mas principalmente nas vivências cotidianas das
primeiras religiosas e das alunas internas e como essas vivências marcaram a educação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria.
51
Capítulo II
A proposta franciscana de educação no contexto de fundação do
Asilo Coração de Maria Nossa Mãe
Onde há caridade e sabedoria, não há medo nem ignorância.
Onde há paciência e humildade, não há ira nem perturbação.
Onde à pobreza se une a alegria, não há cobiça nem avareza.
Onde há paz e meditação, não há nervosismo nem dissipação.
Onde há misericórdia e prudência, não há prodigalidade nem
dureza de coração. (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 69 e 70)
1. Influência do Franciscanismo no contexto histórico do Asilo Coração de Maria
Nesta parte da dissertação abordarei a presença franciscana no Brasil, mais
particularmente dos capuchinhos trentinos que vieram com intuito de instalarem uma
província em terras brasileiras. Destacarei alguns dos trabalhos realizados pelos frades,
sendo que um deles resultou na fundação do Asilo Coração de Maria.
Ressaltarei a influência da proposta de educação segundo os princípios do
franciscanismo, que marcou consideravelmente a estrutura, a organização, o perfil e a
proposta educacional do Asilo.
1.1 Os Capuchinhos no Brasil: especificidades de sua atuação no século XIX
Os capuchinhos estão no Brasil desde 1612, através da Província de Paris e
se estabeleceram no Maranhão. A partir de então, outros frades de outras províncias
também fizeram parte da história deste país; influenciaram significativamente o trabalho
evangelizador, catequético, principalmente aos povos indígenas e posteriormente
52
atendendo aos imigrantes. Estão normalmente junto ao povo simples e pobre
desenvolvendo obras assistenciais e de educação.
No início, como foi mencionado anteriormente, os frades eram missionários
da “Propaganda fide”, uma ação de propagação da fé católica aos povos, portanto não
constituíram província em terras brasileiras.
A presença dos capuchinhos da Província de Trento – Itália é mais tardia,
não por opção dos frades, mas porque o governo do Brasil Imperial proibia a abertura
do noviciado. Essa postura não era boa para as Ordens religiosas, pois indicava uma não
continuidade da formação de novas vocações.
O Governo Imperial chegou a realizar pedidos para que os capuchinhos
viessem para as Províncias do Sul. Uma carta de 11 de maio de 1889, afirmava:
Os serviços dos capuchinhos no Brasil têm sido de tal valia que
o governo não cessa de instar pela vinda de novos
missionários, não hesita em fazer as necessárias despesas e em
manter os respectivos hospícios, e é certo que sem esses
religiosos será impossível prosseguir na quase abandonada
catequese dos índios.
Assim cumpre-se a Vossa Paternidade que no Brasil não há lei
que haja alterado ou renovado o direito que têm as Ordens
Religiosas de admitir noviços e de professarem estes a Regra
para que sintam vocação e finalmente que não está dentro da
competência do Governo fazer alteração nesta matéria. Deus
guarde Vossa Paternidade. (BERTO, 1989, p. 4 e 5)
No presente texto percebe-se nitidamente a intenção do Governo Imperial
resolver o problema com os nativos. A catequização era uma forma de deixá-los mais
dóceis e receptíveis às leis do império. O governo imperial permitiu pela primeira vez a
abertura de casas de formação31. O pedido foi feito pelo Ministro das Relações
Exteriores, Ferreira Viana, que era um membro da Ordem Franciscana Secular.
Porém, os objetivos dos capuchinhos eram outros:
31
A proibição da abertura de casas de formação religiosa era de 30 de janeiro de 1764. Um decreto do
ministro Marquês de Pombal. (MIRANDA, 1976, p. 92)
53
- a faculdade apostólica de instalar-se canonicamente no
Império do Brasil, onde, até agora os capuchinhos se
estabeleceram apenas como missionários;
- abrir Escola Seráfica e Noviciado...
- receber noviços ao hábito e à profissão...
- fundar casas e conventos regulares, sujeitos ao Ministro Geral
e ao Provincial de Trento. (BERTO, 1984, p. 8)
Além destes objetivos, a Igreja está no auge da romanização dos povos, um
movimento conhecido como ultramontanismo, que desejava atrair os fiéis à sede da
Igreja, implantado costumes, devoções, festas religiosas próprias da cultura européia.
Os ultramontanos têm como eixo principal do seu pensamento a
Igreja institucional, estabelecida nos moldes tridentinos e
fortalecida em sua posição antiliberal durante o século XIX. Na
perspectiva ultramontana prevalece o conceito da Igreja
universal, mas cuja unidade está centralizada na Sede Romana:
trata-se, portanto, de um universalismo comandado por Roma, a
partir do qual tendem a ser diluídas as características próprias
das Igrejas locais. (AZZI, 1994, p. 72)
Com certeza os frades estavam imbuídos dessas idéias e as implantaram nas
missões, pois era uma determinação da Igreja trazer novamente todos os fiéis para o seu
redil. Sendo assim, as festas, novenas, celebrações, procissões e outros costumes
europeus vão substituindo as devoções coloniais. Os maiores propagadores do
catolicismo ultramontano em terras brasileiras no início da República são os religiosos
vindo da Europa.
É bom relembrar que no Brasil Império a Igreja do Brasil estava atrelada ao
Estado e a religião oficial era a católica. Neste período houve muitos abusos, os padres
tinham muitos privilégios e não serviam de exemplo para suas comunidades pastorais.
A Igreja passa por turbulências e enfrenta um tempo de decadência.
Aos 6 dias de outubro de 1889 o primeiro grupo de frades trentinos chega ao
Brasil. Os religiosos encontram uma igreja precária: má formação do clero, padres
54
exercendo ofício no governo, não vivência do celibato, pouco trabalho pastoral e de
evangelização e um território imenso e uma enorme população para ser atendida e
catequizada, porém com poucos recursos. Mas este cenário não diminuiu o ardente
desejo daqueles missionários de formarem excelentes comunidades e ampliar o Reino
de Deus nestas terras.
Penso que é de suma importância transcrever o contexto sócio-eclesial
brasileiro descrito por Frei Félix em 1891:
Pela falta de padres, o povo humilde do interior, que constitui a
maioria, nasce, vive e morre sem jamais ter visto um ministro
de Deus. A parte mais culta terá maiores conhecimento
literários e científicos, mas, em questão de conhecimento
religioso, está mais ou menos no mesmo nível da classe
inferior, senão mais baixo [...]. Nem sequer nas igrejas há
instrução religiosa, pois aos domingos há uma só missa pelas
onze horas, ficando as igrejas fechadas o dia todo, como em
dias de semana. As exceções são raríssimas. Daí há 330 lojas
maçônicas. Daí derivam também os concubinatos, etc. Dessa
ignorância, o imoderado interesse se torna o ídolo predileto dos
ricos e fonte de sangrentos e vergonhosos crimes de
vagabundos e encabrestados. Talvez seja esse interesse ou
ambição o principal obstáculo às vocações religiosas, pois, os
principais aspirantes ao Colégio Seráfico são desviados do seu
intento pelos próprios pais. E assim, dos 10 rapazes, entre os
160 alunos que no ano passado mostravam toda boa vontade de
entrar pra o Colégio Seráfico, agora são apenas 4 e todos
europeus: 3 trentinos e 1 alemão. (ZAGONEL, 2001, p. 309)
Percebemos no texto a grande presença da maçonaria, que difundia com
força as suas idéias anticlericais, especialmente contra o clero estrangeiro acusado de
propagar a cultura européia, enriquecer-se à custa do povo brasileiro e alienar as pessoas
com suas concepções de pecado e de um Deus que vigia e castiga qualquer ato contrário
à religião e aos bons costumes.
Além desta dura realidade da Igreja brasileira, os frades chegaram num
período de transição, pois a monarquia caiu e em seu lugar surge a República, com suas
55
idéias liberais, um estado leigo e contrário ao espírito e à educação religiosa. A
princípio os frades não perceberam as mudanças. Não receberam auxílio financeiro que
a monarquia havia prometido, mas, também, não sofreram represálias na realização da
missão.
A Igreja, com a implantação da República, perdeu muito espaço e diversos
privilégios, não ocupando um lugar de destaque na participação política. O que passa a
ser mais valorizado é o laicismo nas diversas estruturas da sociedade: educação,
política, cultura, valores éticos e morais. A nova ordem vigente prioriza a liberdade e o
liberalismo.
Objetivando modificar essa postura amplamente difundida, a Igreja numa
atitude opositora inicia diversas associações católicas, tais como: Confraria do Sagrado
Coração de Jesus, Apostolado da Oração e até mesmo a Ordem Franciscana Secular,
apesar de ser uma instituição anterior ao surgimento da República e mesmo do
descobrimento do Brasil. Tais associações têm como objetivo manter os fiéis ligados à
Igreja e ser um empecilho às idéias dos liberais e dos socialistas.
Neste período de transição, tanto a Igreja quanto os que são contrários a ela
apresentam uma visão muito forte e negativa dos dois lados, dificultando a noção real
da situação. Percebe-se um extremismo muito acentuado. A Igreja acusa o Estado leigo
como sendo o culpado das maiores atrocidades e por sua vez, o Estado não concebe
mais o poder centralizador e alienador da Igreja.
Parece estar o inferno em peso desencadeado e solto,
desesperado contra a Igreja, atacando-a nos paroxismos de uma
raiva que talvez nunca se viu o triste espetáculo em países
católicos. (ZAGONEL, 2001, p. 301 e 302)
Em todos esses movimentos rurais existe uma tônica constante:
a condenação do regime republicano pelo seu caráter leigo,
imposta sob a influência do positivismo e do liberalismo.
Essa mentalidade estava em plena sintonia com a pregação que
muitos clérigos ultramontanos vinham fazendo desde as
56
últimas décadas do período imperial. De certo modo pode-se
mesmo dizer que essa atitude de condenação da República era
um eco da própria postura oficial da Igreja do Brasil. (AZZI,
1994, p. 91)
Toda essa problemática passa a atingir diretamente a atuação dos frades que
com o tempo recebem críticas severas, tanto pessoalmente como através do jornal. Os
opositores da pregação e dos trabalhos dos frades não se calaram diante da renovação
das práticas religiosas realizadas pelo grupo de missionários e atacavam com
veemência. Temos um texto que diz:
Fundada a Ordem III, o mesmo pasquim não poupava os
pobres Irmãos chasqueando-os por andarem vestidos de saias,
chamando-lhes de “fanáticos discípulos de um fanático” e
ameaçando-os caso quisessem apresentar-se na rua vestidos de
tal maneira... (PEDROSO, 2003, p. 42)
A Ordem Franciscana Secular fundada por Frei Luiz passa a ser um esteio
na vida dos frades, ajudando na evangelização, apoiando as iniciativas, realizando
trabalhos; inclusive de construção, fazendo arrecadações para manutenção dos frades,
entre outros.
Percebe-se por meio de diversas iniciativas que os frades capuchinhos
trazem um frescor e um dinamismo à fé católica e uma das marcas mais significativas,
segundo a minha interpretação, é o trabalho voltado aos mais necessitados: início da
escola para meninos pobres, fundação da Ordem Franciscana Secular, que iniciou três
atividades significativas: Asilo Coração de Maria - que trabalhava com educação de
meninas pobres e abandonadas; Asilo Santa Isabel e o Asilo de Velhice e Mendicidade
(BERTO, 1984, p. 45); fundação do seminário São Fidélis em Taubaté/SP e
posteriormente transferido para Piracicaba, visando à formação de sacerdotes.
57
O início de todas essas obras sociais tem uma intenção bem definida: formar
o povo dentro de uma religiosidade com valores morais, respeito a Deus, observância
fiel às determinações da Igreja e aceitação da própria condição de vida. Outro aspecto
interessante é que ninguém olhava para esse grupo de pessoas excluídas e
marginalizadas da sociedade. Portanto, as instituições religiosas principalmente as
franciscanas, na maioria das vezes, defenderam e auxiliaram os menos favorecidos.
A proposta franciscana de educação apresenta uma grande flexibilidade e se
adapta com mais facilidade no atendimento à criança, à maneira como os frades se
adaptam às realidades mais adversas, à compreensão que possuem da pessoa e da
natureza, o despojamento, a vida simples e abnegada fazem uma enorme diferença no
trabalho que realizam.
Nesta perspectiva, a educação passa a fazer parte da missão dos frades no
início do trabalho em terras brasileiras. Em quase todas as cidades em que iniciaram
uma atividade pastoral, abriram também uma escola: Piracicaba, Taubaté, Penápolis,
Birigui e São Paulo.
Destacarei em seguida, algumas dimensões da proposta franciscana no
campo da educação, mas gostaria de encerrar esse tópico com uma parte do artigo
publicado no Jornal de Piracicaba, aos 16 de abril de 1950, por ocasião do sextuagésimo
aniversário da chegada dos frades trentinos ao Brasil. Esse artigo revela um pouco da
vida, da obra, das iniciativas e da missão dos franciscanos.
[...] Dizer o que têm sido estes sessenta anos de apostolado
realizado pelos queridos capuchinhos seria relatar toda uma
série de sacrifícios, de renúncias, de trabalho pertinaz e de
vitórias esplêndidas, conquistadas pelos franciscanos.
O exemplo de sua vida humilde, de trabalho profícuo em prol
da coletividade vem calando profundamente no espírito de
gerações de católicos em nosso município, que é percorrido em
toda a sua extensão pelos discípulos do santo de Assis. Onde
quer que se faça sentir a necessidade de um conforto espiritual,
58
por mais penosa que seja a missão, lá estará presente o
capuchinho, sempre solícito, bondoso e afável.
No setor educacional, centenas de jovens receberam instrução e
educação por intermédio dos frades franciscanos; no âmbito da
caridade, ei-los a socorrer os pobres, a fundar asilos e abrigos,
a pregar a solidariedade humana, sempre com blandícia e com
compreensão. [...] (BERTO, 1984, p. 93)
2. Proposta Franciscana de Educação
A reflexão das dimensões da proposta franciscana de educação foi pautada
no livro de MERINO: Humanismo Franciscano – Franciscanismo e Mundo atual e
SILVEIRA e REIS: São Francisco de Assis – Escritos e biografias de São Francisco de
Assis – Crônicas e outros testemunhos do primeiro século franciscano. Esse último livro
é considerado também, as Fontes Franciscanas, isso é, uma coletânea de biografias,
hagiografias e escritos. É um dos textos mais completos sobre franciscanismo.
O Franciscanismo, desde sua origem, apresenta um jeito de viver e de ser
que restabelece a dignidade do ser humano e faz com que este ocupe seu devido lugar
no cosmo e na sociedade. Difere de outros modelos da época, quanto ao conceito e à
formação da pessoa.
Na visão Franciscana, todo ser humano, em seu agir e pensar expressa Deus.
Não como alguém que manipula, condiciona ou aliena; a dimensão libertadora,
humanizante é fraterna e possibilita um olhar transparente, um convívio humanitário,
benévolo e afável entre os semelhantes.
O Fundador dessa proposta, São Francisco de Assis, viveu essa experiência
intensamente; por isso sua vida foi marcada por encontros consigo mesmo, com os
irmãos, com Deus e com a natureza, tornando-se um espelho e um exemplo para todos.
Alguns comportamentos de Francisco caracterizaram a antropologia
específica da Escola Franciscana:
59
- Presença – o outro merece o seu todo;
- Relação – tudo era importante, válido e interessante;
- Encontro – estava sempre buscando a plenitude;
- Acolhida – mantinha uma profunda vivência fraterna com todos;
- Olhar – olha a todos como irmãos;
Seguindo a perspectiva de MERINO, a relação de Francisco com o
transcendente, com o ser humano e com as demais criaturas desdobra-se numa
dimensão de comunhão, de paz, diálogo e acolhimento, dimensão de liberdade, de
serviço humilde e gratuito, dimensão da ludicidade, levando-o a uma confraternização
cósmica e de respeito. Todas essas dimensões foram amplamente vividas antes de serem
tematizadas.
2.1 Dimensão de comunhão entre o ser humano e as criaturas
[...] convidava com muita simplicidade os trigais e as vinhas, as
pedras, os bosques e tudo que há de bonito nos campos, as
nascentes e tudo que há de verde nos jardins, a terra e o fogo, o
ar e o vento, para que tivessem muito amor e fossem
generosamente prestativos.
Afinal, chamava todas as criaturas de irmãs, e de uma maneira
especial, por ninguém experimentada, descobria os segredos do
coração das criaturas, porque na verdade parecia já estar
gozando a liberdade gloriosa dos filhos de Deus. (SILVEIRA;
REIS, 1996, p. 236)
Segundo Celano32, o primeiro biógrafo da vida de São Francisco, a
comunhão entre o ser humano e as criaturas é vivida por Francisco e seus
companheiros. A relação é de fraternidade, de convivência harmoniosa e de serviço, isto
é, utiliza-se a natureza para a sobrevivência dentro de um equilíbrio natural, sem
destruição, pilhagem e saques.
32
Frei Tomás de Celano entrou na Ordem de São Francisco e escreveu a primeira biografia do Santo de
Assis, a pedido do Papa Gregório IX, em 1229. Escreveu também a Vida II de São Francisco, Tratado dos
Milagres e Legenda para ser usado no coro.
60
O ser humano não é superior e nem inferior às demais criaturas, mas um
entre elas, gerando um relacionamento de cumplicidade, de necessidade e de irmandade.
Na compreensão contemporânea as coisas criadas existem para ser
exploradas em proveito próprio, são inferiores ao homem e deve-se tirar o máximo de
proveito para gerar lucros altíssimos. Percebe-se uma falta de consciência ecológica e
um não comprometimento com o planeta terra, que é a casa do próprio homem. Tudo
acaba tornando-se descartável e o ser humano se acha no direito de manipular, explorar,
destruir, enfim, fazer-se dono.
Na perspectiva franciscana é diferente, o ser humano é parte integrante de
toda a criação, o mundo é sua casa, portanto há uma reciprocidade, um cuidado, um
respeito e uma harmonia muito grande. Surgem relações de fraternidade e benevolência
numa dependência recíproca, para se viver em paz.
A natureza é um convite de louvor para o franciscanismo, pois é uma
expressão da liberdade, da simplicidade, da beleza e da magnificência do Criador. Com
ela todo o ser humano deveria aprender a viver segundo os princípios pelo qual foi
criado: amar, servir, alegrar e doar-se, numa profunda atitude de gratidão e reverência.
2.2 Dimensão da paz, diálogo e acolhimento
O período da história em que viveu Francisco é um período de conflitos,
tanto na sociedade: nobres, burgueses e camponeses, quanto na igreja: clero, grupos de
penitentes itinerantes e fiéis.
Francisco pertencia à burguesia e participou ativamente dos conflitos,
inclusive foi à guerra defendendo o interesse do Papa, mas, abandonou a vida do século
para viver livremente pelo mundo; quis seguir Jesus Cristo pobre. Não almejou uma
revolução social, política, econômica ou religiosa; deixou sua influência e seu estilo
61
original e independente de servir e amar a todos. A amplidão do olhar de Francisco
abarca todas as categorias sociais, propiciando uma atenção particularizada, conforme
as necessidades existenciais de cada um.
Conforme consta na Legenda Maior de São Boaventura 33, (SILVEIRA;
REIS, 1996, p. 524) Francisco, vários anos depois de sua conversão, vai em plena
guerra à Síria ao encontro do Sultão, com o intuito de oferecer a própria vida para que a
paz aconteça. Francisco ao passar pelas tropas inimigas é preso e levado ao Sultão.
Através de um breve diálogo, o chefe dos exércitos fica admirado com o espírito
benévolo do pobre de Assis que decide libertá-lo.
Nesse exemplo percebemos a vitalidade do franciscanismo, o desejo da
construção de uma sociedade pacífica, onde todos possam perceber que são irmãos e
que se faz necessário olhar para os que são desprezados e excluídos, conforme descreve
a regra: “[...] mas sejam mansos, pacíficos, modestos, afáveis e humildes, tratando a
todos honestamente, como convém”34. (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 134)
Francisco foi um pregador incansável da paz, capaz de reconciliar políticos,
classes sociais, famílias e membros da própria Igreja, pois seu objetivo era reconciliar o
ser humano com Deus35.
Os franciscanos não viveram apenas a dimensão religiosa, mas também a
dimensão social e política; para eles o amor de Deus se traduzia em amor aos homens; e
33
São Boaventura, doutor da Igreja, escreveu a biografia que foi oficial por muitos séculos, denominada
Legenda Maior, que foi concluída em 1263. Escreveu, também, a Legenda Menor, que é um resumo da
primeira, para os frades lerem no coro.
34
O texto é extraído da Regra Bulada, que foi aprovada pelo Papa Honório III (1223). A Ordem possui o
pergaminho original em Assis. É a Forma de Vida dos Frades Menores, desde 1223.
35
“Louvado sejas, meu Senhor, pelos que perdoam por teu amor, e suportam enfermidades e tribulações.
Bem-aventurados os que as sustentam em paz, que por ti, Altíssimo, serão coroados”. (SILVEIRA; REIS,
1996, p. 72).
62
tanto a fé36 quanto a mística37 estão intimamente ligadas à vida social, cultural, política
e histórica.
Francisco não foi apenas um reformador social, pois suas idéias e atitudes
influenciaram também na gestação da democracia.
O pobre de Assis não fez uma opção de classe menosprezando a outra, mas
quis ser pobre como Cristo, portanto foi livre não pertencendo à hierarquia da Igreja –
num tempo em que essa hierarquia era efetiva expressão de poder temporal e político optando por ser simplesmente filho da Igreja e livre para amar todos os irmãos.
Na dimensão da paz há também a concepção da formação da pessoa –
educação – que no franciscanismo não acontece no isolamento e no individualismo, mas
na convivência, na pertença, na fraternidade.
Bem-aventurado o servo que ama ao seu confrade enfermo, que
não lhe pode ser útil, tanto como ao que tem saúde e está em
condições de lhe prestar serviços. Bem-aventurado o servo que
tanto ama e respeita o seu confrade quando está longe como se
estivesse perto nem diz na ausência dele coisa alguma que não
possa dizer na sua presença sem lhe faltar à caridade.
(SILVEIRA; REIS, 1996, p. 69)
Para o cultivo da paz, do diálogo e do acolhimento faz-se necessário o pleno
exercício da convivência fraterna, que é observado, mesmo estando distante da pessoa; é
uma atitude e um modo de ser fundamental na proposta franciscana.
36
“Para a bíblia, a fé é a fonte e o centro de toda a vida religiosa. Ao plano que Deus vai executando no
tempo deve o homem responder pela fé. A palavra apresenta dois pólos: a confiança que se presta a uma
pessoa “fiel” e engaja o homem todo inteiro; e, doutro lado um procedimento da inteligência à qual uma
palavra ou sinais possibilitam acesso a realidades que não se vêem.” (LÉON-DUFOUR, 1972, p. 336 e
337)
37
A definição de mística que melhor condiz com a proposta franciscana aqui apresentada é: “Diante do
mistério que o transborda, o homem expressa sua incapacidade de falar pelo silêncio, pela mística: quer
designar realidades secretas da ordem religiosa e moral. Mística vem do grego myo = fechar os olhos ou a
boca: para não ver o segredo e para não revelar nada. O silêncio é saudável. Na linguagem do amor, feita
de palavras e de silêncios, nós nos movemos num modo de falar que pode parecer impreciso para quem
não descobriu a precisão da arte, tão carregada de força e de verdade. Nela, o homem se ajoelha para
recolher as riquezas do mistério. Celebra-o. Quando o mistério é muito grande, adora. Mas não foge do
mistério, vive dele”. (PEDROSO, 2009, p. 7)
63
2.3 Dimensão de liberdade
Se permanecerdes na minha palavra, sereis verdadeiramente
meus discípulos e conhecereis a verdade e a verdade vos
libertará. (Bíblia de Jerusalém, 2003, p. 1865)
Um dos aspectos mais evidentes do ser humano é a busca da liberdade. E a
vida é essa constante busca e uma luta resistente contra a própria escravização e
manipulação.
Para ser livre precisa querer, ter esperança e buscar a liberdade, canalizando
toda a vitalidade num processo de purificação e criatividade. É preciso despojar-se de si
mesmo, ser senhor de si e não deixar-se conduzir ou manipular. Faz-se necessário ter
uma liberdade crítica para não cair em uma falsa e enganosa liberdade.
Para Francisco a pobreza é um dos caminhos para a liberdade. Não só uma
pobreza na dimensão econômica, mas também na dimensão antropológica e existencial.
Pois o não possuir em qualquer dimensão alarga horizontes, seja nas relações sociais ou
espirituais e amplia a sua compreensão de fraternidade.
Francisco faz o processo de ruptura com todas as formas de dependência,
poder, submissão; torna-se cada vez mais dependente do absoluto, já que Deus é a
própria liberdade.
Um dos exemplos mais contundentes dessa sua postura é o rompimento com
a família:
Agora poderei dizer livremente: Pai nosso, que estais nos céus,
e não meu pai Pedro Bernardone, a quem devolvo não só o
dinheiro mas também toda a roupa. Irei nu para o Senhor.
(SILVEIRA; REIS, 1996, p. 295)
O caminho da liberdade para o franciscano é uma vida simples, despojada e
pobre, para se conquistar a liberdade e para a vivência do fundamental – Deus.
64
Mas, desde os primórdios da humanidade a pessoa não consegue equilibrar
o ser e o ter e normalmente, o ter sufoca e anula o ser.
O ter não está apenas na dimensão material, mas nas diversas dimensões do
homem: social, afetivo, psicológico e espiritual. O ser e o ter são dois modos
fundamentais da experiência humana, isto é, são potencialidades da natureza humana.
A dinâmica realizada por Francisco foi a de usar das coisas sem possuí-las e
sem se deixar possuir por elas - o que o tornaria um escravo - portanto perderia a
liberdade.
Com isso percebe-se uma nova forma de estar no mundo, uma forma
fraterna, cujo fim último é Deus, criador e Senhor de tudo, mas sem se apossar de nada
até ao ponto de entregar o seu próprio Filho para libertação da humanidade.
O conceito de liberdade está um tanto longe do seu real significado, mas
através da Escola Franciscana resgata-se esse conceito, afirmando que é a expressão da
forma perfeita de existência, na qual o ser humano intervém como ele é, por meio da
reflexão que vem do entendimento, com a autodeterminação que vem da vontade e com
suas mais variadas limitações e ambigüidades.
A visão de liberdade na Escola Franciscana envolve o ser humano em sua
amplitude: entendimento, vontade, afetividade, corporeidade e sociabilidade, na
convicção de que tudo é recebido gratuitamente do Criador e a cada ser cabe acolher,
buscando realizar em plenitude a própria existência.
Como diz o Evangelho de São João, um dos caminhos para se conquistar a
liberdade é a fidelidade à verdade e esta só se adquire na coerência entre fé, razão e
vida.
65
2.4 Dimensão do serviço humilde e gratuito
E os irmãos que forem capazes de trabalhar trabalhem; e
exerçam a profissão que aprenderam enquanto não prejudicar o
bem de sua alma e eles puderem exercê-lo honestamente.
(SILVEIRA; REIS, 1996, p. 146)
Nos escritos de São Francisco e na Escola Franciscana não há um tratado
específico sobre o trabalho, mas há alguns escritos e, sobretudo, a própria atitude de
Francisco muito o valoriza e apresenta-o como graça, como uma possibilidade de fazer
o bem, de sustentar-se e ajudar a sustentar a fraternidade. É seguir a dinâmica de Deus
que é um trabalhador, que cria e recria a vida a cada instante, e a todos nos sustenta e
conserva.
Na época de Francisco ainda existia a visão de trabalho como escravidão,
entretanto o poverello de Assis condena esse modo de ver e igualmente a ociosidade.
Reconhece o trabalho braçal e doméstico como dimensão humana.
O trabalho tem o sentido da pobreza, do despojamento e do serviço simples
e honesto. Também era uma forma de ajudar os mais necessitados.
Todas as ações são consideradas trabalho para os Franciscanos: orar, pregar,
evangelizar, conviver, fazer algo para sustentar-se, cuidar dos irmãos, estudar, trabalhar
com as mãos e outros.
Os primeiros franciscanos realizaram trabalhos simples: cuidavam de
leprosos, reconstruíam igrejas, trabalhavam no campo, na cozinha, cuidavam das
Igrejas, mas eram atividades úteis e honestas. Essa atitude ajudava-os no cumprimento
fiel da própria vocação.
No Franciscanismo o trabalho não é voltado para o lucro e muito menos
coisifica o homem, é uma ação mediadora da fraternidade com o mundo social e
essencialmente humanizante.
66
A partir do Renascimento se instaurou a visão humanista, antropocêntrica,
com tudo, historicamente, o modo de produção capitalista vai aos poucos gerando
diversas necessidades, aumentando a produção e transformando o ser humano em uma
pessoa altamente consumista.
A técnica se sofisticou, tornando-se cada vez mais aperfeiçoada, criaram-se
necessidades artificiais que escravizam o homem, causando uma profunda insatisfação,
com a perda de valores pessoais: liberdade, esperança, amizade, alegria, criatividade...
No decorrer da história surgiram muitos movimentos, principalmente
religiosos, que procuravam restabelecer esses valores perdidos. O Franciscanismo é um
exemplo dessas organizações que apresenta uma nova proposta, como estamos expondo
algumas idéias neste capítulo.
O Franciscano trabalha para viver e não vive para trabalhar. Não se
preocupa em acumular. A ganância, o egoísmo, os excessos e o lucro exagerado não
ocupam lugar na sua mente e coração. Portanto, a dimensão franciscana do trabalho
apresenta um caminho onde o ser humano executa suas ações, convive e vive um modo
de ser moderado e simples.
A visão Franciscana possibilita ao homem perceber que ele é
essencialmente relação e dependência, que as atividades proporcionam a humanização,
o bem estar, o desenvolvimento pessoal e fraterno, a alegria de viver, quer ao serem
feitas na gratuidade, quer quando assumidas para própria sustentação ou da fraternidade.
2.5 Dimensão da ludicidade
Após esboçar a dimensão humana do trabalho dentro do Franciscanismo,
apresentarei outra característica muito peculiar, a ludicidade, a alegria, a festa. Essa
característica está expressa em todas as outras dimensões da vida franciscana, aos quais
67
a pessoa é extremamente encantada, realista, não perde a esperança, o amor, faz da
existência uma celebração festiva.
Francisco, mesmo antes de sua conversão, que só aconteceu aos 25 anos, foi
um jovem alegre, considerado o rei das festas, gostava de aventuras. O livro dos Três
Companheiros afirma que: “seu natural era folgazão e jovial”. (SILVEIRA; REIS, 1996,
p. 649)
A Igreja no período da Idade Média condenava a alegria, o riso, as festas e
as danças. Francisco resgata todos esses valores com seu jeito jovial e festivo e
demonstra a ludicidade no decorrer de sua vida.
Temos alguns textos de Celano que revelam a alegria de Francisco:
[...] ria-se e fazia pouco das cadeias.
[...] escolheram-no como chefe, porque tinham experiência de
sua liberalidade e esperavam que pagasse as despesas de todos.
[...] não cabia mais em si de tanta alegria e, mesmo sem querer,
deixou escapar alguma coisa aos ouvidos dos outros.
[...] com alegria redobrada, começou a cantar em voz alta pelos
bosques louvores ao criador de tudo. (SILVEIRA; REIS, 1996,
p. 289, 291, 184 e 190)
Esses são alguns dos inúmeros textos que expressam o júbilo do santo de
Assis, sua liberdade, seu modo alegre de viver e sua sensibilidade que exemplificam sua
vida equilibrada e a sua riqueza humana, pois viveu intensamente a própria existência,
reconhecendo-a como dom gratuito de Deus Pai.
Os primeiros Franciscanos cultivavam o bom ânimo, a benignidade, eram
atentos e bondosos. Um exemplo é o livro Fioretti38, que retrata uma vida simples,
verdadeira, despojada, num estilo excepcionalmente alegre e lúdico. São histórias de um
grupo que não está contaminado pela amargura, ganância e agitação.
A música e o canto são destaques entre os Franciscanos. O fundador do
franciscanismo, inclusive, compôs um ofício (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 115) para ser
38
Fioretti é um texto escrito entre os anos 1331 e 1337 por frei Hugolino de Montegiogio. Fioretti quer
dizer “ramalhete de flores”. São fatos sobre a vida de São Francisco e seus companheiros contados por
outros frades.
68
recitado nas orações litúrgicas e outros Franciscanos também contribuíram grandemente
com canções alegres e festivas e ainda o fazem. Temos a satisfação de conhecer e
conviver com alguns franciscanos compositores e músicos em Piracicaba.
A religião em seus momentos litúrgicos e celebrativos utiliza-se da dança,
da música e do símbolo, maneiras de expressar algo que não pode ser falado, para
manifestar a fé.
Analisando a história da humanidade percebe-se que o jogo está presente na
vida do ser humano, antes mesmo que outros aspectos da cultura. E traz consigo
elementos simbólicos que se integram na aventura humana, dando leveza, suavidade,
beleza, harmonia e despertando a fantasia e a criatividade.
Essa dimensão, após a industrialização, vem passando por crises e modos de
viver que causam preocupações e atitudes demasiado sérias, pois a eficiência, o êxito e
o lucro são extremamente valorizados. Faz-se necessário recuperar a alegria, o bom
humor e restabelecer uma convivência mais prazerosa.
A alegria é uma das maneiras mais eficazes de proporcionar ao ser humano
saúde mental, equilíbrio emocional, atitudes maduras, singular relação interpessoal.
Sabe-se que o bom humor e saber rir de si mesmo tornam a própria existência mais
agradável e jovial.
Quem vive assim, aos poucos se assemelha a Deus, que é vida, luz, alegria,
plenitude. E o Franciscanismo na força do seu carisma intuiu plenamente essa
concepção de Deus.
O universo Franciscano traz em si os ideais e as condições para substituir as
relações de competitividade e de superioridade por uma convivência harmoniosa e de
relações de serviço, como substituição à mentalidade mercantilista e cumulativa. Cria,
69
portanto, relação de confraternização. É ainda possível humanizar a técnica de tal modo,
que na solidariedade e na gratuidade se construa a civilização do amor.
A ludicidade é associada, também, no Franciscanismo com a flexibilidade e
o improviso. Francisco e seus seguidores se adaptam às diversas realidades, porém sem
perder seu referencial. Um exemplo dessa postura é o episódio do Lobo de Gúbio,
narrado no livro Fioretti (SILVEIRA; REIS, 1996, p. 1122), onde Francisco acalma um
lobo feroz, na cidade de Gúbio e encarrega as pessoas da referida cidade para cuidarem
do animal.
Francisco, através das suas atitudes, indica a necessidade de adaptação e
análise da realidade, de interferência precisa, mas sem prejudicar ninguém – nem as
pessoas e nem os animais e sem afastar-se dos valores essenciais.
As dimensões esboçadas acima deixam nítida a Proposta Franciscana na
formação da pessoa e, conseqüentemente, são utilizadas pelos educadores franciscanos.
E nesta perspectiva, a Pedagogia Franciscana é hoje ainda uma proposta de esperança e,
seguramente, um caminho para a construção de um futuro melhor. Garante também, que
o sonho e a utopia continuam vivos. Com sua mensagem de aceitação do diferente e
ajuda mútua, de simplicidade, de ternura e de pobreza, assegura que vale a pena, com
todas as forças e grande empenho, reencantar o futuro e a educação.
3. Perfil do Educador Franciscano
Concluo este segundo capítulo reforçando o perfil do educador franciscano,
tendo como base o texto de PICCOLO, que faz referência a diversas atitudes necessárias
ao educador franciscano.
Segundo a concepção do autor o educador franciscano é:
70
Servidor – essa postura indica que o educador deve estar disponível para
sempre servir, acompanhar e orientar os seus educandos, fazendo-os crescer como
pessoas e cidadãos. Não almejar um retorno imediato por parte dos alunos, mas auxiliálos na gratuidade, acreditando no potencial de cada um.
Animador – essa segunda característica expressa que o professor
franciscano deve saber acolher seus alunos, identificar-se com eles, com o intuito de
procurar entender suas reais necessidades e encorajá-los a buscar sempre mais, tanto o
conhecimento como desenvolver-se espiritualmente, e assim não desistir diante dos
obstáculos e dificuldades, mantendo sempre viva a chama da esperança.
Sábio – neste aspecto o professor deve visar à formação permanente,
contínua e integral, isso quer dizer: aulas bem preparadas; que atendam às necessidades
dos alunos, utilização de recursos adequados e domínio do conteúdo. O professor deve
educar com o coração, de maneira equilibrada, reconhecendo que cada aluno é um ser
humano carregado de possibilidades, sentimentos, experiências e com uma história de
vida toda especial, que deve ser levada em consideração no processo de aprendizagem.
Verdadeiro – neste item o professor deve saber elogiar os acertos e o esforço
de seus alunos, bem como, saber corrigir e orientar nas falhas e erros, mas com muita
paciência, humildade e respeito. Exige-se neste quarto aspecto muita sinceridade,
transparência, equilíbrio, justiça e reverência por parte dos educadores.
Cortez – a quinta postura do educador franciscano é muito exigente, pois
faz-se necessária uma atitude de benignidade e amabilidade muito grande, mesmo
diante da agressividade e rebeldia de alguns alunos. O professor deve tratar com
respeito, cortesia e gentileza seus alunos, despertando-os para a sensibilidade e
suavidade da vida.
71
Renovador – nesta dimensão o educador deve adotar paradigmas
renovadores, ser criativo, ter sonhos e buscar implantar uma gestão participativa. É
preciso ter idéias novas e atuais, mostrar que há caminhos para serem trilhados e
projetos a serem desenvolvidos, portando, não deixar os alunos caírem na rotina e
mesmice, que pode levá-los ao fracasso e desistência de seus ideais. Nesta postura o
professor é convocado a ser uma pessoa de idealismo criativo.
Alegre – a alegria é um dos valores mais estimados pelo franciscano, por
isso, o perfil do educador dessa pedagogia deve ser alegre, estar de bem com a vida,
sorrir, acolher bem, semear esperança, mostrar que as desventuras e os sofrimentos não
são maiores que as potencialidades do ser humano.
Solidário – atitude do verdadeiro ideal franciscano, que é viver como
irmãos: pessoas, animais e toda a natureza formando a fraternidade universal. O
educador deve ser amigo, solidário, ter consciência ecológica e uma postura ética diante
de todas as situações.
Pacífico – a penúltima atitude do educador franciscano é o cultivo da paz
entre as pessoas, nas famílias e onde se trabalha. É criar um ambiente descontraído,
agradável e que estimule o trabalho em equipe. É, no meio da turbulência diária, ser
uma pessoa pacífica, portadora da tranqüilidade e da harmonia.
Espiritual – finalmente a última dimensão é ser uma pessoa de amor a Deus,
isto é, de vida interior, ser uma pessoa de fé, equilibrada, que defende a justiça e a
solidariedade, capaz de dar a vida em defesa da própria vida e pela causa do Reino. Ter
a consciência de que a missão é educar para a vida em plenitude.
Destaquei algumas dimensões do franciscanismo e do perfil do educador
franciscano, pois são posturas que refletem diretamente a vida e ação dos Frades
72
Capuchinhos, dos Irmãos e Irmãs da Ordem Terceira Secular e das Irmãs Franciscanas
do Coração de Maria.
Todo trabalho destes Franciscanos, como mencionamos nos textos
anteriores e citaremos na proposta educativa do Asilo Coração de Maria, foi voltado
para a formação da pessoa e restabelecimento de sua dignidade e para que essa pessoa
formada possa ajudar na transformação do bem estar social.
Não é possível afirmar que a proposta franciscana de educação é um método
de ensino, mas são valores possivelmente aplicáveis na prática pedagógica das
instituições de ensino, bem como, na vida das pessoas que almejam seguir essa
espiritualidade.
No próximo capítulo será abordada, com maior ênfase, a proposta educativa
do Asilo Coração de Maria, observando o período histórico dos primeiros anos de
fundação – 1896 a 1912 e destacando a sua organização, funcionamento, estrutura e
demanda.
73
Capítulo III
Educação Franciscana no Coração de Maria – 1898 a 1912
O homem sonha continuamente com o futuro, pintando-o numa
tela dourada, encenando-o numa apoteose de triunfo; e,
quando cessa o sonho, evoca a tranqüilidade do passado,
revivendo fatos, vultos e cousas que lhe passam então pela
mente envoltas numa doce poesia, num sentimento indefinível
de saudade. (PINHEIRO, Assis; Apud. AQUINO, 1985, p. 99)
Nos capítulos anteriores apresentei o contexto histórico da sociedade
piracicabana, berço acolhedor da inspiração de Irmã Cecília e Frei Luiz, que favoreceu
o surgimento do Asilo Coração de Maria, juntamente com a colaboração de inúmeras
pessoas que acreditaram num sonho, num ideal, efetivando o crescimento de uma
Instituição educacional e assistencial.
Nesta parte da pesquisa farei uma análise do primeiro Estatuto do Asilo
Coração de Maria, do Livro de Matrículas das internas, do Livro Caixa e, através de
outros documentos e testemunhos ainda existentes, esboçarei as características
peculiares da Educação Franciscana do Coração de Maria.
Existem poucas fontes sobre a fundação e o desenvolvimento do Asilo no
período de 1896 a 1912. Estão disponíveis o Estatuto (Anexo 8), o Livro de Matrículas
das Internas (Anexo 11), o Livro Caixa39 (Anexo 10) e alguns testemunhos e dados
coletados em vista do processo de canonização de Irmã Cecília.
39
O livro caixa está no AHC, com data de 09/02/1897. Ele não possui termo de abertura e encerramento.
74
1. Análise do Estatuto do Asilo Coração de Maria de 1897
Durante muito tempo o Asilo Coração de Maria se norteou pelos Estatutos,
pela experiência das Irmãs que seguiam a Proposta Franciscana de Educação, herança
legada pelos Freis Capuchinhos, pela Ordem Franciscana Secular e, posteriormente,
pelo estudo das próprias Irmãs que se constituíram em Congregação Religiosa,
alicerçada na espiritualidade franciscana.
Portanto, nos primeiros anos, não existia um Plano de Ação ou um Projeto
Pedagógico sistematizado. A ausência desse instrumento se justifica, porque nesse
período não havia essa exigência, principalmente nas pequenas cidades. Também não
havia uma política educacional nacional bem definida, pois o Ministério da Educação
foi criado apenas em 1930 e estava ligado à saúde, o que não significa a ausência de um
trabalho educacional no país.
Até a década de 1950 as aulas eram ministradas dentro do Asilo Coração de
Maria, por religiosas da Congregação, existem os livros de chamada que comprovam o
atendimento educacional.
A partir de 4 de dezembro de 1952, por Lei Estadual nº 1943, todos os
internatos passaram a se denominar Lar Escola. E por algum tempo ainda a instrução
intelectual, as alunas recebiam no Lar Escola até ao terceiro ano, hoje denominado
terceira série e o quarto ano era ministrado em outra entidade da Congregação. Depois
as internas passaram a freqüentar escolas estaduais num período, ou de manhã ou à
tarde, conforme o ano escolar.
No final do ano de 1981, por determinação da Diretoria, conforme consta na
Ata do dia 18 de setembro, foi decidido fechar o internato e implantar o regime de
creche. Os motivos desta decisão são apresentados no Plano de Trabalho para 1982, que
se encontra no arquivo do Lar Escola e diz:
75
Devemos considerar que a grande maioria dos casos que
procuram a obra, não são casos de internação; procuramos
solucionar o problema utilizando-se do sistema de semi
internato.
Considerando ainda que a idade de 0 a 7 anos, é o período em
que a família desempenha um papel decisivo no processo de
maturação física, psíquica e social da criança. A criança sendo
desvinculada do meio da família, poderá, mais tarde apresentar
problemas ineversíveis de comportamento.
Justifica-se ainda que o baixo salário; o alto custo dos aluguéis;
doenças; desqualificação profissional; faz com que as mães
trabalhem fora do lar, para aumentar a receita familiar; desta
forma a família se utilizando do semi internato, continuará a
sentir-se responsável pela criança e não há acomodação por
parte dos parentes, fato que geralmente ocorre quando a criança
está internada. (Plano de Trabalho, 1982)
A partir de 1982 surge uma nova proposta de atendimento, assim definida:
Jardim da infância, Pré primário e Educação Complementar. As crianças de dois a sete
anos recebiam atendimento em período integral e as de sete a doze anos apenas em meio
período (matutino ou vespertino), pois no período oposto freqüentavam a escola
pública.
A década de 80, como afirmamos anteriormente, pode ser
considerada histórica, por duas razões fundamentais: a
primeira, a gradual e difícil redemocratização política do país,
e a segunda, a discussão, elaboração e aprovação da
Convenção Internacional dos Direitos da Criança, que, de certa
forma, propiciou um impacto significativo real, não só para a
América Latina, mas principalmente no Brasil. (GRACIANI,
1997, p. 268)
A colocação de GRACIANI é pertinente, pois neste período acentuam-se as
reflexões e os estudos que resultaram na promulgação das novas leis nacionais:
Constituição de 1988, Estatuto da Criança e do Adolescente de 1990, Lei Orgânica de
Assistência Social de 1993, que dão seguridade à infância e valorizam a matricialidade
familiar.
76
Em 2002, com a implantação da Educação Infantil, as atividades passaram a
ser organizadas e as ações norteadas pelo Plano de Ação Pedagógica. (Anexo 2)
Abordarei, nesta parte do trabalho, alguns aspectos relevantes do primeiro
Estatuto, o qual dá uma visão bem clara do atendimento e das atividades desenvolvidas
no Asilo.
No primeiro Estatuto40, logo no 1º artigo, lia-se: “[...] um instituto destinado
a educar e sustentar meninas desvalidas, órfãs ou não, sem distinção de cor ou de
classe”. (MARCON, 1992, v. 4, p. 132) Essa afirmação é de fundamental importância,
pois deixa claro que é uma Instituição voltada para a educação, tanto de cunho formal,
como também, não-formal, isto é assistemática (LIBÂNEO, 1992, p. 17 e 18). O Asilo
surgiu para atender uma necessidade muito particular, que eram as meninas desvalidas,
isto é, abandonadas ou as quais a família não conseguia sustentar e meninas que não
eram órfãs, mas necessitavam de outro tipo de atendimento, por exemplo, local para
residir enquanto estudavam. As famílias desejavam complementação de ensino: boas
maneiras, bordado, costura ...
Dois aspectos interessantes merecem destaque: a acolhida de meninas sem
distinção de etnia e classe social, portanto uma instituição que rompe com alguns
preconceitos e conflitos, conforme foi mencionado no primeiro capítulo.
O estatuto estabelecia uma idade mínima para a admissão das alunas: cinco
anos para cima, entretanto é um fato que nem sempre condiz com a lista de matrículas:
crianças cuja idade é inferior a cinco anos. Não existe uma justificativa documentada
para essa determinação. O que podemos concluir é que a prioridade nos primeiros anos
40
O Estatuto Original se encontra no Arquivo Histórico da Congregação. Porém na presente pesquisa foi
utilizada sua cópia, que consta na Prova documental - Trajetória da Congregação das Irmãs Franciscanas
do Coração de Maria, v 4. É um documento com 5 capítulos, 38 artigos e mais as Disposições
Transitórias com 10 artigos.
77
de vida de uma criança é a convivência familiar e as que eram acolhidas com idade
inferior à estabelecida, era por consenso das Irmãs, visto a necessidade emergencial.
As alunas que ingressavam no Asilo Coração de Maria permaneciam até
completar a educação escolar e só deixavam a Instituição por alguns motivos
específicos: casamento, um desenvolvimento precoce, alguma doença grave ou
contagiosa ou em casos de incorrigibilidade. (Estatuto Art.3º) Na análise do livro de
matrículas apresentarei as tabelas que expressam os motivos pelos quais as internas
deixavam a Instituição, porém, em relação ao desenvolvimento precoce não encontrei
nenhum caso e nem mesmo uma explicação, portanto não é possível explicar a
aplicação dessa categoria.
Em relação ao desligamento do Asilo não há muitos dados, o que consta no
livro de matrículas é que algumas alunas deixavam o Asilo. Um testemunho afirma o
casamento de uma aluna e o falecimento de outra, ao mesmo tempo, logo no início da
obra.
Desde o primeiro dia, as Irmãs tomaram a peito a educação e
instrução das órfãs, cujo número se elevou em pouco tempo.
Ensinava-se-lhes o catecismo, as primeiras letras, trabalhos
domésticos e de agulha, enquanto se lhes ia formando o
coração às práticas piedosas. Correspondendo a esses desvelos,
diversas fizeram-se religiosas, outras tomaram outro estado,
segundo o chamado de Deus, dando muitas a consolação de ver
que a boa semente germinara em seus coraçõezinhos, como em
terra fértil. Dentre as que se fizeram religiosas, convém
mencionar Maria Madalena Silveira, que em 1909 tomou o
S[anto] Hábito com o nome de Ir[mã] Isabel do Sagrado
Coração, desempenhou o cargo de Mestra de Noviças de 1912
a 1915, vindo a falecer santamente no ano de 1917.
A menina matriculada sob o número 2, Maria Joaquina, foi a
primeira florzinha transplantada do Asilo para o trono do
Coração de Maria. Conta-se que levara um pequeno arranhão
num dos pés, de que não fez caso, por ser coisa sem
importância. Depois de brincar e muito saltar no recreio, à
noite, sentiu febre; manifestara-se o tétano que, entre
convulsões, levou-a dentro de 3 dias à sepultura. Mamãe
78
Cecília, carinhosa em extremo, alentava-a dizendo: “coragem,
minha filha, você é o primeiro lírio a ser arrancado para eu
oferecer ao Coração de Maria”. Nas dores e espasmos, a
menina repetia: “Mamãe, como custa arrancar es[se] lírio”. E
assim, após 3 dias, faleceu santamente, rodeada pelas Irmãs e
assistida pelo facultativo que em vão empenhou todos os
esforços para arrancá-la [d]as garras da morte. Triste
coincidência, registrada numa folha local de então: - Carolina
de Souza, sob o n[úmero] 4, ia sair do Asilo para tomar o
estado matrimonial. Estava marcado o dia de seu casamento e
tudo preparado, pobre, mas carinhosamente, quando se
manifesta a moléstia de M[ária] Joaquina. Ignorando-se o
futuro, nada se modificou e, justamente à hora em que o
médico entrava para assistir à morte de uma, encontra-se com o
cortejo que conduzia a outra aos pés do Altar. Estranha
comoção se apoderou dele, o que determinou o ponderoso
artigo publicado, como disse, num jornal, cujo pensamento
principal era este: “As duas virgens. Enquanto se oferece uma
no altar da dor, para ser entregue à Rainha das Virgens, outra
se imola também no Santo altar, mas para ficar no mundo.
Qual das duas será a mais feliz? (LIMA, 1992, p. 22 e 23)
Citei o texto na íntegra, pois revela alguns aspectos importantes.
Primeiramente destaca o cuidado e a sensibilidade maternal das religiosas na educação
das meninas e que o número das atendidas era significativo desde o início da obra.
Outra questão é em relação à opção de vida das órfãs. Não era imposta a vida religiosa,
mas as meninas podiam escolher a vida consagrada ou o casamento e até mesmo
ficarem solteiras. As Irmãs procuravam educar para a vida, educar dentro de uma
religiosidade, deixa-lhes a livre escolha. Merece destaque a questão do lazer. As órfãs
brincavam livremente no pátio. Essa postura quebra um pouco o rigorismo que rotula as
instituições religiosas e muitas vezes são vistas apenas como instituições fechadas,
disciplinadoras, com leis severas, punitivas, quando não opressoras.
Esse fato destaca, também, a preocupação e o zelo de Irmã Cecília e suas
primeiras companheiras junto às internas. Revela o carinho, a dedicação atenta e a
coragem de uma verdadeira mãe junto da filha que sofre. Por outro lado, destaco a
79
precariedade do atendimento de saúde que existia na época; sem recurso adequado para
conter o tétano, tirando a vida de uma criança, apesar do atendimento médico solicitado
pelas Irmãs.
Vemos ainda que a coincidência entre dois destinos aparentemente tão
opostos - um casamento e uma morte no mesmo dia, na mesma Instituição – levando a
uma situação inusitada e de algum modo constrangedora, por manifestar alegria e
tristeza, numa ambivalência difícil de gerenciar, era lida à luz da fé por aquelas
religiosas que tanto participavam da alegria da jovem que se casava, como viviam a dor
que levava a vida da outra jovem, provavelmente sob a perspectiva comum da
esperança, com a qual conduziam a obra ainda iniciante.
Voltemos ao primeiro Estatuto dando seqüência à reflexão sobre a
organização e gestão, nos primeiros anos de fundação do Asilo Coração de Maria. Em
seu artigo 4º afirma que o número de alunas deve condizer com o espaço físico e os
recursos disponíveis. Diante do cenário educacional do país, que muitas vezes não
apresentava uma estrutura adequada na maioria das escolas, essa preocupação não é
negligenciada pelas Irmãs, pois buscavam propiciar um espaço favorável ao bom
desenvolvimento das alunas e atendê-las em suas necessidades.
Alguns dados, conforme apresenta AQUINO em relação à vida das
primeiras Irmãs e das internas mostram um período de muita dificuldade, carência,
obstáculos e sofrimentos: porém o bom ânimo, a força de vontade e a confiança na
Providência Divina era muito grande. Aquele grupo acreditava que a obra do Asilo era
conduzida pela força e ação de Deus, conforme expressam os fatos:
[...] Inesperadamente, entra o Fundador, e, dirigindo-se a
Mamãe Cecília, pede para ver as provisões da despensa. –
Provisões? Não há necessidade, recebemos no momento
preciso ... Retirando-se, ele mandou para o Asilo um
abastecimento dos gêneros mais necessários, entre os quais um
saco de fubá e um deçúcar (de açúcar) preto [...]
80
[...] Um dia, porém visitando o Asilo o negociante Sr. Luiz de
Toledo, confrangeu-se-lhe o coração ao presenciar aquela
pobreza. De volta a sua casa, enviou seu donativo, constando
de talhas, pratos, jarros e demais utensílios que achou
necessários. (AQUINO, 1985, p. 8)
Outro fator importante está expresso no art. 6º do Estatuto, que apresenta as
matérias que as alunas aprenderiam: Religião, História Sagrada, Caligrafia, Leitura,
Composição, Noções de Aritmética, Noções de geografia e história – com especialidade
de Geografia e História do Brasil, Trabalhos manuais e especialmente Costura,
Civilidade, Serviços domésticos e de cozinha, Música. Para o contexto histórico de
então, conforme apresentaremos mais adiante a comparação do currículo do Asilo com
os de outras escolas da época, essas disciplinas eram suficientemente satisfatórias para
as meninas adequarem-se a uma habilidade e se tornarem ótimas donas de casa.
Conforme consta no Livro de Matrículas, que veremos posteriormente,
diversas alunas conseguiram emprego ou se casaram, tornando-se exímias bordadeiras e
costureiras. Enfim, tiveram possibilidade de sobreviver a partir do próprio trabalho.
Essas considerações provocam interesse para uma análise da própria
demanda da Instituição, destinada ao atendimento de meninas da classe mais pobre da
sociedade. Desde o seu nascimento o Asilo Coração de Maria traz consigo a marca
assistencial, um olhar para aqueles e aquelas que mais necessitavam. É importante
destacar que, neste período, não havia uma política de assistência social como
conhecemos hoje. Aquelas senhoras juntamente com frei Luiz intuíram que alguém
precisava olhar, sensibilizar-se e ajudar os mais necessitados.
Outro aspecto significativo é a preocupação com a formação afetiva, social e
psicológica das alunas. Em relação a esse fato, temos um testemunho referente à Irmã
Cecília:
81
Era enérgica, mas também muito carinhosa. Haja vista a morte
da primeira órfã, Maria Joaquina, o primeiro lírio. Ensinavalhes a trabalhar com muita perfeição e asseio nos serviços
caseiros. Costura, bordados, crivo, tudo faziam. Na sala de
costura, fazia cada qual trabalhar no próprio enxoval. Cuidava
também muito pela saúde delas. Levava-as a passeios fora da
cidade, onde podiam andar e respirar bem... (PEDROSO, 1996,
p. 51 e 52).
Percebe-se que o objetivo do Asilo, desde o seu marco fundacional, é
atender à infância abandonada e aos desprotegidos da sociedade, fornecendo-lhes
suporte para que exerçam a plena cidadania e autonomia.
Irmã Cecília passa a exercer o papel de mãe-educadora, aquela que cuida,
orienta, protege, mas também corrige quando necessário. O texto de PEDROSO destaca
muito bem a preocupação de ensinar com perfeição e despertar à responsabilidade. Cada
aluna fazia seu próprio enxoval, não recebia pronto. As atividades eram feitas em grupo,
sendo que cada qual aprendia a bordar, costurar e passar. E com esses ensinamentos, as
educandas exercitavam-se nas virtudes implícitas: convivência, responsabilidade,
paciência e perseverança de fazer o trabalho até o fim, alegria de ver os frutos do
próprio esforço. Era um conhecimento mais artesanal, isto é, feito lentamente, pelo qual
se percebe a evolução gradativa, as transformações acontecendo.
Aquele grupo de senhoras – educadoras sempre atentas à saúde,
organizavam pequenos passeios em lugares adequados, atendendo à necessidade de se
respirar o ar puro em chácaras e bosques. Irmã Cecília sente que a educação não
acontece apenas dentro de “quatro paredes” (Asilo), mas se faz necessário buscar outros
recursos, novos horizontes.
82
Para confirmar o sobredito existe um manuscrito41 do co-fundador, Frei
Luiz Maria de São Tiago, que afirma a necessidade de se ensinar doutrina cristã, leitura,
contas, caligrafia grande e pequena, compor, um pouco de canto, civilidade e trabalho
de agulhas, lavar, engomar, enfim, tudo o que for necessário para uma mãe de família
pobre.
Esse manuscrito é o primeiro Regimento das Irmãs residentes no Asilo
Coração de Maria. É relativamente curto, contendo apenas sete itens de orientação geral
para o bom funcionamento da vida em comum. Frei Luiz apresenta duas propostas
fundamentais. A primeira indica a Irmã Cecília – responsável pela comunidade - como
Mãe e Mestra. São expressões muito fortes do Franciscanismo, principalmente o
conceito Mãe: “E cada um ame e alimente o seu irmão como a mãe ama e nutre seu
filho; e o Senhor lhe dará sua graça” (SILVEIRA, REIS, 1996, p.149). A palavra Mãe,
traz consigo toda a peculiaridade do ser que gera vida, alimenta, cuida, protege, faz
crescer. Pessoa abnegada, que não mede esforços e sacrifícios para ver o bem e a
felicidade dos filhos. Expressa, também, a ternura, a firmeza e a responsabilidade de
quem zela pela casa e pela família.
Irmã Cecília, como vimos em sua biografia, era mãe biológica de três filhos,
portanto carregava a força e o vigor da maternidade, de tal forma, que as meninas, órfãs
ou não, passaram a chamá-la de mamãe. Essa singela expressão transferiu-se para as
demais Irmãs e perdura até os dias atuais. Inúmeras religiosas e pessoas mais
conhecidas e devotas costumam dizer: “Mamãe Cecília”.
A segunda proposta refere-se à atitude que as Irmãs devem cultivar:
disponibilidade em servir umas às outras. É a concepção de fraternidade e de trabalho,
41
O manuscrito se encontra no Arquivo Histórico da Congregação. Não possui data e nem a assinatura,
porém é de autoria de Frei Luiz. É possível fazer essa afirmação, pois no processo de canonização de
Madre Cecília foi realizada uma comparação com as cartas escritas e assinadas por ele, que se encontram
no mesmo arquivo, confirmando a autenticidade da caligrafia.
83
descritas à maneira de o Franciscanismo conceber a educação: “Todas devem estar
sempre prontas a prestar auxílio às outras Irmãs conforme o exigir a necessidade, ou a
pedido da Mãe”. (MARCON, 1992, p. 161).
Os demais artigos do Estatuto descrevem a organização e administração do
Asilo Coração de Maria, sob a responsabilidade da Diretora, sendo a primeira – Antonia
Martins de Macedo – Irmã Cecília. O cuidado das internas é da incumbência das
mestras, que devem ser pessoas religiosas, maiores de vinte anos, instruídas, educadas e
com saúde razoável.
A Diretora exerce o cargo de administradora geral da Instituição. É ela que
tem o poder de distribuir os trabalhos, convocar as assembléias, gerenciar os recursos
financeiros, juntamente com a tesoureira e admitir ou excluir as internas, sendo que para
o ato de exclusão é aconselhável consultar as mestras em assembléia. Poderá também,
contratar terceiros para trabalhar na Instituição como professora ou outro cargo
necessário.
Como mencionei anteriormente, alguns parentes das primeiras Irmãs
exerceram funções no Asilo como voluntárias; só posteriormente, quando a Instituição
já estava um pouco mais organizada é que começou a contratação de funcionários.
Encontrei o primeiro registro de pagamento de funcionário no Primeiro Livro Caixa, no
ano de 1899.
A incumbência de apresentar um relatório contendo todos os fatos
anualmente, também era encargo da Diretora. Não foi encontrado nenhum registro
desses relatórios, somente as atas das assembléias. O que se pode concluir que eles
foram apresentados oralmente em assembléia ou registrados no primeiro livro tombo do
Asilo Coração de Maria, que é dado como desaparecido.
84
O fato de o primeiro livro tombo ter sumido é um dado passível de
interpretação, pois as Irmãs sempre foram muito responsáveis no arquivamento dos
documentos. Encontram-se guardados no Arquivo Histórico da Congregação todos os
livros tombos, caixas, atas dos anos posteriores do Asilo, bem como das outras
Instituições da Congregação. O que justifica tal desaparecimento é a suposição de que
no referido livro poderia conter como e quais pessoas estiveram envolvidas no
afastamento da Irmã Cecília de sua Congregação por determinação do bispo, como já
foi mencionado no capítulo anterior.
Em relação às mestras, continua o Estatuto, quatro devem morar no Asilo,
mas as demais poderão ser do grupo das benfeitoras. Essa determinação só perdurou até
1900, quando houve uma adequação de Estatuto e todo o cuidado interno da Instituição
ficou sob a responsabilidade das Irmãs residentes, vinculando o Asilo à fundação da
Congregação.
O Estatuto afirma que as assembléias deveriam ser convocadas por meio de
ofício e, anualmente, ou sempre que a Diretora ou mestras convocassem, para os
assuntos costumeiros: admitir ou excluir alunas, eleger novas mestras, escolher a
substituta da Diretora. As atas eram registradas em livros próprios. Quem presidia à
assembléia era uma benfeitora aclamada pelo grupo, portanto, não era da
responsabilidade da Diretora.
O governo da Instituição era trocado a cada quatro anos, sendo eleito novo
governo dentro de uma assembléia eletiva. Caso a diretora não convocasse a assembléia,
por algum motivo, duas mestras poderiam fazê-lo. A eleição deveria acontecer
secretamente e era eleita quem obtivesse maioria absoluta, assim como, as mudanças ou
deliberações.
85
Em relação às benfeitoras, o estatuto deixa claro que o Asilo poderá contar
com o auxílio de tal grupo, porém, devem ser senhoras, casadas ou solteiras, religiosas,
acima de trinta anos e que seja merecedora deste título, isto é, trabalhem para o bem e
para o crescimento da Instituição.
Está previsto no Estatuto que, se houvesse necessidade de dissolução da
Instituição, isso só poderia acontecer numa assembléia com a presença da Diretora e
dois terços das benfeitoras e mais duas mestras.
Em seu artigo 32º, o estatuto afirma que o asilo é um “Instituto religioso e
está sob a inspeção do Bispo Diocesano”. Não pode agir contrariamente às normas,
costumes e disciplina da “religião católica, apostólica, romana”. Essa expressão
provavelmente foi legada pelos Frades Capuchinhos, confirmando o que já foi descrito
anteriormente, a necessidade de se legitimar a submissão irrestrita à Igreja Romana.
A fidelidade e obediência à Igreja Romana é o que determina até hoje a
Regra dos Irmãos e Irmãs, em seu capítulo primeiro diz: “[...] obediência e reverência
ao Papa e à Igreja católica”. No capítulo segundo: “[...] têm verdadeiramente adesão a fé
católica”. No capítulo nove afirma: “E sempre súditos a Santa Igreja e estáveis na fé
católica”. (REGRA, 2000, p. 12 e 25) A afirmação é muito mais que uma expressão
usual, é uma regra de vida a ser observada em todos os institutos religiosos que estão
sob a jurisdição da referida regra.
O Estatuto prevê a subsistência da própria Instituição. Em seu artigo 34º,
afirma que a manutenção da obra é extraída do trabalho das mestras, alunas, das
doações e das esmolas que as Irmãs poderiam pedir à comunidade.
Diante deste artigo, vale à pena mencionar dois fatos marcantes, que
servirão para uma melhor compreensão do trabalho das primeiras Irmãs e das
dificuldades que encontraram na manutenção do Asilo.
86
O primeiro é o testemunho da Irmã Virgínia de São Bernardo, que se
encontra registrado nas Fontes Históricas da Congregação:
Prescrevia o horário um tempo de trabalho, de 9 e meia às 10
horas da noite. Ora, depois das lides diárias, as Irmãs sentiamse fatigadas; e além disso, não havendo ainda iluminação
elétrica, difícil, se tornava cumprir esse pontozinho, mas não o
descuravam apesar de tudo por “se tratar de uma obediência”.
As vezes, compadecida, mamãe Cecília, reunia-as a essa hora
em sua cela, onde carinhosamente, dispensava o silêncio,
entregando-se a entretenimentos, espirituais ou reminiscências
– dos primórdios do Asilo; depois, repartia entre elas “um
docinho” que tinha conseguido angariar. Com alegria juvenil,
serviam-se do que o Senhor lhes dava; não sei, porém, qual a
maior das doçuras: si aquelas provindas do açúcar, ou a doçura
espiritual daqueles carinhos e palavras de céu que ouviam...
(AQUINO, 1985, p. 8 e 9)
O presente texto expressa bem a vida laboriosa das Irmãs, mesmo após um
dia intenso de trabalho e vida de oração, realizavam atividades à noite. As Instituições
mantidas pelas Irmãs, bem como a Congregação, sempre se mantiveram com o fruto do
trabalho árduo das Irmãs e o auxílio da comunidade que acreditava na seriedade e
compromisso da causa assumida por aquelas senhoras. Essa postura se mantém até os
dias atuais.
Revela o coração materno de Irmã Cecília que percebe e sente as
necessidades de suas co-irmãs e através de um gesto de carinho, uma palavra de
conforto e alguns instantes de convivência degustam a alegria da vida fraterna,
recuperando as energias gastas em prol de um ideal bem maior que elas próprias. São
pessoas bem humanas, movidas pela fé.
Todo o trabalho interno era realizado pelas Irmãs e alunas, apenas os
serviços mais pesados eram feitos por dois funcionários, pois o quintal e pomar eram de
grande extensão.
87
O segundo texto também é registrado nas Fontes Históricas da
Congregação, porém é fruto da pesquisa da Irmã Maria Lavínia e diz:
Tratando-se da perseguição surda da maçonaria, ao Asilo das
órfãs temos a prova dos requerimentos enviados à Camara por
Mamãe Cecília e rejeitados pelos maçons vereadores; caro
custou para finalmente no volume XXV fls. 28v – 34 – 39 –
73, Indicação nº 43, ler-se o seguinte: “Sendo o Asilo de órfãs
uma instituição que vem prestando, desde longos anos, valiosos
serviços à infância desamparada, modesta casa onde recebe
agazalho numeroso grupo de crianças pobres – que jamais
souberam o que seja conforto, onde se ministra a instrução
necessária a seus futuros ministeres, onde se tem dado sóbria,
porém boa educação doméstica, incutindo-lhes no espírito o
amor ao trabalho; ensinamentos esses que um dia virão pô-las
ao abrigo da mendicidade e, muitas vezes da desonrada; e
considerando que todos, os estabelecimentos de caridade desta
cidade são subsidiados pela Municipalidade e numerosas
associações também o são, continuando – o Asilo a ser único
que não obteve da nossa sempre justa e conceituada Edilidade
um auxílio, embora pequeno, submeto, nesse sentido, à
aprovação da Câmara o seguinte projeto de Lei: Art. 1º. É
concedida a mensalidade de cem mil réis ao Asilo de órfãs
desta cidade. 2º - Revogam-se as disposições em contrário.
Sala das Sessões, 02 de junho de 1913 Dr. Cariolano Ferraz do
Amaral. Parecer nº 48 A. A Comissão de Finanças, abaixo
assinada, é de parecer que seja aprovada a Indicação do
vereador Dr. Cariolano Ferraz do Amaral para que seja
concedida a subvenção mensal de 100$000 ao Asilo Coração
de Maria Nossa Mãe. Piracicaba, 07 de julho de 1912
(AQUINO, 1985, p. 79 e 80)
Irmã Cecília, no período de 1898 a 1912, fez sete pedidos à Câmara dos
vereadores de Piracicaba e todos foram indeferidos (Anexo 12), conseguindo apenas em
1913 uma pequena subvenção. O texto deixa claro que as outras obras assistenciais
recebiam recursos da prefeitura e Irmã Cecília conhecedora desta situação, não desiste,
é perseverante e persistente até conseguir um posicionamento melhor e assim, o
benefício auxiliou na manutenção do Asilo Coração de Maria.
88
Em caso de extinção do Asilo, o artigo 38º do Estatuto descreve que o
mesmo deverá ser passado para uma instituição congênere, isto é, de caridade existente
em Piracicaba, portanto, não poderia ser vendido e nem repartido entre as associadas.
As disposições transitórias que se encontram no final do Estatuto são artigos
que descrevem a data da primeira assembléia, o tempo de mandato da primeira diretoria,
que a Diretora ficará responsável pelos donativos e pela quitação da obra, bem como, de
inscrever o Estatuto e publicar um estrato no diário oficial. Finaliza apresentando o
nome das benfeitoras, que já foram descritas no capítulo anterior e segue a assinatura de
todas.
Da análise do primeiro Estatuto do Asilo Coração de Maria, penso que fica
explícito a questão da Gestão e Planejamento dos primeiros anos de fundação da
Instituição. Para concluir a presente análise utilizarei as reflexões de Afonso Murad, no
intuito de ampliar a reflexão sobre gestão e planejamento, devido à sua abordagem
numa visão voltada para instituições confessionais, pois afirma: “Gestão é a habilidade
e a arte de liderar pessoas e coordenar processos, a fim de realizar a missão de qualquer
organização”. (MURAD, 2007, p. 71)
Essa definição nas instituições religiosas ou sociais expressa algo maior e
mais profundo do que uma simples gestão de cunho empresarial, que na maioria das
vezes visa apenas ao lucro e ao sucesso. A finalidade principal é realizar a missão da
instituição através da gestão e do planejamento.
Nos âmbitos social e religioso, as pessoas engajam-se em uma
missão na qual acreditam e estão dispostas a empenhar a vida.
“Oportunidade”, por sua vez, não significa, simplesmente,
demanda potencial de clientela ou ocupação de espaço vazio,
mas sim escuta atenta aos sinais dos tempos, discernimento
para descobrir os apelos na realidade atual, visando atualizar e
recriar um carisma de origem. (MURAD, 2007, p. 79)
89
A colocação de Murad é de suma importância, pois revela que a maioria das
instituições religiosas estão fortemente ligadas a um carisma, a uma missão e, portanto
suas obras de atuação, geralmente estão voltadas para uma realidade excluída e
marginalizada da sociedade. O objetivo maior é sempre o ser humano e o
restabelecimento de sua dignidade e para que isso aconteça, a gestão é pautada pela
sensibilidade, pelo compromisso, pela participação, pelo diálogo, pelas ações solidárias
e pelo comprometimento de todos os envolvidos.
Para o bom êxito da gestão faz-se necessário alguns princípios, tais como:
[...] capacidade de pessoas para atuarem em conjunto, inserção
na cultura, compromisso com metas e valores compartilhados,
aprendizado constante, comunicação e responsabilidade,
critérios de desempenho, resultado focado em seu destinatário.
(MURAD, 2007, p. 75)
Essa colocação faz parte de uma concepção mais contemporânea, porém são
atitudes dos fundadores do Asilo, como mencionei anteriormente. As ações eram
planejadas pela associação e a finalidade principal era ajudar no crescimento e bom
desenvolvimento das crianças e adolescentes que não tinham acesso ao ensino e à
formação de valores.
Em relação ao planejamento, podemos afirmar que é um mecanismo
utilizado para elaborar, organizar e direcionar um conjunto de procedimentos que
auxiliam e ajudam na preparação, execução, avaliação e acompanhamento de toda
práxis42 educativa.
Quando as atividades são planejadas e pensadas previamente, a
possibilidade de êxito e de atingir os objetivos propostos é maior do que as ações
improvisadas e mal organizadas.
42
A compreensão de práxis é a mesma apresentada por Vázquez: “[...] práxis como atividade material do
homem que transforma o mundo natural e social para fazer dele um mundo humano”. (1977, p. 3)
90
Portanto, em educação se faz necessária uma previsão metódica, constante e
permanente no que diz respeito ao planejamento, porém que não seja inflexível e
estático, mas sujeito a mudanças, aperfeiçoamento, adequação à realidade em que será
executado. Neste sentido o planejamento é dinâmico e deve envolver a todos os seus
protagonistas.
As primeiras Irmãs e as benfeitoras que auxiliaram na elaboração do
primeiro Estatuto e na organização durante os primeiros anos de trabalho no Asilo
Coração de Maria não se expressavam com essas definições e conceitos, mas traziam
dentro de si um desejo veemente e uma intuição de prestar serviços à comunidade,
ajudando na formação e na educação daquelas meninas que não tinham a quem recorrer.
Após a análise do primeiro Estatuto, concluo que as ações da Instituição
eram em vista da melhoria e aperfeiçoamento de vida das educandas – órfãs ou não - e
voltadas para a formação humana, que proporciona à pessoa a possibilidade de
emancipar-se.
2. Análise do livro de matrículas
Após analisar o Estatuto do Asilo Coração de Maria e observar como era a
organização da Entidade e sua finalidade, julguei pertinente fazer um levantamento do
perfil da primeira demanda do Asilo, coletando dados no livro de matrículas.
O primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria está no
Arquivo Histórico da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, em
Campinas/SP. Ele não possui termo de abertura e encerramento, nem assinatura da
pessoa responsável. O livro tem aproximadamente 60 páginas, mas não é numerado,
com tamanho de 27 x 37 cm, capa dura cinza, com uma etiqueta: Livro I, Matrículas
91
1898. O início dos registros é de 1898, ano da fundação do Asilo e a última matrícula é
de 1921.
Os registros ocupam duas páginas do livro e trazem os seguintes dados:
número de matrícula; número de ordem no ano; nomes; dia, mês e ano de nascimento;
naturalidade; dia, mês e ano da matrícula; filiação; data de saída e observação.
A primeira verificação foi em relação ao número de atendidas no período da
minha pesquisa: 1898 a 1912. Constatei que o Asilo atendeu 153 meninas.
Outro dado importante seria em relação à orfandade, porém o livro não
registra se a mãe ou o pai eram falecidos; sabemos de alguns casos, como já foram
mencionados, mas sobre os demais não há informação.
A tabela que segue é uma tentativa de perceber a filiação das internas,
quantas foram registradas com o nome dos pais:
Tabela 1: Registro de filiação de alunas internas
Filiação
Quantidade
Porcentagem
Registro que contém nome do pai e da
mãe
Registro no nome do pai
Registro no nome da mãe
Desconhecida
Sem registro de filiação ou outra anotação
Total
116
76%
5
20
7
5
153
3%
13%
5%
3%
100%
Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.
Essa tabela revela alguns dados importantes. O primeiro é observar o
registro que as primeiras Irmãs fizeram dos dados familiares, pois a maioria foi
registrada com o nome do pai e da mãe, mesmo que a mãe já houvesse falecido, como é
o caso das internas Odila Evangelista e Maria Joaquina. O segundo aspecto é que
muitos registros foram feitos apenas com o nome da mãe, porém, o mais intrigante é
perceber que 12 meninas não possuem filiação, são de origem desconhecida. Sobre elas
não consta nenhum dado.
92
A próxima tabela destaca a questão do dia, mês e ano de nascimento, pois
de algumas internas só consta o ano. Este dado é importante e mostra a faixa etária do
atendimento.
Tabela 2: Registro de nascimento de alunas internas
Data de nascimento
Dia, mês e ano
Apenas o ano
Não
consta
nenhuma
informação
Total
Quantidade
19
126
8
Porcentagem
12%
82%
6%
153
100%
Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.
Essa tabela comprova o que foi dito no primeiro capítulo em relação à
certidão de nascimento, pois muitas pessoas não tinham esse documento, dificultando a
comprovação exata da data de nascimento e consequentemente da idade. A maioria dos
registros das órfãs só tem o ano de nascimento e não existe outro documento no Asilo
que comprove a faixa etária a não ser o livro de matrículas.
Em relação à idade com que as meninas ingressavam no Asilo, o Estatuto
diz, em seu artigo 2º, que a idade mínima é de cinco anos, mas no livro de registro
encontrei as seguintes informações:
Tabela 3: Alunas internas distribuídas por idade
Idade
Até 4 anos
5 anos
6 anos
7 anos
8 anos
9 anos
10 anos
11 anos
12 anos
13 anos
14 anos
15 anos
Total
Quantidade
11
13
15
14
19
14
19
15
13
7
2
3
145
Porcentagem
8%
9%
10%
9%
14%
9%
14%
10%
9%
5%
1%
2%
100%
Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.
93
O total nesta tabela é 145, pois oito meninas, conforme consta na Tabela 2,
não apresentam data de nascimento.
Pela Tabela 3 é possível perceber que a idade mais atendida é entre 5 e 11
anos, porém é expressiva a quantidade inferior a 5 anos – 11 meninas. Neste último
caso, conclui-se que as Irmãs veem a necessidade da criança muito mais que a própria
legalidade.
Complementando as Tabela 2 e 3, a próxima apresentará a quantidade de
meninas que ingressaram no Asilo em relação ao período histórico pesquisado.
Tabela 4: Fluxo de alunas internas 1898-1912
Quantidade que
ingressaram
Quantidade
que saíram
Tornaram-se
religiosas
Faleceram
Ano
Quantidade que
permaneceu no
Asilo
1898
1899
1900
1901
1902
1903
1904
1905
1906
1907
1908
1909
1910
1911
1912
Total
12
11
15
06
10
11
07
07
07
13
16
09
11
11
07
153
0
1*
0
2
5
3
1
10
3
13
6
11
6
3
11
75
0
0
0
0
1
0
2
0
0
0
0
1
0
0
0
4
0
0
0
0
1
0
0
0
0
0
0
2
0
0
0
3
12
22
37
41
44
52
56
53
57
57
67
62
67
75
71
71
*O livro registra a data de saída em 20 de novembro de 1889, mas penso que seja erro de registro, pois
nesta data o Asilo não existia e a menina ingressou em 1898.
Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.
Na Tabela 4 verifica-se o total de atendimento no período de 1898 a 1912,
destacando a quantidade de meninas que ingressaram no Asilo por ano, as que deixaram
a Instituição foram 75, que corresponde a 49%, as que se tornaram religiosas neste
período foram apenas quatro – indicando 3%, porém outras jovens que não eram
94
internas do Asilo entraram para ser consagradas. E, para finalizar, três internas
faleceram, perfazendo 2%.
O Asilo encerrou suas atividades em 1912, ano que Irmã Cecília deixa o
Governo Geral da Congregação e a Direção da Instituição, com 71 internas.
A Tabela 5 apresenta os motivos pelos quais as internas deixam o Asilo,
pois é um número expressivo no período de 1898 a 1912 – 49%.
Tabela 5: Motivo de saída de alunas internas
Motivo da saída
Regresso para a família
Casamento
Trabalho
Adoção
Doença contagiosa
Expulsa por incorrigibilidade
Estudar em outra cidade
Transferida para outro orfanato
Encaminhada para o Juiz de Direito
Quantidade
30
3
25
9
2
3
1
1
1
Porcentagem
40%
4%
34%
12%
3%
4%
1%
1%
1%
Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.
Constatamos que a maioria das órfãs regressou para a família, considerando:
pai, mãe, tios e avós. Uma porcentagem considerável arrumou trabalho. Conforme
informação oral de religiosas antigas da Congregação, amigos, benfeitores e pessoas
que conheciam o Asilo, procuravam as meninas aí residentes, para trabalharem em suas
casas ou no comércio, pois tinham uma excelente formação, sabiam cuidar muito bem
da casa e tinham princípios e valores confiáveis.
Em conformidade com o Estatuto, em seu artigo 3º, apenas três meninas
foram expulsas por incorrigibilidade – uma com 13 anos, outra com 15 anos e a última
com 17 anos. A porcentagem é pequena, porém, a questão da expulsão realmente
acontecia e, como podemos constatar, era no período da adolescência e início da
juventude. Não há outra informação que apresente as causas, mas o que se pode propor
como hipótese é: por motivo de namoro e comportamentos indesejáveis que
95
influenciariam as meninas menores, tais como: agressividade, alto índice de
desobediência, utilização freqüente de vocabulário impróprio, transgressão assídua do
regimento.
A Tabela 6 procura responder ao questionamento da nacionalidade das
alunas internas no Asilo Coração de Maria.
Tabela 6: Nacionalidade das alunas internas
Nacionalidade
Brasileiras
Italianas
Portuguesa
Austríaca
Não consta nenhuma informação
Quantidade
102
25
4
1
21
Porcentagem
67%
16%
2%
1%
14%
Fonte: Primeiro livro de matrículas das alunas do Asilo Coração de Maria.
Destaco, nesta Tabela, a quantidade de meninas brasileiras, pobres e órfãs,
que necessitavam de um atendimento educacional e assistencial, ressaltando o que fora
mencionado no primeiro capítulo, em relação ao ensino precário neste período.
A análise do livro de matrículas foi sumamente importante e possibilitou
uma visão da demanda atendida no Asilo Coração de Maria, bem como do trabalho das
Irmãs.
Para concluir a análise do livro de matrículas, averigüei o primeiro Livro
Ata da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, objetivando perceber
o número de Irmãs, suas funções e como estavam distribuídas nas diversas Instituições,
no período pesquisado, a fim de compreender melhor como era realizado o atendimento
das alunas internas e dos demais assistidos da Congregação.
O primeiro Livro Ata tem um tamanho de 24 x 33 cm, com capa dura
marrom, aproximadamente 100 folhas, porém apenas 34 foram utilizadas. Ele foi
encerrado em 1927, por Madre Gertrudes do Divino Amor.
96
A primeira distribuição das Irmãs por função e nas fraternidades religiosas
aconteceu no Capítulo Geral de 1906 e, ficou assim constituída:
Piracicaba - Asilo Coração de Maria:
Superiora Geral – Irmã Cecília Macedo
Superiora Local, Primeira Conselheira Geral e Mestra das Noviças: Irmã
Nazaria Martins
Vigária, Terceira Conselheira Geral, Mestra das Noviças e Diretora de
ensino: Irmã Gertrudes do Amaral.
Secretária Geral, Mestra das meninas: Irmã Margarida Oliveira
Sacristã e enfermeira: Irmã Gabriella Costa
Mestra de disciplina e porteira: Irmã Clara Graciano
Mestra de Cozinha: Irmã Maria Conceição
Mestra das Meninas: Irmã Inez Meneghetti
Belém do Descalvado - Hospital
Superiora Local e Quarta Conselheira Geral: Irmã Virginia da Silva
Enfermeira: Irmã Maria do Carmo
Farmacêutica: Irmã Verônica Ramos
Belém do Descalvado - Externato
Diretora, Segunda Conselheira Geral – Irmã Canuta Vieira
Mestra – Irmã Catharina Godoy
Mestra – Irmã Thereza Matta
Jundiaí - Hospital
Superiora Local: Irmã Francisca Lobato
Ecônoma: Irmã Escolástica da Silva
Enfermeira: Irmã Jacintha Colturato.
97
Neste Capítulo ficou decidido que as Irmãs utilizariam o nome da Ordem e
o sobrenome dos pais; portanto, o nome completo de muitas não coincide com outras
referências, porém, essa decisão não perdura por muito tempo.
No Capítulo de 1909 aconteceu uma nova designação de função e os
trabalhos foram assim organizados:
Piracicaba - Asilo Coração de Maria
Superiora Geral e Local: Irmã Cecília Macedo
Vigária, Secretária e Professora das meninas: Irmã Canuta Vieira
Mestra das Noviças: Irmã Ignez Meneghetti
Mestra das Meninas: Irmã Gertrudes do Amaral
Mestra de cozinha: Irmã Gabriella
Mestra de disciplina: Irmã Clara Graciano
Mestra da disciplina das pequenas: Irmã Ângela Nunes
Mestra da lavanderia, roupeira e enfermeira – Irmã Maria do Carmo
Porteira e Costureira – Irmã Escolástica Silva
Refeitoreira – Irmã Crescencia
Belém do Descalvado - Santa Casa de Misericórdia
Vice superiora Geral e local – Irmã Francisca Lobato
Farmacêutica – Luiza Bosshard
Enfermeira – Irmã Maria do Carmo
Belém do Descalvado - Asilo da Imaculada Conceição
Superiora e mestra do externato – Irmã Margarida de Oliveira
Mestra do externato – Irmã Nazaria Martins
Mestra do externato – Irmã Thereza Matto
Mestra do externato – Irmã Catharina Godoy
98
Mestra do Asilo – Irmã Jacintha Colturato
Jundiaí - Hospital
Superiora local – Irmã Virgínia da Silva
Farmacêutica – Irmã Verônica Ramos
Enfermeiras: Irmã Rosa Siqueira e Seraphina Pereira
Neste Capítulo foi decidido, conforme consta na ata, o seguinte:
“determinou-se que nos Asylos haja uma Directora especial das orphãs e que esta deve
prover as necessidades das mesmas e vijiar assiduamente para que tudo proceda com
ordem e se guardarem a disciplina”. (Livro Ata I, p. 8)
Em reunião do Governo Geral da Congregação das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria, de 1910, foi decidido abrir o Asilo Santa Maria em Campinas/SP, as
Irmãs designadas para a obra foram: Irmã Francisca Lobato, Superiora Local, Irmã
Clara Graciano, auxiliar. (Ata I, p. 8v).
O referido asilo não teve continuidade e fechou no mesmo ano, porém não
constam os motivos. Outro dado relevante é que no último governo de Irmã Cecília foi
aberta outra fraternidade religiosa com uma obra social em Campinas/SP, que é o
Colégio Santo Antonio e, posteriormente transformou-se em Creche Bento Quirino.
Essa informação não consta no Livro Ata.
O último Capítulo Geral analisado foi o de 1912, quando Irmã Cecília
deixou de ser a Superiora Geral e passou a ser a quarta conselheira. Neste capítulo ela
escolheu residir em Jundiaí/SP. As atividades das Irmãs ficaram assim definidas:
Governo Geral de 1912
Superiora Geral – Irmã Ignez Meneghetti
Primeira Conselheira – Irmã Gertrudes do Amaral
Segunda Conselheira – Irmã Nazaria Martins
99
Terceira Conselheira – Margarida de Oliveira
Quarta Conselheira – Cecília de Macedo
Piracicaba - Asilo Coração de Maria
Superiora - Irmã Ignez Meneghetti
Mestra das Noviças – Irmã Isabel do Sagrado Coração
Secretária Geral, ecônoma e professora das Irmãs e meninas – Irmã
Gertrudes do Amaral
Mestra de disciplina, sacristã, vigilante do dormitório um – Irmã Gabriella
Roupeira, vigilante do dormitório dois – Irmã Ana Maria de São Leonardo
Vigilante da lavanderia e do dormitório três – Irmã Edvirges do Coração de
Maria
Florista e costureira – Irmã Clara Graciano
Porteira, costureira e enfermeira – Irmã Beatriz do Coração de Maria
Professora de trabalho – Irmã Thereza do Coração de Jesus
Mestra de cozinha – Irmã Maria
Professora (classe das pequenas) – Irmã Paulina de Oliveira
Refeitoreira – Irmã Veridiana
Vigilante de recreio (uma cada semana) – Irmãs: Clara, Paulina, Beatriz e
Anna.
Belém do Descalvado - Santa Casa de Misericórdia
Superiora – Irmã Nazaria
Farmacêutica – Irmã Luiza
Enfermeira – Irmã Maria do Carmo
Ajudante – Irmã Jacintha
Jundiaí - Hospital São Vicente de Paulo
100
Superiora – Irmã Cecília
Farmacêutica – Irmã Canuta
Enfermeiras – Irmãs Rosa e Crescencia
Ajudante – Irmã Imaculada
Belém do Descalvado - Asilo da Imaculada Conceição
Superiora e professora – Irmã Margarida
Professora, vigilante de dormitório e refeitório e recreio das internas – Irmã
Catharina
Porteira, vigilante de cozinha – Irmã Escolástica
Costureira, vigilante de recreio – Irmã Ângela
Campinas - Colégio Santo Antonio
Superiora – Irmã Francisca
Professora – Irmã Magdalena, Virginia e Seraphina
Vigilante de cozinha – Irmã Josephina.
Após descobrirmos o número de crianças atendidas no período pesquisado
em cada ano no Asilo, é relevante destacar que a quantidade de Irmãs que trabalhavam
com as internas não era muito grande e tinham como função: administrar a entidade,
ensinar e cuidar das meninas, pedirem esmolas nas cidades e na região rural e fazer a
manutenção da casa. Portanto conclui-se que as religiosas tinham uma carga horária de
trabalho significativa, mas conseguiram levar adiante cinco obras grandes e atenderam
muitas crianças e doentes.
3. Análise do Livro Caixa do Asilo Coração de Maria
O primeiro livro caixa do Asilo é de 1898 e se encontra no Arquivo
Histórico da Congregação. É um livro vermelho, de capa dura, tamanho: 16 x 23 cm.
101
Tem aproximadamente 100 folhas, sem numeração e sem rubrica. Está gravado:
Primeiro Registro do ASYLO. O segundo Livro de Registro do Asilo é de capa dura
cinza, tem aproximadamente 100 folhas e inicia em 1910.
Analisar esse documento é de fundamental importância, pois aponta, pelo
menos parcialmente, a movimentação financeira da Instituição. Quais eram as entradas
e saídas? Como era a manutenção do Asilo? Constatar se realmente o Asilo vivia de
doações e do trabalho das Irmãs e internas? Verificar se os testemunhos sobre a pobreza
são verídicos? Observar se ficou registrado quem fazia as doações e se elas eram
regulares ou esporádicas? Enfim, a análise do livro ajudará a responder algumas dessas
indagações e complementará a pesquisa dos documentos que se referem ao período em
questão.
O livro caixa é um documento muito extenso, pois a cada mês há o registro
das entradas, assim agrupadas: trabalhos, ofertas indeterminadas ou determinadas e
ofertas das benfeitoras; e o das saídas: alimentação (víveres), saúde (médico e
farmácia), escola e outros. Como o tabelamento das informações ficaria um texto
demasiadamente longo e poderia não responder aos objetivos desta pesquisa, optei por
verificar o fluxo de caixa de três anos: 1898 – ano da abertura do Asilo, 1906 – data do
primeiro capítulo geral e 1912 – quando Irmã Cecília deixa de ser a Superiora Geral.
Gostaria de informar que a moeda utilizada neste período era contos de réis.
Tabela 1 – Caixa de 1898
Data
02/1898
03/1898
04/1898
05/1898
06/1898
07/1898
08/1898
09/1898
10/1898
Ativo
Passivo
A-P
Trabalh
os
Ofertas
Ofertas das
benfeitoras
Alimentaçã
o
Saúde
Escola
Outras
despesas
38,000
30,000
--------47,000
----------------16,000
--------28,000
250,000
20,000
66,000
92,000
283,000
63,000
33,500
67,500
334,500
400,000
100,000
300,000
--------------------150,000
240,000
100,000
1.050,000
151,000
109,100
120,000
160,400
181,500
202,100
159,000
148,100
171,800
-------------------------2,000
53,000
---------------------7,500
19,100
3,000
5,800
5,000
107,500
50,000
53,000
127,300
56,000
70,000
21,500
34,000
256,000
-------
376,500
- 9,100
193,000
- 148,700
38,000
- 80,200
106,000
- 20,400
979,700
102
11/1898 --------- 54,000 150,000
12/1898 20,000 112,500
---------Total 179,000 1.376,000 2.490,000
185,900
183,800
1.772,700
-------3,000
5,000
16,200
27,000
- 25,100
40,000
37,000
- 131,300
149,600
839,300 1.278,400
Fonte: Primeiro Registro do ASYLO
Analisando a Tabela 1 é possível perceber que o maior volume de entradas é
em relação a doações, tanto o realizado pelas benfeitoras, que no livro traz especificado
o nome da pessoa que fez a doação, quanto as doações determinadas e indeterminadas.
Nos meses que não houve a doação de um dos grupos ou que ela foi num valor menor,
percebe-se que o gasto de alguns meses expressa um déficit.
Em relação às despesas, fica evidente que o maior gasto é com a
alimentação e ainda não expressa o gasto real, pois as Irmãs recebiam muitos
mantimentos dos agricultores e comerciantes.
O investimento em saúde – médico e farmácia, é irrisório, porém o livro
menciona em diversos meses a palavra “grátis”, indicando que as Irmãs e internas
receberam atendimento, mas sem honorários para a Instituição.
Em relação aos gastos com a escola, também, é um valor baixo, mas o que
se conclui é que as aulas eram ministradas na própria Instituição, não se pagava
professor, sendo necessário apenas a compra de material, que no máximo era caderno e
lápis, pois não se utilizava livro e a diversidade de material escolar deveria ser muito
insignificante no período.
O item outras despesas, na maioria das vezes, o livro especifica os gastos:
pagamento de luz e água, viagens de carro, concertos, sapatos, fazenda (tecido para
roupas), utensílios, pagamento de mão-de-obra, entre outros.
O primeiro ano de funcionamento do Asilo, conforme consta no livro,
fechou o caixa com um saldo positivo, porém não traz os gastos com a construção do
prédio e as dívidas advindas deste investimento. Portanto, não é possível afirmar
claramente se a Instituição tinha ou não esse dinheiro em caixa.
103
Tabela 2 – Caixa de 1906
Data
Ativo
Trabalhos Ofertas
01/1906
02/1906
03/1906
04/1906
05/1906
06/1906
07/1906
08/1906
09/1906
10/1906
11/1906
12/1906
Total
93,600
51,500
58,500
4,200
18,600
25,000
17,000
18,000
91,000
99,500
6,000
344,000
826,900
184,360
286,140
42,400
26,140
144,640
142,630
408,520
52,240
77,700
836,640
54,200
162,320
2.417,930
Passivo
Ofertas das Alimentação
benfeitoras
144,000
90,000
--------150,000
170,000
152,000
3.050,000
150,000
50,000
30,000
770,000
----------4.756,000
19,400
93,340
122,200
26,500
84,380
304,500
146,660
77,840
121,050
13,620
49,700
149,220
1.208,410
Saúde
------------------------------------64,610
------1,000
200,000
----------------265,610
Escola
A-P
Outras
despesas
0,800
1.043,190 - 641,430
30,000
273,160
31,140
5,700
25,500
-52,500
5,600
235,600
- 87,360
2,000
270,250
- 23,39
-----318,900
- 303,770
83,200
2.370,775 810,270
24,100
668,900
- 550,600
13,400
53,600
29,650
17,480
156,600
578,440
30,420
37,000
713,080
23,050
244,000
90,050
235,750
5.697,480 593,580
Fonte: Primeiro Registro do ASYLO
O livro de Primeiro Registro do Asilo recebeu, em 1906, o visto e aprovação
de Frei Bernardino de Lavalle, que acompanhou o primeiro Capítulo Geral da
Congregação, como Comissário dos Capuchinhos.
A Tabela 2 reforça o que foi mencionado na Tabela 1, no que diz respeito a
doações, pois são as maiores receitas do Asilo.
Em relação às despesas há uma alteração: o livro especifica na Tabela 2, no
item outras despesas, material de construção como: ferro, madeira e ainda mão-de-obra,
pintura, o que permite a conclusão de que o Asilo está sendo reformado ou ampliado.
Isso não aparece na Tabela 1.
Está incluso nas outras despesas o pagamento de funcionário, que não havia
no primeiro ano analisado. Provavelmente é apenas um, pois aparece um pagamento por
mês e está no singular – ao empregado – e o valor que foi gasto.
Outro dado importante é que os seis primeiros meses do ano ficam
praticamente negativos, as entradas insuficientes para cobrir os gastos. Em julho há uma
entrada significativa e a ecônoma do Asilo registrou que foi uma doação recebida do
Governo do Estado, no valor de 3.000,000.
104
Após a instabilidade dos primeiros meses, o Asilo acaba fechando o ano
com um saldo positivo. Há aumento das doações e não há mais registro de gastos com
construção, estabilizando a movimentação financeira da Instituição.
Tabela 3 – Caixa de 1912
Data
01/1912
02/1912
03/1912
04/1912
05/1912
06/1912
07/1912
08/1912
09/1912
10/1912
11/1912
12/1912
Total
Ativo
Trabalho
Ofertas
60,500
71,000
120,000
74,000
20,500
102,500
---------25,000
19,500
115,000
42,000
314,00
964,000
220,200
66,700
117,800
79,300
269,750
449,500
129,600
132,000
78,000
117,000
67,900
24,500
1.752,25
Passivo
Ofertas das Alimentação
Benfeitoras
629,000
387,000
1.795,000
180,000
210,000
168,000
339,000
3.110,000
110,000
----------235,000
50,000
7.213,000
70,900
234,600
167,700
100,800
132,200
55,100
206,300
155,500
20,200
149,600
22,800
194,400
1.510,100
Saúde
Escola
A-P
Outras
despesas
17,700
5,400
469,600 346,100
--------------191,700
98,400
--------- 11,500
457,500 1.396,100
--------- -------364,700 - 132,200
0,500
2,400
507,700 - 142,550
--------------195,300 469,600
-------------749,630 - 487,330
--------- -------171,300 2.940,200
--------- -------107,800
79,500
--------- -------340,000 - 257,600
--------- -------277,500
44,600
79,600
87,750
305,000 - 278,250
97,800 107,050 4.137,730 4.076,570
Fonte: Segundo Registro do ASYLO
O saldo final de 1912 é o maior dos três anos analisados. Irmã Cecília deixa
o cargo de superiora geral e de diretora da Instituição com a situação financeira
relativamente estável. As doações, tanto as indeterminadas como as das benfeitoras são
significativas, confirmando o que foi mencionado no capítulo primeiro desta pesquisa,
que as referidas voluntárias e a sociedade piracicabana contribuíram significativamente
para a expansão do Asilo.
É possível perceber que, no mês de agosto, há um novo repasse do Governo
do Estado, no valor de 3.000,000 contos de réis, como acontecera no ano de 1906.
Pesquisei os demais anos e constatei que houve repasse de recurso em: dezembro de
1899 - no valor de 2.990,000; em abril de 1900 - no valor de 2.990,00; em abril de 1901
– no valor de 2.990,000; em outubro de 1904 – no valor de 2.975,000; em julho de
1906, conforme consta na Tabela 2; em agosto de 1907 – no valor de 1.750,000; em
julho de 1908 – no valor de 2.000,000; em novembro de 1908 – no valor de 2.250,000;
105
em janeiro e agosto de 1910 – no valor de 3.000,000 cada parcela; em outubro de 1911
– no valor de 3.000,000 e finaliza com a doação apresentada na Tabela 3, no ano de
1912.
O que foi possível averiguar é que por meio do repasse do Governo
Estadual, o Asilo conseguiu saldar suas dívidas e terminar o ano com recurso em caixa.
A breve análise financeira dos três anos propiciou verificar as principais
entradas – as doações, mas também perceber que a venda dos trabalhos das Irmãs e
internas foi um recurso contínuo. Os maiores gastos foram com a manutenção – tanto a
alimentação como as reformas e construções.
Outra questão relevante é construir um asilo, cuidar de 50 a 70 meninas em
média e 8 a 10 religiosas com dinheiro de doação, que é um recurso incerto, pois a
Instituição pode, como também, não pode receber. Penso que este foi um dos maiores
desafios e neste aspecto aparece a vivência da pobreza, que norteia o seu seguidor a
viver apenas com o suficiente, esperando que Deus em sua providência divina, tenha
compaixão dos seus filhos e filhas.
4. Educação Franciscana do Coração de Maria expressa nas Constituições e
Diretórios das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria
Observando as Constituições e os Diretórios das Irmãs Franciscanas do
Coração de Maria, foi possível encontrar alguns aspectos relevantes em relação à
Educação. No primeiro Estatuto Disciplinar e Diretório do Noviciado – 1906, há poucas
referências, pois a maioria dos capítulos dizem respeito à vida religiosa. A mesma idéia
aparece na Regra e Constituições de 1921.
Os documentos subseqüentes trazem informações fundamentais sobre a
Educação Franciscana do Coração de Maria. O que se pode concluir é que as primeiras
Irmãs vivenciaram e foram descobrindo um caminho, um método, um jeito de educar e,
106
só posteriormente foi possível sistematizar o processo em forma de artigos inclusos nas
Constituições e Diretórios.
Nos Estatutos Disciplinares e Diretório do Noviciado de 1906 encontram-se
apenas dois parágrafos que se referem ao trabalho das Irmãs com as meninas internas.
Citarei os textos conforme o original, procurando garantir a centralidade e a
essencialidade do contexto. O primeiro é do Capítulo II em seu parágrafo VIII, que diz:
Procurem as Irmãs edificar-se reciprocamente, bem como ás
proprias alumnas, mediante uma santa emulação no esforço
assíduo de emitar a N. S. Jesus Chisto, a Sua SS. Mãe e ao
nosso Serafico Padre; e sejam diligentes em despertar na
infancia o amor da modestia, da piedade, do trabalho e de todas
as virtudes. (p. 37)
Evidenciam-se neste texto os valores religiosos que eram ensinados, a
imitação de Jesus Cristo, de Nossa Senhora e de São Francisco - aqui denominado por
Seráfico Padre. Outro aspecto bem difundido entre as Irmãs e alunas era a vida simples,
modesta, sem ostentação, a dedicação ao trabalho e a vivência das virtudes.
Essas atitudes são muito peculiares às Ordens e Congregações religiosas
franciscanas. A exigência na vivência das virtudes era mais rigorosa para as Irmãs, que
faziam um voto e dedicavam-se na observância das leis estabelecidas, porém essas
mesmas virtudes eram ensinadas para as alunas, como parte integrante do cronograma
de disciplinas do Asilo Coração de Maria.
No Capítulo III em seu parágrafo II, diz:
A Superiora geral visite annualmente todas as suas Casas, e
examine com toda a diligencia, mas tambem com muita
caridade e prudencia, todas as Religiosas, particularmente a
cerca da observancia da santa Regra e destes estatutos, do
espirito de oração, do silencio, da caridade e concórdia entre as
irmãs, do tratamento das infermas, da disciplina, educação e
instrucção das alumnas. (p. 61)
107
Destaquei esse texto, pois menciona que a responsabilidade da educação e
instrução das alunas é, em primeiro lugar, da Superiora Geral da Congregação. Ela tem
a incumbência de zelar pela observância da vida religiosa, bem como de todo trabalho
realizado pelas Irmãs.
Neste período de 1906 a Congregação já possui três filiais: Santa Casa e
Externato Imaculada Conceição em Descalvado/SP e o Hospital em Jundiaí/SP.
Portanto há necessidade de a Superiora Geral acompanhar todas as ações das Irmãs,
para que o carisma, o espírito da vida religiosa e as virtudes evangélicas sejam
vivenciadas por todas.
A Regra e Constituições das Irmãs Terceiras Regulares de Piracicaba – eram
chamadas assim neste período, porém são as mesmas Irmãs Franciscanas do Coração de
Maria - de 1921, apresenta o Capítulo VII sobre a educação nos asilos. No número 176
a 181 diz:
176 - Nos Asylos o compartimento destinado ás Irmãs, será
separado do das meninas. Estas nunca devem ser admitidas nos
logares regulares, nem terão relações, senão com suas Mestras
e a Superiora.
As Irmãs com ellas não se comunicarão sem necessidade e
nunca lhes confiarão recado algum para fora do Convento.
177 – Tanto as Mestras como as outras que se acharem em
communicação com as meninas deverão considerar como
principal cuidado o formar á virtude o coração dellas e ensinarlhes a conhecer a Deus.
Em tão nobre e caridoso officio as Irmãs devem mostrar todo o
seu zelo, e com paciencia esforçar-se por insinuar na mente das
creanças os bons principios da instrução intellectual a par de
um cuidado e zelo especial para inspirar-lhes uma boa e solida
instrução moral christã.
178 – O programma do ensino a observar-se nas escolas, será o
mesmo adoptado pelos Grupos Escolares e por outras
Congregações congêneres á nossa.
179 – As Irmãs que forem escolhidas para o ensino, procurarão
ser claras e comprehensiveis em suas lições, sem ostentação,
pois vã é a sciencia quando não é acompanhada da humildade.
Serão diligentes na vigilância continua das meninas que lhes
108
forem entregues, visto como onera a consciencia da Superiora e
das Irmãs o mal que as meninas consciente ou
inconscientemente venham a commetter por falta de vigilancia.
180 – Evitem as Irmãs alimentar e muito mais manifestar
sympathia ou affeição para com alguma em particular, embora
apresente melhores qualidades que outras.
Amem as suas alumnas não com amor de sympathia natural, ou
amizade particular, mas com verdadeiro affecto de caridade, de
compaixão e de estima.
Lembrem-se sempre que Jesus Christo N. Senhor mostrava
grande attractivo para as creancinhas e garantia que dellas é o
reino dos céos.
Procurem as Irmãs tratar as meninas com affago materno,
compassivo, como si fossem suas proprias filhas, sempre
dentro dos limites da conveniencia religiosa, illustrando e
ennobrecendo o coração das meninas, para que um dia possam
entrar na sociedade, educadas e saibam se comportar sem
prejuizo da salvação de sua alma. O cargo de mestra por
conseguinte, é de grande responsabilidade, pois, depende do
bom ensino e da perfeição dos trabalhos domesticos a honra do
Instituto e o aproveitamento de muitas creanças que vivem no
abandono e na ignorancia.
181 – As Irmãs, portanto destinadas pela obediência a
exercerem esses cargos tão melindrosos e difíceis procurem
desempenhal-os com diligencia e zelo, scientes de que estão
praticando uma das mais importantes obras de caridade.
Cuidem de formar nas discipulas um espírito docil, alegre e
recto, tirando das lições, as reflexões moraes e opportunas;
evitando o mau trato e palavras asperas e pezadas para com
ellas.
Não sejam porém de demasiada condescendencia e abstenhamse absolutamente de dar indiscrecta confiança ás meninas,
porque isso prejudica á disciplina da Casa e faz que as creanças
se tornem desrespeitosas, insubordinadas á Directora e Mestra
que mais confiança lhes derem.
Em summa deverão alliar a doçura com a auctoridade, o rigor
com a benignidade de forma que sejam não só estimadas, mas
respeitadas e temidas pelas discípulas; moderadas em suas
palavras, como modestas e decorosas no comportamento,
evitando modos contrarios á gravidade religiosa. (p. 114 a 119)
Os referidos números da Constituição trazem aspectos do modo como as
Irmãs concebiam a educação, como procediam com as alunas, os valores que eram
ensinados, as posturas das professoras.
109
As alunas ficavam separadas da casa religiosa e não mantinham contato com
todas as Irmãs, só com suas professoras e mestras. Essa separação era para favorecer a
liberdade dos grupos, pois se exigia silêncio quase absoluto na vida religiosa neste
período, uma vida intensa de oração, penitência e jejum. Porém, as alunas tinham os
momentos de lazer, recreação, brincadeiras e gostavam de conversar enquanto
trabalhavam.
Outro aspecto que merece destaque: o relacionamento das Irmãs professoras
com as alunas. As Constituições orientavam que deveria se cultivar um amor sem
acepção de pessoas, o mesmo amor com que Jesus Cristo amou toda a humanidade.
Neste aspecto há uma preocupação em relação à exclusão das que apresentassem algum
tipo de dificuldade, ou até mesmo preconceito em relação a etnia, aspectos físicos ou
asseio corporal. Todas as alunas devem ser tratadas com amor e receber os cuidados e a
instrução devida.
Novamente o texto apresenta a questão da maternidade, muito própria do
franciscanismo e totalmente assumida pelas Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,
que possuem a missão de ser presença do Coração Materno de Maria no mundo. O texto
diz que as Irmãs devem amar suas alunas como se fossem suas próprias filhas.
O ato de corrigir deve manter o equilíbrio, ser de forma dócil, porém com
autoridade; com rigor, mas com benignidade. É a postura que a verdadeira mãe tem na
hora de educar seus filhos, sempre os corrige, mostra o caminho certo, educa, mas numa
postura de quem ama, de quem quer bem, de quem tem um coração benigno e
magnânimo.
Um dado curioso é que as Irmãs nunca devem confiar às alunas recados a
serem transmitidos fora do convento. Há todo um rigor próprio daquele período com
respeito à vida religiosa em conversar com as pessoas na rua, receber visitas – desde que
110
não sejam familiares - enfim, uma preocupação um tanto demasiada para os tempos
atuais, porém aceitáveis para a época. A grande preocupação era perder a constância da
vida religiosa.
As Irmãs tinham a responsabilidade para com as internas, pois queriam
evitar qualquer coisa que prejudicasse o bom desenvolvimento das mesmas. Elas
deveriam regressar às suas famílias, casarem-se ou conseguirem um trabalho, sem que
nada de mal as acometesse. Portanto, havia uma preocupação até mesmo exagerada,
mas era em vista do cuidado de vidas que não pertenciam às Irmãs e pelas quais
deveriam responder legalmente.
Em relação ao número 178 - que diz que as escolas da Congregação devem
seguir o mesmo cronograma de ensino das demais escolas - fiz uma pesquisa sobre o
que se ensinava em algumas escolas deste período e, constatei o seguinte:
Disciplinas ensinadas no Asilo Coração de Maria, conforme Estatuto:
“Religião, História Sagrada, Caligrafia, Leitura, Composição, Noções de Aritmética,
Noções de geografia e história – com especialidade de Geografia e História do Brasil,
Trabalhos manuais e especialmente Costura, Civilidade, Serviços domésticos e de
cozinha, Música”. (MARCON, 1996, v. 4, p. 133)
Grupo Escholar: Leitura e princípios de gramática; escripta e
calligraphia; calculo arithetico sobre números inteiros e
fracções; Geometria practica (tachimetria) com as noções
necessárias para as suas applicações á medição de superfícies e
volumes; Systema métrico decimal; Desenho a mão livre;
Moral practica; Educação cívica; Noções de geographia geral;
Cosmographia; Geographia do Brazil e especialmente do
Estado de S. Paulo; Noções de sciencias physicas, chimicas e
naturaes, nas suas mais simples applicações, especialmente á
hygiene; Historia do Brazil e leitura sobre a vida dos grandes
vultos da historia; Leitura de musica e canto; exercícios
gymnasticos, manuaes e militares apropriados a edade e ao
sexo. (CAMARGO, 1900, p. 146)
111
O referido Grupo Escolar foi fundado em 13 de maio de 1897 em
Piracicaba/SP e segue o programa das escolas modelos do Estado na época.
Comparando um programa com o outro percebe-se pouca diferença – o primeiro
menciona as áreas do conhecimento; o segundo acrescenta algumas e explica o que é
trabalho sucintamente em cada disciplina.
O cronograma do Asilo Coração de Maria traz um diferencial muito próprio
das Instituições confessionais, que é o ensino da História Sagrada e Religião, como
também de matérias específicas para mulheres: Trabalhos manuais e especialmente
Costura, Serviços domésticos e de cozinha.
A Eschola de D. Eulalia, de ensino particular, fundada em 15 de maio de
1876 em Piracicaba/SP, ensinava: “Arithmetica, Geographia, Historia, Civilidade,
Catechismo e Trabalhos de agulha” (CAMARGO, 1900, p. 150).
O Collegio da Assumpção de Nossa Senhora, fundado em 1896 em
Piracicaba/SP e dirigido pelas Irmãs de São José, ensinava-se as seguintes matérias:
Doutrina Christã; Leitura e calligraphia; Lições de cousas;
Lingua portugueza e franceza – isto é: grammatica, arte de
compor com correcção, declamação, etc; Arithmetica e
Desenho linear; Geographia e Cosmographia; Historia Sagrada,
Universal e Patria; Noções de Botanica e Historia Natural;
Noções de Physica e Chimica; Canto; Toda a espécie de
trabalho de agulha; Civilidade, etc; Gymnastica de salão.
Lições especiais: línguas Ingleza e Allemã; Piano; Desenho de
gosto. (CAMARGO, 1900, p. 152)
O Colégio Assunção era um internato particular para meninas e depois
tornou-se um colégio externo.
Mencionei alguns cronogramas de outras escolas, pois julguei pertinente
fazer a comparação entre as escolas estaduais, particulares e de caridade (assistência
112
social) e perceber que há diferenças, porém o núcleo comum é mantido no Asilo, apesar
da falta de recursos, contando sempre com as doações da comunidade.
Retornando aos documentos da Congregação, no Diretório de 1934
encontram-se diversas questões utilizadas para exame de consciência 43 das Irmãs que
eram educadoras. O texto traz as seguintes reflexões:
Estou compenetrada de que Deus me pedirá conta de cada
creança por elle confiada aos meus cuidados? Defendo sempre
a innocencia e virtude de meus discípulos? Amo a todos,
somente por amor de Deus? Tenho particularidade para com
algum delles? Preparo bem minhas licções? Tenho zelo pelo
progresso de cada alumno? Procuro conhecer o caracter, o
temperamento, as boas e más qualidades de cada creança, para
poder dirigir-lhe os primeiros passos na vida moral e ensinarlhe, pouco a pouco, a proceder, por própria determinação, afim
de que saiba evitar os perigos e escolher o caminho do dever e
da virtude? Deixei as creanças entregues a si proprias ou a
pessoas incompetentes, na classe, nos recreios ou em outros
lugares? Procurei exercer vigilancia constante, mas suave? Se
fui obrigada a castigar, fi-lo na proporção da falta e após ter
exgotado os meios de bondade e persuasão? Dou aos alumnos
o exemplo de zelo e paciencia? Procuro, sempre, incutir no seu
espirito a estima pela virtude e o temor do peccado? (p.36)
O referido exame de consciência aponta diversas posturas das Irmãs
Educadoras e por se tratar de vida religiosa, qualquer postura contrária era considerada
pecado, portanto não favorecia a perfeição e por conseguinte não se conquistava a
salvação. Com isso quero afirmar que tais atitudes eram amplamente observadas e
vivenciadas pelas Irmãs.
Primeiramente o texto afirma que quem confiou o cuidado das crianças às
Irmãs foi o próprio Deus, portanto elas devem esmerar-se pelo crescimento e
43
Exame de consciência é um exercício de piedade feito à noite, antes de dormir, para analisar todas as
ações diárias, pedir perdão a Deus pelas falhas e pecados e louvá-Lo pelas atividades benéficas que foram
realizadas.
113
aperfeiçoamento das mesmas. A fé cultivada na época e até os dias atuais, é que Deus
vai pedir contas de tudo o que Ele concedeu e confiou a cada pessoa.
Posteriormente é a preocupação da educadora em defender a inocência e as
virtudes das alunas. É evitar que se deixem contaminar pelo pecado, pela crença em
outras seitas religiosas, que se desviem da vivência das virtudes cristãs, que se tornem
pessoas maléficas, capazes de explorar, enganar e mentir.
O terceiro aspecto é o mesmo que já mencionado anteriormente em relação
ao amor sem fazer diferenças. Amar as alunas com o mesmo amor de Deus, isto é, ama
a todos igualmente, pois são todos seus filhos.
Merece destaque também, a preocupação em preparar as aulas
adequadamente, sempre pensando no bom desenvolvimento de cada aluna. Preparar
bem as lições para poder ser entendida de maneira muito simples. A expressão “bem”,
quer dizer de todo coração, conforme a necessidade de cada um, com todo cuidado, com
toda atenção, enfim, como Deus faz, que é o Sumo e verdadeiro Bem. Portanto, a
palavra “bem” para a vida religiosa é uma exigência radical.
O exame de consciência revela que a Irmã educadora deve conhecer o
caráter e o temperamento da sua aluna, para ajudá-la, para fazer as interferências
necessárias e ensinar-lhe o caminho da verdadeira virtude. O ato de educar da Irmã
Franciscana do Coração de Maria não consiste apenas na formação intelectual, em
transmitir conhecimentos historicamente acumulado, mas também conhecer a vida e os
sentimentos das suas alunas, com intuito de formar a integralidade da pessoa.
O texto menciona a questão dos castigos às alunas, porém esses só poderiam
ser dados após terem-se esgotado todas as demais possibilidades de correção, através da
bondade e do diálogo, do convencimento do que é correto. Não menciona a forma de
castigo, porém deve ser proporcional às faltas. Isto quer dizer que o castigo de uma
114
criança não deve ser tão rigoroso, pois não possui a maturidade de planejar, de querer e
fazer o mal. Crianças cometem pequenas desobediências ou transgressões que devem
ser corrigidas, mas com suavidade, conforme diz o texto.
Outro texto do mesmo Diretório, menciona mais alguns dados relevantes
sobre as professoras e assistentes das meninas:
Para as professoras e assistentes alcançarem seus elevados fins,
sobre a infância e juventude, devem, como jardineiras, cultivar,
no terreno dos corações infantis, as flores variegadas das
virtudes. Alli, devem brotar o gosto e o amor ao estudo serio,
prompta obediência, e respeito profundo á legitima autoridade.
Alli, também, deve florescer sinceridade infantil, piedade
solida e illibada pureza. As educadoras e assistentes acautelemse de querer desconhecer ou abafar os sentimentos de
independencia e iniciativa pessoal dos alumnos. A sua tarefa é
somente envereda-los pelo recto caminho. Ensinem ás creanças
a aspirar o bem, livremente, não constrangidas. Só obterão
verdadeira formação do carecter e liberdade interior, quando
tiverem levado os educandos a empregar toda disciplina em
robustecer a vontade, para conquistar a mais bella virtude – a
victoria de si mesmo. Meios meramente naturaes não são
sufficientes para alcançar tão altos fins. O que uma educadora
verdadeiramente implora, antes de tudo, do Pae das luzes, é a
illustração do alto e a graça divina para si e seus educandos. A
razão e a fé, motivos e meios naturaes e subrenaturaes, quando
unidos, effectuam o que nem um nem outro – só – conseguiria.
(p. 90)
Esse texto descreve algumas características fundamentais da educadora – a
questão da preparação do terreno para o cultivo; não é a transposição da terra, mas a
utilização de tudo o que a criança já possui, procurando não tolher sua liberdade e
iniciativa, mas mostrar como é possível melhorar, ampliar horizontes, desvendar novos
caminhos.
Reforça a questão da união entre fé e razão, as duas vias que possibilitam o
verdadeiro desenvolvimento do ser humano. Para as instituições católicas não há como
separar essa duas forças que favorecem todo o saber da pessoa.
115
5. A visão educacional das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria registradas
nas Fontes Históricas da Congregação
As Fontes Históricas da Congregação: coletânea de textos feitos por
religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, com a
finalidade de se juntar o conteúdo esparso em outros cadernos; apostilas e anotações
constantes no arquivo, para constituir um único volume, o que facilitaria às Irmãs o
conhecimento de dados até então desconhecidos e serviria como um documento de
pesquisa. É intitulado Fontes Históricas da Congregação, elaborado por ocasião do
Capítulo Geral de 1985.
O texto é mimeografado, com cento e quarenta e três páginas e retrata os
principais fatos da Congregação religiosa, acontecimentos da origem, revela atitudes,
modo de ser e pensar, iniciativas e trabalhos das primeiras obras. Para a elaboração
desse volume o testemunho das primeiras Irmãs, que nesse período ainda viviam, foi de
grande valia, bem como referencias do arquivo da Província dos Capuchinhos de São
Paulo.
Embora as Fontes Históricas relatem dados importantes sobre a vida
religiosa nos primeiros anos da Congregação, no presente texto apresentarei apenas
informações referentes ao trabalho com as internas, à maneira como as Irmãs cuidavam
e educavam as meninas, no início do Asilo Coração de Maria.
Antes mesmo de inaugurar a casa, que inicialmente se denominou:
Recolhimento, Irmã Cecília e Irmã Valéria já haviam acolhido duas órfãs em suas
residências: Maria Joaquina, que ficou com Irmã Cecília e Odila, com Irmã Valéria
(AQUINO, 1985, p. 4). As órfãs residiram por um ano nas casas das Irmãs da Ordem
Terceira, até à inauguração do Asilo em 1898. Esse fato merece destaque, pois revela
que as Irmãs Cecília e Valéria já haviam se comprometido com a obra educacional e
116
assistencial; estavam dispostas a levar adiante o desejo do Frei Luiz Maria de abrir uma
casa para acolher e educar meninas pobres de Piracicaba/SP.
Em relação à órfã Maria Joaquina, AQUINO apresenta um texto
significativo:
Enquanto se prosseguiam as obras da construção do Asilo,
Mamãe Cecília, que freqüentava a Igreja Coração de Jesus, dos
frades, começou a notar uma menina, sempre ajoelhada aos pés
do altar de Nossa Senhora, rezando com muito fervor. Um dia
chamou-a de parte e perguntou que era e o que pedia. A
menina respondeu: “chamo-me Maria Joaquina, sou órfã e
venho todos os dias pedir a Nossa Senhora que fique pronto
logo o Asilo para eu poder entrar”. O coração compassivo de
M. Cecília comoveu-se. Levou a menina para sua casa,
cuidando-a com carinho maternal e no dia da inauguração do
Asilo matriculou-a sob o nº 2. (1895, p. 23)
O texto apresenta uma problemática da época, a questão da orfandade, pois
pelos vários casos citados nas Fontes Históricas e outros que já foram apresentados
nesta pesquisa, as crianças não tinham um lugar definido e, algumas famílias não
tinham condições de cuidar na ausência da mãe.
Diversas órfãs ou alunas que entraram no Asilo Coração de Maria para
estudarem optaram pela vida religiosa, porém, desde o início, essa decisão sempre foi
livre. Já foi apresentado o caso da Irmã Isabel do Sagrado Coração, acolhida por Irmã
Cecília num estado lastimável, doente, desnutrida e sem cuidados necessários para uma
criança. Em seguida apresentarei mais dois casos que julguei pertinente por se tratar de
situações bem diferentes.
Irmã Catarina Dermira de Godoy – perdera a mãe muito cedo e
teve a infelicidade de ver sua madrinha passar-se ao
espiritismo. O pai, seu único arrimo, temendo que por sua
morte a filha fosse acolhida pela madrinha e obrigada a aderir à
odiosa seita, logo depois de aberto o Asilo, entregou-a a Madre
Cecília, dando parte de seus temores e pedindo que recebesse a
sua filha. De boa vontade foi atendido e N. Senhor coroou esta
117
caridade dando vocação religiosa a essa órfã, que passou a
considerar-se 2 vezes filha de Mamãe Cecília.
Irmã Filomena Maria Vooca – órfã de mãe, morava com o pai
nos confins de um bairro piracicabano. O pai não era bom,
deixava a menina sozinha em casa até altas horas e muitas
vezes voltava embriagado. Ela quase morria de pavor de ser
atacada por algum malfeitor. Sabendo da abertura do Asilo,
veio bater às portas, sendo recebida muito carinhosamente por
Mamãe Cecília. Faleceu mui santamente. (AQUINO, 1985, p.
23 e 25)
As Fontes Históricas registram também, sete cartas de Irmã Cecília à Irmã
Maria Imaculada, num tratamento muito familiar de mãe e filha. A razão dessa
proximidade chama a atenção, pois quando Irmã Cecília iniciou os trabalhos em
Descalvado/SP, denominada na época de Belém do Descalvado, passou um período no
hospital para auxiliar as Irmãs na organização dessa casa de saúde. Durante esse tempo,
uma senhora estava muito doente e foi cuidada pelas Irmãs. Antes de falecer entregara
sua filha Tereza aos cuidados das Irmãs. Posteriormente a menina ficou no Asilo
Coração de Maria e optou pela vida religiosa, recebendo o nome de Irmã Maria
Imaculada. (AQUINO, 1985, p. 82)
Dentro deste mesmo contexto, encontramos outra órfã, Cesira M. Graciano,
que fora acolhida ainda menina por Irmã Cecília e recebera o nome religioso de Irmã
Clara. Desta Irmã, as Fontes Históricas da Congregação apresentam três cartas redigidas
por Irmã Cecília, sempre demonstrando cuidado, atenção e acima de tudo incentivo na
fidelidade à vida religiosa.
Apresentarei uma carta que Irmã Cecília destina a Teresa – Irmã Maria
Imaculada - retrata uma postura muito particular do jeito da Irmã Franciscana do
Coração de Maria educar.
12/07/1905 – Estimada Teresa, Boa Filha.
Recebi a vossa carta e também o cartão (bilhete de satisfação)
tive grande prazer vendo a sua boa vontade assim fazendo dará
118
grande gosto a sua boa Mestra, a Nossa Senhora; e à pobre
Mãe, continue boa filha um dia ficará mais contente, quando
compreender as misérias de outros que não querem seguir o
bom caminho; reze sempre, filha, pelas, órfãs e abandonadas,
você graças a Deus tem aí as Irmãs e a boa Vitória que dia e
noite zelam por você e a Mãe longe mesmo não esquece-se aos
pés d’Aquele bom Jesus preso e desprezado (pelo nosso amor
fica em nossas casas) dos homens; lembra sempre de fazer
visitas e nessas peça pela Mãe que tanto precisa de orações.
[...] Abraçando a filha peço que continue a enviar-me boas
notas. Vossa em Jesus Cristo.
Mãe e amiga.
Irmã Cecília. (AQUINO, 1985, p. 56)
O texto é de uma singeleza singular e esse modo de se relacionar revela a
educação transmitida pelas Irmãs Franciscanas do Coração de Maria. No ato de ensinar
faz-se necessário a proximidade, o conhecimento da pessoa, da sua história, dos seus
sonhos e ideais. Há uma reciprocidade, uma troca experiência e informações.
Nesse contexto cria-se um ambiente familiar, um espaço onde a criança e o
adolescente sentem-se seguros, tranqüilos, confiantes. É uma particularidade do próprio
carisma congregacional – ser presença do Coração Materno de Maria. A postura de Irmã
Cecília demonstra uma mãe que está empenhada na boa educação da filha, por isso se
alegra com as informações recebidas, transmite orientações, faz refletir, mostra os
valores fundamentais. Neste momento as interferências vão ocorrendo e o conhecimento
vai sendo elaborado.
Faço uma ressalva: Esses valores são conservados até os dias atuais e
transparecem em algumas atitudes das crianças e adolescentes do Lar Escola. Por
exemplo: os alunos gostam de ficar descalços na creche – o espaço é seguro, familiar.
Um menino do jardim II, com apenas cinco anos, quer vir para a creche aos sábados e
domingos; outra aluna do maternal II, três anos, não quer ir para casa no final do dia,
após passar dez horas na creche e longe da mãe. Neste último caso a família não
119
apresenta nenhuma negligência. Os alunos de 11 anos – última turma– ficam tristes,
pois não poderão mais freqüentar a Instituição no ano seguinte. Todas essas situações
foram vivenciadas por mim e me fazem questionar: qual é o verdadeiro sentido do atual
Lar Escola – antigo Asilo Coração de Maria - para essas crianças? O que os motiva estar
participando deste projeto?
Esse jeito de acolher, ensinar, conviver é uma herança legada pelas
primeiras Irmãs e aprendida através do modo de ser franciscano, que prioriza a
dignidade da pessoa, a convivência fraterna, a partilha e a pertença.
AQUINO descreve, também, como era a primeira estrutura física do Asilo
Coração de Maria:
A CASA – para aproveitar melhor o terreno, construiu-se um
edifício de três andares, sendo o terceiro um tanto baixo,
poeticamente apelidado pelas Irmãs de “paraíso.
Ao lado, um portão e um pequeno patamar. Entrando-se no
prédio – propriamente dito por um corredor, vai-se deixando
lateralmente, escritório, locutório, refeitório, copa, cozinha.
Uma escada elevada ao segundo andar, onde se achava a
Capela, com janelas para o nascente, e celas das irmãs.
Primitivamente as meninas tinham seu dormitório no “paraíso”.
Nos fundos do edifício havia uma pequena área que servia para
as recreações das orfãzinhas. (1985, p. 7)
O texto apresenta uma estrutura simples, mas com espaço suficiente para
atender o primeiro grupo de Irmãs e internas, que, no início, era pequeno. Merecem
destaque algumas considerações. Primeiro é o aproveitamento do terreno, pois foi
construído um prédio de três andares para que as educandas tivessem espaço adequado.
O objetivo era de expansão, de empreendedorismo, de possibilitar uma estrutura
condizente ao bom funcionamento e atendimento da obra.
Um segundo fator é o cuidado das Irmãs para com as órfãs, que é expresso
no texto de duas formas: a primeira é a transferência do dormitório, que no início
120
localizava-se no “paraíso”, um espaço grande, porém muito quente por estar próximo ao
telhado. O “paraíso” é hoje um depósito. A segunda é a área de lazer para as meninas
brincarem, uma particularidade muito própria da educação franciscana, que defende a
idéia da fraternidade universal, onde todos são irmãos, inclusive a natureza. O contato
com as plantas, com o ar e com a terra, para o franciscano, favorece o desenvolvimento
físico, afetivo, cognitivo e espiritual.
Em relação ao terreno do Asilo Coração de Maria, ficou guardado o desenho
de Irmã Clara que residiu no Asilo como aluna, tendo o nome de Cesira M. Graciano. E
mostra que o espaço era grande principalmente o pomar, que tinha plantação de
jabuticabeiras, laranjeiras, ameixeiras e mangueiras (LIMA, 1992, p. 47). O prédio não
era muito grande, mas tinha dois andares e o terceiro – que ficava perto do telhado,
denominado paraíso – também era utilizado no início, como dormitório. A construção
era dividida em salas de aula, dormitórios, refeitório, clausura, capela, escritório,
cozinha e lavanderia.
Esse mesmo terreno, hoje passou por diversas alterações, ampliando os
espaços e expandindo o atendimento, bem como a planta foi refeita.
Existem alguns testemunhos de Irmãs que conviveram com Irmã Cecília e
revelam um pouco o modo de ser da fundadora e o que ela transmitiu às suas
companheiras. Merecem destaque, pois deixam transparecer a postura educacional dos
primeiros anos. São informações importantes, já que não dispomos de documentos
próprios que revelam os princípios educativos do Asilo Coração de Maria.
Em 1968, foi coletado um testemunho de Irmã Geralda, que diz:
[...] pudemos confirmar o que sabemos sobre a sua grande
preocupação no amparo e auxilio aos pobres, nomeadamente as
crianças órfãs. Queria, dizia ela – poder amparar, proteger e
bem encaminhar a todas as orfãzinhas de nossa cidade.
Costurando para as crianças pobres, dizia às suas
colaboradoras: “além de ser uma obra de misericórdia vestir os
121
nus, devemos nos empenhar em promover a higiene física e
mental dessas pobrezinhas”. E mais tarde, lutando sempre para
conseguir realizar seu sonho de assistência aos pobres, dizia:
Minhas filhas, se penoso é lutar, mais glorioso e consolador é
pensar que procuramos o bem e se Deus nos tem provado com
dificuldades é sinal certo de que está contente com nosso
esforço; não vamos parar. (AQUINO, 1985, p. 101 e 102)
A utopia de Irmã Cecília era a formação da inteireza da pessoa: cognitiva,
afetiva, psíquica e social, assegurando seus direitos e possibilitando o seu
comprometimento com os deveres, que estão intimamente relacionados com a
autonomia, restabelecimento da dignidade e emancipação da pessoa, para que possa
viver bem e ser feliz.
O testemunho de Frei Timóteo de Miranda, aos 2 de fevereiro de 1984,
expressa a preocupação de Irmã Cecília para com as alunas e para o com os formandos
capuchinhos, do qual ele fazia parte. Ele expressa:
[...] Durante o tempo da provação ela exerceu, com ternura e
afetos de mãe, quase se esquecendo de si mesma, o encargo de
orientadora do seu grupo no cuidado da criação e educação, das
criancinhas carentes e desamparadas no Lar Coração de Maria
Nossa Mãe, onde nasceu também da fecundidade do seu grande
amor a Deus no serviço dos irmãos, a Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria. Eu me lembro que estando
no noviciado ali pertinho no Convento Sagrado Coração de
Jesus, em Piracicaba, no tempo das laranjas a gente saboreava
de vez em quando uma cesta de laranjas que Madre Cecília
mandava para os fradinhos. O pé de laranja era nomeado por
ela como sendo: “A laranjeira dos Noviços Capuchinhos”.
Depois vinham os docinhos, os biscoitos que nós tanto
apreciávamos. (AQUINO, 1985, p. 102 e 103)
O testemunho deixa evidente a questão da maternidade de Irmã Cecília, sua
abnegação e dedicação no atendimento às alunas. Sua postura de mãe não se restringe
apenas às alunas do Asilo, mas extrapola os muros da Instituição e abrange os Irmãos
Capuchinhos, dos quais Irmã Cecília nutria um afeto especial. Destaco também, que
122
nesse período Frei Timóteo estava no noviciado, Irmã Cecília encontrava-se no chalé,
afastada da convivência fraterna das Irmãs.
As Fontes Históricas, como já foi mencionado, trazem poucas informações
sobre a proposta educativa dos primeiros anos de fundação do Asilo, porém os
testemunhos são precisos para compreender a dimensão do trabalho realizado pelas
Irmãs, as proporções que a entidade foi adquirindo e o zelo, o esforço e o empenho
aplicados, para que houvesse a expansão da instituição; acima de tudo é sensível a
dedicação em ensinar com esmero e cuidar com amor e zelo materno da primeira
comunidade de educadoras.
6. Testemunhos de alunas internas e religiosas do Asilo Coração de Maria
Apresentarei alguns testemunhos de ex-alunas internas do Asilo Coração de
Maria e de religiosas da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria que
conviveram com Irmã Cecília. Os dados foram extraídos dos volumes 1 e 2 dos
Testemunhos escritos sobre a serva de Deus Madre Cecília do Coração de Maria
(MARCON, 1992), porém os textos originais – alguns datilografados outros
manuscritos – encontram-se no Arquivo Histórico da Congregação. Os referidos livros
foram elaborados em vista do processo de canonização de Madre Cecília do Coração de
Maria, portanto, trazem diversas informações sobre o modo de agir, as virtudes que
revelam a santidade da fundadora. Destacarei apenas o que diz respeito à educação das
alunas, convivência, situações peculiares que envolveram Irmãs e internas.
Outro fator a ser destacado em relação à análise dos testemunhos é que eles
foram coletados muitos anos depois, portanto, as alunas e religiosas que viveram no
Asilo já se encontravam idosas, porém lúcidas para redigir ou ditar as informações
solicitadas.
123
6.1 Testemunho coletado por Irmã Maria Lavínia do Coração de Jesus
Irmã Maria Lavínia do Coração de Jesus coletou alguns testemunhos em
1985 a pedido da Superiora Geral – Irmã Armanda Franco Gomes de Camargo, de
religiosas que conviveram no Asilo.
O primeiro testemunho é de Irmã Luíza de Santa Sofia. Ela tomava conta do
refeitório do Asilo e certo dia, não tinha nada para servir como lanche para as internas,
então foi comunicar a Irmã Cecília:
- Não temos nada, pra pôr na mesa. Mamãe lhe disse:
- Faz aquele tal bolinho de fubá e um pouco de trigo.
- Tem fubá, tem um pouco de trigo, mas, não tem gordura para
fritar.
Acabando de falar, tocaram a aldrava da portaria. Chegou uma
bandeja grande com os tais bolinhos ainda quentes. Eram
tantos que todas comeram bem. Quando a pessoa entregou os
bolinhos foi-lhe perguntado em qual endereço deveriam
devolver a bandeja. Foi respondido: A bandeja pode ficar aí.
(MARCON, 1992, v. 1, p. 32)
O fato narrado por Irmã Luíza vem confirmar o que foi apresentado nos
textos anteriores em relação à pobreza, sendo que, muitas vezes, não tinham o
necessário para comer. Confirma, também, a generosidade do povo piracicabano, que
sempre ajudou na manutenção do Asilo.
O segundo testemunho é da Irmã Aurora Maria de São Francisco. Ela
relatou que Irmã Nazária, a co-fundadora, gostava de fumar cachimbo e ao ingressar no
Asilo, Irmã Cecília deu-lhe licença para continuar fumando, porém, longe das Irmãs e
internas.
Destaquei esse dado, pois desde o início até hoje é proibido fumar nas casas
religiosas. Não é um bom testemunho, além de prejudicar a própria saúde e a das
demais pessoas. No entanto, Irmã Cecília abre uma precedência para Irmã Nazária, que
já tinha certa idade e não conseguia deixar o vício. Respeitou a diferença, mas manteve
124
o necessário cuidado em relação às crianças e às outras Irmãs. Essa postura é expressão
de acolhimento e aceitação das diferenças. Atitudes próprias dos franciscanos.
6.2 Testemunho de Irmã Ana Maria de São Leonardo
O testemunho de Irmã Ana Maria de São Leonardo, que nasceu em
Descalvado/SP, entrou na Congregação em 1909 e faleceu em 25 de setembro de 1980,
foi escrito por Irmã Maria Júlia da Eucaristia e diz:
Mamãe Cecília se preocupava com a saúde da gente. Quando
lhe pedi para ser franciscana, ela me perguntou entre outras
coisas: Você tem boa saúde? Acha que vai agüentar? Me
parece tão pálida... Derepente, me perguntou: Você quer bem
sua mãe? Até me assustei, Mamãe Cecília pegava a gente de
todo jeito, não era moleza, não! Ela sempre falava que a Irmã
tem que gostar muito da oração e também de trabalhar. Ela se
preocupava de uma Irmã Josefina dizendo: Perde tempo, não
tem amor à oração, por isso é que não gosta de trabalhar
também. A Irmã que não tem amor à oração e não gosta de
trabalhar, não é do espírito de São Francisco. (MARCON,
1992, v. 1, p. 56)
O referido texto destaca duas características muito particulares da vida
religiosa: a Oração e o Trabalho. Essas virtudes são vivenciadas não apenas entre as
Irmãs, mas também transmitidas às internas e posteriormente às alunas. É com esses
elementos que entendemos melhor as disciplinas trabalhadas no Asilo: Religião,
História Sagrada, trabalhos manuais, costura, serviços domésticos e de cozinha.
A preocupação com a saúde é um fator que até nos dias atuais é levado em
consideração para quem queira se tornar religiosa, pois o artigo 111.1 das atuais
Constituições das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria diz que: “as postulantes,
para ingressarem no noviciado, não podem sofrer doença grave ou mal crônico”. (Regra
e Constituições Gerais da Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria,
2000, p. 89)
125
As Irmãs se preocupavam com a saúde das jovens que almejavam tornar-se
religiosas. Primeiro, por ser um quesito fundamental na formação da pessoa humana e
segundo, porque eram necessárias pessoas sadias para os trabalhos da Instituição, tanto
na formação, como na manutenção.
6.3 Testemunho da Irmã Maria Júlia da Eucaristia
Irmã Maria Júlia da Eucaristia ingressou na congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria em 23 de dezembro de 1933 e tornou-se religiosa em
28 de novembro de 1942. Encontrou-se algumas vezes com Irmã Cecília e foi num
destes momentos que recebeu uma tarefa da fundadora: “cuide bem das crianças”.
(MARCON, 1992, v. 1, p. 72)
Irmã Maria Júlia na ocasião da visita à Irmã Cecília morava em Barra
Fria/SC e trabalhava com escola e catequese. O fato aconteceu em 1949, portanto Irmã
Cecília estava com 97 anos, mas sua atenção ainda estava voltada para o cuidado das
crianças. O conselho é dado pela mãe que continua se preocupando com o bem estar das
suas filhas.
Diante dessa orientação dada por Irmã Cecília e que permeou os seus 98
anos de vida, penso que se faz necessária uma breve colocação sobre o ato de “cuidar”
de crianças. Essa postura envolve todas as dimensões do ser humano: cuidados
relacionais, cuidado das dimensões afetivas, cuidado quanto aos aspectos biológicos,
cuidado quanto aos aspectos cognitivos e psíquicos, enfim, é um cuidado que abarca o
desenvolvimento integral da pessoa.
A breve expressão – “cuide bem das crianças” – não pode ser analisada de
maneira simplista, pois carrega a força de um carisma e de uma espiritualidade
congregacional, trazendo presente a lembrança que Deus cuida. É uma ação concreta e
126
possível de ser realizada, que está ao alcance de todos. É a mesma postura do Bom
Samaritano (Bíblia de Jerusalém, 2002, p. 1808), que não conhecia quem estava
precisando de cuidados, simplesmente vê a pessoa e atende suas necessidades porque
ela era uma filha de Deus.
Neste sentido o educador – aquele que cuida – deve estar atento à criança,
suas necessidades, suas expressões, seu contexto histórico, seus sentimentos e suas
manifestações, para que possa compreendê-la e saber orientá-la.
Na perspectiva do cuidado, FOREST comenta:
Para cuidar é preciso um comprometimento com o outro, com
sua singularidade, ser solidário com suas necessidades,
confiando em suas capacidades. Disso depende a construção de
um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado. É preciso que
o professor possa ajudar a criança a identificar suas
necessidades e priorizá-las, assim como atendê-las de forma
adequada. Deve-se cuidar como pessoa que está num contínuo
crescimento e desenvolvimento, compreendendo sua
singularidade, identificando e respondendo às suas
necessidades, Isso inclui interessar-se sobre o que a criança
sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando à
ampliação desse conhecimento e de suas habilidades, que aos
poucos, a tornarão mais independente e mais autônoma. (p. 5)
O Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil, também, traz
uma colocação sobre o cuidado com crianças:
A base do cuidado humano é compreender como ajudar o outro
a se desenvolver como ser humano. Cuidar significa valorizar e
ajudar a desenvolver capacidades. O cuidado é um ato em
relação ao outro e a si próprio que possui uma dimensão
expressiva e implica em procedimentos específicos. (Brasil,
1998, p. 24)
A dimensão do cuidado para Irmã Cecília e suas companheiras está mais na
perspectiva religiosa, na dimensão de que Deus cuida de nós diariamente e a nossa
127
missão é cuidar dos irmãos e da natureza, pois a pessoa é continuadora da criação
divina.
As Irmãs se dispõem a servir do jeito franciscano, pois assumem a tarefa do
cuidado da pessoa, como imagem do próprio Cristo. Só é capaz de amar a Cristo quem
ama e ajuda os que Cristo amou: a humanidade.
Pois a extraordinária devoção da caridade elevava-o para as
coisas divinas, que sua afetuosa bondade dilatava-o para os que
eram seus consortes, pela natureza e pela graça. Pois não é para
admirar que aquele que a piedade do coração tornara irmão das
outras criaturas, fazia-se pelo amor de Cristo ainda mais irmão
dos que se distinguem pela imagem do Criador e foram
remidos pelo sangue de seu Autor. Não se considerava amigo
de Cristo se não procurava ajudar as almas que Ele remiu.
(SILVEIRA, 1996, p. 527)
Outro testemunho deixado por Irmã Evangelina Maria de São Francisco,
que ingressou na Congregação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria em 26 de
julho de 1925 e tornou-se religiosa em 3 de janeiro de 1933, afirma o que ouviu de Irmã
Cecília:
Todo cuidado é pouco, dizia, para dar aos pobres doentes a
assistência que eles precisam e esperam, tanto material como
espiritual. Que a Irmã enfermeira não se recolha antes de
verificar se os doentes estão bem e não precisam de alguma
coisa. (MARCON, 1992, v. 1, p. 99)
A mesma Irmã Evangelina deixa outro texto, com data de 7 de agosto de
1983, que diz:
Durante o tempo de postulado e ano canônico pude sentir
quanto de ternura existia no coração de nossa querida Mamãe
Cecília. Era notável sua preocupação pela saúde física e vida
de oração de cada uma de nós. Perguntava sempre se a gente
estava contente, se gostávamos de rezar e também de trabalhar.
Não escondia igualmente o seu grande amor e zelo pelas órfãs.
Mesmo nos últimos tempos de sua existência, já quase sem a
integridade de suas faculdades mentais não se esquecia das
128
meninas pobres, órfãs e necessitadas ou desamparadas.
(MARCON, 1992, v. 1, p. 100)
O ato de “cuidar bem” é uma característica que aparece em diversos textos,
portanto é possível concluir que esse é o modo mais expressivo de educar das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria.
6.4 Testemunho da Irmã Maria Apparecida Rocha
A Irmã Maria Apparecida Rocha ingressou na Congregação das Irmãs
Franciscanas do Coração de Maria em 20 de novembro de 1938 e tornou-se religiosa em
2 de fevereiro de 1947, recebeu o nome de Irmã Eleta.
Ela afirma um fato peculiar que aconteceu:
Sempre dadivosa não deixava ninguém sair de sua companhia
sem servir-se de uma guloseima, apresentada com muito
carinho:
- Minha filha, quer comer uns docinhos?
- Não, mãe, hoje é 6ª feira.
- Eu posso dar licença, minha filha. (MARCON, 1992, v. 1, p.
160)
Mencionei esse fato porque há dados peculiares sobre a formação. Primeiro,
a atenção de Irmã Cecília para com as pessoas que dela se aproximam, conforme foi
mencionado no primeiro capítulo. Um segundo elemento é a desobediência a uma
norma estabelecida, pois sexta feira é um dia de penitência, recordando a paixão e morte
de Jesus, portanto não se serviam doces e nem carne. A única pessoa que poderia
dispensar essa prática era a superiora ou uma autoridade eclesiástica.
Irmã Cecília, neste episódio encontra-se no chalé, fora da vida fraterna, mas
mesmo assim, assume a postura de quem pode dispensar outra Irmã de seus
compromissos religiosos.
129
O fato expressa a flexibilidade de Irmã Cecília diante dos acontecimentos.
Os encontros devem ser celebrados com alegria e festa, mesmo que seja dia de
penitência. É a mesma atitude de Jesus que diz: “Vocês acham que os convidados de um
casamento podem fazer jejum enquanto o noivo está com eles? Enquanto o noivo está
presente, os convidados não podem fazer jejum”. (Bíblia de Jerusalém, 2002, p. 1762)
O testemunho de Irmã Justa Maria afirma a mesma postura que mencionei,
anteriormente, de Irmã Cecília:
Mamãe Cecília já residia no Chalé. Certamente achando a falta
de mim, foi ao Lar para me ver e encontrando-me doente,
mandou chamar Madre Gertrudes e Madre Inês e disse-lhes o
que estavam esperando; que chamassem um carro e, ela que me
levou à santa Casa e fiquei quase 2 meses internada;
certamente o caso era de inspirar cuidados: rins. Explico-me: o
carro era puxado por 2 cavalos, era de 4 rodas, 2 assentos. No
da frente o que dirigia os animais, e, atrás, quem alugava. Era
coberto por lona preta, bem protegido. Havia charretes de
aluguel, mas eram sem cobertura. Bonita a atitude de Mamãe!
Pegou o melhor! (MARCON, 1992, v. 1, p. 176)
Neste texto a postura de Irmã Cecília é mais radical ainda, ela quebra o
protocolo, dando uma ordem para a própria Superiora Geral – Irmã Inês e para a
Superiora Local – Irmã Gertrudes.
Irmã Cecília coloca a vida do doente acima de qualquer cargo e é capaz de
deixar sua casa (chalé) e acompanhar a Irmã que necessita de atendimento médico. Com
essa atitude ensina para suas Irmãs como deve ser o cuidado para com os doentes.
Mesmo afastada da obra e da vida fraterna, Irmã Cecília continua ensinando
um aspecto fundamental na educação franciscana do Coração de Maria: a flexibilidade,
quanto aos acontecimentos, à capacidade de adaptar-se às mais diversas situações e ao
sentido de pertença. Mesmo estando longe ou fora da comunidade, a Irmã ou a
educanda faz parte do grupo, da família religiosa.
130
6.5 Testemunho de Maria Aparecida Pereira Cotrim
Maria Aparecida Pereira Cotrim é ex-religiosa e ingressou na Congregação
das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria em 1951, fez a profissão definitiva em
1959 e pediu o indulto de secularização em 1971.
O testemunho é significativo, pois retrata uma convivência cotidiana com a
fundadora do Asilo e algumas atitudes que eram bem particulares de Irmã Cecília.
Maria Aparecida conheceu Irmã Cecília a partir dos sete anos, pois tornou-se sua
vizinha.
Toda minha família era muito unida a ela num contacto
humano, fraterno e filial pois para nós todos, ela era a Mamãe
Cecília muito querida; ela participava de nossa vida familiar,
desde fornecendo água aos pedreiros que construíram nossa
casa, acompanhava quando viajávamos dizendo-nos que
tomava conta da casa; me esperava das viagens com doces que
ela guardava; interessava-se pela minha formação autorizando
uma das irmãs do Lar Escola (Asilo de órfãs) a me ensinar
piano; ela mesma me ensinou renda turca e ponto cruz; se
preocupava com minha saúde e ensinava chás e outros remédios
como vermífugo que ela mesma preparava (MARCON, 1992,
v. 2, p. 329)
Os cuidados da fundadora extrapolam os muros do Asilo e até mesmo o
chalé, onde residia. Destaco o fato da solicitação que Irmã Cecília fez às Irmãs do Asilo,
para que fornecessem aula de piano para Maria Aparecida.
O título de Mamãe Cecília, não é só das Irmãs e das órfãs, mas também da
comunidade e das pessoas que a conheciam, pois o testemunho retrata que a família de
Maria Aparecida usava o referido tratamento.
6.6 Testemunho de Bárbara Vicentin Cordeiro
Bárbara Vicentin ingressou na Congregação em 1953, fez os votos
religiosos definitivos em 1959 e pediu o indulto de secularização em 1971, deixando
131
definitivamente a vida religiosa. Bárbara, além de interna do Asilo, ajudou a cuidar da
filha de Irmã Cecília – Rosa – no chalé.
O ingresso de Bárbara no Asilo aconteceu em 1939, quando tinha oito anos.
Seu testemunho é muito simples, porém retrata a questão das normas e das exigências
no Asilo.
Mamãe Cecília era rígida, muito boa, mas era enérgica. [...] no
Asilo tudo era bem regulamentado e com isso aprendi muitas
coisas. Tudo isso foi Mamãe Cecília quem ensinou, sempre
com a preocupação de educar as crianças. Convivi com pessoas
enérgicas e por isso aprendi a: é ou não é. (MARCON, 1992, v.
2, p. 335)
O fato apresenta a postura firme de Irmã Cecília quando está à frente do
Asilo. A expressão “tudo era bem regulamentado”, demonstra a organização e a
disciplina do Asilo. Naquele tempo a observância das normas, regras e horários eram
seguidos sem contestação, fazia parte da educação e dos bons costumes. Indicavam,
também, fidelidade a Deus, pois os superiores eram os representantes d’Ele na terra.
6.7 Testemunho Magdalena de Faria Gonçalves
Magdalena tornou-se religiosa em 1941, mas pediu o indulto de
secularização em 1985. Residiu no Asilo de 1939 a 1944 e exerceu a função de
professora das internas.
Uma ocasião fui levar-lhe uma carta, a mandado de Madre Gertrudes.
Quando cheguei, Mamãe Cecília notou que eu estava de hábito, murça
e véu novos e perguntou onde é que eu ia. Disse-lhe que ia ao cinema
com as meninas a fim de ver uma sessão de prestidigitação.
Mamãe Cecília imediatamente proibiu mandando um recado para
Madre Gertrudes dizendo que esse lugar não era ambiente nem para as
Irmãs nem para as meninas. Eu fiquei apavorada. Ao chegar perto de
Madre Gertrudes dei o recado – ela ralhou comigo por ter falado e
disse que ela era a superiora da casa e ... quem manda aqui dentro sou
eu e, todo o mundo foi ao espetáculo. (MARCON, 1992, v. 2, p. 370)
132
O testemunho de Magdalena apresenta um fato hilário, porém que deixa
claro a postura enérgica e decisiva da fundadora do Asilo, mesmo afastada da
comunidade religiosa.
6.8 Testemunho de Rosa Leite
Rosa Leite foi aluna interna do Asilo no tempo de Irmã Cecília. Era órfã e
foi acolhida por Irmã Canuta – uma das primeiras religiosas do Asilo. Quando deu o seu
testemunho em 1984 estava com 76 anos e morava na cidade de São Roque/SP. Ela diz:
Bem, estou fazendo o trabalho de Mamãe Cecília. O sacrifício
que ela fez por mim, faço pelas meninas. Trabalho, não ganho
nada de ninguém, sacrifico-me e não quero que elas sofram
humilhações por serem necessitadas. Já criei umas quinze.
Umas casaram, outras me abandonaram que nem sei por onde
andam.
No momento tenho quatro comigo. Uma já é professora,
comprou seu próprio piano e já está no 2º ano do conservatório.
(MARCON, 1992, v. 2, p. 407)
O testemunho apresenta a continuidade do projeto de Irmã Cecília em suas
ex-alunas, pois Rosa deixa o Asilo e posteriormente passa a cuidar de meninas pobres e
necessitadas. Por meio da sua ação minimiza o sofrimento de quem sofre a dor do
abandono, assim como foi atendida na infância.
Em outra parte do testemunho, Rosa afirma como Irmã Cecília era exigente
com as alunas internas. Queria tudo perfeito.
Era enérgica. Queria as coisas muito direitas, tanto que as
primeiras alunas foram moças ótimas, boas donas de casa.
Passava o dedo nos pratos, talheres, panelas – se estivessem
engorduradas, deixava a culpada mais uma semana para bem
aprender. Revirava os trabalhos, as costuras os avessos dos
trabalhos bordados, exigindo sempre o mais perfeito.
Quando havia alguma traquinice ela chamava a atenção das
meninas incutindo nos seus “pitos” o respeito à presença de
Deus.
133
Nunca vi ela por a mão numa menina (para castigá-la) mas
sempre as corrigia com severidade se preciso. (MARCON,
1992, v. 2, p. 408)
As religiosas sempre almejaram a perfeição, pois seguem o exemplo de
Jesus que diz: “Sede perfeitos como vosso Pai do céu é perfeito”, por isso, sempre
houve um primor no ensinar, até mesmo as coisas mais simples, como: cuidar de uma
casa, fazer uma costura ou um bordado. Em relação ao conhecimento isso, também, era
exigido. Fazia-se muito exercício, até ficar muito bom. Era uma prática comum, própria
do contexto histórico e da educação tradicional, que acreditava que a repetição
constante era a mais adequada para aquisição de conhecimento.
Constata-se no testemunho que os erros das alunas não eram corrigidos com
agressões. Havia uma severidade e uma firmeza, porém na medida certa. Outros
testemunhos, já mencionados, revelam a postura educadora de Irmã Cecília, que tem a
postura precisa de ensinar.
Rosa menciona a questão da pobreza no Asilo nos primeiros anos:
A pobreza era tanta que não tínhamos sapatos. Quando algum
negociante mandava alguns pares, umas calçavam o pé direito,
outras o esquerdo e amarrando um dedinho do pé, parecia que
estava ferido e assim bom número tinha sapatos.
Com o tempo foi melhorando porque começaram a receber
encomendas de enxovais. As Irmãs se esmeravam em trabalhar
e ensinar-nos. Eu me especializei em bainha de olho ou
point’ajur e fazia franjas nas toalhas. (MARCON, 1992, v. 2, p.
409)
Realmente a dificuldade financeira era grande no início, como vimos através
da análise do livro caixa do Asilo, porém a criatividade e o árduo trabalho das Irmãs e
alunas internas ajudaram a superar a pobreza e foi possível educar 153 meninas em
quatorze anos, bem como, possibilitar que a instituição chegasse a 110 anos de história.
134
6.8 Testemunho de Zuleika Furlani
Zuleika não foi aluna interna do Asilo, mas era neta do João Perchs, o
construtor da entidade. O fato narrado revela a postura maternal de Irmã Cecília quando
Zuleika perdeu sua avó.
Como eu não parasse de chorar, Mamãe Cecília, puxou-me para
si e consolando-me disse: “Deus levou sua avó para o céu, eu
fico sua vovó no lugar dela”. E desde esse dia só a chamei
desse jeito. (MARCON, 1992, v. 2, p. 418)
O testemunho é simples, porém reforça a postura maternal de Irmã Cecília,
seu olhar e atenção em relação aos que mais precisam, sua fragilidade diante do
sofrimento.
Todos esses fatos forneceram os elementos e as bases para a elaboração e a
efetivação do jeito franciscano das Irmãs do Coração de Maria educar e realizar as ações
que são próprias da Congregação Religiosa.
6.9 Testemunho de Therezinha Cangiani Borges
Segundo o testemunho, Therezinha foi para o Asilo com três anos e
permaneceu até os treze. O motivo pelos quais ela passou a residir com as Irmãs foi
porque sua mãe precisava trabalhar e não tinha onde deixar os quatro filhos, então as
três meninas ingressaram no Asilo e o irmão foi para o colégio dos padres.
Lembro-me muito da Madre Canuta que seria a superiora e bem
mais de Irmã Clara que foi a minha mãe. Na hora de sua morte
ela mandou entregar o terço dela para mim. Foi minha
verdadeira mãe. Eu a chamo de mamãe até hoje. (MARCON,
1992, v. 2, p. 422)
135
O testemunho reforça a idéia de maternidade presente nas seguidoras de
Irmã Cecília, uma presença marcante de afetividade, atenção, cuidado, zelo e postura
educativa que deixou marcas significativas na vida das alunas.
Os testemunhos fazem referência a posturas, ensinamentos e convivência
que jamais foram esquecidas, pois marcaram profundamente a vida das alunas. Quase
não há presença de negatividade, revolta e correção demasiadamente severa. Em
hipótese isso poderia ter acontecido, porém não aparecem nos textos.
6.10 Testemunho de Maria Cristina Toledo Hatz
Maria Cristina perdeu a mãe muito cedo e era a oitava filha do casal. O pai e
os irmãos mais velhos não conseguiram cuidar da criança, por isso, ela foi encaminhada
para o Asilo. Morou com as Irmãs até aproximadamente dez anos, quando sua irmã
forçou-a a ir morar com ela, porém logo se separaram e Maria Cristina foi trabalhar no
Instituto Penido Burnier em Campinas/SP, no qual as Irmãs trabalhavam.
Mamãe Cecília tinha um coração que não era dela. Tinha uma
presença que não sei explicar. Ela transmitia confiança,
carinho. Nunca tive medo dela. Que força vinha dela pra mim!
É como se trocássemos energia sem saber. Criatura fantástica!
Ah! Bons tempos! Antes não tivesse saído, sabe por que? Ali
era um pedacinho do céu que a gente vivia.
Ela tinha um coração que se desmanchava. Era só uma criança
estar um pouco magrinha já ela recomendava que lhe dessem
um mingau dizendo: “Está muito magrinha a menina”.
Ela tinha atenção com as meninas e foi aí que ela ficou sabendo
que uma das Irmãs era violenta com as meninas. Então mandou
que transferissem a Irmã.
Se eu sei bordar muito bem e tenho senso de vida, de
orientação, eu devo às Irmãs.
Eu era por demais arteira mas, lá era minha casa. Se não
pintasse lá, onde iria pintar? Ao sair Mamãe Cecília me disse:
Minha filha, se você precisar, se você se sentir deslocada lá
fora, volte aqui, porque aqui é sua casa. (MARCON, 1992, v.
2, p. 472)
136
Termino essa parte dos testemunhos constatando que restaram apenas as
boas lembranças, mesmo em meio à pobreza e muito trabalho, o que permaneceu foi a
formação sólida, os exemplos edificantes, a lembrança de uma convivência sadia e
fraterna, a clareza que o Asilo era mais que um simples internato, era a casa, a moradia
de inúmeras meninas e um espaço onde se cultivavam os valores e a religiosidade.
A análise das fontes primárias do Asilo apresentadas neste terceiro capítulo
possibilitou uma melhor compreensão dos dados que compuseram a primeira e segunda
parte da pesquisa, pois exemplificou a própria organização, estrutura e as influências
que o Asilo recebeu nos primeiros anos de fundação.
137
Considerações finais
Ao término desta pesquisa gostaria de acentuar algumas relações entre a
pedagogia franciscana e a educação das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria, fruto
da permanência do Asilo Coração de Maria, hoje Lar Escola.
A dimensão do serviço na perspectiva franciscana está estritamente
vinculada à dedicação, desvelo e cuidado das Irmãs em educar as crianças,
especialmente as que mais necessitavam. Por meio dos documentos e dos testemunhos
analisados, foi possível perceber a amplitude do trabalho das primeiras Irmãs, bem
como, a generosidade e gratuidade em servir. Elas não mediam esforços para
restabelecer a dignidade das crianças, pediam esmolas, trabalhavam o dia todo e
ensinavam as internas a trabalharem para manterem o Asilo.
O franciscanismo vivencia a minoridade, que é a capacidade de estar a
serviço. Ser menor para o franciscano é aquele que serve, simplesmente porque Deus é
servidor de todas as criaturas. O exemplo máximo desta perspectiva e a centralidade do
franciscano e das Irmãs Franciscanas do Coração de Maria é a pessoa de Jesus Cristo.
A disposição do viver e do trabalhar do franciscano é sempre de discípulo,
que está aos pés do mestre; do que aprende, tem os olhos e os ouvidos grudados no
mestre, é aprendiz, nunca sabe o suficiente, busca sempre mais, é dócil e obediente.
A educação das Irmãs Franciscanas está repleta de religiosidade, almejando
conscientizar as pessoas de sua dignidade como ser humano, filhos e filhas de Deus.
Despertar para o seguimento de Jesus Cristo, mantendo as pessoas como membros
ativos da comunidade eclesial.
138
Outra característica muito peculiar dos franciscanos é a dimensão maternal,
que está intimamente relacionada com a comunhão, com a vida fraterna, com o cuidado
de todas as criaturas.
A tônica maior do franciscanismo é o amor de Deus, que se manifestou
através da encarnação de seu Filho. Ele é o Emanuel – Deus conosco. Portanto, o centro
da vida do ser humano e do mistério da encarnação não é o pecado e sim o amor. Deus é
paternal, maternal, fraternal e unificador. A partir dessa experiência, nasce a proposta
educacional franciscana. Quando o educando se sente amado como pessoa pelo simples
fato de ser gente, ele se sente respeitado e convocado a crescer a partir do amor. As
pessoas que roubam, matam e exploram, são frutos de uma sociedade que não as amou.
Irmã Cecília e suas primeiras companheiras assumiram essa dimensão na
vivência da maternidade. A mãe gera, gesta, dá a luz, cuida, orienta, guia, mostra o
caminho, indica, deixa fazer, ama, dispõe-se, nada guarda para si, tudo faz, doa-se.
Os testemunhos evidenciam toda essa dimensão da maternidade, a tal ponto
de as meninas, órfãs ou não, chamarem as Irmãs de mães, pois recebiam carinho,
educação, cuidado com a saúde e aprendiam as noções básicas de uma profissão:
costura e bordado.
Em relação ao aspecto da liberdade está estritamente vinculada à
compreensão da fraternidade, onde todos são irmãos e tudo é dom de Deus, portanto
faz-se necessário desapropriar-se. A fraternidade cósmica de Francisco não é algo
simplesmente romântico; é antes de tudo um compromisso com a natureza e com o ser
humano. O ser humano reconciliado com Deus, com os irmãos e com a natureza é um
ser livre, pobre, irmão. Essa é uma escolha feita a partir de uma experiência profunda de
Jesus, portanto não é algo imposto. O ser que não tem nada a perder é livre. É um
139
peregrino que está em constante aprimoramento da própria existência: é um sair de si
em busca da maturidade.
O despojamento e a pobreza sempre acompanharam a vida das Irmãs,
porque são aspectos da própria espiritualidade franciscana. O empenho de ensinar a
cuidar bem da casa e até mesmo ter uma profissão de costureira ou artesã, que eram
atividades mais próprias das mulheres da época, era objetivando proporcionar a
manutenção da família, evitando assim a miséria, mas cultivando uma vida simples e
modesta.
A opção de trabalhar com os mais necessitados é o real caminho da
liberdade, que olha o ser humano com os olhos do coração. Desta forma a educação está
mais voltada para a coletividade, para a fraternidade. A educação franciscana não é
voltada para si, nem apenas para a família. Ela é bem mais ampla, pois há o sentido de
comunhão, de co-responsabilidade.
Busca educar para a vida e não apenas para o trabalho. Nesta visão se ensina
a viver bem, a buscar o que é essencial para a vida. O educador é um gerador de vida no
mundo.
Essa proposta é mais humanista e nela os valores humanos: alegria, paz,
solidariedade, liberdade e autonomia são fundamentais, porém, a formação intelectual
não é deixada de lado, há uma busca constante pelo saber científico, um cultivo do amor
e do gosto pelos estudos. Nesta perspectiva a técnica não é o centro da formação, mas a
própria pessoa que, utilizando as técnicas, é capaz de formar-se e auxiliar no processo
de formação dos demais.
Na visão franciscana o mundo e as pessoas são dons. Nele e com eles é
possível vivenciar a fraternidade e encontrar um espaço para o pleno desenvolvimento
da criatividade geradora da beleza, da cortesia, da bondade e da verdade.
140
A tarefa da Irmã Franciscana do Coração de Maria é assumir a educação
como missão, educar a modo do Coração de Maria, na gratuidade; atenção a realidade
do educando; aliar doçura e autoridade, rigor e benignidade; ser mãe e mestra; ser
vigilante e disponível, ser dócil, alegre serena; ter firmeza inabalável; preparo
profissional.
A presente pesquisa respondeu alguns dos questionamentos iniciais,
principalmente no que diz respeito a organização que as Irmãs tiveram ao implantarem a
Instituição. Ficou evidente o auxilio das voluntárias e da sociedade piracicabana na
expansão e na própria manutenção do Asilo.
Em relação às hipóteses apresentadas no início do texto, podemos afirmar
que o Asilo foi criado para atender crianças pobres e abandonadas, fornecer educação de
cunho católico e franciscano, difundindo assim os valores evangélicos. As referências
feitas, os testemunhos apresentados e as reflexões das fontes primárias asseguram tal
afirmação.
Enfim, a educação franciscana do Coração de Maria é hoje, ainda, uma
proposta de esperança e uma possibilidade de uma construção de futuro diferente.
Garante, também, que o sonho e a utopia continuam vivos e, sobretudo, com sua
mensagem de bondade, de simplicidade, de ternura e de pobreza; assegura que vale a
pena, com todas as forças, reencantar o futuro e a educação.
141
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146
Anexo 1
Fotografias referentes o período pesquisado – 1896 a 1912
1. Fachada do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – Piracicaba/SP - 1898
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
2. Detalhe da foto anterior, em que se lê na fachada: Asylo do Coração de
Maria Nossa Mãe
147
3. Irmã Cecília do Coração de Maria
Fundadora do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – Piracicaba/SP - 1903
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
4. Frei Luiz Maria de São Tiago
Co-fundador do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe – Piracicaba/SP - 1902
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
148
5. Primeiro grupo de Irmãs Franciscanas do Coração de Maria
que fizeram votos perpétuos em 1921
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
6. Chalé onde residiu Irmã Cecília por 31 anos (1916 a 1947)
Alunas do Asilo participam da procissão de Corpus Christi - 1926
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
7. Primeiras alunas do Asilo coração de Maria Nossa Mãe – 1898 a 1901
149
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
8.
Irmã Cecília encontrando-se com as crianças. A fotografia é referente ao
período que se encontra afastada da administração do Asilo e da congregação –
1935. Neste período a fundadora residia no “Chalé”
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
9. Alunas que deixaram a Instituição visitam Irmã Cecília e o
Asilo Coração de Maria Nossa Mãe - 1948
150
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
10. Irmãs e alunas residentes no Asilo Coração de Maria Nossa Mãe
recebem a visita de um Frei Evaristo OFMCap. - 1934
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
11. Alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe fazem apresentações para as
Irmãs: Madre Angelina Maria – Superiora Geral, Irmã Cecília, Madre
Gertrudes, Madre Ignez Maria de Jesus - 1946
151
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
12. Alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe em momentos de recreação
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
13. As alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe
realizando atividades na cozinha
152
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
14. Alunas do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
15. Rua Boa Morte no início do século XX.
O Asilo Coração de Maria localiza-se nesta rua de Piracicaba/SP
153
16. Engenho Central, fundado em Piracicaba/SP em 1881, foi a primeira
unidade açucareira paulista.
17. Plantação de cana-de-açúcar na região de Piracicaba/SP.
154
18. Plantação de café na região de Piracicaba/SP
19. Mercado Municipal – 1888 – Piracicaba/SP
155
20. Igreja Sagrado Coração de Jesus – 1895 – Piracicaba/SP.
21. Colégio Nossa Senhora da Assunção – 1883 – Piracicaba/SP
156
22. Escola Complementar ou Normal de Piracicaba, hoje Sud Menuci - 1897
23. Asilo de Velhice e Mendicidade – 1906 – Piracicaba/SP
157
158
Anexo 2
Fotografias do atual Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe
As fotografias apresentadas no anexo 2 não fazem parte do objeto de
pesquisa, porém apresentam a continuidade do Asilo Coração de Maria Nossa Mãe,
hoje Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe, atendendo uma solicitação da banca de
qualificação.
1. Projeto: Cantando, dançando e brincando – arte do saber
Alunos participam semanalmente das aulas de musicalização – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
Alunos participam semanalmente das aulas de expressão corporal – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
2. Projeto: Construindo o saber
159
Alunos participam diariamente de atividades pedagógicas – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
3. Projeto: Família – espaço de convivência e transformação
As famílias participam das atividades proporcionadas pelo Lar Escola – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
160
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
4. Projeto: Tecendo saber
Alunos participam de atividades de artes – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
5. Projeto: Brincar resgatando valores
Os alunos diariamente participam de brincadeiras livres e dirigidas – 2008
161
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
6. Projeto: Vida Saudável
Alunos participam semanalmente de aulas de Educação Física e Judô – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
162
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
7. Projeto: Construindo valores para a formação de pessoas de paz
Alunos participam semanalmente das aulas de Ensino Religioso
e Formação de valores – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
8. Projeto: Informática – inclusão digital
Semanalmente os alunos participam de oficinas de informática – 2008
163
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
9. Projeto: Pequenos chefes
Mensalmente os alunos preparam uma receita para o lanche ou
para sobremesa do dia – 2008
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
10. Projeto: Eco vida
Os alunos realizam periodicamente atividades de horticultura – 2008
164
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
11. Projeto: Saúde e bem estar
Os alunos participam de atividades que proporcionam vida mais sadia – 2008
165
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
Fonte: Arquivo do Lar Escola Coração de Maria Nossa Mãe.
Foto: Magali Gavazzoni
Nota: Os anexos 3 ao 12 encontram-se no texto da autora, na Biblioteca da Unisal Maria Auxiliadora Americana - São Paulo.
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