Função Indireta de Utilidade, Função Gasto e Demanda Hicksiana Hipóteses iniciais Antes de iniciar a exposição, devem ser consideradas algumas características importantes das preferências que estamos tratando. Primeiro: (i) Preferências racionais – completas e transitivas – garantem comparabilidade entre as cestas e consistência (curvas de indiferença não se cruzam) (ii) Continuidade – garante que existirá uma função utilidade que expressa essas preferências (iii) Monotonicidade – garante que o consumidor utilizará toda a sua renda – pode-se utilizar alguma hipótese alternativa de não-saciedade local – atendendo ao Varian, usamos monotonicidade (iv) Função utilidade contínua e perfeitamente diferenciável duas vezes Devem estar cientes dos resultados do problema de maximização da utilidade do consumidor (aula anterior) max ( , … , ) . . ∑ ≤ (1) = + − . () = − ≤ 0 2 !""#$ > 0 = − . ≥ 0(3) Função Indireta de Utilidade Denominaremos função indireta de utilidade, ( , , identidade do resultado do processo de maximização da utilidade com a restrição orçamentária. maxu( , … , ) (4) . . ∑ ≤ Derivando-se a função indireta de utilidade com respeito ao preço do bem i, obtém-se: ( , ≡ (∗ , … , , , … , ∗ , … , , ) ≡ ((, ) =, (5) - . () 0#!#1çã 2 , 4# = ((, ) 0$454, = , (6) . 78é:#1#: . = #, $454: < " = + < + ⋯ + + + ⋯ + = 0 ⇒ , = − (7) " -. Substituindo (7) em (6) ((, ) = − (8) A partir da equação (8), pode-se afirmar que a utilidade varia inversamente a variações do preço do bem i, tendo como pano de fundo as hipóteses levantadas. Na verdade, ela é não decrescente no preço do bem i, pois se a quantidade do bem i for zero, a variação da utilidade a partir do aumento de seu preço, também será zero. Ao passo que se a quantidade consumida do bem i for positiva, um aumento de seu preço deverá reduzir a utilidade indireta, enquanto uma diminuição de seu preço deverá aumentar a utilidade indireta. Esse resultado pode ser expresso a partir da curva de Offer ou curva preçoconsumo, apresentada em vermelho no gráfico 1. x2 Curva preço consumo ou de Offer Crescimento da utilidade – curvas de indiferença superiores Crescimento do preço do bem 1 x1 Gráfico 1 – Curva de Offer ou curva preço-consumo Um outro resultado interessante aparece quando derivamos a função indireta de utilidade com respeito à renda. ((, ) =, (9) Ora, mas a partir da equação (2), tem-se: ((, ) = , BC FE No entanto, sabe-se que ∑ BED = FE = 1 E, portanto, ((, ) = 10 A partir de (10), pode-se concluir que a utilidade marginal da moeda é igual a ,que já era conhecido desde a aula passada. Substituindo-se a equação (10) na equação (8), chega-se à identidade de Roy, em que: ((, ) = − ((, ) O gráfico (2) apresenta a curva renda consumo que mostra o crescimento da renda e o consequente aumento do nível de utilidade. x2 Variação da utilidade Variação da renda x1 Gráfico 2 – Caminho de Expansão da Renda ou Curva Renda-Consumo Homogeneidade de grau zero Uma das características do problema de maximização da utilidade é sua homogeneidade de grau zero nos preços e na renda. Isso significa que, se multiplicarmos a renda e todos os preços por um mesmo escalar, H > 0,não haverá alteração na cesta escolhida ∗ . De maneira que u(x*) não se altera. Isso é facilmente comprovável observando-se a figura 3. A figura mostra uma restrição orçamentária definida a partir da renda e dos preços e curvas de indiferença que representam a < utilidade dos agentes, definindo-se a escolha x*. A multiplicação dos preços e da renda pelo mesmo escalar H não resultará em mudança da restrição orçamentária e < não altera as preferências, implicando a mesma escolha. Como a função utilidade também não sofreu nenhuma modificação, x* o nível de utilidade será o mesmo. Assim, pode-se afirmar que ( , = ( H, H , ou seja, que o valor da função indireta de utilidade não se altera. − Figura 3 < Função Gasto Até o momento, resolvemos um problema que consistiu em maximizar a utilidade dada uma restrição orçamentária. Esse problema é apresentado no gráfico 4a, que mostra a restrição orçamentária e as diferentes curvas de indiferença que representam os níveis de utilidade que o consumidor pretende maximizar. Podemos, alternativamente, resolver um problema diferente. Indagar-se qual a renda mínima necessária para um consumidor atingir um determinado nível de utilidade. Nesse caso, o problema ocorre como apresenta no gráfico 4b, queremos saber qual a renda mínima para se obter o nível de utilidade representado conjunto I ≿ = KL: ≿ M . <pelo < I≿ M Gráfico 4a – Problema de Maximização da utilidade Gráfico 4b – Problema de Minimização do Gasto O problema de minimização do gasto consiste, então, em: min ∑ C (11) . . ( , … , ) ≥ P = . + Q P − () = − Q ≤ 0 12 = P − ≤ 0 13 Q BR BR D D A partir de (12), obtém-se − Q BC ≤ 0 ⇒ ≤ Q BC #, $5# 54#, E, a partir de (13): = 14 - P − = 0 ⇒ P = 15 As equações (15) e (14) apresentam resultados parecidos ao problema de maximização da utilidade, apenas, em vez de a solução obrigatoriamente pertencer à linha orçamentária, deve pertencer à curva de indiferença. No entanto, como (14) aponta para a tangência, o resultado é, na prática, o mesmo. Essa questão pode ser observada a partir da figura 5, que mostra a coincidência do resultado. Com a figura 6 da aula passada. Nesse caso, tem-se que = T. Veremos o significado disso a seguir. Assim como tivemos a função indireta de utilidade como idêntica à utilidade resultante do problema de maximização da utilidade, podemos definir a função gasto como idêntica ao gasto que resolve o problema de minimização do gasto. < , … , , P ≡ ∗ , … , , P + ⋯ + ∗ , … , , P (16) Para efeitos de notação, a partir de agora, denominaremos ∗ , … , , P de : , … , , P Figura 5 – O problema de Minimização do gasto Podemos, então, realizar os mesmos exercícios que fizemos com a função indireta, mas com a função gasto. Inicialmente, podemos ver como a função gasto varia em relação à preço de um bem i: g (p, u ) = ∑ pi hi (p, u ) (17) E denominemos a demanda h(p, u) de demanda hicksiana : n ∂g (p, u ) ∂h (p, u ) = hi + ∑ pk k ∂pi ∂pi k =1 (18) n ∂g (p, u ) ∂u ∂hk (p, u ) = hi + µ ∑ ∂pi ∂pi k =1 ∂hk uma vez que a utilidade não varia., tem - se a equação (10) conhecida como LEMAde SHEPHARD. ∂g (p, u ) (19) = hi ∂pi Isso significa que a função gasto é crescente no preço do bem i, ou seja, toda vez que aumentamos o preço é necessário um aumento do gasto para se atingir o mesmo nível de utilidade que se tinha anteriormente. Ao se derivar a função gasto com respeito à utilidade, tem-se que, usando o teorema da envoltória (ver Simon e Blume 457-459), tem-se que: ∂L(x, u, µ ) ∂g (p, u ) = = µ (20) ∂u ∂u Pode-se afirmar, portanto, que a função gasto é estritamente crescente em u. Prova Auxiliar Suponha que houvesse um ′ ≻ , tal que . W ≤ . = (, ), então, nesse caso, por monotonicidade e continuidade, haveria um ′′ ≥ ′, tal que . W < , , e, portanto a cesta não resolveria o problema de minimização do gasto. Pensemos agora que alteramos o vetor de preços p por um escalar qualquer ψ. Nesse caso, sabe-se que a função objetivo se transforma de: ∑px i i para ∑ψ pi xi Como consequência, sabe-se que as equações (12) e (13) se transformarão em: ∂L ∂u ( x1 ,...xn ) ψpi = ψpi − µ ≤0⇒ µ ≥ ∂xi ∂xi UMg i UMg i ψpi p = = i UMg j ψp j p j (12' ) (14' ) Como a equação (13) não se altera, não há alteração no vetor de escolha e a função gasto é simplesmente g (p, u ) = ψ ∑ pi hi (p, u ) (13' ) Implicando homogeneidade de grau 1 em p. Demanda Hicksiana : (Z, ) ⋮ A demanda hicksiana é representada por Y(Z, ), em que Y(Z, ) = .O : (Z, ) funcionamento da demanda hicksiana pode ser exemplificado no gráfico 6a, que mostra a curva de indiferença que delimita o conjunto de cestas que atinge pelo menos o nível de utilidade P. Pode-se afirmar que a solução Y(Z, ) resolve o problema de minimização do gasto, quando o nível de utilidade é u. Nesse caso, a renda resultante será Z, = Z. Y(Z, ), em que p é o vetor de preços transposto. Por (2) e (3) e (12) e (13), sabe-se que Y Z, = \ , Z, (21) Y Z, ( Z, e = \ Z, (22) Isso significa que o vetor de demanda que resolve o problema de minimização do gasto quando os preços são preços são p e a utilidade é u é igual ao vetor de demanda que resolve o problema de maximização da utilidade quando os preços também são p e a renda é igual a Z, . Da mesma maneira, o vetor de demanda que resolve o problema de maximização da utilidade quando os preços são p e a renda é m é o mesmo vetor que resolve o problema de minimização do gasto quando os preços são p e o nível de utilidade é ( Z, . Isso é conhecido como dualidade. Demanda Hicksiana – gráficos 3a e 3b g (p' , u ) p2 x2 m p2 x Lembrem-se: uma teoria de preços relativos Figura 6a - Processos de minimização do gasto e de maximização da utilidade u Y(Z′, ) (Z′, ) Y Z, ≡ Z, * 2 Z, P p1 p2 Demanda marshalliana Conjunto de cestas pelo menos tão boas x1m x1h x1* Curva de indiferença x1 x1 (p, m ) h1 (p, u ) Demanda hicksiana Repare que a cesta que minimiza o gasto quando o nível de utilidade alcançado é igual a m, que é a mesma que maximiza a utilidade quando o consumidor tem renda m. Ao mesmo tempo o valor da função indireta de utilidade dessa solução é igual a u. g (p, v( p, m) ) = m (13) x1 Figura 6b – Curvas de demanda hicksiana e marshalliana v(p, g ( p, u ) ) = u (14) h(p, u ) = x(p, g (p, u ) ) (15) x(p, m ) = h(p, v(p, m) ) (16) Equação de Slutsky Assim, entenderemos como demanda marshalliana , \ Z, , e, como demanda hicksiana, Y Z, . Ainda que as igualdades (21) e (22) se sustentem, as respostas de cada uma dessas demandas não são iguais. Como pode ser percebido na figura 6a, quando o preço do bem 1 varia, a demanda hicksiana varia a Y(ZW , ), enquanto a demanda marshalliana, \ Z, , se desloca a \ Z′, . A resposta a essa caracterização pode ser obtida a partir da equação (21). Derivando-se os dois lados da equação, com respeito ao preço do bem i, tem-se: ∂h(p, u ) ∂x(p, g (p, u ) ) ∂x(p, g (p, u ) ) ∂g (p, u ) = + ∂pi ∂pi ∂g (p, u ) ∂pi (23) Pelo Lema de Shephard : ∂g (p, u ) = hi (p, u ) ∂pi ∂h(p, u ) ∂x(p, g (p, u ) ) ∂x(p, g (p, u ) ) = + hi (p, u ) ⇒ ∂pi ∂pi ∂g (p, u ) ∂x(p, g (p, u ) ) ∂h(p, g (p, u ) ) ∂x(p, g (p, u ) ) = − hi (p, u ) ∂p ∂p ∂g (p, u ) 424444 3 14 42i44 3 14 42i44 3 1444 Efeito total (Demanda marshalliana) Efeito substituição Efeito renda (24) A equação (24) divide a variação da demanda marshalliana em dois efeitos. O primeiro é o efeito substituição que se iguala à variação da demanda marshalliana, o segundo é o efeito renda, que corresponde à correção feita para o cálculo da demanda hicksiana (equação 23) como respeito ao aumento da renda necessário para manter o mesmo nível de utilidade que se encontrava inicialmente. O efeito substituição define a alteração do consumo se o consumidor não tivesse tido mudança em seu poder de compra, enquanto o efeito renda mede justamente a alteração do consumo decorrente da mudança no poder de compra. O efeito substituição sempre variará inversamente ao preço, no que podemos denominar de lei da demanda compensada. Lei da Demanda Compensada A lei da demanda compensada afirma que dp.dh≤0. Prova: suponha dois vetores de preços p’ e p’’ e dois vetores de demanda hicksiana h’(p’,u) e h’’(p’’,u), significando que h’ é resultante da escolha com os preços p’ e h’’ é resultante da escolha com os preços p’’. Deve-se provar, portanto que (para fins de notação p.h implica a multiplicação do vetor linha p pelo vetor coluna h): (p'−p' ')(. h'−h' ') ≤ 0 (26) (p'.h'−p'.h' ') + (p' '.h' '−p' '.h') ≤ 0 (27) Comecemos pelo primeiro parênteses da equação (18). Note-se que o consumidor teria minimizado o gasto em h’(p’,u). Logo, a escolha h’’(p’’,u) não poderá minimizar o gasto a não ser que h’’(p’’,u) seja igual a h’(p’,u) ou haja mais de uma solução para o problema de minimização do gasto (pense em substitutos perfeitos em razão 1 e preços relativos 1). Se p’.h’’<p’h’, então, h’ não poderia ser a solução para o problema de minimização do gasto. Logo, o valor tem de ser menor ou igual a 0. O mesmo raciocínio se aplica ao segundo componente da equação (18). Isto significa que se p1/p2 aumenta, então, a demanda por p1 tem de cair e a demanda por p2, subir. O caso de dois bens Sabe-se que, se, aos preços (p1, p2), o consumidor tem a cesta (x1, x2) que minimiza o gasto, então, a cesta (y1, y2)~ (x1, x2) atende a seguinte restrição: p1 x1 + p2 x2 ≤ p1 y1 + p2 y2 (28) com estrita desigualdade se a escolha for única. O mesmo pode ser dito a respeito dos preços (q1, q2) que são aqueles para os quais a cesta (y1, y2) é escolhida. q1 y1 + q2 y2 ≤q1 x1 + q2 x2 (29) Somando-se as duas equações e reordenando-se, tem-se a equação (30): (q1 − p1 )( y1 − x1 ) + (q2 − p2 )( y2 − x2 ) ≤ 0 (30) Como 1< = < 1 − M − ≤ 0(31) Isso significa que se o primeiro termo for positivo, o segundo tem de ser negativo e vice-versa, o que mostra que as quantidades variam na direção inversa aos preços. Significado da Equação de Slutskty Deve-se notar que de acordo com a lei da demanda compensada, quando se tratar do próprio bem, ou seja de xi frente a uma variação de pi, o primeiro termo sempre terá sinal negativo. O segundo termo dependerá, no entanto, do valor de ∂x(p, g (p, u ) ) ∂x(p, g (p, u ) ) = ∂g (p, u ) ∂m se o bem for normal, este termo assume um valor positivo, dando ao efeito renda um valor negativo. Se o bem for inferior, este termo assume um valor negativo, dando ao efeito renda um valor positivo. Essa característica ajuda a entender o paradoxo representado pelos bens de Giffen, que têm a curva de demanda positivamente inclinada. Gráfico 4 g (p' , u ) p2 m p2 x x No gráfico 4, o consumidor escolhe, com a restrição inicial em negro, a cesta x*. Há um aumento do preço do bem 1 e o consumidor passa a escolher a cesta xm . A demanda hicksiana nos auxilia a dividir esse efeito em duas partes. A primeira associada à mudança nos preços relativos, representada por: ∆x1h = x1h - x1*que denominamo s efeito substituiç ão m 2 ∆x1m = x1m - x1h * 2 x1m x1h x1* que denominamo s efeito renda x1 Reparem que só há mudança do nível de utilidade no efeito renda. Isso será importante na próxima aula. Ao mesmo tempo, o resultado mostra que a função indireta de utilidade variou inversamente ao preço do bem 1, mas essa variação só se deu por causa do efeito renda. Logo, a variação da utilidade indireta é uma consequência do efeito renda.