UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO – MESTRADO EM EDUCAÇÃO ROSANE ROMANHA TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES Tubarão 2012 ROSANE ROMANHA TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA REFLEXAO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES Dissertação apresentada ao Curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Educação. Orientadora: Profª. Dra. Tânia Mara Cruz Tubarão 2012 ROSANE ROMANHA TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E PRÁTICAS DOCENTES Esta dissertação foi julgada adequada à obtenção do título de Mestre em Educação e aprovada em sua forma final pelo curso de Mestrado em Educação da Universidade do Sul de Santa Catarina. Tubarão, 14 de junho de 2012 ____________________________________________ Orientadora: Tânia Mara Cruz, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina ____________________________________________ Professora Rosalba Maria Cardoso Garcia, Dra. Universidade Federal de Santa Catarina ____________________________________________ Professora Karin Martins Gomes, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina ____________________________________________ Professora Leonete Luzia Schmidt, Dra. Universidade do Sul de Santa Catarina “Eu sempre acreditei nos números, nas equações e lógicas que levam à razão. Mas, após uma vida de tais buscas eu pergunto: O que verdadeiramente é lógico? Quem decide a razão? Minha procura me levou através do físico, do metafísico, do ilusório e de volta. E fiz a descoberta mais importante da minha carreira, a descoberta mais importante da minha vida: É somente nas misteriosas equações do amor que qualquer razão lógica pode ser encontrada. Só estou aqui esta noite por sua causa. Você é a razão de eu existir. Você é todas as minhas razões! Obrigada.” (John Forbes Nash - discurso na Cerimônia Prêmio Nobel – Estocolmo, Suécia, 1994) ROMANHA, Rosane (Trajetórias escolares de portadores de esquizofrenia: uma reflexão sobre memórias escolares e práticas docentes). Dissertação. (Mestrado em Educação) Universidade do Sul de Santa Catarina, Tubarão, 2012. RESUMO A temática abordada no presente estudo trata das trajetórias escolares de portadores de esquizofrenia, assim como de práticas docentes relativas à esquizofrenia. Os objetivos envolveram compreender a trajetória escolar de portadores de esquizofrenia; reconhecer e reconstruir as memórias escolares junto aos portadores de esquizofrenia (e seus familiares); resgatar as práticas docentes em relação às experiências com alunos com esquizofrenia e apresentar as perspectivas de futuro dos portadores de esquizofrenia. É uma pesquisa exploratória, de caráter qualitativo, caracterizada como pesquisa de campo, levantando e aprofundando fenômenos concernentes à esquizofrenia por meio de entrevistas semiestruturadas. Devido à dificuldade de uma configuração de um campo que abrangesse todos os sujeitos optou-se pela constituição de um corpus que permitisse analisar trajetórias de portadores, seus familiares e educadores que, de algum modo, haviam estabelecido relação de professor(a)/aluno(a) com portadores(as). Os portadores de esquizofrenia (e seus familiares) foram selecionados entre os participantes de um serviço de saúde mental acessível à pesquisadora a partir de dois critérios: a interrupção do processo de escolarização e com os sintomas estabilizados. Os educadores foram escolhidos a partir de indicações de integrantes da rede pública de ensino, desde que atuassem em escolas públicas de educação básica. A análise de conteúdo serviu de subsídio para a categorização e problematização, contando com os referenciais da psicologia, mas em diálogo com teoria crítica de currículo e a concepção histórico-cultural de educação. Os resultados mostraram que a trajetória escolar dos portadores de esquizofrenia seguiu seu curso de modo satisfatório e que os alunos mantiveram-se na escola até a eclosão dos sintomas, quando se formalizou o diagnóstico de esquizofrenia, para a maioria demarcada com a entrada no ensino médio, quando começaram as dificuldades mais ligadas a aspectos relacionais do que cognitivos. A insuficiência de conhecimento/formação específica de parte dos educadores sobre 8 esquizofrenia também foi observado. No entanto, mesmo sem formação, identificaram-se experiências positivas por iniciativa de alguns educadores, demonstrando que é possível proporcionar uma trajetória escolar com qualidade, mesmo àqueles estudantes que vivenciam ou vivenciaram a experiência psicótica da esquizofrenia. Palavras-chave: Trajetória escolar. Esquizofrenia. Prática docente. Educação Básica. ABSTRACT The selected theme is school trajectories of schizophrenic patients, as well as teaching practices related to the disease. The goals involved understanding the educational trajectory of schizophrenic patients; recognize and reconstruct memories from school to patients with schizophrenia (and their families) to rescue the teaching practices in relation to experiences with students with schizophrenia and present the outlook of patients with schizophrenia. It is an exploratory, qualitative, characterized as field research, raising and deepening phenomena pertaining to schizophrenia through structured interviews. Due to the difficulty of setting a field to cover all the subjects opted by the establishment of a corpus allowing to analyze trajectories of patients, their families and educators who, somehow, had established relationship of teacher / student with carriers. The schizophrenic patients (and their families) were selected among participants in a mental health service accessible to the researcher based on two criteria: the interruption of schooling and symptoms stabilized, ie, outside the active phase of the disease. The educators were chosen from nominations by members of the public school system since acted in the public schools of basic education. The content analysis served as input to the categorization and questioning, with the reference of psychology, but in dialogue with critical theory of curriculum design and historical- cultural education. The results showed that the school trajectory of patients with schizophrenia took its course satisfactorily and that the students remained in school until the outbreak of symptoms, when it formalized the diagnosis of schizophrenia, for the most marked with the entry in high school when they began the difficulties linked to more than cognitive relational aspects. The lack of knowledge / training specific to the educators about schizophrenia was also observed. However, even without training, we identified positive experiences at the initiative of some educators, demonstrating that it is possible to provide a quality school career, even those students who experience or have experienced psychotic schizophrenia. Keywords: School trajectory. Schizophrenia. Teaching practice. Education. LISTA DE ILUSTRAÇÕES Quadro 1 – Dados sociodemográficos dos portadores de esquizofrenia .................. 19 Quadro 2 – Dados sociodemográficos dos familiares ............................................... 20 Quadro 3 – Dados sociodemográficos dos professores participantes ....................... 21 Figura 1 – Fatores responsáveis pelo desenvolvimento da esquizofrenia ................ 30 Quadro 4 – Sintomatologia da esquizofrenia ........................................................... 32 Quadro 5 – Fatores que sugerem bom e mau prognóstico ....................................... 36 Figura 2 – Descrição do curso da esquizofrenia ....................................................... 36 Quadro 6 – Comparação entre critérios diagnósticos estabelecidos para esquizofrenia de acordo com o DSM IV-TR e CID 10 ............................................... 37 Quadro 7 – Critérios diagnósticos dos subtipos de esquizofrenia ............................. 39 Quadro 8 – Subtipos clínicos de esquizofrenia listados pela CID 10 ........................ 40 LISTA DE SIGLAS BRASED – Thesaurus Brasileiro de Educação BSAG – Guia e Ajustamento Social Britânico CID – Classificação Internacional de Doenças DSM IV-TR – Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais EE – Emoção Expressada INEP – Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira MEC – Ministério da Educação NFBC – Northen Finland Birth Cohorts QI – Quociente de Inteligência RMf – Ressonância Magnética funcional SAISM – Serviço de Atenção Integral em Saúde Mental SEESP – Secretaria de Educação Especial SECADI – Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão TO – Terapia Ocupacional UNESCO – Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................... 11 2 MÉTODO................................................................................................................ 16 2.1 TIPO DE ESTUDO .............................................................................................. 16 2.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO ....................... 18 2.3 PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTO, REGISTRO E ANÁLISE DOS DADOS ..................................................................................................................... 22 3 REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................... 24 3.1 COMPREENDENDO A ESQUIZOFRENIA ......................................................... 24 3.1.1 Informações epidemiológicas ....................................................................... 26 3.1.2 Etiologia .......................................................................................................... 28 3.1.3 Características clínicas.................................................................................. 30 3.1.3.1 Sinais e sintomas pré-mórbidos .................................................................... 31 3.1.3.2 Manifestação clínica ...................................................................................... 31 3.1.3.3 Sintomas positivos e negativos ..................................................................... 33 3.1.4 Curso ............................................................................................................... 34 3.1.5 Prognóstico .................................................................................................... 36 3.1.6 Critérios diagnósticos.................................................................................... 37 3.1.6.1 Subtipos da esquizofrenia ............................................................................. 38 3.1.7 Tratamento ....................................................................................................... 40 3.1.7.1 O tratamento medicamentoso ....................................................................... 40 3.1.7.2 As abordagens psicossociais ........................................................................ 42 3.2 PERCURSOS INVESTIGATIVOS SOBRE ESQUIZOFRENIA E EDUCAÇÃO ESCOLAR ................................................................................................................. 44 3.2.1 Alguns estudos em esquizofrenia e escolarização ..................................... 45 3.2.1.1 Estudos em sintomas pré-mórbidos .............................................................. 46 3.2.1.2 Estudos envolvendo a participação de professores ...................................... 48 3.2.1.3 Estudos envolvendo curso, prognóstico e o abandono da escola ................. 49 3.3 CENÁRIOS ESCOLARES, CONTRADIÇÕES À ESQUIZOFRENIA .................. 50 3.3.1 A função social da escola.............................................................................. 51 3.3.2 Função docente da escola............................................................................. 52 3.3.3 Afeto e cuidado como dimensões educativas ............................................. 57 3.3.4 A escola e seus sujeitos ................................................................................ 60 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS ........................................... 67 4.1 MEMÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA .............. 67 4.2 PRÁTICAS DOCENTES E ESQUIZOFRENIA .................................................... 87 4.3 O (IM)POSSÍVEL FUTURO DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA .......... 103 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 117 REFERÊNCIAS ....................................................................................................... 120 APÊNDICES ........................................................................................................... 128 APÊNDICE A – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA ................................................................................................... 129 APÊNDICE B – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O FAMILIAR DO PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA ............................................................................................. 130 APÊNDICE C – ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA EDUCADORES .................. 131 APÊNDICE D – TERMO DE CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÕES DE VOZ .. 132 APÊNDICE E – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO ......... 133 APÊNDICE F – TRAJETÓRIA ESCOLAR – PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA ................................................................................................................................ 134 APÊNDICE G – HISTÓRICA CLÍNICA – PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA . 137 11 1 INTRODUÇÃO “Não tenho a pretensão de compreender a causa da doença mental nem todos os detalhes do assunto. Claro, eu não acho que ninguém faz. Eles estão tentando encontrar coisas. É muito popular hoje em dia encontrar explicações químicas, genéticas e talvez o que pode ser observado por imagem [...] Mas eu não acho que é tão simples, que todos os casos são necessariamente os mesmos. Os sintomas são muito coordenados, de modo que você pode definir a esquizofrenia ou a doença maníaco-depressiva em termos de sintomas, que são observados no comportamento.” 1 (John Forbes Nash) A temática abordada no presente estudo está diretamente vinculada às questões que envolvem a educação escolar e a esquizofrenia por meio de memórias escolares de portadores de esquizofrenia e práticas de educadores. A ideia original envolveu a constatação, no exercício profissional, de que, mesmo sinalizando o desejo por estarem estudando, jovens com esquizofrenia estão fora da vida acadêmica, e do interesse em conhecer a compreensão dos educadores acerca da esquizofrenia. O tema situa-se na área da saúde mental voltada aos processos educacionais, considerando a participação escolar um elemento importante para uma qualidade de vida que atenda às necessidades dos portadores de esquizofrenia. Se a vida acadêmica de uma pessoa é composta por trajetórias que culminam com a conclusão do ensino médio ou até mesmo um diploma universitário e possível inserção no mercado de trabalho, no caso de portadores de esquizofrenia, tais trajetórias podem ser interrompidas, dando lugar a uma vida de reclusão. Nos estudos encontrados não se apresentam categoricamente quais fatores contribuem para que a pessoa com esquizofrenia interrompa seus estudos, não retornando à vida acadêmica após a eclosão dos sintomas quando é formalizado o diagnóstico. A literatura é carente nas respostas. O que se percebe com clareza são os danos causados pela manifestação do transtorno e que manter1 Ao longo de todo o trabalho serão apresentados recortes da entrevista com o Prêmio Nobel de Economia, John Forbes Nash, ao Public Broadcasting Service (PBS) - fornecedor mais importante de programas de televisão para estações de televisão públicas dos EUA. 12 se fora da escola parece reforçar ainda mais o isolamento e o retraimento social característicos da doença, além de fortalecer o estigma e o preconceito em torno da mesma. Além disso, acredita-se na importância de conhecer a compreensão que os educadores têm acerca do transtorno, considerando que os mesmos são elementos importantes no processo de reabilitação e de reinserção social do portador e lidar com a diversidade parece ser um grande desafio para estes profissionais, habituados com a noção de que a sala de aula pode ser vista como um ambiente homogêneo, onde todos podem e devem ser abordados igualmente. No âmbito da educação, observa-se que a Secretaria de Educação Especial (SEESP) do Ministério da Educação (MEC) tem criado vários programas e ações, baseados na Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva, compreendendo o Programa de Educação Inclusiva e o Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial 2. Tais programas e ações têm provocado várias reflexões e conscientização sobre a importância de se incluir no ambiente escolar os indivíduos portadores de necessidades especiais, favorecendo um grande número de crianças, adolescentes e suas famílias. O documento elaborado por um grupo de trabalho nomeado pela Portaria nº 555/2007, denominado de Política Nacional de Educação Especial na Perspectiva da Educação Inclusiva3, que busca promover o atendimento às necessidades educacionais especiais de alunos com deficiência, altas habilidades/superdotação e transtornos globais do desenvolvimento, define estes últimos como aqueles que apresentam alterações qualitativas das interações sociais recíprocas e na comunicação, bem como um repertório de interesses e atividades restrito, estereotipado e repetitivo, incluindo neste grupo alunos com autismo, síndromes do espectro do autismo, e psicose infantil. É importante destacar que não há, no documento, uma especificação do que trata o termo psicose infantil, e que, em se tratando de diagnóstico, a psicose pode estar presente em vários subtipos de transtornos mentais, assim, a expressão ‘psicose infantil’ descrita no documento não 2 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12507&Itemid=826>. Acesso em: 06 fev. 2011. 3 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/arquivos/pdf/politicaeducespecial.pdf>. Acesso em: 06 fev. 2011. 13 necessariamente se refere à esquizofrenia infantil como descrita nos sistemas de classificação diagnóstica. Conceitualmente, na literatura psicopatológica, mais precisamente na área da psiquiatria, o termo psicose significa perda de contato com a realidade e sério comprometimento no funcionamento mental, social e acadêmico e está bem documentado no grupo dos transtornos psicóticos apresentado pelos sistemas de classificações diagnósticas mais utilizadas em todo o mundo, como a quarta edição – textos revisados do Manual de Diagnóstico e Estatística dos Transtornos Mentais DSM IV-TR (APA, 2002) e a décima edição da Classificação Internacional de Doenças - CID 10 (OMS, 1993). Nestes, a esquizofrenia aparece como um subtipo de transtorno psicótico e, ainda que não esteja declaradamente amparada pela Política Nacional de Educação Especial, será apresentada aqui como objeto de estudo. Em termos globais, a esquizofrenia hoje evoca nomes como o do matemático norte americano John Nash, retratado no filme Uma Mente Brilhante 4. Emergindo como um prodígio da matemática, Nash recebeu o Prêmio Nobel de Economia em 1994 por seu trabalho, mas teve sua carreira acadêmica interrompida ao ser afetado pela esquizofrenia quando ainda bem jovem, levando uma vida instável durante anos. A experiência de Nash retrata a experiência de outros tantos portadores de esquizofrenia que, em decorrência do transtorno, tiveram ou têm sua vida acadêmica interrompida, vivendo à mercê de seus efeitos. A esquizofrenia é considerada a mais complexa das doenças psiquiátricas (KAPLAN & SADOCK, 1997; LOUZÃ NETO, 1996; SADOCK & SADOCK, 2008) e, por mais avançados que estejam os estudos a seu respeito, particularmente voltados à área clínica e da saúde, estes ainda se mostram incompletos diante do efeito devastador e do impacto da mesma na vida, não somente do indivíduo, mas também da família. É um transtorno mental crônico que atinge em torno de 1% da população mundial (KAPLAN & SADOCK, 1997; LOUZÃ NETO, 1996; SADOCK & SADOCK, 2008, SHIRAKAWA, 2009; BECK et al., 2010; HALES & YUDOFSKY, 2006), podendo acontecer em diferentes etnias, sexo ou classe social. Tem um custo bastante elevado quando comparado a outros transtornos, principalmente àqueles 4 UMA MENTE BRILHANTE. Produção de Ron Howard e Brian Grazer. Estúdio Imagine Entertainment. São Paulo: Universal Pictures do Brasil Distribuidora, 2001. 135 min: DVD, DTS, som dolby digital, color, legendado, Port. 14 que necessitam de internação. A carga econômica para a família aumenta em razão do dispêndio financeiro com a manutenção do tratamento. Em alguns casos, um membro da família precisa parar de trabalhar para cuidar do familiar doente, fator que colabora para a diminuição da renda familiar. Além disso, o início dos sintomas acontece geralmente na adolescência (KAPLAN & SADOCK, 1997; LOUZÃ NETO, 1996; SADOCK & SADOCK, 2008, SHIRAKAWA, 2009; BECK et al., 2010; HALES & YUDOFSKY, 2006), época de muitas mudanças e, na maioria dos casos, quando as pessoas estão inseridas no processo de escolarização. Neste período o comprometimento nas relações interpessoais e sociais é frequente, levando o indivíduo a um isolamento cada vez maior, implicando seriamente no seu funcionamento ocupacional e acadêmico. É comum ouvir relatos de que pessoas com esquizofrenia interromperam seu processo de educação escolar, não dando continuidade em sua trajetória na vida escolar. Ao mesmo tempo, é importante refletir sobre as condições da escola para receber alunos portando esquizofrenia e se seus professores estão preparados para ter no ambiente escolar um aluno que vivenciou ou que ainda vivencia a experiência psicótica. Nota-se que as leis que regem a educação brasileira, em particular a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional (BRASIL, 1996) e o Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008, que dispõe sobre o atendimento educacional especializado (BRASIL, 2008a), apresentam as prerrogativas para a educação especial e asseguram aos educandos com necessidades especiais professores com especialização adequada, capacitados, para integração dos mesmos nas classes comuns. Igualmente, no campo da habilitação, a SEESP / SECADI5 do MEC oferece, entre seus programas e ações, o Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial6, enquanto a Secretaria Estadual de Educação do Estado de Santa Catarina, em sua Proposta Curricular (SANTA CATARINA, 1998), também dá ênfase à participação do professor, atribuindo ao mesmo o papel fundamental no processo 5 Devido à extinção desta secretaria, seus programas e ações estão vinculados à Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI). Outras informações estão em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=288&Itemid=355>. Acesso em: 10 abr. 2012. 6 Disponível em: <http://portal.mec.gov.br/index.php?catid=192:seesp-esducacao-especial&id=14188:programaformacao-continuada-de-professores-na-educacao-especial-modalidade-adistancia&option=com_content&view=article>. Acesso em: 10 fev. 2011. 15 formativo. Supõe-se, então, a partir disso, que os educadores sejam devidamente preparados e habilitados para desenvolverem estratégias viáveis para práticas educativas especiais, incluindo, neste caso, a esquizofrenia. Sendo assim e diante da problemática apresentada, visando alcançar respostas à questão de como ocorreu a trajetória escolar de portadores de esquizofrenia, o presente estudo tem como objetivo geral compreender a trajetória escolar de portadores de esquizofrenia, e como objetivos específicos reconhecer e reconstruir as memórias junto aos portadores de esquizofrenia e seus familiares, buscando observar os obstáculos pedagógicos na aprendizagem; resgatar as práticas docentes em relação às experiências com alunos portadores de esquizofrenia trazendo significados e sentidos da doença no cotidiano escolar; e apresentar as perspectivas de futuro dos portadores de esquizofrenia. A estrutura do presente estudo está desenhada em capítulos assim descritos: o segundo capítulo apresenta o método que delineia em suas categorias o tipo de estudo, os participantes da pesquisa e os critérios para seleção, assim como os procedimentos para levantamento, registro e análise dos dados. O terceiro capítulo apresenta o referencial teórico mostrando, em um primeiro momento, os aspectos que envolvem a esquizofrenia, descrevendo informações epidemiológicas, algumas explicações etiológicas, as características clínicas com ênfase nos sinais e sintomas pré-mórbidos, o curso e o prognóstico, os critérios para diagnóstico e os subtipos de esquizofrenia, assim como as diferentes modalidades de tratamento. A seguir, com base em estudos já desenvolvidos, são descritos os percursos investigativos sobre a esquizofrenia e a educação escolar e, por último, os cenários escolares, apresentando a função social e docente da escola, o afeto e o cuidado como dimensões educativas e os sujeitos que compõem a escola. O quarto capítulo aponta a apresentação e análise dos resultados, expondo primeiramente as memórias escolares dos portadores de esquizofrenia, sendo considerada também a participação da família; as práticas docentes e sua relação com a esquizofrenia e, por último, o (im)possível futuro dos portadores de esquizofrenia, descrevendo suas perspectivas e planos. Por fim, são apresentadas as considerações finais. 16 2 MÉTODO “Você não tem que ser um matemático para ter ideia de números. A relação de números não é necessariamente científica, e mesmo quando eu estava mentalmente perturbado, eu tinha muito interesse em números [...] Há uma transição de realmente ter mais interesse por números, como uma apreciação, talvez mágica ou divina, e uma mais científica, e estes não são necessariamente distantes.” (John Forbes Nash) Uma investigação científica depende de um conjunto de procedimentos e técnicas, denominado método, que é definido por Silva (2001) como a busca científica que o pesquisador empreende para desenvolver sua pesquisa, a fim de que os objetivos elaborados sejam atingidos. Para o autor, o método corresponde à linha de raciocínio adotada no processo de pesquisa, e é descrito como “um conjunto de processos ou operações mentais que se devem empregar na investigação.” (p. 25). Por não ser um fim em si mesmo, o método deve receber especial atenção por parte do pesquisador, já que estratégias metodológicas inconsistentes podem comprometer o rigor que deve haver no trabalho científico, criando vieses significativos. É neste cenário que, a seguir, será apresentada a trajetória metodológica do presente estudo no que se refere ao tipo de estudo, aos participantes da pesquisa e critérios de seleção, aos procedimentos utilizados para levantamento, registro e análise dos dados. 2.1 TIPO DE ESTUDO O modelo de investigação que ora se propõe segue o tipo exploratório, entendendo-o como sendo o mais adequado, já que o objeto de estudo em questão, 17 que envolve fenômenos pertinentes à esquizofrenia em relação à vida escolar de seus portadores e à compreensão da esquizofrenia pelos educadores parece pouco investigado. Sustentando esta proposta, Gil (1991) descreve que o estudo exploratório é escolhido especialmente quando o tema a ser investigado é pouco explorado, tornando-se difícil formular hipóteses precisas e operacionalizáveis, como neste caso. Gil (2002) enfatiza, ainda, que o objetivo de um estudo exploratório é “proporcionar maior familiaridade com o problema, com vistas a torná-lo mais explícito.” (p. 41). Do ponto de vista do procedimento, o presente estudo caracteriza-se como pesquisa de campo, pois promove um levantamento e um aprofundamento de fenômenos concernentes à esquizofrenia, envolvendo a interrogação direta de pessoas, neste caso, de portadores de esquizofrenia, seus familiares, e de educadores em seus contextos. O termo pesquisa de campo é normalmente empregado para descrever um tipo de pesquisa desenvolvida nos lugares da vida cotidiana e fora de laboratório ou de sala de entrevista. Para Gil (1991) e Rauen (2006), esta é uma modalidade de pesquisa que estuda um único grupo ou comunidade, sendo desenvolvido no próprio local onde ocorrem os fenômenos e conforme eles vão ocorrendo. Entretanto, buscando ressignificar os conceitos descritos por esses autores, vale assinalar as reflexões sobre pesquisa de campo, organizadas e elaboradas pelo Núcleo de Organizações e Ação Social da PUC-SP e apresentadas por Spink (2003). Após uma série de discussões, o grupo apresenta uma proposição de campo-tema, onde o campo não é mais um lugar específico, um universo distante, empírico, separado, não relacionado. O campo é um “complexo de redes de sentidos que se interconectam, um espaço criado, herdado ou incorporado pelo pesquisador ou pesquisadora e negociado na medida em que este busca se inserir nas suas teias de ação.” (SPINK, 2003, p. 28). Todavia, não quer dizer que seja um espaço criado voluntariamente, mas é debatido, negociado e examinado no decorrer da pesquisa e dentro de um processo que delineia um tempo e um lugar. Quando falamos em negociar falamos em processos que são multidirecionais. Processos que podem ser iniciados em qualquer momento e por qualquer parte, pessoa ou acontecimento. Muitos de nós tivemos a experiência de iniciar uma investigação no ponto A e terminar no ponto J, com uma questão diferente ou um outro ângulo, que foi sugerido de alguma 18 maneira por aquilo que aconteceu durante a investigação. Às vezes foram os próprios acontecimentos; às vezes foram os horizontes que abriram e fecharam; às vezes terminamos porque é um bom momento, porque não é possível avançar muito mais ou porque os caminhos estão fechados. (SPINK, 2003, p. 30). Assim é que, no presente estudo, a pesquisa de campo está configurada de modo que não se está indo exclusivamente ao campo, mas se está no campo, visto que os espaços para investigação não estão delineados unilateralmente, delimitados previamente, mas formalizados em caminhos diversos. A escolha pelo caráter qualitativo do presente estudo deve-se ao fato de esta abordagem contemplar, entre suas particularidades, a valorização da subjetividade humana, condição imprescindível para o alcance dos objetivos propostos. Silva (2001) considera que nesta abordagem há uma relação dinâmica entre o mundo real e o sujeito, ou seja, entre o mundo objetivo e a subjetividade do sujeito que não pode ser revelada em números. Neste sentido, Rauen (2006) refere que o pesquisador pode ser um agente de viés ou de criação dos dados, o instrumento primário, o instrumentochave. A pesquisa qualitativa, para esse autor, baseia-se em indivíduos interagindo com seu mundo social, esforçando-se para compreender situações únicas como parte de um contexto particular, buscando trazer novos elementos do fenômeno. 2.2 PARTICIPANTES DA PESQUISA E CRITÉRIOS DE SELEÇÃO O trabalho de campo foi desenvolvido junto a portadores de esquizofrenia7, participantes do Serviço de Atenção Integral em Saúde Mental – SAISM / Amigos da Saúde Mental, seus familiares, bem como de educadores. Para a inclusão dos portadores de esquizofrenia estabeleceu-se como critério de inclusão que tivessem vivenciado o abandono escolar e que estivessem 7 O termo Portador de Transtorno Mental é adotado pelo Ministério da Saúde para designar a pessoa acometida por um transtorno mental (BRASIL, 2001). Segundo Pimenta (2008), o termo reduz o diagrama de forças produtoras de modos de subjetivação ao seu efeito e objetiva a doença no sujeito. Para a autora, o portador é aquele que tem em si algo, porta alguma coisa. Neste caso, o transtorno mental em questão é a esquizofrenia, sendo, dessa forma, utilizado o termo portador de esquizofrenia para designar os alunos com esquizofrenia, participantes do estudo. 19 fora da fase ativa da doença, ou seja, com sintomas estabilizados. O início dos contatos com os portadores de esquizofrenia, para formalizar a participação no estudo, aconteceu diretamente no Serviço de Atenção Integral em Saúde Mental SAISM / Amigos da Saúde Mental, onde estão cadastrados e participam das atividades nas oficinas terapêuticas. Importante notar que o SAISM é um serviço de reabilitação em saúde mental vinculado à Gerência de Extensão da Unisul e tem como objetivo desenvolver ações de promoção, prevenção e reabilitação em saúde mental a portadores de transtornos mentais (prioritariamente egressos de hospitais psiquiátricos), bem como aos seus familiares e à comunidade acadêmica. Por se ter uma relação de trabalho com referido serviço, já se conhecia previamente parte da história pregressa dos portadores de esquizofrenia, mas, ainda assim, foram levantados junto a estes alguns aspectos de sua trajetória escolar (Apêndice F) e de sua história clínica (Apêndice G), para viabilizar os critérios para inclusão na pesquisa. Estas informações foram estabelecidas a partir de registros nos prontuários e de conversa informal com os mesmos e estão apresentados no quadro abaixo. Depois disso e após explicar sobre o estudo, foi feito o convite para participação na pesquisa, cujo aceite foi imediato. Participante 8 Idade Sexo Escolaridade Estado civil Ocupação Idade em que interrompeu o estudo Pedro 25 anos Masc. 1º ano – Ensino Médio Solteiro Desempregado / Pensionista 18 anos Paulo 20 anos Masc. 1º ano – Ensino Médio Solteiro Desempregado 15 anos Priscila 33 anos Fem. Ensino Fundamental Solteira Desempregada 14 anos Plínio 33 anos Masc. 3º ano – Ensino Médio Solteiro Aposentado 18 anos Pascoal 36 anos Masc. 3º ano – Ensino Médio Divorciado Aposentado 20 anos Quadro 1 – Dados sociodemográficos dos portadores de esquizofrenia. Fonte: Entrevista semiestruturada elaborada pela pesquisadora, 2011. Por considerar-se a família como sendo mediadora entre o portador de esquizofrenia e a escola, optou-se por incluí-la no estudo, elencando como critério 8 Para preservar a identidade dos participantes do estudo, incluindo os portadores de esquizofrenia, familiares e os educadores, optou-se pela utilização de nomes fictícios. 20 que o tempo de convivência entre os mesmos abrangesse a fase de escolarização dos portadores selecionados. A comunicação com o familiar foi inicialmente realizada através de contato telefônico, embora alguns deles também estivessem diretamente vinculados ao grupo de família do SAISM. Prontamente se dispuseram a participar do estudo, sendo as entrevistas realizadas em suas casas, após acerto sobre dia e horário. Uma descrição dos familiares participantes do estudo está apresentada abaixo. Participante Idade Sexo Grau de parentesco Escolaridade Profissão Tempo de convivência com o portador Fátima 61 anos Fem. Mãe 4º Ano – Ensino Fundamental Do lar Pensionista Desde o nascimento Fabiana 44 anos Fem. Mãe 4º Ano – Ensino Fundamental Aposentada Desde o nascimento Frederico 64 anos Masc. Pai 2º Grau – Ensino Médio Militar Aposentado Desde o nascimento Fernanda 52 anos Fem. Mãe 6ª Série – Ensino Fundamental Do lar Desde 05 anos Adotivo Felícia 59 anos Fem. Mãe 6ª Série – Ensino Fundamental Aposentada Desde o nascimento Quadro 2 – Dados sociodemográficos dos familiares dos portadores de esquizofrenia Fonte: Entrevista semiestruturada elaborada pela pesquisadora, 2011. A inclusão dos educadores foi efetivada considerando aqueles que atuassem na rede pública de ensino, em escola com ensino fundamental e ensino médio, preferencialmente que lecionassem para alunos portadores de esquizofrenia. Tendo estes quesitos como certos, foi feito contato com a Gerência Regional de Educação de Tubarão para indicação de escolas que tivessem casos de esquizofrenia, mas foi constatado que não havia informação a este respeito. Então, o caminho foi constituir o campo por iniciativa própria. Para tanto foi feito contato com uma professora, conhecida por meio de relações pessoais, que demonstrou interesse pela temática por ter vivenciado em sua escola três casos de alunos portando esquizofrenia. A entrevista aconteceu na escola onde a mesma trabalhava (e ainda trabalha) na função de Orientadora Educacional. Após a entrevista, a mesma indicou outras duas colegas da mesma escola e que estavam, igualmente, envolvidas com os casos. Ambas foram bem receptivas e concederam a entrevista no mesmo dia, porém em horários diferentes. 21 Até esse momento as entrevistas com os portadores de esquizofrenia e seus familiares já haviam sido realizadas e se percebeu que dois deles frequentaram duas escolas em comum. Este foi um ponto de curiosidade e de interesse. Por que não constituir o campo, também, com professores dessas escolas? Buscou-se, então, contatar pessoalmente as escolas citadas. Na primeira delas, o contato foi feito com o setor de Orientação Educacional e, imediatamente, após explicar sobre o estudo, a orientadora conversou com os professores que se encontravam na sala de professores, em horário de intervalo e, após um tempo, retornou referindo que teria que declinar da solicitação, justificando ‘falta de tempo’ de seus professores para participarem do estudo. Procedimento igual foi realizado com a outra escola, desta vez, fazendo contato com a secretária. Da mesma forma, foi explicado sobre a pesquisa e a mesma se comprometeu a conversar com os professores para verificar a concordância deles para as entrevistas e, em seguida, dar um retorno. Como não houve o retorno, entendeu-se que haviam declinado do convite. Parte do relato de dificuldades escolares dos portadores sobre essas escolas (apresentadas mais adiante) pôde ser confirmada pela própria negação do corpo docente em refletir sobre a problemática da esquizofrenia. Seguindo a busca, foi realizado contato por telefone com outra escola que, após ter sido explicado sobre o estudo, marcou-se horário para pessoalmente conversar com a professora que se disponibilizou para a entrevista. A quarta escola foi contatada pessoalmente e, no mesmo dia, foi realizada entrevista com a supervisora, que se disponibilizou prontamente a participar do estudo. Uma observação a ser feita é que, com exceção da escola em que trabalhava a primeira entrevistada e onde havia três alunos com esquizofrenia, as demais mencionaram nas entrevistas não haver casos de esquizofrenia entre seus alunos, ainda que portadores de esquizofrenia e a família as tenham referido em suas entrevistas como sendo o local onde os mesmos tivessem estudado anteriormente. Outra nota que merece registro trata-se da formação do campo que a princípio previa exclusivamente professores em sala de aula e terminou por se constituir como educadoras que vivenciaram a prática da docência e que no momento da entrevista exerciam funções como orientação pedagógica e supervisão, conforme apresentado a seguir. 22 Participante Idade Sexo Formação Tempo de atuação Nível de ensino em que atua Edna 49 anos Fem. Pedagogia – Orientação Educacional 31 anos Todos os níveis Atual: Ed. Básica Elena 48 anos Fem. Pedagogia 27 anos Ensino Fundamental Ester 47 anos Fem. Pedagogia 30 anos Ensino Fundamental Emília 43 anos Fem. Pedagogia – Orientação Educacional 23 anos Ensino Fundamental Eleonora 48 anos Fem. Pedagogia – Supervisão Escolar 30 anos Ensino Fundamental e Médio Quadro 3 – Dados sociodemográficos dos professores participantes. Fonte: Entrevista semiestruturada elaborada pela pesquisadora, 2011. 2.3 PROCEDIMENTOS PARA LEVANTAMENTO, REGISTRO E ANÁLISE DOS DADOS A entrevista semiestruturada foi a forma adotada para o levantamento de dados, cuja escolha se deu em razão de possibilitar que se discorra sobre o tema proposto, sem respostas ou condições pré-fixadas, permitindo mudanças de rumo no decorrer da entrevista, visando aprofundá-la no sentido dos objetivos maiores da problemática. A entrevista, por si só, é uma técnica muito utilizada em estudos qualitativos, constituindo-se num instrumento privilegiado de coletas de informações à medida que possibilita a fala dos participantes. Para Gil (2002, p. 114-115) a entrevista pode ser entendida como a “técnica que envolve duas pessoas numa situação ‘face a face’ e em que uma delas formula questões e a outra responde.” Os dados foram coletados por meio de um roteiro de entrevista, sendo um roteiro para portadores de esquizofrenia (Apêndice A), outro para os familiares (Apêndice B) e outro, ainda, para os educadores (Apêndice C). Estes roteiros foram elaborados em duas seções: uma com dados sociodemográficos dos participantes do estudo e outra composta por três questões abertas. As entrevistas foram realizadas individualmente, pela própria pesquisadora, no período entre julho e setembro de 2011, tendo como locais o 23 Serviço de Assistência Integral em Saúde Mental / Unisul (onde os portadores de esquizofrenia estavam cadastrados e participavam das atividades), a residência dos familiares, bem como as escolas contatadas anteriormente, sendo um número de três escolas. O período de duração das entrevistas foi de trinta minutos a uma hora, tendo sido devidamente gravadas. Cada participante foi informado sobre os procedimentos éticos que orientaram este estudo quanto à preservação da identidade do colaborador, sigilo da fonte das informações, sendo também orientado a assinar o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Apêndice E) e o Termo de Consentimento para Gravação de Voz (Apêndice D) que o qualificou para a participação como sujeito da pesquisa. Após a coleta de dados, estes foram transcritos e seus conteúdos levantados, categorizados em forma de tema e analisados à luz do referencial teórico, utilizando–se como instrumento para a análise a técnica da análise de conteúdo. Para tanto buscou-se orientação em Bardin (1994) para quem categorização se trata de uma operação que classifica elementos constitutivos de um conjunto por diferenciação, seguido de reagrupamento por critérios previamente definidos, investigando o que cada um deles tem em comum com os outros. A análise de conteúdo é definida pela autora como um conjunto de técnicas de análise das comunicações que aposta na heterogeneidade de seu objeto, visando obter, por procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens, indicadores e conhecimentos relativos às condições de variáveis inferidas na mensagem. Assim, a análise de conteúdo tornou-se útil para análise e compreensão dos elementos contidos nas respostas dos entrevistados. 24 3 REFERENCIAL TEÓRICO “Não houve qualquer insanidade embora na época houvesse alguns comportamentos incomuns. Eu fazia coisas estranhas de uma forma ou de outra. [...] Se eu me sentisse completamente sem pressão eu não acho que teria ido nesse padrão. Não é o elemento paranoico, não é apenas a esquizofrenia. Eu não sei o quê leva a quê. Eu não quero saber muito profundamente de mim mesmo. Eu sei que se eu pudesse realmente entender a doença mental, então seria conveniente fazer uma grande mudança na minha carreira.” (John Forbes Nash) 3.1 COMPREENDENDO A ESQUIZOFRENIA Apesar do considerado avanço nas ciências médicas e psicológicas, ainda há muito que fazer para a compreensão e entendimento sobre os aspectos que envolvem a esquizofrenia. Ainda hoje o termo continua assustando mais que o razoável, criando uma atmosfera de animosidade e de preconceito acerca de seu portador. Muitos ainda acreditam em explicações mágicas ou místicas, imaginando tratar-se de algo relacionado à possessão, fraqueza de caráter ou à dupla personalidade. Alguns supõem que seja decorrente de problemas emocionais, familiares ou sociais ou acreditam que a pessoa com esquizofrenia seja necessariamente uma pessoa agressiva, violenta ou perigosa (AFONSO, 2002; ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008). Em termos psicopatológicos, a esquizofrenia é referida como um transtorno psicótico, sendo caracterizado pela perda do contato com a realidade. Tradicionalmente considera-se uma doença causada por profundas alterações no afeto, por distúrbios na integração do pensamento e da conduta motora do indivíduo. Alguns teóricos a citam como uma doença do cérebro de causa (ou causas) 25 desconhecida, com manifestações diversas, cuja evolução varia de paciente para paciente. (KAPLAN & SADOCK, 1997; SADOCK & SADOCK, 2008; ZANINI; CABRAL, 2007; HALES & YUDOFSKY, 2006). Há também uma polêmica entre os especialistas se ela seria uma doença única ou um grupo heterogêneo de doenças, pois suas manifestações são variáveis, podendo-se dizer que não se encontram dois pacientes idênticos, ou pelo menos que manifestam igualmente os sintomas. (LOUZÃ NETO, 1996). Considerando a complexidade e multiplicidade de fatores que interagem na gênese e evolução, torna-se difícil, então, de se fazer generalizações acerca da doença. Sabe-se que ela existe em todos os povos e culturas, afetando cerca de 1% da população. Geralmente tem início antes dos vinte e cinco anos, e pode acontecer em qualquer classe sociocultural, com igual prevalência entre os sexos. (KAPLAN; SADOCK, 1997). No Brasil, a cada ano há cerca de cinquenta novos casos para cada cem mil pessoas. Considerando a população de 160 milhões existente no país, pode-se estimar que cerca de 1,6 milhões de pessoas no Brasil sejam portadoras de esquizofrenia e, também, que, a cada ano, uma média de oitenta mil brasileiros manifestará a doença pela primeira vez. A esquizofrenia traz ao seu portador prejuízos severos, capazes de interferir amplamente na capacidade de atender às exigências da vida e da realidade, o que pode causar um impacto devastador sobre os indivíduos e suas famílias. Neste sentido, Malta e colaboradores (2007) referem que a esquizofrenia é uma doença altamente complexa que representa desafios em muitos sentidos e esferas. Para o autor, os desafios estão para quem vive a doença, para quem convive de perto e cuida daqueles que adoecem, para quem a estuda e para os profissionais que almejam colocar em prática intervenções que buscam, além da estabilização do quadro e do controle de recaídas, algo mais. “Com sua idade de início precoce e seu curso crônico, a esquizofrenia gera grande quantidade de fardos e custos para o paciente, sua família e a sociedade.” (DE HERT; PEUSKENS, 2005, p. 383). Os relacionamentos interpessoais podem ser negativamente alterados, sendo que a maioria das pessoas com esquizofrenia não se casa e a maior parte mantém contatos limitados. “As pessoas com esquizofrenia frequentemente têm seu progresso educacional perturbado, geralmente sendo incapazes de terminar a escolarização ou manter um trabalho por períodos prolongados.” (APA, 2002, p. 307). Além disso, os pacientes e 26 suas famílias frequentemente sofrem pelo atendimento deficiente e o ostracismo social devido à ignorância generalizada acerca desta patologia. 3.1.1 Informações epidemiológicas Para o epidemiologista, a esquizofrenia apresenta um desafio singular devido à sua natureza multifacetada e às divergências em relação à definição de seus aspectos centrais e à amplitude de seu espectro. Conforme observou McGrath (2005), a epidemiologia da esquizofrenia passou por uma minirrevolução na última década, principalmente no que se refere a taxas de prevalência e incidência 9 e a relação entre os gêneros. Outras obras (SADOCK & SADOCK, 2008; BRESSAN & PILOWSKY, 2003; AFONSO, 2002; ABREU et al., 2006), ainda, mantêm a prevalência na vida de cerca de 1% para esquizofrenia, o que significa que uma de cada cem pessoas desenvolverá o transtorno durante sua vida. Tipicamente, a esquizofrenia começa no início da vida adulta, mas pode ser desenvolvida em qualquer idade, incluindo a infância. Estudos de prevalência no período de vida para esquizofrenia apresentam uma relação homens/mulheres próxima de 1, diferindo-se quanto ao início e curso10 da doença. Nos homens o início é mais precoce, em geral entre 10 e 25 anos, enquanto nas mulheres o início se dá mais tardiamente, normalmente entre 25 e 35 anos. O início da esquizofrenia antes dos 10 anos ou após os 60 anos é extremamente raro. Pessoas com esquizofrenia têm maior probabilidade de continuarem solteiras do que pacientes em outros grupos diagnósticos. Fatores como novos fármacos, políticas de desinstitucionalização11, ênfase nos processos de reabilitação 9 Prevalência é o número de casos existentes por unidade de população presente durante um intervalo de tempo. Incidência é o número de novos casos que surgem em um determinado tempo por unidade de população. 10 Referência à evolução da doença. 11 A desinstitucionalização pode ser entendida como um movimento que visa ao processo de substituição dos hospitais psiquiátricos tradicionais por serviços alternativos em saúde mental na comunidade, combinada com uma maior participação da família no tratamento de pessoas portadoras de transtornos mentais. Para Amarante (1995), a desinstitucionalização é um processo ético porque inscreve-se numa dimensão contrária ao estigma, à exclusão, à violência. É uma manifestação ética, sobretudo, se exercitada no sentido do reconhecimento de novos sujeitos de direito, de novos direitos para os sujeitos, de novas possibilidades de subjetivação daqueles que 27 e atendimentos comunitários levaram ao aumento nos casamentos e nas taxas de fertilidades entre portadores de esquizofrenia e podem estar contribuindo para o aumento de crianças nascidas de pais esquizofrênicos, colocando a taxa de fertilidade próxima da população geral. (SADOCK & SADOCK, 2008). Há um número desproporcionalmente maior de esquizofrênicos nascidos no final do inverno ou início da primavera, quando comparados com seus irmãos não esquizofrênicos ou com a população geral, sugerindo a presença de um fator sazonal. Em relação à raça, embora alguns estudos mais antigos relatem uma prevalência maior entre os negros, estes resultados presumivelmente representam uma aplicação de padrões de diagnóstico afetados por viés, ao invés de diferenças raciais reais. (GRIGGS, 2009). Quanto à classe socioeconômica, vários estudos mostram que a esquizofrenia encontra-se mais em pessoas de camadas sociais mais baixas. (GRIGGS, 2009). Para Hales e Yudofsky (2006), a baixa condição socioeconômica observada em esquizofrênicos provavelmente é decorrente dos efeitos debilitantes de seus sintomas, que comprometem o funcionamento social e ocupacional. Em relação a fatores populacionais, as taxas indicam uma maior prevalência de esquizofrenia em centros urbanos do que em áreas rurais. Verificam-se, também, altas taxas de esquizofrenia entre imigrantes quando comparadas à população nativa. Considerando a mortalidade e morbidez, Hales e Yudofsky (2006) referem que diferentes estudos durante os últimos 50 anos demonstravam uma crescente mortalidade em pacientes sofrendo de esquizofrenia. Antes de os tratamentos modernos tornarem-se disponíveis, muitos pacientes sofriam os efeitos adversos de sintomas psiquiátricos prolongados, desnutrição e os efeitos da hospitalização. Tuberculose e outras doenças infecciosas eram causas comuns de morte. seriam objetivados pelos saberes e práticas científicas (p. 121). A desinstitucionalização é considerada como desconstrução de saberes e práticas psiquiátricas, perspectiva que fundamenta o movimento de reforma psiquiátrica e a política de saúde mental brasileira, inspirada na proposta da psiquiatria democrática italiana. Nesse sentido, o movimento de reforma psiquiátrica brasileira busca a desconstrução da realidade manicomial - para além da queda dos muros manicomiais em sentido físico - e a construção de novas realidades, segundo novas bases epistemológicas, políticas e sociais, operando transformações de toda uma cultura que sustenta a violência, a discriminação e o aprisionamento da loucura. (PUEL, 1997). Com base nessas ideias de desinstitucionalização como desconstrução e de território é que o modelo de atenção em saúde mental brasileiro foi proposto no sentido de expandir e consolidar uma rede de atenção extrahospitalar, de modo a atender as demandas territoriais específicas sem desassistir e indo além da pura desospitalização. 28 Ainda, segundo os autores supracitados (2006), com os tratamentos modernos, o excesso de mortalidade é devido, agora primariamente, a suicídio e a acidentes. Aproximadamente 50% dos pacientes com esquizofrenia tentam suicídio e 10% obtêm sucesso em suas tentativas. Os fatores de risco para suicídio em pacientes esquizofrênicos incluem serem do sexo masculino, idade inferior a 30 anos, desemprego, curso recidivante crônico, depressão durante o último episódio da doença e alta recente. A partir dos estudos encontrados no decorrer desta pesquisa, pode-se supor que estes dados sejam decorrentes de levantamento estatísticos baseados no sistema público de saúde, que, por sua vez, atende portadores de esquizofrenia das classes trabalhadoras. 3.1.2 Etiologia Não se conhece nenhum fator específico que por si só justifique a causa da esquizofrenia. O que parece mais evidente, segundo Abreu et al. (2006), é que fatores genéticos, cerebrais, ambientais e de desenvolvimento estejam implicados na etiologia, fornecendo suporte para a hipótese da heterogeneidade. Estudos como o de Araripe Neto, Bressan e Busatto Filho (2007) indicam que, no último século, houve um avanço bastante considerável na fisiopatologia da esquizofrenia, evoluindo de teorias etiológicas unicausais para modelos mais complexos que consideram a interação de fatores genéticos e ambientais. Com aplicação da técnica de ressonância magnética funcional (RMf), foram identificadas disfunções em algumas áreas do cérebros de esquizofrênicos, principalmente nos córtices temporal, frontal, sensoriomotor e na amígdala. (BUSATTO FILHO, 2000). A herança genética tem um papel importante na explicação da origem da doença, embora isoladamente a hereditariedade não a explique. Estudos com famílias, gêmeos e adoção evidenciam uma contribuição hereditária para a esquizofrenia, mostrando que uma pessoa tem maior probabilidade de ter a doença quando outros membros de sua família são afetados. (SADOCK & SADOCK, 2008). Comentando estudos envolvendo a contribuição da genética no 29 entendimento da esquizofrenia, Hales e Yudofsky (2006) relatam que irmãos de pacientes esquizofrênicos têm um risco de quase 10% para a vida toda de desenvolver a doença, enquanto filhos que têm um dos pais com esquizofrenia têm risco para a vida toda de 5 a 6%; o risco aumenta ainda mais quando dois ou mais entes têm a doença, com uma expectativa para toda a vida de 17% para aqueles com irmão e um pai afetados e de 46% para filhos de pai e mãe esquizofrênicos. Estudos com gêmeos monozigóticos demonstraram taxas de concordância de aproximadamente 50% bem menor que a taxa entre dizigóticos, 10 a 14%. Considerando os sistemas de neurotransmissão cerebral, estes parecem estar alterados na esquizofrenia. A primeira hipótese neuroquímica surgiu da relação direta entre a potência dos antipsicóticos e sua capacidade de bloquear receptores dopaminérgicos (ABREU et al., 2006), já que a ação da dopamina está ligada a três sistemas principais no cérebro responsável pelos movimentos involuntários, pelas emoções e pelas funções cognitivas. Outras hipóteses, como a serotonérgica e a glutamatérgica (AFONSO, 2002), assim como a hipótese noradrenérgica (SADOCK & SADOCK, 2008) têm sido levantadas. Modelos biopsicossociais e ambientais também podem estar na gênese (causa) da esquizofrenia. Uma explicação biopsicossocial popular é o modelo de vulnerabilidade-estresse, refere Griggs (2009). Para Griggs, “fatores biológicos, genéticos, pré-natais e pós-natais tornam a pessoa vulnerável à esquizofrenia, mas o estresse ambiental determina se o transtorno vai se desenvolver ou não.” (2009, p. 355). O nível de vulnerabilidade da pessoa interage com os eventos estressantes sociais e cognitivos, determinando a probabilidade do transtorno. Outra explicação biopsicossocial é a denominada Teoria do Duplo Vínculo. Este conceito foi formulado por Gregory Bateson e Donald Jackson para descrever uma família hipotética na qual os filhos recebem mensagens parentais conflitantes envolvendo seu comportamento, atitudes e sentimentos. (KAPLAN & SADOCK, 1997). Segundo esta hipótese, as crianças retraem-se para seu próprio estado psicótico a fim de escaparem da confusão insolúvel do duplo vínculo. Níveis altos de emoção expressada (EE) podem contribuir tanto para o desenvolvimento de sintomas como para as recidivas. A EE pode ocorrer quando pais ou outros cuidadores são críticos ou hostis em excesso ou quando têm um envolvimento exageradamente intenso com uma pessoa com esquizofrenia. 30 Os modelos cognitivos sugerem que os transtornos cognitivos são indicadores centrais da esquizofrenia e formam a base da sintomatologia. (RODER et al., 2002). Muitos pensadores, começando com Kraepelin (1856-1926) e Bleuler (1857-1939), consideraram a esquizofrenia um transtorno neurocognitivo, no qual os vários sinais e sintomas refletiam os efeitos resultantes de um déficit cognitivo fundamental, apresentando desafios especiais para o desenvolvimento de modelos cognitivos devido à sua amplitude e diversidade de sintomas, incluindo percepção, pensamento, conduta, expressão emocional e capacidade de iniciar e completar comportamentos com metas definidas. Fatores Genéticos Fatores Ambientais Alterações do Desenvolvimento Embrionário do Cérebro Alterações Bioquímicas Alterações Estruturais Esquizofrenia Figura 1 - Fatores responsáveis pelo desenvolvimento da esquizofrenia. Fonte: LOUZÃ NETO, M. R. Convivendo com a esquizofrenia: uma guia para pacientes e familiares. 4. ed. São Paulo: Lemos Editorial, 1996, p. 50. 3.1.3 Características clínicas Segundo Sadock e Sadock (2008), a discussão dos sinais e sintomas clínicos da esquizofrenia levanta três questões-chaves. Os autores referem que, em um primeiro aspecto, nenhum sinal ou sintoma é patognomônico (próprio) da esquizofrenia: cada sinal ou sintoma observado na esquizofrenia pode ser visto em outros transtornos psiquiátricos ou neurológicos. Sendo assim, não é possível diagnosticar esquizofrenia somente a partir de um exame do estado mental sem 31 levar em consideração a história de vida da pessoa. Em segundo lugar, referem que os sintomas de um paciente mudam com o tempo. Por exemplo, “um paciente pode apresentar alucinações intermitentes e capacidade variável de desempenho adequado em situações sociais, ou sintomas significativos de transtornos do humor podem ir e vir durante o curso da esquizofrenia.” (2008, p. 166). 3.1.3.1 Sinais e sintomas pré-mórbidos12 São sinais e sintomas que precedem a fase prodrômica. A história prémórbida típica, mas não invariável, é de uma personalidade esquizóide ou esquizotípica; personalidades caracterizadas como quietas, passivas, com poucos amigos na infância, fantasiosas, introvertidas e, na maioria das vezes, retraídas. (SADOCK & SADOCK, 2008). De um modo geral, a criança é frequentemente descrita como sendo especialmente obediente e de jamais ter feito travessuras, enquanto o adolescente pré-esquizofrênico pode não ter amigos íntimos e experimentar poucos encontros românticos; ele pode também ter evitado esportes competitivos, mas gostar de ir ao cinema, assistir à televisão e escutar música, em detrimento de atividades sociais (KAPLAN & SADOCK, 1997). Durante esse estágio, podem desenvolver interesse em ocultismo, ideias abstratas, filosofia ou questões religiosas. A sintomatologia prémórbida pode incluir ainda comportamento acentuadamente peculiar, alterações no afeto, experiências perceptíveis incomuns ou ideias bizarras. Considerando as etapas do processo de escolarização (BRASIL, 2010), é provável que, nesta fase, a criança já se encontre nos primeiros anos do ensino fundamental. 3.1.3.2 Manifestação clínica 12 Sinais se referem a toda alteração objetiva, verificável pela observação direta do observador e sintoma é toda a informação subjetiva descrita pelo paciente, ou seja, sinal é tudo aquilo que o examinador percebe e sintoma é tudo aquilo que o paciente refere no momento da avaliação. (KAPLAN & SADOCK, 1997). 32 A manifestação clínica da esquizofrenia apresenta um conjunto de sintomas bastante diversificado, sendo, por vezes, de difícil compreensão. São sintomas que envolvem aspectos ligados ao comportamento e aos processos psicológicos básicos. Numa descrição geral, a aparência de um paciente com esquizofrenia pode variar desde uma pessoa completamente desleixada, aos gritos e agitada até alguém obsessivamente arrumado, silencioso e imóvel. (SADOCK & SADOCK, 2008). A identificação da sintomatologia da esquizofrenia é realizada pelo exame de estado mental, conforme se apresenta a seguir: (continua) Sintomatologia da Esquizofrenia – Avaliação de Estado Mental Processo Psicológico Básico Alteração / Sintoma Pensamento Conteúdo do Pensamento: os delírios representam o exemplo mais óbvio; são comuns delírios persecutório, de grandeza e de referência, assim como delírios de roubo de pensamento, inserção do pensamento e delírios de controle. Curso do Pensamento: incluem: afrouxamento ou desagregação das associações (um dos mais comuns), circunstancialidade, prolixidade, neologismos, ecolalia, verbigeração, mutismo, bloqueios e outros. Pode haver pobreza de conteúdo do discurso, que é quantitativamente adequado, mas transmite pouca informação porque é vago, excessivamente abstrato, ou excessivamente concreto, repetitivo ou estereotipado. Sensopercepção As principais perturbações da percepção são as várias formas de alucinações, as mais comuns são as alucinações auditivas e visuais. Alucinações imperativas (vozes de comando) podem ser obedecidas, o que cria algumas vezes perigo para as pessoas ou para os outros. Alucinações táteis, olfativas e gustativas também podem ocorrer assim como as alucinações cenestésicas. Ilusões também podem ocorrer principalmente na fase ativa. Humor, Memória A perturbação frequentemente envolve afetividade embotada ou inadequada, esta se manifesta como expressão facial inalterada, movimentos espontâneos diminuído, pobreza de gestos expressivos, ausência de inflexões vocais e fala retardada. Podem ocorrer ainda mudanças súbitas e imprevisíveis na afetividade, envolvendo acessos de raiva inexplicáveis; como também o paciente pode descrever sentimentos exultantes de onipotência, êxtase religioso, terror ante a desintegração de sua alma ou ansiedade paralisante acerca da destruição do universo. Conforme testada, permanece intacta. Orientação Geralmente se mantém a orientação em relação à pessoa, tempo e sentimento e afeto 33 (conclusão) Sintomatologia da Esquizofrenia – Avaliação de Estado Mental Processo Psicológico Básico Julgamento e insight Linguagem Comportamento Alteração / Sintoma espaço, mas alguns pacientes podem dar respostas incorretas ou bizarras às perguntas a respeito da orientação. Claramente, os pacientes são descritos com como tendo insight pobre a respeito da natureza e gravidade de seu transtorno. O discurso geralmente é pobre, comumente ocorrendo taquilalia, neologismo, mutismo e ecolalia, descarrilamento ou afouxamento das associações. Impulsividade: pacientes com esquizofrenia podem ser agitados e ter pouco controle dos impulsos; Violência: comportamento violento pode ser comum em pacientes não tratados e/ou em respostas a delírios persecutórios. Homicídio: apesar do sensacionalismo da mídia, pacientes com esquizofrenia não têm maior probabilidade de cometer homicídios do que um membro da população geral e, quando ocorre, pode ter razões imprevisíveis ou bizarras. Suicídio: cerca de 50% de todos os pacientes tentam cometê-lo, e de 10 a 15% o consumam. Outros sintomas comportamentais incluem: estereotipias, maneirismos, hipobulia, avolição, negativismo e catatonia, incluindo excitação e estupor catatônico, flexibilidade cérea e rigidez catatônica. A deterioração do comportamento social ocorre juntamente com retraimento social. Quadro 4 - Sintomatologia da esquizofrenia. Fonte: SADOCK, B. J.; SADOCK, V. A. Manual conciso de psiquiatria clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2008, adaptado. 3.1.3.3 Sintomas positivos e negativos O conceito de sintomas positivos e negativos foi formulado originalmente pelo neurologista britânico John Hughlings Jackson (1931), argumentam Hales e Yudofsky (2006). Os sintomas positivos são decorrentes de uma distorção do funcionamento normal das funções psíquicas e compreendem os delírios, as alucinações, a desorganização do pensamento e transtorno acentuado do pensamento formal, que é manifestado por incoerência acentuada, descarrilamento, tangencialidade ou ilogicidade; outros sintomas positivos incluem comportamento 34 desorganizado ou bizarro. Os sintomas negativos, por sua vez, são considerados consequência da diminuição ou perda das funções psíquicas e incluem a diminuição da afetividade e da motivação, pobreza de discurso e o retraimento social. 3.1.4 Curso Embora seja vista como um transtorno crônico, com início tipicamente na adolescência, o curso da esquizofrenia desenvolve-se em fases – prodrômica, ativa e residual, e pode seguir vários padrões. O desenvolvimento da fase ativa da doença geralmente é precedido por uma fase prodrômica, na qual há uma deterioração clara do nível de funcionamento anterior. O conceito de pródromo foi amplamente revisado por Yung e McGorry (2007) e definido como o período desde os primeiros sintomas visíveis até os primeiros sintomas psicóticos proeminentes (fase ativa). Yung e McGorry comentam que muitos sinais e sintomas prodrômicos são inespecíficos e podem ser o resultado de uma série de condições e que, mesmo atenuados ou isolados, os sintomas psicóticos podem não ser necessariamente o progresso para um transtorno psicótico franco, já que podem ser bastante comuns na população geral, dificultando sobremaneira o diagnóstico. Um atraso de um ou dois anos, entre o início da psicose até sua detecção e o tratamento adequado foram mostrados em vários estudos realizados na última década. (LOUZÃ NETO, 2004). A fase prodrômica, que se manifesta após apresentação de sinais e sintomas pré-mórbidos, é caracterizada por retraimento social e outras mudanças sutis no comportamento e na responsividade emocional; a pessoa pode ser vista como apresentando alterações inespecíficas do humor, diminuição da volição, alterações cognitivas – dificuldade de atenção e concentração, ideias de referência, experiências perceptuais incomuns e suspeição em geral na eminência da fase ativa; pode se apresentar ainda distante, indiferente, emocionalmente desapegado ou mesmo estranho ou excêntrico. (HALES; YUDOFSKY, 2006; ABREU et al., 2006). Amigos e parentes frequentemente descrevem o início dos sintomas prodrômicos como uma mudança na personalidade ou como não mais ser 35 a mesma pessoa. O pródromo varia em duração, mas tipicamente se desenvolve num intervalo de meses a anos e é seguido por uma fase ativa, na qual predominam os sintomas psicóticos. Neste ponto, a esquizofrenia se torna evidente e o diagnóstico, geralmente, é feito. Sintomas como alucinações e delírios floridos estão presentes, alarmando amigos e membros da família. É neste momento, refere Afonso (2002), “que os doentes são trazidos pela família a uma consulta com psiquiatra ou aos serviços de emergência já com um grande período de evolução do quadro psicótico.” Uma fase residual segue à resolução da fase ativa e é semelhante ao pródromo. (HALES; YUDOFSKY, 2006). Nesta fase, sintomas psicóticos podem se manter, mas de forma mais atenuada, podendo não ser tão problemáticos. Imprevisivelmente, sintomas da fase ativa podem ocorrer episodicamente com níveis variáveis de remissão entre episódios. As recaídas, ou seja, o retorno da sintomatologia aguda, com frequência pode ser precedido por eventos estressores ou por uso de substâncias psicoativas. Hales e Yudofsky (2006) indicam que os sintomas que precedem as recaídas incluem disforia, retraimento, distúrbios do sono, ansiedade e ideias de referência, e que os sintomas da esquizofrenia tendem a evoluir. A evolução clínica dos pacientes com esquizofrenia é bastante variável, indo desde uma recuperação completa até uma incapacidade completa. (ABREU et al., 2006; DITTMAR; BARBOSA NETO, 2007). Esses últimos autores (2007) indicam que estudos de coorte, alguns deles com tempo de observação superior a 30 anos, mostram a possibilidade desde a remissão clínica até a manutenção de um quadro com amplas perdas, impedindo seu portador de uma vida independente. Outros estudos, como o de McGlashan, indicaram que cerca de 10 a 15% das pessoas com esquizofrenia evoluem sem outros episódios, a maioria evolui com períodos de remissão e de sintomas proeminentes, e outros 10 a 15% evoluem com sintomas psicóticos crônicos. (McGLASHAN, 1988). 36 Sintomas Fase Pré-mórbidos Prodrômica Fase Residual Fase Ativa Figura 2 - Descrição do curso da esquizofrenia. Fonte: Elaborada pela autora, 2011. 3.1.5 Prognóstico13 No âmbito das doenças psiquiátricas, a esquizofrenia foi sempre considerada de mau prognóstico. Antes do advento das medicações antipsicóticas, mais precisamente em 1950, o prognóstico era muito reservado, quase sempre levando seu portador a situações de internações prolongadas em instituições psiquiátricas. (KAPLAN & SADOCK, 1997). Mais recentemente, o avanço na descoberta de novas medicações e de estratégias terapêuticas combinadas alterou sobremaneira o prognóstico da patologia. O quadro abaixo apresenta fatores que sugerem bom e mau prognóstico. (continua) Fator Sociodemográfico Genético 13 Bom prognóstico Mau prognóstico Sexo feminino Casado Nível elevado de instrução Bom apoio familiar Nível baixo de emotividade expressa na família Sexo masculino Solteiro Nível baixo de instrução Baixo apoio familiar Nível elevado de emotividade expressa na família Sem antecedentes familiares Com antecedentes familiares Refere-se a uma previsão da evolução da doença. 37 (conclusão) Início súbito em idades mais avançadas Presença de fator desencadeante Bom ajustamento social Tratamento precoce Número reduzido de recaídas Início lento e progressivo em indivíduos jovens Ausência de fator desencadeante Ajustamento social pré-mórbido pobre Traços esquizóides de personalidade Tratamento tardio Número elevado de recaídas e/ou internamentos Sintomas Predomínio de sintomas afetivos Boa resposta terapêutica Delírios sistematizados Presença de sintomas negativos Resistência à terapêutica Delírio bizarro Outros Boa adesão à terapêutica Integração em programas de reabilitação e reinserção social Má adesão à terapêutica Consumo e abuso de álcool ou drogas História da doença Quadro 5 - Fatores que sugerem bom e mau prognóstico. Fonte: AFONSO, P. Esquizofrenia: conhecer a doença. 2. ed. Lisboa / Portugal: Climepsi, 2002, p. 94. 3.1.6 Critérios diagnósticos O diagnóstico é um tema central nos estudos sobre esquizofrenia e, ao longo do tempo, vem sofrendo modificações. Não existem métodos objetivos para o diagnóstico dessa doença, refere Louzã Neto (2004). O autor revela ainda que não existem alterações morfológicas específicas no cérebro nem alterações em exames laboratoriais e dados típicos da história da pessoa que sejam suficientes para elaborar o diagnóstico; este é feito pela presença de um conjunto de sintomas conforme sistemas de classificação diagnóstica. Atualmente são utilizados os critérios diagnósticos elaborados pela CID 10 (OMS, 1993) e da Quarta Edição DSM IV-TR (APA, 2002), conforme segue abaixo: (continua) DSM IV-TR A. Sintomas característicos: Dois (ou mais) dos seguintes, cada qual presente por uma porção significativa de tempo durante o período de mês (ou menos, se tratados com sucesso): - delírios - alucinações - Discurso desorganizado - Comportamento amplamente CID 10 G1 Pelo menos um dos sintomas do item 1 ou pelo menos 2 da lista do item 2 devem estar presentes a maior parte do tempo, pelo menos 1 mês: Item (1) a. Eco do pensamento, inserção ou bloqueio de pensamento ou irradiação do pensamento. b. Delírio de controle, influência ou passividade, 38 (conclusão) DSM IV-TR CID 10 desorganizado ou catatônico - Sintomas negativos, isto é, embotamento afetivo, alogia ou avolição B. Disfunção Social/ocupacional: Por uma porção significativa do tempo desde o início da perturbação, uma ou mais áreas importantes do funcionamento, tais como trabalho, relações interpessoais ou cuidados pessoais, estão acentuadamente abaixo do nível alcançado antes do início (ou, quando o início dá-se na infância ou adolescência, fracasso em atingir o nível esperado de aquisição interpessoal, acadêmica ou ocupacional). C. Duração: Sinais contínuos da perturbação persistem por pelo menos 6 meses. D. Exclusão de Transtorno Esquizoafetivo e Transtorno do Humor: O Transtorno Esquizoafetivo e o Transtorno do Humor Com Aspectos Psicóticos foram descartados, porque (1) nenhum Episódio Depressivo Maior, Maníaco ou Misto ocorreu concomitantemente aos sintomas da fase ativa: ou (2) se os episódios de humor ocorreram durante os sintomas da fase ativa, sua duração total foi breve relativamente à duração dos períodos ativo e residual. E. Exclusão de substância/condição médica geral: A perturbação não se deve aos efeitos fisiológicos diretos de uma substância (por ex. uma droga de abuso, um medicamento) ou uma condição médica geral. F. Relação com um Transtorno Invasivo de Desenvolvimento: Se existe uma história de Transtorno Autista ou outro Transtorno Invasivo do Desenvolvimento, o diagnóstico adicional de Esquizofrenia é feito apenas se delírios ou alucinações proeminentes também estão presentes por pelo menos 1 mês (ou menos, se tratados com sucesso) Quadro 6 - Comparação entre claramente relacionado ao movimento do corpo, membros ou pensamentos, ações ou sensações específicas, percepção delirante. c. Vozes alucinatórias fazendo comentário contínuo sobre o comportamento do paciente ou discutindo entre si ou outros tipos de vozes alucinatórias vindas de alguma parte do corpo. d. Delírios persistentes de outros tipos, culturalmente inapropriados e completamente impossíveis, tais como identidade religiosa ou política, poderes e habilidades sobre-humanos. Item (2) e. Alucinações persistentes em qualquer modalidade que ocorram cotidianamente durante pelo menos um mês, quando acompanhadas por delírios sem conteúdo afetivo claro ou por idéias supervalorizadas persistentes. f. Neologismos, quebras ou interpolação no curso do pensamento, resultando em incoerência ou fala irrelevante. g. Comportamento catatônico, tal como excitação, postura inadequada ou flexibilidade cérea, negativismo, mutismo, estupor. h. Sintomas negativos, como apatia marcante, escassez da fala, embotamento ou incongruência de respostas emocionais. G2 Critérios de exclusão se o paciente preenche critérios para episódio maníaco ou depressivo ou critérios listados em G11 e G12 devem estar presentes primeiro. G3 Não deve ser atribuída à doença cerebral orgânica ou a álcool e a drogas. critérios diagnósticos estabelecidos para esquizofrenia de acordo com o DSM IV-TR e CID 10. Fonte: APA. Manual de diagnósticos e estatísticas de transtornos mentais – textos revisados – DSM IV-TR. 4. ed. Porto Alegre: Artes Médicas, 2002, p. 315-316 e ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE. Classificação de transtornos mentais e do comportamento da CID-10. Descrições clínicas e diretrizes diagnósticas. Porto Alegre: Artes Médicas, 1993, p. 86, adaptado com permissão de uso. 3.1.6.1 Subtipos da esquizofrenia 39 Como visto anteriormente, a esquizofrenia apresenta inúmeros sintomas, que se manifestam de diferentes maneiras. Embora isso ocorra, costuma-se delimitar alguns subtipos clínicos, uma vez que os sintomas normalmente se agrupam de forma semelhante. Neste sentido, o DSM IV-TR (APA, 2002) reconhece cinco subtipos de esquizofrenia, enquanto a CID 10 (OMS, 1993) define nove subtipos clínicos para esquizofrenia. Abaixo seguem critérios diagnósticos segundo DSM IV-TR e subtipos clínicos listados pela CID 10. Subtipos de esquizofrenia segundo o DSM IV-TR Critérios Diagnósticos para 295. 30 Tipo Paranóide A. Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios: B. Preocupação com um ou mais delírios ou alucinações auditiva freqüentes. C. Nenhum dos seguintes sintomas é proeminente: discurso desorganizado, comportamento desorganizado ou catatônico, ou afeto embotado ou inadequado. Critérios Diagnósticos para 295.10 Tipo Desorganizado Um tipo de Esquizofrenia no qual são satisfeitos os seguintes critérios: A. Todos os seguintes sintomas são proeminentes: (1) Discurso desorganizado (2) Comportamento desorganizado (3) Afeto embotado ou inadequado B. Não são satisfeitos os critérios para o Tipo Catatônico Critérios Diagnósticos para 295. 20 Tipo Catatônico Um tipo de Esquizofrenia no qual o quadro clínico é denominado por pelo menos dois dos seguintes sintomas: (1) Imobilidade motora excessiva evidenciada por cataplexia (incluindo flexibilidade cérea ou estupor) (2) Atividade motora excessiva (aparentemente desprovida de propósito e não influenciada por estímulos externos) (3) Extremo negativismo (uma resistência aparentemente sem motivo a toda e qualquer instrução, ou manutenção de uma postura rígida contra tentativas de mobilização) ou mutismo (4) Peculiaridades do movimento evidenciadas por posturas (adoção voluntária de posturas inadequadas ou trejeitos faciais proeminentes) (5) Ecolalia ou ecopraxia Critérios Diagnósticos para 295. 90 Tipo Indiferenciado Um tipo de Esquizofrenia no qual os sintomas que satisfazem os Critérios A estão presentes, mas não são satisfeitos os critérios para os Tipos Paranóide, Desorganizado ou Catatônico Critérios Diagnósticos para 295. 60 Tipo Residual Um tipo de Esquizofrenia no qual não são satisfeitos os seguintes critérios: A. Ausência de delírios e alucinações, discurso desorganizado e comportamento desorganizado ou catatônico proeminentes. B. Existem evidências contínuas da perturbação, indicadas pela presença de sintomas negativos ou por dois ou mais sintomas relacionados no Critério A para Esquizofrenia, presentes de forma atenuada (por ex. crenças estranhas, experiências perceptuais incomuns) Quadro 7 - Critérios diagnósticos dos subtipos de esquizofrenia. Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado do DSM IV-TR, com permissão de uso. 40 Subtipos clínicos de esquizofrenia listados pela CID 10 F20.x0: esquizofrenia paranóide F20.x1: esquizofrenia hebefrênica F20.x2: esquizofrenia catatônica F20.x3: esquizofrenia indiferenciada F20.x4: depressão pós-esquizofrênica F20.x5: esquizofrenia residual F20.x6: esquizofrenia simples F20.x8: outras esquizofrenias F20.x9: esquizofrenia não especificada Quadro 8 - Subtipos clínicos de esquizofrenia listados pela CID 10 (OMS, 1993). Fonte: Elaborado pelo autor, adaptado da CID 10. 3.1.7 Tratamento 3.1.7.1 O tratamento medicamentoso Até o início dos anos 50 não havia tratamento medicamentoso eficaz para a esquizofrenia; as poucas opções eram bastante limitadas e resumiam-se a opióides, barbitúricos, brometos e anti-histamínicos. (AFONSO, 2002). Em 1950, surgiu o primeiro fármaco específico que aliviava os sintomas da esquizofrenia, a clorpromazina, e é utilizado ainda hoje. Afonso (2002) comenta que a clorpromazina foi inicialmente sintetizada para ser utilizada na anestesia de pacientes cirúrgicos. A sua ação farmacológica se dá através do bloqueio, no cérebro, dos locais de atuação da dopamina, diminuindo a atividade desse neurotransmissor e, com isso, aliviando sintomas como delírios, alucinações, desorganização do pensamento e inquietação. Aos poucos foram surgindo outras medicações, indicadas ao tratamento da esquizofrenia que recebem, em conjunto, o nome de antipsicóticos, neurolépticos ou tranquilizantes maiores. Orientando sobre a função do tratamento farmacológico para a esquizofrenia, Louzã Neto indica que eles têm duas funções principais: “o alívio dos sintomas na fase aguda da doença e a prevenção de novos episódios da doença.” (1996, p. 56) e refere ainda que assim como todos os medicamentos utilizados em medicina, os neurolépticos apresentam efeitos colaterais que, às vezes, podem 41 preocupar tanto o paciente quanto seus familiares. Ainda conforme Louzã Neto (1996), os efeitos colaterais que podem ocorrer com os neurolépticos clássicos são: Distonia Aguda – manifesta-se por contrações musculares involuntárias, com movimentos dos olhos, da língua e do pescoço, ocorrem logo no início do tratamento de modo agudo, nas primeiras horas ou dias, e duram cerca de 20 a 60 minutos. Parkinsonismo – O nome vem da semelhança desses efeitos colaterais com os sintomas da doença de Parkinson. O paciente apresenta rigidez muscular, tremores, redução da expressão facial, lentidão de movimentos, anda com pequenos passos, como se estivesse robotizado. Esses sintomas surgem gradualmente ao longo de dias ou semanas de tratamento e tendem a diminuir um pouco com o passar do tempo de tratamento. Acatisia – O paciente sente desassossego, intensa inquietação nos membros inferiores, que fazem com que ele sinta uma necessidade de andar sem parar. Mesmo quando tenta ficar parado em pé ou sentado, seus pés continuam se mexendo, como se estivesse andando. Ao mesmo tempo fica ansioso e agitado. Em geral instala-se nos primeiros dias de tratamento, de modo relativamente agudo. Discinesia tardia - é um efeito colateral mais raro, que ocorre com o uso prolongado (meses ou anos) dos neurolépticos. O paciente apresenta movimentos involuntários na região da boca e lábios, às vezes em outras partes do corpo. Em geral os movimentos são discretos e os pacientes não os percebe. Trata-se de um efeito colateral mais grave, pois, algumas vezes, é irreversível e de tratamento delicado. A avaliação periódica do paciente permite a detecção precoce do mesmo, o que facilita o tratamento. Síndrome neuroléptica maligna – é bastante rara e se caracteriza por rigidez muscular, febre, alterações do ritmo cardíaco e da pressão arterial e sudorese excessiva. É um quadro grave que exige a suspensão imediata da medicação e tratamento hospitalar. Louzã Neto (1996) ainda ressalta que os pacientes não apresentam todos os efeitos colaterais de um determinado medicamento e que a intensidade destes varia de paciente para paciente, sendo alguns mais sensíveis que os outros. As pesquisas mostram que os benefícios suplantam de longe os efeitos colaterais e os riscos do uso de neurolépticos no tratamento da esquizofrenia. 42 O tratamento do portador de esquizofrenia pode ser dividido em duas fases: (1) tratamento do surto agudo da doença – quando o paciente se encontra com forte agitação, a ponto de colocar em risco sua própria vida ou de seus familiares, pode-se recorrer à internação. A decisão de internar vai depender da avaliação médica, onde se leva em conta o sofrimento do paciente e as condições de que a família dispõe para cuidar dele nessa situação. Já durante essa fase, têm início as abordagens psicossociais; e (2) o tratamento de manutenção, durante a remissão dos sintomas. A continuidade do tratamento será realizada em regime ambulatorial, no consultório ou hospital-dia. O tratamento de manutenção é fundamental para que se possam evitar novas recaídas. Uma das grandes dificuldades no tratamento de manutenção é garantir o uso da medicação. Por diversos motivos, os pacientes não tomam a medicação corretamente, seja porque não se acham doentes, seja porque os efeitos colaterais incomodam muito, seja por mero esquecimento. Os familiares podem ajudar bastante organizando a medicação do paciente, preparando um ‘esquema’ dos horários de tomar a medicação e auxiliando-o a lembrar-se da mesma. Para facilitar o tratamento foram desenvolvidos medicamentos em forma de injeção de longa duração (medicação de depósito ou depot). 3.1.7.2 As abordagens psicossociais Além dos medicamentos, vários outros procedimentos são necessários para auxiliar o paciente em sua reintegração global, já que “tomar medicamento é condição necessária, mas não suficiente, para o tratamento da esquizofrenia.” (LOUZÃ NETO, 1996, p. 63). Assim, o tratamento da esquizofrenia envolve um trabalho de equipe, onde diferentes profissionais atuam de modo simultâneo colaborando no processo de reabilitação cuja meta é propiciar ao paciente a melhor qualidade de vida possível dentro dos limites que doença impõe. O conjunto de abordagens a ser utilizado varia para cada paciente e ao longo da doença, de modo que o contínuo planejamento e monitoramento da evolução do paciente e sua adaptação psicossocial se fazem necessários. 43 Já durante o surto agudo da doença, esteja ou não internado, deve-se começar o acompanhamento psicoterápico do paciente e de sua família, inicialmente visando esclarecer sobre a doença e seu tratamento, posteriormente procurando elucidar e auxiliar na resolução das dificuldades que surgem. Abaixo, algumas das abordagens psicossociais utilizadas frequentemente no tratamento do portador de esquizofrenia. Terapia Familiar – As famílias tendem a culpar-se por qualquer doença ou acidente que ocorra a um de seus membros. O problema é intensificado no caso da esquizofrenia, uma vez que, em determinado período, muitos psiquiatras consideravam a patologia familiar como fator etiológico. Pode, portanto, ser difícil engajar o auxílio das famílias no programa de tratamento. Ainda assim, tem-se demonstrado que abordagens específicas à terapia familiar podem reduzir as taxas de recaída de alguns pacientes esquizofrênicos. As famílias com a chamada expressão emocional elevada podem ter interações hostis, críticas, emocionalmente superenvolvidas ou invasivas com os pacientes. Se estes comportamentos são modificados diretamente, a taxa de recaída para tais pacientes pode ser dramaticamente reduzida. Terapia de Grupo – A terapia de grupo geralmente focaliza os planos, problemas e relacionamentos da vida real. É particularmente efetiva para a redução do isolamento social, aumentado o senso de coesão e melhorando o teste de realidade dos pacientes. Psicoterapia Individual – Os portadores de esquizofrenia podem ser ajudados pela psicoterapia individual, que proporciona uma relação de tratamento e uma aliança terapêutica positiva. É um tratamento complementar à farmacologia e ajuda o paciente a integrar sua experiência psicótica, procurando alternativas na explicação dos psicoterapêutico sintomas, reduzindo, pode desenvolvido ser assim, treino o sofrimento. de No habilidades processo sociais e psicoeducação. Terapia Ocupacional – Na terapia ocupacional (TO) são desenvolvidas atividades principalmente manuais e de expressão, tais como pintura, trabalho com argila, desenho. Não há preocupação com desempenho e produtividade do paciente, importa o incentivo do contato do paciente com a realidade. A interação pacienteatividade-terapeuta auxilia na reorganização da capacidade de expressão do paciente. Pode ser realizada individualmente ou em grupo. 44 Outras abordagens – Hospital-dia, Hospital-noite e Pensão Protegida, Oficina Abrigada e Acompanhamento Terapêutico. 3.2 PERCURSOS INVESTIGATIVOS SOBRE ESQUIZOFRENIA E EDUCAÇÃO ESCOLAR A definição do termo educação escolar, empregado aqui, é a que está apresentada no Thesaurus Brasileiro de Educação (BRASED)14, e no portal do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira – INEP15. Conforme o Thesaurus Brasileiro, educação escolar é a: Educação oferecida pelos sistemas formais de ensino em escolas, faculdades, universidades e outras instituições, que geralmente se constitui numa "escala" contínua de ensino em tempo integral para crianças e jovens, tendo início, em geral, na idade de cinco, seis ou sete anos e continuando até os 20 ou 25. Nos níveis superiores dessa escala, os programas podem ser constituídos de alternância de ensino e trabalho. (cf. CIE 1997, UNESCO) ou um sistema formal de ensino constituído pelo ensino regular oferecido por instituições públicas e privadas, nos diferentes níveis da educação brasileira: educação básica e educação superior. (Cf. UFMG, 2003). Ou seja, educação escolar é a educação proporcionada por instituições educacionais, indo sistematicamente desde a educação infantil até os cursos de níveis superiores, concluindo com a obtenção de certificados, graus acadêmicos ou títulos profissionais, reconhecidos oficialmente. Para efetivar uma proposta inicial para o referencial teórico deste estudo produziu-se uma revisão bibliográfica em banco de teses utilizando-se inicialmente a palavra-chave esquizofrenia. Ainda que o resultado tenha indicado uma produção de 547 teses/dissertações, apenas onze indicavam estudos relacionados à esquizofrenia e educação, porém em nenhum havia referência à educação escolar. A investigação continuou com pesquisas em bibliotecas digitais e banco de dados de 14 Vocabulário controlado que reúne termos e conceitos, extraídos de documentos analisados no Centro de Informações e Biblioteca em Educação (Cibec), relacionados entre si a partir de uma estrutura conceitual da área. Estes termos, chamados descritores, são destinados à indexação e à recuperação de informações. 15 Disponível em: <http://www.inep.gov.br/pesquisa/thesaurus/>. Acesso em: 19 jan. 2011. 45 universidades nacionais com a mesma temática, mas igualmente sem sucesso, o que leva a crer na pouca produção cientifica nacional abordando a educação escolar de portadores de esquizofrenia. 3.2.1 Alguns estudos em esquizofrenia e escolarização As informações sobre a trajetória escolar de portadores de esquizofrenia comumente encontradas são as apresentadas em achados referentes principalmente aos estudos sobre o curso e o prognóstico da patologia, sendo que, na maioria dos casos, a ênfase é dada aos sintomas pré-mórbidos. Vale lembrar que o curso da esquizofrenia compõe-se de três fases distintas – a fase prodrômica, a fase ativa e a fase residual; os sintomas pré-mórbidos são os que aparecem antes da fase prodrômica e, considerando as etapas do processo de escolarização, neste período a criança geralmente se encontra nos primeiros anos do ensino fundamental. Frequentemente, o diagnóstico é atribuído quando os sintomas psicóticos são manifestados pela primeira vez – na chamada fase ativa, porém, evidências indiretas sugerem que crianças ou adolescentes predispostos a desenvolver esquizofrenia já apresentam declínio intelectual, déficits no ajustamento social e algumas anormalidades na conduta, demonstradas principalmente no percurso escolar. (SHIRAKAWA, 2009). Pesquisas na área da saúde que trazem dados sobre trajetórias escolares de portadores já diagnosticados com esquizofrenia mostram as interrupções no curso escolar como um dos efeitos da doença. O estudo de Koga e Furegato (2002), ao investigar os ônus adicionais impostos aos familiares de vinte pessoas com diagnóstico da esquizofrenia, apresentou em sua amostra dezessete pessoas como concluintes do primeiro grau, uma ainda analfabeta, uma concluinte do ensino médio e uma com curso universitário, sendo que nenhuma delas mantinha atividade acadêmica no momento da pesquisa. A razão para este achado não foi explanada pelos autores. Semelhantemente, o DSM IV–TR também assinala que em relação à vida acadêmica de portadores de esquizofrenia, “o progresso educacional 46 frequentemente fica perturbado, podendo o indivíduo ser incapaz de concluir a escolarização” (APA, 2002, p. 307). Quando se trata de obtenção de certificados, graus acadêmicos ou títulos profissionais, possibilitando inserção no mercado de trabalho, portadores de esquizofrenia podem ter uma trajetória incerta. Em seguida serão apresentadas as pesquisas encontradas que dialogam de algum modo com o tema aqui proposto. 3.2.1.1 Estudos em sintomas pré-mórbidos É geralmente aceitável que pessoas com esquizofrenia na idade adulta tenham apresentado, na infância ou adolescência, características incomuns tanto em nível de comportamento como em déficits no funcionamento escolar. Alguns estudos (BEARDEN et al., 2000; RABINOWITZ et al., 2000; SADOCK; SADOCK, 2008; HO CHAE et al., 2004) indicam que o estado pré-mórbido é preditivo da esquizofrenia e que adultos com esquizofrenia, já na infância, demonstravam desempenho mais fraco em testes neuropsicológicos e em testes de inteligência, apresentando déficits significativos na avaliação de Quociente de Inteligência (QI), com escores inferiores desde o jardim de infância até a escola secundária, quando comparados com grupos controles normais. Os estudos de Cannon et al. (1997, 1999) apontam, também, que crianças que desenvolveram a esquizofrenia na idade adulta tiveram desempenho escolar significativamente pior que do que seus pares, além de uma diferença considerável em habilidade social e no funcionamento escolar pré-mórbido. Estes pesquisadores realizaram um estudo longitudinal de base populacional, avaliando o desempenho escolar em crianças finlandesas que desenvolveram esquizofrenia na idade adulta. Foram investigadas também a elegibilidade e a progressão para o ensino médio entre os casos e controle. Os achados indicaram que os casos tiveram um desempenho significativamente pior que os controles em atividades não acadêmicas O estudo indicou também que os casos eram consideravelmente menos prováveis do que os controles para avançarem para o ensino médio. O mau desempenho 47 acadêmico no ensino fundamental não foi um fator de risco no estudo de Cannon et al., porém a falta de progressão, esperada para o ensino médio, entre os casos, apesar de boas notas escolares, fornece provas para a deterioração de ajustamento funcional pré-mórbido para esquizofrenia. O baixo desempenho escolar pré-mórbido também está bem documentado e marcado por uma necessidade de atenção especial, por menos participação e menor desempenho em atividades extracurriculares, por repetências e ainda por QI e notas mais baixas. (CANNON et al., 1999; CANNON et al., 1997; DAVIDSON et al., 1999; DONE et al., 1994; RABINOWITZ et al., 2000). Apesar destes resultados, é importante notar que a esquizofrenia não ocorre exclusivamente na população com o pior desempenho intelectual, e que também pode não preservar aquele que se saiu muito bem nas avaliações. Neste sentido, vale ressaltar a revisão de estudos de coorte de nascimento, realizada por Welhan (2009). Referindo-se aos estudos sobre antecedentes cognitivos e desempenho escolar, Welhan identificou que fatores de risco pré-mórbido para o desenvolvimento da esquizofrenia relacionados à escola (p. ex. repetir uma nota, as dificuldades de completar o nível final da escolaridade ou problemas sociais e comportamentais na escola) têm sido identificados, mas podem mostrar resultados mistos - o desempenho escolar pobre tem uma relação linear com a esquizofrenia, mas estes efeitos não estão restritos aos grupos com menor QI. Welhan (2009) percebeu, curiosamente, que o bom desempenho escolar também pode estar associado com esquizofrenia e faz referência ao estudo NFBC196616, onde foi constatado que 11% dos meninos com os sintomas pré-mórbidos tinham marcas mais positivas em comparação com 3% na população saudável, e ao estudo de Alaräisänen17 cujo resultado indicou que o bom desempenho escolar está associado ao risco aumentado de suicídio em portadores de esquizofrenia. 16 17 NORTHEN FINLAND BIRTH COHORTS – Autor: Marjo Ritta Jarvelin do Departamento de Epidemiologia e Saúde Pública do Imperial College London e do Departamento de Saúde Púbica e Medicina Geral e Familiar da Universidade de Oulu. O NFBC avaliou 12.231 pessoas nascidas em 1966. ALARÄISÄNEN, A. et al. Good school performance is a risk factor of suicide in psychoses: a 35year follow up of the Northern Finland, 1966 Birth Cohort. Acta Psychiatr Scand.Oulu, 2006;114:357–362. 48 Pode-se perceber então que, apesar de a maioria dos estudos indicarem a presença de marcadores pré-mórbidos para esquizofrenia, estes não são inteiramente consistentes. 3.2.1.2 Estudos envolvendo a participação de professores Um estudo desenvolvido no Departamento de Psicologia da Universidade do Sul da Califórnia, em parceria com o Centro de Estudos Longitudinais e com o Instituto de Ciência Social da Fundação Allan Hancock em Los Angeles – CA, investigando fatores de risco pré-mórbidos para psicoses – incluindo a esquizofrenia, revelou que professores primários conseguiram distinguir crianças pré- esquizofrênicas, ou seja, aquelas que mais tarde desenvolveriam esquizofrenia, identificando-as como sendo emocionalmente instáveis e mais suscetíveis a prejuízos emocionais e psicológicos, além de apresentarem tendências à repetência, relacionamentos pobres entre os colegas e comportamento disruptivo e agressivo. (OLIN; MEDNICK, 1996). Outros estudos (CANNON et al., 2001; BEARDEN et al., 2000) confirmam este achado, indicando que o ajustamento social pobre, a passividade, os problemas disciplinares, retraimento e isolamento social e a ansiedade foram as características mais observadas pelos professores. Na mesma linha de pesquisa, Done et al. (1994) investigaram o ajustamento social na infância de pessoas adultas com distúrbios psiquiátricos, admitidas em hospitais psiquiátricos, através da aplicação do Guia e Ajustamento Social Britânico (BSAG)18 e identificaram que, aos olhos dos professores, pessoas que mais tarde desenvolveram esquizofrenia diferiam de seus colegas, evidenciando uma tendência a serem ansiosos para aceitação, hostis com outras crianças e com adultos e a se engajar em comportamentos inconsequentes. No entanto, não foi encontrada muita evidência de isolamento social, fator que na maioria das vezes tem sido considerado como característica da criança pré-esquizofrênica. 18 Bristol Social Adjustament Guide – London: Hodder an Stoughton, 1987. Composto por um grande número de frases onde o professor é convidado a sublinhar as frases que descrevem o comportamento das crianças. 49 Alguns achados sugerem que os sintomas pré-mórbidos, que aparecem antes da fase prodrômica, assinalam alguns prejuízos no processo de escolarização e indicam que as pessoas diagnosticadas com esquizofrenia já evidenciam comportamentos desviantes antes do início da vida adulta; nestes casos os professores podem ser especialmente úteis na identificação de adolescentes com risco para uma futura psicose. (OLIN; MEDNICK, 1996; WELHAN, 2009). 3.2.1.3 Estudos envolvendo curso, prognóstico e o abandono da escola Outro aspecto a ser considerado na relação esquizofrenia e educação escolar são os estudos de curso e prognóstico. Informações referentes ao curso indicam que, após eclodirem os sintomas da fase ativa, pessoas com esquizofrenia geralmente abandonam os estudos, conforme mencionado no DSM IV-TR (APA, 2002, p. 307). No Brasil, um estudo avaliando o ajustamento social de 44 portadores de esquizofrenia, desenvolvido por Shirakawa (2009), revelou que 68,2% da amostra frequentaram a escola por mais de nove anos, sendo 34,1% com instrução superior. Porém, “mesmo com o bom nível educacional, não trabalhavam, viviam em casa, tinham ajustamento social pobre e eram dependentes da estrutura familiar em que viviam.” (SHIRAKAWA, 2009, p. 82). Estes achados correspondem às revisões de Libermam (1982) e denotam a dificuldade de adaptação dos pacientes à medida que transcorre o curso da doença, reforçando a noção de que a esquizofrenia é uma patologia que compromete o indivíduo quanto ao funcionamento educacional e, consequentemente, a capacidade para o trabalho. Um estudo de prognóstico após hospitalização realizado dentro de uma área de captação da cidade de São Paulo, num período de seguimento de dois anos a partir da inclusão, com uma amostra composta por 69 homens e 55 mulheres portadores de esquizofrenia, evidenciou que um baixo nível educacional (menos de 4 anos de educação formal) e o diagnóstico de esquizofrenia estiveram associados a um pior quadro psicopatológico. (MENEZES; NASCIMENTO, 1998). Os autores 50 referem ainda que uma associação entre o nível educacional e a presença de sintomas psicóticos indicou que pacientes com níveis de educação formal muito baixo têm riscos mais altos de apresentarem pior prognóstico, quando comparados com aqueles que têm educação básica, contrariando estudos de Huber, Gross e Shuttler (1975)19, Schubart et al. (1987)20 e Geddes et al. (1994)21 referidos por Menezes e Nascimento (1998). Nestes estudos, os autores perceberam que um nível educacional mais alto estava associado com melhor prognóstico, incluindo melhor ajustamento social. Confirmando estudos anteriores (ISOHANNI et al., 2005; CANNON et al., 1999), o estudo conduzido por Ang e Tan (2004) concluiu que em adultos jovens do sexo masculino, houve um declínio em habilidades acadêmicas e cognitivas, em torno de dois a quatro anos antes do início da psicose quando comparados com controles do mesmo sexo e idade, classe social e pontuações acadêmicas anteriores; e, em consequência, alcançaram menos tempo (anos) de estudo. Estes resultados apóiam a conclusão de que um fator cognitivo está presente antes do início da psicose e, quando associado a fatores comportamentais, pode contribuir para um desfecho ruim da esquizofrenia e comprometer a continuidade nos estudos. Como visto, os estudos voltados à relação da esquizofrenia e educação escolar, em sua maioria, dizem respeito ao momento anterior à manifestação dos sintomas, na chamada fase prodrômica. Fatores como déficits cognitivos, baixo nível de inteligência, comportamentos desajustados, isolamento e retraimento social, característicos desta fase, são assinalados como comprometedores para o desempenho escolar, afetando, de certo modo, a trajetória escolar. 3.3 CENÁRIOS ESCOLARES, CONTRADIÇÕES À ESQUIZOFRENIA 19 20 21 HUBER, G., GROSS, G.; SHUTTLER, R. A long-term follow-up study of schizophrenia: psychiatric course of illness and prognosis. Acta Psychiatrica Scandinava 52:49-57, 1975. SCHUBART, C. et al. Factors influencing the course and outcome of symptomatology and social adjustment in first-onset schizophrenics. In: Search for the cause of schizophrenia (HAFNER H, GATTAZ W F, JANZARIK W, eds.), Springer-Verlag, Berlin, Heidelberg, 1987. pp 98-106. GEDDES, J. et al. Prediction of outcome following a first episode of schizophrenia. British Journal of Psychiatry, 1994. 165:664-668. 51 3.3.1 A função social da escola Dentre as muitas concepções de escola, cabe aqui explicitar de que escola se fala nesta pesquisa. Em uma sociedade capitalista, no dizer de Frigotto (2009), “a educação funciona, dominantemente, como sistema de internalização dos conhecimentos, valores e cultura funcionais à reprodução da (des)ordem do metabolismo do capital.” (p. 134). Em concordância com o autor, partilha-se dos limites apontados à escola. No entanto, ao criticar os liberais da educação que veem na educação apenas os mecanismos de acesso a esse conhecimento dominante, o autor também aponta que cabe aos educadores a problematização desses espaços em um exercício de contra-hegemonia. A escola, pensada como instituição que objetiva socializar as gerações que se sucedem, estabelece uma ação conservadora que visa a “garantir a reprodução social e cultural como requisito para a sobrevivência da sociedade” (GÓMEZ, 1998, p. 14). De um lado, ela provoca a aprendizagem de conhecimentos, ideias, atitudes para incorporar o sujeito na vida política e social, considerando-o um ser como todos os demais com direito a uma vida pública e, por outro, nega, de fato, essa incorporação ao exigir, no mundo do trabalho, a obediência e o conformismo para com as diferenças sociais, aceitando a arbitrariedade cultural como natural. Evidentemente, o processo de reprodução não se dá sem contradições e lutas porque o processo de socialização ocorre em meio a práticas sociais também contraditórias efetuadas que são resultantes de contextos particulares e que permitem o questionamento da hegemonia. A escola é um espaço de relações conflituosas como qualquer outra instituição e nos interstícios de uma autonomia relativa ocorrem os desequilíbrios onde as ações docentes e as interações entre docentes e alunos (e seus familiares) terminam por denunciar os limites do discurso igualitário da escola. A função educativa da escola, ou seja, a utilização do conhecimento social e historicamente construído que pode permitir conhecer os mecanismos da ideologia dominante pode, ao mesmo tempo, ampliar a capacidade da escola de minimizar as desigualdades socioeconômicas, exercendo um papel de mediação crítica entre alunos e conhecimentos. Assim, apreender a escola como construção social implica, dentre outras perspectivas, compreendê-la em seu fazer cotidiano, onde os sujeitos não são 52 apenas atores passivos, mas, ao contrário, deve-se compreendê-la como uma contínua construção de conflitos e negociações em função de determinadas circunstâncias. Neste sentido o processo de socialização na escola não é tão simples, nem tão linear, já que “diferenciados numa sociedade diferenciada, até fragmentada, os estudantes trarão à escola as marcas e os estigmas da diferenciação social em todos os aspectos.” (OLIVEIRA, 1994, p. 125). Dessa forma, os alunos aprendem e desenvolvem habilidades e condutas não apenas em resposta à transmissão e troca de ideias e conhecimentos apresentados no currículo oficial, mas também, e principalmente, como consequência das interações sociais de todo tipo que ocorre na escola ou na sala de aula. Gómez (2001) assinala a distinção de três tipos de contextos básicos que envolvem as interações sociais na sala de aula: o contexto sociocultural, que se refere à diversidade e à pluralidade nos padrões de comportamento, entendimento e comunicação relacionados com o gênero, raça e classe social ou ainda ao grupo cultural; o contexto político, que se refere à forma de distribuição do poder entre os indivíduo e grupos, criando estereótipos que condicionam as relações; e o contexto histórico, que se refere tanto à história concreta de um indivíduo em particular ou grupo de indivíduos na escola como a história da própria escola e do sistema em seu conjunto. No caso da criança com características pré-mórbidas da esquizofrenia o ambiente que, a priori, deveria desempenhar um papel decisivo na promoção do seu desenvolvimento tanto social como cultural termina por contribuir para potencializar o retraimento e isolamento social que são típicos desta fase. Neste sentido, há que se concordar com Gómez (1998) quando refere que a escola transmite e consolida o individualismo, a competitividade, a falta de solidariedade. Para o autor, “assume-se a idéia de que a escola é igual para todos, porém cada um chega onde suas capacidades e esforços pessoais lhes permitem.” (p. 14). Certamente, a escola pode e deve ser um espaço de ampliação tanto em experiências como de formação de grupos e de vivências sociais. E é no espaço físico, em sua arquitetura, que se criam formas de sociabilidade, de interação, de troca de informações, é onde se materializa uma convivência rotineira, já que as evidências indicam que este é, essencialmente, um espaço coletivo, de relações grupais. No momento em que os jovens cruzam o portão gradeado, ocorre um ‘rito de passagem’, à medida que assumem um papel diferente daquele desempenhado 53 em casa, tanto quanto no trabalho, ou mesmo no bairro ou ainda entre amigos. (DAYRELL, 1996). Assim, na vivência coletiva travada no interior da escola, no convívio diário no espaço escolar em meio ao processo educativo é que o aluno, gradativamente, poderá se perceber e tomar consciência a respeito de si mesmo, dos seus parceiros, das afinidades e amizades e, sobretudo, construir sua autoimagem e identidade como sujeito sociocultural. Diante dessa afirmativa, vale lembrar, conforme refere Forquin (1993), que existe entre educação e cultura uma relação íntima e que, se toda educação é sempre educação de alguém por alguém, ela supõe sempre também, necessariamente, a comunicação, a aquisição de algo, a saber, o conhecimento, as competências, crenças, hábitos, valores, que constituem o que se chama precisamente conteúdo da educação, ou seja, os elementos que propiciam a aquisição do conhecimento e que fortalecem a função docente da escola. 3.3.2 Função docente da escola Um ponto de partida para uma reflexão acerca da aprendizagem na escola diz respeito à constatação científica, apresentada por Stein (1976), de que o ser humano é um animal programável e, por ter alcançado um grau mais elevado de evolução, não tem instintos e não nasce com habilidades, mas com a possibilidade de adquirir habilidades. Fazendo alusão ao O Enfant de Sauvage de Illich22 em que o autor, ao raciocinar além desta constatação, defende a escolarização total, Stein (1976) concorda com a afirmação da necessidade humana de educação e relata que o processo educacional é, por definição e por constatação, inerente à condição humana, e que toda criança (como todo adulto retardatário) deve ser educada, pois a evolução da humanidade são construções seqüenciais resultantes da interação entre o indivíduo e o meio. (p. 34). Se a educação é inerente à condição humana, e se o ser humano é um detentor da possibilidade de desenvolver habilidades, a educação escolar se torna, 22 Referência da obra: LIMA, L. O. O Enfant Sauvage de Illich numa sociedade sem escolas. São Paulo: Vozes, 1975. 104 p. 54 por excelência, o caminho ideal. E isso se dá à medida que “a escola se apóie no conhecimento público das ciências, da filosofia, da cultura, das artes, para provocar o desenvolvimento do conhecimento privado de cada um dos alunos.” (GÓMEZ, 1998, p. 22). Ao que parece, a finalidade primordial do processo educativo na escola é assegurar que os educandos tenham condições de se desenvolver social e intelectualmente. A grande tarefa do educador torna-se, então, a aprendizagem de seu aluno, e para que este processo aconteça de modo mais produtivo e realizador, alguns fatores têm vital influência. De um lado, a capacidade intelectual e o desejo por aprender do aluno e, de outro, o conhecimento e a capacidade de ensinar e transmitir conteúdos do professor. Porém, nem sempre esta relação acontece harmoniosamente. Nem sempre o desejo por aprender é suficiente para que o processo de ensino-aprendizagem ocorra de modo satisfatório. Em algumas situações podem-se observar alunos que, mesmo diante de algumas dificuldades, mantêm o desejo por aprender, mas que se deparam com professores nem sempre preparados para identificar ou lidar com sua dificuldade, embora demonstrem claramente o desejo por ensinar. A tarefa do professor no ensino educativo deve incluir o propósito claro e irrenunciável de provocar a aprendizagem relevante, ou seja, facilitar e provocar a reconstrução dos esquemas intuitivos de pensamento, sentimento e conduta de cada indivíduo. (GÓMEZ, 1998, p. 300). Neste conceito são incluídos, portanto, a participação ativa e intelectual do educando bem como a facilitação do contraste entre as formulações das representações críticas da cultura. A responsabilidade do docente não é só aplicar um currículo oficial, mas aprimorar constantemente a prática e a comunicação na escola, de modo que facilite a reflexão crítica e a reconstrução do pensamento dos educandos (GÓMEZ, 2001), entendidos como sujeitos em formação, que possuem uma história social e cultural. O jovem se desloca da casa à sala de aula e leva consigo conhecimentos, muitos de senso comum, que de alguma maneira entrarão, ainda que sob a forma de silêncio, no jogo discursivo do professor. (CITELLI, 2000). Em outros termos, “se a escola e o professor funcionam como instâncias mediativas, o aluno também deve ser visto e entendido como mediador do discurso escolar.” (p. 123). 55 Entretanto, nas palavras de Perrenoud (2000), quando se faz uma atividade em sala de aula, trabalha-se preferencialmente com aqueles alunos que fazem perguntas, que se manifestam, que ajudam o professor a construir uma boa aula, pois, com aqueles que nada dizem é difícil criar uma dinâmica, um diálogo socrático, um clima de curiosidade, é difícil fazer funcionar a rede oficial de comunicação e, consequentemente, facilitar a aquisição do conhecimento. O conhecimento que se apreende na escola se reduz a um conjunto de informações já construídas e consagradas nos programas e materializados nos livros didáticos, tornando o objeto a ser transmitido. Entretanto, o conhecimento é visto como um produto, e o que geralmente é enfatizado no ato de aprender são os resultados da aprendizagem e não seu processo. (DAYRELL, 1996). A aquisição do conhecimento é considerada de caráter universal e se dá por meio de ações exercidas uniformemente através dos programas de ensino, das regras e normas, de horários, da frequência, das avaliações e certificações e, principalmente, da seleção de conteúdos, métodos e técnicas que garantam o processo. Como a ênfase é centrada no resultado da aprendizagem, o que é valorizado são as provas e as notas, e a finalidade da escola se reduz ao passar de ano. (DAYRELL, 1996). Nesse sentido, pode-se pensar que esta seria uma maneira de diferenciação no processo educativo, um mecanismo excludente característico daquelas escolas que usam a avaliação como um mecanismo de eliminação ou de manutenção de seus alunos, deixando em segundo plano o caráter heterogêneo dos alunos e o valor determinante do processo. A diversidade real dos alunos parece ser reduzida a diferenças apreendidas quase exclusivamente na ótica da cognição, caracterizando-os como bons ou maus alunos, esforçados ou preguiçosos, com facilidade ou dificuldade para aprender, com boa ou má comunicação, ou na ótica do comportamento, alunos obedientes ou não, disciplinados ou não. Tomando emprestadas as palavras de Corrêa (2000), pode-se dizer que a avaliação tem fundamento na obrigatoriedade legal, sendo necessária para testar todo o conhecimento adquirido pelo aluno, indicando se o mesmo está apto ou não. Na concepção de Corrêa, “é a avaliação que faz o corte mais profundo entre alfabetizados e não alfabetizados, entre normais e não normais, entre ajustados e desajustados, entre competentes e incompetentes.” (2000, p. 81). 56 A avaliação desempenha diversas funções, isto é, serve a múltiplos objetivos, não apenas para o sujeito avaliado, mas também para o professor, para a instituição escolar, para a família e para o sistema social. Sua utilidade mais notória não é, precisamente, a pedagógica, pois o fato de avaliar não surge na educação como uma necessidade de conhecimento do aluno e dos processos educativos. Partimos de uma realidade institucional historicamente condicionada e muito assentada que exige seu uso: avaliase pela função social que com isso se cumpre. É uma missão historicamente atribuída à escola e concretamente aos professores, realizada num contexto de valores sociais, por certas pessoas e com certos instrumentos que não são neutros. (SACRISTAN, 1998, p. 322). É a avaliação, a nota, o resultado das provas que indicará o perfil do bom e do mau aluno, o perfil daquele que se adapta com facilidade, daquele que se adapta com dificuldade e daquele que não consegue se adaptar ao processo escolar. E, nesta lógica, por que estabelecer relações entre o que é vivenciado por ele e o conhecimento escolar, entre o que se apresenta no interior da escola e o que é extra-escolar? Se as ações pedagógicas estão projetadas de mesmo modo para todos, se as diferenças não são consideradas, este é um questionamento em vão. Considerar que o aluno que chega à escola é fruto das experiências sociais vivenciadas nos mais diferentes espaços sociais, além espaço escolar, deixa de ser relevante à medida que ele esteja conseguindo alcançar as notas esperadas e apresentando comportamentos adequados às normas e às regras da escola. Neste sentido, é prudente lembrar Sacristan (1998) quando refere que do ponto de vista pedagógico é pertinente uma menor pressão da avaliação sobre o aluno, pois a multifuncionalidade dela acaba introduzindo contradições e exigências difíceis de harmonizar, que acabam se traduzindo em tensões e posições muito diferentes, o que torna “impossível pensar que o sistema escolar não rotule os alunos quando saem dele e passam para a vida produtiva.” (p. 322). A reprovação é o sinalizador mais elementar do fracasso escolar e é medida pela avaliação, cabendo ao professor “estabelecer os critérios, a forma de avaliação, desde que ao fim de cada bimestre seja enviado à secretaria da escola um número que indica o quanto o aluno aprendeu do conteúdo ministrado.” (CORRÊA, 2000, p. 81). Mas há que se questionar a validade da avaliação à medida que ela não avalia todo o conhecimento senão aquele que se dá apenas no processo da aprendizagem. Muito mais que uma aprendizagem cognitiva, o aluno, enquanto ser em formação, desenvolve também neste processo todo um potencial de apreensão e qualificação na ordem das emoções e do afeto e que vai muito além 57 daquilo que está nos livros e nos currículos. E para isso não há critérios estabelecidos anteriormente, não há instrumento que possa medir este aprendizado. É preciso então olhar o aluno não só pela ótica da cognição e da inteligência, mas entendê-lo também sob os aspectos da emoção e do afeto, já que este não é um campo polarizado. Para isso é necessário construir um sistema cuja função educativa supere a clássica contraposição entre razão e emoção, cognição e afeto bem como a concepção que atribui ao desenvolvimento do intelecto e dos aspectos cognitivos e racionais um lugar de destaque na educação, como se cognição e afetividade fossem dissociáveis. (ARANTES, 2002). 3.3.3 Afeto e cuidado como dimensões educativas Na concepção de Almeida (2008), a afetividade constitui um domínio funcional tão importante quanto o da inteligência. A autora cita a obra de Henri Wallon e descreve que afetividade e inteligência constituem um par inseparável na evolução psíquica e que, mesmo tendo funções bem definidas e diferenciadas entre si, são interdependentes em seu desenvolvimento. O reconhecimento desta relação permitirá ao aluno desenvolver níveis de evolução bem mais elevados, principalmente quando ocorre no campo das relações e interações que circulam no espaço escolar, já que quando as relações interpessoais têm como base a afetividade e o caráter emocional, estas se intensificam. Ao analisar os conceitos de afetividade tais como propostos por Wallon, Almeida (2008) afirma que ela é fortemente influenciada pela ação do meio social, mas que inicialmente é determinada por um fator orgânico, tanto que “Wallon defende uma evolução progressiva da afetividade, cujas manifestações vão se distanciando da base orgânica, tornando-se cada vez mais relacionadas ao social.” (p. 346). A relação entre orgânico e social na teoria de Wallon sobre as emoções, também é enfatizada por Galvão (1996), ao referir que para ele a emoção encontrase na origem da consciência e que, operando uma passagem do mundo orgânico para o social, estas promovem reações no ambiente que funcionam como uma espécie de combustível para sua manifestação. 58 Buscando compreender o impacto das emoções no contexto escolar, a análise walloniana traz elementos esclarecedores. Para Almeida (2008), embora não tendo uma teoria especificamente pedagógica, as interpretações de Wallon sobre problemas educacionais, se não dão respostas que possam ser prontamente aplicadas, indicam possíveis caminhos por onde buscá-las. Almeida (2008) refere que para Wallon as crianças com comportamentos inadequados expressados por agitação, desatenção ou indisciplina não podem conviver num ambiente repressivo e coercitivo e que lidar com esta inadequação implica provocar atos elogiáveis, mostrando ao indivíduo que ele é capaz, evitando a indiferença, a insensibilidade no reconhecimento de que algo não vai bem. Outro aspecto relacionado à afetividade no contexto escolar diz respeito ao cuidado na educação, principalmente em se tratando da educação infantil. Cuidar e educar são temas extremamente importantes considerando que a educação não deve limitar-se apenas ao aprendizado ou à aquisição de conhecimento, mas, também, implica em ter uma visão integrada do desenvolvimento do aluno em sua interação social. Cuidar, de acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação (BRASIL, 1998) é, sobretudo: Dar atenção à criança como pessoa que está num contínuo crescimento desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando respondendo às suas necessidades. Isto inclui interessar-se sobre o que ela sente, pensa, o que ela sabe sobre si e sobre o mundo, visando ampliação deste conhecimento e de suas habilidades, que aos poucos tornarão independente e mais autônoma. (BRASIL, 1998, p. 25). e e a à a Forest e Weiss (2003) discutem sobre a importância de as instituições de educação infantil incorporar, de maneira integrada, as funções de cuidar e educar, enfatizando que: É de suma importância que as instituições de educação infantil incorporem de maneira integrada as funções de cuidar e educar, não mais diferenciando, nem hierarquizando os profissionais que atuam com crianças pequenas ou aqueles que trabalham com as de mais idade [...] Essa qualidade advém de concepções de desenvolvimento que consideram as crianças nos seus contextos sociais, ambientais, culturais e, mais concretamente, nas interações e práticas sociais que lhes fornecem elementos relacionados às mais diversas linguagens e ao contato com os mais variados conhecimentos para a construção da autonomia. (p. 4). 59 Assim, na educação o cuidar é parte integrante da ação pedagógica e não apenas uma prerrogativa da educação infantil (CARVALHO, 1999). Considerando que a educação infantil é apenas uma etapa na estrutura da educação básica e que nesta estrutura também acontece o ensino fundamental e médio, há que se entender que é o cuidado que sustenta a base afetiva da relação entre professores e alunos e esta relação não é interrompida enquanto o aluno se mantiver na escola. Valendo-se do estudo descritivo de Bronfman e Martinez de 1996, Carvalho (1999) exemplifica que algumas atitudes desempenhadas no cotidiano por determinados professores em relação a aspectos não cognitivos de seus alunos e que envolviam interrelações afetivas e emocionais no processo ensino- aprendizagem tinham uma tendência a serem desconsideradas, tornando-se sem legitimidade pedagógica. Saindo do seu papel tradicional para acolher e escutar uma determinada criança com um problema específico e momentâneo, como a perda de um objeto no recreio ou para atender um aluno que fazia solicitações emocionais constantes, mesmo que para isso tivessem que se afastar de seu objetivo pedagógico imediato, apesar de usuais, eram práticas quase clandestinas: pouco comentadas pelos professores com seus colegas mesmo em situações informais, inclusive pouco percebidas por eles mesmos, que tendiam a negligenciá-las ao descrever suas atividades e, quando evidenciadas, tinham relevância desconsiderada sob o ponto de vista pedagógico. Percebidas como incidentes isolados e não como parte integrante do papel dos professores, estas práticas revelavam uma situação mais complexa que a mera exclusão da pessoalidade e do afeto de dentro da escola. (CARVALHO, 1999). O exemplo apresentado acima denota uma escola dominada por valores impessoais, com uma cultura centrada na transmissão de conteúdo e alheia à influência das interações afetivas e emocionais no processo de ensinoaprendizagem. Ações docentes em relação a aspectos não-cognitivos dos alunos poderiam ser mais incentivadas e valorizadas, até porque, enquanto função docente, a responsabilidade do professor, de acordo com Gómez (2001), não é só aplicar um currículo oficial definido pela administração da escola ou pelos livros-textos, mas melhorar permanentemente a prática e a comunicação na escola, de modo que permita facilitar uma reflexão crítica e a reconstrução do pensamento intuitivo dos alunos, assim como transformar o cenário da aprendizagem (currículo, método de 60 ensino e clima da escola) em um cenário que capacite os alunos a descobrir e desenvolver por si mesmos seu poder e sua capacidade. A função educativa, conforme referida por Gómez (2001), demanda criar um espaço de vivência cultural em que o professor se converta no motor principal, contrariando a clássica concepção transmissora ou academicista. Concorda-se com o autor quando relata que se os docentes desejam provocar nas novas gerações o amor pelo saber e o respeito pela diferença e pela criação, devem vivenciar a aventura do conhecimento, da busca e do contraste crítico e reflexivo, para tanto precisam amar a democracia e se comprometer com suas exigências de compreensão compartilhada se querem criar um clima de relações solidárias e se pretendem construir a comunidade democrática de aprendizagem. 3.3.4 A escola e seus sujeitos Os alunos que chegam à escola vêm marcados por uma diferença que é reflexa dos desenvolvimentos cognitivo, social, familiar e cultural, assim como da quantidade e da qualidade de suas experiências e relações sociais, que são anteriores e paralelas à escola. Assim, uma forma de compreendê-los nesta diferença é percebê-los como sujeitos socioculturais. Gómez (2001) reafirma esta colocação ao considerar que na escola se encontram grupos de indivíduos que vivem em meios sociais mais amplos. Em razão de situações como a desigualdade de oportunidades na distribuição e na qualidade de oferta de educação entre (1) diferentes estratos sociais - nas zonas rural ou urbana, em escolas públicas ou privadas; (2) entre grupos de excluídos, de segregados ou dos que recebem educação de qualidade inferior, como crianças com deficiências ou originárias de populações nativas; (3) como as questões de gênero ainda que, embora não haja grandes diferenças e (4) no que se refere ao acesso à educação, alguns países, inclusive o Brasil, vêm incentivando a adoção de reformas educacionais que estejam voltadas à melhoria da qualidade e da equidade do setor educacional, buscando oferecer oportunidades educacionais de qualidade a todos os alunos seja qual for a sua condição social, cultural ou suas características individuais. 61 Seguindo os compromissos de Educação para Todos, assumidos na Conferência Mundial de Jomtien, em 1990 e, posteriormente ratificados no Fórum Mundial de Educação, denominado de Marco de Ação de Dacar: Educação para Todos, realizado em Dacar, no Senegal, em 2000, as políticas educacionais no Brasil têm sido orientadas à noção de justiça social e de promoção da igualdade entre os indivíduos, independente de sua condição econômica, cultural ou suas características individuais. (DUK, 2006). Desde esta época, tem-se vivido, no país, reformas nos sistemas de ensino, seja no âmbito federal, estadual ou municipal, no sentido de atenderem às exigências de maior equidade social, ou seja, ampliar o atendimento educacional, estendendo-o às populações mais vulneráveis, aos que não têm acesso e aos que não puderam manter-se na escola. (ASSUNÇÃO; OLIVEIRA, 2009). Um exemplo que vale destacar, embora não se esteja discutindo aqui questões que envolvem políticas de educação inclusiva, é o Projeto Educar na Diversidade23, cujo texto encontra-se em consonância com o Movimento Educação Para Todos do governo federal. O referido programa tem como foco principal alunos que estão constantemente sob o risco de serem excluídos do processo de ensinoaprendizagem. No âmbito do mesmo, gestores da escola devem ser mais bem preparados para consolidar um projeto político-pedagógico que seja comprometido com uma educação de qualidade para todos. Neste projeto, planeja-se a composição de escolas que matriculem e acolham todas as crianças de uma comunidade indiscriminadamente, incluindo aquelas que apresentem algum tipo de deficiência e possam exigir uma proposta pedagógica que respondam às necessidades educacionais especiais (DUK, 2006), ou seja, uma escola que atribua a todas as crianças e adolescentes o direito à educação com maior nível de equidade, e que crie um fortalecimento na interação com as famílias, já que a participação das famílias na vida escolar de seus filhos é uma estratégia importante de apoio à aprendizagem, sobretudo nos primeiros anos do ensino fundamental e está afirmada em publicações técnicas e nas cartas e declarações internacionais resultantes de reuniões e conferências convocadas pela UNESCO desde os anos 23 Texto completo com detalhamento do Programa Educar na Diversidade: Material para Formação Docente pode ser encontrado em: <http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000009303.pdf>. Acesso em: 20 jan. 2012. 62 1990 (CASTRO; REGATTIERI, 2009), dentre elas a Conferência de Jomtien e o Fórum de Dacar. No entanto, essas reformas e iniciativas têm acarretado uma nova realidade escolar, demandando maior número de atendimentos em face da ampliação de novas matrículas e da participação da comunidade na gestão escolar. Amplia-se o compromisso da escola em acolher todas as crianças, independente de suas condições pessoais, culturais ou sociais, independente de apresentarem ou não deficiências, se são de minorias étnicas ou de áreas desfavorecidas, enfim, o compromisso de acolher a diversidade. Porém, uma das marcas essenciais que ainda caracteriza a instituição escolar é a sua posição universalista e totalitária, que colabora para que processo ensino-aprendizagem ocorra numa homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas análogas para todos, independente da origem social, da idade, das experiências vividas. A diversidade dos alunos acaba sendo reduzida, então, a diferenças que são apreendidas na ótica da cognição ou na ótica do comportamento e, nesta lógica, a prática escolar acaba desconsiderando a totalidade das dimensões humanas dos sujeitos que dela participam, propondo um ensino baseado no princípio segundo o qual todos têm que aprender a mesma coisa ao mesmo tempo. (DAYRELL, 1996; CITELLI, 2000). A organização escolar, não obstante o texto que constitui o Movimento de Educação para Todos, ainda parece não reconhecer que os alunos que chegam à escola vêm marcados por uma diferença que pode ser reflexa de sua cultura, da sua história, da qualidade e quantidade de suas experiências e vivências, do ambiente social ao qual estão inseridos. É um contexto onde se evidencia o grande desafio de estar atento às diferenças raciais, econômicas e sociais e onde se estabelece uma relação dinâmica entre o conhecimento e o saber, entre o ensinar e o aprender. O contexto escolar, no dizer de Dayrell (1996), é o resultado de um confronto de interesses, em que, de um lado, há uma organização oficial do sistema escolar que define conteúdos e tarefas, que atribui funções, organiza, separa, hierarquiza o espaço diferenciando trabalhos e definindo idealmente as relações sociais, e, de outro, os alunos, professores, funcionários, sujeitos que criam uma rede de inter-relações e que fazem da escola um processo permanente de 63 construção social, dando forma à vida escolar. Refletindo sobre a centralidade das pessoas que constituem o espaço escolar, Alarcão (2001) descreve que: Uma escola sem pessoas seria um edifício sem vida. Quem a torna viva são as pessoas: os alunos, os professores, os funcionários e os pais que, não estando lá permanentemente, com ela interagem. As pessoas são o sentido da sua existência. Para elas existem os espaços, com elas se vive o tempo. As pessoas socializam-se no contexto que elas próprias criam e recriam. É o recurso sem o qual todos os outros recursos seriam desperdícios. Têm o poder da palavra através da qual se exprimem, confrontam os seus pontos de vista, aprofundam os seus pensamentos, revelam os seus sentimentos, verbalizam iniciativas, assumem responsabilidades e organizam-se. As relações das pessoas entre si e de si próprias com o seu trabalho e com a sua escola são a pedra de toque para a vivência de um clima de escola em busca de uma educação melhor a cada dia. (p. 20) Nota-se, então, que a escola é entendida em seu fazer cotidiano e constituída socialmente pelos sujeitos que a compõem. O “conjunto de professores, funcionários, coordenadores pedagógicos, diretores escolares configura uma comunidade escolar, que tem funções deliberativas sobre vários aspectos do projeto da escola” (CASTRO; REGATTIERI, 2009, p. 14). É importante destacar também que as crianças que chegam à escola são membros-dependentes de um núcleo familiar que lhes dá um nome e um lugar no mundo, e que estes, do mesmo modo, são partes constituintes do espaço escolar. Ribeiro (2004, p. 103) lembra que “este espaço deve compor um todo coerente, pois é nele e a partir dele que se desenvolve a prática pedagógica, sendo assim ele pode constituir um espaço de possibilidades ou de limites.” É necessário, então, como afirma Dayrell (1996), compreender o aluno na sua diferença, enquanto indivíduo, dono de uma história, com visões de mundo, escalas de valores, com sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios e que para isso tem-se que levar em conta a dimensão da experiência vivida. Pois, conforme destaca Jesus (2006), para que a diversidade humana possa fazer-se presente como valor universal, é necessário que a escola assuma uma postura de desconstrutora de igualdades, na tentativa de incluir na tessitura social aqueles que vêm sendo sistematicamente excluídos. Ao desconsiderar a individualidade de cada aluno, a escola acaba reforçando sentimentos de impotência e de insegurança, contribuindo para inibir as potencialidades e possibilidades, podendo favorecer o estabelecimento de estigmas e preconceitos. Estigma que, na concepção de Goffman (1988), inclui 64 qualquer atributo em um indivíduo que frustra as expectativas de um padrão de normalidade. Para Goffman (1988) o estigmatizado percebe cada fonte potencial de mal-estar quando em situação de interação e uma vez que tanto ele como os denominados normais introduzem-se em situações sociais mistas, como, no caso, das relações sociais que acontecem na escola, é compreensível que nem todas as coisas caminhem suavemente. É provável que haja uma desarmonia entre a identidade social deste indivíduo de modo que ele passe a ser uma pessoa desacreditada num mundo não receptível, enfraquecendo suas possibilidades. Neste sentido, Goffman (1998) sugere que: Uma possibilidade fundamental na vida da pessoa estigmatizada é a colaboração que presta aos normais no sentido de atuar como se a sua qualidade diferencial manifesta não tivesse importância nem merecesse atenção especial. Entretanto, quando a diferença não está imediatamente aparente e não se tem dela um conhecimento prévio (ou, pelo menos, ela não sabe que os outros a conhecem), quando, na verdade, ela é uma pessoa desacreditável e não desacreditada, nesse momento é que aparece a segunda possibilidade fundamental em sua vida. A questão que se coloca não é da manipulação da tensão gerada durante os contatos sociais e, sim, da manipulação de informação sobre seu defeito. Exibi-lo ou ocultá-lo; revelá-lo ou escondê-lo; mentir ou não mentir; e em cada caso, para quem, como, quando e onde. (p. 38). A afirmação de Goffman dá a entender que nem todas as marcas que podem traduzir um sujeito como diferente e, consequentemente, levá-lo a situações de estigma são visíveis. Um exemplo que se pode destacar a partir disso são os sinais pródromos da esquizofrenia. Como já salientado, sua manifestação é lenta e insidiosa, e quase na totalidade dos casos acaba sendo ‘invisível’. Ainda assim, mesmo que não reconhecida ou não revelada, pode conduzir a circunstâncias de angústias e tensões. Se ‘visível’ em seu transtorno, pode haver o rechaço, se ‘invisível’, a indiferença ou a impassibilidade. Um campo facilitador para isso pode ser o das relações que acontecem no ambiente escolar, principalmente em sala de aula. A sala de aula como um espaço de encontro, de convivência quase que diária, propicia a formação de subgrupos, que se criam geralmente por afinidades, formando diferentes estereótipos – os “CDFs”, a turma do fundão, os que não querem nada com nada, os mais interessados, os bagunceiros. Entre brincadeiras e atividades, cada grupo cria suas próprias regras, seu estilo de funcionar e de se 65 relacionar com os demais grupos na sala. De outro modo, há aqueles alunos mais ‘solitários’, exemplificados na figura dos alunos com sinais pródromos da esquizofrenia, que, de acordo com Dayrell (1996), parece não se ligar a nenhum dos grupos, porque não se identificam ou porque, de alguma forma, são excluídos, reconhecidos como os desiguais, e que, de uma maneira ou de outra, passam a formar o grupo dos ‘diferentes’. Neste caso, a esquizofrenia, quando mal compreendida, seria um determinante neste processo. Em cada classe existe uma parcela significativa de diferenciação que Perrenoud (2000) denomina de selvagem24, em que, na maioria das vezes, não é considerada ou sequer dominada. Na análise do autor, é fato que os alunos são tratados de modos desiguais em direitos e deveres, indicando que em sala de aula, voluntariamente ou não, existe uma forma de diferenciação de ensino e inconscientemente, ou às vezes contra alguns valores, existe um favorecimento aos favorecidos. As diferenciações realizadas na sala acabam criando, muitas vezes, reações de desconforto, colocando as pessoas que a compõem em situação de alerta. Mas quem são os diferentes da sala de aula? São exclusivamente aqueles que têm uma marca aparente e manifesta como indica Goffman (1988)? São os que se calam, os que não reagem às imposições, os que guardam para si o descontentamento, a contrariedade, o medo do rechaço, e que por isso não são percebidos, trilhando o caminho da invisibilidade? A escola insiste em afirmar que os alunos são diferentes quando se matriculam em uma série escolar, mas o objetivo ao final é que eles se igualem em conhecimento e que igualmente respondam aos parâmetros estabelecidos por ela. A escola tem um mesmo programa para todos, uma dinâmica comum direcionada a todos, uma abordagem quase única de avaliação para os ‘iguais’ e para os que são ‘diferentes’, mesmo sabendo que os que são iguais não são tão iguais assim. Um exemplo disso está na condição do aluno que é pródromo de esquizofrenia. É sabido que antes de se formalizar o diagnóstico, estes alunos já apresentam alguns indicativos da patologia, que se manifestam de modo insidioso, quase que invisivelmente, e estes sintomas não são percebidos ou reconhecidos como tal, passando o aluno a ser ‘igualmente’ tratado. 24 Grifado pelo do autor. 66 É neste cenário de injunções, então, que se dá a lógica da escola. A começar pela lógica da universalização do conhecimento, estabelecida no processo ensino-aprendizagem, onde o conteúdo do que é ensinado, onde as normas, as regras, e as leis que determinam o cotidiano escolar são elaborados igualmente, homogeneamente, para todos; onde não se reconhece a totalidade humana dos alunos, desconsiderando o caráter multicultural e social entre os mesmos; onde a diversidade real parece ser reduzida a diferenças apreendidas quase exclusivamente na ótica da cognição, e em razão disso se considera a avaliação e as notas, ao invés do processo de aprendizagem. Como atuar diante deste cenário? Aos professores cabe reproduzir a ordem institucionalizada pela organização escolar, ao aluno cabe ir seguindo a trajetória escolar nos limites que lhe são atribuídos, independente da igualdade ou da diferença, de serem alunos comuns, de portarem alguma deficiência ou de estarem à margem da esquizofrenia, e à família fica a possibilidade de permanecer à margem deste processo. O resultado disso pode estar na retroalimentação do próprio sistema escolar, o que pode contribuir para que seja ceifada a trajetória escolar dos estudantes. 67 4 APRESENTAÇÃO E ANÁLISE DOS RESULTADOS “Eu estava em uma escola secundária em Bluefield, West Virgínia e então eles tinham uma classificação de que alguém que é o mehor aluno e isto ou aquilo, e procuravam o mais popular e talvez o melhor. Eu não era o melhor aluno, eu fui votado como o mais original [...] Alguém sugeriu que eu era um prodígio. Outra vez, foi sugerido que eu deveria ser chamado de "cérebro" de bugs, porque eu tinha idéias, mas eram espécie de buggy não perfeitamente sã.” (John Forbes Nash) O que segue trata-se da apresentação dos resultados obtidos nas entrevistas, visando responder à questão norteadora do presente estudo, cujo objetivo foi compreender as trajetórias escolares de portadores de esquizofrenia. Dentro desse objetivo maior ganha destaque a compreensão de educadores a respeito da esquizofrenia e as ações desenvolvidas junto a estes, assim como os olhares dos sujeitos portadores envolvidos no processo e de seus familiares. A apresentação está delineada em três momentos, sendo discutidos aspectos que envolvem memórias e vivências escolares em portadores de esquizofrenia e seus familiares, as práticas docentes e sua relação com as questões que envolvem a esquizofrenia, assim como as perspectivas de futuro daqueles que foram estudantes e que atualmente portam esquizofrenia. 4.1 MEMÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA Por memória escolar pode-se entender aqui as lembranças, recordações, impressões ou ideias que portadores de esquizofrenia e seus familiares empregam de sua vivência escolar. Recuperar lembranças, no entendimento de Abel (2012), é o movimento da memória livre e espontânea a partir da interiorização do sujeito. 68 Objetivando apresentar as ideias de Maurice Halbwachs 25 sobre o trabalho da memória, Schmidt e Mahfoud (1993) escrevem que, para Halbwachs, o indivíduo que lembra é sempre um indivíduo inserido e habitado por grupos de referência e que, dessa forma, a memória é sempre construída em grupo. Descrevendo um pouco mais a obra dele os autores comentam que: A lembrança, para Halbwachs, é reconhecimento e reconstrução. É reconhecimento, na medida em que porta o “sentimento do já visto”. É reconstrução, principalmente em dois sentidos: por um lado, porque não é uma repetição linear de acontecimentos e vivências do passado, mas sim de preocupações e interesses atuais; por um lado, porque é diferenciada, destacada da massa de acontecimentos e vivências evocáveis e localizada num tempo, num espaço e num conjunto de relações sociais [...] Tanto o reconhecimento quanto a reconstrução dependem da existência de um grupo de referência, tendo em vista que as lembranças retomam relações sociais, e não simplesmente ideias ou sentimentos isolados. O grupo de referência, neste caso e que alicerça a discussão das memórias escolares dos portadores de esquizofrenia, é o que está constituído na instituição escolar. Nas páginas anteriores procurou-se apresentar a instituição escolar em sua função social e as práticas docentes que nela são desenvolvidas, bem como os sujeitos que a compõem. O cenário indica uma escola cujo espaço proporciona um tempo de aprendizagem, de convivência e de trocas, mas, simultaneamente, um espaço com um tempo disciplinar e de vigilância, cuja vivência se torna marcada por uma sociabilidade entre pares de uma mesma faixa etária em relações que escapam a esse mesmo olhar controlador. Inseridos também neste espaço, comum a qualquer outra criança ou adolescente, estão os alunos portadores de esquizofrenia que, antes de serem marcados por essa diferença, eram alunos comuns e, como tais, vivenciaram a educação escolar. Uma descrição da trajetória escolar vivenciada pelos portadores de esquizofrenia, bem como da história clínica, mostrando o curso de seu transtorno desde o histórico familiar de transtornos mentais, antes mesmo de seu nascimento, até a faixa dos vinte e cinco anos de idade, estão apresentados nos Apêndices F e G. A descrição da trajetória escolar está delineada de modo a se observar o caminho escolar desde a educação infantil até o ensino superior e o que se pode notar é que 25 Sociólogo e matemático francês, nascido em 1877 e falecido em 1945, foi discípulo de Émile Durkheim, sua obra mais célebre foi o estudo do conceito de memória coletiva criada por ele. 69 as informações descritas parecem estar em acordo com a literatura apresentada nos capítulos anteriores, principalmente as referentes ao curso da esquizofrenia, (LOUZÃ NETO, 2004; HALES; YUDOSKY, 2006; ABREU et al., 2006; DITTMAR; BARBOSA NETO, 2007), significando que em termos de características clínicas e diagnósticas, os portadores de esquizofrenia participantes deste estudo não estão muito distantes do que é prevalente. Observa-se que, em meio a algumas dificuldades ou reprovações, todos se mantiveram na escola, sem interrupção, até a oitava série e que, paralelamente à exacerbação dos sintomas psicóticos, quando se formalizou o diagnóstico de esquizofrenia, a suspensão do processo educativo, na maioria dos casos, ocorreu antes de se completar o ensino médio, entre os quinze e dezoito anos e que, em outros casos, procurou-se o ensino supletivo como alternativa para concluir a etapa do processo educativo. Em relação à interrupção do processo educacional de portadores de esquizofrenia, uma referência bastante importante está apresentada pelo DSM IV-TR (APA, 2002), assinalando que quando exacerbados os sintomas “o progresso educacional frequentemente fica perturbado, podendo o indivíduo ser incapaz de concluir a escolarização.” (p. 307). Exemplo disso está nos relatos abaixo: Aí eu reprovei no Colégio A26, no primeiro ano começou aqueles surtos mentais e aí acabou tudo. (Pedro) Depois que veio a doença dele, ele foi afastado por ordem médica mesmo. (Fabiana) Foi daí que começou aquela coisa de curso intensivo [...] faziam aqueles cursos intensivos, dois anos em um ano [...] Eu acabei de fazer o segundo grau, muito tempo depois de ter parado. (Pascoal) Enquanto características comportamentais na trajetória escolar dos portadores de esquizofrenia, a indicação é de que as manifestações se apresentavam de modo distinto, e eram evidenciadas por retraimento e isolamento 26 O nome dos colégios referidos será mantido em sigilo. 70 social, levando a dificuldades nas relações e interações sociais, como se pode ver na fala de portadores e de familiares: Por causa do meu comportamento. Porque eu era muito doentinha. (Priscila) Sim, de relacionamento. Era muito difícil o relacionamento dela. De vez em quando eles chamavam a gente e a mãe vinha correndo. Tava [sic] de briga na sala com os amiguinhos. (Frederico) Na sala de aula eu era uma criança reservada. Eu não tinha amigos. Eu não conversava com ninguém. (Paulo) No caso elas me chamavam. Me chamavam para dizer que ele tinha dificuldade com amizade [...] Eles disseram “ah, tu tem [sic] que levar porque ele não se enturma.” Ele senta na última carteira. Ele não fala com ninguém. Ele não pergunta nada para professora. (Fabiana) Na visão dos portadores, havia os que se consideravam bagunceiros ou tranquilos, mas de igual modo entrosados. Eu era bagunceiro, mas não assim, sei lá, a ponto de tocar fogo no professor. A gente fazia muita bagunça, aquela cisma de colocar o lixeiro na porta pra [sic] cair nele. (Pascoal) Eu me relacionava bem com as pessoas, eu era tranquilo, calmo, eu tirava notas boas nas provas. Com os amigos eu me dava bem também. Eu tinha bastante amigos. Com os professores também, eu me dava superbem com eles, eles gostavam de mim. (Plínio) Tais comportamentos ora facilitavam a integração, ora a dificultavam. Às vezes, mesmo a criança que se julgava bagunceira e que se considerava entrosada com a turma não era vista assim pela escola, como é o caso de Pedro, que 71 manifesta uma visão de si oposta à que a mãe relata sobre a visão da escola com relação a ele: Eu era muito bagunceiro [...] Eu era uma comédia. Eu nunca brigava [...] Eu era um cara divertido. (Pedro) Era criança pequena, mas perturbava a sala inteira, aquelas crianças, e aí não tinha como, né? [sic] Daí não tinha como o professor aguentar ele ali, né? [sic] (Fátima) Os relatos podem confirmar o que vem sendo discutido entre pesquisadores e estudiosos da educação, quando referenciam a diversidade presente nos alunos. (DAYREL, 1996, GÓMEZ, 1998; OLIVEIRA, 1994). Cada aluno que chega à escola vem com características que lhe são próprias, com diferentes níveis de funcionamento, vem de diferentes culturas e de diferentes ambientes familiares. Chega marcado pela diversidade que pode ser reflexo, também, dos desenvolvimentos cognitivos e afetivos evidentemente desiguais, em razão da quantidade e da qualidade de suas experiências. Pode-se dizer, assim, que “convivem, portanto, nas escolas, modos de pensar e de se expressar que trazem as marcas diferenciadas de suas origens sociais diferentes.” (OLIVEIRA, 1994, p. 126). Neste sentido, torna-se necessário considerar o nível de interações no cotidiano desses alunos, assim como o nível do grupo social e cultural em que estão inseridos. É neste contexto que os jovens vivenciam, interpretam e percebem as relações em que estão imersos, se apropriam dos significados que lhes são dados e os reelaboram (DAYRELL, 1996), sob a limitação das condições que lhes são dadas. Deste modo, justificam-se, por assim dizer, as diferentes manifestações comportamentais descritas nos relatos acima. De um lado, alunos introvertidos, calados, sem amigos; de outro lado, alunos bagunceiros, porém divertidos e, de outro ainda, alunos com bom entrosamento, descrevendo um comportamento tranquilo, calmo e com um bom nível de relações. É oportuno ressaltar aqui a reflexão feita por Galvão (1996) sobre os impactos presentes na prática pedagógica e que, de certa forma, tem semelhança com os relatos acima. Referindo-se ao cotidiano escolar, a autora lembra que são comuns as situações de conflito envolvendo professor e aluno e estes com seus 72 colegas. Turbulências e agitação psicomotora, dispersão, crises emocionais e desentendimentos são alguns exemplos de dinâmicas conflituais e, com frequência, deixam os envolvidos desamparados e sem saber o que fazer, considerando que nem sempre se consegue saber com exatidão os fatores responsáveis (GALVÃO, 1996) e que mesmo com alunos ‘bagunceiros’ não-portadores isso poderia ocorrer. Outro aspecto a ser considerado no que se refere às memórias e vivências escolares, trata-se do modo como os mesmos descrevem o período escolar. Quando eu estudava, eu era um aluno bom. Nunca rodei. Nunca fiquei em prova final, sempre passei direto. Mas, não sei se é bem isso, faz tempo que eu não estudo. (Plínio) Estudava normal [...] a primeira série, normal [...] aceleração [...] Tudo normal. (Pedro) Era bom. Eu gostava de estudar. (Priscila) Os relatos acima sugerem que o período escolar foi considerado, por eles, como normal, de modo satisfatório. Ainda que ‘não sabendo se é bem isso’ ou ter feito ‘aceleração’, o entendimento que se pode ter é o de um padrão comum de escolarização. Porém chama atenção a descrição feita por outro portador de esquizofrenia a respeito de seu período escolar. Ah, foi horrível, né? [sic] Eu não me enturmava com os outros alunos, né? [sic] Desde a quinta série eu sofria bullying, porque quando eu era criança, eu conseguia um pouco, assim, interagir um pouco com as crianças, mas da quinta série em diante eu perdi completamente isso [...] e é isso, a escola para mim foi, como eu posso dizer, foi o pior período da minha vida. (Paulo) São lembranças lastimáveis considerando que a quinta série, como referida pelo aluno, é o período em que acontece uma grande revolução na vida deles. É a fase em que ocorre uma transição entre infância e adolescência e uma mudança brusca na prática escolar, e, por estas razões, poderia ser dada uma 73 atenção maior, um olhar mais atento de parte daqueles de quem depende o processo educativo. A questão da timidez e do isolamento, que tanto pode ocorrer com portadores de esquizofrenia quanto com não-portadores, é agudizada com a indiferença com que a escola lida com as relações afetivas, mas implicará em sofrimento crescente para os portadores, considerando o processo pelo qual a doença se apresenta. Por outros caminhos, pode-se refletir que os estudos sobre o respeito à diferença na escola e à crítica a qualquer tipo de preconceito e discriminação contribua, indiretamente, com crianças portadoras de esquizofrenia, que necessitam de um ambiente acolhedor para estudar. Vale notar que um ambiente acolhedor tem base em relações de afetividade e a indiferença a estas na escola é bem discutida no estudo realizado por Ribeiro, Jutras e Louis (2005), ao analisarem as representações sociais da afetividade na relação educativa. Os mesmos argumentam que: Apesar de o discurso oficial sinalizar a importância da dimensão afetiva para a aprendizagem cognitiva dos alunos em sala de aula, na prática dos professores de Ensino Fundamental e nos currículos dos cursos de formação em diversas universidades brasileiras, as relações afetivas são habitualmente negligenciadas [...] Influenciada pelo pensamento cartesiano, a escola não considera a dimensão afetiva como objeto de ensino aprendizagem. Com efeito, privilegia o conhecimento científico lógicodedutivo comparável, racional e objetivo em detrimento do conhecimento relativo ao corpo, às artes, aos sentimentos e às relações na sala de aula. (p. 31). Nestes termos é importante também lembrar Perrenoud (2000), ao verbalizar que é preciso ter prazer em aprender, e, diga-se, o prazer em estudar em nada se parece com o sofrimento por estar estudando em um ambiente hostil. Entende-se que transformar o período escolar de uma criança no pior período de sua vida, como revela o aluno acima, é o mesmo que fazê-la navegar por águas escuras no caminho de seu desenvolvimento. É proporcionar um tempo onde as experiências que deveriam ser de uma riqueza plena passam a ter o caráter de penalidade, onde as emoções vivenciadas se perdem num calabouço e os sentimentos de tornam um grande peso. Vê-se, assim, que as dimensões emocionais e afetivas têm um papel importante no processo educativo e marcam presença no período escolar, como demonstrado pelos relatos a seguir. 74 Agora eu tô [sic] mais contente, mas eu sinto uma injustiça comigo [...] Eu quero uma justiça sobre estas coisas que acontece [sic] comigo. (Pedro) Eu sofria muito [...] (Paulo) Eu me sentia muito irritada por causa daqueles guris que chacoteavam de mim. (Priscila) Diante do que foi verbalizado pelos portadores de esquizofrenia, é possível observar a necessidade em se ampliar o olhar sobre o aluno, de percebê-lo também em sua dimensão emocional e afetiva. A este respeito, vale ressaltar a obra de Henri Wallon, cuja teoria tem a afetividade como tema central. A posição de Wallon a respeito da importância da afetividade para o desenvolvimento da criança é bem definida. Para ele, ela tem papel imprescindível no processo de desenvolvimento da personalidade, estando sua formação na dependência de fatores orgânico e social. (ALMEIDA, 2008). Wallon também privilegia a relação entre os domínios afetivos e cognitivos à medida que cria uma teoria de desenvolvimento da personalidade, defendendo a ideia de que este desenvolvimento, de modo interdependente, oscila entre movimentos ora afetivos, ora cognitivos, ou seja, a afetividade interfere na inteligência enquanto vai se desenvolvendo e vice-versa. Assim, afetividade e inteligência se constituem numa dupla inseparável na evolução psíquica, pois, embora tenham funções bem definidas e diferenciadas entre si, são interdependentes em seu desenvolvimento, contribuindo para que a criança atinja níveis de evolução cada vez mais elevados. (ALMEIDA, 2008). Exemplos da relação entre afetividade, inteligência e cognição podem ser vistos no relato de um portador de esquizofrenia ao ser questionado sobre como se sentia na escola. Daí eu sofria muito também porque no Seminário 27 a gente estuda no Colégio B, e eu sofri muito [...] No primeiro dia de aula a professora começou a ensinar um negócio lá e eu não entendia nada daquilo eu fui começando a ficar 27 Este aluno frequentou por alguns meses, em sistema de internato, um Seminário, sendo que um período do dia era dedicado às aulas do processo de escolarização que aconteciam em uma escola da cidade. 75 deprimido [...] Tinha medo. Medo de não aprender, medo de ninguém querer fazer trabalho de grupo comigo. (Paulo) Fica claro então que, enquanto caráter inerente ao ser humano, independente da idade, do tempo ou do lugar em que este se encontre, as emoções e os sentimentos, componentes que são da afetividade, têm um papel fundamental e em situação de sala de aula. Conforme sugere Galvão (1996), cabe ao professor não desconsiderá-las. É na sala de aula, também, que têm lugar os processos de ensino aprendizagem, neste sentido, pode-se conceber a sala de aula como uma comunidade de aprendizagem em que “existem relações recíprocas entre docentes e alunos e destes entre si, em torno da aprendizagem dos conteúdos escolares” (DUK, 2006, p. 172), na busca pelo conhecimento escolar que, para Dayrell (1996), torna-se ‘objeto’, ou ‘coisa’ a ser transmitida à medida que são materializados nos programas e livros didáticos. Assim, “ensinar se torna transmitir este conhecimento acumulado e aprender se torna assimilá-lo” (p. 4). Porém, o percurso para este processo nem sempre acontece de modo linear. O processo ensino-aprendizagem poderá ser melhor ou pior dependendo da condição do aluno, alguns com mais outros com menos facilidade. Nos relatos abaixo se observa como portadores de esquizofrenia descrevem este processo ao longo de sua trajetória escolar. Não tive dificuldades nenhuma, se eu quisesse aprender eu aprendia, se não eu tirava nota baixa. Com droga tudo, eu estudava normal [...] não tinha dificuldade [...] ia pela minha cabeça lá [...] (Pedro) Tinha uma grande dificuldade, principalmente matemática, física, química, biologia, português, inglês [...] Só era bom mesmo era na matéria de história. Eu não conseguia aprender. Eu não aprendia o que os professores me ensinava [sic], né? [sic] (Paulo) Tinha dificuldade em matemática só, em cálculo [...] Eu era bom no exercício, mas chegava na hora da prova eu não tirava nota boa. (Plínio) Sempre fui ruim em matemática. (Pascoal) 76 A matemática, conforme indicado anteriormente, parece ter sido o elemento principal das dificuldades apresentadas no processo de aprendizagem dos portadores de esquizofrenia. Mas, conforme argumenta Gardner (1994), esta é uma característica que parece ser comum a um número expressivo de estudantes. O autor refere que há um fascinante conjunto de estudos que documentam a fragilidade da compreensão da matemática, e que esta incompreensão abrange as diferentes áreas que a compõem. Ao listar variáveis que podem contribuir para as dificuldades no aprendizado da matemática, Gardner (1994) sugere que talvez a maior delas seja referente às apreensões errôneas dos estudantes do que realmente está em jogo quando lhes é apresentado um problema, pois “é raro o fato de ver a matemática como um meio de compreender o mundo, de esclarecer um fenômeno, como um tipo de conversação ou empreendimento.” (p. 144). O saber matemático não se apresenta ao aluno como um sistema de conceitos, permitindo-lhe resolver um conjunto de problemas, mas como um interminável discurso simbólico, abstrato e incompreensível. Uma razão para isso talvez seja o disposto nos Parâmetros Curriculares Nacionais (BRASIL, 1997), no volume dedicado à matemática. Para os organizadores do documento, a importância de se levar em conta o conhecimento prévio dos alunos na construção de significados quando do ensino da matemática geralmente é desconsiderada e na maioria das vezes, subestimam-se os conceitos desenvolvidos no decorrer da atividade prática da criança, de suas interações sociais imediatas, e parte-se para o tratamento escolar, de forma esquemática, privando os alunos da riqueza de conteúdo proveniente da experiência pessoal. Outra distorção perceptível refere-se a uma interpretação equivocada da idéia de “cotidiano”, ou seja, trabalha-se apenas com o que se supõe fazer parte do dia-a-dia do aluno. Desse modo, muitos conteúdos importantes são descartados ou porque se julga, sem uma análise adequada, que não são de interesse para os alunos, ou porque não fazem parte de sua “realidade”, ou seja, não há uma aplicação prática imediata. Essa postura leva ao empobrecimento do trabalho, produzindo efeito contrário ao de enriquecer o processo ensino-aprendizagem. (BRASIL, 1997, p. 22). Entende-se, portanto, que a dificuldade dos portadores de esquizofrenia na compreensão da matemática pode ser a mesma de qualquer outro aluno, assim como o é qualquer outro elemento do processo de ensino-aprendizagem. O relato de uma mãe e de um pai indica que, em termos de aprendizagem e embora estes alunos estivessem em fase prodrômica, em que ainda não há manifestação franca 77 dos sintomas da esquizofrenia, sua trajetória escolar parece ter ocorrido dentro do que se espera de um aluno quando ingressa no processo educativo da escola. Ótimo, ele era primeiro aluno. Tudo ótimo no boletim dele. As professoras mesmo ficavam [...] Até hoje elas perguntam pra [sic] mim, por ele: ‘Como que ele foi ficar doente se ele era um ótimo aluno?’ Ganhava tudo nota boa. Ele sabe tudo, né? [sic] (Fernanda) Ela aprendeu tudo, aprendeu tudo. Ela tem uma capacidade técnica que tu não imagina [sic]. Muito inteligente. Guarda tudo. Dava aula para os irmãos. Corrige a gente, em texto de português às vezes a gente emprega na frase um verbo errado ou o sujeito errado ela corrige na hora. E ainda hoje faz isso. Incrível, aprendeu mesmo [...] Aprendeu mesmo, tudo. (Frederico) Entretanto, na visão de outros portadores de esquizofrenia o resultado da aprendizagem, quase sempre medido pela avaliação através de provas, não aconteceu no tempo e na ordem das propostas educativas. Dois deles fazem o seguinte relato: Foi que eu tive uma confusão com a prova final do Colégio A, com os playboys, mas não foi nada de grave, acabei rodando, por culpa minha mesmo [...] Lembro do meu primário, da escola, lembro tudo, primário ficava só em recuperação, na primeira série na segunda série, terceira série, nunca passei direto em nenhuma matéria. (Pedro) Chegou na quinta eu passei, aí tinha acabado a aprovação automática, aí eu cheguei na sexta, eu fiz três vezes a sexta série [...] Duas repetências, na terceira eu passei. (Pascoal) Cabe aqui um questionamento dos mecanismos pelos quais se processa a avaliação na escola. Em termos gerais, para Sacristan (1998), a avaliação serve a múltiplos objetivos, tanto para quem está sendo avaliado como para a instituição escolar, para os professores, para a família ou para o sistema social, e seus resultados, ainda que sejam discutíveis seus procedimentos, servem para pensar, 78 investigar, planejar e fazer política educativa sobre a educação. Reportando-se a Perrenoud, Sacristan (1998) ainda refere que no conteúdo da avaliação está inserida a ideia de excelência escolar, servindo para indicar o que funciona melhor ou pior, constituindo-se, assim, a base para manifestar desigualdades entre os sujeitos. Ao cumprir uma função seletiva e hierarquizadora à medida que compara os rendimentos dos alunos, a avaliação reduz o conhecimento apreendido a resultados e conclusões. A ênfase centrada basicamente nos resultados da aprendizagem, medida pela avaliação, é visível no relato de um portador de esquizofrenia ao dizer que “era bom no exercício, mas chegava na hora da prova não tirava nota boa.” (Plínio) Dessa forma, este tipo de prática avaliativa e classificatória se torna “uma prática anti-social, pois não se trata de escolher os melhores por suas conquistas, ou por serem aptos ou não, mas para proporcionar oportunidades para que todos adquiram a cultura básica e cheguem ao final” (SACRISTAN, 1998, p. 325). Neste sentido, é oportuno lembrar Esteban (1999/00), ao referir-se à avaliação como uma prática de exclusão. Em sua concepção a avaliação enquanto atividade classificatória seleciona “os que sabem28 e os que não sabem, tratando saber e não saber como pólos antagônicos, excludentes” (p. 71). A autora afirma que se há homogeneidade nos instrumentos de avaliação, há também uma busca de homogeneização nos resultados, e que somente assim será possível criar hierarquias que permitam a classificação e a seleção, indícios que são das possibilidades de inclusão ou exclusão. No caso de portadores de esquizofrenia o processo avaliativo e de exclusão combina-se diretamente a questões de estigmas e preconceitos e está bem documentado na literatura. (GOFFMAN, 1998; BEYER, 2006; JESUS, 2006). Se a avaliação pode servir como mecanismo de inclusão ou exclusão durante a trajetória escolar dos portadores de esquizofrenia, estar apresentando características prémórbidas do transtorno ou ainda estar em tratamento após a eclosão dos sintomas, também. Quanto questionados a respeito de terem vivenciado alguma situação de preconceito ou de estigma durante a vivência escolar, portadores de esquizofrenia fizeram os seguintes relatos: 28 Grifos da autora. 79 Creio que sim, pela timidez [...] Eu sofria gozação [...] Por causa do meu isolamento, porque eu era diferente. Nos primeiros anos que eu comecei a ter problema, eu sofri muito, eu não tinha apoio, porque era ‘vadio’, não queria ‘estudar’, ‘trabalhar’. (Paulo) Eles me chamavam de feia, me davam susto [...] Porque eles não gostavam de mim. (Priscila) Não [...] Quem não me conhece, não sabe. Mas é uma coisa que não é o que os outros dizem, mas é o que eu me percebo, né? [sic] (Plínio) Já fui alvo de gozação, isso é normal [...] Aquela brincadeira ‘vai te internar seu maluco’ [...] Aquele professor do Colégio D, que vivia me chamando de pé-de-fumo, aí esse professor malhava bastante. Eu digo malhava porque zombava o aluno em sala de aula. (Pascoal) Caberia aqui uma extensa discussão acerca de temas que marcam o caráter preconceituoso e estigmatizante da esquizofrenia, até porque, ao longo do tempo, este foi e é um elemento marcante na trajetória de seu portador e contribui para comprometer diversas áreas de sua vida. Porém, com base nos relatos, podese analisar que a esquizofrenia, enquanto patologia e enquanto diagnóstico fechado, não parece ter sido o principal elemento para colocar os portadores como alvos de preconceitos ou discriminação. Neste momento de sua trajetória escolar, ser diferente ou estar fora da norma parece ter sido o indicador do caráter estigmatizante que a diversidade provoca. Certamente este é um fator que leva ao desconforto e ao sofrimento, como denunciado nos relatos. Sentir-se diferente na escola e por esta razão ser alvo de gozações, tanto de parte dos colegas como de alguns professores, como exemplificado nos relatos acima, seguramente marca uma condição comprometedora, cujo resultado afeta desde o desempenho escolar e as relações que se formam até mesmo a constituição da identidade e, como argumenta Goffman (1988), pode “afastar o indivíduo da sociedade e de si mesmo de tal modo que ele acaba por ser uma pessoa desacreditada frente a um mundo não receptivo.” (p. 28). Diante disso questiona-se a participação da escola neste processo, à 80 medida que, sob esta afirmativa, estaria sendo demonstrado seu caráter excludente. É oportuno lembrar que: A escola historicamente se caracterizou pela visão da educação que delimita a escolarização como privilégio de um grupo, uma exclusão que foi legitimada nas políticas e práticas educacionais reprodutoras da ordem social. A partir do processo de democratização da escola, evidencia-se o paradoxo inclusão/exclusão quando os sistemas de ensino universalizam o acesso, mas continuam excluindo indivíduos e grupos considerados fora dos padrões homogeneizadores da escola. (BRASIL, 2008, p. 9). Ao formalizar padrões homogeneizadores a escola seleciona, selecionando ela exclui. A exclusão é, então, uma face da seleção e pode ser visualizada no relato de um pai e uma mãe ao comentarem sobre a trajetória escolar de seus filhos, hoje com esquizofrenia. Mandaram embora, não deram conta. (Fátima) A direção recomendou que não teria condições, disseram que no segundo grau ela não iria aguentar, vai haver muita briga e tudo mais. Então ‘quem sabe tu não parte [sic] com ela para fazer outras coisas, tipo pintura, arte, aula de inglês, aula de música, coisa assim? Sociabilizar dessa maneira porque a escola não tem condições de acompanhar. (Frederico) Talvez aqui se traduza o modelo escolar descrito por Citelli (2000) cuja construção baseia-se em eixos como exclusão, hierarquia e a coerção. Na concepção do autor, a tendência neste tipo de escola é de elaborar programas educativos fechados em que não se ajustam comportamentos que possam levar à quebra das sequências hierárquicas, justificadas pela lógica da melhor escolha do conteúdo e pela autoridade de quem os selecionou. Assim os mecanismos excludentes são disciplinadores paradoxalmente sem que, necessariamente, se recorra a gestos punitivos frontais, “mas que pode determinar o sucesso ou o fracasso do percurso escolar, permitindo ao aprendiz mudar ou não de série.” (CITELLI, 2000, p. 85), ou então, como no caso acima, rejeitar a condição de aluno ao recomendar que o mesmo se afastasse da escola, como referiu Frederico. O ensino necessita, desse modo, adotar estratégias voltadas a produzir dinâmicas inovadoras que sejam capazes de operar com a singularidade e as particularidades 81 que marcam a trajetória dos alunos, à medida que estes sejam pensados como sujeitos sociais, ao invés de ser um ensino baseado no princípio sobre o qual todos devem saber a mesma coisa ao mesmo tempo (CITELLI, 2000), como visto no relato do aluno abaixo. Sempre fui ruim em matemática. Levei tanto castigo de tabuada, que acabei ficando traumatizado de tanto castigo! Aquela dez vez [sic] a tabuada de 1 a 10 [...] acabei ficando neurótico! Na sexta série tinha esse negócio de tabuada. Sou muito ruim em matemática, sei lá, de tanto castigo que eu tomei, acabei ficando ruim em tabuada. (Pascoal) Para Gómez (1998) a importância do ensino está no pensamento, na capacidade e no interesse do aluno e não exclusivamente na estrutura das disciplinas. Para tanto “o docente deve conhecer o estado atual de desenvolvimento do aluno/a, quais são suas preocupações, interesses e possibilidades de compreensão.” (GÓMEZ, 1998, p. 69). Quando as dificuldades ultrapassam as possibilidades e não são reconhecidas, o ambiente se torna tenso, improdutivo e conflituoso, fazendo valer o controle através do castigo, confirmando assim a exclusão e a coerção. Igualmente, o relato de um pai denota a tensão no ambiente: Era muito difícil o relacionamento dela porque quando qualquer professor cobrava alguma coisa dela, que ela ia explicar, o aluninho dizia uma piada e era motivo para transtornar toda a pergunta dela em relação da professora em relação a ela [sic]. Ela já desviava a atenção e já partia de briga com o aluninho. (Frederico) A cultura da escola é permeada por tensão, particularmente quando se combinam situações avaliativas públicas e de exposição, que acendam um clima de competição e zombaria. As piadas, como descritas acima por F3, podem reforçar a dificuldade de comportamento sociável, essa sim uma característica mais forte da esquizofrenia e já presente no estado pré-mórbido. De um modo ou de outro, então, a escola produz a exclusão para quem tem dificuldade na aprendizagem, mas que só será sentida de modo diferenciado 82 pelo aluno portador de esquizofrenia mais tarde, quando ele manifestar o aprofundamento dos sintomas e a dificuldade de permanecer na escola. Sempre fui um bom aluno, brincalhão, mas sempre bom aluno. Não posso dizer ‘ah, o pior aluno’. Eu fui expulso do Colégio C porque eu gazeei prá [sic] jogar fliperama, olha só, isso é motivo prá [sic] expulsar o aluno? Qual criança de quinta série que não dá uma gazeada na aula? Quem não gazeia prá [sic] jogar? Fui expulso! (Pascoal) No primário mesmo eu faltava um monte de aula prá [sic] jogar bola, era uma doideira. (Pedro) São as regras, as normas, as leis da escola sendo aplicadas. Será que o caminho não poderia ser outro? O que acontece no interior da escola que faz com que um aluno, embora sendo ‘bom aluno’, opte por ‘gazear’ para jogar fliperama e outro ainda falte às aulas para jogar bola? Estaria o desejo de estudar e de aprender destinado ao fracasso? A resposta parece estar em Perrenoud (2000), ao afirmar que só se pode desejar aprender e desejar saber quando o jogo da aprendizagem é oferecido em situações abertas, estimulantes, interessantes, onde se possa aprender rindo, brincando, tendo prazer. Reforçar a decisão por aprender não é “envolver o aluno em uma concepção de ser sensato e responsável, que não convém até mesmo à maior parte dos adultos.” (PERRENOUD, 2000, p. 71). Neste caso, o jogo da ordem, da interdição, parece não ser a melhor opção. De outra forma, os alunos que se manifestavam de modo satisfatório perante a escola lembram-se de ter recebido outra deferência. A estes a receptividade parece ser diferenciada à medida que a ‘adequação’ se efetivava nos moldes do que se espera que aconteça. Eu me relacionava bem com as pessoas, eu era tranquilo, calmo, eu tirava notas boas nas provas [...] concentração eu tinha bastante, desejo por aprender também, eu tinha bastante [...] eu gostava de estudar, fui um ótimo aluno. Com os amigos eu me dava bem também [...] eu me dava superbem com os professores, eles gostavam de mim. (Plínio) 83 Assim como há alunos que se mostravam isolados, dispersos ou desinteressados, como nos relatos anteriores, há aqueles que demonstravam estarem firmes nos propósitos da organização escolar, como no relato acima. Enquanto têm bons relacionamentos, se mostram com desejo em estudar e obtêm bons resultados nas avaliações, asseguram uma resposta positiva. É uma realidade desconcertante? Sem dúvida. Adequar o acolhimento, o afeto e receptividade de acordo com o modo como o aluno se mostra ou quais resultados ele apresenta significa transcorrer no caminho da desconsideração pela subjetividade e pelo sofrimento que possa resultar. Este aspecto é bem lembrado pelo professor Jorge Ramos do Ó 29, em entrevista realizada por ocasião de sua participação na Jornada de Pesquisa em Educação e Cultura, promovida pelo Programa de Pós-Graduação em Educação da ULBRA, em 2007. Discutindo sobre novas configurações da escola no século XXI e tratando especialmente das novas subjetividades, o professor Jorge declara que: Embora se fale muito na diferença da criança, que cada criança é uma criança, você tem todo um currículo escolar desenhado para a construção de grupos de alunos idênticos. O professor se acostumou a dirigir-se ao que ele pensa ser o aluno médio. Portanto, você tem por um lado uma forte pressão sobre as crianças para se “normalizarem” e, por outro, princípios de forte estigmatização. E essa estigmatização é tão importante porque ela leva ao princípio da “normalização” e atinge áreas muitos diferentes. Você pode ter muito valor no plano da sua inteligência, mas se não for bonito ou autocontrolado não terá sucesso. Nós estamos a construir, em nome dessa homogeneidade que ninguém fala, crianças com muito sofrimento e uma 30 fortíssima vigilância face a um padrão normal. O aluno médio buscado é aquele aluno autocontrolado e que consegue introjetar as referências de normalização que a escola impõe e espera. Nesse sentido, inadequação por rebeldia ou por dificuldade de relacionamento se misturam no caso de um portador de esquizofrenia e a alta exigência uniformizadora da escola só aprofunda as dificuldades de permanência na escola. Desde pequeno ele era rebelde na escola, já era essa pessoa atrapalhada. Todas as escolas que [sic] ele ia, eles expulsavam, porque ele era 29 30 Professor da Faculdade de Psicologia e de Ciências da Educação da Universidade de Lisboa. Disponível em: <http://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/6653/3970>. Acesso em: 18 ago. 2011. 84 rebelde. Ele era rebelde como assim, que não prestava atenção, que saía, ia jogar bola, essas coisas. (mãe, Fátima) Será que a rebeldia sinalizava que algo precisava ser feito, um pedido de quem precisava ser visto, ouvido? Se a intenção era esta, não parece ter sido percebida como tal. Pelo contrário, a rebeldia foi banida. Estas ações dão a entender que ocorre na ação pedagógica uma dicotomia entre cuidar e educar, em que o educador, preocupado apenas com o educar, acaba excluindo o cuidar de sua prática. (FOREST; WEISS, 2003). De acordo com o Referencial Curricular Nacional para a Educação Infantil (BRASIL, 1998), cuidar é, sobretudo, dar atenção ao aluno como uma pessoa que está em desenvolvimento, compreendendo sua singularidade, identificando e respondendo às suas carências. Carvalho (1999) estabeleceu em suas pesquisas um questionamento à ideia de que o cuidado é apenas uma prerrogativa da educação infantil e deve, sim, ser uma qualidade de educadores no decorrer da educação, pois é o cuidado que sustenta a base afetiva da relação entre professores e alunos. Em concordância com essa ponderação, cuidar é muito mais que simplesmente ensinar, é muito mais do simplesmente ‘dar um jeito’. A necessidade do cuidado passa, inclusive, pela forma de ensinar, se ela é relacional ou não, que é perceptível na necessidade apontada pelo aluno à mãe, no exemplo abaixo: Ele mudou para o Colégio E e ele pegou esse professor. E dizia que o jeito que o professor ensinava ele não pegava. E o professor não era muito paciente com ele. Aquela coisa ‘dá teu jeito’ – dizia assim, né? [sic] E um dia ele chegou em casa e disse assim: ‘Ah, mãe! Nunca vi um professor que a gente pede prá [sic] explicar e ele diz: ‘dá teu jeito’, mas eu estou lá para aprender. (mãe, Felícia) O cuidado, na prática pedagógica, é demonstrado também pelo interesse no que o aluno sente e pensa, pelo que ele conhece de si e do mundo. Para cuidar é necessário primordialmente estar comprometido com o outro e ser solidário às suas necessidades, bem como confiar em suas capacidades, pois disso vai depender a construção de um vínculo entre quem cuida e quem é cuidado (BRASIL, 1998). É uma ação que compete aos educadores não somente enquanto processo educativo, 85 mas também como um constituinte das relações humanas, como é o próprio ato de ensinar. Considerando que o ato de ensinar implica em ir além do que dar conta dos conteúdos curriculares da instituição, o cuidado na educação poderia estar em favor de uma visão integradora do desenvolvimento do aluno e baseada em concepções que respeitassem a diversidade, o momento e a realidade peculiar de cada um deles. Assim, o educador, principalmente na figura do professor, necessitaria estar em vigilância constante para que suas ações não se transformem em rotinas mecanizadas, inclusive delegando ao aluno a tarefa solitária de aprender como se viu na frase “dá teu jeito”. O cuidado significa considerar, sobretudo, as necessidades das crianças, que, quando observadas, ouvidas e respeitadas, dão pistas importantes sobre a qualidade do que estão recebendo. (BRASIL, 1998). O relato de uma mãe apresenta essa necessidade de acolhimento. É porque a pessoa sendo bem acolhida, como que é? Quando a pessoa não é bem acolhida o que faz? Vira as costas e vai embora. A pessoa quer ser bem acolhida. E ele sempre foi muito carente de tudo isso, sabe?! O P5 sofreu muito com perda assim, com falta de pai, sabe, ele tinha um sofrimento muito grande. Ele tinha uma carência. [...] Na escola não acontecia nada disso, não faziam pergunta nada, era só ali o básico, o trivial, vamos dizer. E deixavam à deriva. (mãe, Felícia) A descrição acima feita pela mãe permite pensar que a escola se manteve indiferente às necessidades afetivas de seu filho. Vê-se, assim, que a prática educativa poderia contemplar o cuidar (na forma de acolhimento) e o educar como ações entrelaçadas de disponibilidade constante ao diálogo pelo educador. Nesse sentido, as ações relativas ao cuidar ressaltariam o desenvolvimento integral do aluno, envolvendo, dentre outros, os já referidos aspectos cognitivos, relacionais e afetivos. Fica claro, então, como sustentam Forest e Weiss (2003), que o “papel designado ao cuidar abrange o envolvimento e o comprometimento do professor com a criança em todos os seus aspectos, bem como a compreensão sobre o que ela sente e pensa, o que traz consigo, a sua história e seus desejos.” (p. 4). O que aparece nos relatos permite pensar que o educador, muitas vezes, permanece no lugar comum e não vai além, na tentativa de reconhecer o desejo, identificar os sonhos e os planos, e encontrar caminhos para motivação do aluno à aprendizagem. 86 Quando isso não acontece, a trajetória escolar pode ser ceifada, como mostram os relatos de uma mãe e um pai. Porque na época que ele parou de estudar, ele não se enquadrava com o professor de matemática [...] Na época que ele parou mesmo. (Felícia) Como o convívio social dela era muito ruim, tanto com os alunos quanto com os professores, a direção da escola recomendou que ela não teria condições de continuar, embora tenha passado até a oitava série, dado satisfatoriamente porque não rodou até a oitava série. Recomendou que não teria condições, disseram que no segundo grau ela não iria aguentar, vai haver muita briga e tudo mais. (Frederico) O entendimento que se tem destes relatos é de que o desejo por ensinar parece não ter sido suficiente para mobilizar o conjunto da escola ao ato de aprender. A acomodação de algumas escolas diante das dificuldades dos alunos pareceu ser maior que o desejo dos alunos por manterem-se nela. A instituição escolar lida quase sempre com a ideia de que o interesse, o desejo de saber e a vontade de aprender estão intrinsecamente presentes em todos os alunos e ignoram que, na falta destes pré-requisitos em alguns deles, apostam numa motivação extrínseca (PERRENOUD, 2000). Se tal motivação não ocorre, o trajeto da aprendizagem pode seguir por caminhos tortuosos e chegar ao ápice em forma de renúncia. Explodiu mesmo, eu não aguentei mais. O seminário é um tipo de quartel, lá tu tem [sic] horário pra [sic] tudo, tem hora pra [sic] dormir, tinha um monte de obrigação. A pressão da escola, a pressão do seminário, porque no seminário o estudo é muito rigoroso [...] Eu já tinha dificuldade de aprender, mais com os remédios eu não conseguia prestar atenção em nada. Eu fugia da escola [...] Não aguentei. (Paulo) Ele não estava conseguindo, daí ele parou [...] Então, quer dizer, ele foi indo, foi indo e desistiu. Até que um dia ele disse: ‘Eu não vou mais’ [...] E eu disse: ‘Vou fazer o quê?!’ [...] Foi lá que ele parou de vez. Aí parou mesmo. (Felícia) 87 A partir destes relatos de mãe e filho, concorda-se com Perrenoud (2000), ao afirmar que, “salvo para alguns, aprender exige tempo, esforços, emoções dolorosas: angústia do fracasso, frustração por não conseguir aprender, sentimento de chegar ao limite, medo do julgamento de terceiros.” (p. 70). É preciso muito mais que simplesmente ensinar e educar. É preciso estar atento ao que acontece no diaa-dia da sala de aula, ampliar o olhar ao horizonte do aluno e perceber, em muitos casos, o que está além daquilo que é aparente. 4.2 PRÁTICAS DOCENTES E ESQUIZOFRENIA Por se tratar de um espaço coletivo, a instituição escolar é o resultado de um jogo de interesses onde, de um lado, está uma organização oficial do sistema escolar e, de outro, os sujeitos que a compõem. Intermediando esta relação está o processo educativo que, na concepção de Rodrigues (1984), é entendido como uma “forma de reproduzir o modo de ser e a concepção de mundo de pessoas, grupos e classes, através da troca de experiências e de conhecimentos.” (p. 69). Mediatizado pela autoridade pedagógica do educador, este processo envolve crenças, ideias, valores, ética e formas de trabalho e de organização, e para reproduzi-los a educação deve abranger práticas de produção de vida social, abrangendo, entre outras, a preparação dos indivíduos mais jovens para a ação futura na sociedade, a transmissão da herança cultural e de novas formas de trabalho, assim como a socialização de processos produtivos de bens materiais e espirituais. (RODRIGUES, 1984). Neste sentido e na forma tal como é concebida por Citelli (2000), a escola deve ser um espaço de trabalho onde ocorra a passagem de um lugar-comum para o conhecimento elaborado, transformando a matéria empírica em conceito, e que, igualmente, ensine o sujeito, neste caso o aluno, a reconhecer-se no processo de transformação, transformando-se. Para tanto, “o aluno deve ser entendido como sujeito com31 linguagem que exercita um discurso central para a efetivação do ato pedagógico” (CITELLI, 2000, p. 111), estabelecido na prática docente. 31 Grifo do autor. 88 Em se tratando da prática docente, é intenção compreendê-la tal como formulada por Sacristan (1998) e referida por Oliveira Penna (2008), para quem as práticas docentes expressam aspectos da cultura escolar, uma vez que os professores compartilham condutas, crenças, formas de compreensão, emoções e valores e cujos padrões de comportamentos são apreendidos e exercidos em decorrência das finalidades implícitas e explícitas designadas pela instituição escolar. A prática docente envolve, assim, um propósito claro e irrenunciável de provocar uma aprendizagem a qual Gómez (2001) denomina de relevante, já que facilita a reconstrução de esquemas intuitivos de pensamentos, sentimentos e conduta do aprendiz. Uma definição de prática docente envolve, no entendimento de Gómez (2001), duas concepções e posições relativamente distintas. De um lado, uma concepção política do docente como um intelectual comprometido com o processo de libertação do indivíduo, dos grupos e das culturas, e, de outro, uma concepção mais liberal, reafirmando o propósito de facilitar a reflexão e o contraste de cada indivíduo com as reflexões subjetivas dos demais. Em ambos os enfoques, o professor é considerado um profissional autônomo que reflete criticamente sobre a prática cotidiana para compreender tanto as características específicas dos processos de ensinoaprendizagem como do contexto em que o ensino tem lugar, de modo que sua atuação reflexiva facilite o desenvolvimento autônomo e emancipador dos que participam do processo educativo. (p. 301). Sobre a ação docente, Gómez (1998) analisa que, mesmo na sala de aula, onde reina uma aparente disciplina e ordem impostas unilateralmente pela autoridade do professor, ocorre um intenso e cego movimento de resistências que minam todos os processos de aprendizagem desejados, provocando no pensamento e na conduta dos alunos os efeitos contrários aos explicitamente pretendidos, fazendo com o que o professor acredite estar governando toda a vida da aula, quando, na verdade domina apenas a superfície. Para o mesmo autor (1998), as diferenças nas características culturais e nas expectativas sociais, assim como as diferenças nas atitudes e apoio familiares transformam a escola uniforme e criam barreiras e obstáculos intransponíveis para alguns grupos de alunos, incluindo aqueles com esquizofrenia, distanciados socialmente das exigências cognitivas, instrumentais e comportamentais que caracterizam a vida acadêmica. 89 A esquizofrenia apenas agudiza este distanciamento. Os obstáculos diante desta condição estigmatizante parecem colocá-la a certa distância da escola, à medida que a compreensão dela, neste contexto, é mínima ou nenhuma, como demonstrada nos relatos abaixo. Quando questionados acerca de seu entendimento sobre a esquizofrenia, os educadores fizeram as seguintes descrições: É transtorno mental ou é transtorno, não é mental, né? [sic] Eu acho que é um transtorno do comportamento, né? [sic] Assim, a gente viu como transtorno do comportamento aqui na escola [...] E percebia pela avaliação que a gente fazia, assim e pela observação da criança. (Edna) Não, eu não sei dizer. Eu não sei descrever direito o que é. Eu conheci um pouco por causa do terceiro caso que tivemos. (Elena) Eu saberia descrever alguns comportamentos que nós vimos, mas dizer o que é esquizofrenia, não. (Ester) Pode-se pensar, a partir dos relatos, que a esquizofrenia passou pela escola, mas ainda assim de modo a não mobilizar os educadores a um aprofundamento acerca de seu significado na totalidade. O reconhecimento parece ter sido pela observação no comportamento dos alunos, o que não seria de estranhar, pois afinal são comportamentos visíveis. O que não ficou claro e que careceria de uma descrição maior diz respeito a quais comportamentos as professoras estariam se referindo e o que, nestes comportamentos, possibilitaram o entendimento de que eram decorrentes da esquizofrenia. Talvez aqui se crie uma armadilha em torno da diferenciação entre comportamentos de alunos comuns e de alunos portadores de esquizofrenia. Eu nunca tive um contato próximo com a pessoa. Sei que pelo que a gente sabe, pelo que a gente conhece, são pessoas que têm determinadas alucinações. Determinadas ideias e, muitas vezes, ao mesmo tempo em que têm vontade de morrer, por exemplo, acabam fazendo situações assim de próprio [sic] se matar. Sei disso por conta de relatos assim, que a gente escuta. (Eleonora) 90 Penso que é uma pessoa que desenvolve uma doença mental, né? [sic] Não uma deficiência, mas uma doença mental. Eu não sei te dizer mais do que isso. Aí, desenvolve transtornos ligados à depressão, e uma série de outras patologias. O meu conhecimento é isso, é aquela pessoa que desenvolve uma doença mental. (Emília) A noção de sintoma e de doença é ressaltada, mas igualmente sem um significado abrangente deste conhecimento. Está bem claro e amparado na literatura que a esquizofrenia é uma doença e como tal apresenta diversas características, tanto comportamentais como sintomáticas, porém a compreensão dos educadores acerca dela parece limitar-se apenas ao termo. Ainda que os termos transtorno e doença mental tenham aparecido na descrição feita pelos educadores, estes aparecem de forma generalizada indicando apenas conjecturas, dando a ideia de que o educador se aproxima da descrição, mas de modo vago e sem certeza, sem um complemento que seja fiel ao que define a patologia. Como referido anteriormente, a esquizofrenia é um transtorno mental, cuja característica essencial é a presença de sintomas psicóticos, como as alucinações, delírios e comportamentos desorganizados, termos que também aparecem nos relatos, mas que igualmente demonstram apenas a sua descrição, sem trazer necessariamente uma interpretação de seu significado. Qual a razão para este desconhecimento? A escola não conhece a esquizofrenia. Se a esquizofrenia não é conhecida na escola, como será identificada? A dificuldade em conhecer o aluno portador de esquizofrenia pode ser entendida pela base com que a escola busca conhecer o conjunto de seus alunos: desconhece as diferenças, as histórias, as experiências e o apresenta de um modo vago e idealizado. É o que mostra Esteban (2006), ao delinear a imagem de uma sala de aula que é pensada, com frequência, no singular, professor e aluno no singular, com identidades definidas e posições fixas, tanto no espaço geográfico quanto no espaço relacional. Porém, na constatação da autora: Por mais ordenada que uma sala de aula pareça ser, por mais enraizada que se apresente a identidade de cada sujeito que a compõe, por mais fixas que sejam as posições dos indivíduos que nela interagem, é um espaço que evidencia a diferença e potencializa a desordem, por proporcionar o encontro com o outro que se desdobra no encontro com muitos outros que cada um abriga em si. Assim, a diferença característica marcante da sala de 91 aula é apreendida no cotidiano escolar como expressão de um processo que precisa ser retificado e normalizado. (p. 12). E a esquizofrenia é clássica em se tratando de diferenças, principalmente quanto à eclosão dos sintomas. No momento de desencadeamento dos sintomas, ao começar a se perceber as diferenças, seu portador é remetido ao plano do ‘outro’, do desconhecido, como se o mundo do aluno, portador de esquizofrenia, fosse um mundo à parte. Diante disso, algumas perguntas poderiam ser feitas aqui. Qual a posição do professor diante disso? Como ele reage diante da esquizofrenia? Quais habilidades ele tem para lidar com a criança que esteja apresentando sinais indicativos de que poderá ser um adolescente portador de esquizofrenia? E, ao reconhecer estas características, estará o professor preparado? Tais questões merecem respostas, pois é ele, afinal, quem está no dia-a-dia da escola diretamente com o aluno. Mas o que parece ocorrer neste âmbito é a falta de qualquer preparo dos professores, como visível nos relatos deles, quando questionados sobre formação ou capacitações que receberam. Suporte e treinamento aqui na escola a gente nunca teve. Nenhum órgão, a gente não recebe assistência em relação à esquizofrenia, nenhuma orientação, nunca [...] Em todos os cursos que a gente fez sobre educação especial, esquizofrenia nunca esteve incluída, nunca, a gente nunca ouviu falar de esquizofrenia em curso de educação especial. (Edna) E quando aparece na sala de aula, treinamento nenhum. (Elena) Não, nenhuma. (Ester) Não, capacitação eu desconheço dessa área de inclusão. Não, eu não, pelo menos no tempo que eu trabalho no estado, já tem vinte e três anos que eu estou aqui na rede pública estadual e eu desconheço capacitação na área de inclusão. Sempre assim, as capacitações que tiveram sempre abordam a questão do aluno com dificuldade de aprendizado, eles trabalham formas de trabalhar que atingem esse aluno também. (Emília) 92 Nenhum. Nada. E aí recebemos muito mais foi responsabilidade. Mas treinamento [...] (Eleonora) Claramente os relatos sinalizam que nenhum suporte ou capacitação foram oferecidos e justificam o fato de os educadores não terem compreensão sobre a esquizofrenia. Em vista disso, torna-se necessário fazer um parêntese aqui, retomando e trazendo à tona a legislação brasileira no que diz respeito à formação de professores, mais particularmente a Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996,32 e o Decreto nº 6.571, de 17 de setembro de 2008.33 Seus conteúdos trazem as prerrogativas para a educação especial, assegurando aos educandos com necessidades especiais professores com especialização adequada e capacitados para integração destes nas classes comuns. Do mesmo modo, é importante notar que no campo da habilitação, a Secretaria de Educação Especial (SEESP/SECADI) do Ministério da Educação (MEC) oferece o Programa de Formação Continuada de Professores na Educação Especial, enquanto a Secretaria Estadual de Educação do Estado de Santa Catarina, em sua Proposta Curricular, atribui ao professor papel fundamental no processo formativo. Com base nestes documentos, seria de se esperar que os professores recebessem a formação e estivessem devidamente preparados para lidar com a diversidade de seus alunos, incluindo a esquizofrenia. Entretanto, não parece ser o que vem acontecendo. Mesmo em relação à política de educação especial, através do programa de educação inclusiva, os professores não estão sendo assistidos no que é proposto em termos de capacitação e formação. A lei existe, mas sua efetivação é nula. A elaboração de leis e sua dificuldade em produzir desdobramentos na política de formação docente são parcialmente percebidas pelos educadores. Eles fazem a lei muito bonita, certinho. Essa capacitação deveria acontecer, mas não acontece. O que acontece na prática, na lei em toda sua amplitude, o que diz respeito a toda sua inclusão é falha [...] Não tem capacitação nem para lidar com aqueles que a lei prevê, tu imagina [sic] para lidar com esquizofrenia. (Emília) 32 33 Que estabelece as diretrizes e bases para a educação nacional. Dispõe sobre o atendimento educacional especializado. 93 Tem a tal da inclusão, mas o professor não foi preparado, não há curso de preparação para saber lidar. (Eleonora) A qualificação do professor se constitui, necessariamente, em uma forma de fortalecimento da qualidade do atendimento aos alunos em suas dificuldades e aos professores que podem construir novas alternativas e desenvolver novas competências, principalmente naqueles pontos que podem servir de entrave ao processo ensino-aprendizagem. A necessidade de ser entendido ou até de que o professor esteja preparado para compreender a esquizofrenia e saber lidar com seu portador aparece nos relatos de portadores de esquizofrenia. Se eles34 me entendessem eu estaria estudando [...] (Plínio) Acho que os professores deveriam ter um tipo de treinamento para lidar com o aluno que tem esses problemas, né? [sic] (Paulo) A falta de preparo do professor para lidar com a diversidade de seus alunos, como exemplificado nos relatos acima, pode incorrer no que Esteban (2006) denomina de naturalização, em sala de aula, da palavra diferente, como se o termo tivesse um único sentido. Para a autora o discurso é de que os docentes compreendem que seus alunos são diferentes, que possuem ritmos diferentes de aprendizagem, que vivem em contextos diferentes, mas que pela naturalização do termo a diferença acaba por se harmonizar com o ambiente da sala de aula e com as práticas realizadas, “ressaltando a ausência de preparo dos docentes para trabalhar com a enorme diferença dos estudantes.” (p. 9), principalmente, como neste caso, com a esquizofrenia. A compreensão que se faz das palavras de Esteban é que no cotidiano há um processo de acomodação do sistema educacional: a lei não cumpre o que prevê em termos de capacitação para a diversidade e ao mesmo tempo em que a diversidade forma um tom de invisibilidade no interior da sala de aula, sendo importante considerar que todos (ou cada um) são diferentes e, desta forma, seria impossível lidar com todas as diferenças individuais. 34 Os professores. 94 Em sua fase pré-mórbida, a esquizofrenia é uma patologia silenciosa e como tal o desenvolvimento dos sintomas se dá de modo lento e insidioso, até que sejam detectados efetivamente. Ainda assim, alguns sinalizadores marcam esta fase e podem ser observados também no contexto escolar, porém, não sendo reconhecidos como sinais patológicos, o portador e as pessoas em torno dele (como a família) e os educadores seguem um trajeto peculiar na tentativa de compreender o que está se passando. Até a gente saber que a criança era esquizofrênica, demorou bastante [...] A gente sentia que o aluno era diferente. Ele não prestava atenção nas coisas que a gente explicava [...] Observava que ele estava bem longe. Estava quieto, mas não estava ali. A gente chegava perto para explicar, mas daí ele vinha com uma história que estava na cabecinha dele. Uma coisa bem diferente. (educadora, Ester) Ah, levou um tempo [...] Até saber que era esquizofrenia demorou, né? [sic] (educadora, Elena) O tempo despendido pelo professor para decodificar o que se passa com alunos que fogem do padrão de normalidade e, diga-se, um padrão definido pela própria escola, é um tempo que poderia ser menos angustiante não fossem as regras, as normas, o funcionamento fragmentado da instituição escolar, associado à fragmentação da própria lei que rege os destinos da educação no país e que tem em seu bojo elementos que são indicadores da preparação dos professores para intervirem em situações que exijam uma prática docente diferenciada. Neste sentido, Sobral (2009) observa a importância de o educador reconhecer sinais patológicos em seus alunos, percebendo estes como alguém que precisa de tratamento e não simplesmente como aluno-problema. Sobral (2009) afirma ainda que: Muitas crianças com doenças mentais passam despercebidas pela escola, o professor percebe a alteração, mas não sabendo identificá-la como um sintoma patológico, deixa de requisitar uma avaliação mental mais profunda deste aluno, o que seria de fundamental importância para o seu desenvolvimento saudável (p. 125). Parece haver, entre os educadores entrevistados, a confirmação de Sobral (2009) de que alguns educadores, quando de sua formação, não tiveram a 95 noção do conhecimento ligado a esta problemática, pois a organização escolar baseia-se na tendência da educação tradicional autoritária, pouco questionadora, centrada nos conteúdos e fragmentada quanto à visão de sujeito-aluno. (SOBRAL, 2009). Para aqueles alunos que não se ajustam às previsões escolares, a ideia de ritmos diferenciados, conforme revela Esteban (2006), torna-se, então, uma justificativa para a ausência de uma intervenção escolar adequada aos seus processos particulares de aprendizagem e por esta razão “não são compreendidas pela escola e não encontram um lugar na escola que as acolha” (p. 12). A percepção do não acolhimento aparece no depoimento de duas mães. Eu, para mim, eu acho que não recebeu bem. Acho assim: dentro de uma sala de aula tem vários professores, orientadores, que, por exemplo, se tem uma criança que passa meio período com ela, ela tem que notar o que está acontecendo, que está fora do normal. (Fabiana) Não tinha, assim, uma ajuda, né? [sic] Que talvez se tivesse uma pessoa para orientar, conversar alguma coisa, mas não tinha, não tinha nada. (Felícia) Os relatos acima fazem pensar que a família não está alheia à problemática educacional de seu filho no acompanhamento do dia-a-dia da escola, tanto no período anterior como após a manifestação dos sintomas da esquizofrenia, ainda que sem um contato formal. Percebe-se a necessidade de que os profissionais da escola tenham um olhar diferenciado àqueles que, dentro de seus limites, precisam receber uma atenção a mais, precisam de um olhar que poderia ir além dos problemas de aprendizagem, de comportamento ou de avaliação. Estar atento ao outro é mais do que perceber problemas aparentes, é detectar necessidades, como bem lembra uma mãe: Se o professor conhecesse assim, as doenças da pessoa, daí eles podiam estudar, porque daí a professora sabe como é tratar, como é lidar com eles. (Fernanda) Algumas famílias, quando entregam seus filhos à escola, criam a 96 expectativa de que a escola dará continuidade aos cuidados recebidos no lar, ao mesmo tempo em que a escola, ao receber o aluno, cria a expectativa de que a família complementará a educação iniciada no espaço escolar. A participação da família neste espaço poderia ter um caráter de complementaridade. Porém, no mundo familiar as crianças são filhos, no mundo escolar elas são alunos, mas a passagem de filho a aluno não é uma operação automática e, dependendo da distância entre o universo familiar e o escolar, ela pode ser traumática. (CASTRO; REGATTIERI, 2009). A angústia do despreparo familiar soma-se à expectativa da família em não encontrar respaldo na escola. A escola não tá [sic] preparada. Pai e mãe não é preparado para ter filho com problema, pai e mãe é feito para ser pai e mãe. Não é um técnico. Então eu acho que o que falhou foi isso aí. (pai, Frederico) A dificuldade se encontra quando não há uma interação, quando se estabelece um hiato na comunicação entre família e escola. Ao final, a interação só parece ocorrer em momentos cruciais nos quais a escola se percebe numa situação limite, como se pode deduzir ao analisar os relatos de uma mãe e um pai: E ali no Colégio E tinha essa pessoa, ela era coordenadora ou qualquer coisa assim, então ela me chamava, mas por quê? Porque a G. desmaiava. A mesma coisa era com o R. [...] Acontecia ou não acontecia eu não ficava sabendo. Eu não ficava sabendo de nada. (Felícia) Ah! De vez em quando eles chamavam a gente e a mãe vinha correndo, é que tava [sic] de briga na sala com os amiguinhos. (Frederico) Ao mesmo tempo, relatos dos professores dão indicativos de que as interações com a família não são produtivas. É muito complicado lidar com família numa situação dessas [...] Eles não aceitam e até a gente faz conjecturas do por que não aceitam. (Edna) Então tu até detecta [sic] o problema, mas até os pais, a família buscar 97 recurso [...] (Emília) Está cada vez mais difícil, a cada ano que passa a família está dando mais responsabilidade para a escola, a cada ano que passa a família traz mais responsabilidade. (Eleonora) Algumas questões podem ser produzidas sobre estes relatos. De um lado, é a escola que se mantém indiferente, acionando os pais somente nos momentos mais críticos, quando a situação chega ao limite. De outro, são os pais, que, mesmo acionados pela escola, parecem apáticos ao seu chamado, depositando na escola o encargo da educação de seus filhos. Claramente pode-se perceber nestes relatos a falta de comunicação que acaba contribuindo para o distanciamento na relação entre ambas. O distanciamento entre família e escola é discutido por Caetano (2008), ao referir-se ao estudo de Paro (2000)35, ao analisar que a escola frequentada pelos filhos atualmente é bastante parecida com a escola que os pais frequentavam tempos atrás e, por esta razão, não deveriam sentir-se tão distanciados do sistema educacional. Afirma também que o professor, embora admita a necessidade da participação dos pais na escola, não sabe bem como encaminhá-la. Assim, há, por um lado, uma incapacidade de compreensão por parte dos pais, daquilo que é transmitido na escola e, por outro, uma falta de habilidade dos professores para promoverem essa comunicação. (CAETANO, 2008). O essencial da relação entre família e escola, além dos encontros pessoais, se dá, conforme Perrenoud (2000), nas informações, nos julgamentos, nas expectativas, nas injunções e nas queixas que circulam diariamente entre os educadores e os pais, principalmente nas questões demandadas pela esquizofrenia. Demanda esta que, no contexto escolar, faz refletir que o professor encontra-se sozinho não apenas diante da esquizofrenia, mas também diante de outras questões emergentes que exigem uma prática docente distinta das práticas rotineiras da escola. O relato de duas educadoras expressa a solidão docente: 35 PARO, V. H. Qualidade do ensino: A contribuição dos pais. São Paulo: Xamã, 2000. 98 E a gente fica batendo na porta da gerência, pedindo informação na Secretaria de Educação, pedindo informação na Fundação. E pedindo ajuda, socorro, pra [sic] gente não ficar sapateando no escuro. (Eleonora) E eu também não sei se a gente daria conta disso. Hoje a escola não dá conta nem das crianças com outros tipos de deficiências. Quer dizer com a deficiência e não com a doença, né? [sic] Imagina só com mais esse segmento dentro do ensino regular [...] Então o que a lei diz é que a gerência tem que preparar uma capacitação de, no mínimo, 40 horas para esses profissionais. Aí para inserir na sala de aula para trabalhar com esses alunos. Então o mínimo que poderia ser feito é isso, mas quer dizer que não é feito, e por quê? Daí não me pergunte. (Emília) Se nem o mínimo está sendo feito, como querer que a atuação docente vá além da normalização do diferente, ou seja, ao enquadramento da diferença? Como querer uma prática educativa que não potencialize a homogeneização, possibilitando que a diferença não seja um indicador da dificuldade de aprendizagem, do problema no desenvolvimento ou ainda da impossibilidade de um trabalho de qualidade, como bem questiona Esteban (2006)? Como fazer da sala de aula um espaço que permita maior visibilidade à singularidade dos sujeitos que a compõe, incluindo aqueles que portam a esquizofrenia, e as interações e os diálogos que nele se realizam? Na sala de aula há necessariamente, diálogos entre os diferentes, com suas diferenças. Diálogos atravessados por consensos, confrontos, acordos, conflitos. Diálogos buscados; diálogos que não se deixa travar; diálogos que se prefere esquecer; diálogos que as palavras não podem mediar; diálogos interrompidos/constituídos por intensos ruídos, por longos silêncios, por breves olhares, por gestos contraditórios. Diálogos monológicos e ainda assim tecidos por muitos outros diálogos. (ESTEBAN, 2006, p. 8). Diálogos todos eles mediados pela figura do professor. Sujeitos cuja ação os leva a caminhos de movimentos opostos. De um lado, professores passivos e acomodados ao sistema institucional da escola e, de outro, professores envolvidos em uma luta praticamente solitária, tentando cobrir a fenda exposta e, como no caso da esquizofrenia, com uma dimensão bem complexa. Estas duas dimensões da prática docente podem ser vistas nos relatos dos educadores ao serem 99 questionados sobre seu procedimento ao perceber a possibilidade de algum de seus alunos portarem esquizofrenia. O que acontece assim é que a gente observa um caso de aluno que está ou agressivo ou isolado, o que a gente faz? A gente procura chamar a família, conversa, tenta entender o que está acontecendo. Até os pais colocam que já está em tratamento psicológico ou psiquiátrico com remédios, né? [sic] Com medicamente e tudo [...] E quando a gente vê que não existe isso, a gente orienta os pais a procurar um atendimento desses [...] se a família tem vontade de tratar ela esbarra na questão dos recursos, né? [sic] Mas se ela ainda quer, ela vai buscar e trata esse filho. Mas se a família é mais acomodada, acha que é fase, então na primeira dificuldade já desiste. Aí fica esse aluno, sem tratamento, desenvolvendo uma doença mental. (Emília) Quando a gente está observando que o aluno assim se isola, a gente começa a observar, a verificar, chamamos o aluno para conversar e em outro momento chamamos a mãe, o pai e os responsáveis para ver se esse comportamento é visto na casa. Se é normal lá na casa, se é assim e o que é que está acontecendo naquele momento. (Eleonora) Observa-se, a partir destes relatos, que à família é dada, quase que exclusivamente, a responsabilidade pela resolução da problemática da patologia apresentada pelos alunos. Ainda que a família seja chamada para um entendimento do que esteja acontecendo, como referido pelos educadores, o que se percebe é que o manejo da situação se traduz apenas em uma conversa orientando a procurar tratamento. Efetivamente estes educadores não apresentaram condutas didáticas que possibilitassem um trabalho conjunto, apesar de que não se pode desconsiderar que algumas famílias podem ser acomodadas, o que potencializa ainda mais as dificuldades. Novamente aqui se vê que, entre professores e pais, a relação não é tão simples. Torna-se necessário refinar esta relação, pois como refere Perrenoud (2000), quando escola e família compreendem que o diálogo não dura a não ser a partir do momento em que cada um entenda o ponto de vista do outro e não exagere em suas expectativas, descobrem que a colaboração não somente é possível, mas fecunda, o que desenvolve confiança mútua. Infelizmente, “ao lado de tais círculos 100 virtuosos, conhecem-se demasiados círculos viciosos, nos quais a desconfiança de uns reforça os mecanismos de defesa do outro e vice e versa” (p. 113); quem perde neste ínterim é o aluno com esquizofrenia, que à mercê deste jogo seguirá sofrendo com o peso da patologia. De outro modo, alguns alunos com esquizofrenia foram beneficiados pelo empenho de alguns educadores no manejo de seu dilema frente à patologia, quando, da mesma forma, foram indagados sobre como procederam ao perceber a possibilidade de algum de seus alunos portarem esquizofrenia. Vale trazer aqui os relatos abaixo, mesmo que extensos, porque permitem compreender bem a ação inovadora e criativa desses professores. Na verdade foi individual porque treinamento nós não tivemos [...] Eu procurava trabalhar diferenciado na sala de aula. Com mais reforço, mais atividade, mais no nível deles. Tinha momentos que ela36 pedia para sair da sala e a gente deixava. (Elena) Assim, mesmo não sabendo o que a criança tinha a gente já buscava um manejo diferenciado para lidar com essa criança. Com certeza, não tem como lidar do mesmo jeito que os outros. (Ester) A nossa função aqui é educar, né [sic], e não repreender, então a gente sempre procurava entender o que tava [sic] acontecendo e buscava apoio na família, só que na família, o pai já tinha depressão, aí a mãe não procurava ajuda porque era sozinha, não podia contar com a ajuda do pai, então a escola que tinha de se virar com esta criança [...] A gente buscou leitura, eu e a outra orientadora, e a gente chegou à conclusão de que podia ser esquizofrenia. E, então, fizemos o encaminhamento para a psicóloga. Depois que a gente descobriu que ele tinha esquizofrenia, nós fizemos um trabalho com os professores, passamos o filme ‘Uma mente brilhante’ para os professores verem, né? [sic] [...] fizemos todo um trabalho com os professores para eles saberem como lidar com isso, por isso que o F.37 ficou aqui até a oitava série [...], ele saiu só depois que voltou a morar com a mãe (em outra cidade), mas enquanto ele esteve na nossa escola, ele era tratado assim, a 36 37 Aluna com esquizofrenia. Aluno com esquizofrenia. 101 gente nunca chamou a polícia, nunca olhamos como marginal, sempre olhamos como uma pessoa doente, que era passível de tratamento. (Edna)38 Interessante refletir que, mesmo não recebendo formação especializada para o exercício pedagógico com alunos com esquizofrenia, estes educadores empreenderam uma prática diferenciada. Ainda que solitariamente, se dispuseram a buscar informação e a criar estratégias, difundindo-as para toda a expansão da escola. A atitude criadora destes educadores está relacionada ao que Perrenoud (2000) denomina de prática reflexiva, ou seja, de uma prática docente que busca uma adequação às circunstâncias, podendo “tornar-se uma alavanca essencial de autoformação e de inovação e, por conseguinte, de construção de novas competências e de novas práticas” (p. 160) que possam ultrapassar os limites da acomodação, pois: Para ultrapassar o limite, é preciso alguma espécie de salto qualitativo que passe pela construção de novos modelos de ação pedagógica e didática, por conseguinte de um trabalho de autoformação que apele para aportes 39 externos [...] Desse modo a lucidez profissional consiste em saber igualmente quando se pode progredir pelos meios que a situação oferece e quanto mais econômico e rápido apelar para novos recursos de autoformação: leitura, consulta, acompanhamento de projeto, supervisão, pesquisa-ação ou aportes estruturados de formadores suscetíveis de propor novos saberes e novos dispositivos de ensino-aprendizagem. (p. 163). Outra reflexão que pode fazer diante dos relatos anteriores diz respeito ao caráter afetivo no discurso dos educadores. Ainda que não pudessem contar com a família, o cuidado despendido aos seus alunos com esquizofrenia indica o reconhecimento do caráter humano por detrás do aluno, e não apenas um amontoado de sinais e sintomas, característicos da patologia. Para estes professores o fato de que a escola não conhece a esquizofrenia está claro e que não sabe como lidar com ela também. Ainda assim, não se pode negar que, anterior a ela, tais professores percebem um aluno, que antes de ser esquizofrênico40 é um ser humano e merece ser reconhecido e tratado como tal. Neste aspecto a afetividade tem livre passagem para ser efetivada pela prática docente no contexto escolar. Tratar o aluno com afeto não significa tratá-lo com beijos ou abraços, antes disso, 38 Por reconhecer a importância do relato, optou-se por deixá-lo na íntegra, apesar de ser longo. Grifo do autor. 40 Grifo nosso. 39 102 significa tratá-lo sem indiferença e, no caso da esquizofrenia, significa colocá-lo no lugar de quem precisa de um olhar a mais, de um cuidado a mais, de uma atenção a mais, nem que para isso seja necessário, em alguns momentos, usar a criatividade no lugar da técnica. Como refere Gómez (2001), fazer da colaboração entre os docentes um componente de sua competência profissional, adquirindo o significado de uma nova ortodoxia nos processos de mudança e inovação da escola, considerando que: A colaboração transporta o desenvolvimento profissional dos docentes mais além dos reduzidos e locais horizontes do individualismo e isolamento, da dependência dos especialistas externos, para um cenário em que os docentes podem aprender uns com os outros ao compartilhar suas experiências, temores, propósitos e pensamentos. (p. 71). Dessa forma e em se tratando de alunos com esquizofrenia, o ganho é coletivo. Ganha a família porque vai poder contar um elemento a mais para dividir a dor de ter um filho portador da patologia, ganha o aluno porque, ainda que diante de suas dificuldades e seu sofrimento, receberá um reforço a mais na luta contra seus sintomas, e ganha o educador que, a partir de uma prática docente distinta, poderá vivenciar experiências intensas e desafiadoras, mas ao mesmo tempo, bem sucedidas, assim como exemplificam duas educadoras. Foi chamada a orientação, a escola [...]. Mas acho assim que os alunos acolhem bem. Eles não rejeitam. Acho que os trabalhos das orientadoras foram bem significativos. E os alunos são tudo [sic] amigos. Não rejeitam porque é surdo ou esquizofrênico. (Elena) O único caso41 que a gente não conseguiu levar até o fim, quer dizer, até a oitava série, porque ele foi descoberto muito tarde e porque os pais tinham se separado e tinha uma briga de guarda, então a mãe pegou a guarda de novo dele e ele foi morar com a mãe e aí o pai não pode dar sequência àquele tratamento que ele vinha fazendo [...] O pai morava aqui do lado e ele foi morar em Imbituba, depois ele voltou a morar com o pai de novo, só que já tava [sic] fora da escola, já não tinha mais idade escolar, ele também não tava [sic] frequentando escola lá no lugar onde 41 Referindo-se a casos de alunos portadores de esquizofrenia. 103 foi feita a transferência dele, então ele não deu prosseguimento ao tratamento. (Edna) Pode-se supor que as possibilidades de sucesso diante da problemática da esquizofrenia em sua relação à prática docente podem ser mais relevantes que os entraves trazidos pela patologia, bastando para isso que o docente esteja disposto a criar e inovar, que valorize mais o seu desejo pela conquista de levar o caso até o fim, ou seja, até a oitava série, do que acomodar-se diante de um sistema que limita, enrijece e, em boa parte do tempo, imobiliza quem deseja fazer de seu exercício profissional algo além do que o sistema oferece. Afinal, a esquizofrenia é real e existe, muito mais próxima do que se possa pensar, e seu portador, tanto como o aluno comum, deve ter o direito de vivenciar o processo de escolarização, dar sentido a suas perspectivas e projetos de futuro, e as escolas devem estar preparadas, pois, como argumenta um educador, “só na nossa escola a gente pôde detectar e ajudar três casos e bem sérios. Mas, eu acho que a esquizofrenia está passando pelas escolas e eles não estão se dando conta disso.” (Edna) 4.3 O (IM)POSSÍVEL FUTURO DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA Quando as crianças entram na escola, geralmente vêm sem um projeto pessoal: ler todas as letrinhas talvez seja o propósito trazido por elas (PERRENOUD, 2000). Mas para este autor as escolas quase nunca oferecem um encorajamento para seus alunos, principalmente aqueles com mais dificuldades. Ainda que o projeto pessoal dos alunos, ao entrar na escola, possa ser apenas ler ‘todas as letrinhas’, faz-se necessário ter o cuidado para que este projeto não só não desapareça como se deve incitá-los a evoluírem e ampliarem suas perspectivas e expectativas para o futuro, a partir do processo de escolarização, considerando que o projeto pessoal de uma criança não é, necessariamente, completo e estável. De acordo com Neiva-Silva (2003), perspectivas, aspirações, expectativas ou projetos pessoais ou de vida são diferentes conceitos utilizados pela literatura científica para fazer alusão à crença de realizar ou ver algo realizado em seu futuro. 104 Ainda que se tomem estes termos como sinônimos, o tema perspectiva de futuro aplicado aqui está relacionado ao modo como os estudantes portadores de esquizofrenia percebem seu futuro e os objetivos de vida que se propõem a atingir, e as relações desse projeto com a escolarização, considerando que sua trajetória escolar foi ceifada no momento da eclosão dos sintomas. Como se pode observar nos apêndices F e G, a interrupção dos estudos aconteceu ao ingressar no ensino médio e, ao serem questionados sobre o que os impediu de continuar estudando, os mesmos fizeram os seguintes relatos: As audições deles lá, eles vindo na minha direção me atrapalhando, aquela turma de lá. Não sei por que eles fazem isso pra [sic] mim. Não sei por que. Eu fui lá, a menina falava, me atrapalhava, eles me apareciam pra [sic] mim, me atrapalhando, eu tive que sair do colégio, não consegui mais estudar, tinha que pegar mototáxi, não conseguia vir a pé pra [sic] casa, é uma coisa que não dá de andar. Porque não dá pra [sic] andar, tu vai [sic] tirar o tênis e não consegue, eles te perseguem. Por causa daquela turma lá que eu não consegui fazer o segundo grau ainda. (Pedro) Medo de passar pelo que eu passei [...] Isso, tipo uma fobia, saca?! [sic] Medo de ficar na sala de aula, como eu ficava quieto, isolado. É isso. Eu tentei terminar meu ensino médio no Colégio E. Só daí eu não, como eu posso dizer, tomava medicação, daí eu não conseguia aprender o que o professor ensinava. Eu estava muito agitado. (Paulo) Desinteresse pela vida, desinteresse total. Tentei o segundo grau, mas acabei parando por causa da mardita [maconha] (sic). Eu parei mesmo por causa do internamento, né? [sic] Até porque na época do internamento, não tinha condições de voltar a estudar, depois eu tentei voltar a estudar, mas não consegui. Tentei voltar, mas não deu em nada. (Pascoal) É possível observar que a esquizofrenia teve uma participação significativa na descontinuidade do processo de escolarização destes estudantes, principalmente no momento da fase aguda, período em que há manifestação intensa dos sintomas. O relato de Pedro produz este entendimento à medida que seu 105 discurso indica a presença de alucinações (‘as audições deles’, ‘eles vindo na minha direção’, ‘a menina falava’, eles apareciam pra mim’) e de delírios (‘não sei por que eles fazem isso pra mim’, ‘eles te perseguem’), que são sintomas característicos da esquizofrenia e que por esta razão ele ainda não conseguiu ‘fazer o segundo grau’, significando a interrupção do processo de escolarização neste momento. Alucinações e delírios tipicamente estão presentes na esquizofrenia e são decorrentes de uma distorção do funcionamento normal das funções cognitivas. (HALES; YUDOFSKY, 2006). São experiências que causam grande confusão nos pensamentos e na percepção e podem ser percebidas na forma como a pessoa se comunica (SADOCK & SADOCK, 2008). As vivências com estes sintomas normalmente são solitárias e difíceis de ser compartilhadas, além de serem assustadoras. A realidade interior é marcada por grande sofrimento e por experiências emocionais muito intensas, na maioria das vezes impossíveis de serem expressas em palavras. (ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008). O fato de não conseguir expressar este sofrimento e a desorganização do pensamento provoca muitas incompreensões e conflitos nos relacionamentos, levando a um isolamento ainda maior e, conforme Afonso (2002), a uma diminuição do rendimento escolar. Para este autor, “muitas vezes os pais e os professores veem estas alterações como sendo normais, fazendo parte da idade” (p. 59). Também, na opinião de Shirakawa (2007), é difícil entender a esquizofrenia em seu quadro inicial e geralmente “os pais não conseguem compreender por que seu filho que vinha estudando regularmente ou iniciando uma vida profissional apresenta uma ruptura evidente em seu comportamento” (p. 130). Onde, aparentemente, se supõe não estar acontecendo nada, há toda uma vivência interna que não consegue ser expressada e nem observada externamente. A tendência, neste caso, pode ser o desinteresse total demonstrado por Pascoal, ou então o medo evidenciado por Paulo no relato da mãe quando indagada sobre o que impedia seu filho de voltar a estudar. Ele tem medo. Acho que ficou um trauma. Ele acha que vai passar tudo o que ele já passou. (Fabiana) Outro fator que pode ter contribuído para a desistência da escolarização, consequentemente, interferir nos planos de futuro dos portadores e que está relacionado à esquizofrenia diz respeito ao tratamento medicamentoso e à 106 internação. No entendimento de Assis, Villares e Bressan (2008), a internação é um procedimento necessário em muitos casos, sendo útil para controlar a crise, entretanto controlar a crise não significa que o problema está resolvido. Após esse período mais crítico, inicia-se um novo processo, o de reorganizar a vida e de lidar com a presença da esquizofrenia, e isso traz suas dificuldades próprias. Trata-se de um ‘começar de novo’ em uma situação em que a pessoa está fragilizada e não consegue ver perspectivas de futuro. (p. 18). Em relação ao tratamento medicamentoso, deve-se considerar que os medicamentos são essenciais para alívio dos sintomas e para reduzir o risco de novos episódios, já que a recaída pode ser um elemento impeditivo para continuar o processo de escolarização, dificultando ainda mais o retorno após a recuperação. Um portador de esquizofrenia descreve tal situação. Foi a recaída42, né? [sic] Eu tive uma recaída, eu tentei, mas não conseguia naquela época. (Pascoal) As recaídas, muitas vezes, são desencadeadas pela interrupção do tratamento medicamentoso e uma das razões para isso são alguns efeitos adversos decorrentes de seu uso e que são bastante desagradáveis, como a sedação, por exemplo. Estes efeitos podem surgir comprometendo a adesão ao tratamento e colaborar para que a pessoa apresente algumas dificuldades de comunicação, de motivação ou de interação social (AFONSO, 2002). O desconforto causado serve também como um elemento para interferir no processo de aprendizagem escolar. O relato de um portador de esquizofrenia descreve a dificuldade em retornar à escola após iniciar tratamento com medicamentos. Eu fui estudar no Colégio E, terminar o ensino médio, mas eu tive que sair porque os remédios me dopavam, eu tinha sono. (Paulo) 42 Este portador, ainda em tratamento para esquizofrenia, teve uma recaída e por esta razão passou por um período de internação. 107 Segundo Louzã Neto (1996), os medicamentos não curam a esquizofrenia, mas a grande maioria dos portadores apresenta melhoras substanciais e este fator permite ao portador ter vida praticamente normal. Porém, observa-se uma característica que parece ser comum em portadores de esquizofrenia que, após vivenciarem a intensificação dos sintomas da fase aguda e, em alguns casos, passarem por um período de internação, desconsideram a possibilidade de se restabelecerem e de seguirem habitualmente sua trajetória vivencial. Alguns deles parecem não perceber esta possibilidade e não acreditam em sua capacidade e em seu potencial de recuperação e, por esta razão, desanimam e quase sempre desistem da continuidade dos estudos. Essa doença que eu tenho, né? [sic] Ah, acho que não tenho capacidade [...] Não tenho mais a mesma, sei lá, parece que não entra mais na cabeça [...] É, isso. (Plínio) Os planos de estudar se mantêm, mas eu creio que por causa dessa doença, acho que pela doença e pela timidez. Sei lá, eu tenho um certo limite, é como se eu não pudesse mais alcançar isso, como se fosse um sonho, não tem como alcançar! (Paulo) Porém, um fator importante pertinente ao não retorno aos estudos depois da fase aguda da patologia pode estar relacionado ao fato de que não é infrequente que pessoas com esquizofrenia desenvolvam uma alteração profunda no senso de identidade (SHIRAKAWA, 1998), e geralmente se mostrem com baixa autoestima, como demonstrado por Plínio. Esta característica pode colaborar para que eles se percebam de modo a desqualificar suas competências e habilidades e vivam contraditoriamente o desejo de estudar. É porque [...] capacidade eu tenho de estudar [...] Eu agora estou bem melhor do que há 10 anos atrás quando deu minha primeira crise, né? [sic] Assim eu me sinto bem. (Plínio) Diante destes relatos, vale destacar as palavras de Assis, Villares e Bressan (2008) quando descrevem que: 108 A superação é um processo que cada pessoa e cada família constrói a partir da confiança de que há maneiras melhores de lidar com as situações e aprender com elas. Isso exige a aceitação das limitações impostas pela doença, mas também determinação, esperança e confiança nos recursos que se adquirem ao longo do caminho. Superar a esquizofrenia não significa conseguir que seus efeitos e sintomas desapareçam completamente, pois este é um evento raro e não se deve alimentar demais essa esperança. A superação se dá ao encontrar soluções práticas e cotidianas para melhorar o que é possível e procurar maneiras de ter uma vida com qualidade: essa é uma esperança realista e possível. (p. 25). Concorda-se com os autores à medida se percebe a necessidade de que portadores de esquizofrenia recebam elementos que os auxiliem a diminuir as limitações impostas pela doença, possibilitando criarem melhores perspectivas de futuro. A família tem grande participação neste processo, mas sozinha não consegue resultados efetivos e, às vezes, espera contar com a parceria da escola, como relata um pai ao ser questionado como a escola recebia sua filha portadora de esquizofrenia. A escola não está preparada para ter um aluno com problema assim. Não tem técnico capaz de administrar isso aí. Contornar isso aí. Fica de lado, de lado. Ou eles não aceitam mais o aluno. (Frederico) Não aceitando o aluno com esquizofrenia, estaria a escola contribuindo para a diminuição de suas possibilidades de um futuro com mais qualidade? É uma questão que merece atenção à medida que à escola é atribuída, socialmente, a missão de preparar seus alunos para a vida em sociedade e para o mundo do trabalho, conforme refere GÓMEZ (1998). Mesmo com as dificuldades da escola, a família mantém os desejos e as expectativas, nem sempre realizadas, de que a escola ofereça o melhor e que supra a necessidade de garantias por melhores cuidados e atenção para com seu filho. Não tinha assim uma ajuda, né? [sic] Que talvez se tivesse uma pessoa para orientar, conversar alguma coisa, mas não tinha, não tinha nada. (mãe, Felícia) Ele acabou o segundo grau aqui no Colégio G, daí foi pro [sic] Exército. E depois ele não [...] não quis mais estudar. Quer dizer, querer ele sempre queria, né? [sic] Mas agora com o problema, né [sic], com a doença dele é ruim [...] Se o 109 professor conhecesse assim, as doenças da pessoa, daí eles podiam estudar, porque daí a professora sabe como é tratar e como é lidar com eles. (mãe, Fernanda) Igualmente, o filho de Fernanda, portador de esquizofrenia, faz o seguinte relato quando questionado sobre o que, no momento da entrevista, o impedia de retornar ao processo de escolarização. Essa doença que eu tenho, né? [sic] Eu tenho medo dos professores não entender [sic] e me botar [sic] pra [sic] fora do colégio. (Plínio) O medo de os professores não entenderem mencionado por Plínio pode significar uma demanda aos educadores do que Jesus (2000) denomina como construção de um novo modo de lidar com a realidade, ou seja, que a escola, a partir do saber-fazer dos profissionais que a constituem, promova “mudanças para incluir todos os alunos, mesmo aqueles que demandam maior apoio no processo educacional” (p. 97), abrangendo, neste caso, os alunos portadores de esquizofrenia. Ainda que suas necessidades possam não ser as mesmas defendidas pelas políticas de educação inclusiva, estes parecem carecer de atenção especial no sentido de ampliar suas possibilidades, minimizando o sentimento de solidão, os efeitos da patologia sobre as habilidades educacionais, e o futuro do portador. Conforme relata um portador de esquizofrenia ao ser indagado se a esquizofrenia teria contribuído para que não retornasse aos estudos. [A esquizofrenia] Ajuda um pouco a impedir [...] O pouco que eu sabia, o pouco que eu tinha força de enfrentar foi sumindo cada vez mais. (Paulo) Nota-se, então, a importância de conhecer e de entender as características que envolvem a esquizofrenia, enquanto patologia, assim como as características que envolvem seu portador. Conviver com a esquizofrenia apresenta uma série de situações difíceis, e o caminho para lidar com elas é um aprendizado constante. Quem, de modo distante, observa uma pessoa com esquizofrenia falando de suas questões normalmente não se dá conta de que ela está aprendendo e mudando em seu próprio tempo. (ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008). Na vivência 110 com a esquizofrenia é necessário ter paciência, pois as transformações positivas vão se instalando aos poucos e a escola poderia participar deste processo à medida que se organizasse de forma a encontrar recursos para atender estes alunos, através de [...] competências mais precisas em didática e avaliação, assim como capacidades relacionais que permitam enfrentar, sem se desestabilizar, nem desencorajar, resistências, medos, rejeições e todo o tipo de mecanismos psíquicos nos quais as dimensões afetivas, cognitivas e relacionais conjugam-se para impedir que aprendizagens decisivas comecem ou prossigam normalmente. (PERRENOUD, 2000, p. 61). Interessante notar, diante dessas afirmativas, que em se tratando de esquizofrenia, a aprendizagem escolar parece ser um caminho de duas mãos. De um lado está o educador que precisa aprender tanto sobre a patologia como saber lidar com o aluno portador, de outro está o aluno que necessita do educador para prosseguir sua trajetória escolar e dar vazão a seus planos de futuro. O que ambos precisam saber é que os resultados deste processo não são imediatos, mas são construídos com o tempo e que, sendo assim, não se pode desanimar com as dificuldades imediatas. (ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008). Mas as dificuldades são tantas que o medo e a insegurança, não raro, suplantam o desejo que persiste de seguir em frente para o portador. Eu tenho vontade de estudar, mas será que eu ainda posso? Não tenho mais a mesma facilidade de aprender [...] Mas eu ainda posso né? [sic] Porque eu já tenho segundo grau. [Sobre fazer faculdade] Ah, daí não, não [...] A cabeça não ajuda mais. [Sobre vontade de fazer faculdade] Ah, vontade eu tenho! (Plínio) Segundo Assis, Villares e Bressan (2008), muitos portadores de esquizofrenia perdem boas oportunidades na vida, principalmente por se sentirem diminuídos ou incapazes. As oportunidades sempre aparecem, seja um curso, um emprego, uma viagem, enfim, experiências que poderiam dar mais qualidade às suas vidas. Entretanto, a vivência da esquizofrenia e as situações que ela coloca na vida da pessoa, em muitos casos, são como lentes cinzas que não permitem que se vejam as cores da vida. Quando solicitados a falar sobre planos para o futuro, elaborados na época em que estavam estudando antes da manifestação dos sintomas (momento 111 em que se formulou o diagnóstico de esquizofrenia), os portadores de esquizofrenia fizeram relatos diferenciados: Tinha planos, tirar carteira de motorista, terminar o segundo grau, trabalhar, essas coisas que a gente pensa quando faz 18 anos. (Pedro) Tinha [planos], entrar pro [sic] Exército, pra [sic] infantaria. E estudar história e filosofia que é [sic] as duas matérias que eu mais gosto. (Paulo) Não, não queria continuar estudando. (Priscila) Eu queria seguir a carreira do meu pai na Polícia Militar. (Plínio) Não, nunca tive planos, nunca tive. Que eu me lembre, assim, desde que eu era guri nunca tive ideia do que ser na vida. Nunca tive um desejo, não tinha aquela coisa de querer ser bombeiro, sei lá. (Pascoal) Como se pode perceber são planos comuns, estabelecidos a partir daquilo que planeja qualquer jovem que está na escola, ou como referiu Pedro, estas coisas que a gente pensa quando tem 18 anos, inclusive de não ter a ideia do que ser na vida, como referiu Pascoal, ou ainda de não querer continuar estudando, como mencionou Priscila. Observa-se nas respostas desejos e planos distintos, o que reforça a ideia da singularidade do sujeito frente a uma doença comum. Neste sentido é pertinente lembrar Dayrell (1996) quando refere que a diversidade está presente inclusive na elaboração e na expressão dos projetos individuais dos alunos e com isso “afirmamos que todos os alunos têm, de uma forma ou de outra, uma razão para estar na escola e elaboram isso, de uma forma mais ampla ou mais restrita, no contexto de um plano de futuro” (p. 9). No caso da esquizofrenia, a restrição pode estar no modo como se percebem e na imagem que têm de si mesmo, embora permaneça o desejo de seguir adiante no processo de escolarização e terem uma formação universitária, como se pode ver nos relatos abaixo quando solicitados a falar sobre o desejo de fazerem ou não faculdade: 112 Ah, com certeza, a mãe gosta e quer que eu seja um advogado, estudar pra [sic] direito, eu quero fazer advocacia, ainda penso em estudar [...] Quero ver se arrumo uma bolsa pra [sic] diminuir o dinheiro meu. Daí vou direto para faculdade [...] Porque eu sou doido pra [sic] estudar. (Pedro) Tinha planos de fazer faculdade de filosofia. (Paulo) Eu faria direito. (Plínio) Tenho vontade de fazer psicologia, já que eu sou tão ajudado pela psicologia aqui, por que que eu não posso ajudar um dia também? (Pascoal) A dinamicidade presente nos relatos é outro aspecto do projeto de futuro que se observa nos relatos dos portadores e que podem ser reelaborados a cada momento. Os mesmos que relataram que não queriam continuar estudando, como falou Priscila ou que nunca teve planos, como mencionou Pascoal, durante a entrevista demonstraram o desejo de ingressar no ensino universitário. Para Dayrell (1996) um fator que interfere nesta dinamicidade é a faixa etária e o que ela possibilita enquanto vivência, pois remete ao amadurecimento psicológico, aos papéis socialmente construídos e ao imaginário sobre as fases da vida. Para o autor, “as questões e interrogações postas por um adolescente serão muito diferentes das de um jovem de 18 anos e, mais ainda, de um adulto de 30 anos.” (p. 9). No caso de jovens com esquizofrenia, este processo fica ainda mais complexo à medida que as etapas de seu desenvolvimento são mediadas pelas injunções da patologia, colocando-os num mundo de reconstrução constante, onde seus projetos e planos de futuro elaboram-se e reelaboram-se de acordo com a fase sintomática em que se encontram ou em como aprendem a lidar com sua nova condição, e não necessariamente de acordo com a faixa etária, como mencionou Dayrell (1996). Para tanto ganharão especial relevância os discursos e ações dos professores já que, “em última instância, são eles que, no meio de seus medos, dúvidas, ansiedades, disponibilidades, acolhimentos e possibilidades, assumem os alunos em suas salas de aula” (JESUS, 2006, p. 97). Afinal, pode-se pensar, ainda, que essas falas contraditórias evidenciem talvez que junto ao desejo de estudar há a percepção da falta de apoio social e educativo que a realização dele implicaria. 113 Conviver com a esquizofrenia em sala de aula implica estabelecer canais de diálogo com seu portador e entender suas dificuldades, entre elas está o fato de que ter esta patologia é visto por seu portador como uma grande derrota, colaborando para que fique sem perspectivas e muito provavelmente para que se sinta incapacitado, o que os leva a uma profunda desilusão diante da vida. (ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008). Sobre o sentimento de ser portador de esquizofrenia e estar fora da escola, fizeram os seguintes relatos: Ah, faz eu me sentir rebaixado! Eu passo na Unisul, eu olho pras [sic] pessoas ali, eu me sinto assim: “Bah, eu podia estar numa faculdade e tou [sic] naqueles doentes mentais dos amigos43, tudo doido!” [risos]. Brincadeira! (Pedro) Me sinto diferente dos outros. Incapaz de realizar determinada função, ou tal função. (Plínio) Para muitos portadores a esquizofrenia causa limitações decorrentes da perda de algumas habilidades e, conforme Assis, Villares e Bressan (2008), a percepção dessas perdas gera uma sensação de incapacidade e um sentimento de inferioridade. Conviver com a esquizofrenia coloca uma série de situações difíceis e o caminho para lidar com elas é um aprendizado constante. É muito difícil distinguir quais questões são decorrências da doença e quais são as consequências das situações as quais o portador vivencia. As decorrências da doença precisam de tratamentos, em que os medicamentos são fundamentais, mas as situações vividas pela pessoa demandam um aprendizado que é ela quem deve saber distinguir (ASSIS; VILLARES; BRESSAN, 2008, p. 12). No contexto escolar este fato se torna um pouco mais complexo considerando que é um espaço de relações e de convivência, o que torna comum que o aluno com esquizofrenia compare-se aos outros alunos, sinta-se diminuído e perpetue um sentimento de fracasso diante da vida. 43 Referindo-se ao serviço de reabilitação em saúde mental mantido pela Unisul (SAISM). 114 Eu me sinto assim inferior. A maioria dos esquizofrênicos tem estes problemas, assim, fica se comparando com os outros [...] Todo esquizofrênico tem uma ideia desse tipo. (Pedro) Já, já, imagina [...] É aquela coisa né [sic], uma vez que tu foi [sic] internado, todo mundo sabe, é pro [sic] resto da vida. Todo mundo fala, né? [sic] Isso é normal, uma pessoa que sabe que tu foi [sic] internado num hospício ou manicômio, acaba se tornando um estigma. Uma vez que tu foi [sic] internado, louco pro [sic] resto da vida, que é como as pessoas veem, é uma pena [...] mas, fazer o quê? (Pascoal) Diante disso, o grande desafio do ambiente escolar, conforme coloca Beyer (2006) é: Construir e pôr em prática uma pedagogia que consiga ser comum ou válida para todos os alunos da classe escolar, porém capaz de atender os alunos cujas situações pessoais e características de aprendizagem requeiram uma pedagogia diferenciada. Tudo isso sem demarcações, preconceitos ou atitudes nutridoras dos indesejados estigmas. Ao contrário, pondo em andamento na comunidade escolar, uma conscientização crescente dos direitos de cada um. (p. 76). As respostas dão a entender que a discriminação não aconteceu em razão de as pessoas não saberem que eram portadores da patologia. Neste sentido, Assis, Villares e Bressan (2008) descrevem múltiplos comportamentos do portador de esquizofrenia ao se saber com a doença. Alguns afirmam contar para todos que conhecem que são portadores de esquizofrenia e quem os aceitam para qualquer atividade ou relacionamento o fazem sabendo dessa condição, por outro lado há aqueles que não contam para ninguém, referindo que essa é uma questão particular e ninguém precisa saber e, numa posição intermediária, há portadores de esquizofrenia que falam de sua condição para pessoas nas quais confiam e têm intimidade, mas não para outras, com quem têm um contato profissional ou superficial. Esse último comportamento parece ter sido o caso dos portadores entrevistados: Não [...] quem não me conhece não sabe, quem olha não sabe que eu sou doente. (Plínio) 115 Não, mas a esquizofrenia só desenvolveu depois do seminário, ninguém sabia. Nenhum dos alunos sabia que eu tinha esquizofrenia, nem os professores. (Paulo) De outro modo, o relato de Pascoal indica que mesmo vivenciando situações de discriminação, estas parecem não ter sido suficientes para imobilizá-lo, já que ele entendeu como sendo normal. O entendimento que se pode ter deste comentário pode estar no que Goffmam (1998) denomina de aceitação. Em suas notas preliminares a respeito do estigma e identidade social, Goffman (1998) comenta que: Parece também possível que um indivíduo não consiga viver de acordo com o que foi efetivamente exigido dele e, ainda assim, permanecer relativamente indiferente ao seu fracasso; isolado em sua alienação, protegido por crenças de identidades próprias, ele sente que é um ser humano completamente normal e que nos é que não somos suficientemente humanos. Ele carrega um estigma, mas não parece impressionado ou arrependido por fazê-lo [...] A característica central da situação de vida, do indivíduo estigmatizado pode, agora, ser vagamente, chamado de “aceitação”. Aqueles que têm relações com ele não conseguem lhe dar o respeito e a consideração que os aspectos contaminados de sua identidade social os haviam levado a prever e que ele havia previsto receber; ele faz eco a essa negativa descobrindo que alguns de seus atributos a garantem. (p. 11). Este mesmo portador em outro momento refere que: Sim, eu até não tenho um sentimento de inferioridade porque eu fui internado. Fui internado e daí? Eu tava [sic] precisando. Foi eu que pedi pra [sic] ser internado naquela época, era uma coisa que eu precisava. Ajudou? Não, acabou não ajudando tanto porque eu acabei recaindo, mas fazer o quê? Errei? (Pascoal) Segundo Assis, Villares e Bressan (2008), não há resposta à questão proferida por Pascoal. No entanto a prática mostra que se a pessoa que tem esquizofrenia conseguir não se deixar afetar pelos comportamentos discriminatórios já demonstra ter dado um grande passo. Isso não é fácil nem simples, mas é o caminho mais efetivo, a exemplo de Pascoal: É uma meta, né? [sic] A única meta que eu tenho de vida agora, que 116 posso dizer assim, se eu tenho um norte, se eu tenho algo por que lutar é mostrar para mãe dentro de casa que estou forte e é isso, voltar a estudar e me reintegrar a um mundo melhor. (Pascoal) Para tanto, não se deixar paralisar pelos comportamentos discriminatórios só é possível quando há uma parceria entre a pessoa com esquizofrenia e seus entornos e, neste caso, a escola tem um importante papel. Não somente para facilitar a aceitação sem discriminação ou preconceito do aluno com esquizofrenia em seu interior, mas também como meio necessário para a mudança das condições individuais de vida, propiciando a efetivação das metas e perspectivas para o futuro do aluno portador de esquizofrenia. Diante destes relatos sobre as perspectivas de futuro dos portadores, vê-se a importância da educação como um investimento para a mobilidade social e a escola como um caminho necessário para a mudança das condições individuais de vida (AGUIAR, 2009), não somente dos denominados alunos comuns, mas também daqueles que vivem à sombra da esquizofrenia. 117 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS “Eu acho que a doença mental ou loucura pode ser uma fuga também. As pessoas não desenvolvem uma doença mental porque elas estão no mais feliz das situações. Um médico observou que era raro pessoas ricas se tornarem esquizofrênicas. Se fossem pobres ou se não tivessem muito dinheiro, então era mais provável. E isso é natural, se as coisas são muito boas, você pode encontrar satisfação com o mundo como ele é, como parece ser.” (John Forbes Nash) O presente estudo pretendeu apresentar a trajetória escolar de portadores de esquizofrenia, considerando suas memórias e vivências escolares, seus projetos e perspectivas de futuro, bem como conhecer a compreensão que os educadores têm acerca da esquizofrenia. O percurso mostrou que, em se tratando de produções científicas que envolvam a relação esquizofrenia e educação escolar, nada ou muito pouco tem sido desenvolvido no país. As razões para isso não são claras, mas o que pode se entender é que, talvez, a esquizofrenia ainda possa ser vista pela comunidade científica como um tema pertencente à área da saúde, mais precisamente da psiquiatria. Conforme apresentado e apesar do considerado avanço nas ciências médicas e psicológicas, ainda há muito que fazer para a compreensão e o entendimento sobre os aspectos que envolvem a esquizofrenia e educação. Ainda hoje a patologia continua assustando mais que o razoável, criando uma atmosfera de animosidade e de preconceito acerca de seu portador. Muitos ainda acreditam em explicações mágicas ou místicas, imaginando tratar-se de algo relacionado à possessão, fraqueza de caráter ou à dupla personalidade. Alguns supõem que seja decorrente de problemas emocionais, familiares ou sociais ou acreditam que a pessoa com esquizofrenia seja necessariamente uma pessoa agressiva, violenta ou perigosa. 118 Há também uma polêmica entre os especialistas se ela seria uma doença única ou um grupo heterogêneo de doenças, pois suas manifestações são variáveis, podendo-se dizer que não se encontram dois pacientes idênticos, ou pelo menos que manifestem igualmente os sintomas. Considerando a complexidade e a multiplicidade de fatores que interagem na gênese e evolução, torna-se difícil, então, fazer generalizações acerca da doença. Sabe-se que ela existe em todos os povos e culturas e que afeta cerca de 1% da população geral. No Brasil, a cada ano há cerca de cinquenta novos casos para cada cem mil pessoas, significando que uma média de oitenta mil brasileiros manifestará a doença pela primeira vez, e implicando fortemente em um grande desafio para quem vive a doença, para quem convive de perto e cuida daqueles que adoecem, para quem a estuda e para os profissionais que almejam colocar em prática intervenções que buscam, além da estabilização do quadro e do controle de recaídas, recuperar aquilo que se perdeu com a manifestação dos sintomas. Além disso, deve-se considerar que a grande maioria destes estará frequentando os bancos escolares enquanto seus sintomas estiverem despontando. Os sintomas geralmente iniciam quando o jovem se encontra em seu processo de escolarização, mais comumente na faixa etária dos que estão frequentando a educação básica. São os chamados sintomas pré-mórbidos, que se apresentam de modo insidioso, quase imperceptíveis, por durante um longo tempo. Em alguns casos estes podem perdurar por meses ou anos, sendo claramente visíveis apenas na fase aguda da patologia, quando os sintomas são francamente visíveis. É neste momento que, geralmente, portadores de esquizofrenia interrompem seu processo de escolarização e, apesar do desejo de voltar aos estudos, poucos o fazem, ao mesmo tempo em que a escola parece não estar preparada para recebê-los. A escola enquanto instituição é um espaço que proporciona um tempo de aprendizagem, de convivência e de trocas, mas, simultaneamente, um espaço com um tempo disciplinar e de vigilância, cuja vivência se torna marcada por uma sociabilidade entre pares de uma mesma faixa etária. É neste espaço que se manifestam as mais diversas modalidades de relações e onde se revelam intensas emoções e trocas afetivas, onde o cuidado, como elemento necessário, torna-se parte integral. 119 Uma das marcas essenciais da organização escolar é o seu caráter universalista e totalitário, que colabora para que o processo ensino aprendizagem ocorra numa homogeneidade de ritmos, estratégias e propostas educativas para todos, independente da origem social, da idade, das vivências ou das características diagnósticas que possam estar portando. A escola parece não considerar a diversidade que reina no seu interior, presente na figura, não somente dos alunos, mas também dos educadores. Considerando, então, estes contextos, a criança ou o jovem estudante que foi acometido pela esquizofrenia acaba por manter-se no limite de suas possibilidades. O ambiente que, a priori, deveria desempenhar um papel decisivo na promoção do seu desenvolvimento tanto social como cultural e de ser facilitador para que o mesmo vivencie sua trajetória escolar de modo satisfatório, apesar da esquizofrenia, de certa forma pode contribuir para potencializar as características da patologia, marcando o período escolar com memórias e lembranças desagradáveis, como observado no relato de alguns portadores de esquizofrenia. É preciso, dessa forma, preparar a escola para a esquizofrenia, pois, como relatou uma educadora, a esquizofrenia está passando pela escola e eles não estão se dando conta disso. Preparar a escola para a esquizofrenia implica fazer valer a legislação vigente, que dispõe, em alguns de seus artigos, a garantia de formação e capacitação dos educadores para lidarem com a diversidade, que envolve não somente crianças com necessidades especiais, como reza a lei, mas também aquelas que, aparentemente, são apenas tímidas, retraídas ou com dificuldades cognitivas, mas que em seu interior aloja-se um vulcão, carregado de sentimentos, emoções e sintomas, preparando-se para eclodir. A qualidade dessa eclosão será melhor ou pior, mediada por tensão ou por alívio, dependendo de quem estiver ao redor. A qualificação do professor para a compreensão da esquizofrenia se constitui, necessariamente, em uma forma de fortalecimento na atenção ao aluno em suas dificuldades, em sua sintomatologia e em seu sofrimento. Pois, afinal, a trajetória escolar de qualquer criança ou adolescente, independente de sua condição, de sua história, de suas vivências, de suas habilidades e capacidades, pode ser marcada por memórias e lembranças que despertem a satisfação da conquista e não o medo pelo sofrimento. E, neste caso, a esquizofrenia é parte integrante. 120 REFERÊNCIAS ABEL, Jucélia da Silva. Moças “invadindo” o espaço masculino: a escola técnica da assistência aos trabalhadores do carvão nos anos de 1970. 2012. 123 f. Dissertação (Programa de pós-graduação - Mestrado em Educação)-Universidade do Extremo Sul Catarinense. Criciúma-SC, 2012. ABREU, C. N. et al. Síndromes psiquiátricas: diagnósticos e entrevistas para profissionais da saúde mental. Porto Alegre: Artmed, 2006. AFONSO, P. Esquizofrenia: conhecer a doença. 2. ed. Lisboa / Portugal: Climepsi, 2002. AGUIAR, L. Educação, empregabilidade e diretrizes curriculares para o curso de pedagogia. In: BASSI, M. E.; AGUIAR, L. 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Ocupação Idade em que abandonou estudo 130 APÊNDICE B - Roteiro de entrevista para o familiar do portador de esquizofrenia UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA O FAMILIAR DO PORTADOR DE ESQUIZOFRENIA DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS Dado Participante Idade Sexo Grau de parentesco Escolaridade Profissão Tempo de convivência com o portador 1. Qual a razão para que seu familiar com esquizofrenia desistisse dos estudos? 2. Como a escola atendia / acolhia / recebia seu familiar com esquizofrenia? 131 APÊNDICE C - Roteiro de entrevista para educadores UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO TRAJETÓRIAS ESCOLARES DE PORTADORES DE ESQUIZOFRENIA: UMA REFLEXÃO SOBRE MEMÓRIAS ESCOLARES E SOBRE PRÁTICAS DOCENTES ROTEIRO DE ENTREVISTA PARA EDUCADORES DADOS SOCIODEMOGRÁFICOS Dado Idade Sexo Formação Tempo de atuação Nível de ensino em que atua Participante 1. Como você compreende a esquizofrenia? 2. Você (ou sua escola) recebe algum suporte: treinamento / capacitação /apoio / assessoria de algum órgão / instituição, para lidar com alunos com esquizofrenia? Qual? 3. Qual seu manejo / procedimento ao perceber a possibilidade de um aluno portar esquizofrenia? 132 APÊNDICE D – Termo de Consentimento para Gravações de Voz TERMO DE CONSENTIMENTO PARA GRAVAÇÕES DE VOZ Eu, ________________________________________________________, permito que a pesquisadora relacionada abaixo obtenha gravação de minha voz para fins de pesquisa científica. Eu concordo que o material e informações obtidas relacionadas à minha pessoa possam ser publicadas em aulas, congressos, eventos científicos, palestras ou periódicos científicos. Porém, minha identidade deve ser mantida em sigilo. As gravações da voz ficarão sob a propriedade da pesquisadora pertinente ao estudo e sob sua guarda, logo que concluir a pesquisa destruirá essas gravações. Participante da pesquisa: ______________________________________________ RG: ___________________ Assinatura: _________________________________________________________________ Pesquisadora: Rosane Romanha – (48 9996 0207 – [email protected]) Tubarão (SC), _________/ ________/ _________ 133 APÊNDICE E – Termo de Consentimento Livre e Esclarecido UNIVERSIDADE DO SUL DE SANTA CATARINA – UNISUL PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Eu, _____________________________________________________, declaro estar esclarecido(a) dos objetivos e dos procedimentos da pesquisa “Trajetórias Escolares de Portadores de Esquizofrenia: uma reflexão sobre memórias escolares e sobre práticas docentes” e que concordo em participar do estudo e com a publicação e/ou apresentação dos dados coletados, desde que sejam respeitados os princípios éticos que me foram apresentados pelo pesquisador responsável, a saber: O participante tem o livre arbítrio para aderir ou desistir, a qualquer momento, do processo da pesquisa; O anonimato do participante será mantido em todos os registros da pesquisa; Não serão publicados dados que possam identificar o participante, bem como de pessoas citadas por ele; A privacidade do participante será respeitada durante o processo, evitando exposição desnecessária ou situações que possam causar constrangimentos; Não serão publicados dados que o participante não libere para divulgação; O participante não será exposto a riscos de nenhuma natureza que possa ferir sua integridade física, mental e emocional; Serão respeitadas as expressões culturais e sentimentais dos participantes em relação ao objeto do estudo; As expressões dos participantes que envolvam catarse também não serão julgadas, e somente serão utilizadas caso sejam pertinentes ao objetivo do estudo; O processo da pesquisa não poderá interferir no cotidiano da vida do participante e do local onde está sendo feita a pesquisa; Todos os momentos de interação, pesquisador-pesquisado, serão acordados com antecedência entre ambos e avaliados a cada final de encontro; O estudo será apresentado de forma fidedigna, sem distorções de dados; Os resultados da pesquisa serão apresentados ao final da mesma, em forma escrita e em defesa pública, nas dependências da universidade; Os dados obtidos poderão ser divulgados em outros meios tais como palestras e /ou publicados em periódicos. ____________________ PARTICIPANTE RG: ______________ ________________________ ROSANE ROMANHA Acadêmica Pesquisadora Tubarão (SC), _______ de _______ de 20_____. Contato: [email protected] – (48) 9996 0207 ________________________ Drª TÂNIA MARA CRUZ Professora Orientadora 134 APÊNDICE F - Trajetória Escolar – Portadores de Esquizofrenia Período Portador Pedro Paulo Educação Infantil Ensino Fundamental 1ª – 4ª Ensino Fundamental 5ª – 8ª Ensino Médio Incompleto Ensino Médio Completo Supletivo do Ensino Médio Ensino Superior Frequentou Jardim e Pré Escola. Corria, brincava com colegas. Desempenho dentro do padrão esperado Facilidade para aprender, porém muito ‘bagunceiro’. Recebe apelido de o “terror do JT”. Chamado várias vezes no setor de orientação da escola. História de várias ‘recuperações’. Fez aceleração da 5ª a 7ª série e da 7ª para 1ª em um ano. Bagunça, gazeia aulas, inicia uso de drogas (maconha), inclusive no colégio, sem nunca ter sido abordado. Apesar de comportamento irregular, mantém facilidade para aprender. Reprova no primeiro ano do ensino médio e abandona a escola. Fora da escola formal, faz curso de informática. Várias tentativas de voltar a escola normal, mas sem sucesso. Tem dificuldades de aprendizagem em razão da exacerbação dos sintomas neste período. Tentativas de retorno aos estudos na EJA. Faz aulas de português e de física, porém sem sucesso. Mais tarde tenta fazer português e química, também não consegue. Professores tentam auxiliá-lo, mas não conseguem manejo adequado em relação aos sintomas. Mantém-se fora da escola. Desejo em fazer curso de Direito. Fez Jardim e Pré-escola com desempenho cognitivo dentro do esperado e boa relação com seus pares. Timidez. Isolamento. Dificuldade de relacionamento e aprendizagem. Alvo de zombaria. Professora grita com ele. Trauma. Pais chamados com frequência na escola. Desde 5ª série apresentava-se isolado, quieto, sem amigos, vítima de bulling, dificuldade de interação. Não conseguia fazer trabalhos em equipe ou em duplas. Desiste de estudar na 8ª série. Tentativa de fazer o ensino médio em Seminário. Desiste novamente em razão da pressão que sofria e do tratamento (afastado por ordem médica). Mantém-se fora da escola. Iniciando curso supletivo Desejo em fazer curso de História. 135 Priscila Frequentou Jardim de Infância e Préescola. Desempenho esperado para o período. Brigava na sala de aula com os colegas. Dificuldade de relacionamento. Impaciência. Instabilidade afetiva. Facilidade de aprendizagem. Plínio Não fez Jardim ou Pré Escola. Entra direto na primeira série. Dificuldade em matemática. Notas ruins. Professora exigente. Bom comportamento e relacionamento adequado com colegas e com professores, respeitando-os. Mantinha dificuldade de relacionamento e socialização, mas com facilidade na aprendizagem. Nível intelectual excelente. Ao completar 8ª série, diretora da escola sugere que não seguisse para o ensino médio, pois no segundo grau ela não iria aguentar. Ajudava os irmãos na sua tarefa. Corrige família quanto a falar português corretamente. Aumenta dificuldade em matemática, porém com facilidade em outras disciplinas. Ainda assim tirava nota vermelha. Discute ‘levemente’ com a diretora e ‘assina livro negro’. Momentos de isolamento e retraimento – às vezes esperava que a pessoa o procurasse para conversar. Fora da escola formal, mas faz curso de inglês e pintura com bom desempenho. Fora da escola. Fora da escola. Sem planos ou perspectivas. Refere melhora no aprendizado e facilidade nas disciplinas que envolvem cálculos química, física, direito, biologia, língua portuguesa. Melhoram as notas e diminui dificuldade em matemática. ‘Deslancha’. Se dá bem nas matérias, passando sempre com folga nas notas. Mantém bons relacionamentos, com muitos amigos na escola. Consegue formar-se no ensino médio e entra para o quartel do exército. -o- Desejo em fazer curso de Direito. 136 Pascoal Fez Jardim de Infância e Pré Escola. Chorava muito porque colegas sabiam que o pai o havia abandonado e, por esta razão, zombavam dele. Dificuldade de aprendizagem. Problema na coordenação motora; não conseguia escrever corretamente – letra feia. História de reprovação. A Escola mantinha-se indiferente à sua dificuldade e por longo tempo sua madrinha o treina para melhorar coordenação. Reprova duas vezes na sexta série. Começa a estudar a noite e surgem as dificuldades. Início de uso de drogas. Começa mudanças comportamentais. Mãe é chamada na escola, ouve reclamação de parte dos professores. Pede auxilio, mas não recebe apoio. Escola sugere que ele saía da escola. Continua freqüentando escola, mas faz muitas reclamações em razão da impaciência do professor. Mãe é chamada e igualmente reclama de seu comportamento – dificuldade de matemática. Não se adapta ao método de ensino. Continua estudando, vai bem, ganha boas notas. Ainda com dificuldade de matemática. Desiste de escolar. Retoma os estudos Fez supletivo – ensino médio. Aprovado pelo histórico escolar para o curso de psicologia. 3º lugar entre vinte e três candidatos. Declina por falta de recursos financeiros. 137 APÊNDICE G - História Clínica – Portadores de Esquizofrenia Período Participante Pedro Paulo História de transtorno mental na família 0 – 6 anos 07-14 anos 15-18 anos 19-24 anos 25 anos diante Transtorno Depressivo Maior: Tia Corria, brincava, dentro da normalidade. Começam os sintomas, mas ainda sem saber do que se tratava. Aos 18 anos desenvolve esquizofrenia, depois de freqüentar o quartel do exército. Mantém-se em tratamento -o- Transtorno Depressivo Maior: Tio-avô (morte por suicídio); Tio (irmão da mãe – história de internação psiquiátrica); Avôs paternos Parto normal, apesar de prematuro. Dormia com os pais, pois seu corpo não aquecia. Quebrava brinquedos. Relacionamento precário com seus pares. Poucos relacionamentos de amizade. Apresentava-se quase sempre muito tímido. Isolamento e retraimento social. Idéias persecutórias, alucinações auditivas e afeto embotado. Pensamento de morte. Tentativa de suicídio. Agitação psicomotora. Baixa tolerância a frustração. Aos quinze anos exacerbam os sintomas. Faz crise psicótica aguda. Recebe diagnóstico de esquizofrenia e inicia o tratamento. Mantém pensamentos de morte e idéias suicidas. Responde bem ao tratamento, tem evolução positiva. Atualmente com sintomas controlados. Melhora nos relacionamento. Diminui grau de timidez e isolamento. Sem idéias persecutórias e / ou alucinações. Pensamentos de morte controlados. Sem idéias suicidas. Amplia vínculos de amizade, com maior disposição para novos contatos. -o- Parto normal, mas com pré-eclampsia. Funcionamento normal, dentro do esperado Tendência a isolamento, pouca reatividade afetiva, emocionalmente Sintomas exacerbam aos dezessete anos. Faz crise psicótica aguda e interna por nove dias em Alguns sintomas se mantêm de forma atenuada, mas ainda com agitação, Mantém-se em tratamento. Ainda com alguns Transtorno Bipolar: Mãe (história de internação psiquiátrica) Priscila Esquizofrenia: Avó materna em 138 Plínio Esquizofrenia: Prima. É filho adotivo e apesar de não conhecer a mãe biológica, tem notícias de que a mesma tem problemas psiquiátricos, mas não sabe do que se trata Pascoal Transtorno Depressivo Maior: Prima Esquizofrenia: Primo para a idade. Brincava e mantinha bons relacionamentos com seus pares. instável, tiques, agitação psicomotora, fala fluente, nível intelectual positivo, indiferença afetiva, Hospital Psiquiátrico. Recebe diagnóstico de esquizofrenia, com alta pedida, pois sentia muita saudade da mãe. Inicia tratamento. intolerância e fala repetitiva. Sem sintomas psicóticos proeminentes. comportamentos desorganizados. Adotado aos cinco anos; antes disso morava com avôs biológicos. Refere pouca ou nenhuma lembrança desse período. Funcionamento normal, apresentando controle emocional. Participava de várias atividades: Na escola jogava futebol, vôlei basquete. Tinha vários amigos, brincava de bola de gude, jogava peão. Bons vínculos com família adotiva. Sintomas potencializaram. Mantém comportamento desorganizado. Faz crise psicótica aos 21 anos, quando inicia tratamento. Fica internado em hospital psiquiátrico durante um mês e recebe diagnóstico de esquizofrenia. Sai da internação com alta pedida. Médicos queriam que ele ficasse por três meses. Sentia muita falta de casa e chorava muito quando recebia visitas, principalmente da mãe adotiva. Mantém-se em tratamento e até o momento está sem sintomas proeminentes. Gravidez conflituosa. Pai não aceita e não reconhece paternidade, Parto normal. Pai Desde cedo com poucos amigos. Pouco participativo. Mantinha-se na maior Mantém funcionamento normal até entrada para o Exército. No quartel, as pessoas começaram notar que ele ficava ‘diferente’: Agitação psicomotora; agressivo; isolamento e retraimento social; humor instável; optava por atividades solitárias. Sem iniciativa de diálogo, mas quando procurado conversa normalmente. Oficial do Exército o convida a seguir carreira militar. Ele nega, apesar de ser seu desejo. Mãe percebe suas dificuldades e sofrimento no quartel e pede para que dêem baixa, porém recebe negativa em razão dele ter que completar um ano na ativa. Começa a trabalhar de estagiário na prefeitura municipal. Fez crise convulsiva e é levado ao Encontra-se com o pai pela primeira vez. Intensificam as mudanças Mantém-se em tratamento. Tem várias recaídas, inclusive ao uso 139 (quadro crônico). abandona mãe e filho. parte do tempo em casa. Demonstrava interesse em participar de shows, gostava de mexer com equipamentos de som. Iniciam sintomas prémórbidos, principalmente na área da linguagem e comportamento. hospital. Colegas de trabalho gostavam muito dele. Sempre muito honesto, demonstrando respeito às figuras de autoridade. Assumia responsabilidade com dinheiro. Inicia uso de drogas, ainda assim é considerado um bom funcionário. comportamentais: diminui comprometimento com compromissos de trabalho, passa a ter dificuldade para acordar. Faz crise psicótica com alucinações e delírios. Internação por três meses, sendo que os trinta primeiros dias em situação de reclusão (solitária). Perda séria de peso. Recebe diagnóstico de esquizofrenia e inicia tratamento de drogas. Estabilizam-se os sintomas. Casa-se. Após três anos divorcia-se. Sintomas mantêm-se estabilizados.