Detecção de vírus pertencentes à família Paramyxoviridae em aves

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Detecção de vírus pertencentes à família Paramyxoviridae em aves silvestres
através de um RT-PCR convencional
Helena Lage Ferreira, Mariana Cristina Sebastiani, Guilherme Pereira
Scagion, Renata Khodair Silva
Universidade de São Paulo/ Faculdade de Zootecnia e Engenharia de Alimentos
[email protected]
Resumo
As aves silvestres são importantes reservatórios de vírus que podem acometer as aves domésticas. Assim,
o monitoramento da circulação viral em aves silvestres é de extrema importância para garantir a sanidade
do plantel avícola brasileiro. O presente estudo visa detectar os vírus da família Paramyxoviridae através de
uma técnica de RT-PCR convencional que tem como alvo um gene conservado dos principais vírus
causadores de doenças em aves comerciais e já identificados em aves silvestres. A técnica de RT-PCR
convencional pan-paramixo foi validada utilizando amostras de referência dos vírus dessa família, como o
vírus da Doença de Newcastle (APMV-1), da cinomose canina, do metapneumovírus aviário (aMPV/A e
aMPV/B), que representam os gêneros Avulavirus, Morbillivirus, e Metapneumovirus, respectivamente. A
sensibilidade entre o teste pan-paramixo de RT-PCR e os testes de RT-PCR em tempo real (RRT-PCR)
específicos para a detecção de APMV-1 e aMPV/A e aMPV/B foi comparada. Para identificar os vírus
detectados pelo pan-paramyxo, as amostras positivas foram testadas pelos testes específicos de RRT-PCR.
Após a validação, cem amostras (54 suabes cloacais e 46 suabes orofaringeanos) coletadas a partir de
aves silvestres foram testadas. A técnica validada detectou com sucesso os vírus que representavam três
diferentes gêneros da família viral. Contudo, esta demonstrou ser até 105 vezes menos sensível quando
comparada às técnicas específicas de RRT-PCR. Duas entre as 100 amostras testadas foram detectadas
pelo RT-PCR pan-paramixo. As mesmas duas amostras também detectadas pelo teste específico de RRTPCR para o APMV-1, enquanto nenhuma amostra foi detectada pelos testes específicos RRT-PCR para
detecção de aMPV/A ou aMPV/B. Ainda assim, a técnica de RT-PCR pan-paramixo utilizada neste estudo é
uma interessante ferramenta para a detecção de todos os vírus conhecidos dessa família viral e novos
vírus, apesar da sua baixa sensibilidade.
Palavras-chave: vírus; RT-PCR; aves silvestres; vigilância.
Abstract
Wild birds are an important reservoir of different viruses that can affects poultry. Viral surveillance in wild
birds is, thus, extremely important to ensure the biosafety of Brazilian poultry industry. Therefore, the present
study aimed to detect viruses of Paramyxoviridae family by a RT-PCR targeting a conserved gene from the
most important viruses to poultry and already identified in wild birds. A conventional RT-PCR for panparamyxovirus detection was validated by using reference strains of this family, such as Newcastle disease
virus (APMV-1), canine distemper virus, avian metapneumoviruses (aMPV/A anda MPV/B) representing the
Avulavirus, Morbillivirus, and Metapneumovirus genus, respectively. The sensitivity among the RT-PCR and
the specific real time RT-PCR (RRT-PCR) for APMV-1, aMPV/A, and aMPV/B detection was compared.
Positive samples detected by pan-paramyxovirus test were tested by specific RRT-PCR assays After
validation, hundred samples (54 cloacal swabs and 46 oropharyngeal swabs) from wild birds were tested.
The RT-PCR was able to detect the viruses from the three different genus of the Paramyxoviridae family.
Nonetheless, this assay was up to 105 times less sensitive when compared to RRT-PCR assays targeting
the specific viruses. Two out of 100 tested samples were detected by pan-paramyxovirus RT-PCR. Two out
of those samples were also detected by the RRT-PCR specific to APMV-1; whereas none was not detected
by RRT-PCR specific to aMPV/A neither aMPV/B assays. Therefore, the RT-PCR test used in this study is
an interesting tool for detection of new viruses despite its low sensitivity.
Keywords: virus; RT-PCR; wild birds; surveillance.
SIICUSP 2014 – 22º Simpósio Internacional de Iniciação Científica e Tecnológica da USP
Introdução
As aves silvestres, especialmente aves aquáticas migratórias, aves de rapina e passeriformes, são
frequentemente consideradas reservatórios de patógenos aviários de importância para as aves comerciais.
O Brasil ocupa uma posição de destaque no cenário mundial em relação à produção e exportação de carne
de frango(UBABEF, 2013). Por essa razão, os plantéis avícolas e as aves silvestres devem ser
constantemente monitorados para detectar rapidamente a introdução imediata de um novo agente.
Os vírus da família Paramyxoviridae incluem um grande número de vírus responsáveis por causar um largo
espectro de doenças em humanos e animais (Lamb, 2007). Esta família de vírus é classificada em duas
subfamílias: Paramyxovirinae e Pneumovirinae. A subfamília Paramyxovirinae contém cinco gêneros:
Respirovirus, Rubulavirus, Avulavirus, Morbillivirus e Henipavirus. A subfamília Pneumovirinae contém os
gêneros Pneumovirus e Metapneumovirus. Os gêneros Avulavirus e o Metapneumovirus já foram
identificados em aves silvestres (Alexander and Jones, 2008).
O gênero Avulavirus possui dez sorogrupos distintos de paramixovírus aviários (AMPV) identificados de 1 a
10: APMV-1 ao AMPV- 10 (Miller et al., 2010). O vírus da doença de Newcastle (NDV), também conhecido
como paramixovírus aviário do tipo 1 (APMV-1), pertence ao gênero Avulavirus e é o mais importante
patógeno em aves domésticas, pois leva a grandes perdas das aves de produção, resultando em prejuízos
para o produtor (Alexander and Jones, 2008). Outro vírus relatado em aves silvestres é o metapneumovírus
aviário (aMPV), que pertence à subfamília Pneumovirinae, gênero Metapneumovirus (ICTV, 2012). O aMPV
pode ser classificado, baseado na análise molecular do seu genoma em quatro subtipos: A, B, C e D
(Gough and Jones, 2008). Os subtipos A e B (aMPV/A e aMPV/B) são difundidos em todo o mundo.
Geralmente, as técnicas utilizadas para o diagnóstico do paramixovírus são baseadas no isolamento do
vírus em cultura de células, em testes de diagnóstico molecular como ensaios de RT-PCR e testes
sorológicos, porém estas técnicas são altamente sensíveis, só sendo específicas para determinadas
espécies de paramixovírus. A técnica de RT- PCR convencional utilizando oligonucleotídeos degenerados
baseados em uma sequência consenso de um gene conservado parece ser capaz de detectar amplamente
os vírus da família Paramyxoviridae em aves silvestres (van Boheemen et al., 2012). Em estudos anteriores,
tal técnica, denominada como pan-paramixo RT-PCR, já demonstrou ser eficaz para a detecção e
identificação de novos vírus (van Boheemen et al., 2012).
Objetivos
Finalmente, o presente estudo tem como principal objetivo avaliar a circulação dos vírus da família
Paramyxoviridae, incluindo os gêneros Avulavirus e Metapneumovirus através da utilização de um teste de
RT-PCR convencional em suabes orofaringeanos e cloacais coletados de aves silvestres. Os limites de
detecção dessa técnica de RT-PCR e três técnicas de RRT-PCR para a detecção específica dos principais
vírus respiratórios aviários foram comparados.
Materiais e Métodos
A coleta das amostras em aves foi realizada em conformidade com as diretrizes de proteção animal e
aprovação legal (SISBIO nº 34751-1 e Comitê de Ética e Uso de Animais USP no 2012.1.170.74.0). Foram
coletadas 100 amostras (46 suabes orofaringeanos e 54 suabes cloacais) de 18 espécies pertencentes a 7
ordens de aves em diferentes recintos no estado de São Paulo. O material foi identificado para cada ave e
armazenado em tubos tipo “falcon” contendo aproximadamente 2,0 mL de meio de transporte e preservação
RNA later Stabilization Reagent (Qiagen, Valencia, EUA).
Amostras de referência foram utilizadas para a padronização do teste: vírus da Doença de Newcastle
estirpe La Sota (New Vaccin, Laboratório Biovet, Vargem Grande Paulista), do Metapneumovírus aviário
subtipos A e B (119/95-BR e TRTV-BR, Laboratório Biovet, Vargem Grande Paulista) e amostra padrão de
Cinomose canina estirpe Lederle (Laboratório Biovet, Vargem Grande Paulista). Dessa forma, tivemos
representantes dos gêneros: Avulavirus, Metapneumovirus e Morbillivirus. A especificidade dos testes foi
determinada a partir de estoques de vírus aviários, como o vírus da Bronquite Infecciosa (IBV- Bio-BronkVet H-120, Laboratório Biovet, Vargem Grande Paulista) e também com o vírus da Doença de Marek (BioMark-Vet L, Laboratório Biovet, Vargem Grande Paulista). As amostras de referência foram tituladas em
ovos embrionados SPF de galinha de 9 dias e o título calculado conforme o método Reed-Muench (Reed
and Muench, 1938) e expressos com 50% doses infectantes de ovos (EID50) por ml de suspensão viral.
Foram realizadas diluições seriadas da vacina comercial na base 10 em PBS para avaliação do limite de
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detecção. A purificação de RNA viral foi realizada com o kit High Pure Viral Nucleic Acid (Roche Diagnostics
GmbH, Manheim, Alemanha) conforme instruções do fabricante.
O kit SuperScript III First –Strand cDNA Synthesis (Invitrogen) foi utilizado para a síntese do cDNA (van
Boheemen et al., 2012). As sequências dos oligonucleotídeos (PMX1 - 5’-GAR-GGI-YII-TGY-CARAARNTN- TGG-AC-3’ e PMX2: 5’-TIA-YIG-CWA-TIR-IYT-GRT-TRT-CNC-C-3´) e reação de PCR foram
baseadas em um estudo anterior (van Boheemen et al., 2012). As reações foram realizadas no
termociclador Veriti® 96-Well Thermal Cycler (Applied Biosystems, California, EUA). Os produtos da PCR
foram visualizados pela luz ultravioleta (UV) após a eletroforese em gel agarose 2,5% contendo o corante
SYBR safe (Life Technologies, Carlsbad, EUA) em tampão Tris-borato (pH 8.0). O marcador de DNA de 50
bp DNA (Invitrogen) foi utilizado para estimarmos o tamanho do amplicon.
As reações de RRT-PCR para a detecção específica dos vírus APMV-1, aMPV/A e aMPV/B foram baseadas
em estudos anteriores (Guionie et al., 2007; Wise et al., 2004).
Resultados
Todas as amostras de referência da família Paramixoviridae testadas foram amplificadas pelos
oligonucleotídeos, que geraram um fragmento com o tamanho total de 121 pares de base (Figura 1).
Conforme esperado, os vírus aviários da bronquite infecciosa e da Doença de Marek não foram
amplificados.
O pan-paramixo RT-PCR apresentou um limite de detecção correspondente a 107 EID50/mL, uma vez que a
-6
última diluição de vírus que ainda produzia uma banda visível à luz ultravioleta era a de 10 . Além disso,
foi comparado o limite de detecção da reação de pan-paramixo com um teste específico (RRT-PCR) para o
APMV-1 e para o aMPV tipos A e B utilizando o mesmo cDNA. O limite de detecção em 50% doses
infectantes de ovos (EID50/mL) foi de 102 EID50/mL correspondendo a diluição detectada de 10-11. Já para
os testes específicos dos metapneumovírus aviários da subfamília Pneumovirinae os testes RRT-PCR
aMPV/A e aMPV/B foram capazes de detectar de 316 EID50/mL e 50 EID50/mL, respectivamente. Assim, os
limites de detecção dos testes mais específicos foram capaz de detectar cargas virais inferiores,
demonstrando que o teste do pan-paramixo é 105 vezes menos sensível que o teste mais específico para a
detecção do AMPV-1 e do aMPV/A e B. Estes resultados estão em concordância com a literatura (van
Boheemen et al., 2012) que indica uma sensibilidade menor do teste do RT-PCR pan-paramixo em relação
a testes específicos de RRT-PCR.
Duas das 100 amostras testadas foram consideradas positivas (tabela 1), que se mostraram como bandas
fracamente visíveis à luz ultravioleta. Interessante ressaltar que essas duas amostras (Falcão Peregrino e
Papagaio de Peito-Roxo) foram detectada pelo teste específico de RRT-PCR APMV-1, que apresenta uma
121pb
Figura 1: RT-PCR convencional para a detecção da família Paramixoviridae. O amplicon com tamanho de 121 pares
de base foi observado em gel de agarose a 2,5% corado com brometo de etídeo. M – marcador de 100pb; C+ controle positivo; 1 a 8: amostras testadas. Amostra 1: positiva para vírus da doença de Newcastle; Amostra 2:
negativa para vírus da Cinomose (vacina velha); Amostra 3: negativa para vírus da doença de Marek; Amostra 4:
negativa para vírus da Bronquite Infecciosa; Amostra 6: positiva para vírus da Cinomose; Amostra 7: positiva para
Metapneumovírus subtipo A ; Amostra 8 positiva para Metapneumovírus subtipo B
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sensibilidade maior que o pan-paramixo. Nenhuma amostra foi detectada pelos testes específicos para a
detecção de aMPV/A e aMPV/B.
Tabela 1: Amostras detectadas pelo pan-paramixo RT-PCR e testes RRT-PCR específicos para detecção de APMV- 1
e aMPV/A e aMPV/B. Espécie, nome comum, tipo de suabe e o ciclo em que a amostra foi detectada (Ct) para cada
gene do RRT-PCR e resultado na RT-PCR convencional estão listados na tabela abaixo.
Animal
Suabe
Pan-paramixoviridae
RRT-PCR APMV-1
RRT-PCR aMPV/A e B
Falcão Peregrino
Positivo
35,00
Negativo
OP
Papagaio Peito-Roxo
Cloacal
Positivo
36,25
Negativo
Conclusões
O trabalho teve como principal foco a identificação abrangente de diversos tipos de vírus pertencentes à
família Paramyxoviridae tendo como alvo o gene da polimerase, o qual é o gene mais conservado da família
Paramyxoviridae (van Boheemen et al., 2012). Como já descrito na literatura, esse teste apresenta um limite
de detecção inferior aos outros testes específicos para o mesmo patógeno. Dessa forma, a amplificação
desses materiais em ovos embrionados seria importante para aumentar a carga viral inicial das amostras.
Contudo, a amplificação dessas amostras de aves silvestres deveria ser realizada em um laboratório com
nível de biossegurança 3. Outra possibilidade seria substituir o teste por um teste de tempo real específico
para os vírus conhecidos dessa família, ou seja, APMV-1 e metapneumovírus aviários.
Vale lembrar que o teste RT-PCR pan-paramixo poderia contribuir para estudos de prevalência de vírus até
então desconhecidos ou emergentes que circulam em animais silvestres. Outros paramixovírus aviários que
não o tipo 1 ou metapneumovírus aviários subtipos C ou D, poderiam ser detectados por essa técnica e não
pelos testes específicos. Dessa forma, essa parece ser uma ferramenta interessante sob o ponto de vista
de auxiliar na classificação e caracterização destes, aumentando nossos conhecimentos sobre a circulação
destes vírus em aves silvestres no Brasil.
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