mestrado em educação rosane romanha trajetórias escola

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UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO
ROSANE ROMANHA
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA
REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES
Tubarão
2012
ROSANE ROMANHA
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA
REFLEXAO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES
Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado
em Educação da Universidade do Sul de Santa
Catarina, como requisito parcial à obtenção do
título de Mestre em Educação.
Orientadora: Profª. Dra. Tânia Mara Cruz
Tubarão
2012
ROSANE ROMANHA
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA
REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E PRÁTICAS DOCENTES
Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção
do título de Mestre em Educação e aprovada em
sua forma final pelo curso de Mestrado em
Educação da Universidade do Sul de Santa
Catarina.
Tubarão, 14 de junho de 2012
____________________________________________
Orientadora: Tânia Mara Cruz, Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina
____________________________________________
Professora Rosalba Maria Cardoso Garcia, Dra.
Universidade Federal de Santa Catarina
____________________________________________
Professora Karin Martins Gomes, Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina
____________________________________________
Professora Leonete Luzia Schmidt, Dra.
Universidade do Sul de Santa Catarina
“Eu sempre acreditei nos números, nas
equações e lógicas que levam à razão. Mas, após
uma vida de tais buscas eu pergunto: O que
verdadeiramente é lógico? Quem decide a razão?
Minha procura me levou através do físico, do
metafísico, do ilusório e de volta. E fiz a descoberta
mais importante da minha carreira, a descoberta mais
importante da minha vida: É somente nas misteriosas
equações do amor que qualquer razão lógica pode
ser encontrada. Só estou aqui esta noite por sua
causa. Você é a razão de eu existir. Você é todas as
minhas razões!
Obrigada.”
(John Forbes Nash - discurso na Cerimônia
Prêmio Nobel – Estocolmo, Suécia, 1994)
ROMANHA, Rosane (Trajetórias escolares de portadores de esquizofrenia: uma
reflexão sobre memórias escolares e práticas docentes). Dissertação. (Mestrado em
Educação) Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2012.
RESUMO
A temática abordada no presente estudo trata das trajetórias escolares de
portadores de esquizofrenia, assim como de práticas docentes relativas à
esquizofrenia. Os objetivos envolveram compreender a trajetória escolar de
portadores de esquizofrenia; reconhecer e reconstruir as memórias escolares junto
aos portadores de esquizofrenia (e seus familiares); resgatar as práticas docentes
em relação às experiências com alunos com esquizofrenia e apresentar as
perspectivas de futuro dos portadores de esquizofrenia. É uma pesquisa
exploratória, de caráter qualitativo, caracterizada como pesquisa de campo,
levantando e aprofundando fenômenos concernentes à esquizofrenia por meio de
entrevistas semiestruturadas. Devido à dificuldade de uma configuração de um
campo que abrangesse todos os sujeitos optou-se pela constituição de um corpus
que permitisse analisar trajetórias de portadores, seus familiares e educadores que,
de algum modo, haviam estabelecido relação de professor(a)/aluno(a) com
portadores(as). Os portadores de esquizofrenia (e seus familiares) foram
selecionados entre os participantes de um serviço de saúde mental acessível à
pesquisadora a partir de dois critérios: a interrupção do processo de escolarização e
com os sintomas estabilizados. Os educadores foram escolhidos a partir de
indicações de integrantes da rede pública de ensino, desde que atuassem em
escolas públicas de educação básica. A análise de conteúdo serviu de subsídio para
a categorização e problematização, contando com os referenciais da psicologia, mas
em diálogo com teoria crítica de currículo e a concepção histórico-cultural de
educação. Os resultados mostraram que a trajetória escolar dos portadores de
esquizofrenia seguiu seu curso de modo satisfatório e que os alunos mantiveram-se
na escola até a eclosão dos sintomas, quando se formalizou o diagnóstico de
esquizofrenia, para a maioria demarcada com a entrada no ensino médio, quando
começaram as dificuldades mais ligadas a aspectos relacionais do que cognitivos. A
insuficiência de conhecimento/formação específica de parte dos educadores sobre
8
esquizofrenia também foi observado. No entanto, mesmo sem formação,
identificaram-se experiências positivas por iniciativa de alguns educadores,
demonstrando que é possível proporcionar uma trajetória escolar com qualidade,
mesmo àqueles estudantes que vivenciam ou vivenciaram a experiência psicótica da
esquizofrenia.
Palavras-chave: Trajetória escolar. Esquizofrenia. Prática docente. Educação
Básica.
ABSTRACT
The selected theme is school trajectories of schizophrenic patients, as well as
teaching practices related to the disease. The goals involved understanding the
educational trajectory of schizophrenic patients; recognize and reconstruct memories
from school to patients with schizophrenia (and their families) to rescue the teaching
practices in relation to experiences with students with schizophrenia and present the
outlook of patients with schizophrenia. It is an exploratory, qualitative, characterized
as field research, raising and deepening phenomena pertaining to schizophrenia
through structured interviews. Due to the difficulty of setting a field to cover all the
subjects opted by the establishment of a corpus allowing to analyze trajectories of
patients, their families and educators who, somehow, had established relationship of
teacher / student with carriers. The schizophrenic patients (and their families) were
selected among participants in a mental health service accessible to the researcher
based on two criteria: the interruption of schooling and symptoms stabilized, ie,
outside the active phase of the disease. The educators were chosen from
nominations by members of the public school system since acted in the public
schools of basic education. The content analysis served as input to the
categorization and questioning, with the reference of psychology, but in dialogue with
critical theory of curriculum design and historical- cultural education. The results
showed that the school trajectory of patients with schizophrenia took its course
satisfactorily and that the students remained in school until the outbreak of
symptoms, when it formalized the diagnosis of schizophrenia, for the most marked
with the entry in high school when they began the difficulties linked to more than
cognitive relational aspects. The lack of knowledge / training specific to the educators
about schizophrenia was also observed. However, even without training, we
identified positive experiences at the initiative of some educators, demonstrating that
it is possible to provide a quality school career, even those students who experience
or have experienced psychotic schizophrenia.
Keywords: School trajectory. Schizophrenia. Teaching practice. Education.
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Quadro 1 – Dados sociodemográficos dos portadores de esquizofrenia .................. 19
Quadro 2 – Dados sociodemográficos dos familiares ............................................... 20
Quadro 3 – Dados sociodemográficos dos professores participantes ....................... 21
Figura 1 – Fatores responsáveis pelo desenvolvimento da esquizofrenia ................ 30
Quadro 4 – Sintomatologia da esquizofrenia ........................................................... 32
Quadro 5 – Fatores que sugerem bom e mau prognóstico ....................................... 36
Figura 2 – Descrição do curso da esquizofrenia ....................................................... 36
Quadro
6
–
Comparação
entre
critérios
diagnósticos
estabelecidos
para
esquizofrenia de acordo com o DSM IV-TR e CID 10 ............................................... 37
Quadro 7 – Critérios diagnósticos dos subtipos de esquizofrenia ............................. 39
Quadro 8 – Subtipos clínicos de esquizofrenia listados pela CID 10 ........................ 40
LISTA DE SIGLAS
BRASED – Thesaurus Brasileiro de Educação
BSAG – Guia e Ajustamento Social Britânico
CID – Classificação Internacional de Doenças
DSM IV-TR – Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais
EE – Emoção Expressada
INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira
MEC – Ministério da Educação
NFBC – Northen Finland Birth Cohorts
QI – Quociente de Inteligência
RMf – Ressonância Magnética funcional
SAISM – Serviço de Atenção Integral em Saúde Mental
SEESP – Secretaria de Educação Especial
SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão
TO – Terapia Ocupacional
UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11
2 MÉTODO................................................................................................................ 16
2.1 TIPO DE ESTUDO .............................................................................................. 16
2.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO ....................... 18
2.3 PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTO, REGISTRO E ANÁLISE DOS
DADOS ..................................................................................................................... 22
3 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................... 24
3.1 COMPREENDENDO A ESQUIZOFRENIA ......................................................... 24
3.1.1 Informações epidemiológicas ....................................................................... 26
3.1.2 Etiologia .......................................................................................................... 28
3.1.3 Características clínicas.................................................................................. 30
3.1.3.1 Sinais e sintomas pré-mórbidos .................................................................... 31
3.1.3.2 Manifestação clínica ...................................................................................... 31
3.1.3.3 Sintomas positivos e negativos ..................................................................... 33
3.1.4 Curso ............................................................................................................... 34
3.1.5 Prognóstico .................................................................................................... 36
3.1.6 Critérios diagnósticos.................................................................................... 37
3.1.6.1 Subtipos da esquizofrenia ............................................................................. 38
3.1.7 Tratamento ....................................................................................................... 40
3.1.7.1 O tratamento medicamentoso ....................................................................... 40
3.1.7.2 As abordagens psicossociais ........................................................................ 42
3.2 PERCURSOS INVESTIGATIVOS SOBRE ESQUIZOFRENIA E EDUCAÇÃO
ESCOLAR ................................................................................................................. 44
3.2.1 Alguns estudos em esquizofrenia e escolarização ..................................... 45
3.2.1.1 Estudos em sintomas pré-mórbidos .............................................................. 46
3.2.1.2 Estudos envolvendo a participação de professores ...................................... 48
3.2.1.3 Estudos envolvendo curso, prognóstico e o abandono da escola ................. 49
3.3 CENÁRIOS ESCOLARES, CONTRADIÇÕES À ESQUIZOFRENIA .................. 50
3.3.1 A função social da escola.............................................................................. 51
3.3.2 Função docente da escola............................................................................. 52
3.3.3 Afeto e cuidado como dimensões educativas ............................................. 57
3.3.4 A escola e seus sujeitos ................................................................................ 60
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................... 67
4.1 MEMÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA .............. 67
4.2 PRÁTICAS DOCENTES E ESQUIZOFRENIA .................................................... 87
4.3 O (IM)POSSÍVEL FUTURO DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA .......... 103
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 117
REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 120
APÊNDICES ........................................................................................................... 128
APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PORTADOR DE
ESQUIZOFRENIA ................................................................................................... 129
APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O FAMILIAR DO PORTADOR
DE ESQUIZOFRENIA ............................................................................................. 130
APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA EDUCADORES .................. 131
APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÕES DE VOZ .. 132
APÊNDICE E – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ......... 133
APÊNDICE F – TRAJETÓRIA ESCOLAR – PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA
................................................................................................................................ 134
APÊNDICE G – HISTÓRICA CLÍNICA – PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA . 137
11
1 INTRODUÇÃO
“Não tenho a pretensão de compreender a causa da doença
mental nem todos os detalhes do assunto. Claro, eu
não acho que ninguém faz. Eles estão tentando
encontrar coisas. É muito popular hoje em dia
encontrar explicações químicas, genéticas e talvez o
que pode ser observado por imagem [...] Mas eu não
acho que é tão simples, que todos os casos são
necessariamente os mesmos. Os sintomas são muito
coordenados, de modo que você pode definir a
esquizofrenia ou a doença maníaco-depressiva em
termos de sintomas, que são observados no
comportamento.”
1
(John Forbes Nash)
A temática abordada no presente estudo está diretamente vinculada às
questões que envolvem a educação escolar e a esquizofrenia por meio de memórias
escolares de portadores de esquizofrenia e práticas de educadores. A ideia original
envolveu a constatação, no exercício profissional, de que, mesmo sinalizando o
desejo por estarem estudando, jovens com esquizofrenia estão fora da vida
acadêmica, e do interesse em conhecer a compreensão dos educadores acerca da
esquizofrenia. O tema situa-se na área da saúde mental voltada aos processos
educacionais, considerando a participação escolar um elemento importante para
uma qualidade de vida que atenda às necessidades dos portadores de
esquizofrenia.
Se a vida acadêmica de uma pessoa é composta por trajetórias que
culminam com a conclusão do ensino médio ou até mesmo um diploma universitário
e possível inserção no mercado de trabalho, no caso de portadores de
esquizofrenia, tais trajetórias podem ser interrompidas, dando lugar a uma vida de
reclusão. Nos estudos encontrados não se apresentam categoricamente quais
fatores contribuem para que a pessoa com esquizofrenia interrompa seus estudos,
não retornando à vida acadêmica após a eclosão dos sintomas quando é
formalizado o diagnóstico. A literatura é carente nas respostas. O que se percebe
com clareza são os danos causados pela manifestação do transtorno e que manter1
Ao longo de todo o trabalho serão apresentados recortes da entrevista com o Prêmio Nobel de
Economia, John Forbes Nash, ao Public Broadcasting Service (PBS) - fornecedor mais importante
de programas de televisão para estações de televisão públicas dos EUA.
12
se fora da escola parece reforçar ainda mais o isolamento e o retraimento social
característicos da doença, além de fortalecer o estigma e o preconceito em torno da
mesma. Além disso, acredita-se na importância de conhecer a compreensão que os
educadores têm acerca do transtorno, considerando que os mesmos são elementos
importantes no processo de reabilitação e de reinserção social do portador e lidar
com a diversidade parece ser um grande desafio para estes profissionais,
habituados com a noção de que a sala de aula pode ser vista como um ambiente
homogêneo, onde todos podem e devem ser abordados igualmente.
No âmbito da educação, observa-se que a Secretaria de Educação
Especial (SEESP) do Ministério da Educação (MEC) tem criado vários programas e
ações, baseados na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da
Educação Inclusiva, compreendendo o Programa de Educação Inclusiva e o
Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial 2. Tais
programas e ações têm provocado várias reflexões e conscientização sobre a
importância de se incluir no ambiente escolar os indivíduos portadores de
necessidades especiais, favorecendo um grande número de crianças, adolescentes
e suas famílias.
O documento elaborado por um grupo de trabalho nomeado pela Portaria
nº 555/2007, denominado de Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva
da Educação Inclusiva3, que busca promover o atendimento às necessidades
educacionais especiais de alunos com deficiência, altas habilidades/superdotação e
transtornos globais do desenvolvimento, define estes últimos como aqueles que
apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na
comunicação, bem como um repertório de interesses e atividades restrito,
estereotipado e repetitivo, incluindo neste grupo alunos com autismo, síndromes do
espectro do autismo, e psicose infantil. É importante destacar que não há, no
documento, uma especificação do que trata o termo psicose infantil, e que, em se
tratando de diagnóstico, a psicose pode estar presente em vários subtipos de
transtornos mentais, assim, a expressão ‘psicose infantil’ descrita no documento não
2
Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12507&Itemid=826>.
Acesso em: 06 fev. 2011.
3
Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf>.
Acesso em: 06 fev. 2011.
13
necessariamente se refere à esquizofrenia infantil como descrita nos sistemas de
classificação diagnóstica.
Conceitualmente, na literatura psicopatológica, mais precisamente na
área da psiquiatria, o termo psicose significa perda de contato com a realidade e
sério comprometimento no funcionamento mental, social e acadêmico e está bem
documentado no grupo dos transtornos psicóticos apresentado pelos sistemas de
classificações diagnósticas mais utilizadas em todo o mundo, como a quarta edição
– textos revisados do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais DSM IV-TR (APA, 2002) e a décima edição da Classificação Internacional de
Doenças - CID 10 (OMS, 1993). Nestes, a esquizofrenia aparece como um subtipo
de transtorno psicótico e, ainda que não esteja declaradamente amparada pela
Política Nacional de Educação Especial, será apresentada aqui como objeto de
estudo.
Em termos globais, a esquizofrenia hoje evoca nomes como o do
matemático norte americano John Nash, retratado no filme Uma Mente Brilhante 4.
Emergindo como um prodígio da matemática, Nash recebeu o Prêmio Nobel de
Economia em 1994 por seu trabalho, mas teve sua carreira acadêmica interrompida
ao ser afetado pela esquizofrenia quando ainda bem jovem, levando uma vida
instável durante anos. A experiência de Nash retrata a experiência de outros tantos
portadores de esquizofrenia que, em decorrência do transtorno, tiveram ou têm sua
vida acadêmica interrompida, vivendo à mercê de seus efeitos.
A esquizofrenia é considerada a mais complexa das doenças psiquiátricas
(KAPLAN & SADOCK, 1997; LOUZÃ NETO, 1996; SADOCK & SADOCK, 2008) e,
por mais avançados que estejam os estudos a seu respeito, particularmente voltados
à área clínica e da saúde, estes ainda se mostram incompletos diante do efeito
devastador e do impacto da mesma na vida, não somente do indivíduo, mas também
da família. É um transtorno mental crônico que atinge em torno de 1% da população
mundial (KAPLAN & SADOCK, 1997; LOUZÃ NETO, 1996; SADOCK & SADOCK,
2008, SHIRAKAWA, 2009; BECK et al., 2010; HALES & YUDOFSKY, 2006),
podendo acontecer em diferentes etnias, sexo ou classe social. Tem um custo
bastante elevado quando comparado a outros transtornos, principalmente àqueles
4
UMA MENTE BRILHANTE. Produção de Ron Howard e Brian Grazer. Estúdio Imagine
Entertainment. São Paulo: Universal Pictures do Brasil Distribuidora, 2001. 135 min: DVD, DTS,
som dolby digital, color, legendado, Port.
14
que necessitam de internação. A carga econômica para a família aumenta em razão
do dispêndio financeiro com a manutenção do tratamento. Em alguns casos, um
membro da família precisa parar de trabalhar para cuidar do familiar doente, fator
que colabora para a diminuição da renda familiar.
Além disso, o início dos sintomas acontece geralmente na adolescência
(KAPLAN & SADOCK, 1997; LOUZÃ NETO, 1996; SADOCK & SADOCK, 2008,
SHIRAKAWA, 2009; BECK et al., 2010; HALES & YUDOFSKY, 2006), época de
muitas mudanças e, na maioria dos casos, quando as pessoas estão inseridas no
processo de escolarização. Neste período o comprometimento nas relações
interpessoais e sociais é frequente, levando o indivíduo a um isolamento cada vez
maior, implicando seriamente no seu funcionamento ocupacional e acadêmico. É
comum ouvir relatos de que pessoas com esquizofrenia interromperam seu processo
de educação escolar, não dando continuidade em sua trajetória na vida escolar.
Ao mesmo tempo, é importante refletir sobre as condições da escola para
receber alunos portando esquizofrenia e se seus professores estão preparados para
ter no ambiente escolar um aluno que vivenciou ou que ainda vivencia a experiência
psicótica. Nota-se que as leis que regem a educação brasileira, em particular a Lei
nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases para a
educação nacional (BRASIL, 1996) e o Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de
2008, que dispõe sobre o atendimento educacional especializado (BRASIL, 2008a),
apresentam as prerrogativas para a educação especial e asseguram aos educandos
com
necessidades
especiais
professores
com
especialização
adequada,
capacitados, para integração dos mesmos nas classes comuns. Igualmente, no
campo da habilitação, a SEESP / SECADI5 do MEC oferece, entre seus programas e
ações, o Programa de Formação Continuada de Professores na Educação
Especial6, enquanto a Secretaria Estadual de Educação do Estado de Santa
Catarina, em sua Proposta Curricular (SANTA CATARINA, 1998), também dá ênfase
à participação do professor, atribuindo ao mesmo o papel fundamental no processo
5
Devido à extinção desta secretaria, seus programas e ações estão vinculados à Secretaria de
Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Outras informações estão
em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=288&Itemid=355>.
Acesso em: 10 abr. 2012.
6
Disponível em:
<http://portal.mec.gov.br/index.php?catid=192:seesp-esducacao-especial&id=14188:programaformacao-continuada-de-professores-na-educacao-especial-modalidade-adistancia&option=com_content&view=article>. Acesso em: 10 fev. 2011.
15
formativo. Supõe-se, então, a partir disso, que os educadores sejam devidamente
preparados e habilitados para desenvolverem estratégias viáveis para práticas
educativas especiais, incluindo, neste caso, a esquizofrenia.
Sendo assim e diante da problemática apresentada, visando alcançar
respostas à questão de como ocorreu a trajetória escolar de portadores de
esquizofrenia, o presente estudo tem como objetivo geral compreender a trajetória
escolar de portadores de esquizofrenia, e como objetivos específicos reconhecer e
reconstruir as memórias junto aos portadores de esquizofrenia e seus familiares,
buscando observar os obstáculos pedagógicos na aprendizagem; resgatar as
práticas docentes em relação às experiências com alunos portadores de
esquizofrenia trazendo significados e sentidos da doença no cotidiano escolar; e
apresentar as perspectivas de futuro dos portadores de esquizofrenia.
A estrutura do presente estudo está desenhada em capítulos assim
descritos: o segundo capítulo apresenta o método que delineia em suas categorias o
tipo de estudo, os participantes da pesquisa e os critérios para seleção, assim como
os procedimentos para levantamento, registro e análise dos dados.
O terceiro capítulo apresenta o referencial teórico mostrando, em um
primeiro momento, os aspectos que envolvem a esquizofrenia, descrevendo
informações epidemiológicas, algumas explicações etiológicas, as características
clínicas com ênfase nos sinais e sintomas pré-mórbidos, o curso e o prognóstico, os
critérios para diagnóstico e os subtipos de esquizofrenia, assim como as diferentes
modalidades de tratamento. A seguir, com base em estudos já desenvolvidos, são
descritos os percursos investigativos sobre a esquizofrenia e a educação escolar e,
por último, os cenários escolares, apresentando a função social e docente da escola,
o afeto e o cuidado como dimensões educativas e os sujeitos que compõem a
escola.
O quarto capítulo aponta a apresentação e análise dos resultados,
expondo primeiramente as memórias escolares dos portadores de esquizofrenia,
sendo considerada também a participação da família; as práticas docentes e sua
relação com a esquizofrenia e, por último, o (im)possível futuro dos portadores de
esquizofrenia, descrevendo suas perspectivas e planos.
Por fim, são apresentadas as considerações finais.
16
2 MÉTODO
“Você não tem que ser um matemático para ter ideia
de números. A relação de números não é
necessariamente científica, e mesmo
quando eu estava mentalmente perturbado,
eu tinha muito interesse em números [...] Há
uma transição de realmente ter mais
interesse por números, como uma
apreciação, talvez mágica ou divina, e uma
mais científica, e estes não são
necessariamente distantes.”
(John Forbes Nash)
Uma investigação científica depende de um conjunto de procedimentos e
técnicas, denominado método, que é definido por Silva (2001) como a busca
científica que o pesquisador empreende para desenvolver sua pesquisa, a fim de
que os objetivos elaborados sejam atingidos. Para o autor, o método corresponde à
linha de raciocínio adotada no processo de pesquisa, e é descrito como “um
conjunto de processos ou operações mentais que se devem empregar na
investigação.” (p. 25).
Por não ser um fim em si mesmo, o método deve receber especial
atenção por parte do pesquisador, já que estratégias metodológicas inconsistentes
podem comprometer o rigor que deve haver no trabalho científico, criando vieses
significativos. É neste cenário que, a seguir, será apresentada a trajetória
metodológica do presente estudo no que se refere ao tipo de estudo, aos
participantes da pesquisa e critérios de seleção, aos procedimentos utilizados para
levantamento, registro e análise dos dados.
2.1 TIPO DE ESTUDO
O modelo de investigação que ora se propõe segue o tipo exploratório,
entendendo-o como sendo o mais adequado, já que o objeto de estudo em questão,
17
que envolve fenômenos pertinentes à esquizofrenia em relação à vida escolar de
seus portadores e à compreensão da esquizofrenia pelos educadores parece pouco
investigado.
Sustentando esta proposta, Gil (1991) descreve que o estudo exploratório
é escolhido especialmente quando o tema a ser investigado é pouco explorado,
tornando-se difícil formular hipóteses precisas e operacionalizáveis, como neste
caso. Gil (2002) enfatiza, ainda, que o objetivo de um estudo exploratório é
“proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais
explícito.” (p. 41).
Do ponto de vista do procedimento, o presente estudo caracteriza-se
como pesquisa de campo, pois promove um levantamento e um aprofundamento de
fenômenos concernentes à esquizofrenia, envolvendo a interrogação direta de
pessoas, neste caso, de portadores de esquizofrenia, seus familiares, e de
educadores em seus contextos. O termo pesquisa de campo é normalmente
empregado para descrever um tipo de pesquisa desenvolvida nos lugares da vida
cotidiana e fora de laboratório ou de sala de entrevista. Para Gil (1991) e Rauen
(2006), esta é uma modalidade de pesquisa que estuda um único grupo ou
comunidade, sendo desenvolvido no próprio local onde ocorrem os fenômenos e
conforme eles vão ocorrendo.
Entretanto, buscando ressignificar os conceitos descritos por esses
autores, vale assinalar as reflexões sobre pesquisa de campo, organizadas e
elaboradas pelo Núcleo de Organizações e Ação Social da PUC-SP e apresentadas
por Spink (2003). Após uma série de discussões, o grupo apresenta uma proposição
de campo-tema, onde o campo não é mais um lugar específico, um universo
distante, empírico, separado, não relacionado. O campo é um “complexo de redes
de sentidos que se interconectam, um espaço criado, herdado ou incorporado pelo
pesquisador ou pesquisadora e negociado na medida em que este busca se inserir
nas suas teias de ação.” (SPINK, 2003, p. 28). Todavia, não quer dizer que seja um
espaço criado voluntariamente, mas é debatido, negociado e examinado no decorrer
da pesquisa e dentro de um processo que delineia um tempo e um lugar.
Quando falamos em negociar falamos em processos que são
multidirecionais. Processos que podem ser iniciados em qualquer momento
e por qualquer parte, pessoa ou acontecimento. Muitos de nós tivemos a
experiência de iniciar uma investigação no ponto A e terminar no ponto J,
com uma questão diferente ou um outro ângulo, que foi sugerido de alguma
18
maneira por aquilo que aconteceu durante a investigação. Às vezes foram
os próprios acontecimentos; às vezes foram os horizontes que abriram e
fecharam; às vezes terminamos porque é um bom momento, porque não é
possível avançar muito mais ou porque os caminhos estão fechados.
(SPINK, 2003, p. 30).
Assim é que, no presente estudo, a pesquisa de campo está configurada
de modo que não se está indo exclusivamente ao campo, mas se está no campo,
visto que os espaços para investigação não estão delineados unilateralmente,
delimitados previamente, mas formalizados em caminhos diversos.
A escolha pelo caráter qualitativo do presente estudo deve-se ao fato de
esta abordagem contemplar, entre suas particularidades, a valorização da
subjetividade humana, condição imprescindível para o alcance dos objetivos
propostos. Silva (2001) considera que nesta abordagem há uma relação dinâmica
entre o mundo real e o sujeito, ou seja, entre o mundo objetivo e a subjetividade do
sujeito que não pode ser revelada em números.
Neste sentido, Rauen (2006) refere que o pesquisador pode ser um
agente de viés ou de criação dos dados, o instrumento primário, o instrumentochave. A pesquisa qualitativa, para esse autor, baseia-se em indivíduos interagindo
com seu mundo social, esforçando-se para compreender situações únicas como
parte de um contexto particular, buscando trazer novos elementos do fenômeno.
2.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO
O
trabalho
de
campo foi desenvolvido
junto
a
portadores
de
esquizofrenia7, participantes do Serviço de Atenção Integral em Saúde Mental –
SAISM / Amigos da Saúde Mental, seus familiares, bem como de educadores.
Para a inclusão dos portadores de esquizofrenia estabeleceu-se como
critério de inclusão que tivessem vivenciado o abandono escolar e que estivessem
7
O termo Portador de Transtorno Mental é adotado pelo Ministério da Saúde para designar a pessoa
acometida por um transtorno mental (BRASIL, 2001). Segundo Pimenta (2008), o termo reduz o
diagrama de forças produtoras de modos de subjetivação ao seu efeito e objetiva a doença no
sujeito. Para a autora, o portador é aquele que tem em si algo, porta alguma coisa. Neste caso, o
transtorno mental em questão é a esquizofrenia, sendo, dessa forma, utilizado o termo portador de
esquizofrenia para designar os alunos com esquizofrenia, participantes do estudo.
19
fora da fase ativa da doença, ou seja, com sintomas estabilizados. O início dos
contatos com os portadores de esquizofrenia, para formalizar a participação no
estudo, aconteceu diretamente no Serviço de Atenção Integral em Saúde Mental SAISM / Amigos da Saúde Mental, onde estão cadastrados e participam das
atividades nas oficinas terapêuticas. Importante notar que o SAISM é um serviço de
reabilitação em saúde mental vinculado à Gerência de Extensão da Unisul e tem
como objetivo desenvolver ações de promoção, prevenção e reabilitação em saúde
mental a portadores de transtornos mentais (prioritariamente egressos de hospitais
psiquiátricos), bem como aos seus familiares e à comunidade acadêmica.
Por se ter uma relação de trabalho com referido serviço, já se conhecia
previamente parte da história pregressa dos portadores de esquizofrenia, mas, ainda
assim, foram levantados junto a estes alguns aspectos de sua trajetória escolar
(Apêndice F) e de sua história clínica (Apêndice G), para viabilizar os critérios para
inclusão na pesquisa. Estas informações foram estabelecidas a partir de registros
nos prontuários e de conversa informal com os mesmos e estão apresentados no
quadro abaixo. Depois disso e após explicar sobre o estudo, foi feito o convite para
participação na pesquisa, cujo aceite foi imediato.
Participante
8
Idade
Sexo
Escolaridade
Estado
civil
Ocupação
Idade em
que
interrompeu
o estudo
Pedro
25
anos
Masc.
1º ano – Ensino
Médio
Solteiro
Desempregado
/ Pensionista
18 anos
Paulo
20
anos
Masc.
1º ano – Ensino
Médio
Solteiro
Desempregado
15 anos
Priscila
33
anos
Fem.
Ensino
Fundamental
Solteira
Desempregada
14 anos
Plínio
33
anos
Masc.
3º ano – Ensino
Médio
Solteiro
Aposentado
18 anos
Pascoal
36
anos
Masc.
3º ano – Ensino
Médio
Divorciado
Aposentado
20 anos
Quadro 1 – Dados sociodemográficos dos portadores de esquizofrenia.
Fonte: Entrevista semiestruturada elaborada pela pesquisadora, 2011.
Por considerar-se a família como sendo mediadora entre o portador de
esquizofrenia e a escola, optou-se por incluí-la no estudo, elencando como critério
8
Para preservar a identidade dos participantes do estudo, incluindo os portadores de esquizofrenia,
familiares e os educadores, optou-se pela utilização de nomes fictícios.
20
que o tempo de convivência entre os mesmos abrangesse a fase de escolarização
dos portadores selecionados.
A comunicação com o familiar foi inicialmente realizada através de contato
telefônico, embora alguns deles também estivessem diretamente vinculados ao
grupo de família do SAISM. Prontamente se dispuseram a participar do estudo,
sendo as entrevistas realizadas em suas casas, após acerto sobre dia e horário.
Uma descrição dos familiares participantes do estudo está apresentada abaixo.
Participante
Idade
Sexo
Grau de
parentesco
Escolaridade
Profissão
Tempo de
convivência
com o
portador
Fátima
61
anos
Fem.
Mãe
4º Ano – Ensino
Fundamental
Do lar Pensionista
Desde o
nascimento
Fabiana
44
anos
Fem.
Mãe
4º Ano – Ensino
Fundamental
Aposentada
Desde o
nascimento
Frederico
64
anos
Masc.
Pai
2º Grau – Ensino
Médio
Militar
Aposentado
Desde o
nascimento
Fernanda
52
anos
Fem.
Mãe
6ª Série – Ensino
Fundamental
Do lar
Desde 05
anos Adotivo
Felícia
59
anos
Fem.
Mãe
6ª Série – Ensino
Fundamental
Aposentada
Desde o
nascimento
Quadro 2 – Dados sociodemográficos dos familiares dos portadores de esquizofrenia
Fonte: Entrevista semiestruturada elaborada pela pesquisadora, 2011.
A inclusão dos educadores foi efetivada considerando aqueles que
atuassem na rede pública de ensino, em escola com ensino fundamental e ensino
médio, preferencialmente que lecionassem para alunos portadores de esquizofrenia.
Tendo estes quesitos como certos, foi feito contato com a Gerência Regional de
Educação de Tubarão para indicação de escolas que tivessem casos de
esquizofrenia, mas foi constatado que não havia informação a este respeito.
Então, o caminho foi constituir o campo por iniciativa própria. Para tanto
foi feito contato com uma professora, conhecida por meio de relações pessoais, que
demonstrou interesse pela temática por ter vivenciado em sua escola três casos de
alunos portando esquizofrenia. A entrevista aconteceu na escola onde a mesma
trabalhava (e ainda trabalha) na função de Orientadora Educacional. Após a
entrevista, a mesma indicou outras duas colegas da mesma escola e que estavam,
igualmente, envolvidas com os casos. Ambas foram bem receptivas e concederam a
entrevista no mesmo dia, porém em horários diferentes.
21
Até esse momento as entrevistas com os portadores de esquizofrenia e
seus familiares já haviam sido realizadas e se percebeu que dois deles frequentaram
duas escolas em comum. Este foi um ponto de curiosidade e de interesse. Por que
não constituir o campo, também, com professores dessas escolas? Buscou-se,
então, contatar pessoalmente as escolas citadas. Na primeira delas, o contato foi
feito com o setor de Orientação Educacional e, imediatamente, após explicar sobre o
estudo, a orientadora conversou com os professores que se encontravam na sala de
professores, em horário de intervalo e, após um tempo, retornou referindo que teria
que declinar da solicitação, justificando ‘falta de tempo’ de seus professores para
participarem do estudo. Procedimento igual foi realizado com a outra escola, desta
vez, fazendo contato com a secretária. Da mesma forma, foi explicado sobre a
pesquisa e a mesma se comprometeu a conversar com os professores para verificar
a concordância deles para as entrevistas e, em seguida, dar um retorno. Como não
houve o retorno, entendeu-se que haviam declinado do convite. Parte do relato de
dificuldades escolares dos portadores sobre essas escolas (apresentadas mais
adiante) pôde ser confirmada pela própria negação do corpo docente em refletir
sobre a problemática da esquizofrenia.
Seguindo a busca, foi realizado contato por telefone com outra escola
que, após ter sido explicado sobre o estudo, marcou-se horário para pessoalmente
conversar com a professora que se disponibilizou para a entrevista. A quarta escola
foi contatada pessoalmente e, no mesmo dia, foi realizada entrevista com a
supervisora, que se disponibilizou prontamente a participar do estudo.
Uma observação a ser feita é que, com exceção da escola em que
trabalhava a primeira entrevistada e onde havia três alunos com esquizofrenia, as
demais mencionaram nas entrevistas não haver casos de esquizofrenia entre seus
alunos, ainda que portadores de esquizofrenia e a família as tenham referido em
suas entrevistas como sendo o local onde os mesmos tivessem estudado
anteriormente.
Outra nota que merece registro trata-se da formação do campo que a
princípio previa exclusivamente professores em sala de aula e terminou por se
constituir como educadoras que vivenciaram a prática da docência e que no
momento da entrevista exerciam funções como orientação pedagógica e supervisão,
conforme apresentado a seguir.
22
Participante
Idade
Sexo
Formação
Tempo de
atuação
Nível de ensino
em que atua
Edna
49 anos
Fem.
Pedagogia –
Orientação Educacional
31 anos
Todos os níveis
Atual: Ed. Básica
Elena
48 anos
Fem.
Pedagogia
27 anos
Ensino
Fundamental
Ester
47 anos
Fem.
Pedagogia
30 anos
Ensino
Fundamental
Emília
43 anos
Fem.
Pedagogia –
Orientação Educacional
23 anos
Ensino
Fundamental
Eleonora
48 anos
Fem.
Pedagogia –
Supervisão Escolar
30 anos
Ensino
Fundamental e
Médio
Quadro 3 – Dados sociodemográficos dos professores participantes.
Fonte: Entrevista semiestruturada elaborada pela pesquisadora, 2011.
2.3 PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTO, REGISTRO E ANÁLISE DOS
DADOS
A entrevista semiestruturada foi a forma adotada para o levantamento de
dados, cuja escolha se deu em razão de possibilitar que se discorra sobre o tema
proposto, sem respostas ou condições pré-fixadas, permitindo mudanças de rumo no
decorrer da entrevista, visando aprofundá-la no sentido dos objetivos maiores da
problemática.
A entrevista, por si só, é uma técnica muito utilizada em estudos
qualitativos, constituindo-se num instrumento privilegiado de coletas de informações
à medida que possibilita a fala dos participantes. Para Gil (2002, p. 114-115) a
entrevista pode ser entendida como a “técnica que envolve duas pessoas numa
situação ‘face a face’ e em que uma delas formula questões e a outra responde.”
Os dados foram coletados por meio de um roteiro de entrevista, sendo um
roteiro para portadores de esquizofrenia (Apêndice A), outro para os familiares
(Apêndice B) e outro, ainda, para os educadores (Apêndice C). Estes roteiros foram
elaborados em duas seções: uma com dados sociodemográficos dos participantes
do estudo e outra composta por três questões abertas.
As
entrevistas
foram
realizadas
individualmente,
pela
própria
pesquisadora, no período entre julho e setembro de 2011, tendo como locais o
23
Serviço de Assistência Integral em Saúde Mental / Unisul (onde os portadores de
esquizofrenia estavam cadastrados e participavam das atividades), a residência dos
familiares, bem como as escolas contatadas anteriormente, sendo um número de
três escolas. O período de duração das entrevistas foi de trinta minutos a uma hora,
tendo sido devidamente gravadas. Cada participante foi informado sobre os
procedimentos éticos que orientaram este estudo quanto à preservação da
identidade do colaborador, sigilo da fonte das informações, sendo também orientado
a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice E) e o Termo de
Consentimento para Gravação de Voz (Apêndice D) que o qualificou para a
participação como sujeito da pesquisa.
Após a coleta de dados, estes foram transcritos e seus conteúdos
levantados, categorizados em forma de tema e analisados à luz do referencial
teórico, utilizando–se como instrumento para a análise a técnica da análise de
conteúdo. Para tanto buscou-se orientação em Bardin (1994) para quem
categorização se trata de uma operação que classifica elementos constitutivos de
um conjunto por diferenciação, seguido de reagrupamento por critérios previamente
definidos, investigando o que cada um deles tem em comum com os outros. A
análise de conteúdo é definida pela autora como um conjunto de técnicas de análise
das comunicações que aposta na heterogeneidade de seu objeto, visando obter, por
procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens,
indicadores e conhecimentos relativos às condições de variáveis inferidas na
mensagem. Assim, a análise de conteúdo tornou-se útil para análise e compreensão
dos elementos contidos nas respostas dos entrevistados.
24
3 REFERENCIAL TEÓRICO
“Não houve qualquer insanidade embora na época
houvesse alguns comportamentos incomuns.
Eu fazia coisas estranhas de uma forma ou
de outra. [...] Se eu me sentisse
completamente sem pressão eu não acho
que teria ido nesse padrão. Não é o
elemento paranoico, não é apenas a
esquizofrenia. Eu não sei o quê leva a quê.
Eu não quero saber muito profundamente de
mim mesmo. Eu sei que se eu pudesse
realmente entender a doença mental, então
seria conveniente fazer uma grande
mudança na minha carreira.” (John Forbes
Nash)
3.1 COMPREENDENDO A ESQUIZOFRENIA
Apesar do considerado avanço nas ciências médicas e psicológicas,
ainda há muito que fazer para a compreensão e entendimento sobre os aspectos
que envolvem a esquizofrenia. Ainda hoje o termo continua assustando mais que o
razoável, criando uma atmosfera de animosidade e de preconceito acerca de seu
portador. Muitos ainda acreditam em explicações mágicas ou místicas, imaginando
tratar-se de algo relacionado à possessão, fraqueza de caráter ou à dupla
personalidade. Alguns supõem que seja decorrente de problemas emocionais,
familiares ou sociais ou acreditam que a pessoa com esquizofrenia seja
necessariamente uma pessoa agressiva, violenta ou perigosa (AFONSO, 2002;
ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008).
Em termos psicopatológicos, a esquizofrenia é referida como um
transtorno psicótico, sendo caracterizado pela perda do contato com a realidade.
Tradicionalmente considera-se uma doença causada por profundas alterações no
afeto, por distúrbios na integração do pensamento e da conduta motora do indivíduo.
Alguns teóricos a citam como uma doença do cérebro de causa (ou causas)
25
desconhecida, com manifestações diversas, cuja evolução varia de paciente para
paciente. (KAPLAN & SADOCK, 1997; SADOCK & SADOCK, 2008; ZANINI;
CABRAL, 2007; HALES & YUDOFSKY, 2006). Há também uma polêmica entre os
especialistas se ela seria uma doença única ou um grupo heterogêneo de doenças,
pois suas manifestações são variáveis, podendo-se dizer que não se encontram dois
pacientes idênticos, ou pelo menos que manifestam igualmente os sintomas.
(LOUZÃ NETO, 1996). Considerando a complexidade e multiplicidade de fatores que
interagem na gênese e evolução, torna-se difícil, então, de se fazer generalizações
acerca da doença.
Sabe-se que ela existe em todos os povos e culturas, afetando cerca de
1% da população. Geralmente tem início antes dos vinte e cinco anos, e pode
acontecer em qualquer classe sociocultural, com igual prevalência entre os sexos.
(KAPLAN; SADOCK, 1997). No Brasil, a cada ano há cerca de cinquenta novos
casos para cada cem mil pessoas. Considerando a população de 160 milhões
existente no país, pode-se estimar que cerca de 1,6 milhões de pessoas no Brasil
sejam portadoras de esquizofrenia e, também, que, a cada ano, uma média de
oitenta mil brasileiros manifestará a doença pela primeira vez.
A esquizofrenia traz ao seu portador prejuízos severos, capazes de
interferir amplamente na capacidade de atender às exigências da vida e da
realidade, o que pode causar um impacto devastador sobre os indivíduos e suas
famílias. Neste sentido, Malta e colaboradores (2007) referem que a esquizofrenia é
uma doença altamente complexa que representa desafios em muitos sentidos e
esferas. Para o autor, os desafios estão para quem vive a doença, para quem
convive de perto e cuida daqueles que adoecem, para quem a estuda e para os
profissionais que almejam colocar em prática intervenções que buscam, além da
estabilização do quadro e do controle de recaídas, algo mais.
“Com sua idade de início precoce e seu curso crônico, a esquizofrenia
gera grande quantidade de fardos e custos para o paciente, sua família e a
sociedade.” (DE HERT; PEUSKENS, 2005, p. 383).
Os relacionamentos
interpessoais podem ser negativamente alterados, sendo que a maioria das pessoas
com esquizofrenia não se casa e a maior parte mantém contatos limitados. “As
pessoas com esquizofrenia frequentemente têm seu progresso educacional
perturbado, geralmente sendo incapazes de terminar a escolarização ou manter um
trabalho por períodos prolongados.” (APA, 2002, p. 307). Além disso, os pacientes e
26
suas famílias frequentemente sofrem pelo atendimento deficiente e o ostracismo
social devido à ignorância generalizada acerca desta patologia.
3.1.1 Informações epidemiológicas
Para o epidemiologista, a esquizofrenia apresenta um desafio singular
devido à sua natureza multifacetada e às divergências em relação à definição de
seus aspectos centrais e à amplitude de seu espectro. Conforme observou McGrath
(2005), a epidemiologia da esquizofrenia passou por uma minirrevolução na última
década, principalmente no que se refere a taxas de prevalência e incidência 9 e a
relação entre os gêneros. Outras obras (SADOCK & SADOCK, 2008; BRESSAN &
PILOWSKY, 2003; AFONSO, 2002; ABREU et al., 2006), ainda, mantêm a
prevalência na vida de cerca de 1% para esquizofrenia, o que significa que uma de
cada cem pessoas desenvolverá o transtorno durante sua vida.
Tipicamente, a esquizofrenia começa no início da vida adulta, mas pode
ser desenvolvida em qualquer idade, incluindo a infância. Estudos de prevalência no
período de vida para esquizofrenia apresentam uma relação homens/mulheres
próxima de 1, diferindo-se quanto ao início e curso10 da doença. Nos homens o início
é mais precoce, em geral entre 10 e 25 anos, enquanto nas mulheres o início se dá
mais tardiamente, normalmente entre 25 e 35 anos. O início da esquizofrenia antes
dos 10 anos ou após os 60 anos é extremamente raro.
Pessoas com esquizofrenia têm maior probabilidade de continuarem
solteiras do que pacientes em outros grupos diagnósticos. Fatores como novos
fármacos, políticas de desinstitucionalização11, ênfase nos processos de reabilitação
9
Prevalência é o número de casos existentes por unidade de população presente durante um
intervalo de tempo. Incidência é o número de novos casos que surgem em um determinado tempo
por unidade de população.
10
Referência à evolução da doença.
11
A desinstitucionalização pode ser entendida como um movimento que visa ao processo de
substituição dos hospitais psiquiátricos tradicionais por serviços alternativos em saúde mental na
comunidade, combinada com uma maior participação da família no tratamento de pessoas
portadoras de transtornos mentais. Para Amarante (1995), a desinstitucionalização é um processo
ético porque inscreve-se numa dimensão contrária ao estigma, à exclusão, à violência. É uma
manifestação ética, sobretudo, se exercitada no sentido do reconhecimento de novos sujeitos de
direito, de novos direitos para os sujeitos, de novas possibilidades de subjetivação daqueles que
27
e atendimentos comunitários levaram ao aumento nos casamentos e nas taxas de
fertilidades entre portadores de esquizofrenia e podem estar contribuindo para o
aumento de crianças nascidas de pais esquizofrênicos, colocando a taxa de
fertilidade próxima da população geral. (SADOCK & SADOCK, 2008).
Há um número desproporcionalmente maior de esquizofrênicos nascidos
no final do inverno ou início da primavera, quando comparados com seus irmãos não
esquizofrênicos ou com a população geral, sugerindo a presença de um fator
sazonal. Em relação à raça, embora alguns estudos mais antigos relatem uma
prevalência maior entre os negros, estes resultados presumivelmente representam
uma aplicação de padrões de diagnóstico afetados por viés, ao invés de diferenças
raciais reais. (GRIGGS, 2009).
Quanto à classe socioeconômica, vários estudos mostram que a
esquizofrenia encontra-se mais em pessoas de camadas sociais mais baixas.
(GRIGGS, 2009). Para Hales e Yudofsky (2006), a baixa condição socioeconômica
observada em esquizofrênicos provavelmente é decorrente dos efeitos debilitantes
de seus sintomas, que comprometem o funcionamento social e ocupacional. Em
relação a fatores populacionais, as taxas indicam uma maior prevalência de
esquizofrenia em centros urbanos do que em áreas rurais. Verificam-se, também,
altas taxas de esquizofrenia entre imigrantes quando comparadas à população
nativa.
Considerando a mortalidade e morbidez, Hales e Yudofsky (2006) referem
que diferentes estudos durante os últimos 50 anos demonstravam uma crescente
mortalidade em pacientes sofrendo de esquizofrenia. Antes de os tratamentos
modernos tornarem-se disponíveis, muitos pacientes sofriam os efeitos adversos de
sintomas psiquiátricos prolongados, desnutrição e os efeitos da hospitalização.
Tuberculose e outras doenças infecciosas eram causas comuns de morte.
seriam objetivados pelos saberes e práticas científicas (p. 121). A desinstitucionalização é
considerada como desconstrução de saberes e práticas psiquiátricas, perspectiva que fundamenta
o movimento de reforma psiquiátrica e a política de saúde mental brasileira, inspirada na proposta
da psiquiatria democrática italiana. Nesse sentido, o movimento de reforma psiquiátrica brasileira
busca a desconstrução da realidade manicomial - para além da queda dos muros manicomiais em
sentido físico - e a construção de novas realidades, segundo novas bases epistemológicas,
políticas e sociais, operando transformações de toda uma cultura que sustenta a violência, a
discriminação e o aprisionamento da loucura. (PUEL, 1997). Com base nessas ideias de
desinstitucionalização como desconstrução e de território é que o modelo de atenção em saúde
mental brasileiro foi proposto no sentido de expandir e consolidar uma rede de atenção extrahospitalar, de modo a atender as demandas territoriais específicas sem desassistir e indo além da
pura desospitalização.
28
Ainda, segundo os autores supracitados (2006), com os tratamentos
modernos, o excesso de mortalidade é devido, agora primariamente, a suicídio e a
acidentes. Aproximadamente 50% dos pacientes com esquizofrenia tentam suicídio
e 10% obtêm sucesso em suas tentativas. Os fatores de risco para suicídio em
pacientes esquizofrênicos incluem serem do sexo masculino, idade inferior a 30
anos, desemprego, curso recidivante crônico, depressão durante o último episódio
da doença e alta recente.
A partir dos estudos encontrados no decorrer desta pesquisa, pode-se
supor que estes dados sejam decorrentes de levantamento estatísticos baseados no
sistema público de saúde, que, por sua vez, atende portadores de esquizofrenia das
classes trabalhadoras.
3.1.2 Etiologia
Não se conhece nenhum fator específico que por si só justifique a causa
da esquizofrenia. O que parece mais evidente, segundo Abreu et al. (2006), é que
fatores genéticos, cerebrais, ambientais e de desenvolvimento estejam implicados
na etiologia, fornecendo suporte para a hipótese da heterogeneidade.
Estudos como o de Araripe Neto, Bressan e Busatto Filho (2007) indicam
que, no último século, houve um avanço bastante considerável na fisiopatologia da
esquizofrenia, evoluindo de teorias etiológicas unicausais para modelos mais
complexos que consideram a interação de fatores genéticos e ambientais. Com
aplicação da técnica de ressonância magnética funcional (RMf), foram identificadas
disfunções em algumas áreas do cérebros de esquizofrênicos, principalmente nos
córtices temporal, frontal, sensoriomotor e na amígdala. (BUSATTO FILHO, 2000).
A herança genética tem um papel importante na explicação da origem da
doença, embora isoladamente a hereditariedade não a explique. Estudos com
famílias, gêmeos e adoção evidenciam uma contribuição hereditária para a
esquizofrenia, mostrando que uma pessoa tem maior probabilidade de ter a doença
quando outros membros de sua família são afetados. (SADOCK & SADOCK, 2008).
Comentando
estudos
envolvendo a contribuição da
genética no
29
entendimento da esquizofrenia, Hales e Yudofsky (2006) relatam que irmãos de
pacientes esquizofrênicos têm um risco de quase 10% para a vida toda de
desenvolver a doença, enquanto filhos que têm um dos pais com esquizofrenia têm
risco para a vida toda de 5 a 6%; o risco aumenta ainda mais quando dois ou mais
entes têm a doença, com uma expectativa para toda a vida de 17% para aqueles
com irmão e um pai afetados e de 46% para filhos de pai e mãe esquizofrênicos.
Estudos com gêmeos monozigóticos demonstraram taxas de concordância de
aproximadamente 50% bem menor que a taxa entre dizigóticos, 10 a 14%.
Considerando os sistemas de neurotransmissão cerebral, estes parecem
estar alterados na esquizofrenia. A primeira hipótese neuroquímica surgiu da relação
direta entre a potência dos antipsicóticos e sua capacidade de bloquear receptores
dopaminérgicos (ABREU et al., 2006), já que a ação da dopamina está ligada a três
sistemas principais no cérebro responsável pelos movimentos involuntários, pelas
emoções e pelas funções cognitivas. Outras hipóteses, como a serotonérgica e a
glutamatérgica (AFONSO, 2002), assim como a hipótese noradrenérgica (SADOCK
& SADOCK, 2008) têm sido levantadas.
Modelos biopsicossociais e ambientais também podem estar na gênese
(causa) da esquizofrenia. Uma explicação biopsicossocial popular é o modelo de
vulnerabilidade-estresse, refere Griggs (2009). Para Griggs, “fatores biológicos,
genéticos, pré-natais e pós-natais tornam a pessoa vulnerável à esquizofrenia, mas
o estresse ambiental determina se o transtorno vai se desenvolver ou não.” (2009, p.
355).
O nível de vulnerabilidade da pessoa interage com os eventos
estressantes sociais e cognitivos, determinando a probabilidade do transtorno. Outra
explicação biopsicossocial é a denominada Teoria do Duplo Vínculo. Este conceito
foi formulado por Gregory Bateson e Donald Jackson para descrever uma família
hipotética na qual os filhos recebem mensagens parentais conflitantes envolvendo
seu comportamento, atitudes e sentimentos. (KAPLAN & SADOCK, 1997). Segundo
esta hipótese, as crianças retraem-se para seu próprio estado psicótico a fim de
escaparem da confusão insolúvel do duplo vínculo. Níveis altos de emoção
expressada (EE) podem contribuir tanto para o desenvolvimento de sintomas como
para as recidivas. A EE pode ocorrer quando pais ou outros cuidadores são críticos
ou hostis em excesso ou quando têm um envolvimento exageradamente intenso
com uma pessoa com esquizofrenia.
30
Os modelos cognitivos sugerem que os transtornos cognitivos são
indicadores centrais da esquizofrenia e formam a base da sintomatologia. (RODER
et al., 2002). Muitos pensadores, começando com Kraepelin (1856-1926) e Bleuler
(1857-1939), consideraram a esquizofrenia um transtorno neurocognitivo, no qual os
vários sinais e sintomas refletiam os efeitos resultantes de um déficit cognitivo
fundamental, apresentando desafios especiais para o desenvolvimento de modelos
cognitivos devido à sua amplitude e diversidade de sintomas, incluindo percepção,
pensamento, conduta, expressão emocional e capacidade de iniciar e completar
comportamentos com metas definidas.
Fatores
Genéticos
Fatores
Ambientais
Alterações do Desenvolvimento
Embrionário do Cérebro
Alterações
Bioquímicas
Alterações
Estruturais
Esquizofrenia
Figura 1 - Fatores responsáveis pelo desenvolvimento da esquizofrenia.
Fonte: LOUZÃ NETO, M. R. Convivendo com a esquizofrenia: uma guia para pacientes e
familiares. 4. ed. São Paulo: Lemos Editorial, 1996, p. 50.
3.1.3 Características clínicas
Segundo Sadock e Sadock (2008), a discussão dos sinais e sintomas
clínicos da esquizofrenia levanta três questões-chaves. Os autores referem que, em
um primeiro aspecto, nenhum sinal ou sintoma é patognomônico (próprio) da
esquizofrenia: cada sinal ou sintoma observado na esquizofrenia pode ser visto em
outros transtornos psiquiátricos ou neurológicos. Sendo assim, não é possível
diagnosticar esquizofrenia somente a partir de um exame do estado mental sem
31
levar em consideração a história de vida da pessoa. Em segundo lugar, referem que
os sintomas de um paciente mudam com o tempo. Por exemplo, “um paciente pode
apresentar alucinações intermitentes e capacidade variável de desempenho
adequado em situações sociais, ou sintomas significativos de transtornos do humor
podem ir e vir durante o curso da esquizofrenia.” (2008, p. 166).
3.1.3.1 Sinais e sintomas pré-mórbidos12
São sinais e sintomas que precedem a fase prodrômica. A história prémórbida típica, mas não invariável, é de uma personalidade esquizóide ou
esquizotípica; personalidades caracterizadas como quietas, passivas, com poucos
amigos na infância, fantasiosas, introvertidas e, na maioria das vezes, retraídas.
(SADOCK & SADOCK, 2008).
De um modo geral, a criança é frequentemente descrita como sendo
especialmente obediente e de jamais ter feito travessuras, enquanto o adolescente
pré-esquizofrênico pode não ter amigos íntimos e experimentar poucos encontros
românticos; ele pode também ter evitado esportes competitivos, mas gostar de ir ao
cinema, assistir à televisão e escutar música, em detrimento de atividades sociais
(KAPLAN & SADOCK, 1997). Durante esse estágio, podem desenvolver interesse
em ocultismo, ideias abstratas, filosofia ou questões religiosas. A sintomatologia prémórbida pode incluir ainda comportamento acentuadamente peculiar, alterações no
afeto, experiências perceptíveis incomuns ou ideias bizarras.
Considerando as etapas do processo de escolarização (BRASIL, 2010), é
provável que, nesta fase, a criança já se encontre nos primeiros anos do ensino
fundamental.
3.1.3.2 Manifestação clínica
12
Sinais se referem a toda alteração objetiva, verificável pela observação direta do observador e
sintoma é toda a informação subjetiva descrita pelo paciente, ou seja, sinal é tudo aquilo que o
examinador percebe e sintoma é tudo aquilo que o paciente refere no momento da avaliação.
(KAPLAN & SADOCK, 1997).
32
A manifestação clínica da esquizofrenia apresenta um conjunto de
sintomas bastante diversificado, sendo, por vezes, de difícil compreensão. São
sintomas que envolvem aspectos ligados ao comportamento e aos processos
psicológicos básicos. Numa descrição geral, a aparência de um paciente com
esquizofrenia pode variar desde uma pessoa completamente desleixada, aos gritos
e agitada até alguém obsessivamente arrumado, silencioso e imóvel. (SADOCK &
SADOCK, 2008). A identificação da sintomatologia da esquizofrenia é realizada pelo
exame de estado mental, conforme se apresenta a seguir:
(continua)
Sintomatologia da Esquizofrenia – Avaliação de Estado Mental
Processo
Psicológico
Básico
Alteração / Sintoma
Pensamento
Conteúdo do Pensamento: os delírios representam o exemplo mais
óbvio; são comuns delírios persecutório, de grandeza e de referência,
assim como delírios de roubo de pensamento, inserção do
pensamento e delírios de controle.
Curso do Pensamento: incluem: afrouxamento ou desagregação das
associações (um dos mais comuns), circunstancialidade, prolixidade,
neologismos, ecolalia, verbigeração, mutismo, bloqueios e outros.
Pode haver pobreza de conteúdo do discurso, que é
quantitativamente adequado, mas transmite pouca informação
porque é vago, excessivamente abstrato, ou excessivamente
concreto, repetitivo ou estereotipado.
Sensopercepção
As principais perturbações da percepção são as várias formas de
alucinações, as mais comuns são as alucinações auditivas e visuais.
Alucinações imperativas (vozes de comando) podem ser obedecidas,
o que cria algumas vezes perigo para as pessoas ou para os outros.
Alucinações táteis, olfativas e gustativas também podem ocorrer
assim como as alucinações cenestésicas.
Ilusões também podem ocorrer principalmente na fase ativa.
Humor,
Memória
A perturbação frequentemente envolve afetividade embotada ou
inadequada, esta se manifesta como expressão facial inalterada,
movimentos espontâneos diminuído, pobreza de gestos expressivos,
ausência de inflexões vocais e fala retardada. Podem ocorrer ainda
mudanças súbitas e imprevisíveis na afetividade, envolvendo
acessos de raiva inexplicáveis; como também o paciente pode
descrever sentimentos exultantes de onipotência, êxtase religioso,
terror ante a desintegração de sua alma ou ansiedade paralisante
acerca da destruição do universo.
Conforme testada, permanece intacta.
Orientação
Geralmente se mantém a orientação em relação à pessoa, tempo e
sentimento e
afeto
33
(conclusão)
Sintomatologia da Esquizofrenia – Avaliação de Estado Mental
Processo
Psicológico
Básico
Julgamento e
insight
Linguagem
Comportamento
Alteração / Sintoma
espaço, mas alguns pacientes podem dar respostas incorretas ou
bizarras às perguntas a respeito da orientação.
Claramente, os pacientes são descritos com como tendo insight pobre
a respeito da natureza e gravidade de seu transtorno.
O discurso geralmente é pobre, comumente ocorrendo taquilalia,
neologismo, mutismo e ecolalia, descarrilamento ou afouxamento
das associações.
Impulsividade: pacientes com esquizofrenia podem ser agitados e ter
pouco controle dos impulsos;
Violência: comportamento violento pode ser comum em pacientes não
tratados e/ou em respostas a delírios persecutórios.
Homicídio: apesar do sensacionalismo da mídia, pacientes com
esquizofrenia não têm maior probabilidade de cometer homicídios do
que um membro da população geral e, quando ocorre, pode ter
razões imprevisíveis ou bizarras.
Suicídio: cerca de 50% de todos os pacientes tentam cometê-lo, e de
10 a 15% o consumam.
Outros
sintomas
comportamentais
incluem:
estereotipias,
maneirismos, hipobulia, avolição, negativismo e catatonia, incluindo
excitação e estupor catatônico, flexibilidade cérea e rigidez
catatônica. A deterioração do comportamento social ocorre
juntamente com retraimento social.
Quadro 4 - Sintomatologia da esquizofrenia.
Fonte: SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A. Manual conciso de psiquiatria clínica. 2. ed. Porto Alegre:
Artmed, 2008, adaptado.
3.1.3.3 Sintomas positivos e negativos
O conceito de sintomas positivos e negativos foi formulado originalmente
pelo neurologista britânico John Hughlings Jackson (1931), argumentam Hales e
Yudofsky (2006). Os sintomas positivos são decorrentes de uma distorção do
funcionamento normal das funções psíquicas e compreendem os delírios, as
alucinações, a desorganização do pensamento e transtorno acentuado do
pensamento formal, que é manifestado por incoerência acentuada, descarrilamento,
tangencialidade ou ilogicidade; outros sintomas positivos incluem comportamento
34
desorganizado ou bizarro. Os sintomas negativos, por sua vez, são considerados
consequência da diminuição ou perda das funções psíquicas e incluem a diminuição
da afetividade e da motivação, pobreza de discurso e o retraimento social.
3.1.4 Curso
Embora seja vista como um transtorno crônico, com início tipicamente na
adolescência, o curso da esquizofrenia desenvolve-se em fases – prodrômica, ativa
e residual, e pode seguir vários padrões.
O desenvolvimento da fase ativa da doença geralmente é precedido por
uma fase prodrômica, na qual há uma deterioração clara do nível de funcionamento
anterior. O conceito de pródromo foi amplamente revisado por Yung e McGorry
(2007) e definido como o período desde os primeiros sintomas visíveis até os
primeiros sintomas psicóticos proeminentes (fase ativa). Yung e McGorry comentam
que muitos sinais e sintomas prodrômicos são inespecíficos e podem ser o resultado
de uma série de condições e que, mesmo atenuados ou isolados, os sintomas
psicóticos podem não ser necessariamente o progresso para um transtorno psicótico
franco, já que podem ser bastante comuns na população geral, dificultando
sobremaneira o diagnóstico. Um atraso de um ou dois anos, entre o início da psicose
até sua detecção e o tratamento adequado foram mostrados em vários estudos
realizados na última década. (LOUZÃ NETO, 2004).
A fase prodrômica, que se manifesta após apresentação de sinais e
sintomas pré-mórbidos, é caracterizada por retraimento social e outras mudanças
sutis no comportamento e na responsividade emocional; a pessoa pode ser vista
como apresentando alterações inespecíficas do humor, diminuição da volição,
alterações cognitivas – dificuldade de atenção e concentração, ideias de referência,
experiências perceptuais incomuns e suspeição em geral na eminência da fase
ativa; pode se apresentar ainda distante, indiferente, emocionalmente desapegado
ou mesmo estranho ou excêntrico. (HALES; YUDOFSKY, 2006; ABREU et al.,
2006). Amigos
e
parentes
frequentemente descrevem
o
início
dos
sintomas prodrômicos como uma mudança na personalidade ou como não mais ser
35
a mesma pessoa.
O pródromo varia em duração, mas tipicamente se desenvolve num
intervalo de meses a anos e é seguido por uma fase ativa, na qual predominam os
sintomas psicóticos. Neste ponto, a esquizofrenia se torna evidente e o diagnóstico,
geralmente, é feito. Sintomas como alucinações e delírios floridos estão presentes,
alarmando amigos e membros da família. É neste momento, refere Afonso (2002),
“que os doentes são trazidos pela família a uma consulta com psiquiatra ou aos
serviços de emergência já com um grande período de evolução do quadro psicótico.”
Uma fase residual segue à resolução da fase ativa e é semelhante ao
pródromo. (HALES; YUDOFSKY, 2006). Nesta fase, sintomas psicóticos podem se
manter, mas de forma mais atenuada, podendo não ser tão problemáticos.
Imprevisivelmente, sintomas da fase ativa podem ocorrer episodicamente com níveis
variáveis de remissão entre episódios. As recaídas, ou seja, o retorno da
sintomatologia aguda, com frequência pode ser precedido por eventos estressores
ou por uso de substâncias psicoativas. Hales e Yudofsky (2006) indicam que os
sintomas que precedem as recaídas incluem disforia, retraimento, distúrbios do
sono, ansiedade e ideias de referência, e que os sintomas da esquizofrenia tendem
a evoluir.
A evolução clínica dos pacientes com esquizofrenia é bastante variável,
indo desde uma recuperação completa até uma incapacidade completa. (ABREU et
al., 2006; DITTMAR; BARBOSA NETO, 2007). Esses últimos autores (2007) indicam
que estudos de coorte, alguns deles com tempo de observação superior a 30 anos,
mostram a possibilidade desde a remissão clínica até a manutenção de um quadro
com amplas perdas, impedindo seu portador de uma vida independente. Outros
estudos, como o de McGlashan, indicaram que cerca de 10 a 15% das pessoas com
esquizofrenia evoluem sem outros episódios, a maioria evolui com períodos de
remissão e de sintomas proeminentes, e outros 10 a 15% evoluem com sintomas
psicóticos crônicos. (McGLASHAN, 1988).
36
Sintomas
Fase
Pré-mórbidos Prodrômica
Fase Residual
Fase
Ativa
Figura 2 - Descrição do curso da esquizofrenia.
Fonte: Elaborada pela autora, 2011.
3.1.5 Prognóstico13
No âmbito das doenças psiquiátricas, a esquizofrenia foi sempre
considerada de mau prognóstico. Antes do advento das medicações antipsicóticas,
mais precisamente em 1950, o prognóstico era muito reservado, quase sempre
levando seu portador a situações de internações prolongadas em instituições
psiquiátricas. (KAPLAN & SADOCK, 1997).
Mais recentemente, o avanço na descoberta de novas medicações e de
estratégias terapêuticas combinadas alterou sobremaneira o prognóstico da
patologia. O quadro abaixo apresenta fatores que sugerem bom e mau prognóstico.
(continua)
Fator
Sociodemográfico
Genético
13
Bom prognóstico
Mau prognóstico
Sexo feminino
Casado
Nível elevado de instrução
Bom apoio familiar
Nível baixo de emotividade
expressa na família
Sexo masculino
Solteiro
Nível baixo de instrução
Baixo apoio familiar
Nível elevado de emotividade expressa
na família
Sem antecedentes familiares
Com antecedentes familiares
Refere-se a uma previsão da evolução da doença.
37
(conclusão)
Início súbito em idades mais
avançadas
Presença de fator desencadeante
Bom ajustamento social
Tratamento precoce
Número reduzido de recaídas
Início lento e progressivo em indivíduos
jovens
Ausência de fator desencadeante
Ajustamento social pré-mórbido pobre
Traços esquizóides de personalidade
Tratamento tardio
Número elevado de recaídas e/ou
internamentos
Sintomas
Predomínio de sintomas afetivos
Boa resposta terapêutica
Delírios sistematizados
Presença de sintomas negativos
Resistência à terapêutica
Delírio bizarro
Outros
Boa adesão à terapêutica
Integração em programas de
reabilitação e reinserção social
Má adesão à terapêutica
Consumo e abuso de álcool ou drogas
História da doença
Quadro 5 - Fatores que sugerem bom e mau prognóstico.
Fonte: AFONSO, P. Esquizofrenia: conhecer a doença. 2. ed. Lisboa / Portugal: Climepsi, 2002, p.
94.
3.1.6 Critérios diagnósticos
O diagnóstico é um tema central nos estudos sobre esquizofrenia e, ao
longo do tempo, vem sofrendo modificações. Não existem métodos objetivos para o
diagnóstico dessa doença, refere Louzã Neto (2004). O autor revela ainda que não
existem alterações morfológicas específicas no cérebro nem alterações em exames
laboratoriais e dados típicos da história da pessoa que sejam suficientes para
elaborar o diagnóstico; este é feito pela presença de um conjunto de sintomas
conforme sistemas de classificação diagnóstica. Atualmente são utilizados os
critérios diagnósticos elaborados pela CID 10 (OMS, 1993) e da Quarta Edição DSM
IV-TR (APA, 2002), conforme segue abaixo:
(continua)
DSM IV-TR
A. Sintomas característicos: Dois (ou mais) dos
seguintes, cada qual presente por uma
porção significativa de tempo durante o
período de mês (ou menos, se tratados com
sucesso):
- delírios
- alucinações
- Discurso desorganizado
- Comportamento amplamente
CID 10
G1 Pelo menos um dos sintomas do item 1 ou
pelo menos 2 da lista do item 2 devem estar
presentes a maior parte do tempo, pelo
menos 1 mês:
Item (1)
a. Eco do pensamento, inserção ou bloqueio de
pensamento ou irradiação do pensamento.
b. Delírio de controle, influência ou passividade,
38
(conclusão)
DSM IV-TR
CID 10
desorganizado ou catatônico
- Sintomas negativos, isto é, embotamento
afetivo, alogia ou avolição
B. Disfunção Social/ocupacional: Por uma
porção significativa do tempo desde o início
da perturbação, uma ou mais áreas
importantes do funcionamento, tais como
trabalho, relações interpessoais ou cuidados
pessoais, estão acentuadamente abaixo do
nível alcançado antes do início (ou, quando o
início dá-se na infância ou adolescência,
fracasso em atingir o nível esperado de
aquisição interpessoal, acadêmica ou
ocupacional).
C. Duração: Sinais contínuos da perturbação
persistem por pelo menos 6 meses.
D. Exclusão de Transtorno Esquizoafetivo e
Transtorno do Humor: O Transtorno
Esquizoafetivo e o Transtorno do Humor Com
Aspectos Psicóticos foram descartados,
porque (1) nenhum Episódio Depressivo
Maior, Maníaco ou Misto ocorreu
concomitantemente aos sintomas da fase
ativa: ou (2) se os episódios de humor
ocorreram durante os sintomas da fase ativa,
sua duração total foi breve relativamente à
duração dos períodos ativo e residual.
E. Exclusão de substância/condição médica
geral: A perturbação não se deve aos
efeitos fisiológicos diretos de uma
substância (por ex. uma droga de abuso,
um medicamento) ou uma condição médica
geral.
F. Relação com um Transtorno Invasivo de
Desenvolvimento: Se existe uma história de
Transtorno Autista ou outro Transtorno Invasivo
do Desenvolvimento, o diagnóstico adicional de
Esquizofrenia é feito apenas se delírios ou
alucinações proeminentes também estão
presentes por pelo menos 1 mês (ou menos, se
tratados com sucesso)
Quadro
6
-
Comparação
entre
claramente relacionado ao movimento do
corpo, membros ou pensamentos, ações ou
sensações específicas, percepção delirante.
c. Vozes alucinatórias fazendo comentário
contínuo sobre o comportamento do paciente
ou discutindo entre si ou outros tipos de
vozes alucinatórias vindas de alguma parte
do corpo.
d. Delírios persistentes de outros tipos,
culturalmente inapropriados e
completamente impossíveis, tais como
identidade religiosa ou política, poderes e
habilidades sobre-humanos.
Item (2)
e. Alucinações persistentes em qualquer
modalidade que ocorram cotidianamente
durante pelo menos um mês, quando
acompanhadas por delírios sem conteúdo
afetivo claro ou por idéias supervalorizadas
persistentes.
f. Neologismos, quebras ou interpolação no
curso do pensamento, resultando em
incoerência ou fala irrelevante.
g. Comportamento catatônico, tal como
excitação, postura inadequada ou
flexibilidade cérea, negativismo, mutismo,
estupor.
h. Sintomas negativos, como apatia marcante,
escassez da fala, embotamento ou
incongruência de respostas emocionais.
G2 Critérios de exclusão se o paciente
preenche critérios para episódio maníaco ou
depressivo ou critérios listados em G11 e
G12 devem estar presentes primeiro.
G3 Não deve ser atribuída à doença cerebral
orgânica ou a álcool e a drogas.
critérios
diagnósticos
estabelecidos
para
esquizofrenia de acordo com o DSM IV-TR e CID 10.
Fonte: APA. Manual de diagnósticos e estatísticas de transtornos mentais – textos revisados –
DSM IV-TR. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002, p. 315-316 e ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA
SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e do comportamento da CID-10. Descrições
clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p. 86, adaptado com permissão
de uso.
3.1.6.1 Subtipos da esquizofrenia
39
Como visto anteriormente, a esquizofrenia apresenta inúmeros sintomas,
que se manifestam de diferentes maneiras. Embora isso ocorra, costuma-se
delimitar alguns subtipos clínicos, uma vez que os sintomas normalmente se
agrupam de forma semelhante. Neste sentido, o DSM IV-TR (APA, 2002) reconhece
cinco subtipos de esquizofrenia, enquanto a CID 10 (OMS, 1993) define nove
subtipos clínicos para esquizofrenia. Abaixo seguem critérios diagnósticos segundo
DSM IV-TR e subtipos clínicos listados pela CID 10.
Subtipos de esquizofrenia segundo o DSM IV-TR
Critérios Diagnósticos para 295. 30 Tipo Paranóide
A. Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios:
B. Preocupação com um ou mais delírios ou alucinações auditiva freqüentes.
C. Nenhum dos seguintes sintomas é proeminente: discurso desorganizado, comportamento
desorganizado ou catatônico, ou afeto embotado ou inadequado.
Critérios Diagnósticos para 295.10 Tipo Desorganizado
Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios:
A. Todos os seguintes sintomas são proeminentes:
(1) Discurso desorganizado
(2) Comportamento desorganizado
(3) Afeto embotado ou inadequado
B. Não são satisfeitos os critérios para o Tipo Catatônico
Critérios Diagnósticos para 295. 20 Tipo Catatônico
Um tipo de Esquizofrenia no qual o quadro clínico é denominado por pelo menos dois dos seguintes
sintomas:
(1) Imobilidade motora excessiva evidenciada por cataplexia (incluindo flexibilidade cérea ou
estupor)
(2) Atividade motora excessiva (aparentemente desprovida de propósito e não influenciada por
estímulos externos)
(3) Extremo negativismo (uma resistência aparentemente sem motivo a toda e qualquer instrução,
ou manutenção de uma postura rígida contra tentativas de mobilização) ou mutismo
(4) Peculiaridades do movimento evidenciadas por posturas (adoção voluntária de posturas
inadequadas ou trejeitos faciais proeminentes)
(5) Ecolalia ou ecopraxia
Critérios Diagnósticos para 295. 90 Tipo Indiferenciado
Um tipo de Esquizofrenia no qual os sintomas que satisfazem os Critérios A estão presentes, mas
não são satisfeitos os critérios para os Tipos Paranóide, Desorganizado ou Catatônico
Critérios Diagnósticos para 295. 60 Tipo Residual
Um tipo de Esquizofrenia no qual não são satisfeitos os seguintes critérios:
A. Ausência de delírios e alucinações, discurso desorganizado e comportamento desorganizado ou
catatônico proeminentes.
B. Existem evidências contínuas da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos ou
por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A para Esquizofrenia, presentes de forma
atenuada (por ex. crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns)
Quadro 7 - Critérios diagnósticos dos subtipos de esquizofrenia.
Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado do DSM IV-TR, com permissão de uso.
40
Subtipos clínicos de esquizofrenia listados pela CID 10
F20.x0: esquizofrenia paranóide
F20.x1: esquizofrenia hebefrênica
F20.x2: esquizofrenia catatônica
F20.x3: esquizofrenia indiferenciada
F20.x4: depressão pós-esquizofrênica
F20.x5: esquizofrenia residual
F20.x6: esquizofrenia simples
F20.x8: outras esquizofrenias
F20.x9: esquizofrenia não especificada
Quadro 8 - Subtipos clínicos de esquizofrenia listados pela CID 10 (OMS, 1993).
Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado da CID 10.
3.1.7 Tratamento
3.1.7.1 O tratamento medicamentoso
Até o início dos anos 50 não havia tratamento medicamentoso eficaz para
a esquizofrenia; as poucas opções eram bastante limitadas e resumiam-se a
opióides, barbitúricos, brometos e anti-histamínicos. (AFONSO, 2002).
Em 1950, surgiu o primeiro fármaco específico que aliviava os sintomas
da esquizofrenia, a clorpromazina, e é utilizado ainda hoje. Afonso (2002) comenta
que a clorpromazina foi inicialmente sintetizada para ser utilizada na anestesia de
pacientes cirúrgicos. A sua ação farmacológica se dá através do bloqueio, no
cérebro, dos locais de atuação da dopamina, diminuindo a atividade desse
neurotransmissor e, com isso, aliviando sintomas como delírios, alucinações,
desorganização do pensamento e inquietação. Aos poucos foram surgindo outras
medicações, indicadas ao tratamento da esquizofrenia que recebem, em conjunto, o
nome de antipsicóticos, neurolépticos ou tranquilizantes maiores.
Orientando sobre a função do tratamento farmacológico para a
esquizofrenia, Louzã Neto indica que eles têm duas funções principais: “o alívio dos
sintomas na fase aguda da doença e a prevenção de novos episódios da doença.”
(1996, p. 56) e refere ainda que assim como todos os medicamentos utilizados em
medicina, os neurolépticos apresentam efeitos colaterais que, às vezes, podem
41
preocupar tanto o paciente quanto seus familiares.
Ainda conforme Louzã Neto (1996), os efeitos colaterais que podem
ocorrer com os neurolépticos clássicos são:
Distonia Aguda – manifesta-se por contrações musculares involuntárias,
com movimentos dos olhos, da língua e do pescoço, ocorrem logo no início do
tratamento de modo agudo, nas primeiras horas ou dias, e duram cerca de 20 a 60
minutos.
Parkinsonismo – O nome vem da semelhança desses efeitos colaterais
com os sintomas da doença de Parkinson. O paciente apresenta rigidez muscular,
tremores, redução da expressão facial, lentidão de movimentos, anda com pequenos
passos, como se estivesse robotizado. Esses sintomas surgem gradualmente ao
longo de dias ou semanas de tratamento e tendem a diminuir um pouco com o
passar do tempo de tratamento.
Acatisia – O paciente sente desassossego, intensa inquietação nos
membros inferiores, que fazem com que ele sinta uma necessidade de andar sem
parar. Mesmo quando tenta ficar parado em pé ou sentado, seus pés continuam se
mexendo, como se estivesse andando. Ao mesmo tempo fica ansioso e agitado. Em
geral instala-se nos primeiros dias de tratamento, de modo relativamente agudo.
Discinesia tardia - é um efeito colateral mais raro, que ocorre com o uso
prolongado (meses ou anos) dos neurolépticos. O paciente apresenta movimentos
involuntários na região da boca e lábios, às vezes em outras partes do corpo. Em
geral os movimentos são discretos e os pacientes não os percebe. Trata-se de um
efeito colateral mais grave, pois, algumas vezes, é irreversível e de tratamento
delicado. A avaliação periódica do paciente permite a detecção precoce do mesmo,
o que facilita o tratamento.
Síndrome neuroléptica maligna – é bastante rara e se caracteriza por
rigidez muscular, febre, alterações do ritmo cardíaco e da pressão arterial e
sudorese excessiva. É um quadro grave que exige a suspensão imediata da
medicação e tratamento hospitalar.
Louzã Neto (1996) ainda ressalta que os pacientes não apresentam todos
os efeitos colaterais de um determinado medicamento e que a intensidade destes
varia de paciente para paciente, sendo alguns mais sensíveis que os outros. As
pesquisas mostram que os benefícios suplantam de longe os efeitos colaterais e os
riscos do uso de neurolépticos no tratamento da esquizofrenia.
42
O tratamento do portador de esquizofrenia pode ser dividido em duas
fases: (1) tratamento do surto agudo da doença – quando o paciente se encontra
com forte agitação, a ponto de colocar em risco sua própria vida ou de seus
familiares, pode-se recorrer à internação. A decisão de internar vai depender da
avaliação médica, onde se leva em conta o sofrimento do paciente e as condições
de que a família dispõe para cuidar dele nessa situação. Já durante essa fase, têm
início as abordagens psicossociais; e (2) o tratamento de manutenção, durante a
remissão dos sintomas. A continuidade do tratamento será realizada em regime
ambulatorial, no consultório ou hospital-dia. O tratamento de manutenção é
fundamental para que se possam evitar novas recaídas.
Uma das grandes dificuldades no tratamento de manutenção é garantir o
uso da medicação. Por diversos motivos, os pacientes não tomam a medicação
corretamente, seja porque não se acham doentes, seja porque os efeitos colaterais
incomodam muito, seja por mero esquecimento. Os familiares podem ajudar
bastante organizando a medicação do paciente, preparando um ‘esquema’ dos
horários de tomar a medicação e auxiliando-o a lembrar-se da mesma. Para facilitar
o tratamento foram desenvolvidos medicamentos em forma de injeção de longa
duração (medicação de depósito ou depot).
3.1.7.2 As abordagens psicossociais
Além dos medicamentos, vários outros procedimentos são necessários
para auxiliar o paciente em sua reintegração global, já que “tomar medicamento é
condição necessária, mas não suficiente, para o tratamento da esquizofrenia.”
(LOUZÃ NETO, 1996, p. 63). Assim, o tratamento da esquizofrenia envolve um
trabalho de equipe, onde diferentes profissionais atuam de modo simultâneo
colaborando no processo de reabilitação cuja meta é propiciar ao paciente a melhor
qualidade de vida possível dentro dos limites que doença impõe.
O conjunto de abordagens a ser utilizado varia para cada paciente e ao
longo da doença, de modo que o contínuo planejamento e monitoramento da
evolução do paciente e sua adaptação psicossocial se fazem necessários.
43
Já durante o surto agudo da doença, esteja ou não internado, deve-se
começar o acompanhamento psicoterápico do paciente e de sua família, inicialmente
visando esclarecer sobre a doença e seu tratamento, posteriormente procurando
elucidar e auxiliar na resolução das dificuldades que surgem.
Abaixo, algumas das abordagens psicossociais utilizadas frequentemente
no tratamento do portador de esquizofrenia.
Terapia Familiar – As famílias tendem a culpar-se por qualquer doença
ou acidente que ocorra a um de seus membros. O problema é intensificado no caso
da esquizofrenia, uma vez que, em determinado período, muitos psiquiatras
consideravam a patologia familiar como fator etiológico. Pode, portanto, ser difícil
engajar o auxílio das famílias no programa de tratamento. Ainda assim, tem-se
demonstrado que abordagens específicas à terapia familiar podem reduzir as taxas
de recaída de alguns pacientes esquizofrênicos. As famílias com a chamada
expressão emocional elevada podem ter interações hostis, críticas, emocionalmente
superenvolvidas ou invasivas com os pacientes. Se estes comportamentos são
modificados diretamente, a taxa de recaída para tais pacientes pode ser
dramaticamente reduzida.
Terapia de Grupo – A terapia de grupo geralmente focaliza os planos,
problemas e relacionamentos da vida real. É particularmente efetiva para a redução
do isolamento social, aumentado o senso de coesão e melhorando o teste de
realidade dos pacientes.
Psicoterapia Individual – Os portadores de esquizofrenia podem ser
ajudados pela psicoterapia individual, que proporciona uma relação de tratamento e
uma aliança terapêutica positiva. É um tratamento complementar à farmacologia e
ajuda o paciente a integrar sua experiência psicótica, procurando alternativas na
explicação
dos
psicoterapêutico
sintomas,
reduzindo,
pode
desenvolvido
ser
assim,
treino
o
sofrimento.
de
No
habilidades
processo
sociais
e
psicoeducação.
Terapia Ocupacional – Na terapia ocupacional (TO) são desenvolvidas
atividades principalmente manuais e de expressão, tais como pintura, trabalho com
argila, desenho. Não há preocupação com desempenho e produtividade do paciente,
importa o incentivo do contato do paciente com a realidade. A interação pacienteatividade-terapeuta auxilia na reorganização da capacidade de expressão do
paciente. Pode ser realizada individualmente ou em grupo.
44
Outras abordagens – Hospital-dia, Hospital-noite e Pensão Protegida,
Oficina Abrigada e Acompanhamento Terapêutico.
3.2 PERCURSOS INVESTIGATIVOS SOBRE ESQUIZOFRENIA E EDUCAÇÃO
ESCOLAR
A definição do termo educação escolar, empregado aqui, é a que está
apresentada no Thesaurus Brasileiro de Educação (BRASED)14, e no portal do
Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP15.
Conforme o Thesaurus Brasileiro, educação escolar é a:
Educação oferecida pelos sistemas formais de ensino em escolas,
faculdades, universidades e outras instituições, que geralmente se constitui
numa "escala" contínua de ensino em tempo integral para crianças e jovens,
tendo início, em geral, na idade de cinco, seis ou sete anos e continuando
até os 20 ou 25. Nos níveis superiores dessa escala, os programas podem
ser constituídos de alternância de ensino e trabalho. (cf. CIE 1997,
UNESCO) ou um sistema formal de ensino constituído pelo ensino regular
oferecido por instituições públicas e privadas, nos diferentes níveis da
educação brasileira: educação básica e educação superior. (Cf. UFMG,
2003).
Ou seja, educação escolar é a educação proporcionada por instituições
educacionais, indo sistematicamente desde a educação infantil até os cursos de
níveis superiores, concluindo com a obtenção de certificados, graus acadêmicos ou
títulos profissionais, reconhecidos oficialmente.
Para efetivar uma proposta inicial para o referencial teórico deste estudo
produziu-se uma revisão bibliográfica em banco de teses utilizando-se inicialmente a
palavra-chave esquizofrenia. Ainda que o resultado tenha indicado uma produção de
547
teses/dissertações,
apenas
onze
indicavam
estudos
relacionados
à
esquizofrenia e educação, porém em nenhum havia referência à educação escolar.
A investigação continuou com pesquisas em bibliotecas digitais e banco de dados de
14
Vocabulário controlado que reúne termos e conceitos, extraídos de documentos analisados no
Centro de Informações e Biblioteca em Educação (Cibec), relacionados entre si a partir de uma
estrutura conceitual da área. Estes termos, chamados descritores, são destinados à indexação e à
recuperação de informações.
15
Disponível em: <http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/>. Acesso em: 19 jan. 2011.
45
universidades nacionais com a mesma temática, mas igualmente sem sucesso, o
que leva a crer na pouca produção cientifica nacional abordando a educação escolar
de portadores de esquizofrenia.
3.2.1 Alguns estudos em esquizofrenia e escolarização
As informações sobre a trajetória escolar de portadores de esquizofrenia
comumente
encontradas
são
as
apresentadas
em
achados
referentes
principalmente aos estudos sobre o curso e o prognóstico da patologia, sendo que,
na maioria dos casos, a ênfase é dada aos sintomas pré-mórbidos. Vale lembrar que
o curso da esquizofrenia compõe-se de três fases distintas – a fase prodrômica, a
fase ativa e a fase residual; os sintomas pré-mórbidos são os que aparecem antes
da fase prodrômica e, considerando as etapas do processo de escolarização, neste
período a criança geralmente se encontra nos primeiros anos do ensino
fundamental. Frequentemente, o diagnóstico é atribuído quando os sintomas
psicóticos são manifestados pela primeira vez – na chamada fase ativa, porém,
evidências indiretas sugerem que crianças ou adolescentes predispostos a
desenvolver esquizofrenia já apresentam declínio intelectual, déficits no ajustamento
social e algumas anormalidades na conduta, demonstradas principalmente no
percurso escolar. (SHIRAKAWA, 2009).
Pesquisas na área da saúde que trazem dados sobre trajetórias escolares
de portadores já diagnosticados com esquizofrenia mostram as interrupções no
curso escolar como um dos efeitos da doença. O estudo de Koga e Furegato (2002),
ao investigar os ônus adicionais impostos aos familiares de vinte pessoas com
diagnóstico da esquizofrenia, apresentou em sua amostra dezessete pessoas como
concluintes do primeiro grau, uma ainda analfabeta, uma concluinte do ensino médio
e uma com curso universitário, sendo que nenhuma delas mantinha atividade
acadêmica no momento da pesquisa. A razão para este achado não foi explanada
pelos autores.
Semelhantemente, o DSM IV–TR também assinala que em relação à vida
acadêmica
de
portadores
de
esquizofrenia,
“o
progresso
educacional
46
frequentemente fica perturbado, podendo o indivíduo ser incapaz de concluir a
escolarização” (APA, 2002, p. 307). Quando se trata de obtenção de certificados,
graus acadêmicos ou títulos profissionais, possibilitando inserção no mercado de
trabalho, portadores de esquizofrenia podem ter uma trajetória incerta.
Em seguida serão apresentadas as pesquisas encontradas que dialogam
de algum modo com o tema aqui proposto.
3.2.1.1 Estudos em sintomas pré-mórbidos
É geralmente aceitável que pessoas com esquizofrenia na idade adulta
tenham apresentado, na infância ou adolescência, características incomuns tanto em
nível de comportamento como em déficits no funcionamento escolar. Alguns estudos
(BEARDEN et al., 2000; RABINOWITZ et al., 2000; SADOCK; SADOCK, 2008; HO
CHAE et al., 2004) indicam que o estado pré-mórbido é preditivo da esquizofrenia e
que adultos com esquizofrenia, já na infância, demonstravam desempenho mais
fraco em testes neuropsicológicos e em testes de inteligência, apresentando déficits
significativos na avaliação de Quociente de Inteligência (QI), com escores inferiores
desde o jardim de infância até a escola secundária, quando comparados com grupos
controles normais.
Os estudos de Cannon et al. (1997, 1999) apontam, também, que
crianças que desenvolveram a esquizofrenia na idade adulta tiveram desempenho
escolar significativamente pior que do que seus pares, além de uma diferença
considerável em habilidade social e no funcionamento escolar pré-mórbido. Estes
pesquisadores realizaram um estudo longitudinal de base populacional, avaliando o
desempenho escolar em crianças finlandesas que desenvolveram esquizofrenia na
idade adulta.
Foram investigadas também a elegibilidade e a progressão para o ensino
médio entre os casos e controle. Os achados indicaram que os casos tiveram um
desempenho significativamente pior que os controles em atividades não acadêmicas
O estudo indicou também que os casos eram consideravelmente menos prováveis
do que os controles para avançarem para o ensino médio. O mau desempenho
47
acadêmico no ensino fundamental não foi um fator de risco no estudo de Cannon et
al., porém a falta de progressão, esperada para o ensino médio, entre os casos,
apesar de boas notas escolares, fornece provas para a deterioração de ajustamento
funcional pré-mórbido para esquizofrenia.
O
baixo
desempenho
escolar
pré-mórbido
também
está
bem
documentado e marcado por uma necessidade de atenção especial, por menos
participação e menor desempenho em atividades extracurriculares, por repetências e
ainda por QI e notas mais baixas. (CANNON et al., 1999; CANNON et al., 1997;
DAVIDSON et al., 1999; DONE et al., 1994; RABINOWITZ et al., 2000). Apesar
destes resultados, é importante notar que a esquizofrenia não ocorre exclusivamente
na população com o pior desempenho intelectual, e que também pode não preservar
aquele que se saiu muito bem nas avaliações.
Neste sentido, vale ressaltar a revisão de estudos de coorte de
nascimento, realizada por Welhan (2009). Referindo-se aos estudos sobre
antecedentes cognitivos e desempenho escolar, Welhan identificou que fatores de
risco pré-mórbido para o desenvolvimento da esquizofrenia relacionados à escola (p.
ex. repetir uma nota, as dificuldades de completar o nível final da escolaridade ou
problemas sociais e comportamentais na escola) têm sido identificados, mas podem
mostrar resultados mistos - o desempenho escolar pobre tem uma relação linear
com a esquizofrenia, mas estes efeitos não estão restritos aos grupos com menor
QI.
Welhan (2009) percebeu, curiosamente, que o bom desempenho escolar
também pode estar associado com esquizofrenia e faz referência ao estudo NFBC196616, onde foi constatado que 11% dos meninos com os sintomas pré-mórbidos
tinham marcas mais positivas em comparação com 3% na população saudável, e ao
estudo de Alaräisänen17 cujo resultado indicou que o bom desempenho escolar está
associado ao risco aumentado de suicídio em portadores de esquizofrenia.
16
17
NORTHEN FINLAND BIRTH COHORTS – Autor: Marjo Ritta Jarvelin do Departamento de
Epidemiologia e Saúde Pública do Imperial College London e do Departamento de Saúde Púbica e
Medicina Geral e Familiar da Universidade de Oulu. O NFBC avaliou 12.231 pessoas nascidas em
1966.
ALARÄISÄNEN, A. et al. Good school performance is a risk factor of suicide in psychoses: a 35year follow up of the Northern Finland, 1966 Birth Cohort. Acta Psychiatr Scand.Oulu,
2006;114:357–362.
48
Pode-se perceber então que, apesar de a maioria dos estudos indicarem
a presença de marcadores pré-mórbidos para esquizofrenia, estes não são
inteiramente consistentes.
3.2.1.2 Estudos envolvendo a participação de professores
Um estudo desenvolvido no Departamento de Psicologia da Universidade
do Sul da Califórnia, em parceria com o Centro de Estudos Longitudinais e com o
Instituto de Ciência Social da Fundação Allan Hancock em Los Angeles – CA,
investigando fatores de risco pré-mórbidos para psicoses – incluindo a esquizofrenia,
revelou
que
professores
primários
conseguiram
distinguir
crianças
pré-
esquizofrênicas, ou seja, aquelas que mais tarde desenvolveriam esquizofrenia,
identificando-as como sendo emocionalmente instáveis e mais suscetíveis a
prejuízos emocionais e psicológicos, além de apresentarem tendências à repetência,
relacionamentos pobres entre os colegas e comportamento disruptivo e agressivo.
(OLIN; MEDNICK, 1996). Outros estudos (CANNON et al., 2001; BEARDEN et al.,
2000) confirmam este achado, indicando que o ajustamento social pobre, a
passividade, os problemas disciplinares, retraimento e isolamento social e a
ansiedade foram as características mais observadas pelos professores.
Na mesma linha de pesquisa, Done et al. (1994) investigaram o
ajustamento social na infância de pessoas adultas com distúrbios psiquiátricos,
admitidas em hospitais psiquiátricos, através da aplicação do Guia e Ajustamento
Social Britânico (BSAG)18 e identificaram que, aos olhos dos professores, pessoas
que mais tarde desenvolveram esquizofrenia diferiam de seus colegas, evidenciando
uma tendência a serem ansiosos para aceitação, hostis com outras crianças e com
adultos e a se engajar em comportamentos inconsequentes. No entanto, não foi
encontrada muita evidência de isolamento social, fator que na maioria das vezes tem
sido considerado como característica da criança pré-esquizofrênica.
18
Bristol Social Adjustament Guide – London: Hodder an Stoughton, 1987. Composto por um grande
número de frases onde o professor é convidado a sublinhar as frases que descrevem o
comportamento das crianças.
49
Alguns achados sugerem que os sintomas pré-mórbidos, que aparecem
antes da fase prodrômica, assinalam alguns prejuízos no processo de escolarização
e indicam que as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia já evidenciam
comportamentos desviantes antes do início da vida adulta; nestes casos os
professores podem ser especialmente úteis na identificação de adolescentes com
risco para uma futura psicose. (OLIN; MEDNICK, 1996; WELHAN, 2009).
3.2.1.3 Estudos envolvendo curso, prognóstico e o abandono da escola
Outro aspecto a ser considerado na relação esquizofrenia e educação
escolar são os estudos de curso e prognóstico. Informações referentes ao curso
indicam que, após eclodirem os sintomas da fase ativa, pessoas com esquizofrenia
geralmente abandonam os estudos, conforme mencionado no DSM IV-TR (APA,
2002, p. 307).
No Brasil, um estudo avaliando o ajustamento social de 44 portadores de
esquizofrenia, desenvolvido por Shirakawa (2009), revelou que 68,2% da amostra
frequentaram a escola por mais de nove anos, sendo 34,1% com instrução superior.
Porém, “mesmo com o bom nível educacional, não trabalhavam, viviam em casa,
tinham ajustamento social pobre e eram dependentes da estrutura familiar em que
viviam.” (SHIRAKAWA, 2009, p. 82).
Estes achados correspondem às revisões de Libermam (1982) e denotam
a dificuldade de adaptação dos pacientes à medida que transcorre o curso da
doença, reforçando a noção de que a esquizofrenia é uma patologia que
compromete
o
indivíduo
quanto
ao
funcionamento
educacional
e,
consequentemente, a capacidade para o trabalho.
Um estudo de prognóstico após hospitalização realizado dentro de uma
área de captação da cidade de São Paulo, num período de seguimento de dois anos
a partir da inclusão, com uma amostra composta por 69 homens e 55 mulheres
portadores de esquizofrenia, evidenciou que um baixo nível educacional (menos de
4 anos de educação formal) e o diagnóstico de esquizofrenia estiveram associados a
um pior quadro psicopatológico. (MENEZES; NASCIMENTO, 1998). Os autores
50
referem ainda que uma associação entre o nível educacional e a presença de
sintomas psicóticos indicou que pacientes com níveis de educação formal muito
baixo têm riscos mais altos de apresentarem pior prognóstico, quando comparados
com aqueles que têm educação básica, contrariando estudos de Huber, Gross e
Shuttler (1975)19, Schubart et al. (1987)20 e Geddes et al. (1994)21 referidos por
Menezes e Nascimento (1998). Nestes estudos, os autores perceberam que um
nível educacional mais alto estava associado com melhor prognóstico, incluindo
melhor ajustamento social.
Confirmando estudos anteriores (ISOHANNI et al., 2005; CANNON et al.,
1999), o estudo conduzido por Ang e Tan (2004) concluiu que em adultos jovens do
sexo masculino, houve um declínio em habilidades acadêmicas e cognitivas, em
torno de dois a quatro anos antes do início da psicose quando comparados com
controles do mesmo sexo e idade, classe social e pontuações acadêmicas
anteriores; e, em consequência, alcançaram menos tempo (anos) de estudo.
Estes resultados apóiam a conclusão de que um fator cognitivo está
presente antes do início da psicose e, quando associado a fatores comportamentais,
pode contribuir para um desfecho ruim da esquizofrenia e comprometer a
continuidade nos estudos.
Como visto, os estudos voltados à relação da esquizofrenia e educação
escolar, em sua maioria, dizem respeito ao momento anterior à manifestação dos
sintomas, na chamada fase prodrômica. Fatores como déficits cognitivos, baixo nível
de inteligência, comportamentos desajustados, isolamento e retraimento social,
característicos desta fase, são assinalados como comprometedores para o
desempenho escolar, afetando, de certo modo, a trajetória escolar.
3.3 CENÁRIOS ESCOLARES, CONTRADIÇÕES À ESQUIZOFRENIA
19
20
21
HUBER, G., GROSS, G.; SHUTTLER, R. A long-term follow-up study of schizophrenia: psychiatric
course of illness and prognosis. Acta Psychiatrica Scandinava 52:49-57, 1975.
SCHUBART, C. et al. Factors influencing the course and outcome of symptomatology and social
adjustment in first-onset schizophrenics. In: Search for the cause of schizophrenia (HAFNER H,
GATTAZ W F, JANZARIK W, eds.), Springer-Verlag, Berlin, Heidelberg, 1987. pp 98-106.
GEDDES, J. et al. Prediction of outcome following a first episode of schizophrenia. British Journal
of Psychiatry, 1994. 165:664-668.
51
3.3.1 A função social da escola
Dentre as muitas concepções de escola, cabe aqui explicitar de que
escola se fala nesta pesquisa. Em uma sociedade capitalista, no dizer de Frigotto
(2009), “a educação funciona, dominantemente, como sistema de internalização dos
conhecimentos, valores e cultura funcionais à reprodução da (des)ordem do
metabolismo do capital.” (p. 134). Em concordância com o autor, partilha-se dos
limites apontados à escola. No entanto, ao criticar os liberais da educação que veem
na educação apenas os mecanismos de acesso a esse conhecimento dominante, o
autor também aponta que cabe aos educadores a problematização desses espaços
em um exercício de contra-hegemonia.
A escola, pensada como instituição que objetiva socializar as gerações
que se sucedem, estabelece uma ação conservadora que visa a “garantir a
reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência da sociedade”
(GÓMEZ, 1998, p. 14). De um lado, ela provoca a aprendizagem de conhecimentos,
ideias, atitudes para incorporar o sujeito na vida política e social, considerando-o um
ser como todos os demais com direito a uma vida pública e, por outro, nega, de fato,
essa incorporação ao exigir, no mundo do trabalho, a obediência e o conformismo
para com as diferenças sociais, aceitando a arbitrariedade cultural como natural.
Evidentemente, o processo de reprodução não se dá sem contradições e
lutas porque o processo de socialização ocorre em meio a práticas sociais também
contraditórias efetuadas que são resultantes de contextos particulares e que
permitem o questionamento da hegemonia. A escola é um espaço de relações
conflituosas como qualquer outra instituição e nos interstícios de uma autonomia
relativa ocorrem os desequilíbrios onde as ações docentes e as interações entre
docentes e alunos (e seus familiares) terminam por denunciar os limites do discurso
igualitário da escola. A função educativa da escola, ou seja, a utilização do
conhecimento social e historicamente construído que pode permitir conhecer os
mecanismos da ideologia dominante pode, ao mesmo tempo, ampliar a capacidade
da escola de minimizar as desigualdades socioeconômicas, exercendo um papel de
mediação crítica entre alunos e conhecimentos.
Assim, apreender a escola como construção social implica, dentre outras
perspectivas, compreendê-la em seu fazer cotidiano, onde os sujeitos não são
52
apenas atores passivos, mas, ao contrário, deve-se compreendê-la como uma
contínua construção de conflitos e negociações em função de determinadas
circunstâncias. Neste sentido o processo de socialização na escola não é tão
simples, nem tão linear, já que “diferenciados numa sociedade diferenciada, até
fragmentada, os estudantes trarão à escola as marcas e os estigmas da
diferenciação social em todos os aspectos.” (OLIVEIRA, 1994, p. 125).
Dessa forma, os alunos aprendem e desenvolvem habilidades e condutas
não apenas em resposta à transmissão e troca de ideias e conhecimentos
apresentados
no
currículo
oficial,
mas
também,
e
principalmente,
como
consequência das interações sociais de todo tipo que ocorre na escola ou na sala de
aula. Gómez (2001) assinala a distinção de três tipos de contextos básicos que
envolvem as interações sociais na sala de aula: o contexto sociocultural, que se
refere à diversidade e à pluralidade nos padrões de comportamento, entendimento e
comunicação relacionados com o gênero, raça e classe social ou ainda ao grupo
cultural; o contexto político, que se refere à forma de distribuição do poder entre os
indivíduo e grupos, criando estereótipos que condicionam as relações; e o contexto
histórico, que se refere tanto à história concreta de um indivíduo em particular ou
grupo de indivíduos na escola como a história da própria escola e do sistema em seu
conjunto.
No caso da criança com características pré-mórbidas da esquizofrenia o
ambiente que, a priori, deveria desempenhar um papel decisivo na promoção do seu
desenvolvimento tanto social como cultural termina por contribuir para potencializar o
retraimento e isolamento social que são típicos desta fase. Neste sentido, há que se
concordar com Gómez (1998) quando refere que a escola transmite e consolida o
individualismo, a competitividade, a falta de solidariedade. Para o autor, “assume-se
a idéia de que a escola é igual para todos, porém cada um chega onde suas
capacidades e esforços pessoais lhes permitem.” (p. 14).
Certamente, a escola pode e deve ser um espaço de ampliação tanto em
experiências como de formação de grupos e de vivências sociais. E é no espaço
físico, em sua arquitetura, que se criam formas de sociabilidade, de interação, de
troca de informações, é onde se materializa uma convivência rotineira, já que as
evidências indicam que este é, essencialmente, um espaço coletivo, de relações
grupais. No momento em que os jovens cruzam o portão gradeado, ocorre um ‘rito
de passagem’, à medida que assumem um papel diferente daquele desempenhado
53
em casa, tanto quanto no trabalho, ou mesmo no bairro ou ainda entre amigos.
(DAYRELL, 1996). Assim, na vivência coletiva travada no interior da escola, no
convívio diário no espaço escolar em meio ao processo educativo é que o aluno,
gradativamente, poderá se perceber e tomar consciência a respeito de si mesmo,
dos seus parceiros, das afinidades e amizades e, sobretudo, construir sua autoimagem e identidade como sujeito sociocultural.
Diante dessa afirmativa, vale lembrar, conforme refere Forquin (1993),
que existe entre educação e cultura uma relação íntima e que, se toda educação é
sempre
educação
de
alguém
por
alguém,
ela
supõe
sempre
também,
necessariamente, a comunicação, a aquisição de algo, a saber, o conhecimento, as
competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama
precisamente conteúdo da educação, ou seja, os elementos que propiciam a
aquisição do conhecimento e que fortalecem a função docente da escola.
3.3.2 Função docente da escola
Um ponto de partida para uma reflexão acerca da aprendizagem na
escola diz respeito à constatação científica, apresentada por Stein (1976), de que o
ser humano é um animal programável e, por ter alcançado um grau mais elevado de
evolução, não tem instintos e não nasce com habilidades, mas com a possibilidade
de adquirir habilidades. Fazendo alusão ao O Enfant de Sauvage de Illich22 em que
o autor, ao raciocinar além desta constatação, defende a escolarização total, Stein
(1976) concorda com a afirmação da necessidade humana de educação e relata que
o processo educacional é, por definição e por constatação, inerente à
condição humana, e que toda criança (como todo adulto retardatário) deve
ser educada, pois a evolução da humanidade são construções seqüenciais
resultantes da interação entre o indivíduo e o meio. (p. 34).
Se a educação é inerente à condição humana, e se o ser humano é um
detentor da possibilidade de desenvolver habilidades, a educação escolar se torna,
22
Referência da obra: LIMA, L. O. O Enfant Sauvage de Illich numa sociedade sem escolas. São
Paulo: Vozes, 1975. 104 p.
54
por excelência, o caminho ideal. E isso se dá à medida que “a escola se apóie no
conhecimento público das ciências, da filosofia, da cultura, das artes, para provocar
o desenvolvimento do conhecimento privado de cada um dos alunos.” (GÓMEZ,
1998, p. 22).
Ao que parece, a finalidade primordial do processo educativo na escola é
assegurar que os educandos tenham condições de se desenvolver social e
intelectualmente. A grande tarefa do educador torna-se, então, a aprendizagem de
seu aluno, e para que este processo aconteça de modo mais produtivo e realizador,
alguns fatores têm vital influência. De um lado, a capacidade intelectual e o desejo
por aprender do aluno e, de outro, o conhecimento e a capacidade de ensinar e
transmitir conteúdos do professor. Porém, nem sempre esta relação acontece
harmoniosamente. Nem sempre o desejo por aprender é suficiente para que o
processo de ensino-aprendizagem ocorra de modo satisfatório. Em algumas
situações podem-se observar alunos que, mesmo diante de algumas dificuldades,
mantêm o desejo por aprender, mas que se deparam com professores nem sempre
preparados para identificar ou lidar com sua dificuldade, embora demonstrem
claramente o desejo por ensinar.
A tarefa do professor no ensino educativo deve incluir o propósito claro e
irrenunciável de provocar a aprendizagem relevante, ou seja, facilitar e
provocar a reconstrução dos esquemas intuitivos de pensamento,
sentimento e conduta de cada indivíduo. (GÓMEZ, 1998, p. 300).
Neste conceito são incluídos, portanto, a participação ativa e intelectual
do educando bem como a facilitação do contraste entre as formulações das
representações críticas da cultura. A responsabilidade do docente não é só aplicar
um currículo oficial, mas aprimorar constantemente a prática e a comunicação na
escola, de modo que facilite a reflexão crítica e a reconstrução do pensamento dos
educandos (GÓMEZ, 2001), entendidos como sujeitos em formação, que possuem
uma história social e cultural. O jovem se desloca da casa à sala de aula e leva
consigo conhecimentos, muitos de senso comum, que de alguma maneira entrarão,
ainda que sob a forma de silêncio, no jogo discursivo do professor. (CITELLI, 2000).
Em outros termos, “se a escola e o professor funcionam como instâncias mediativas,
o aluno também deve ser visto e entendido como mediador do discurso escolar.” (p.
123).
55
Entretanto, nas palavras de Perrenoud (2000), quando se faz uma
atividade em sala de aula, trabalha-se preferencialmente com aqueles alunos que
fazem perguntas, que se manifestam, que ajudam o professor a construir uma boa
aula, pois, com aqueles que nada dizem é difícil criar uma dinâmica, um diálogo
socrático, um clima de curiosidade, é difícil fazer funcionar a rede oficial de
comunicação e, consequentemente, facilitar a aquisição do conhecimento.
O conhecimento que se apreende na escola se reduz a um conjunto de
informações já construídas e consagradas nos programas e materializados nos livros
didáticos, tornando o objeto a ser transmitido. Entretanto, o conhecimento é visto
como um produto, e o que geralmente é enfatizado no ato de aprender são os
resultados da aprendizagem e não seu processo. (DAYRELL, 1996). A aquisição do
conhecimento é considerada de caráter universal e se dá por meio de ações
exercidas uniformemente através dos programas de ensino, das regras e normas, de
horários, da frequência, das avaliações e certificações e, principalmente, da seleção
de conteúdos, métodos e técnicas que garantam o processo.
Como a ênfase é centrada no resultado da aprendizagem, o que é
valorizado são as provas e as notas, e a finalidade da escola se reduz ao passar de
ano. (DAYRELL, 1996). Nesse sentido, pode-se pensar que esta seria uma maneira
de diferenciação no processo educativo, um mecanismo excludente característico
daquelas escolas que usam a avaliação como um mecanismo de eliminação ou de
manutenção de seus alunos, deixando em segundo plano o caráter heterogêneo dos
alunos e o valor determinante do processo.
A diversidade real dos alunos parece ser reduzida a diferenças
apreendidas quase exclusivamente na ótica da cognição, caracterizando-os como
bons ou maus alunos, esforçados ou preguiçosos, com facilidade ou dificuldade para
aprender, com boa ou má comunicação, ou na ótica do comportamento, alunos
obedientes ou não, disciplinados ou não.
Tomando emprestadas as palavras de Corrêa (2000), pode-se dizer que a
avaliação tem fundamento na obrigatoriedade legal, sendo necessária para testar
todo o conhecimento adquirido pelo aluno, indicando se o mesmo está apto ou não.
Na concepção de Corrêa, “é a avaliação que faz o corte mais profundo entre
alfabetizados e não alfabetizados, entre normais e não normais, entre ajustados e
desajustados, entre competentes e incompetentes.” (2000, p. 81).
56
A avaliação desempenha diversas funções, isto é, serve a múltiplos
objetivos, não apenas para o sujeito avaliado, mas também para o
professor, para a instituição escolar, para a família e para o sistema social.
Sua utilidade mais notória não é, precisamente, a pedagógica, pois o fato de
avaliar não surge na educação como uma necessidade de conhecimento do
aluno e dos processos educativos. Partimos de uma realidade institucional
historicamente condicionada e muito assentada que exige seu uso: avaliase pela função social que com isso se cumpre. É uma missão
historicamente atribuída à escola e concretamente aos professores,
realizada num contexto de valores sociais, por certas pessoas e com certos
instrumentos que não são neutros. (SACRISTAN, 1998, p. 322).
É a avaliação, a nota, o resultado das provas que indicará o perfil do bom
e do mau aluno, o perfil daquele que se adapta com facilidade, daquele que se
adapta com dificuldade e daquele que não consegue se adaptar ao processo
escolar. E, nesta lógica, por que estabelecer relações entre o que é vivenciado por
ele e o conhecimento escolar, entre o que se apresenta no interior da escola e o que
é extra-escolar? Se as ações pedagógicas estão projetadas de mesmo modo para
todos, se as diferenças não são consideradas, este é um questionamento em vão.
Considerar que o aluno que chega à escola é fruto das experiências sociais
vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais, além espaço escolar, deixa de ser
relevante à medida que ele esteja conseguindo alcançar as notas esperadas e
apresentando comportamentos adequados às normas e às regras da escola.
Neste sentido, é prudente lembrar Sacristan (1998) quando refere que do
ponto de vista pedagógico é pertinente uma menor pressão da avaliação sobre o
aluno, pois a multifuncionalidade dela acaba introduzindo contradições e exigências
difíceis de harmonizar, que acabam se traduzindo em tensões e posições muito
diferentes, o que torna “impossível pensar que o sistema escolar não rotule os
alunos quando saem dele e passam para a vida produtiva.” (p. 322).
A reprovação é o sinalizador mais elementar do fracasso escolar e é
medida pela avaliação, cabendo ao professor “estabelecer os critérios, a forma de
avaliação, desde que ao fim de cada bimestre seja enviado à secretaria da escola
um número que indica o quanto o aluno aprendeu do conteúdo ministrado.”
(CORRÊA, 2000, p. 81). Mas há que se questionar a validade da avaliação à medida
que ela não avalia todo o conhecimento senão aquele que se dá apenas no
processo da aprendizagem. Muito mais que uma aprendizagem cognitiva, o aluno,
enquanto ser em formação, desenvolve também neste processo todo um potencial
de apreensão e qualificação na ordem das emoções e do afeto e que vai muito além
57
daquilo que está nos livros e nos currículos. E para isso não há critérios
estabelecidos anteriormente, não há instrumento que possa medir este aprendizado.
É preciso então olhar o aluno não só pela ótica da cognição e da
inteligência, mas entendê-lo também sob os aspectos da emoção e do afeto, já que
este não é um campo polarizado. Para isso é necessário construir um sistema cuja
função educativa supere a clássica contraposição entre razão e emoção, cognição e
afeto bem como a concepção que atribui ao desenvolvimento do intelecto e dos
aspectos cognitivos e racionais um lugar de destaque na educação, como se
cognição e afetividade fossem dissociáveis. (ARANTES, 2002).
3.3.3 Afeto e cuidado como dimensões educativas
Na concepção de Almeida (2008), a afetividade constitui um domínio
funcional tão importante quanto o da inteligência. A autora cita a obra de Henri
Wallon e descreve que afetividade e inteligência constituem um par inseparável na
evolução psíquica e que, mesmo tendo funções bem definidas e diferenciadas entre
si, são interdependentes em seu desenvolvimento. O reconhecimento desta relação
permitirá ao aluno desenvolver níveis de evolução bem mais elevados,
principalmente quando ocorre no campo das relações e interações que circulam no
espaço escolar, já que quando as relações interpessoais têm como base a
afetividade e o caráter emocional, estas se intensificam.
Ao analisar os conceitos de afetividade tais como propostos por Wallon,
Almeida (2008) afirma que ela é fortemente influenciada pela ação do meio social,
mas que inicialmente é determinada por um fator orgânico, tanto que “Wallon
defende uma evolução progressiva da afetividade, cujas manifestações vão se
distanciando da base orgânica, tornando-se cada vez mais relacionadas ao social.”
(p. 346). A relação entre orgânico e social na teoria de Wallon sobre as emoções,
também é enfatizada por Galvão (1996), ao referir que para ele a emoção encontrase na origem da consciência e que, operando uma passagem do mundo orgânico
para o social, estas promovem reações no ambiente que funcionam como uma
espécie de combustível para sua manifestação.
58
Buscando compreender o impacto das emoções no contexto escolar, a
análise walloniana traz elementos esclarecedores. Para Almeida (2008), embora não
tendo uma teoria especificamente pedagógica, as interpretações de Wallon sobre
problemas educacionais, se não dão respostas que possam ser prontamente
aplicadas, indicam possíveis caminhos por onde buscá-las. Almeida (2008) refere
que para Wallon as crianças com comportamentos inadequados expressados por
agitação, desatenção ou indisciplina não podem conviver num ambiente repressivo e
coercitivo e que lidar com esta inadequação implica provocar atos elogiáveis,
mostrando ao indivíduo que ele é capaz, evitando a indiferença, a insensibilidade no
reconhecimento de que algo não vai bem.
Outro aspecto relacionado à afetividade no contexto escolar diz respeito
ao cuidado na educação, principalmente em se tratando da educação infantil. Cuidar
e educar são temas extremamente importantes considerando que a educação não
deve limitar-se apenas ao aprendizado ou à aquisição de conhecimento, mas,
também, implica em ter uma visão integrada do desenvolvimento do aluno em sua
interação social.
Cuidar, de acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação
(BRASIL, 1998) é, sobretudo:
Dar atenção à criança como pessoa que está num contínuo crescimento
desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando
respondendo às suas necessidades. Isto inclui interessar-se sobre o que
ela sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando
ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos poucos
tornarão independente e mais autônoma. (BRASIL, 1998, p. 25).
e
e
a
à
a
Forest e Weiss (2003) discutem sobre a importância de as instituições de
educação infantil incorporar, de maneira integrada, as funções de cuidar e educar,
enfatizando que:
É de suma importância que as instituições de educação infantil incorporem
de maneira integrada as funções de cuidar e educar, não mais
diferenciando, nem hierarquizando os profissionais que atuam com crianças
pequenas ou aqueles que trabalham com as de mais idade [...] Essa
qualidade advém de concepções de desenvolvimento que consideram as
crianças nos seus contextos sociais, ambientais, culturais e, mais
concretamente, nas interações e práticas sociais que lhes fornecem
elementos relacionados às mais diversas linguagens e ao contato com os
mais variados conhecimentos para a construção da autonomia. (p. 4).
59
Assim, na educação o cuidar é parte integrante da ação pedagógica e não
apenas uma prerrogativa da educação infantil (CARVALHO, 1999). Considerando
que a educação infantil é apenas uma etapa na estrutura da educação básica e que
nesta estrutura também acontece o ensino fundamental e médio, há que se entender
que é o cuidado que sustenta a base afetiva da relação entre professores e alunos e
esta relação não é interrompida enquanto o aluno se mantiver na escola.
Valendo-se do estudo descritivo de Bronfman e Martinez de 1996,
Carvalho (1999) exemplifica que algumas atitudes desempenhadas no cotidiano por
determinados professores em relação a aspectos não cognitivos de seus alunos e
que
envolviam
interrelações
afetivas
e
emocionais
no
processo
ensino-
aprendizagem tinham uma tendência a serem desconsideradas, tornando-se sem
legitimidade pedagógica. Saindo do seu papel tradicional para acolher e escutar uma
determinada criança com um problema específico e momentâneo, como a perda de
um objeto no recreio ou para atender um aluno que fazia solicitações emocionais
constantes, mesmo que para isso tivessem que se afastar de seu objetivo
pedagógico imediato, apesar de usuais, eram práticas quase clandestinas: pouco
comentadas pelos professores com seus colegas mesmo em situações informais,
inclusive pouco percebidas por eles mesmos, que tendiam a negligenciá-las ao
descrever
suas
atividades
e,
quando
evidenciadas,
tinham
relevância
desconsiderada sob o ponto de vista pedagógico. Percebidas como incidentes
isolados e não como parte integrante do papel dos professores, estas práticas
revelavam uma situação mais complexa que a mera exclusão da pessoalidade e do
afeto de dentro da escola. (CARVALHO, 1999).
O exemplo apresentado acima denota uma escola dominada por valores
impessoais, com uma cultura centrada na transmissão de conteúdo e alheia à
influência das interações afetivas e emocionais no processo de ensinoaprendizagem. Ações docentes em relação a aspectos não-cognitivos dos alunos
poderiam ser mais incentivadas e valorizadas, até porque, enquanto função docente,
a responsabilidade do professor, de acordo com Gómez (2001), não é só aplicar um
currículo oficial definido pela administração da escola ou pelos livros-textos, mas
melhorar permanentemente a prática e a comunicação na escola, de modo que
permita facilitar uma reflexão crítica e a reconstrução do pensamento intuitivo dos
alunos, assim como transformar o cenário da aprendizagem (currículo, método de
60
ensino e clima da escola) em um cenário que capacite os alunos a descobrir e
desenvolver por si mesmos seu poder e sua capacidade.
A função educativa, conforme referida por Gómez (2001), demanda criar
um espaço de vivência cultural em que o professor se converta no motor principal,
contrariando a clássica concepção transmissora ou academicista. Concorda-se com
o autor quando relata que se os docentes desejam provocar nas novas gerações o
amor pelo saber e o respeito pela diferença e pela criação, devem vivenciar a
aventura do conhecimento, da busca e do contraste crítico e reflexivo, para tanto
precisam amar a democracia e se comprometer com suas exigências de
compreensão compartilhada se querem criar um clima de relações solidárias e se
pretendem construir a comunidade democrática de aprendizagem.
3.3.4 A escola e seus sujeitos
Os alunos que chegam à escola vêm marcados por uma diferença que é
reflexa dos desenvolvimentos cognitivo, social, familiar e cultural, assim como da
quantidade e da qualidade de suas experiências e relações sociais, que são
anteriores e paralelas à escola. Assim, uma forma de compreendê-los nesta
diferença é percebê-los como sujeitos socioculturais. Gómez (2001) reafirma esta
colocação ao considerar que na escola se encontram grupos de indivíduos que
vivem em meios sociais mais amplos. Em razão de situações como a desigualdade
de oportunidades na distribuição e na qualidade de oferta de educação entre (1)
diferentes estratos sociais - nas zonas rural ou urbana, em escolas públicas ou
privadas; (2) entre grupos de excluídos, de segregados ou dos que recebem
educação de qualidade inferior, como crianças com deficiências ou originárias de
populações nativas; (3) como as questões de gênero ainda que, embora não haja
grandes diferenças e (4) no que se refere ao acesso à educação, alguns países,
inclusive o Brasil, vêm incentivando a adoção de reformas educacionais que estejam
voltadas à melhoria da qualidade e da equidade do setor educacional, buscando
oferecer oportunidades educacionais de qualidade a todos os alunos seja qual for a
sua condição social, cultural ou suas características individuais.
61
Seguindo os compromissos de Educação para Todos, assumidos na
Conferência Mundial de Jomtien, em 1990 e, posteriormente ratificados no Fórum
Mundial de Educação, denominado de Marco de Ação de Dacar: Educação para
Todos, realizado em Dacar, no Senegal, em 2000, as políticas educacionais no
Brasil têm sido orientadas à noção de justiça social e de promoção da igualdade
entre os indivíduos, independente de sua condição econômica, cultural ou suas
características individuais. (DUK, 2006). Desde esta época, tem-se vivido, no país,
reformas nos sistemas de ensino, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, no
sentido de atenderem às exigências de maior equidade social, ou seja, ampliar o
atendimento educacional, estendendo-o às populações mais vulneráveis, aos que
não têm acesso e aos que não puderam manter-se na escola. (ASSUNÇÃO;
OLIVEIRA, 2009).
Um exemplo que vale destacar, embora não se esteja discutindo aqui
questões que envolvem políticas de educação inclusiva, é o Projeto Educar na
Diversidade23, cujo texto encontra-se em consonância com o Movimento Educação
Para Todos do governo federal. O referido programa tem como foco principal alunos
que estão constantemente sob o risco de serem excluídos do processo de ensinoaprendizagem. No âmbito do mesmo, gestores da escola devem ser mais bem
preparados para consolidar um projeto político-pedagógico que seja comprometido
com uma educação de qualidade para todos. Neste projeto, planeja-se a
composição de escolas que matriculem e acolham todas as crianças de uma
comunidade indiscriminadamente, incluindo aquelas que apresentem algum tipo de
deficiência e possam exigir uma proposta pedagógica que respondam às
necessidades educacionais especiais (DUK, 2006), ou seja, uma escola que atribua
a todas as crianças e adolescentes o direito à educação com maior nível de
equidade, e que crie um fortalecimento na interação com as famílias, já que a
participação das famílias na vida escolar de seus filhos é uma estratégia importante
de apoio à aprendizagem, sobretudo nos primeiros anos do ensino fundamental e
está afirmada em publicações técnicas e nas cartas e declarações internacionais
resultantes de reuniões e conferências convocadas pela UNESCO desde os anos
23
Texto completo com detalhamento do Programa Educar na Diversidade: Material para Formação
Docente pode ser encontrado em:
<http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000009303.pdf>. Acesso em: 20 jan.
2012.
62
1990 (CASTRO; REGATTIERI, 2009), dentre elas a Conferência de Jomtien e o
Fórum de Dacar.
No entanto, essas reformas e iniciativas têm acarretado uma nova
realidade escolar, demandando maior número de atendimentos em face da
ampliação de novas matrículas e da participação da comunidade na gestão escolar.
Amplia-se o compromisso da escola em acolher todas as crianças,
independente de suas condições pessoais, culturais ou sociais, independente de
apresentarem ou não deficiências, se são de minorias étnicas ou de áreas
desfavorecidas, enfim, o compromisso de acolher a diversidade. Porém, uma das
marcas essenciais que ainda caracteriza a instituição escolar é a sua posição
universalista e totalitária, que colabora para que processo ensino-aprendizagem
ocorra numa homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas
análogas para todos, independente da origem social, da idade, das experiências
vividas.
A diversidade dos alunos acaba sendo reduzida, então, a diferenças que
são apreendidas na ótica da cognição ou na ótica do comportamento e, nesta lógica,
a prática escolar acaba desconsiderando a totalidade das dimensões humanas dos
sujeitos que dela participam, propondo um ensino baseado no princípio segundo o
qual todos têm que aprender a mesma coisa ao mesmo tempo. (DAYRELL, 1996;
CITELLI, 2000).
A organização escolar, não obstante o texto que constitui o Movimento de
Educação para Todos, ainda parece não reconhecer que os alunos que chegam à
escola vêm marcados por uma diferença que pode ser reflexa de sua cultura, da sua
história, da qualidade e quantidade de suas experiências e vivências, do ambiente
social ao qual estão inseridos. É um contexto onde se evidencia o grande desafio de
estar atento às diferenças raciais, econômicas e sociais e onde se estabelece uma
relação dinâmica entre o conhecimento e o saber, entre o ensinar e o aprender.
O contexto escolar, no dizer de Dayrell (1996), é o resultado de um
confronto de interesses, em que, de um lado, há uma organização oficial do sistema
escolar que define conteúdos e tarefas, que atribui funções, organiza, separa,
hierarquiza o espaço diferenciando trabalhos e definindo idealmente as relações
sociais, e, de outro, os alunos, professores, funcionários, sujeitos que criam uma
rede de inter-relações e que fazem da escola um processo permanente de
63
construção social, dando forma à vida escolar. Refletindo sobre a centralidade das
pessoas que constituem o espaço escolar, Alarcão (2001) descreve que:
Uma escola sem pessoas seria um edifício sem vida. Quem a torna viva são
as pessoas: os alunos, os professores, os funcionários e os pais que, não
estando lá permanentemente, com ela interagem. As pessoas são o sentido
da sua existência. Para elas existem os espaços, com elas se vive o tempo.
As pessoas socializam-se no contexto que elas próprias criam e recriam. É
o recurso sem o qual todos os outros recursos seriam desperdícios. Têm o
poder da palavra através da qual se exprimem, confrontam os seus pontos
de vista, aprofundam os seus pensamentos, revelam os seus sentimentos,
verbalizam iniciativas, assumem responsabilidades e organizam-se. As
relações das pessoas entre si e de si próprias com o seu trabalho e com a
sua escola são a pedra de toque para a vivência de um clima de escola em
busca de uma educação melhor a cada dia. (p. 20)
Nota-se, então, que a escola é entendida em seu fazer cotidiano e
constituída socialmente pelos sujeitos que a compõem. O “conjunto de professores,
funcionários, coordenadores pedagógicos, diretores escolares configura uma
comunidade escolar, que tem funções deliberativas sobre vários aspectos do projeto
da escola” (CASTRO; REGATTIERI, 2009, p. 14). É importante destacar também
que as crianças que chegam à escola são membros-dependentes de um núcleo
familiar que lhes dá um nome e um lugar no mundo, e que estes, do mesmo modo,
são partes constituintes do espaço escolar. Ribeiro (2004, p. 103) lembra que “este
espaço deve compor um todo coerente, pois é nele e a partir dele que se desenvolve
a prática pedagógica, sendo assim ele pode constituir um espaço de possibilidades
ou de limites.”
É necessário, então, como afirma Dayrell (1996), compreender o aluno na
sua diferença, enquanto indivíduo, dono de uma história, com visões de mundo,
escalas de valores, com sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de
comportamentos e hábitos que lhe são próprios e que para isso tem-se que levar em
conta a dimensão da experiência vivida. Pois, conforme destaca Jesus (2006), para
que a diversidade humana possa fazer-se presente como valor universal, é
necessário que a escola assuma uma postura de desconstrutora de igualdades, na
tentativa de incluir na tessitura social aqueles que vêm sendo sistematicamente
excluídos. Ao desconsiderar a individualidade de cada aluno, a escola acaba
reforçando sentimentos de impotência e de insegurança, contribuindo para inibir as
potencialidades e possibilidades, podendo favorecer o estabelecimento
de
estigmas e preconceitos. Estigma que, na concepção de Goffman (1988), inclui
64
qualquer atributo em um indivíduo que frustra as expectativas de um padrão de
normalidade.
Para Goffman (1988) o estigmatizado percebe cada fonte potencial de
mal-estar quando em situação de interação e uma vez que tanto ele como os
denominados normais introduzem-se em situações sociais mistas, como, no caso,
das relações sociais que acontecem na escola, é compreensível que nem todas as
coisas caminhem suavemente. É provável que haja uma desarmonia entre a
identidade social deste indivíduo de modo que ele passe a ser uma pessoa
desacreditada num mundo não receptível, enfraquecendo suas possibilidades. Neste
sentido, Goffman (1998) sugere que:
Uma possibilidade fundamental na vida da pessoa estigmatizada é a
colaboração que presta aos normais no sentido de atuar como se a sua
qualidade diferencial manifesta não tivesse importância nem merecesse
atenção especial. Entretanto, quando a diferença não está imediatamente
aparente e não se tem dela um conhecimento prévio (ou, pelo menos, ela
não sabe que os outros a conhecem), quando, na verdade, ela é uma
pessoa desacreditável e não desacreditada, nesse momento é que aparece
a segunda possibilidade fundamental em sua vida. A questão que se coloca
não é da manipulação da tensão gerada durante os contatos sociais e, sim,
da manipulação de informação sobre seu defeito. Exibi-lo ou ocultá-lo;
revelá-lo ou escondê-lo; mentir ou não mentir; e em cada caso, para quem,
como, quando e onde. (p. 38).
A afirmação de Goffman dá a entender que nem todas as marcas que
podem traduzir um sujeito como diferente e, consequentemente, levá-lo a situações
de estigma são visíveis. Um exemplo que se pode destacar a partir disso são os
sinais pródromos da esquizofrenia. Como já salientado, sua manifestação é lenta e
insidiosa, e quase na totalidade dos casos acaba sendo ‘invisível’. Ainda assim,
mesmo que não reconhecida ou não revelada, pode conduzir a circunstâncias de
angústias e tensões. Se ‘visível’ em seu transtorno, pode haver o rechaço, se
‘invisível’, a indiferença ou a impassibilidade. Um campo facilitador para isso pode
ser o das relações que acontecem no ambiente escolar, principalmente em sala de
aula.
A sala de aula como um espaço de encontro, de convivência quase que
diária, propicia a formação de subgrupos, que se criam geralmente por afinidades,
formando diferentes estereótipos – os “CDFs”, a turma do fundão, os que não
querem nada com nada, os mais interessados, os bagunceiros. Entre brincadeiras e
atividades, cada grupo cria suas próprias regras, seu estilo de funcionar e de se
65
relacionar com os demais grupos na sala. De outro modo, há aqueles alunos mais
‘solitários’, exemplificados na figura dos alunos com sinais pródromos da
esquizofrenia, que, de acordo com Dayrell (1996), parece não se ligar a nenhum dos
grupos, porque não se identificam ou porque, de alguma forma, são excluídos,
reconhecidos como os desiguais, e que, de uma maneira ou de outra, passam a
formar o grupo dos ‘diferentes’. Neste caso, a esquizofrenia, quando mal
compreendida, seria um determinante neste processo.
Em cada classe existe uma parcela significativa de diferenciação que
Perrenoud (2000) denomina de selvagem24, em que, na maioria das vezes, não é
considerada ou sequer dominada. Na análise do autor, é fato que os alunos são
tratados de modos desiguais em direitos e deveres, indicando que em sala de aula,
voluntariamente ou não, existe uma forma de diferenciação de ensino e
inconscientemente, ou às vezes contra alguns valores, existe um favorecimento aos
favorecidos. As diferenciações realizadas na sala acabam criando, muitas vezes,
reações de desconforto, colocando as pessoas que a compõem em situação de
alerta.
Mas quem são os diferentes da sala de aula? São exclusivamente
aqueles que têm uma marca aparente e manifesta como indica Goffman (1988)?
São os que se calam, os que não reagem às imposições, os que guardam para si o
descontentamento, a contrariedade, o medo do rechaço, e que por isso não são
percebidos, trilhando o caminho da invisibilidade? A escola insiste em afirmar que os
alunos são diferentes quando se matriculam em uma série escolar, mas o objetivo
ao final é que eles se igualem em conhecimento e que igualmente respondam aos
parâmetros estabelecidos por ela.
A escola tem um mesmo programa para todos, uma dinâmica comum
direcionada a todos, uma abordagem quase única de avaliação para os ‘iguais’ e
para os que são ‘diferentes’, mesmo sabendo que os que são iguais não são tão
iguais assim. Um exemplo disso está na condição do aluno que é pródromo de
esquizofrenia. É sabido que antes de se formalizar o diagnóstico, estes alunos já
apresentam alguns indicativos da patologia, que se manifestam de modo insidioso,
quase que invisivelmente, e estes sintomas não são percebidos ou reconhecidos
como tal, passando o aluno a ser ‘igualmente’ tratado.
24
Grifado pelo do autor.
66
É neste cenário de injunções, então, que se dá a lógica da escola. A
começar pela lógica da universalização do conhecimento, estabelecida no processo
ensino-aprendizagem, onde o conteúdo do que é ensinado, onde as normas, as
regras, e as leis que determinam o cotidiano escolar são elaborados igualmente,
homogeneamente, para todos; onde não se reconhece a totalidade humana dos
alunos, desconsiderando o caráter multicultural e social entre os mesmos; onde a
diversidade
real
parece
ser
reduzida
a
diferenças
apreendidas
quase
exclusivamente na ótica da cognição, e em razão disso se considera a avaliação e
as notas, ao invés do processo de aprendizagem.
Como atuar diante deste cenário? Aos professores cabe reproduzir a
ordem institucionalizada pela organização escolar, ao aluno cabe ir seguindo a
trajetória escolar nos limites que lhe são atribuídos, independente da igualdade ou
da diferença, de serem alunos comuns, de portarem alguma deficiência ou de
estarem à margem da esquizofrenia, e à família fica a possibilidade de permanecer à
margem deste processo. O resultado disso pode estar na retroalimentação do
próprio sistema escolar, o que pode contribuir para que seja ceifada a trajetória
escolar dos estudantes.
67
4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS
“Eu estava em uma escola secundária em Bluefield,
West Virgínia e então eles tinham uma
classificação de que alguém que é o mehor
aluno e isto ou aquilo, e procuravam o mais
popular e talvez o melhor. Eu não era o
melhor aluno, eu fui votado como o mais
original [...] Alguém sugeriu que eu era um
prodígio. Outra vez, foi sugerido que eu
deveria ser chamado de "cérebro" de bugs,
porque eu tinha idéias, mas eram espécie de
buggy não perfeitamente sã.”
(John Forbes Nash)
O que segue trata-se da apresentação dos resultados obtidos nas
entrevistas, visando responder à questão norteadora do presente estudo, cujo
objetivo foi compreender as trajetórias escolares de portadores de esquizofrenia.
Dentro desse objetivo maior ganha destaque a compreensão de educadores a
respeito da esquizofrenia e as ações desenvolvidas junto a estes, assim como os
olhares dos sujeitos portadores envolvidos no processo e de seus familiares. A
apresentação está delineada em três momentos, sendo discutidos aspectos que
envolvem memórias e vivências escolares em portadores de esquizofrenia e seus
familiares, as práticas docentes e sua relação com as questões que envolvem a
esquizofrenia, assim como as perspectivas de futuro daqueles que foram estudantes
e que atualmente portam esquizofrenia.
4.1 MEMÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA
Por memória escolar pode-se entender aqui as lembranças, recordações,
impressões ou ideias que portadores de esquizofrenia e seus familiares empregam
de sua vivência escolar. Recuperar lembranças, no entendimento de Abel (2012), é
o movimento da memória livre e espontânea a partir da interiorização do sujeito.
68
Objetivando apresentar as ideias de Maurice Halbwachs 25 sobre o
trabalho da memória, Schmidt e Mahfoud (1993) escrevem que, para Halbwachs, o
indivíduo que lembra é sempre um indivíduo inserido e habitado por grupos de
referência e que, dessa forma, a memória é sempre construída em grupo.
Descrevendo um pouco mais a obra dele os autores comentam que:
A lembrança, para Halbwachs, é reconhecimento e reconstrução. É
reconhecimento, na medida em que porta o “sentimento do já visto”. É
reconstrução, principalmente em dois sentidos: por um lado, porque não é
uma repetição linear de acontecimentos e vivências do passado, mas sim
de preocupações e interesses atuais; por um lado, porque é diferenciada,
destacada da massa de acontecimentos e vivências evocáveis e localizada
num tempo, num espaço e num conjunto de relações sociais [...] Tanto o
reconhecimento quanto a reconstrução dependem da existência de um
grupo de referência, tendo em vista que as lembranças retomam relações
sociais, e não simplesmente ideias ou sentimentos isolados.
O grupo de referência, neste caso e que alicerça a discussão das
memórias escolares dos portadores de esquizofrenia, é o que está constituído na
instituição escolar.
Nas páginas anteriores procurou-se apresentar a instituição escolar em
sua função social e as práticas docentes que nela são desenvolvidas, bem como os
sujeitos que a compõem. O cenário indica uma escola cujo espaço proporciona um
tempo de aprendizagem, de convivência e de trocas, mas, simultaneamente, um
espaço com um tempo disciplinar e de vigilância, cuja vivência se torna marcada por
uma sociabilidade entre pares de uma mesma faixa etária em relações que escapam
a esse mesmo olhar controlador.
Inseridos também neste espaço, comum a qualquer outra criança ou
adolescente, estão os alunos portadores de esquizofrenia que, antes de serem
marcados por essa diferença, eram alunos comuns e, como tais, vivenciaram a
educação escolar. Uma descrição da trajetória escolar vivenciada pelos portadores
de esquizofrenia, bem como da história clínica, mostrando o curso de seu transtorno
desde o histórico familiar de transtornos mentais, antes mesmo de seu nascimento,
até a faixa dos vinte e cinco anos de idade, estão apresentados nos Apêndices F e
G. A descrição da trajetória escolar está delineada de modo a se observar o caminho
escolar desde a educação infantil até o ensino superior e o que se pode notar é que
25
Sociólogo e matemático francês, nascido em 1877 e falecido em 1945, foi discípulo de Émile
Durkheim, sua obra mais célebre foi o estudo do conceito de memória coletiva criada por ele.
69
as informações descritas parecem estar em acordo com a literatura apresentada nos
capítulos anteriores, principalmente as referentes ao curso da esquizofrenia,
(LOUZÃ NETO, 2004; HALES; YUDOSKY, 2006; ABREU et al., 2006; DITTMAR;
BARBOSA NETO, 2007), significando que em termos de características clínicas e
diagnósticas, os portadores de esquizofrenia participantes deste estudo não estão
muito distantes do que é prevalente.
Observa-se que, em meio a algumas dificuldades ou reprovações, todos
se mantiveram na escola, sem interrupção, até a oitava série e que, paralelamente à
exacerbação dos sintomas psicóticos, quando se formalizou o diagnóstico de
esquizofrenia, a suspensão do processo educativo, na maioria dos casos, ocorreu
antes de se completar o ensino médio, entre os quinze e dezoito anos e que, em
outros casos, procurou-se o ensino supletivo como alternativa para concluir a etapa
do processo educativo. Em relação à interrupção do processo educacional de
portadores de esquizofrenia, uma referência bastante importante está apresentada
pelo DSM IV-TR (APA, 2002), assinalando que quando exacerbados os sintomas “o
progresso educacional frequentemente fica perturbado, podendo o indivíduo ser
incapaz de concluir a escolarização.” (p. 307). Exemplo disso está nos relatos
abaixo:
Aí eu reprovei no Colégio A26, no primeiro ano começou aqueles surtos
mentais e aí acabou tudo. (Pedro)
Depois que veio a doença dele, ele foi afastado por ordem médica
mesmo. (Fabiana)
Foi daí que começou aquela coisa de curso intensivo [...] faziam aqueles
cursos intensivos, dois anos em um ano [...] Eu acabei de fazer o segundo grau,
muito tempo depois de ter parado. (Pascoal)
Enquanto características comportamentais na trajetória escolar dos
portadores de esquizofrenia, a indicação é de que as manifestações se
apresentavam de modo distinto, e eram evidenciadas por retraimento e isolamento
26
O nome dos colégios referidos será mantido em sigilo.
70
social, levando a dificuldades nas relações e interações sociais, como se pode ver
na fala de portadores e de familiares:
Por causa do meu comportamento. Porque eu era muito doentinha.
(Priscila)
Sim, de relacionamento. Era muito difícil o relacionamento dela. De vez
em quando eles chamavam a gente e a mãe vinha correndo. Tava [sic] de briga na
sala com os amiguinhos. (Frederico)
Na sala de aula eu era uma criança reservada. Eu não tinha amigos. Eu
não conversava com ninguém. (Paulo)
No caso elas me chamavam. Me chamavam para dizer que ele tinha
dificuldade com amizade [...] Eles disseram “ah, tu tem [sic] que levar porque ele não
se enturma.” Ele senta na última carteira. Ele não fala com ninguém. Ele não
pergunta nada para professora. (Fabiana)
Na visão dos portadores, havia os que se consideravam bagunceiros ou
tranquilos, mas de igual modo entrosados.
Eu era bagunceiro, mas não assim, sei lá, a ponto de tocar fogo no
professor. A gente fazia muita bagunça, aquela cisma de colocar o lixeiro na porta
pra [sic] cair nele. (Pascoal)
Eu me relacionava bem com as pessoas, eu era tranquilo, calmo, eu
tirava notas boas nas provas. Com os amigos eu me dava bem também. Eu tinha
bastante amigos. Com os professores também, eu me dava superbem com eles,
eles gostavam de mim. (Plínio)
Tais comportamentos ora facilitavam a integração, ora a dificultavam. Às
vezes, mesmo a criança que se julgava bagunceira e que se considerava entrosada
com a turma não era vista assim pela escola, como é o caso de Pedro, que
71
manifesta uma visão de si oposta à que a mãe relata sobre a visão da escola com
relação a ele:
Eu era muito bagunceiro [...] Eu era uma comédia. Eu nunca brigava [...]
Eu era um cara divertido. (Pedro)
Era criança pequena, mas perturbava a sala inteira, aquelas crianças, e aí
não tinha como, né? [sic] Daí não tinha como o professor aguentar ele ali, né? [sic]
(Fátima)
Os relatos podem confirmar o que vem sendo discutido entre
pesquisadores e estudiosos da educação, quando referenciam a diversidade
presente nos alunos. (DAYREL, 1996, GÓMEZ, 1998; OLIVEIRA, 1994). Cada aluno
que chega à escola vem com características que lhe são próprias, com diferentes
níveis de funcionamento, vem de diferentes culturas e de diferentes ambientes
familiares. Chega marcado pela diversidade que pode ser reflexo, também, dos
desenvolvimentos cognitivos e afetivos evidentemente desiguais, em razão da
quantidade e da qualidade de suas experiências. Pode-se dizer, assim, que
“convivem, portanto, nas escolas, modos de pensar e de se expressar que trazem as
marcas diferenciadas de suas origens sociais diferentes.” (OLIVEIRA, 1994, p. 126).
Neste sentido, torna-se necessário considerar o nível de interações no
cotidiano desses alunos, assim como o nível do grupo social e cultural em que estão
inseridos. É neste contexto que os jovens vivenciam, interpretam e percebem as
relações em que estão imersos, se apropriam dos significados que lhes são dados e
os reelaboram (DAYRELL, 1996), sob a limitação das condições que lhes são dadas.
Deste
modo,
justificam-se,
por
assim
dizer,
as
diferentes
manifestações
comportamentais descritas nos relatos acima. De um lado, alunos introvertidos,
calados, sem amigos; de outro lado, alunos bagunceiros, porém divertidos e, de
outro ainda, alunos com bom entrosamento, descrevendo um comportamento
tranquilo, calmo e com um bom nível de relações.
É oportuno ressaltar aqui a reflexão feita por Galvão (1996) sobre os
impactos presentes na prática pedagógica e que, de certa forma, tem semelhança
com os relatos acima. Referindo-se ao cotidiano escolar, a autora lembra que são
comuns as situações de conflito envolvendo professor e aluno e estes com seus
72
colegas. Turbulências e agitação psicomotora, dispersão, crises emocionais e
desentendimentos são alguns exemplos de dinâmicas conflituais e, com frequência,
deixam os envolvidos desamparados e sem saber o que fazer, considerando que
nem sempre se consegue saber com exatidão os fatores responsáveis (GALVÃO,
1996) e que mesmo com alunos ‘bagunceiros’ não-portadores isso poderia ocorrer.
Outro aspecto a ser considerado no que se refere às memórias e
vivências escolares, trata-se do modo como os mesmos descrevem o período
escolar.
Quando eu estudava, eu era um aluno bom. Nunca rodei. Nunca fiquei em
prova final, sempre passei direto. Mas, não sei se é bem isso, faz tempo que eu não
estudo. (Plínio)
Estudava normal [...] a primeira série, normal [...] aceleração [...] Tudo
normal. (Pedro)
Era bom. Eu gostava de estudar. (Priscila)
Os relatos acima sugerem que o período escolar foi considerado, por eles,
como normal, de modo satisfatório. Ainda que ‘não sabendo se é bem isso’ ou ter
feito ‘aceleração’, o entendimento que se pode ter é o de um padrão comum de
escolarização. Porém chama atenção a descrição feita por outro portador de
esquizofrenia a respeito de seu período escolar.
Ah, foi horrível, né? [sic] Eu não me enturmava com os outros alunos, né?
[sic] Desde a quinta série eu sofria bullying, porque quando eu era criança, eu
conseguia um pouco, assim, interagir um pouco com as crianças, mas da quinta
série em diante eu perdi completamente isso [...] e é isso, a escola para mim foi,
como eu posso dizer, foi o pior período da minha vida. (Paulo)
São lembranças lastimáveis considerando que a quinta série, como
referida pelo aluno, é o período em que acontece uma grande revolução na vida
deles. É a fase em que ocorre uma transição entre infância e adolescência e uma
mudança brusca na prática escolar, e, por estas razões, poderia ser dada uma
73
atenção maior, um olhar mais atento de parte daqueles de quem depende o
processo educativo. A questão da timidez e do isolamento, que tanto pode ocorrer
com portadores de esquizofrenia quanto com não-portadores, é agudizada com a
indiferença com que a escola lida com as relações afetivas, mas implicará em
sofrimento crescente para os portadores, considerando o processo pelo qual a
doença se apresenta. Por outros caminhos, pode-se refletir que os estudos sobre o
respeito à diferença na escola e à crítica a qualquer tipo de preconceito e
discriminação contribua, indiretamente, com crianças portadoras de esquizofrenia,
que necessitam de um ambiente acolhedor para estudar.
Vale notar que um ambiente acolhedor tem base em relações de
afetividade e a indiferença a estas na escola é bem discutida no estudo realizado por
Ribeiro, Jutras e Louis (2005), ao analisarem as representações sociais da
afetividade na relação educativa. Os mesmos argumentam que:
Apesar de o discurso oficial sinalizar a importância da dimensão afetiva para
a aprendizagem cognitiva dos alunos em sala de aula, na prática dos
professores de Ensino Fundamental e nos currículos dos cursos de
formação em diversas universidades brasileiras, as relações afetivas são
habitualmente negligenciadas [...] Influenciada pelo pensamento cartesiano,
a escola não considera a dimensão afetiva como objeto de ensino
aprendizagem. Com efeito, privilegia o conhecimento científico lógicodedutivo comparável, racional e objetivo em detrimento do conhecimento
relativo ao corpo, às artes, aos sentimentos e às relações na sala de aula.
(p. 31).
Nestes termos é importante também lembrar Perrenoud (2000), ao
verbalizar que é preciso ter prazer em aprender, e, diga-se, o prazer em estudar em
nada se parece com o sofrimento por estar estudando em um ambiente hostil.
Entende-se que transformar o período escolar de uma criança no pior período de
sua vida, como revela o aluno acima, é o mesmo que fazê-la navegar por águas
escuras no caminho de seu desenvolvimento. É proporcionar um tempo onde as
experiências que deveriam ser de uma riqueza plena passam a ter o caráter de
penalidade, onde as emoções vivenciadas se perdem num calabouço e os
sentimentos de tornam um grande peso. Vê-se, assim, que as dimensões
emocionais e afetivas têm um papel importante no processo educativo e marcam
presença no período escolar, como demonstrado pelos relatos a seguir.
74
Agora eu tô [sic] mais contente, mas eu sinto uma injustiça comigo [...] Eu
quero uma justiça sobre estas coisas que acontece [sic] comigo. (Pedro)
Eu sofria muito [...] (Paulo)
Eu me sentia muito irritada por causa daqueles guris que chacoteavam de
mim. (Priscila)
Diante do que foi verbalizado pelos portadores de esquizofrenia, é
possível observar a necessidade em se ampliar o olhar sobre o aluno, de percebê-lo
também em sua dimensão emocional e afetiva. A este respeito, vale ressaltar a obra
de Henri Wallon, cuja teoria tem a afetividade como tema central. A posição de
Wallon a respeito da importância da afetividade para o desenvolvimento da criança é
bem
definida.
Para
ele,
ela
tem
papel
imprescindível
no
processo
de
desenvolvimento da personalidade, estando sua formação na dependência de
fatores orgânico e social. (ALMEIDA, 2008).
Wallon também privilegia a relação entre os domínios afetivos e cognitivos
à medida que cria uma teoria de desenvolvimento da personalidade, defendendo a
ideia de que este desenvolvimento, de modo interdependente, oscila entre
movimentos ora afetivos, ora cognitivos, ou seja, a afetividade interfere na
inteligência enquanto vai se desenvolvendo e vice-versa. Assim, afetividade e
inteligência se constituem numa dupla inseparável na evolução psíquica, pois,
embora
tenham
funções
bem
definidas
e
diferenciadas
entre
si,
são
interdependentes em seu desenvolvimento, contribuindo para que a criança atinja
níveis de evolução cada vez mais elevados. (ALMEIDA, 2008). Exemplos da relação
entre afetividade, inteligência e cognição podem ser vistos no relato de um portador
de esquizofrenia ao ser questionado sobre como se sentia na escola.
Daí eu sofria muito também porque no Seminário 27 a gente estuda no
Colégio B, e eu sofri muito [...] No primeiro dia de aula a professora começou a
ensinar um negócio lá e eu não entendia nada daquilo eu fui começando a ficar
27
Este aluno frequentou por alguns meses, em sistema de internato, um Seminário, sendo que um
período do dia era dedicado às aulas do processo de escolarização que aconteciam em uma
escola da cidade.
75
deprimido [...] Tinha medo. Medo de não aprender, medo de ninguém querer fazer
trabalho de grupo comigo. (Paulo)
Fica claro então que, enquanto caráter inerente ao ser humano,
independente da idade, do tempo ou do lugar em que este se encontre, as emoções
e os sentimentos, componentes que são da afetividade, têm um papel fundamental e
em situação de sala de aula. Conforme sugere Galvão (1996), cabe ao professor
não desconsiderá-las. É na sala de aula, também, que têm lugar os processos de
ensino aprendizagem, neste sentido, pode-se conceber a sala de aula como uma
comunidade de aprendizagem em que “existem relações recíprocas entre docentes
e alunos e destes entre si, em torno da aprendizagem dos conteúdos escolares”
(DUK, 2006, p. 172), na busca pelo conhecimento escolar que, para Dayrell (1996),
torna-se ‘objeto’, ou ‘coisa’ a ser transmitida à medida que são materializados nos
programas e livros didáticos. Assim, “ensinar se torna transmitir este conhecimento
acumulado e aprender se torna assimilá-lo” (p. 4). Porém, o percurso para este
processo nem sempre acontece de modo linear. O processo ensino-aprendizagem
poderá ser melhor ou pior dependendo da condição do aluno, alguns com mais
outros com menos facilidade.
Nos relatos abaixo se observa como portadores de esquizofrenia
descrevem este processo ao longo de sua trajetória escolar.
Não tive dificuldades nenhuma, se eu quisesse aprender eu aprendia, se
não eu tirava nota baixa. Com droga tudo, eu estudava normal [...] não tinha
dificuldade [...] ia pela minha cabeça lá [...] (Pedro)
Tinha uma grande dificuldade, principalmente matemática, física, química,
biologia, português, inglês [...] Só era bom mesmo era na matéria de história. Eu não
conseguia aprender. Eu não aprendia o que os professores me ensinava [sic], né?
[sic] (Paulo)
Tinha dificuldade em matemática só, em cálculo [...] Eu era bom no
exercício, mas chegava na hora da prova eu não tirava nota boa. (Plínio)
Sempre fui ruim em matemática. (Pascoal)
76
A matemática, conforme indicado anteriormente, parece ter sido o
elemento principal das dificuldades apresentadas no processo de aprendizagem dos
portadores de esquizofrenia. Mas, conforme argumenta Gardner (1994), esta é uma
característica que parece ser comum a um número expressivo de estudantes. O
autor refere que há um fascinante conjunto de estudos que documentam a
fragilidade da compreensão da matemática, e que esta incompreensão abrange as
diferentes áreas que a compõem. Ao listar variáveis que podem contribuir para as
dificuldades no aprendizado da matemática, Gardner (1994) sugere que talvez a
maior delas seja referente às apreensões errôneas dos estudantes do que realmente
está em jogo quando lhes é apresentado um problema, pois “é raro o fato de ver a
matemática como um meio de compreender o mundo, de esclarecer um fenômeno,
como um tipo de conversação ou empreendimento.” (p. 144). O saber matemático
não se apresenta ao aluno como um sistema de conceitos, permitindo-lhe resolver
um conjunto de problemas, mas como um interminável discurso simbólico, abstrato e
incompreensível. Uma razão para isso talvez seja o disposto nos Parâmetros
Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), no volume dedicado à matemática. Para os
organizadores do documento, a importância de se levar em conta o conhecimento
prévio dos alunos na construção de significados quando do ensino da matemática
geralmente é desconsiderada e
na maioria das vezes, subestimam-se os conceitos desenvolvidos no
decorrer da atividade prática da criança, de suas interações sociais
imediatas, e parte-se para o tratamento escolar, de forma esquemática,
privando os alunos da riqueza de conteúdo proveniente da experiência
pessoal. Outra distorção perceptível refere-se a uma interpretação
equivocada da idéia de “cotidiano”, ou seja, trabalha-se apenas com o que
se supõe fazer parte do dia-a-dia do aluno. Desse modo, muitos conteúdos
importantes são descartados ou porque se julga, sem uma análise
adequada, que não são de interesse para os alunos, ou porque não fazem
parte de sua “realidade”, ou seja, não há uma aplicação prática imediata.
Essa postura leva ao empobrecimento do trabalho, produzindo efeito
contrário ao de enriquecer o processo ensino-aprendizagem. (BRASIL,
1997, p. 22).
Entende-se, portanto, que a dificuldade dos portadores de esquizofrenia
na compreensão da matemática pode ser a mesma de qualquer outro aluno, assim
como o é qualquer outro elemento do processo de ensino-aprendizagem. O relato de
uma mãe e de um pai indica que, em termos de aprendizagem e embora estes
alunos estivessem em fase prodrômica, em que ainda não há manifestação franca
77
dos sintomas da esquizofrenia, sua trajetória escolar parece ter ocorrido dentro do
que se espera de um aluno quando ingressa no processo educativo da escola.
Ótimo, ele era primeiro aluno. Tudo ótimo no boletim dele. As professoras
mesmo ficavam [...] Até hoje elas perguntam pra [sic] mim, por ele: ‘Como que ele foi
ficar doente se ele era um ótimo aluno?’ Ganhava tudo nota boa. Ele sabe tudo, né?
[sic] (Fernanda)
Ela aprendeu tudo, aprendeu tudo. Ela tem uma capacidade técnica que
tu não imagina [sic]. Muito inteligente. Guarda tudo. Dava aula para os irmãos.
Corrige a gente, em texto de português às vezes a gente emprega na frase um verbo
errado ou o sujeito errado ela corrige na hora. E ainda hoje faz isso. Incrível,
aprendeu mesmo [...] Aprendeu mesmo, tudo. (Frederico)
Entretanto, na visão de outros portadores de esquizofrenia o resultado da
aprendizagem, quase sempre medido pela avaliação através de provas, não
aconteceu no tempo e na ordem das propostas educativas. Dois deles fazem o
seguinte relato:
Foi que eu tive uma confusão com a prova final do Colégio A, com os
playboys, mas não foi nada de grave, acabei rodando, por culpa minha mesmo [...]
Lembro do meu primário, da escola, lembro tudo, primário ficava só em recuperação,
na primeira série na segunda série, terceira série, nunca passei direto em nenhuma
matéria. (Pedro)
Chegou na quinta eu passei, aí tinha acabado a aprovação automática, aí
eu cheguei na sexta, eu fiz três vezes a sexta série [...] Duas repetências, na terceira
eu passei. (Pascoal)
Cabe aqui um questionamento dos mecanismos pelos quais se processa
a avaliação na escola. Em termos gerais, para Sacristan (1998), a avaliação serve a
múltiplos objetivos, tanto para quem está sendo avaliado como para a instituição
escolar, para os professores, para a família ou para o sistema social, e seus
resultados, ainda que sejam discutíveis seus procedimentos, servem para pensar,
78
investigar, planejar e fazer política educativa sobre a educação. Reportando-se a
Perrenoud, Sacristan (1998) ainda refere que no conteúdo da avaliação está inserida
a ideia de excelência escolar, servindo para indicar o que funciona melhor ou pior,
constituindo-se, assim, a base para manifestar desigualdades entre os sujeitos.
Ao cumprir uma função seletiva e hierarquizadora à medida que compara
os rendimentos dos alunos, a avaliação reduz o conhecimento apreendido a
resultados e conclusões. A ênfase centrada basicamente nos resultados da
aprendizagem, medida pela avaliação, é visível no relato de um portador de
esquizofrenia ao dizer que “era bom no exercício, mas chegava na hora da prova
não tirava nota boa.” (Plínio)
Dessa forma, este tipo de prática avaliativa e classificatória se torna “uma
prática anti-social, pois não se trata de escolher os melhores por suas conquistas, ou
por serem aptos ou não, mas para proporcionar oportunidades para que todos
adquiram a cultura básica e cheguem ao final” (SACRISTAN, 1998, p. 325). Neste
sentido, é oportuno lembrar Esteban (1999/00), ao referir-se à avaliação como uma
prática de exclusão. Em sua concepção a avaliação enquanto atividade
classificatória seleciona “os que sabem28 e os que não sabem, tratando saber e não
saber como pólos antagônicos, excludentes” (p. 71). A autora afirma que se há
homogeneidade nos instrumentos de avaliação, há também uma busca de
homogeneização nos resultados, e que somente assim será possível criar
hierarquias que permitam a classificação e a seleção, indícios que são das
possibilidades de inclusão ou exclusão.
No caso de portadores de esquizofrenia o processo avaliativo e de
exclusão combina-se diretamente a questões de estigmas e preconceitos e está bem
documentado na literatura. (GOFFMAN, 1998; BEYER, 2006; JESUS, 2006). Se a
avaliação pode servir como mecanismo de inclusão ou exclusão durante a trajetória
escolar dos portadores de esquizofrenia, estar apresentando características prémórbidas do transtorno ou ainda estar em tratamento após a eclosão dos sintomas,
também. Quanto questionados a respeito de terem vivenciado alguma situação de
preconceito ou de estigma durante a vivência escolar, portadores de esquizofrenia
fizeram os seguintes relatos:
28
Grifos da autora.
79
Creio que sim, pela timidez [...] Eu sofria gozação [...] Por causa do meu
isolamento, porque eu era diferente. Nos primeiros anos que eu comecei a ter
problema, eu sofri muito, eu não tinha apoio, porque era ‘vadio’, não queria ‘estudar’,
‘trabalhar’. (Paulo)
Eles me chamavam de feia, me davam susto [...] Porque eles não
gostavam de mim. (Priscila)
Não [...] Quem não me conhece, não sabe. Mas é uma coisa que não é o
que os outros dizem, mas é o que eu me percebo, né? [sic] (Plínio)
Já fui alvo de gozação, isso é normal [...] Aquela brincadeira ‘vai te
internar seu maluco’ [...] Aquele professor do Colégio D, que vivia me chamando de
pé-de-fumo, aí esse professor malhava bastante. Eu digo malhava porque zombava
o aluno em sala de aula. (Pascoal)
Caberia aqui uma extensa discussão acerca de temas que marcam o
caráter preconceituoso e estigmatizante da esquizofrenia, até porque, ao longo do
tempo, este foi e é um elemento marcante na trajetória de seu portador e contribui
para comprometer diversas áreas de sua vida. Porém, com base nos relatos, podese analisar que a esquizofrenia, enquanto patologia e enquanto diagnóstico fechado,
não parece ter sido o principal elemento para colocar os portadores como alvos de
preconceitos ou discriminação. Neste momento de sua trajetória escolar, ser
diferente ou estar fora da norma parece ter sido o indicador do caráter
estigmatizante que a diversidade provoca. Certamente este é um fator que leva ao
desconforto e ao sofrimento, como denunciado nos relatos.
Sentir-se diferente na escola e por esta razão ser alvo de gozações, tanto
de parte dos colegas como de alguns professores, como exemplificado nos relatos
acima, seguramente marca uma condição comprometedora, cujo resultado afeta
desde o desempenho escolar e as relações que se formam até mesmo a
constituição da identidade e, como argumenta Goffman (1988), pode “afastar o
indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma
pessoa desacreditada frente a um mundo não receptivo.” (p. 28).
Diante disso questiona-se a participação da escola neste processo, à
80
medida que, sob esta afirmativa, estaria sendo demonstrado seu caráter excludente.
É oportuno lembrar que:
A escola historicamente se caracterizou pela visão da educação que
delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi
legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem
social. A partir do processo de democratização da escola, evidencia-se o
paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o
acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora
dos padrões homogeneizadores da escola. (BRASIL, 2008, p. 9).
Ao
formalizar
padrões
homogeneizadores
a
escola
seleciona,
selecionando ela exclui. A exclusão é, então, uma face da seleção e pode ser
visualizada no relato de um pai e uma mãe ao comentarem sobre a trajetória escolar
de seus filhos, hoje com esquizofrenia.
Mandaram embora, não deram conta. (Fátima)
A direção recomendou que não teria condições, disseram que no segundo
grau ela não iria aguentar, vai haver muita briga e tudo mais. Então ‘quem sabe tu
não parte [sic] com ela para fazer outras coisas, tipo pintura, arte, aula de inglês,
aula de música, coisa assim? Sociabilizar dessa maneira porque a escola não tem
condições de acompanhar. (Frederico)
Talvez aqui se traduza o modelo escolar descrito por Citelli (2000) cuja
construção baseia-se em eixos como exclusão, hierarquia e a coerção. Na
concepção do autor, a tendência neste tipo de escola é de elaborar programas
educativos fechados em que não se ajustam comportamentos que possam levar à
quebra das sequências hierárquicas, justificadas pela lógica da melhor escolha do
conteúdo e pela autoridade de quem os selecionou. Assim os mecanismos
excludentes são disciplinadores paradoxalmente sem que, necessariamente, se
recorra a gestos punitivos frontais, “mas que pode determinar o sucesso ou o
fracasso do percurso escolar, permitindo ao aprendiz mudar ou não de série.”
(CITELLI, 2000, p. 85), ou então, como no caso acima, rejeitar a condição de aluno
ao recomendar que o mesmo se afastasse da escola, como referiu Frederico. O
ensino necessita, desse modo, adotar estratégias voltadas a produzir dinâmicas
inovadoras que sejam capazes de operar com a singularidade e as particularidades
81
que marcam a trajetória dos alunos, à medida que estes sejam pensados como
sujeitos sociais, ao invés de ser um ensino baseado no princípio sobre o qual todos
devem saber a mesma coisa ao mesmo tempo (CITELLI, 2000), como visto no relato
do aluno abaixo.
Sempre fui ruim em matemática. Levei tanto castigo de tabuada, que
acabei ficando traumatizado de tanto castigo! Aquela dez vez [sic] a tabuada de 1 a
10 [...] acabei ficando neurótico! Na sexta série tinha esse negócio de tabuada. Sou
muito ruim em matemática, sei lá, de tanto castigo que eu tomei, acabei ficando ruim
em tabuada. (Pascoal)
Para Gómez (1998) a importância do ensino está no pensamento, na
capacidade e no interesse do aluno e não exclusivamente na estrutura das
disciplinas. Para tanto “o docente deve conhecer o estado atual de desenvolvimento
do aluno/a, quais são suas preocupações, interesses e possibilidades de
compreensão.” (GÓMEZ, 1998, p. 69).
Quando as dificuldades ultrapassam as possibilidades e não são
reconhecidas, o ambiente se torna tenso, improdutivo e conflituoso, fazendo valer o
controle através do castigo, confirmando assim a exclusão e a coerção. Igualmente,
o relato de um pai denota a tensão no ambiente:
Era muito difícil o relacionamento dela porque quando qualquer professor
cobrava alguma coisa dela, que ela ia explicar, o aluninho dizia uma piada e era
motivo para transtornar toda a pergunta dela em relação da professora em relação a
ela [sic]. Ela já desviava a atenção e já partia de briga com o aluninho. (Frederico)
A cultura da escola é permeada por tensão, particularmente quando se
combinam situações avaliativas públicas e de exposição, que acendam um clima de
competição e zombaria. As piadas, como descritas acima por F3, podem reforçar a
dificuldade de comportamento sociável, essa sim uma característica mais forte da
esquizofrenia e já presente no estado pré-mórbido.
De um modo ou de outro, então, a escola produz a exclusão para quem
tem dificuldade na aprendizagem, mas que só será sentida de modo diferenciado
82
pelo aluno portador de esquizofrenia mais tarde, quando ele manifestar o
aprofundamento dos sintomas e a dificuldade de permanecer na escola.
Sempre fui um bom aluno, brincalhão, mas sempre bom aluno. Não posso
dizer ‘ah, o pior aluno’. Eu fui expulso do Colégio C porque eu gazeei prá [sic] jogar
fliperama, olha só, isso é motivo prá [sic] expulsar o aluno? Qual criança de quinta
série que não dá uma gazeada na aula? Quem não gazeia prá [sic] jogar? Fui
expulso! (Pascoal)
No primário mesmo eu faltava um monte de aula prá [sic] jogar bola, era
uma doideira. (Pedro)
São as regras, as normas, as leis da escola sendo aplicadas. Será que o
caminho não poderia ser outro? O que acontece no interior da escola que faz com
que um aluno, embora sendo ‘bom aluno’, opte por ‘gazear’ para jogar fliperama e
outro ainda falte às aulas para jogar bola? Estaria o desejo de estudar e de aprender
destinado ao fracasso? A resposta parece estar em Perrenoud (2000), ao afirmar
que só se pode desejar aprender e desejar saber quando o jogo da aprendizagem é
oferecido em situações abertas, estimulantes, interessantes, onde se possa
aprender rindo, brincando, tendo prazer. Reforçar a decisão por aprender não é
“envolver o aluno em uma concepção de ser sensato e responsável, que não
convém até mesmo à maior parte dos adultos.” (PERRENOUD, 2000, p. 71). Neste
caso, o jogo da ordem, da interdição, parece não ser a melhor opção.
De outra forma, os alunos que se manifestavam de modo satisfatório
perante a escola lembram-se de ter recebido outra deferência. A estes a
receptividade parece ser diferenciada à medida que a ‘adequação’ se efetivava nos
moldes do que se espera que aconteça.
Eu me relacionava bem com as pessoas, eu era tranquilo, calmo, eu
tirava notas boas nas provas [...] concentração eu tinha bastante, desejo por
aprender também, eu tinha bastante [...] eu gostava de estudar, fui um ótimo aluno.
Com os amigos eu me dava bem também [...] eu me dava superbem com os
professores, eles gostavam de mim. (Plínio)
83
Assim como há alunos que se mostravam isolados, dispersos ou
desinteressados, como nos relatos anteriores, há aqueles que demonstravam
estarem firmes nos propósitos da organização escolar, como no relato acima.
Enquanto têm bons relacionamentos, se mostram com desejo em estudar e obtêm
bons resultados nas avaliações, asseguram uma resposta positiva. É uma realidade
desconcertante? Sem dúvida. Adequar o acolhimento, o afeto e receptividade de
acordo com o modo como o aluno se mostra ou quais resultados ele apresenta
significa transcorrer no caminho da desconsideração pela subjetividade e pelo
sofrimento que possa resultar.
Este aspecto é bem lembrado pelo professor Jorge Ramos do Ó 29, em
entrevista realizada por ocasião de sua participação na Jornada de Pesquisa em
Educação e Cultura, promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da
ULBRA, em 2007. Discutindo sobre novas configurações da escola no século XXI e
tratando especialmente das novas subjetividades, o professor Jorge declara que:
Embora se fale muito na diferença da criança, que cada criança é uma
criança, você tem todo um currículo escolar desenhado para a construção
de grupos de alunos idênticos. O professor se acostumou a dirigir-se ao que
ele pensa ser o aluno médio. Portanto, você tem por um lado uma forte
pressão sobre as crianças para se “normalizarem” e, por outro, princípios de
forte estigmatização. E essa estigmatização é tão importante porque ela
leva ao princípio da “normalização” e atinge áreas muitos diferentes. Você
pode ter muito valor no plano da sua inteligência, mas se não for bonito ou
autocontrolado não terá sucesso. Nós estamos a construir, em nome dessa
homogeneidade que ninguém fala, crianças com muito sofrimento e uma
30
fortíssima vigilância face a um padrão normal.
O aluno médio buscado é aquele aluno autocontrolado e que consegue
introjetar as referências de normalização que a escola impõe e espera. Nesse
sentido, inadequação por rebeldia ou por dificuldade de relacionamento se misturam
no caso de um portador de esquizofrenia e a alta exigência uniformizadora da escola
só aprofunda as dificuldades de permanência na escola.
Desde pequeno ele era rebelde na escola, já era essa pessoa
atrapalhada. Todas as escolas que [sic] ele ia, eles expulsavam, porque ele era
29
30
Professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa.
Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/6653/3970>. Acesso em: 18
ago. 2011.
84
rebelde. Ele era rebelde como assim, que não prestava atenção, que saía, ia jogar
bola, essas coisas. (mãe, Fátima)
Será que a rebeldia sinalizava que algo precisava ser feito, um pedido de
quem precisava ser visto, ouvido? Se a intenção era esta, não parece ter sido
percebida como tal. Pelo contrário, a rebeldia foi banida. Estas ações dão a entender
que ocorre na ação pedagógica uma dicotomia entre cuidar e educar, em que o
educador, preocupado apenas com o educar, acaba excluindo o cuidar de sua
prática. (FOREST; WEISS, 2003).
De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil
(BRASIL, 1998), cuidar é, sobretudo, dar atenção ao aluno como uma pessoa que
está em desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando e
respondendo às suas carências. Carvalho (1999) estabeleceu em suas pesquisas
um questionamento à ideia de que o cuidado é apenas uma prerrogativa da
educação infantil e deve, sim, ser uma qualidade de educadores no decorrer da
educação, pois é o cuidado que sustenta a base afetiva da relação entre professores
e alunos. Em concordância com essa ponderação, cuidar é muito mais que
simplesmente ensinar, é muito mais do simplesmente ‘dar um jeito’. A necessidade
do cuidado passa, inclusive, pela forma de ensinar, se ela é relacional ou não, que é
perceptível na necessidade apontada pelo aluno à mãe, no exemplo abaixo:
Ele mudou para o Colégio E e ele pegou esse professor. E dizia que o
jeito que o professor ensinava ele não pegava. E o professor não era muito paciente
com ele. Aquela coisa ‘dá teu jeito’ – dizia assim, né? [sic] E um dia ele chegou em
casa e disse assim: ‘Ah, mãe! Nunca vi um professor que a gente pede prá [sic]
explicar e ele diz: ‘dá teu jeito’, mas eu estou lá para aprender. (mãe, Felícia)
O cuidado, na prática pedagógica, é demonstrado também pelo interesse
no que o aluno sente e pensa, pelo que ele conhece de si e do mundo. Para cuidar é
necessário primordialmente estar comprometido com o outro e ser solidário às suas
necessidades, bem como confiar em suas capacidades, pois disso vai depender a
construção de um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado (BRASIL, 1998). É
uma ação que compete aos educadores não somente enquanto processo educativo,
85
mas também como um constituinte das relações humanas, como é o próprio ato de
ensinar.
Considerando que o ato de ensinar implica em ir além do que dar conta
dos conteúdos curriculares da instituição, o cuidado na educação poderia estar em
favor de uma visão integradora do desenvolvimento do aluno e baseada em
concepções que respeitassem a diversidade, o momento e a realidade peculiar de
cada um deles. Assim, o educador, principalmente na figura do professor,
necessitaria estar em vigilância constante para que suas ações não se transformem
em rotinas mecanizadas, inclusive delegando ao aluno a tarefa solitária de aprender
como se viu na frase “dá teu jeito”. O cuidado significa considerar, sobretudo, as
necessidades das crianças, que, quando observadas, ouvidas e respeitadas, dão
pistas importantes sobre a qualidade do que estão recebendo. (BRASIL, 1998). O
relato de uma mãe apresenta essa necessidade de acolhimento.
É porque a pessoa sendo bem acolhida, como que é? Quando a pessoa
não é bem acolhida o que faz? Vira as costas e vai embora. A pessoa quer ser bem
acolhida. E ele sempre foi muito carente de tudo isso, sabe?! O P5 sofreu muito com
perda assim, com falta de pai, sabe, ele tinha um sofrimento muito grande. Ele tinha
uma carência. [...] Na escola não acontecia nada disso, não faziam pergunta nada,
era só ali o básico, o trivial, vamos dizer. E deixavam à deriva. (mãe, Felícia)
A descrição acima feita pela mãe permite pensar que a escola se manteve
indiferente às necessidades afetivas de seu filho. Vê-se, assim, que a prática
educativa poderia contemplar o cuidar (na forma de acolhimento) e o educar como
ações entrelaçadas de disponibilidade constante ao diálogo pelo educador. Nesse
sentido, as ações relativas ao cuidar ressaltariam o desenvolvimento integral do
aluno, envolvendo, dentre outros, os já referidos aspectos cognitivos, relacionais e
afetivos. Fica claro, então, como sustentam Forest e Weiss (2003), que o “papel
designado ao cuidar abrange o envolvimento e o comprometimento do professor
com a criança em todos os seus aspectos, bem como a compreensão sobre o que
ela sente e pensa, o que traz consigo, a sua história e seus desejos.” (p. 4). O que
aparece nos relatos permite pensar que o educador, muitas vezes, permanece no
lugar comum e não vai além, na tentativa de reconhecer o desejo, identificar os
sonhos e os planos, e encontrar caminhos para motivação do aluno à aprendizagem.
86
Quando isso não acontece, a trajetória escolar pode ser ceifada, como mostram os
relatos de uma mãe e um pai.
Porque na época que ele parou de estudar, ele não se enquadrava com o
professor de matemática [...] Na época que ele parou mesmo. (Felícia)
Como o convívio social dela era muito ruim, tanto com os alunos quanto
com os professores, a direção da escola recomendou que ela não teria condições de
continuar, embora tenha passado até a oitava série, dado satisfatoriamente porque
não rodou até a oitava série. Recomendou que não teria condições, disseram que no
segundo grau ela não iria aguentar, vai haver muita briga e tudo mais. (Frederico)
O entendimento que se tem destes relatos é de que o desejo por ensinar
parece não ter sido suficiente para mobilizar o conjunto da escola ao ato de
aprender. A acomodação de algumas escolas diante das dificuldades dos alunos
pareceu ser maior que o desejo dos alunos por manterem-se nela. A instituição
escolar lida quase sempre com a ideia de que o interesse, o desejo de saber e a
vontade de aprender estão intrinsecamente presentes em todos os alunos e ignoram
que, na falta destes pré-requisitos em alguns deles, apostam numa motivação
extrínseca (PERRENOUD, 2000). Se tal motivação não ocorre, o trajeto da
aprendizagem pode seguir por caminhos tortuosos e chegar ao ápice em forma de
renúncia.
Explodiu mesmo, eu não aguentei mais. O seminário é um tipo de quartel,
lá tu tem [sic] horário pra [sic] tudo, tem hora pra [sic] dormir, tinha um monte de
obrigação. A pressão da escola, a pressão do seminário, porque no seminário o
estudo é muito rigoroso [...] Eu já tinha dificuldade de aprender, mais com os
remédios eu não conseguia prestar atenção em nada. Eu fugia da escola [...] Não
aguentei. (Paulo)
Ele não estava conseguindo, daí ele parou [...] Então, quer dizer, ele foi
indo, foi indo e desistiu. Até que um dia ele disse: ‘Eu não vou mais’ [...] E eu disse:
‘Vou fazer o quê?!’ [...] Foi lá que ele parou de vez. Aí parou mesmo. (Felícia)
87
A partir destes relatos de mãe e filho, concorda-se com Perrenoud (2000),
ao afirmar que, “salvo para alguns, aprender exige tempo, esforços, emoções
dolorosas: angústia do fracasso, frustração por não conseguir aprender, sentimento
de chegar ao limite, medo do julgamento de terceiros.” (p. 70). É preciso muito mais
que simplesmente ensinar e educar. É preciso estar atento ao que acontece no diaa-dia da sala de aula, ampliar o olhar ao horizonte do aluno e perceber, em muitos
casos, o que está além daquilo que é aparente.
4.2 PRÁTICAS DOCENTES E ESQUIZOFRENIA
Por se tratar de um espaço coletivo, a instituição escolar é o resultado de
um jogo de interesses onde, de um lado, está uma organização oficial do sistema
escolar e, de outro, os sujeitos que a compõem. Intermediando esta relação está o
processo educativo que, na concepção de Rodrigues (1984), é entendido como uma
“forma de reproduzir o modo de ser e a concepção de mundo de pessoas, grupos e
classes, através da troca de experiências e de conhecimentos.” (p. 69). Mediatizado
pela autoridade pedagógica do educador, este processo envolve crenças, ideias,
valores, ética e formas de trabalho e de organização, e para reproduzi-los a
educação deve abranger práticas de produção de vida social, abrangendo, entre
outras, a preparação dos indivíduos mais jovens para a ação futura na sociedade, a
transmissão da herança cultural e de novas formas de trabalho, assim como a
socialização de processos produtivos de bens materiais e espirituais. (RODRIGUES,
1984).
Neste sentido e na forma tal como é concebida por Citelli (2000), a escola
deve ser um espaço de trabalho onde ocorra a passagem de um lugar-comum para
o conhecimento elaborado, transformando a matéria empírica em conceito, e que,
igualmente, ensine o sujeito, neste caso o aluno, a reconhecer-se no processo de
transformação, transformando-se. Para tanto, “o aluno deve ser entendido como
sujeito com31 linguagem que exercita um discurso central para a efetivação do ato
pedagógico” (CITELLI, 2000, p. 111), estabelecido na prática docente.
31
Grifo do autor.
88
Em se tratando da prática docente, é intenção compreendê-la tal como
formulada por Sacristan (1998) e referida por Oliveira Penna (2008), para quem as
práticas docentes expressam aspectos da cultura escolar, uma vez que os
professores compartilham condutas, crenças, formas de compreensão, emoções e
valores e cujos padrões de comportamentos são apreendidos e exercidos em
decorrência das finalidades implícitas e explícitas designadas pela instituição
escolar. A prática docente envolve, assim, um propósito claro e irrenunciável de
provocar uma aprendizagem a qual Gómez (2001) denomina de relevante, já que
facilita a reconstrução de esquemas intuitivos de pensamentos, sentimentos e
conduta do aprendiz.
Uma definição de prática docente envolve, no entendimento de Gómez
(2001), duas concepções e posições relativamente distintas. De um lado, uma
concepção política do docente como um intelectual comprometido com o processo
de libertação do indivíduo, dos grupos e das culturas, e, de outro, uma concepção
mais liberal, reafirmando o propósito de facilitar a reflexão e o contraste de cada
indivíduo com as reflexões subjetivas dos demais.
Em ambos os enfoques, o professor é considerado um profissional
autônomo que reflete criticamente sobre a prática cotidiana para
compreender tanto as características específicas dos processos de ensinoaprendizagem como do contexto em que o ensino tem lugar, de modo que
sua atuação reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e emancipador
dos que participam do processo educativo. (p. 301).
Sobre a ação docente, Gómez (1998) analisa que, mesmo na sala de
aula, onde reina uma aparente disciplina e ordem impostas unilateralmente pela
autoridade do professor, ocorre um intenso e cego movimento de resistências que
minam todos os processos de aprendizagem desejados, provocando no pensamento
e na conduta dos alunos os efeitos contrários aos explicitamente pretendidos,
fazendo com o que o professor acredite estar governando toda a vida da aula,
quando, na verdade domina apenas a superfície. Para o mesmo autor (1998), as
diferenças nas características culturais e nas expectativas sociais, assim como as
diferenças nas atitudes e apoio familiares transformam a escola uniforme e criam
barreiras e obstáculos intransponíveis para alguns grupos de alunos, incluindo
aqueles com esquizofrenia, distanciados socialmente das exigências cognitivas,
instrumentais e comportamentais que caracterizam a vida acadêmica.
89
A esquizofrenia apenas agudiza este distanciamento. Os obstáculos
diante desta condição estigmatizante parecem colocá-la a certa distância da escola,
à medida que a compreensão dela, neste contexto, é mínima ou nenhuma, como
demonstrada nos relatos abaixo. Quando questionados acerca de seu entendimento
sobre a esquizofrenia, os educadores fizeram as seguintes descrições:
É transtorno mental ou é transtorno, não é mental, né? [sic] Eu acho que
é um transtorno do comportamento, né? [sic] Assim, a gente viu como transtorno do
comportamento aqui na escola [...] E percebia pela avaliação que a gente fazia,
assim e pela observação da criança. (Edna)
Não, eu não sei dizer. Eu não sei descrever direito o que é. Eu conheci
um pouco por causa do terceiro caso que tivemos. (Elena)
Eu saberia descrever alguns comportamentos que nós vimos, mas dizer o
que é esquizofrenia, não. (Ester)
Pode-se pensar, a partir dos relatos, que a esquizofrenia passou pela
escola, mas ainda assim de modo a não mobilizar os educadores a um
aprofundamento acerca de seu significado na totalidade. O reconhecimento parece
ter sido pela observação no comportamento dos alunos, o que não seria de
estranhar, pois afinal são comportamentos visíveis. O que não ficou claro e que
careceria de uma descrição maior diz respeito a quais comportamentos as
professoras estariam se referindo e o que, nestes comportamentos, possibilitaram o
entendimento de que eram decorrentes da esquizofrenia. Talvez aqui se crie uma
armadilha em torno da diferenciação entre comportamentos de alunos comuns e de
alunos portadores de esquizofrenia.
Eu nunca tive um contato próximo com a pessoa. Sei que pelo que a
gente sabe, pelo que a gente conhece, são pessoas que têm determinadas
alucinações. Determinadas ideias e, muitas vezes, ao mesmo tempo em que têm
vontade de morrer, por exemplo, acabam fazendo situações assim de próprio [sic] se
matar. Sei disso por conta de relatos assim, que a gente escuta. (Eleonora)
90
Penso que é uma pessoa que desenvolve uma doença mental, né? [sic]
Não uma deficiência, mas uma doença mental. Eu não sei te dizer mais do que isso.
Aí, desenvolve transtornos ligados à depressão, e uma série de outras patologias. O
meu conhecimento é isso, é aquela pessoa que desenvolve uma doença mental.
(Emília)
A noção de sintoma e de doença é ressaltada, mas igualmente sem um
significado abrangente deste conhecimento. Está bem claro e amparado na literatura
que a esquizofrenia é uma doença e como tal apresenta diversas características,
tanto comportamentais como sintomáticas, porém a compreensão dos educadores
acerca dela parece limitar-se apenas ao termo. Ainda que os termos transtorno e
doença mental tenham aparecido na descrição feita pelos educadores, estes
aparecem de forma generalizada indicando apenas conjecturas, dando a ideia de
que o educador se aproxima da descrição, mas de modo vago e sem certeza, sem
um complemento que seja fiel ao que define a patologia.
Como referido anteriormente, a esquizofrenia é um transtorno mental, cuja
característica essencial é a presença de sintomas psicóticos, como as alucinações,
delírios e comportamentos desorganizados, termos que também aparecem nos
relatos, mas que igualmente demonstram apenas a sua descrição, sem trazer
necessariamente uma interpretação de seu significado. Qual a razão para este
desconhecimento? A escola não conhece a esquizofrenia. Se a esquizofrenia não é
conhecida na escola, como será identificada?
A dificuldade em conhecer o aluno portador de esquizofrenia pode ser
entendida pela base com que a escola busca conhecer o conjunto de seus alunos:
desconhece as diferenças, as histórias, as experiências e o apresenta de um modo
vago e idealizado. É o que mostra Esteban (2006), ao delinear a imagem de uma
sala de aula que é pensada, com frequência, no singular, professor e aluno no
singular, com identidades definidas e posições fixas, tanto no espaço geográfico
quanto no espaço relacional. Porém, na constatação da autora:
Por mais ordenada que uma sala de aula pareça ser, por mais enraizada
que se apresente a identidade de cada sujeito que a compõe, por mais fixas
que sejam as posições dos indivíduos que nela interagem, é um espaço que
evidencia a diferença e potencializa a desordem, por proporcionar o
encontro com o outro que se desdobra no encontro com muitos outros que
cada um abriga em si. Assim, a diferença característica marcante da sala de
91
aula é apreendida no cotidiano escolar como expressão de um processo
que precisa ser retificado e normalizado. (p. 12).
E a esquizofrenia é clássica em se tratando de diferenças, principalmente
quanto à eclosão dos sintomas. No momento de desencadeamento dos sintomas,
ao começar a se perceber as diferenças, seu portador é remetido ao plano do ‘outro’,
do desconhecido, como se o mundo do aluno, portador de esquizofrenia, fosse um
mundo à parte. Diante disso, algumas perguntas poderiam ser feitas aqui. Qual a
posição do professor diante disso? Como ele reage diante da esquizofrenia? Quais
habilidades ele tem para lidar com a criança que esteja apresentando sinais
indicativos de que poderá ser um adolescente portador de esquizofrenia? E, ao
reconhecer estas características, estará o professor preparado? Tais questões
merecem respostas, pois é ele, afinal, quem está no dia-a-dia da escola diretamente
com o aluno. Mas o que parece ocorrer neste âmbito é a falta de qualquer preparo
dos professores, como visível nos relatos deles, quando questionados sobre
formação ou capacitações que receberam.
Suporte e treinamento aqui na escola a gente nunca teve. Nenhum órgão,
a gente não recebe assistência em relação à esquizofrenia, nenhuma orientação,
nunca [...] Em todos os cursos que a gente fez sobre educação especial,
esquizofrenia nunca esteve incluída, nunca, a gente nunca ouviu falar de
esquizofrenia em curso de educação especial. (Edna)
E quando aparece na sala de aula, treinamento nenhum. (Elena)
Não, nenhuma. (Ester)
Não, capacitação eu desconheço dessa área de inclusão. Não, eu não,
pelo menos no tempo que eu trabalho no estado, já tem vinte e três anos que eu
estou aqui na rede pública estadual e eu desconheço capacitação na área de
inclusão. Sempre assim, as capacitações que tiveram sempre abordam a questão do
aluno com dificuldade de aprendizado, eles trabalham formas de trabalhar que
atingem esse aluno também. (Emília)
92
Nenhum. Nada. E aí recebemos muito mais foi responsabilidade. Mas
treinamento [...] (Eleonora)
Claramente os relatos sinalizam que nenhum suporte ou capacitação
foram oferecidos e justificam o fato de os educadores não terem compreensão sobre
a esquizofrenia. Em vista disso, torna-se necessário fazer um parêntese aqui,
retomando e trazendo à tona a legislação brasileira no que diz respeito à formação
de professores, mais particularmente a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,32 e
o Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008.33 Seus conteúdos trazem as
prerrogativas para a educação especial, assegurando aos educandos com
necessidades especiais professores com especialização adequada e capacitados
para integração destes nas classes comuns.
Do mesmo modo, é importante notar que no campo da habilitação, a
Secretaria de Educação Especial (SEESP/SECADI) do Ministério da Educação
(MEC) oferece o Programa de Formação Continuada de Professores na Educação
Especial, enquanto a Secretaria Estadual de Educação do Estado de Santa
Catarina, em sua Proposta Curricular, atribui ao professor papel fundamental no
processo formativo. Com base nestes documentos, seria de se esperar que os
professores recebessem a formação e estivessem devidamente preparados para
lidar com a diversidade de seus alunos, incluindo a esquizofrenia. Entretanto, não
parece ser o que vem acontecendo. Mesmo em relação à política de educação
especial, através do programa de educação inclusiva, os professores não estão
sendo assistidos no que é proposto em termos de capacitação e formação. A lei
existe, mas sua efetivação é nula. A elaboração de leis e sua dificuldade em produzir
desdobramentos na política de formação docente são parcialmente percebidas pelos
educadores.
Eles fazem a lei muito bonita, certinho. Essa capacitação deveria
acontecer, mas não acontece. O que acontece na prática, na lei em toda sua
amplitude, o que diz respeito a toda sua inclusão é falha [...] Não tem capacitação
nem para lidar com aqueles que a lei prevê, tu imagina [sic] para lidar com
esquizofrenia. (Emília)
32
33
Que estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional.
Dispõe sobre o atendimento educacional especializado.
93
Tem a tal da inclusão, mas o professor não foi preparado, não há curso de
preparação para saber lidar. (Eleonora)
A qualificação do professor se constitui, necessariamente, em uma forma
de fortalecimento da qualidade do atendimento aos alunos em suas dificuldades e
aos professores que podem construir novas alternativas e desenvolver novas
competências, principalmente naqueles pontos que podem servir de entrave ao
processo ensino-aprendizagem. A necessidade de ser entendido ou até de que o
professor esteja preparado para compreender a esquizofrenia e saber lidar com seu
portador aparece nos relatos de portadores de esquizofrenia.
Se eles34 me entendessem eu estaria estudando [...] (Plínio)
Acho que os professores deveriam ter um tipo de treinamento para lidar
com o aluno que tem esses problemas, né? [sic] (Paulo)
A falta de preparo do professor para lidar com a diversidade de seus
alunos, como exemplificado nos relatos acima, pode incorrer no que Esteban (2006)
denomina de naturalização, em sala de aula, da palavra diferente, como se o termo
tivesse um único sentido. Para a autora o discurso é de que os docentes
compreendem que seus alunos são diferentes, que possuem ritmos diferentes de
aprendizagem, que vivem em contextos diferentes, mas que pela naturalização do
termo a diferença acaba por se harmonizar com o ambiente da sala de aula e com
as práticas realizadas, “ressaltando a ausência de preparo dos docentes para
trabalhar com a enorme diferença dos estudantes.” (p. 9), principalmente, como
neste caso, com a esquizofrenia. A compreensão que se faz das palavras de
Esteban é que no cotidiano há um processo de acomodação do sistema
educacional: a lei não cumpre o que prevê em termos de capacitação para a
diversidade e ao mesmo tempo em que a diversidade forma um tom de invisibilidade
no interior da sala de aula, sendo importante considerar que todos (ou cada um) são
diferentes e, desta forma, seria impossível lidar com todas as diferenças individuais.
34
Os professores.
94
Em sua fase pré-mórbida, a esquizofrenia é uma patologia silenciosa e
como tal o desenvolvimento dos sintomas se dá de modo lento e insidioso, até que
sejam detectados efetivamente. Ainda assim, alguns sinalizadores marcam esta fase
e podem ser observados também no contexto escolar, porém, não sendo
reconhecidos como sinais patológicos, o portador e as pessoas em torno dele (como
a família) e os educadores seguem um trajeto peculiar na tentativa de compreender
o que está se passando.
Até a gente saber que a criança era esquizofrênica, demorou bastante [...]
A gente sentia que o aluno era diferente. Ele não prestava atenção nas coisas que a
gente explicava [...] Observava que ele estava bem longe. Estava quieto, mas não
estava ali. A gente chegava perto para explicar, mas daí ele vinha com uma história
que estava na cabecinha dele. Uma coisa bem diferente. (educadora, Ester)
Ah, levou um tempo [...] Até saber que era esquizofrenia demorou, né?
[sic] (educadora, Elena)
O tempo despendido pelo professor para decodificar o que se passa com
alunos que fogem do padrão de normalidade e, diga-se, um padrão definido pela
própria escola, é um tempo que poderia ser menos angustiante não fossem as
regras, as normas, o funcionamento fragmentado da instituição escolar, associado à
fragmentação da própria lei que rege os destinos da educação no país e que tem em
seu bojo elementos que são indicadores da preparação dos professores para
intervirem em situações que exijam uma prática docente diferenciada. Neste sentido,
Sobral (2009) observa a importância de o educador reconhecer sinais patológicos
em seus alunos, percebendo estes como alguém que precisa de tratamento e não
simplesmente como aluno-problema. Sobral (2009) afirma ainda que:
Muitas crianças com doenças mentais passam despercebidas pela escola, o
professor percebe a alteração, mas não sabendo identificá-la como um
sintoma patológico, deixa de requisitar uma avaliação mental mais profunda
deste aluno, o que seria de fundamental importância para o seu
desenvolvimento saudável (p. 125).
Parece haver, entre os educadores entrevistados, a confirmação de
Sobral (2009) de que alguns educadores, quando de sua formação, não tiveram a
95
noção do conhecimento ligado a esta problemática, pois a organização escolar
baseia-se na tendência da educação tradicional autoritária, pouco questionadora,
centrada nos conteúdos e fragmentada quanto à visão de sujeito-aluno. (SOBRAL,
2009).
Para aqueles alunos que não se ajustam às previsões escolares, a ideia
de ritmos diferenciados, conforme revela Esteban (2006), torna-se, então, uma
justificativa para a ausência de uma intervenção escolar adequada aos seus
processos particulares de aprendizagem e por esta razão “não são compreendidas
pela escola e não encontram um lugar na escola que as acolha” (p. 12). A percepção
do não acolhimento aparece no depoimento de duas mães.
Eu, para mim, eu acho que não recebeu bem. Acho assim: dentro de uma
sala de aula tem vários professores, orientadores, que, por exemplo, se tem uma
criança que passa meio período com ela, ela tem que notar o que está acontecendo,
que está fora do normal. (Fabiana)
Não tinha, assim, uma ajuda, né? [sic] Que talvez se tivesse uma pessoa
para orientar, conversar alguma coisa, mas não tinha, não tinha nada. (Felícia)
Os relatos acima fazem pensar que a família não está alheia à
problemática educacional de seu filho no acompanhamento do dia-a-dia da escola,
tanto no período anterior como após a manifestação dos sintomas da esquizofrenia,
ainda que sem um contato formal. Percebe-se a necessidade de que os profissionais
da escola tenham um olhar diferenciado àqueles que, dentro de seus limites,
precisam receber uma atenção a mais, precisam de um olhar que poderia ir além
dos problemas de aprendizagem, de comportamento ou de avaliação. Estar atento
ao outro é mais do que perceber problemas aparentes, é detectar necessidades,
como bem lembra uma mãe:
Se o professor conhecesse assim, as doenças da pessoa, daí eles
podiam estudar, porque daí a professora sabe como é tratar, como é lidar com eles.
(Fernanda)
Algumas famílias, quando entregam seus filhos à escola, criam a
96
expectativa de que a escola dará continuidade aos cuidados recebidos no lar, ao
mesmo tempo em que a escola, ao receber o aluno, cria a expectativa de que a
família complementará a educação iniciada no espaço escolar. A participação da
família neste espaço poderia ter um caráter de complementaridade. Porém, no
mundo familiar as crianças são filhos, no mundo escolar elas são alunos, mas a
passagem de filho a aluno não é uma operação automática e, dependendo da
distância entre o universo familiar e o escolar, ela pode ser traumática. (CASTRO;
REGATTIERI, 2009). A angústia do despreparo familiar soma-se à expectativa da
família em não encontrar respaldo na escola.
A escola não tá [sic] preparada. Pai e mãe não é preparado para ter filho
com problema, pai e mãe é feito para ser pai e mãe. Não é um técnico. Então eu
acho que o que falhou foi isso aí. (pai, Frederico)
A dificuldade se encontra quando não há uma interação, quando se
estabelece um hiato na comunicação entre família e escola. Ao final, a interação só
parece ocorrer em momentos cruciais nos quais a escola se percebe numa situação
limite, como se pode deduzir ao analisar os relatos de uma mãe e um pai:
E ali no Colégio E tinha essa pessoa, ela era coordenadora ou qualquer
coisa assim, então ela me chamava, mas por quê? Porque a G. desmaiava. A
mesma coisa era com o R. [...] Acontecia ou não acontecia eu não ficava sabendo.
Eu não ficava sabendo de nada. (Felícia)
Ah! De vez em quando eles chamavam a gente e a mãe vinha correndo, é
que tava [sic] de briga na sala com os amiguinhos. (Frederico)
Ao mesmo tempo, relatos dos professores dão indicativos de que as
interações com a família não são produtivas.
É muito complicado lidar com família numa situação dessas [...] Eles não
aceitam e até a gente faz conjecturas do por que não aceitam. (Edna)
Então tu até detecta [sic] o problema, mas até os pais, a família buscar
97
recurso [...] (Emília)
Está cada vez mais difícil, a cada ano que passa a família está dando
mais responsabilidade para a escola, a cada ano que passa a família traz mais
responsabilidade. (Eleonora)
Algumas questões podem ser produzidas sobre estes relatos. De um lado,
é a escola que se mantém indiferente, acionando os pais somente nos momentos
mais críticos, quando a situação chega ao limite. De outro, são os pais, que, mesmo
acionados pela escola, parecem apáticos ao seu chamado, depositando na escola o
encargo da educação de seus filhos. Claramente pode-se perceber nestes relatos a
falta de comunicação que acaba contribuindo para o distanciamento na relação entre
ambas.
O distanciamento entre família e escola é discutido por Caetano (2008),
ao referir-se ao estudo de Paro (2000)35, ao analisar que a escola frequentada pelos
filhos atualmente é bastante parecida com a escola que os pais frequentavam
tempos atrás e, por esta razão, não deveriam sentir-se tão distanciados do sistema
educacional. Afirma também que o professor, embora admita a necessidade da
participação dos pais na escola, não sabe bem como encaminhá-la. Assim, há, por
um lado, uma incapacidade de compreensão por parte dos pais, daquilo que é
transmitido na escola e, por outro, uma falta de habilidade dos professores para
promoverem essa comunicação. (CAETANO, 2008).
O essencial da relação entre família e escola, além dos encontros
pessoais, se dá, conforme Perrenoud (2000), nas informações, nos julgamentos, nas
expectativas, nas injunções e nas queixas que circulam diariamente entre os
educadores e os pais, principalmente nas questões demandadas pela esquizofrenia.
Demanda esta que, no contexto escolar, faz refletir que o professor encontra-se
sozinho não apenas diante da esquizofrenia, mas também diante de outras questões
emergentes que exigem uma prática docente distinta das práticas rotineiras da
escola. O relato de duas educadoras expressa a solidão docente:
35
PARO, V. H. Qualidade do ensino: A contribuição dos pais. São Paulo: Xamã, 2000.
98
E a gente fica batendo na porta da gerência, pedindo informação na
Secretaria de Educação, pedindo informação na Fundação. E pedindo ajuda,
socorro, pra [sic] gente não ficar sapateando no escuro. (Eleonora)
E eu também não sei se a gente daria conta disso. Hoje a escola não dá
conta nem das crianças com outros tipos de deficiências. Quer dizer com a
deficiência e não com a doença, né? [sic] Imagina só com mais esse segmento
dentro do ensino regular [...] Então o que a lei diz é que a gerência tem que preparar
uma capacitação de, no mínimo, 40 horas para esses profissionais. Aí para inserir na
sala de aula para trabalhar com esses alunos. Então o mínimo que poderia ser feito
é isso, mas quer dizer que não é feito, e por quê? Daí não me pergunte. (Emília)
Se nem o mínimo está sendo feito, como querer que a atuação docente
vá além da normalização do diferente, ou seja, ao enquadramento da diferença?
Como querer uma prática educativa que não potencialize a homogeneização,
possibilitando que a diferença não seja um indicador da dificuldade de
aprendizagem, do problema no desenvolvimento ou ainda da impossibilidade de um
trabalho de qualidade, como bem questiona Esteban (2006)? Como fazer da sala de
aula um espaço que permita maior visibilidade à singularidade dos sujeitos que a
compõe, incluindo aqueles que portam a esquizofrenia, e as interações e os diálogos
que nele se realizam?
Na sala de aula há necessariamente, diálogos entre os diferentes, com suas
diferenças. Diálogos atravessados por consensos, confrontos, acordos,
conflitos. Diálogos buscados; diálogos que não se deixa travar; diálogos que
se prefere esquecer; diálogos que as palavras não podem mediar; diálogos
interrompidos/constituídos por intensos ruídos, por longos silêncios, por
breves olhares, por gestos contraditórios. Diálogos monológicos e ainda
assim tecidos por muitos outros diálogos. (ESTEBAN, 2006, p. 8).
Diálogos todos eles mediados pela figura do professor. Sujeitos cuja ação
os leva a caminhos de movimentos opostos. De um lado, professores passivos e
acomodados ao sistema institucional da escola e, de outro, professores envolvidos
em uma luta praticamente solitária, tentando cobrir a fenda exposta e, como no caso
da esquizofrenia, com uma dimensão bem complexa. Estas duas dimensões da
prática docente podem ser vistas nos relatos dos educadores ao serem
99
questionados sobre seu procedimento ao perceber a possibilidade de algum de seus
alunos portarem esquizofrenia.
O que acontece assim é que a gente observa um caso de aluno que está
ou agressivo ou isolado, o que a gente faz? A gente procura chamar a família,
conversa, tenta entender o que está acontecendo. Até os pais colocam que já está
em tratamento psicológico ou psiquiátrico com remédios, né? [sic] Com
medicamente e tudo [...] E quando a gente vê que não existe isso, a gente orienta os
pais a procurar um atendimento desses [...] se a família tem vontade de tratar ela
esbarra na questão dos recursos, né? [sic] Mas se ela ainda quer, ela vai buscar e
trata esse filho. Mas se a família é mais acomodada, acha que é fase, então na
primeira dificuldade já desiste. Aí fica esse aluno, sem tratamento, desenvolvendo
uma doença mental. (Emília)
Quando a gente está observando que o aluno assim se isola, a gente
começa a observar, a verificar, chamamos o aluno para conversar e em outro
momento chamamos a mãe, o pai e os responsáveis para ver se esse
comportamento é visto na casa. Se é normal lá na casa, se é assim e o que é que
está acontecendo naquele momento. (Eleonora)
Observa-se, a partir destes relatos, que à família é dada, quase que
exclusivamente, a responsabilidade pela resolução da problemática da patologia
apresentada pelos alunos. Ainda que a família seja chamada para um entendimento
do que esteja acontecendo, como referido pelos educadores, o que se percebe é
que o manejo da situação se traduz apenas em uma conversa orientando a procurar
tratamento. Efetivamente estes educadores não apresentaram condutas didáticas
que possibilitassem um trabalho conjunto, apesar de que não se pode desconsiderar
que algumas famílias podem ser acomodadas, o que potencializa ainda mais as
dificuldades. Novamente aqui se vê que, entre professores e pais, a relação não é
tão simples. Torna-se necessário refinar esta relação, pois como refere Perrenoud
(2000), quando escola e família compreendem que o diálogo não dura a não ser a
partir do momento em que cada um entenda o ponto de vista do outro e não exagere
em suas expectativas, descobrem que a colaboração não somente é possível, mas
fecunda, o que desenvolve confiança mútua. Infelizmente, “ao lado de tais círculos
100
virtuosos, conhecem-se demasiados círculos viciosos, nos quais a desconfiança de
uns reforça os mecanismos de defesa do outro e vice e versa” (p. 113); quem perde
neste ínterim é o aluno com esquizofrenia, que à mercê deste jogo seguirá sofrendo
com o peso da patologia.
De outro modo, alguns alunos com esquizofrenia foram beneficiados pelo
empenho de alguns educadores no manejo de seu dilema frente à patologia,
quando, da mesma forma, foram indagados sobre como procederam ao perceber a
possibilidade de algum de seus alunos portarem esquizofrenia. Vale trazer aqui os
relatos abaixo, mesmo que extensos, porque permitem compreender bem a ação
inovadora e criativa desses professores.
Na verdade foi individual porque treinamento nós não tivemos [...] Eu
procurava trabalhar diferenciado na sala de aula. Com mais reforço, mais atividade,
mais no nível deles. Tinha momentos que ela36 pedia para sair da sala e a gente
deixava. (Elena)
Assim, mesmo não sabendo o que a criança tinha a gente já buscava um
manejo diferenciado para lidar com essa criança. Com certeza, não tem como lidar
do mesmo jeito que os outros. (Ester)
A nossa função aqui é educar, né [sic], e não repreender, então a gente
sempre procurava entender o que tava [sic] acontecendo e buscava apoio na família,
só que na família, o pai já tinha depressão, aí a mãe não procurava ajuda porque era
sozinha, não podia contar com a ajuda do pai, então a escola que tinha de se virar
com esta criança [...] A gente buscou leitura, eu e a outra orientadora, e a gente
chegou à conclusão de que podia ser esquizofrenia. E, então, fizemos o
encaminhamento para a psicóloga. Depois que a gente descobriu que ele tinha
esquizofrenia, nós fizemos um trabalho com os professores, passamos o filme ‘Uma
mente brilhante’ para os professores verem, né? [sic] [...] fizemos todo um trabalho
com os professores para eles saberem como lidar com isso, por isso que o F.37 ficou
aqui até a oitava série [...], ele saiu só depois que voltou a morar com a mãe (em
outra cidade), mas enquanto ele esteve na nossa escola, ele era tratado assim, a
36
37
Aluna com esquizofrenia.
Aluno com esquizofrenia.
101
gente nunca chamou a polícia, nunca olhamos como marginal, sempre olhamos
como uma pessoa doente, que era passível de tratamento. (Edna)38
Interessante refletir que, mesmo não recebendo formação especializada
para o exercício pedagógico com alunos com esquizofrenia, estes educadores
empreenderam uma prática diferenciada. Ainda que solitariamente, se dispuseram a
buscar informação e a criar estratégias, difundindo-as para toda a expansão da
escola. A atitude criadora destes educadores está relacionada ao que Perrenoud
(2000) denomina de prática reflexiva, ou seja, de uma prática docente que busca
uma adequação às circunstâncias, podendo “tornar-se uma alavanca essencial de
autoformação e de inovação e, por conseguinte, de construção de novas
competências e de novas práticas” (p. 160) que possam ultrapassar os limites da
acomodação, pois:
Para ultrapassar o limite, é preciso alguma espécie de salto qualitativo que
passe pela construção de novos modelos de ação pedagógica e didática,
por conseguinte de um trabalho de autoformação que apele para aportes
39
externos [...] Desse modo a lucidez profissional consiste em saber
igualmente quando se pode progredir pelos meios que a situação oferece e
quanto mais econômico e rápido apelar para novos recursos de
autoformação: leitura, consulta, acompanhamento de projeto, supervisão,
pesquisa-ação ou aportes estruturados de formadores suscetíveis de propor
novos saberes e novos dispositivos de ensino-aprendizagem. (p. 163).
Outra reflexão que pode fazer diante dos relatos anteriores diz respeito ao
caráter afetivo no discurso dos educadores. Ainda que não pudessem contar com a
família, o cuidado despendido aos seus alunos com esquizofrenia indica o
reconhecimento do caráter humano por detrás do aluno, e não apenas um
amontoado de sinais e sintomas, característicos da patologia. Para estes
professores o fato de que a escola não conhece a esquizofrenia está claro e que não
sabe como lidar com ela também. Ainda assim, não se pode negar que, anterior a
ela, tais professores percebem um aluno, que antes de ser esquizofrênico40 é um ser
humano e merece ser reconhecido e tratado como tal. Neste aspecto a afetividade
tem livre passagem para ser efetivada pela prática docente no contexto escolar.
Tratar o aluno com afeto não significa tratá-lo com beijos ou abraços, antes disso,
38
Por reconhecer a importância do relato, optou-se por deixá-lo na íntegra, apesar de ser longo.
Grifo do autor.
40
Grifo nosso.
39
102
significa tratá-lo sem indiferença e, no caso da esquizofrenia, significa colocá-lo no
lugar de quem precisa de um olhar a mais, de um cuidado a mais, de uma atenção a
mais, nem que para isso seja necessário, em alguns momentos, usar a criatividade
no lugar da técnica. Como refere Gómez (2001), fazer da colaboração entre os
docentes um componente de sua competência profissional, adquirindo o significado
de uma nova ortodoxia nos processos de mudança e inovação da escola,
considerando que:
A colaboração transporta o desenvolvimento profissional dos docentes mais
além dos reduzidos e locais horizontes do individualismo e isolamento, da
dependência dos especialistas externos, para um cenário em que os
docentes podem aprender uns com os outros ao compartilhar suas
experiências, temores, propósitos e pensamentos. (p. 71).
Dessa forma e em se tratando de alunos com esquizofrenia, o ganho é
coletivo. Ganha a família porque vai poder contar um elemento a mais para dividir a
dor de ter um filho portador da patologia, ganha o aluno porque, ainda que diante de
suas dificuldades e seu sofrimento, receberá um reforço a mais na luta contra seus
sintomas, e ganha o educador que, a partir de uma prática docente distinta, poderá
vivenciar experiências intensas e desafiadoras, mas ao mesmo tempo, bem
sucedidas, assim como exemplificam duas educadoras.
Foi chamada a orientação, a escola [...]. Mas acho assim que os alunos
acolhem bem. Eles não rejeitam. Acho que os trabalhos das orientadoras foram bem
significativos. E os alunos são tudo [sic] amigos. Não rejeitam porque é surdo ou
esquizofrênico. (Elena)
O único caso41 que a gente não conseguiu levar até o fim, quer dizer, até
a oitava série, porque ele foi descoberto muito tarde e porque os pais tinham se
separado e tinha uma briga de guarda, então a mãe pegou a guarda de novo dele e
ele foi morar com a mãe e aí o pai não pode dar sequência àquele tratamento que
ele vinha fazendo [...] O pai morava aqui do lado e ele foi morar em Imbituba, depois
ele voltou a morar com o pai de novo, só que já tava [sic] fora da escola, já não tinha
mais idade escolar, ele também não tava [sic] frequentando escola lá no lugar onde
41
Referindo-se a casos de alunos portadores de esquizofrenia.
103
foi feita a transferência dele, então ele não deu prosseguimento ao tratamento.
(Edna)
Pode-se supor que as possibilidades de sucesso diante da problemática
da esquizofrenia em sua relação à prática docente podem ser mais relevantes que
os entraves trazidos pela patologia, bastando para isso que o docente esteja
disposto a criar e inovar, que valorize mais o seu desejo pela conquista de levar o
caso até o fim, ou seja, até a oitava série, do que acomodar-se diante de um sistema
que limita, enrijece e, em boa parte do tempo, imobiliza quem deseja fazer de seu
exercício profissional algo além do que o sistema oferece. Afinal, a esquizofrenia é
real e existe, muito mais próxima do que se possa pensar, e seu portador, tanto
como o aluno comum, deve ter o direito de vivenciar o processo de escolarização,
dar sentido a suas perspectivas e projetos de futuro, e as escolas devem estar
preparadas, pois, como argumenta um educador, “só na nossa escola a gente pôde
detectar e ajudar três casos e bem sérios. Mas, eu acho que a esquizofrenia está
passando pelas escolas e eles não estão se dando conta disso.” (Edna)
4.3 O (IM)POSSÍVEL FUTURO DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA
Quando as crianças entram na escola, geralmente vêm sem um projeto
pessoal: ler todas as letrinhas talvez seja o propósito trazido por elas
(PERRENOUD, 2000). Mas para este autor as escolas quase nunca oferecem um
encorajamento para seus alunos, principalmente aqueles com mais dificuldades.
Ainda que o projeto pessoal dos alunos, ao entrar na escola, possa ser apenas ler
‘todas as letrinhas’, faz-se necessário ter o cuidado para que este projeto não só não
desapareça como se deve incitá-los a evoluírem e ampliarem suas perspectivas e
expectativas para o futuro, a partir do processo de escolarização, considerando que
o projeto pessoal de uma criança não é, necessariamente, completo e estável.
De acordo com Neiva-Silva (2003), perspectivas, aspirações, expectativas
ou projetos pessoais ou de vida são diferentes conceitos utilizados pela literatura
científica para fazer alusão à crença de realizar ou ver algo realizado em seu futuro.
104
Ainda que se tomem estes termos como sinônimos, o tema perspectiva de futuro
aplicado aqui está relacionado ao modo como os estudantes portadores de
esquizofrenia percebem seu futuro e os objetivos de vida que se propõem a atingir, e
as relações desse projeto com a escolarização, considerando que sua trajetória
escolar foi ceifada no momento da eclosão dos sintomas. Como se pode observar
nos apêndices F e G, a interrupção dos estudos aconteceu ao ingressar no ensino
médio e, ao serem questionados sobre o que os impediu de continuar estudando, os
mesmos fizeram os seguintes relatos:
As audições deles lá, eles vindo na minha direção me atrapalhando,
aquela turma de lá. Não sei por que eles fazem isso pra [sic] mim. Não sei por que.
Eu fui lá, a menina falava, me atrapalhava, eles me apareciam pra [sic] mim, me
atrapalhando, eu tive que sair do colégio, não consegui mais estudar, tinha que
pegar mototáxi, não conseguia vir a pé pra [sic] casa, é uma coisa que não dá de
andar. Porque não dá pra [sic] andar, tu vai [sic] tirar o tênis e não consegue, eles te
perseguem. Por causa daquela turma lá que eu não consegui fazer o segundo grau
ainda. (Pedro)
Medo de passar pelo que eu passei [...] Isso, tipo uma fobia, saca?! [sic]
Medo de ficar na sala de aula, como eu ficava quieto, isolado. É isso. Eu tentei
terminar meu ensino médio no Colégio E. Só daí eu não, como eu posso dizer,
tomava medicação, daí eu não conseguia aprender o que o professor ensinava. Eu
estava muito agitado. (Paulo)
Desinteresse pela vida, desinteresse total. Tentei o segundo grau, mas
acabei parando por causa da mardita [maconha] (sic). Eu parei mesmo por causa do
internamento, né? [sic] Até porque na época do internamento, não tinha condições
de voltar a estudar, depois eu tentei voltar a estudar, mas não consegui. Tentei
voltar, mas não deu em nada. (Pascoal)
É possível observar que a esquizofrenia teve uma participação
significativa na descontinuidade do processo de escolarização destes estudantes,
principalmente no momento da fase aguda, período em que há manifestação intensa
dos sintomas. O relato de Pedro produz este entendimento à medida que seu
105
discurso indica a presença de alucinações (‘as audições deles’, ‘eles vindo na minha
direção’, ‘a menina falava’, eles apareciam pra mim’) e de delírios (‘não sei por que
eles fazem isso pra mim’, ‘eles te perseguem’), que são sintomas característicos da
esquizofrenia e que por esta razão ele ainda não conseguiu ‘fazer o segundo grau’,
significando a interrupção do processo de escolarização neste momento.
Alucinações e delírios tipicamente estão presentes na esquizofrenia e são
decorrentes de uma distorção do funcionamento normal das funções cognitivas.
(HALES; YUDOFSKY, 2006). São experiências que causam grande confusão nos
pensamentos e na percepção e podem ser percebidas na forma como a pessoa se
comunica (SADOCK & SADOCK, 2008).
As vivências com estes sintomas normalmente são solitárias e difíceis de
ser compartilhadas, além de serem assustadoras. A realidade interior é marcada por
grande sofrimento e por experiências emocionais muito intensas, na maioria das
vezes impossíveis de serem expressas em palavras. (ASSIS; VILLARES;
BRESSAN, 2008). O fato de não conseguir expressar este sofrimento e a
desorganização do pensamento provoca muitas incompreensões e conflitos nos
relacionamentos, levando a um isolamento ainda maior e, conforme Afonso (2002), a
uma diminuição do rendimento escolar. Para este autor, “muitas vezes os pais e os
professores veem estas alterações como sendo normais, fazendo parte da idade” (p.
59). Também, na opinião de Shirakawa (2007), é difícil entender a esquizofrenia em
seu quadro inicial e geralmente “os pais não conseguem compreender por que seu
filho que vinha estudando regularmente ou iniciando uma vida profissional apresenta
uma ruptura evidente em seu comportamento” (p. 130). Onde, aparentemente, se
supõe não estar acontecendo nada, há toda uma vivência interna que não consegue
ser expressada e nem observada externamente. A tendência, neste caso, pode ser o
desinteresse total demonstrado por Pascoal, ou então o medo evidenciado por Paulo
no relato da mãe quando indagada sobre o que impedia seu filho de voltar a estudar.
Ele tem medo. Acho que ficou um trauma. Ele acha que vai passar tudo o
que ele já passou. (Fabiana)
Outro fator que pode ter contribuído para a desistência da escolarização,
consequentemente, interferir nos planos de futuro dos portadores e que está
relacionado à esquizofrenia diz respeito ao tratamento medicamentoso e à
106
internação. No entendimento de Assis, Villares e Bressan (2008), a internação é um
procedimento necessário em muitos casos, sendo útil para controlar a crise,
entretanto controlar a crise não significa que o problema está resolvido.
Após esse período mais crítico, inicia-se um novo processo, o de
reorganizar a vida e de lidar com a presença da esquizofrenia, e isso traz
suas dificuldades próprias. Trata-se de um ‘começar de novo’ em uma
situação em que a pessoa está fragilizada e não consegue ver perspectivas
de futuro. (p. 18).
Em relação ao tratamento medicamentoso, deve-se considerar que os
medicamentos são essenciais para alívio dos sintomas e para reduzir o risco de
novos episódios, já que a recaída pode ser um elemento impeditivo para continuar o
processo de escolarização, dificultando ainda mais o retorno após a recuperação.
Um portador de esquizofrenia descreve tal situação.
Foi a recaída42, né? [sic] Eu tive uma recaída, eu tentei, mas não
conseguia naquela época. (Pascoal)
As recaídas, muitas vezes, são desencadeadas pela interrupção do
tratamento medicamentoso e uma das razões para isso são alguns efeitos adversos
decorrentes de seu uso e que são bastante desagradáveis, como a sedação, por
exemplo. Estes efeitos podem surgir comprometendo a adesão ao tratamento e
colaborar para que a pessoa apresente algumas dificuldades de comunicação, de
motivação ou de interação social (AFONSO, 2002). O desconforto causado serve
também como um elemento para interferir no processo de aprendizagem escolar. O
relato de um portador de esquizofrenia descreve a dificuldade em retornar à escola
após iniciar tratamento com medicamentos.
Eu fui estudar no Colégio E, terminar o ensino médio, mas eu tive que sair
porque os remédios me dopavam, eu tinha sono. (Paulo)
42
Este portador, ainda em tratamento para esquizofrenia, teve uma recaída e por esta razão passou
por um período de internação.
107
Segundo
Louzã
Neto
(1996),
os
medicamentos
não
curam
a
esquizofrenia, mas a grande maioria dos portadores apresenta melhoras
substanciais e este fator permite ao portador ter vida praticamente normal. Porém,
observa-se uma característica que parece ser comum em portadores de
esquizofrenia que, após vivenciarem a intensificação dos sintomas da fase aguda e,
em alguns casos, passarem por um período de internação, desconsideram a
possibilidade de se restabelecerem e de seguirem habitualmente sua trajetória
vivencial. Alguns deles parecem não perceber esta possibilidade e não acreditam em
sua capacidade e em seu potencial de recuperação e, por esta razão, desanimam e
quase sempre desistem da continuidade dos estudos.
Essa doença que eu tenho, né? [sic] Ah, acho que não tenho capacidade
[...] Não tenho mais a mesma, sei lá, parece que não entra mais na cabeça [...] É,
isso. (Plínio)
Os planos de estudar se mantêm, mas eu creio que por causa dessa
doença, acho que pela doença e pela timidez. Sei lá, eu tenho um certo limite, é
como se eu não pudesse mais alcançar isso, como se fosse um sonho, não tem
como alcançar! (Paulo)
Porém, um fator importante pertinente ao não retorno aos estudos depois
da fase aguda da patologia pode estar relacionado ao fato de que não é infrequente
que pessoas com esquizofrenia desenvolvam uma alteração profunda no senso de
identidade (SHIRAKAWA, 1998), e geralmente se mostrem com baixa autoestima,
como demonstrado por Plínio. Esta característica pode colaborar para que eles se
percebam de modo a desqualificar suas competências e habilidades e vivam
contraditoriamente o desejo de estudar.
É porque [...] capacidade eu tenho de estudar [...] Eu agora estou bem
melhor do que há 10 anos atrás quando deu minha primeira crise, né? [sic] Assim eu
me sinto bem. (Plínio)
Diante destes relatos, vale destacar as palavras de Assis, Villares e
Bressan (2008) quando descrevem que:
108
A superação é um processo que cada pessoa e cada família constrói a partir
da confiança de que há maneiras melhores de lidar com as situações e
aprender com elas. Isso exige a aceitação das limitações impostas pela
doença, mas também determinação, esperança e confiança nos recursos
que se adquirem ao longo do caminho. Superar a esquizofrenia não
significa conseguir que seus efeitos e sintomas desapareçam
completamente, pois este é um evento raro e não se deve alimentar demais
essa esperança. A superação se dá ao encontrar soluções práticas e
cotidianas para melhorar o que é possível e procurar maneiras de ter uma
vida com qualidade: essa é uma esperança realista e possível. (p. 25).
Concorda-se com os autores à medida se percebe a necessidade de que
portadores de esquizofrenia recebam elementos que os auxiliem a diminuir as
limitações impostas pela doença, possibilitando criarem melhores perspectivas de
futuro. A família tem grande participação neste processo, mas sozinha não consegue
resultados efetivos e, às vezes, espera contar com a parceria da escola, como relata
um pai ao ser questionado como a escola recebia sua filha portadora de
esquizofrenia.
A escola não está preparada para ter um aluno com problema assim. Não
tem técnico capaz de administrar isso aí. Contornar isso aí. Fica de lado, de lado. Ou
eles não aceitam mais o aluno. (Frederico)
Não aceitando o aluno com esquizofrenia, estaria a escola contribuindo
para a diminuição de suas possibilidades de um futuro com mais qualidade? É uma
questão que merece atenção à medida que à escola é atribuída, socialmente, a
missão de preparar seus alunos para a vida em sociedade e para o mundo do
trabalho, conforme refere GÓMEZ (1998). Mesmo com as dificuldades da escola, a
família mantém os desejos e as expectativas, nem sempre realizadas, de que a
escola ofereça o melhor e que supra a necessidade de garantias por melhores
cuidados e atenção para com seu filho.
Não tinha assim uma ajuda, né? [sic] Que talvez se tivesse uma pessoa
para orientar, conversar alguma coisa, mas não tinha, não tinha nada. (mãe, Felícia)
Ele acabou o segundo grau aqui no Colégio G, daí foi pro [sic] Exército. E
depois ele não [...] não quis mais estudar. Quer dizer, querer ele sempre queria, né?
[sic] Mas agora com o problema, né [sic], com a doença dele é ruim [...] Se o
109
professor conhecesse assim, as doenças da pessoa, daí eles podiam estudar,
porque daí a professora sabe como é tratar e como é lidar com eles. (mãe,
Fernanda)
Igualmente, o filho de Fernanda, portador de esquizofrenia, faz o seguinte
relato quando questionado sobre o que, no momento da entrevista, o impedia de
retornar ao processo de escolarização.
Essa doença que eu tenho, né? [sic] Eu tenho medo dos professores não
entender [sic] e me botar [sic] pra [sic] fora do colégio. (Plínio)
O medo de os professores não entenderem mencionado por Plínio pode
significar uma demanda aos educadores do que Jesus (2000) denomina como
construção de um novo modo de lidar com a realidade, ou seja, que a escola, a partir
do saber-fazer dos profissionais que a constituem, promova “mudanças para incluir
todos os alunos, mesmo aqueles que demandam maior apoio no processo
educacional” (p. 97), abrangendo, neste caso, os alunos portadores de
esquizofrenia. Ainda que suas necessidades possam não ser as mesmas defendidas
pelas políticas de educação inclusiva, estes parecem carecer de atenção especial no
sentido de ampliar suas possibilidades, minimizando o sentimento de solidão, os
efeitos da patologia sobre as habilidades educacionais, e o futuro do portador.
Conforme relata um portador de esquizofrenia ao ser indagado se a esquizofrenia
teria contribuído para que não retornasse aos estudos.
[A esquizofrenia] Ajuda um pouco a impedir [...] O pouco que eu sabia, o
pouco que eu tinha força de enfrentar foi sumindo cada vez mais. (Paulo)
Nota-se, então, a importância de conhecer e de entender as
características que envolvem a esquizofrenia, enquanto patologia, assim como as
características que envolvem seu portador. Conviver com a esquizofrenia apresenta
uma série de situações difíceis, e o caminho para lidar com elas é um aprendizado
constante. Quem, de modo distante, observa uma pessoa com esquizofrenia falando
de suas questões normalmente não se dá conta de que ela está aprendendo e
mudando em seu próprio tempo. (ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008). Na vivência
110
com a esquizofrenia é necessário ter paciência, pois as transformações positivas vão
se instalando aos poucos e a escola poderia participar deste processo à medida que
se organizasse de forma a encontrar recursos para atender estes alunos, através de
[...] competências mais precisas em didática e avaliação, assim como
capacidades relacionais que permitam enfrentar, sem se desestabilizar, nem
desencorajar, resistências, medos, rejeições e todo o tipo de mecanismos
psíquicos nos quais as dimensões afetivas, cognitivas e relacionais
conjugam-se para impedir que aprendizagens decisivas comecem ou
prossigam normalmente. (PERRENOUD, 2000, p. 61).
Interessante notar, diante dessas afirmativas, que em se tratando de
esquizofrenia, a aprendizagem escolar parece ser um caminho de duas mãos. De
um lado está o educador que precisa aprender tanto sobre a patologia como saber
lidar com o aluno portador, de outro está o aluno que necessita do educador para
prosseguir sua trajetória escolar e dar vazão a seus planos de futuro. O que ambos
precisam saber é que os resultados deste processo não são imediatos, mas são
construídos com o tempo e que, sendo assim, não se pode desanimar com as
dificuldades imediatas. (ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008). Mas as dificuldades
são tantas que o medo e a insegurança, não raro, suplantam o desejo que persiste
de seguir em frente para o portador.
Eu tenho vontade de estudar, mas será que eu ainda posso? Não tenho
mais a mesma facilidade de aprender [...] Mas eu ainda posso né? [sic] Porque eu já
tenho segundo grau. [Sobre fazer faculdade] Ah, daí não, não [...] A cabeça não
ajuda mais. [Sobre vontade de fazer faculdade] Ah, vontade eu tenho! (Plínio)
Segundo Assis, Villares e Bressan (2008), muitos portadores de
esquizofrenia perdem boas oportunidades na vida, principalmente por se sentirem
diminuídos ou incapazes. As oportunidades sempre aparecem, seja um curso, um
emprego, uma viagem, enfim, experiências que poderiam dar mais qualidade às
suas vidas. Entretanto, a vivência da esquizofrenia e as situações que ela coloca na
vida da pessoa, em muitos casos, são como lentes cinzas que não permitem que se
vejam as cores da vida.
Quando solicitados a falar sobre planos para o futuro, elaborados na
época em que estavam estudando antes da manifestação dos sintomas (momento
111
em que se formulou o diagnóstico de esquizofrenia), os portadores de esquizofrenia
fizeram relatos diferenciados:
Tinha planos, tirar carteira de motorista, terminar o segundo grau,
trabalhar, essas coisas que a gente pensa quando faz 18 anos. (Pedro)
Tinha [planos], entrar pro [sic] Exército, pra [sic] infantaria. E estudar
história e filosofia que é [sic] as duas matérias que eu mais gosto. (Paulo)
Não, não queria continuar estudando. (Priscila)
Eu queria seguir a carreira do meu pai na Polícia Militar. (Plínio)
Não, nunca tive planos, nunca tive. Que eu me lembre, assim, desde que
eu era guri nunca tive ideia do que ser na vida. Nunca tive um desejo, não tinha
aquela coisa de querer ser bombeiro, sei lá. (Pascoal)
Como se pode perceber são planos comuns, estabelecidos a partir
daquilo que planeja qualquer jovem que está na escola, ou como referiu Pedro,
estas coisas que a gente pensa quando tem 18 anos, inclusive de não ter a ideia do
que ser na vida, como referiu Pascoal, ou ainda de não querer continuar estudando,
como mencionou Priscila. Observa-se nas respostas desejos e planos distintos, o
que reforça a ideia da singularidade do sujeito frente a uma doença comum. Neste
sentido é pertinente lembrar Dayrell (1996) quando refere que a diversidade está
presente inclusive na elaboração e na expressão dos projetos individuais dos alunos
e com isso “afirmamos que todos os alunos têm, de uma forma ou de outra, uma
razão para estar na escola e elaboram isso, de uma forma mais ampla ou mais
restrita, no contexto de um plano de futuro” (p. 9). No caso da esquizofrenia, a
restrição pode estar no modo como se percebem e na imagem que têm de si
mesmo, embora permaneça o desejo de seguir adiante no processo de
escolarização e terem uma formação universitária, como se pode ver nos relatos
abaixo quando solicitados a falar sobre o desejo de fazerem ou não faculdade:
112
Ah, com certeza, a mãe gosta e quer que eu seja um advogado, estudar
pra [sic] direito, eu quero fazer advocacia, ainda penso em estudar [...] Quero ver se
arrumo uma bolsa pra [sic] diminuir o dinheiro meu. Daí vou direto para faculdade
[...] Porque eu sou doido pra [sic] estudar. (Pedro)
Tinha planos de fazer faculdade de filosofia. (Paulo)
Eu faria direito. (Plínio)
Tenho vontade de fazer psicologia, já que eu sou tão ajudado pela
psicologia aqui, por que que eu não posso ajudar um dia também? (Pascoal)
A dinamicidade presente nos relatos é outro aspecto do projeto de futuro
que se observa nos relatos dos portadores e que podem ser reelaborados a cada
momento. Os mesmos que relataram que não queriam continuar estudando, como
falou Priscila ou que nunca teve planos, como mencionou Pascoal, durante a
entrevista demonstraram o desejo de ingressar no ensino universitário. Para Dayrell
(1996) um fator que interfere nesta dinamicidade é a faixa etária e o que ela
possibilita enquanto vivência, pois remete ao amadurecimento psicológico, aos
papéis socialmente construídos e ao imaginário sobre as fases da vida. Para o autor,
“as questões e interrogações postas por um adolescente serão muito diferentes das
de um jovem de 18 anos e, mais ainda, de um adulto de 30 anos.” (p. 9). No caso de
jovens com esquizofrenia, este processo fica ainda mais complexo à medida que as
etapas de seu desenvolvimento são mediadas pelas injunções da patologia,
colocando-os num mundo de reconstrução constante, onde seus projetos e planos
de futuro elaboram-se e reelaboram-se de acordo com a fase sintomática em que se
encontram ou em como aprendem a lidar com sua nova condição, e não
necessariamente de acordo com a faixa etária, como mencionou Dayrell (1996).
Para tanto ganharão especial relevância os discursos e ações dos
professores já que, “em última instância, são eles que, no meio de seus medos,
dúvidas, ansiedades, disponibilidades, acolhimentos e possibilidades, assumem os
alunos em suas salas de aula” (JESUS, 2006, p. 97). Afinal, pode-se pensar, ainda,
que essas falas contraditórias evidenciem talvez que junto ao desejo de estudar há a
percepção da falta de apoio social e educativo que a realização dele implicaria.
113
Conviver com a esquizofrenia em sala de aula implica estabelecer canais
de diálogo com seu portador e entender suas dificuldades, entre elas está o fato de
que ter esta patologia é visto por seu portador como uma grande derrota,
colaborando para que fique sem perspectivas e muito provavelmente para que se
sinta incapacitado, o que os leva a uma profunda desilusão diante da vida. (ASSIS;
VILLARES; BRESSAN, 2008). Sobre o sentimento de ser portador de esquizofrenia
e estar fora da escola, fizeram os seguintes relatos:
Ah, faz eu me sentir rebaixado! Eu passo na Unisul, eu olho pras [sic]
pessoas ali, eu me sinto assim: “Bah, eu podia estar numa faculdade e tou [sic]
naqueles doentes mentais dos amigos43, tudo doido!” [risos]. Brincadeira! (Pedro)
Me sinto diferente dos outros. Incapaz de realizar determinada função, ou
tal função. (Plínio)
Para muitos portadores a esquizofrenia causa limitações decorrentes da
perda de algumas habilidades e, conforme Assis, Villares e Bressan (2008), a
percepção dessas perdas gera uma sensação de incapacidade e um sentimento de
inferioridade. Conviver com a esquizofrenia coloca uma série de situações difíceis e
o caminho para lidar com elas é um aprendizado constante. É muito difícil distinguir
quais questões são decorrências da doença e quais são as consequências das
situações as quais o portador vivencia. As decorrências da doença precisam de
tratamentos, em que os medicamentos são fundamentais, mas as situações vividas
pela pessoa demandam um aprendizado que é ela quem deve saber distinguir
(ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008, p. 12). No contexto escolar este fato se torna
um pouco mais complexo considerando que é um espaço de relações e de
convivência, o que torna comum que o aluno com esquizofrenia compare-se aos
outros alunos, sinta-se diminuído e perpetue um sentimento de fracasso diante da
vida.
43
Referindo-se ao serviço de reabilitação em saúde mental mantido pela Unisul (SAISM).
114
Eu me sinto assim inferior. A maioria dos esquizofrênicos tem estes
problemas, assim, fica se comparando com os outros [...] Todo esquizofrênico tem
uma ideia desse tipo. (Pedro)
Já, já, imagina [...] É aquela coisa né [sic], uma vez que tu foi [sic]
internado, todo mundo sabe, é pro [sic] resto da vida. Todo mundo fala, né? [sic] Isso
é normal, uma pessoa que sabe que tu foi [sic] internado num hospício ou
manicômio, acaba se tornando um estigma. Uma vez que tu foi [sic] internado, louco
pro [sic] resto da vida, que é como as pessoas veem, é uma pena [...] mas, fazer o
quê? (Pascoal)
Diante disso, o grande desafio do ambiente escolar, conforme coloca
Beyer (2006) é:
Construir e pôr em prática uma pedagogia que consiga ser comum ou válida
para todos os alunos da classe escolar, porém capaz de atender os alunos
cujas situações pessoais e características de aprendizagem requeiram uma
pedagogia diferenciada. Tudo isso sem demarcações, preconceitos ou
atitudes nutridoras dos indesejados estigmas. Ao contrário, pondo em
andamento na comunidade escolar, uma conscientização crescente dos
direitos de cada um. (p. 76).
As respostas dão a entender que a discriminação não aconteceu em
razão de as pessoas não saberem que eram portadores da patologia. Neste sentido,
Assis, Villares e Bressan (2008) descrevem múltiplos comportamentos do portador
de esquizofrenia ao se saber com a doença. Alguns afirmam contar para todos que
conhecem que são portadores de esquizofrenia e quem os aceitam para qualquer
atividade ou relacionamento o fazem sabendo dessa condição, por outro lado há
aqueles que não contam para ninguém, referindo que essa é uma questão particular
e ninguém precisa saber e, numa posição intermediária, há portadores de
esquizofrenia que falam de sua condição para pessoas nas quais confiam e têm
intimidade, mas não para outras, com quem têm um contato profissional ou
superficial. Esse último comportamento parece ter sido o caso dos portadores
entrevistados:
Não [...] quem não me conhece não sabe, quem olha não sabe que eu
sou doente. (Plínio)
115
Não, mas a esquizofrenia só desenvolveu depois do seminário, ninguém
sabia. Nenhum dos alunos sabia que eu tinha esquizofrenia, nem os professores.
(Paulo)
De outro modo, o relato de Pascoal indica que mesmo vivenciando
situações de discriminação, estas parecem não ter sido suficientes para imobilizá-lo,
já que ele entendeu como sendo normal. O entendimento que se pode ter deste
comentário pode estar no que Goffmam (1998) denomina de aceitação. Em suas
notas preliminares a respeito do estigma e identidade social, Goffman (1998)
comenta que:
Parece também possível que um indivíduo não consiga viver de acordo com
o que foi efetivamente exigido dele e, ainda assim, permanecer
relativamente indiferente ao seu fracasso; isolado em sua alienação,
protegido por crenças de identidades próprias, ele sente que é um ser
humano completamente normal e que nos é que não somos suficientemente
humanos. Ele carrega um estigma, mas não parece impressionado ou
arrependido por fazê-lo [...] A característica central da situação de vida, do
indivíduo estigmatizado pode, agora, ser vagamente, chamado de
“aceitação”. Aqueles que têm relações com ele não conseguem lhe dar o
respeito e a consideração que os aspectos contaminados de sua identidade
social os haviam levado a prever e que ele havia previsto receber; ele faz
eco a essa negativa descobrindo que alguns de seus atributos a garantem.
(p. 11).
Este mesmo portador em outro momento refere que:
Sim, eu até não tenho um sentimento de inferioridade porque eu fui
internado. Fui internado e daí? Eu tava [sic] precisando. Foi eu que pedi pra [sic] ser
internado naquela época, era uma coisa que eu precisava. Ajudou? Não, acabou
não ajudando tanto porque eu acabei recaindo, mas fazer o quê? Errei? (Pascoal)
Segundo Assis, Villares e Bressan (2008), não há resposta à questão
proferida por Pascoal. No entanto a prática mostra que se a pessoa que tem
esquizofrenia conseguir não se deixar afetar pelos comportamentos discriminatórios
já demonstra ter dado um grande passo. Isso não é fácil nem simples, mas é o
caminho mais efetivo, a exemplo de Pascoal:
É uma meta, né? [sic] A única meta que eu tenho de vida agora, que
116
posso dizer assim, se eu tenho um norte, se eu tenho algo por que lutar é mostrar
para mãe dentro de casa que estou forte e é isso, voltar a estudar e me reintegrar a
um mundo melhor. (Pascoal)
Para tanto, não se deixar paralisar pelos comportamentos discriminatórios
só é possível quando há uma parceria entre a pessoa com esquizofrenia e seus
entornos e, neste caso, a escola tem um importante papel. Não somente para
facilitar a aceitação sem discriminação ou preconceito do aluno com esquizofrenia
em seu interior, mas também como meio necessário para a mudança das condições
individuais de vida, propiciando a efetivação das metas e perspectivas para o futuro
do aluno portador de esquizofrenia. Diante destes relatos sobre as perspectivas de
futuro dos portadores, vê-se a importância da educação como um investimento para
a mobilidade social e a escola como um caminho necessário para a mudança das
condições individuais de vida (AGUIAR, 2009), não somente dos denominados
alunos comuns, mas também daqueles que vivem à sombra da esquizofrenia.
117
5 CONSIDERAÇÕES FINAIS
“Eu acho que a doença mental ou loucura pode ser
uma fuga também. As pessoas não
desenvolvem uma doença mental porque
elas estão no mais feliz das situações. Um
médico observou que era raro pessoas ricas
se tornarem esquizofrênicas. Se fossem
pobres ou se não tivessem muito dinheiro,
então era mais provável. E isso é natural, se
as coisas são muito boas, você pode
encontrar satisfação com o mundo como ele
é, como parece ser.”
(John Forbes Nash)
O presente estudo pretendeu apresentar a trajetória escolar de portadores
de esquizofrenia, considerando suas memórias e vivências escolares, seus projetos
e perspectivas de futuro, bem como conhecer a compreensão que os educadores
têm acerca da esquizofrenia.
O percurso mostrou que, em se tratando de produções científicas que
envolvam a relação esquizofrenia e educação escolar, nada ou muito pouco tem
sido desenvolvido no país. As razões para isso não são claras, mas o que pode se
entender é que, talvez, a esquizofrenia ainda possa ser vista pela comunidade
científica como um tema pertencente à área da saúde, mais precisamente da
psiquiatria.
Conforme apresentado e apesar do considerado avanço nas ciências
médicas e psicológicas, ainda há muito que fazer para a compreensão e o
entendimento sobre os aspectos que envolvem a esquizofrenia e educação. Ainda
hoje a patologia continua assustando mais que o razoável, criando uma atmosfera
de animosidade e de preconceito acerca de seu portador. Muitos ainda acreditam
em explicações mágicas ou místicas, imaginando tratar-se de algo relacionado à
possessão, fraqueza de caráter ou à dupla personalidade. Alguns supõem que seja
decorrente de problemas emocionais, familiares ou sociais ou acreditam que a
pessoa com esquizofrenia seja necessariamente uma pessoa agressiva, violenta ou
perigosa.
118
Há também uma polêmica entre os especialistas se ela seria uma doença
única ou um grupo heterogêneo de doenças, pois suas manifestações são variáveis,
podendo-se dizer que não se encontram dois pacientes idênticos, ou pelo menos
que manifestem igualmente os sintomas. Considerando a complexidade e a
multiplicidade de fatores que interagem na gênese e evolução, torna-se difícil, então,
fazer generalizações acerca da doença.
Sabe-se que ela existe em todos os povos e culturas e que afeta cerca de
1% da população geral. No Brasil, a cada ano há cerca de cinquenta novos casos
para cada cem mil pessoas, significando que uma média de oitenta mil brasileiros
manifestará a doença pela primeira vez, e implicando fortemente em um grande
desafio para quem vive a doença, para quem convive de perto e cuida daqueles que
adoecem, para quem a estuda e para os profissionais que almejam colocar em
prática intervenções que buscam, além da estabilização do quadro e do controle de
recaídas, recuperar aquilo que se perdeu com a manifestação dos sintomas. Além
disso, deve-se considerar que a grande maioria destes estará frequentando os
bancos escolares enquanto seus sintomas estiverem despontando.
Os sintomas geralmente iniciam quando o jovem se encontra em seu
processo de escolarização, mais comumente na faixa etária dos que estão
frequentando a educação básica. São os chamados sintomas pré-mórbidos, que se
apresentam de modo insidioso, quase imperceptíveis, por durante um longo tempo.
Em alguns casos estes podem perdurar por meses ou anos, sendo claramente
visíveis apenas na fase aguda da patologia, quando os sintomas são francamente
visíveis. É neste momento que, geralmente, portadores de esquizofrenia
interrompem seu processo de escolarização e, apesar do desejo de voltar aos
estudos, poucos o fazem, ao mesmo tempo em que a escola parece não estar
preparada para recebê-los.
A escola enquanto instituição é um espaço que proporciona um tempo de
aprendizagem, de convivência e de trocas, mas, simultaneamente, um espaço com
um tempo disciplinar e de vigilância, cuja vivência se torna marcada por uma
sociabilidade entre pares de uma mesma faixa etária. É neste espaço que se
manifestam as mais diversas modalidades de relações e onde se revelam intensas
emoções e trocas afetivas, onde o cuidado, como elemento necessário, torna-se
parte integral.
119
Uma das marcas essenciais da organização escolar é o seu caráter
universalista e totalitário, que colabora para que o processo ensino aprendizagem
ocorra numa homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para
todos, independente da origem social, da idade, das vivências ou das características
diagnósticas que possam estar portando. A escola parece não considerar a
diversidade que reina no seu interior, presente na figura, não somente dos alunos,
mas também dos educadores.
Considerando, então, estes contextos, a criança ou o jovem estudante
que foi acometido pela esquizofrenia acaba por manter-se no limite de suas
possibilidades. O ambiente que, a priori, deveria desempenhar um papel decisivo na
promoção do seu desenvolvimento tanto social como cultural e de ser facilitador para
que o mesmo vivencie sua trajetória escolar de modo satisfatório, apesar da
esquizofrenia, de certa forma pode contribuir para potencializar as características da
patologia, marcando o período escolar com memórias e lembranças desagradáveis,
como observado no relato de alguns portadores de esquizofrenia.
É preciso, dessa forma, preparar a escola para a esquizofrenia, pois,
como relatou uma educadora, a esquizofrenia está passando pela escola e eles não
estão se dando conta disso. Preparar a escola para a esquizofrenia implica fazer
valer a legislação vigente, que dispõe, em alguns de seus artigos, a garantia de
formação e capacitação dos educadores para lidarem com a diversidade, que
envolve não somente crianças com necessidades especiais, como reza a lei, mas
também aquelas que, aparentemente, são apenas tímidas, retraídas ou com
dificuldades cognitivas, mas que em seu interior aloja-se um vulcão, carregado de
sentimentos, emoções e sintomas, preparando-se para eclodir. A qualidade dessa
eclosão será melhor ou pior, mediada por tensão ou por alívio, dependendo de quem
estiver ao redor.
A qualificação do professor para a compreensão da esquizofrenia se
constitui, necessariamente, em uma forma de fortalecimento na atenção ao aluno em
suas dificuldades, em sua sintomatologia e em seu sofrimento. Pois, afinal, a
trajetória escolar de qualquer criança ou adolescente, independente de sua
condição, de sua história, de suas vivências, de suas habilidades e capacidades,
pode ser marcada por memórias e lembranças que despertem a satisfação da
conquista e não o medo pelo sofrimento. E, neste caso, a esquizofrenia é parte
integrante.
120
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SILVA, E. L. Metodologia da pesquisa e elaboração de dissertação. 3. ed. rev.
atual. Florianópolis: Laboratório de Ensino a Distância da UFSC, 2001. 121p.
127
SOBRAL, O. J. et al. O conhecimento do educador com relação a saúde mental
infantil no âmbito educacional. In: Revista de Educação, Linguagem e Literatura,
Inhumas (UEG), v. 1, n. 1, p. 122-131, mar. 2009. ISSN 1984-6576.
Disponível em: <http://www.ueginhumas.com/revelli/revelli1/numero_1/Artigo09.pdf>.
Acesso em: 25 mar. 2012.
SPINK, P. K. Pesquisa de campo em psicologia social: uma perspectiva pósconstrucionista. Psicologia & Sociedade, v. 15, n. 2, p. 18-42, jul./dez. 2003.
STEIN, S. A. Por uma educação libertadora. Petrópolis: Vozes, 1976. 108 p.
WELHAN, J. The antecedents of schizophrenia: a review of birth cohort studies.
Schizophrenia Bulletin, v. 35, n. 3, p. 603-623, 2009. ISSN 1745-1701.
YUNG, A. R.; McGORRY, F. P.; Predictions of psychosis. The British Journal of
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ZANINI, M. H.; CABRAL, R. Projeto terapêutico e miniequipes. In: MALTA, S. e cols.
Esquizofrenia: integração clínico-terapêutica. São Paulo: Atheneu, 2007. p. 1-10.
128
APÊNDICES
129
APÊNDICE A - Roteiro de entrevista para o portador de esquizofrenia
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA
REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA
DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS
Dado
Idade
Sexo
Escolaridade
Estado
civil
Participante
1. Como você descreve o período escolar?
2. Como se sentia na escola?
3. O que impediu / impede você de continuar a estudar?
Ocupação
Idade em que
abandonou
estudo
130
APÊNDICE B - Roteiro de entrevista para o familiar do portador de
esquizofrenia
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA
REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O FAMILIAR DO PORTADOR DE
ESQUIZOFRENIA
DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS
Dado
Participante
Idade
Sexo
Grau de
parentesco
Escolaridade
Profissão
Tempo de
convivência
com o
portador
1. Qual a razão para que seu familiar com esquizofrenia desistisse dos estudos?
2. Como a escola atendia / acolhia / recebia seu familiar com esquizofrenia?
131
APÊNDICE C - Roteiro de entrevista para educadores
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA
REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES
ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA EDUCADORES
DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS
Dado
Idade
Sexo
Formação
Tempo de
atuação
Nível de ensino em
que atua
Participante
1. Como você compreende a esquizofrenia?
2. Você (ou sua escola) recebe algum suporte: treinamento / capacitação /apoio /
assessoria de algum órgão / instituição, para lidar com alunos com esquizofrenia?
Qual?
3. Qual seu manejo / procedimento ao perceber a possibilidade de um aluno portar
esquizofrenia?
132
APÊNDICE D – Termo de Consentimento para Gravações de Voz
TERMO DE CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÕES DE VOZ
Eu, ________________________________________________________, permito
que a pesquisadora relacionada abaixo obtenha gravação de minha voz para fins de
pesquisa científica.
Eu concordo que o material e informações obtidas relacionadas à minha pessoa
possam ser publicadas em aulas, congressos, eventos científicos, palestras ou
periódicos científicos. Porém, minha identidade deve ser mantida em sigilo.
As gravações da voz ficarão sob a propriedade da pesquisadora pertinente ao
estudo e sob sua guarda, logo que concluir a pesquisa destruirá essas gravações.
Participante da pesquisa: ______________________________________________
RG: ___________________
Assinatura:
_________________________________________________________________
Pesquisadora: Rosane Romanha – (48 9996 0207 – [email protected])
Tubarão (SC), _________/ ________/ _________
133
APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO
MESTRADO EM EDUCAÇÃO
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Eu, _____________________________________________________, declaro estar esclarecido(a)
dos objetivos e dos procedimentos da pesquisa “Trajetórias Escolares de Portadores de
Esquizofrenia: uma reflexão sobre memórias escolares e sobre práticas docentes” e que
concordo em participar do estudo e com a publicação e/ou apresentação dos dados coletados, desde
que sejam respeitados os princípios éticos que me foram apresentados pelo pesquisador
responsável, a saber:
 O participante tem o livre arbítrio para aderir ou desistir, a qualquer momento, do processo da
pesquisa;
 O anonimato do participante será mantido em todos os registros da pesquisa;
 Não serão publicados dados que possam identificar o participante, bem como de pessoas citadas
por ele;
 A privacidade do participante será respeitada durante o processo, evitando exposição
desnecessária ou situações que possam causar constrangimentos;
 Não serão publicados dados que o participante não libere para divulgação;
 O participante não será exposto a riscos de nenhuma natureza que possa ferir sua integridade
física, mental e emocional;
 Serão respeitadas as expressões culturais e sentimentais dos participantes em relação ao objeto
do estudo;
 As expressões dos participantes que envolvam catarse também não serão julgadas, e somente
serão utilizadas caso sejam pertinentes ao objetivo do estudo;
 O processo da pesquisa não poderá interferir no cotidiano da vida do participante e do local onde
está sendo feita a pesquisa;
 Todos os momentos de interação, pesquisador-pesquisado, serão acordados com antecedência
entre ambos e avaliados a cada final de encontro;
 O estudo será apresentado de forma fidedigna, sem distorções de dados;
 Os resultados da pesquisa serão apresentados ao final da mesma, em forma escrita e em defesa
pública, nas dependências da universidade;
 Os dados obtidos poderão ser divulgados em outros meios tais como palestras e /ou publicados
em periódicos.
____________________
PARTICIPANTE
RG: ______________
________________________
ROSANE ROMANHA
Acadêmica Pesquisadora
Tubarão (SC), _______ de _______ de 20_____.
Contato: [email protected] – (48) 9996 0207
________________________
Drª TÂNIA MARA CRUZ
Professora Orientadora
134
APÊNDICE F - Trajetória Escolar – Portadores de Esquizofrenia
Período
Portador
Pedro
Paulo
Educação
Infantil
Ensino
Fundamental
1ª – 4ª
Ensino
Fundamental
5ª – 8ª
Ensino Médio
Incompleto
Ensino Médio
Completo
Supletivo do Ensino
Médio
Ensino
Superior
Frequentou
Jardim e Pré
Escola. Corria,
brincava com
colegas.
Desempenho
dentro do
padrão
esperado
Facilidade para
aprender, porém
muito ‘bagunceiro’.
Recebe apelido de
o “terror do JT”.
Chamado várias
vezes no setor de
orientação da
escola.
História de várias
‘recuperações’.
Fez aceleração da 5ª
a 7ª série e da 7ª
para 1ª em um ano.
Bagunça, gazeia
aulas, inicia uso de
drogas (maconha),
inclusive no colégio,
sem nunca ter sido
abordado. Apesar de
comportamento
irregular, mantém
facilidade para
aprender.
Reprova no
primeiro ano do
ensino médio e
abandona a escola.
Fora da escola
formal, faz curso
de informática.
Várias tentativas de
voltar a escola
normal, mas sem
sucesso. Tem
dificuldades de
aprendizagem em
razão da
exacerbação dos
sintomas neste
período.
Tentativas de retorno
aos estudos na EJA.
Faz aulas de português
e de física, porém sem
sucesso. Mais tarde
tenta fazer português e
química, também não
consegue. Professores
tentam auxiliá-lo, mas
não conseguem
manejo adequado em
relação aos sintomas.
Mantém-se fora da
escola.
Desejo em
fazer curso
de Direito.
Fez Jardim e
Pré-escola
com
desempenho
cognitivo
dentro do
esperado e
boa relação
com seus
pares.
Timidez.
Isolamento.
Dificuldade de
relacionamento e
aprendizagem. Alvo
de zombaria.
Professora grita
com ele. Trauma.
Pais chamados
com frequência na
escola.
Desde 5ª série
apresentava-se
isolado, quieto, sem
amigos, vítima de
bulling, dificuldade
de interação. Não
conseguia fazer
trabalhos em equipe
ou em duplas.
Desiste de estudar
na 8ª série.
Tentativa de fazer
o ensino médio em
Seminário. Desiste
novamente em
razão da pressão
que sofria e do
tratamento
(afastado por
ordem médica).
Mantém-se fora da
escola.
Iniciando curso
supletivo
Desejo em
fazer curso
de História.
135
Priscila
Frequentou
Jardim de
Infância e Préescola.
Desempenho
esperado para
o período.
Brigava na sala de
aula com os
colegas.
Dificuldade de
relacionamento.
Impaciência.
Instabilidade
afetiva.
Facilidade de
aprendizagem.
Plínio
Não fez Jardim
ou Pré Escola.
Entra direto na
primeira série.
Dificuldade em
matemática. Notas
ruins. Professora
exigente. Bom
comportamento e
relacionamento
adequado com
colegas e com
professores,
respeitando-os.
Mantinha dificuldade
de relacionamento e
socialização, mas
com facilidade na
aprendizagem. Nível
intelectual excelente.
Ao completar 8ª
série, diretora da
escola sugere que
não seguisse para o
ensino médio, pois
no segundo grau ela
não iria aguentar.
Ajudava os irmãos
na sua tarefa.
Corrige família
quanto a falar
português
corretamente.
Aumenta dificuldade
em matemática,
porém com facilidade
em outras
disciplinas. Ainda
assim tirava nota
vermelha. Discute
‘levemente’ com a
diretora e ‘assina
livro negro’.
Momentos de
isolamento e
retraimento – às
vezes esperava que
a pessoa o
procurasse para
conversar.
Fora da escola
formal, mas faz
curso de inglês e
pintura com bom
desempenho.
Fora da escola.
Fora da escola.
Sem planos
ou
perspectivas.
Refere melhora no
aprendizado e
facilidade nas
disciplinas que
envolvem cálculos
química, física,
direito, biologia,
língua portuguesa.
Melhoram as notas
e diminui
dificuldade em
matemática.
‘Deslancha’. Se dá
bem nas matérias,
passando sempre
com folga nas
notas. Mantém bons
relacionamentos,
com muitos amigos
na escola.
Consegue formar-se
no ensino médio e
entra para o quartel
do exército.
-o-
Desejo em
fazer curso
de Direito.
136
Pascoal
Fez Jardim de
Infância e Pré
Escola.
Chorava muito
porque
colegas
sabiam que o
pai o havia
abandonado e,
por esta razão,
zombavam
dele.
Dificuldade de
aprendizagem.
Problema na
coordenação
motora; não
conseguia escrever
corretamente –
letra feia. História
de reprovação. A
Escola mantinha-se
indiferente à sua
dificuldade e por
longo tempo sua
madrinha o treina
para melhorar
coordenação.
Reprova duas vezes
na sexta série.
Começa a estudar a
noite e surgem as
dificuldades. Início
de uso de drogas.
Começa mudanças
comportamentais.
Mãe é chamada na
escola, ouve
reclamação de parte
dos professores.
Pede auxilio, mas
não recebe apoio.
Escola sugere que
ele saía da escola.
Continua
freqüentando
escola, mas faz
muitas
reclamações em
razão da
impaciência do
professor. Mãe é
chamada e
igualmente reclama
de seu
comportamento –
dificuldade de
matemática. Não
se adapta ao
método de ensino.
Continua
estudando, vai bem,
ganha boas notas.
Ainda com
dificuldade de
matemática. Desiste
de escolar.
Retoma os estudos Fez supletivo – ensino
médio.
Aprovado
pelo histórico
escolar para
o curso de
psicologia. 3º
lugar entre
vinte e três
candidatos.
Declina por
falta de
recursos
financeiros.
137
APÊNDICE G - História Clínica – Portadores de Esquizofrenia
Período
Participante
Pedro
Paulo
História de transtorno
mental na família
0 – 6 anos
07-14 anos
15-18 anos
19-24 anos
25 anos
diante
Transtorno Depressivo
Maior: Tia
Corria, brincava, dentro
da normalidade.
Começam os
sintomas, mas ainda
sem saber do que se
tratava.
Aos 18 anos desenvolve
esquizofrenia, depois de
freqüentar o quartel do
exército.
Mantém-se em
tratamento
-o-
Transtorno Depressivo
Maior: Tio-avô (morte
por suicídio); Tio (irmão
da mãe – história de
internação psiquiátrica);
Avôs paternos
Parto normal, apesar de
prematuro. Dormia com
os pais, pois seu corpo
não aquecia. Quebrava
brinquedos.
Relacionamento
precário com seus
pares.
Poucos
relacionamentos de
amizade.
Apresentava-se quase
sempre muito tímido.
Isolamento e
retraimento social.
Idéias persecutórias,
alucinações auditivas
e afeto embotado.
Pensamento de morte.
Tentativa de suicídio.
Agitação psicomotora.
Baixa tolerância a
frustração. Aos quinze
anos exacerbam os
sintomas. Faz crise
psicótica aguda. Recebe
diagnóstico de
esquizofrenia e inicia o
tratamento.
Mantém pensamentos de
morte e idéias suicidas.
Responde bem ao
tratamento, tem
evolução positiva.
Atualmente com
sintomas controlados.
Melhora nos
relacionamento.
Diminui grau de
timidez e isolamento.
Sem idéias
persecutórias e / ou
alucinações.
Pensamentos de
morte controlados.
Sem idéias suicidas.
Amplia vínculos de
amizade, com maior
disposição para novos
contatos.
-o-
Parto normal, mas com
pré-eclampsia.
Funcionamento normal,
dentro do esperado
Tendência a
isolamento, pouca
reatividade afetiva,
emocionalmente
Sintomas exacerbam aos
dezessete anos. Faz
crise psicótica aguda e
interna por nove dias em
Alguns sintomas se
mantêm de forma
atenuada, mas ainda
com agitação,
Mantém-se em
tratamento.
Ainda com
alguns
Transtorno Bipolar: Mãe
(história de internação
psiquiátrica)
Priscila
Esquizofrenia: Avó
materna
em
138
Plínio
Esquizofrenia: Prima.
É filho adotivo e apesar
de não conhecer a mãe
biológica, tem notícias
de que a mesma tem
problemas psiquiátricos,
mas não sabe do que
se trata
Pascoal
Transtorno Depressivo
Maior: Prima
Esquizofrenia: Primo
para a idade. Brincava e
mantinha bons
relacionamentos com
seus pares.
instável, tiques,
agitação psicomotora,
fala fluente, nível
intelectual positivo,
indiferença afetiva,
Hospital Psiquiátrico.
Recebe diagnóstico de
esquizofrenia, com alta
pedida, pois sentia muita
saudade da mãe. Inicia
tratamento.
intolerância e fala
repetitiva. Sem
sintomas psicóticos
proeminentes.
comportamentos
desorganizados.
Adotado aos cinco
anos; antes disso
morava com avôs
biológicos. Refere
pouca ou nenhuma
lembrança desse
período.
Funcionamento
normal, apresentando
controle emocional.
Participava de várias
atividades: Na escola
jogava futebol, vôlei
basquete. Tinha vários
amigos, brincava de
bola de gude, jogava
peão. Bons vínculos
com família adotiva.
Sintomas
potencializaram.
Mantém
comportamento
desorganizado. Faz
crise psicótica aos 21
anos, quando inicia
tratamento. Fica
internado em hospital
psiquiátrico durante
um mês e recebe
diagnóstico de
esquizofrenia. Sai da
internação com alta
pedida. Médicos
queriam que ele
ficasse por três
meses. Sentia muita
falta de casa e
chorava muito quando
recebia visitas,
principalmente da mãe
adotiva.
Mantém-se em
tratamento e até
o momento está
sem sintomas
proeminentes.
Gravidez conflituosa.
Pai não aceita e não
reconhece paternidade,
Parto normal. Pai
Desde cedo com
poucos amigos. Pouco
participativo.
Mantinha-se na maior
Mantém funcionamento
normal até entrada para o
Exército. No quartel, as
pessoas começaram
notar que ele ficava
‘diferente’: Agitação
psicomotora; agressivo;
isolamento e retraimento
social; humor instável;
optava por atividades
solitárias. Sem iniciativa
de diálogo, mas quando
procurado conversa
normalmente.
Oficial do Exército o
convida a seguir carreira
militar. Ele nega, apesar
de ser seu desejo.
Mãe percebe suas
dificuldades e sofrimento
no quartel e pede para
que dêem baixa, porém
recebe negativa em
razão dele ter que
completar um ano na
ativa.
Começa a trabalhar de
estagiário na prefeitura
municipal. Fez crise
convulsiva e é levado ao
Encontra-se com o pai
pela primeira vez.
Intensificam as
mudanças
Mantém-se em
tratamento. Tem
várias recaídas,
inclusive ao uso
139
(quadro crônico).
abandona mãe e filho.
parte do tempo em
casa.
Demonstrava
interesse em participar
de shows, gostava de
mexer com
equipamentos de som.
Iniciam sintomas prémórbidos,
principalmente na
área da linguagem e
comportamento.
hospital. Colegas de
trabalho gostavam muito
dele. Sempre muito
honesto, demonstrando
respeito às figuras de
autoridade. Assumia
responsabilidade com
dinheiro. Inicia uso de
drogas, ainda assim é
considerado um bom
funcionário.
comportamentais:
diminui
comprometimento com
compromissos de
trabalho, passa a ter
dificuldade para
acordar. Faz crise
psicótica com
alucinações e delírios.
Internação por três
meses, sendo que os
trinta primeiros dias
em situação de
reclusão (solitária).
Perda séria de peso.
Recebe diagnóstico de
esquizofrenia e inicia
tratamento
de drogas.
Estabilizam-se
os sintomas.
Casa-se. Após
três anos
divorcia-se.
Sintomas
mantêm-se
estabilizados.
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