UMA EXPERIÊNCIA DE MODELAGEM MATEMÁTICA EM SALA DE AULA Vanessa Sena Tomaz Doutoranda em Educação Fae/UFMG Professora da E.E.Imaculada Conceição e da Faculdade de Pedro Leopoldo [email protected] Muito se tem falado sobre a formação do aluno na sua totalidade ou, como enfatiza os PCNs(1999), “os objetivos do Ensino Médio em cada área deve envolver o desenvolvimento de conhecimentos práticos, contextualizados, que respondam às necessidades da vida contemporânea, e o desenvolvimento de conhecimentos mais amplos e abstratos..”. Organizar um currículo para o ensino médio que atenda as demandas atuais, inclusive dos alunos no que diz respeito ao aprendizado do que é útil à vida e ao trabalho, requer uma profunda reflexão por parte dos professores de suas experiências de trabalho. Como alerta Barbosa(2001), faltam relatos de experiências de Modelagem Matemática em sala de aula para o público de professores. Portanto, neste artigo procuro relatar e analisar uma iniciativa de Modelagem Matemática no ensino médio na perspectiva da Educação Matemática Crítica, visando contribuir, do ponto de vista do ensino da Matemática, para divulgação de experiências de ensino, a partir de uma atividade de sala de aula, tomada como fenômeno ou objeto de estudo. A experiência de sala de aula: O consumo de álcool entre os jovens No 3o ano do ensino médio da escola pública em que atuo como professora de Matemática, os conteúdos de estatística são estudados na primeira etapa do ano letivo. Para trabalhar os conceitos da Estatística em 2003, propus aos alunos uma pesquisa de campo. O tema escolhido pelos alunos foi o “Consumo de álcool entre os jovens de Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 2 Pedro Leopoldo1”. A princípio fiquei receiosa sobre o tema, mas concordei com os alunos e comecei a organizar a orientação da pesquisa. Algumas questões afloraram e mereciam uma reflexão por minha parte antes de iniciar o trabalho: “Por que os alunos queriam pesquisar o consumo de álcool?” Conclui que o que determinou a escolha foi a época em que a pesquisa estava sendo proposta. Este ano(2003) o carnaval foi em março um mês após o início do ano letivo. Em Pedro Leopoldo há um carnaval de rua que inicia-se sempre um mês antes dos dias oficiais do período momesco. Este carnaval de rua é prestigiado por todos os moradores da cidade e, em especial, pelos jovens. Tradicionalmente, os homens vestem-se de mulher e desfilam pelas ruas, em geral, após ingerirem grande quantidade de bebida alcoólica. Neste ano, o excesso de consumo de bebida alcóolica aliado à crescente onda de violência na cidade, acarretaram vários incidentes durante os desfiles, levando muitos cidadãos pedroleopoldenses a se afastarem da festa e até a cogitarem acabar com esse carnaval de rua. Avalio que a onda de violência, que visivelmente tinha como uma das causas o excesso de consumo de bebida alcoólica e até mesmo a curiosidade de saber ou comprovar quem estaria contribuindo realmente para o movimento dos moradores, levaram os alunos a defender o consumo de bebida alcoólica entre os jovens de Pedro Leopoldo como tema da pesquisa. Como podemos ver a escolha do tema pelos alunos não era neutra. Haviam condicionantes culturais e sociais, como a defesa da tradição da cidade e a crescente violência provocada por abusos de álcool e drogas. Outro condicionante era a rivalidade dos adolescentes entre escolas, pois era claro que alguns alunos queriam comprovar suas hipóteses de que alguns jovens de outras escolas estavam consumindo bebida alcoólica em excesso. A análise da escolha dos alunos, foi fundamental para eu traçar as estratégias de orientação da pesquisa. Primeiro tive que fazer uma discussão sobre a natureza de uma pesquisa, bem como os fatores que a atribuiriam credibilidade. A importância daquela 1 Cidade em que moram os alunos e se situa a escola Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 3 pesquisa para a sociedade e a necessidade de a enxergarmos como algo mais que do que concluir se “meu colega rival” consome bebida alcoólica. Discutimos também a contribuição que a Matemática, no caso o conteúdo de estatística, poderia dar para a compreensão dos problemas sociais e, até que ponto o consumo de bebida alcoólica entre jovens de Pedro Leopoldo poderia ser considerado um problema social e a causa da violência nos desfiles do carnaval. Na conversa inicial, também tive que enfatizar os limites de uma pesquisa dessa natureza. Como professora, tive que ter clareza da responsabilidade que estava assumindo ao orientar uma pesquisa com esse tema para jovens de 17 anos. A reflexão passa pela identificação dos problemas sociais, das mudanças de comportamento dos habitantes da cidade, dos comportamentos aceitos socialmente, mesmo que não sejam saudáveis; dos impactos econômicos e outros, abrindo uma discussão sobre estas questões para os alunos, sem cair no discurso moralista. A cada dia estava mais convicta de que o professor para orientar uma pesquisa com esse tema não poderia encarar a matemática como uma ciência neutra. Penso que em situações como esta a Matemática é eminentemente um construto social. Seria através da matemática – aprendendo os conceitos da estatística – que os alunos poderiam fazer uma leitura do comportamento social do jovem de Pedro Leopoldo, no que se refere ao consumo de álcool. Impus algumas condições para realização da pesquisa. Primeiro, teríamos que pedir autorização à direção da escola, à promotoria da vara do menor e adolescente, pois os pesquisadores eram todos menores e aos pais. Ao pedir estas autorizações estava também envolvendo outras pessoas na atividade, além dos alunos. Seria uma primeira contribuição do trabalho: mostrar às autoridades que os jovens da cidade estavam preocupados com o problema e que elas deveriam se preocupar também. Para isso, os alunos tiveram que formalizar o tema da pesquisa, o objetivo, uma metodologia e a relevância da pesquisa e encaminhar aos respectivos responsáveis. Com essa atitude, eles começaram a perceber que fazer uma pesquisa é coisa séria e que nós iríamos adotar todo rigor metodológico. É claro que seria um rigor possível para aquele nível de ensino. Começaram também a perceber que, para realizar a pesquisa, precisariam de aprender “teorias” para subsidiar as ações. Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 4 Enquanto esperávamos as autorizações, levantamos a estrutura – teórica e prática – para realização da pesquisa. Iniciamos com o estudo de como se faz uma pesquisa de campo, os fundamentos sobre os efeitos do álcool, tipos de bebidas alcoólicas, conceitos estatíticos para o tratamento dos dados como: população, amostragem, instrumentos de coleta de dados, organização de dados, o uso de tecnologia (computadores e softwares) e a postura de um pesquisador. As despesas de material e transporte ficaram por conta dos alunos. A turma foi dividida em cinco grupos, de forma que cada grupo coletasse dados em diferentes regiões da cidade. Esta foi uma rica discussão, pois os alunos concluiram que para que a pesquisa fosse representativa, confiável e possível de se realizar, teriam que selecionar uma amostra. Estudamos o que é amostra e como calcular uma amostra estratificada de modo a cobrir os principais bairros da cidade. Para este trabalho, busquei os dados do último senso do IBGE, os alunos trouxeram para a sala o mapa da cidade e definimos a amostra, a partir de uma interessante discussão sobre a faixa etária a ser entrevistada. Das informações coletadas nas leituras e mesmo do que estavam vivenciando nas noites de carnaval, os alunos chegaram a conclusão que iriam entrevistar “jovens” de 10 a 20 anos. Segundo eles, “há menino de 10 anos que já bebe”. Esta constatação inferia que o consumo de bebida alcoólica entre jovens de Pedro Leopoldo estava cada vez precoce. Após esta discussão passamos para a elaboração do questionário. Cada grupo apresentou um rol de perguntas e, em conjunto, selecionamos um grupo de questões que envolviam: dados pessoais, tipo de bebida que consumia, quantidade, freqüência de consumo, local de consumo,conhecimento dos pais sobre o consumo do filho, motivos e dependência da bebida alcoólica. Como todos os alunos estavam dentro da faixa etária a ser pesquisada, era como se estivessem preparando perguntas para eles mesmos. Algumas questões que eu julgava importante, não foram consideradas por eles ficando de fora do questionário. Finalizado o questionário, fizemos a divisão dos grupos de alunos nos bairros da cidade. Este momento exigiu cuidado e orientação de minha parte, pois alguns alunos apresentaram resistência a irem em alguns bairros considerados violentos ou de Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 5 periferia, em particular, um bairro da cidade apelidado “Bairro da Lua”. Neste momento, tive que abordar as desigualdades sociais do país e proporcionalmente na cidade. Discutimos o preconceito que as pessoas têm em relação à população que vive na periferia. Os alunos concordaram que era importante ter informações sobre este bairro, pois os jovens do Bairro da Lua eram também jovens de Pedro Leopoldo. Mesmo com a preocupação com a segurança dos alunos, sustentei a importância de coletar os dados deste bairro. Enquanto os alunos coletavam os dados, fomos estudando formas de tratamento estatístico: tabelas, gráficos, medidas de centralidade e de dispersão. Subsidiados por estes conceitos, os alunos por grupos fizeram o levantamento e tratamento dos dados, por conjuntos de bairros e redigiram uma conclusão sobre a pesquisa, como pode ser visto no exemplo abaixo: Conhecimento dos pais sobre o consumo de bebidas alcoólicas 50 40 30 Sim 20 Não 10 0 Lagoa de Sto. Antônio Dom Camilo F. Claudio Total “Após a análise das tabelas e dos gráficos elaborados a partir dos questionários, chegamos a conclusão de que o consumo de bebida alcoólica entre os jovens é elevado, independente da faixa etária. Os motivos para começar a utilizar a bebida alcoólica e as influências são quase sempre os mesmos. Os jovens têm experimentado outros tipos de bebidas, como hi-fi, vodka, etc, e sua iniciação tem começado cada vez mais cedo, por volta dos 12 e 13 anos. Como se pode observar também, o consumo tem maior intensidade em festas e finais de semana. Por volta de 95% dos jovens não se consideram dependentes e a maioria deles, os pais têm o conhecimento de que bebem.(...) (grupo que pesquisou os bairros Lagoa de Santo Antônio, Felipe Cláudio e Dom Camilo) Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 6 “Esse trabalho nos mostrou que os jovens iniciam cada vez mais cedo o consumo de bebida alcoólica.Muitos já consomem há mais de dois anos. Às vezes esses jovens começam a beber porque os amigos bebem, porque têm vergonha ou até por estimulo dos familiares. Mas muitos pais nem sabem que seus filhos bebem. Os jovens entrevistados bebem com muita freqüência.Isto é alarmante, pois alguns não se dizem dependentes do álcool, mas pelo tempo e com a freqüência com que consomem , diz totalmente o contrário , muitos dos que bebem não terminaram nem o ensino médio . Esperamos que esses jovens se conscientizem do que estão fazendo para quando olharem para o passado, não se arrependam de nada do que tenham feito. (grupo que entrevistou os bairros Teotônio Batista( bairro da Lua) e Andyara) Uma segunda fase da pesquisa foi a reunião dos resultados dos cinco grupos, procurando conhecer a situação geral do consumo de álcool entre os jovens de Pedro Leopoldo. Neste trabalho, tivemos de cruzar as informações para uniformizar as variáveis tomadas em cada grupo. Houve grupo que teve que retornar aos questionários e fazer uma nova organização dos dados para que pudessem ser reunidos aos outros. Foi também um momento de avaliação da primeira fase. Achamos erros de contagem, distorções em gráficos e tabelas. Finalizamos o tratamento dos dados com gráficos e tabelas que mapeavam o consumo de álcool na cidade por bairros. A partir dos resultados das pesquisas, os alunos apontaram várias ações que poderíamos realizar para conscientizar as pessoas sobre os riscos do consumo excessivo e precoce de bebida alcoólica. Seguem, abaixo, modelos de gráfico e tabela que foram produzidos e um trecho da conclusão final. Tabela 1: Consumo de bebida alcoólica entre os jovens de Pedro Leopoldo Consomem 313 Não consomem 187 Total 500 Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 7 Motivo pelo qual os jovens de Pedro Leopoldo consomem bebida alcoólica-2003 49 28 25 132 79 Todos os colegas bebem Ficar animado Não soube dizer o motivo Gosta de beber Esquecer problemas Tabela 8: Consumo de bebida alcoólica entre jovens entrevistados por bairros de Pedro Leopoldo Sim %* Não %* Total Bairro %** Santo Antônio 14 56 11 44 25 4,5 São José 9 36 16 64 25 3,0 Dr. Lund 17 68 8 32 25 5,5 Centro 20 80 5 20 25 6,4 St. Antônio da Barra 25 62,5 15 37,5 40 8,0 Ferreira 19 73 7 27 26 6,1 Tapera 9 69 4 31 13 3,0 Vera Cruz 12 57 9 43 21 4,0 Lagoa de St. Antônio 37 73 14 27 51 12,0 Dom Camilo 17 71 7 29 24 5,5 Felipe Cláudio 14 74 5 26 19 4,5 São Geraldo 24 63 14 37 38 7,7 Triângulo 17 65 9 35 26 5,5 R. Carvalho 9 60 6 40 15 3,0 Amélia Torres 6 35 11 65 17 2,0 Teotônio Batista 31 56 24 44 55 10,0 Andyara 23 51 22 49 45 7,3 Pedro Leopoldo 313 187 * percentual de consumo no total de cada bairro ** percentual por bairros em relação ao consumo total Trechos da conclusão final do trabalho redigida em conjunto(alunos e professora) “(...) Portanto, podemos concluir que o consumo de bebida alcoólica entre os jovens de Pedro Leopoldo, não está concentrado em alguns bairros, mas distribuídos por toda a cidade, sendo que algumas regiões são mais críticas. Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 8 Por exemplo, a região dos bairros Lagoa de Santo Antônio, Dom Camilo,Felipe Cláudio, Teotônio Batista e Andyara foi responsável por 39% do consumo de álcool em 42% dos jovens entrevistados em toda cidade. Em segundo lugar, ficariam os bairros, Santo Antônio da Barra, Ferreiras, Tapera, Vera Cruz que juntos tiveram 21% de consumo em 20% dos jovens entrevistados, seguidos dos bairros, Santo Antônio, São José,Dr. Lund, Centro com 19% em 20% dos jovens entrevistados e, finalmente, a região dos bairros São Geraldo, Triângulo, Romero Carvalho, Amélia Torres com 18% em 18% dos jovens entrevistados em toda a cidade. Esperamos que esta pesquisa contribua para conscientizar jovens, pais, professores e autoridades locais sobre a grave situação de consumo de álcool entre os jovens de Pedro Leopoldo, resultando em ações efetivas para a redução desse consumo. Alertamos também que, a exemplo de outros locais do país, há em Pedro Leopoldo uma permissividade, que consideramos excessiva, para o consumo de bebida alcoólica. Um menor pode comprar bebida alcoólica em praticamente qualquer bar da cidade, e ninguém faz nada sobre isso. A bebida em nossa sociedade não é vista como um perigo. Tanto que muitos jovens têm as primeiras experiências dentro de casa, como a pesquisa mostrou. Para os pais, alertamos que diante do avanço do uso de entorpecentes como a maconha e a cocaína, muitos pais passaram a ver as bebedeiras dos filhos como um mal menor, dando uma autorização branca aos filhos. Às vezes até justificam que todo mundo fazia isso na juventude, e que é “melhor que consumir drogas”. No entanto, as pesquisas mostram que o álcool é muitas vezes a porta de entrada para as drogas oficialmente ilíticitas. (...) Pedro Leopoldo vive um grande problema social no que se refere à formação do jovem e essa pesquisa vem mostrar isso. Esperamos que ela consiga mobilizar as sociedades civis e religiosas e autoridades locais para enfrentar esse problema.”(julho/2003) O resultado geral e por grupos de bairros foram divulgados em um evento na escola em julho de 2003. A divulgação envolveu também um apelo e alerta sobre a grave situação de consumo de álcool entre os jovens, a ausência do poder público na solução do problema e a anuência dos pais em relação as atitudes do filho, pois muitos acham que consumir bebida alcoólica pode ser um “mal” menor. Os alunos reconheceram o alcoolismo como um problema social. Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 9 A pesquisa foi sistematizada em um relatório, cujas cópias foram encaminhadas à biblioteca da escola e à promotoria do menor e adolescente da cidade. Infelizmente, até hoje não tivemos retorno da promotoria, mas já foi possível colher frutos do trabalho, a partir de relatos de alunos e professores que têm usado a pesquisa em suas aulas, como material de conscientização dos seus alunos. Por que classifico esta iniciativa como Modelagem Matemática Quando propus a pesquisa para os alunos, não tinha consciência e nem intenção de trabalhar com Modelagem Matemática. Minha preocupação era dar um significado aos conteúdos matemáticos ao abordar a estatística. No entanto, ao aprofundar os estudos sobre Modelagem Matemática reconheço esta experiência como tal porque atende a características e pressupostos descritos na literatura. Esta iniciativa envolveu a abordagem de um problema real, criando modelos matemáticos (gráficos e tabelas) para interpretar e propor soluções para um problema da realidade. Tais modelos foram intrumentos de argumentação para persuação política para um problema social. Como vimos, a construção do modelo matemático que iniciou com a elaboração do questionário, o tratamento dos dados e as formas de divulgação(gráficos e tabelas) não se deu de forma neutra, mas recheada de interesses tanto dos alunos como da professora, pois eu precisava “cercar” alguns vieses provocados pelos alunos. A iniciativa, por se tratar de modelagem de fenômeno humano, envolveu um nível de enviesamento, a partir do tratamento estatístico dos dados, que daria à pesquisa, perante a sociedade, legitimidade, veracidade e confiabilidade. Estes aspectos, levam à crença de que a matemática poderia sustentar argumentos verdadeiros sobre o consumo de álcool entre os jovens de Pedro Leopoldo que não seriam refutados, a não ser por estudos matemáticos mais rigorosos que aquele. O estudo não apenas descreve o fenômeno do consumo de bebida matematicamente, como aponta argumentos para tomada de decisão, exercendo assim, seu poder formatador2. 2 o conceito de poder formatador da matemática, defendido por Skovsmose e Borba, enfatiza a possibilidade da matemática influenciar, gerar ou limitar ações na sociedade. Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 10 Classifico esta iniciativa de Modelagem Matemática, na perspectiva da corrente sóciocrítica que enfatiza a matemática como um “instrumento” de questionamento das situações sociais. Mais do que descrever em forma de gráficos e tabelas o nível de consumo de álcool entre os jovens de Pedro Leopoldo, a pesquisa buscava proporcionar àqueles jovens(os alunos) uma leitura crítica dos costumes que seus pares estavam adotando e engajá-los na sociedade estimulando sua atuação nos espaços políticos. A modelagem aqui é interpretada como ambiente de aprendizagem, na perspectiva defendida por Barbosa(2001). O ambiente de aprendizagem proposto aos alunos os levou a indagar e investigar, por meio da matemática, situações com referência na realidade. Partindo de um problema real, a violência no “Boi da Manta”3 e da mobilização da comunidade em defesa de sua cultura popular, o consumo de bebida alcoólica entre os jovens aflora como um problema a ser investigado, no sentido de subsidiar a permanência do “Boi da Manta”. Afinal, no fundo todos queriam mostrar que o problema não era o “Boi” em si, mas a falta de perspectiva do jovem para o trabalho, o uso excessivo de bebida e outros. Apesar da clareza com que coloco aqui estas questões, não garanto que os alunos se envolveram na tarefa com ampla consciência do que poderiam alcançar. Talvez, elegeram outras prioridades como a novidade de estudar matemática através de uma atividade “livre”, a possibilidade de sair de casa e passear pela cidade, a aventura e curiosidade de conhecer “certos” espaços da cidade como os bairros de periferia4, etc. Mesmo que as questões que considero centrais não tenham sido exaustivamente discutidas com os alunos, acredito na semente plantada que vai dar frutos mais tarde. Outro fator que aproxima esta iniciativa com a perspectiva de modelagem proposta por Barbosa(2001) é que não haviam rígidos procedimentos matemáticos fixados previamente. Por exemplo, não pudemos defenir tipo e formato das tabelas e gráficos, pois tudo dependeria dos dados que os alunos coletassem. Como o problema colocado inicialmente era da vida real, mesmo inconscientemente, não foi formulado apenas com o propósito de ensinar matemática. À medida que a atividade foi sendo realizada a 3 Nome dado ao carnaval de rua em Pedro Leopoldo é importante ressaltar que a maioria dos alunos da turma residiam na região central de Pedro Leopoldo, em bairros bem próximos. Não era significativo o número de alunos que residiam na periferia. 4 Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 11 matemática passou a ser parte da circunstância que a sustenta. Assim, como em Barbosa(2001), quando a situação proposta “representar aos alunos um convite para, por meio da matemática, indagar e investigar situações com referência na realidade, considero-o como Modelagem”. Por isso, reafirmo a iniciativa descrita como Modelagem Matemática, pois mais importante que a construção do modelo foi o processo de indagação e investigação que envolveu a formulação do modelo propriamente dito e a interpretação desse modelo para intervir na realidade. A Modelagem Matemática numa perspectiva da Educação Matemática Crítica Penso que o educador matemático democrático quando diante de situações como a descrita acima não pode se furtar de reforçar a capacidade crítica do educando, sua curiosidade e a visão holística de um problema. Nesta perspectiva, caminhamos para uma Educação Matemática Crítica(Skvosmose,2001), pois enxerga-se o estudo de um contéudo disciplinar como uma oportunidade de reflexão e análise crítica da sociedade em que se vive, como o potencial demonstrado pela inciativa descrita. O conteúdo passa a ter um papel ativo na identificação e no combate de disparidades sociais, orientando a educação para problemas e situações dentro e “fora” da sala de aula. Vale ressaltar que ao propor a realização da pesquisa em sala de aula, houve uma potencialização do diálogo entre professora e alunos possibilitando a ambos se conhecerem melhor e estabelecer canais de discussões matemáticas e não-matemáticas. A pesquisa passou a ser um empreendimento do grupo e não apenas um trabalho de escola. Quando falamos da necessidade de ressignificar os conteúdos matemáticos, percebemos que podemos utilizar a tecnologia da informação –como o uso de softwares para tabular os dados-, para que o aluno possa entender não só as técnicas e procedimentos técnicos, mas analisar e avaliar os riscos e benefícios desses no contexto amplo para a cidadania visando construir a democracia como uma competência na sociedade. Ao fazer o tratamento estatístico usando o software Excel, os alunos perceberam que o mesmo fazia alguns arrendondamentos que acarretavam análises diferentes. Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 12 No processo de modelagem matemática descrito neste artigo o conhecimento produzido esteve relacionado ao próprio conhecimento matemático, ao conhecimento tecnológico, a partir do momento que constitui e usa o modelo matemático para descrever o consumo de álcool e ao conhecimento reflexivo que deu o referencial conceitual para avaliar o modelo matemático construído, a aplicação e avaliação dele. Quando tivemos que ler o tratamento estatístico que cada grupo deu aos seus dados e os gráficos e tabelas produzidos pudemos perceber as diferenças nas conclusões de cada grupo. Uns enfatizavam mais aspectos gerais e outros conseguiam mostrar especificidades nos bairros. A pesquisa permitiu aos alunos, não só aprender matemática, mas a aplicá-la. O estudo proposto tem um viés reflexivo, pois não se limita a apresentar a estatística como uma técnica de um ramo da matemática, levantou questões importantes sobre ela, como: Até que ponto o tratamento estatístico dos dados refletiu a realidade coletada? Como os gráficos e tabelas vão influenciar a interpretação das pessoas sobre o fenômeno que queremos analisar? Até que ponto a linguagem que estamos utilizando para divulgar os dados é acessível ao público que queremos atingir? Enfim, gostaria de enfatizar que as tendências na Educação Matemática, como a Modelagem Matemática, mais do que propor algumas correntes na educação, possibilitam preparar os indivíduos, em particular os alunos do ensino médio, para lidar com os aspectos da vida social fora da esfera do trabalho, incluindo aspectos culturais e políticos. PALAVRAS CHAVES: Modelagem, Estatística, Cidadania BIBLIOGRAFIA BARBOSA, Jonei Cerqueira. Modelagem Matemática:concepções e experiências de futuros professores. 2001.f.....(Tese. Educação Matemática. Ensino e Aprendizagem da Matemática e seus Fundamentos Filosófico-Científicos) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, UNESP,Rio Claro, 2001. BRASIL. Ministério da Educação. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros Curriculares Nacionais: ensino médio. Brasília: MEC/SEF, 1999 FIORENTINI, Dario;GERALDI,Corinta Maria Grisolia; PEREIRA,Elisabete Monteiro de A.(orgs). Cartografias do Trabalho Docente: professor(a)-pesquisador(a). Anais do VIII ENEM – Relato de Experiência GT 3 – Educação Matemática no Ensino Médio 13 Campinas,SP: Mercado das Letras: Associação de Leitura do Brasil, 1998 (Coleção Leituras no Brasil). PAIS, Alexandre;GERALDO, Helena; LIMA,Valéria. Educação Matemática Crítica e Etnomatemática: conflitos e convergências. In: CONFERÊNCIA INTERAMERICANA DE EDUCAÇÃO MATEMÁTICA,11,2003. Anais. 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