O PAPEL DO MINISTÉRIO PÚBLICO NO APOIO ÀS POLITÍCAS DE ATENÇÃO À SAÚDE MENTAL – ASSISTÊNCIA A USUÁRIOS DE ÁLCOOL E DROGAS Consulta nº 20130099 – CAOPCid Dr. Manoel Onofre de Souza Neto Procurador Geral de Justiça Natal/RN, 25 de fevereiro de 2013. PARECER EMENTA: POSSIBILIDADE DE INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA. DIFERENÇA ENTRE INTERNAÇÃO VOLUNTÁRIA, COMPULSÓRIA E INVOLUNTÁRIA. NECESSIDADE DE IMPLEMENTAÇÃO DE MEDIDAS PELAS SECRETARIAS ESTADUAL E MUNICIPAIS. INTERVENÇÃO DO MINISTÉRIO PÚBLICO. CONSIDERAÇÕES 1 RELATÓRIO Trata-se de consulta formulada em 25.02.13, pelo gabinete do Procurador Geral de Justiça, Dr. Manoel Onofre de Souza Neto, quanto à internação compulsória para usuários de drogas, a fim de subsidiar reunião a ser realizada com a Coordenação Estadual do programa “RN VIDA – NÃO ÀS DROGAS”. 2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS 2.1 Disposições normativas A despeito de o questionamento envolver, especificamente, “internação compulsória”, mister traçarmos alguns comentários sobre a Política Nacional de Enfrentamento aos usuários de drogas preconizada pelo Sistema Único de Saúde (SUS), instituído pela Lei nº 8080/90. Atualmente, considera-se que o consumo de álcool e outras drogas é um grave problema de saúde pública, posto que seu uso está diretamente relacionado com o agravamento dos problemas sociais e aumento da criminalidade. Segundo dispõe o Ministério da Saúde (MS): “O enfrentamento desta problemática constitui uma demanda mundial: de acordo com a Organização Mundial de Saúde, cerca de 10% das populações dos centros urbanos de todo o mundo, consomem abusivamente substâncias psicoativas, independentemente da idade, sexo, nível de instrução e poder aquisitivo. Salvo variações sem repercussão epidemiológica significativa, esta realidade encontra equivalência em território brasileiro”.1 Para resolução deste problema é necessário haver o envolvimento de diversos segmentos da sociedade, numa união de esforços do Poder Público com a sociedade civil organizada, a fim de serem alcançados melhores resultados. Neste contexto, desponta o Sistema Único de Saúde, compreendido como o conjunto de ações e serviços de saúde que têm por finalidade a promoção de maior qualidade de vida para toda a população brasileira, que atualmente são ampliados através de uma política de consolidação de cuidados através da implantação de REDES que funcionam de forma regionalizada, hierarquizada e integrada. Reportando-nos ao tema proposto, foi editada a Portaria GM/MS nº 3.088/2011, que dispõe sobre a operacionalização da implantação da REDE DE ATENÇÃO PSICOSSOCIAL para tratamento de usuários/dependentes de álcool e drogas, sobre a qual discorreremos de forma mais detalhada a seguir. A Lei Federal 10.216, sancionada em 6/4/2001, constitui a política de Saúde Mental oficial para o Ministério da Saúde, bem como para todas as unidades federativas. Assim sendo, tal lei também vem a ser o instrumento legal / normativo máximo para a política de atenção aos usuários de álcool e outras drogas, a qual também se encontra em sintonia para com as propostas e pressupostos da Organização Mundial da Saúde. A lei em questão tem diversos desdobramentos positivos possíveis, se aplicada com eficácia, conforme dispõe o MS no manual de aplicação da política tratada. Referida norma passou a garantir aos usuários de serviços de saúde mental – e, consequentemente, aos que sofrem por transtornos decorrentes do consumo de álcool e outras drogas - a universalidade de acesso e direito à assistência, bem como à sua integralidade, (op. cit.). Tal lei institui, em seu artigo 3º, que é responsabilidade do Estado o desenvolvimento da política de saúde mental, a assistência e a promoção de ações de saúde aos portadores de transtornos mentais, com a devida participação da sociedade e da família […]. Entretanto, observamos que muitos dos usuários de drogas são “abandonados” por 1 A POLÍTICA DO MINISTÉRIO DA SAÚDE PARA A ATENÇÃO INTEGRAL A USUÁRIOS DE ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS. disponível em http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/pns_alcool_drogas.pdf sua família, que muitas vezes não suportam o fardo de acolhê-los e não tem condições de oferecerlhes um tratamento digno e que tenham alguma efetividade. Neste sentido, informa o MS que: Torna-se imperativa a necessidade de estruturação e fortalecimento de uma rede de assistência centrada na atenção comunitária associada à rede de serviços de saúde e sociais, que tenha ênfase na reabilitação e reinserção social dos seus usuários, sempre considerando que a oferta de cuidados a pessoas que apresentem problemas decorrentes do uso de álcool e outras drogas deve ser baseada em dispositivos extra-hospitalares de atenção psicossocial especializada, devidamente articulados à rede assistencial em saúde mental e ao restante da rede de saúde. Portanto, considerando-se o aumento gradativo das estatísticas de usuários de drogas em nosso Estado, torna-se imperioso a adoção de medidas urgentes e enérgicas que possibilitem o tratamento destas pessoas, garantindo sua saúde e a consequente manutenção da ordem social. Dentre as medidas elencadas, observa-se no referido texto normativo (Lei 10.216/01, art. 6º, inciso III) a previsão da possibilidade de recorrer-se a alternativas como internações compulsórias como uma das formas de tratamento para estes transtornos mentais, prática atualmente em difusão em outros estados, sobre a qual discorremos no tópico seguinte. Sendo pois, o consumo de drogas um problema de âmbito Nacional, foi instituído pela União o Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas, através do Decreto nº 7.179 de 20 de maio de 2010, com alterações pelo Decreto nº 7.637, de 08 de dezembro de 2011. Referida norma preconiza que “a participação dos Estados, Distrito Federal e Municípios no Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas ocorrerá por meio de termo de adesão”, (art. 5A), e que “para execução do Plano Integrado de Enfrentamento ao Crack e outras Drogas poderão ser firmados convênios, contratos de repasse, termos de cooperação, ajustes ou instrumentos congêneres com órgãos e entidades da administração pública federal, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, com consórcios públicos ou com entidades privadas” ,(art. 7A). 2.2 Da atual política do MS para a atenção integral a usuários de álcool e outras drogas Considerando o contínuo crescimento da problemática posta, o MS instituiu no ano de 2002 as bases de sua política de atenção integral a usuários de álcool e outras drogas, com a edição da Portaria GM/MS nº 816/2002, que instituiu, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), o Programa Nacional de Atenção Comunitária Integrada a Usuários de Álcool e outras Drogas. Esta política passa por contínuas atualizações, sendo a mais recente feita através da Portaria GM/MS nº 3.088/2011, que instituiu a Rede de Atenção Psicossocial para tratamento de usuário de crack, álcool e drogas (AD). Esta medida segue de acordo com as recomendações do Relatório Final da IV Conferência Nacional de Saúde Mental Intersetorial, realizada em 2010 2 , que em suas diretrizes, conclamou o Ministério da Saúde à efetivar ações que garantam a implementação desta política, de forma a proporcionar uma assistência de qualidade, evitando a criminalização dos usuários. Destaque-se que a estratégia atual do MS para garantir a integralidade da assistência consiste em organização de redes assistenciais, cabendo ao Ministério estabelecer os objetivos e diretrizes básicas e financiamento para possibilitar sua implantação nos estados e municípios. Neste sentido, observe-se que a Portaria nº 3.088/2011 dispõe sobre a operacionalização da implantação da Rede de Atenção Psicossocial para tratamento de usuários AD, que se dará pela execução de quatro fases: I - Desenho Regional da Rede de Atenção Psicossocial; II - Adesão e diagnóstico; III - Contratualização dos Pontos de Atenção; e IV - Qualificação dos componentes. Posteriormente, o MS publicou as portarias que disponibilizaram os recursos financeiros para os Estados e Municípios: Portaria GM/MS nº s 130 e 148, de janeiro de 2012. Portanto, observa-se que recursos financeiros federais estão disponíveis para o enfrentamento a esta grave problemática. Inclusive ressalte-se que alguns estados já vem, há algum tempo, implementando políticas eficazes de combate ao problema, com a captação destes recursos, senão vejamos as notícias em destaque: Ministério reforça atendimento em saúde mental com 35 novos CAPS Distribuídas por 15 estados, unidades representam um investimento do Ministério da Saúde de R$ 11 milhões por ano em recursos para funcionamento A estratégia do Ministério da Saúde de enfrentamento ao consumo de álcool e outras drogas e acesso ao atendimento em saúde mental foi reforçada nesta terça-feira (30) com o cadastramento de 35 CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) ao Sistema Único de Saúde. Quinze estados foram contemplados – São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Minas Gerais, Alagoas, Bahia, Sergipe, Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rondônia e Roraima. O recurso federal destinado ao custeio dessas novas unidades é de R$ 11 milhões por ano. 30/03/2010 , às 18h32 disponçpivel em http://portal.saude.gov.br/portal/aplicacoes/noticias/default.cfm? pg=dspDetalheNoticia&id_area=124&CO_NOTICIA=11208 2 Disponível em : http://portal.saude.gov.br/portal/arquivos/pdf/2011_2_1relatorio_IV.pdf Veja aqui os municípios que receberam incentivo antecipado para implantação dos CAPS, nos termos da Portaria GM 245/05, no dia 25 de junho de 2010 (Obs.: mantidos apenas estados do NE), disponível em http://portal.saude.gov.br/portal/saude/visualizar_texto.cfm? idtxt=34946 UF BA BA BA CE CE PB PE PE PE PE PE PI PI Tipo CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS I CAPS II CAPS I Município Utinga Governador Mangabeira Barra Itapajé Jaguaruana Rio Tinto Ipubi Lagoa do Carro Petrolândia Trindade Águas Belas Teresina São Miguel do Tapuio Valor ( R$) 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 20.000,00 30.000,00 20.000,00 Entretanto, em que pese a gravidade do problema posto, e as portarias supra terem sido editadas há mais de 01 ano, nosso Estado não enviou até o presente momento, nenhuma proposta para o Ministério da Saúde, visando efetivar sua adesão nesta importante política, possibilitando assim o aporte de recursos federais para incremento das unidades de saúde que realizem o tratamento necessário aos usuários de drogas. 2.3 Dos tipos de internação. Diferenciação. Posicionamento da Associação Brasileira de Psiquiatria, adotado pelo Conselho Federal de Medicina Conforme citado, a internação psiquiátrica inclusive a compulsória, é estabelecida como tratamento na própria Lei 10.216/01, cabendo-nos esclarecimentos quanto à diferenciação entre as diversas formas desta internação, visto que há confusão entre os termos. Segundo artigo extraído no boletim científico nº 10, da Associação Brasileira de Psiquiatria3: A Lei 10.216, de 6 de abril de 2001², orienta o psiquiatra sobre seu procedimento legal quando necessitar de internar algum paciente de forma involuntária. Inicialmente, no parágrafo único de seu artigo 6º, esta lei trata dos três tipos de internação psiquiátrica, já descritos acima: voluntária, involuntária e compulsória. O artigo 8º, por sua vez, trata, em seus dois 3 http://www.abpbrasil.org.br/boletim/exibBoletim/?bol_id=10&boltex_id=40 parágrafos, dos procedimentos a serem adotados. Quando o psiquiatra proceder a uma internação involuntária, é necessário que o médico responsável técnico da instituição comunique, no prazo máximo de 72 horas, o Ministério Público Estadual. O mesmo procedimento deve ser adotado quando o paciente receber alta hospitalar. A internação involuntária terminará com a alta médica dada pelo psiquiatra responsável pelo tratamento. No entanto, ela poderá também ser interrompida mediante solicitação escrita do familiar ou responsável legal. Cabe comentar que, não raramente, observa-se uma certa confusão por parte dos psiquiatras recém-formados entre a internação involuntária e a internação compulsória. Além de não se tratar de sinônimos, como explicado acima, uma internação involuntária pode não ser compulsória, assim como uma internação compulsória pode não ser involuntária. Para clarear o que foi dito, serão dados alguns exemplos que ilustram situações com as quais o psiquiatra poderá se deparar e como ele deve agir: 1)Internação voluntária: o paciente solicita voluntariamente sua internação. O psiquiatra deve colher dele uma declaração de sua opção por esse regime de tratamento. Quando da alta, se esta for a pedido do paciente, este também deve assinar uma solicitação por escrito. 2)Internação compulsória e involuntária: o juiz determina o procedimento, mas o paciente se recusa a ser internado. Nesse caso, o psiquiatra procede à internação, não precisando comunicar a sua execução ao judiciário. 3)Internação compulsória, mas voluntária: o juiz determina o procedimento e o paciente também deseja a internação. O psiquiatra procede normalmente à internação. 4)Internação involuntária, mas não compulsória: o psiquiatra indica, realiza a internação e comunica ao Ministério Público em um prazo de 72 horas. Este tipo de internação é inclusive reconhecida pela Organização Mundial de Saúde, segundo noticia o governo de São Paulo em reportagem sobre internações compulsórias, que informa: “a OMS considera que o tratamento de dependência de drogas, como qualquer procedimento médico, não deve ser forçado. Admite, porém, que “em situações de crise de alto risco para a pessoa ou outros, o tratamento compulsório deve ser determinado sob condições específicas e período especificado por lei”, conforme divulgado no documento “Principles of Drug Dependence Treatment”, de 2008, em http://www.unodc.org/documents/drug-treatment/UNODCWHO-Principles-of-Drug-Dependence-Treatment-March08.pdf . A Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP), divulgou documento onde estabelece as DIRETRIZES PARA UM MODELO DE ASSISTÊNCIA INTEGRAL EM SAÚDE MENTAL NO BRASIL4, inclusive discorrendo sobre a Lei 10.216/01, de onde extraímos o texto abaixo: A ABP apóia e luta pela reforma do modelo de assistência em saúde mental, bem como pela implementação da Lei 10.216/2001 que infelizmente 4http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/cfm/2010/anexo_diretrizes_em_saude_mental.pdf até hoje não foi efetivada. Pois, no Brasil, há leis que não colam e não se pode admitir que esta seja uma delas. Há muitos anos luta por mudanças, que deveriam ter sido feitas de forma responsável, sem demagogia, sem preconceitos e inseridas numa Política de Saúde mais ampla e que deve ser feita com fundamentação cientifica, com enfoque interdisciplinar e humanístico e com compromisso ético e social. (pág. 16) Com o objetivo de discutir as melhores formas do tratamento da Dependência Química (DQ), é necessário firmar uma premissa que não tem sido suficientemente ressaltada: a DQ é uma doença que é crônica grave e não somente um problema social ou psicológico. […] O importante é a continuidade dos cuidados pelo sistema de saúde. Nesse sentido DQ seria muito próxima de doenças como diabetes, hipertensão e asma. […] Um sistema de tratamento efetivo deveria ter vários tipos de locais onde as ações terapêuticas pudessem ocorrer: • Tratamentos genéricos como relacionados a saúde física geral, assistência social adequada, orientação profissional, • Tratamentos sistematizados ambulatoriais como Terapias Cognitivas, Motivacionais, Treinamentos de Habilidades Sociais, Grupos de Apoio Psicológico, Grupos de auto-ajuda como AA, NA, Amor Exigente, • Tratamentos intensivos e especializados com internações em Hospital Geral, Clínicas Especializadas, Moradias Assistidas para Dependentes Químicos; (pág. 43, sem grifos no original) Impende-se ressaltar que a ABP faz algumas críticas à política atual do MS, que centraliza nos CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial) o atendimento assistencial para pessoas com transtornos mentais diversos, inclusive para dependentes químicos, conforme esclarece no documento citado sobre as diretrizes para um modelo de assistência integral, senão vejamos: Embora a ABP discorde do modelo anterior, centrado no hospital ou reduzido a ele,também não concorda com o modelo atual centrado no CAPS e, praticamente reduzido a ele. Porque ambas as reduções são insuficientes para atender às necessidades dos doentes. Deve-se criar uma rede integral de atenção em Saúde Mental, não se resumindo a um único tipo de serviço. As formas que os serviços adotarem devem ser determinadas pela necessidade e as possibilidades dos pacientes. Os doentes devem ter garantia de acesso a todos os tipos de atendimento de acordo com a suas necessidades e com a demanda real de cada coletividade. (pág 20) Por fim informamos que o Conselho Federal de Medicina, (CFM), adotou o modelo de assistência integral na forma preconizada pela ABP, como instrumento norteador das políticas de saúde mental no país, conforme Resolução CFM nº 1952/2010 de 07 de julho de 2010. 2.4 Da Política de internação compulsória em outros municípios da Federação. Atuação em São Paulo e no Rio de Janeiro Neste tópico iremos demonstrar como outros estados da federação estão enfrentando o problema, mais especificamente quanto à politica de internação compulsória adotada no Estados de São Paulo e do Rio de Janeiro. Conforme notícias extraídas do portal do Governo do estado de São Paulo 5, O governo criou medidas para o cumprimento mais eficiente da lei federal 10.216/01. No dia 11 de janeiro de 2013, o Estado de São Paulo viabilizou uma parceria inédita no Brasil entre o Judiciário e o Executivo, entre médicos, juízes e advogados, com o objetivo de tornar a tramitação do processo de internação compulsória (já previsto em lei) mais célere, para proteger as vidas daqueles que mais precisam. As famílias com recursos econômicos já utilizam esse mecanismo (internação involuntária) para resgatar os seus parentes das drogas. O que o Estado está fazendo, em parceria com o Judiciário, é aplicar a lei para salvar pessoas que não têm recursos e perderam totalmente os laços familiares. Essas pessoas estão abandonadas, e é obrigação do Estado tirá-las do abandono. A presença do Judiciário vai aumentar as garantias aos direitos dos dependentes químicos. Segundo informações do Governo de SP, a internação compulsória não é uma medida nova, já estando em prática desde o ano de 2009, quando foram confirmados mais de 300 casos deste tipo de internação no período de 2009/2012, segundo dados da Secretaria Municipal de Saúde, através da Operação denominada “ Centro Legal”. Observe-se, porém, que em SP há uma oferta de leitos públicos para internação, tanto voluntária quanto compulsória, sendo também noticiado pelo governo a ampliação destes leitos: Atualmente a Secretaria de Estadual de Saúde mantém 691 leitos públicos para dependentes químicos, dos quais 209 foram implantados na atual gestão (aumento de 43%). Outros 488 novos leitos estão em processo de implantação e devem estar disponíveis até o final de 2014, quando o Estado contará com 1.179 leitos. O Governo de São Paulo foi o primeiro do Brasil a criar clínicas com leitos públicos para internação de dependentes, processo que começou em 2010. Todos estes leitos são financiados com recursos exclusivos do governo do Estado, sem a participação do governo federal. 5 http://www.saopaulo.sp.gov.br/spnoticias/lenoticia.php?id=225660&c=550&q=entenda-o-que-u-a-internauuocompulsuria-para-dependentes-quumicos Embora amplamente divulgado que haveria internações compulsórias quando necessárias naquele Município, observa-se que não foram registradas, até o momento, ocorrências deste tipo na cidade de São Paulo. Porém, registre-se que o alcance dos resultados deste programa é medido através da procura voluntária dos usuários que cresceu, provavelmente, motivada pela intensificação de informações quanto aos serviços postos à disposição da população, conforme abaixo: PROGRAMA PARA DEPENDENTES COMPLETA 1 MÊS SEM INTERNAÇÃO COMPULSÓRIA 6 Apesar da controvérsia sobre a possibilidade de viciados serem internados por ordem da Justiça contra a própria vontade, não foi registrado nenhum caso desse tipo. Mas a procura de tratamento aumentou de 30 por semana para 60 dependentes químicos, por dia. […] Desde o dia 21 de janeiro, 261 viciados foram internados em hospitais, a maioria por vontade própria. Dezessete, de forma involuntária, ou seja, a pedido da família e com aprovação médica. Mesmo sem autorizar nenhuma internação compulsória, os juízes e promotores têm trabalhado bastante, fiscalizando os serviços prestados pelas equipes de saúde. Em alguns casos, eles tiveram que interferir para garantir a internação do dependente. Um programa similar ao de SP, com intensificação de internações compulsórias de usuários de crack também está sendo implantado no Rio de Janeiro, porém, neste município podemos observar que há o problema de insuficiência de leitos e locais de tratamento adequados, havendo inclusive, recomendações do Ministério Público daquele Estado para que primeiro, sejam sanados tais problemas. Vejamos o teor da notícia publicada em 22/02/13: A prefeitura do Rio de Janeiro age de forma ilegal desde a última terça-feira (19/02/13), quando tiveram início as internações compulsórias dos usuários de crack, uma vez que não possui centros de atendimento especializados suficientes para o tratamento dos dependentes. Esta é a opinião do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro (MP-RJ), que, após reunião com as secretarias municipais de Saúde e Assistência Social, fez uma série de recomendações documentadas a fim de aprimorar a questão de saúde pública no município. "A prefeitura age fora da lei quando ela não tem o número correto de CAPS (Centros de Atendimento Psicossocial) e unidades de atendimento especializado para estas operações", explicou a promotora de Justiça, da Saúde e Cidadania, Anabelle Macedo Silva. "Não houve recomendação para que as operações parem, e sim, que haja a ampliação da rede de saúde", complementou. De acordo com o MP-RJ, o recomendável para a realização da medida da internação compulsória seria que o Rio de Janeiro pudesse oferecer aos 6 http://www.regiaonoroeste.com/portal/materias.php?id=45224 usuários, pelo menos, 50 Caps AD, que são os Centros de Atendimento Psicossocial para dependentes de álcool e drogas, local onde os viciados podem pernoitar, por exemplo, e se manter em internação. Hoje, o Rio de Janeiro conta apenas com três unidades do tipo. "A internação compulsória só deve ser usada como medida última, quando não for possível a realização da saúde mental, como os Caps, que no Rio de Janeiro são em pequeno número e necessitam de expansão. São dispositivos ainda deficitários em nossa cidade", esclareceu ainda a promotora, que na coletiva de imprensa aos jornalistas realizada na tarde desta sexta-feira, na sede do MP-RJ, no centro do Rio, elencou quatro medidas a serem tomadas pelas autoridades de saúde do município. O primeiro item do documento, que trata da ampliação da rede, chama a atenção ainda para a necessidade de "leitos hospitalares especializados no atendimento em saúde mental em hospitais gerais". No segundo tópico, a questão da excepcionalidade da internação psiquiátrica deve ter "foco permanente na reinserção integral ao usuário, incluindo assistência social, atendimento psicológico, terapias ocupacionais e lazer". disponível em http://noticias.terra.com.br/brasil/mp-rj-com-atendimento-insuficienteinternacao-compulsoria-eilegal,ffd1b95d7e30d310VgnVCM20000099cceb0aRCRD.html 2.5 DO SISTEMA NACIONAL DE POLÍTICAS PÚBLICAS SOBRE DROGAS - SISNAD Merece menção ainda, como norma aplicável ao tema, a Lei nº 11.343/2006, que instituiu o Sistema Nacional de Políticas Públicas sobre Drogas – SISNAD, regulamentada pelo Decreto nº 7.179/2010, com alterações pelo Decreto nº 7.737/2011. Referidos instrumentos subsidiaram o PROJETO “CRACK, ÁLCOOL E OUTRAS DROGAS NO RN: QUALIFICAÇÃO, ARTICULAÇÃO E INTERSETORIALIDADE”, elaborado em junho/2012 e apresentado pela Secretaria de Estado da Saúde Pública à Coordenação do projeto RN vida, por ocasião de reunião realizada em 25/10/2012 na Procuradoria Geral de Justiça. Observa-se no referido texto legal, em seu artigo 4º, que um dos princípios do SISNAD é promover a articulação com órgãos como o Ministério Público, Poderes Legislativo e Judiciário visando à cooperação mútua de suas atividades. E ainda dispõe o artigo 23, ao tratar sobre as atividades de atenção e de reinserção social de usuários ou dependentes de drogas, que as redes dos serviços de saúde da União, dos Estados, do Distrito Federal, dos Municípios desenvolverão programas de atenção ao usuário e ao dependente de drogas, respeitadas as diretrizes do Ministério da Saúde e os princípios explicitados no art. 22 desta Lei, obrigatória a previsão orçamentária adequada. Sem deixar de enaltecer a importância da execução do Projeto Crack e outras Drogas, apresentado pela SESAP, chamamos a atenção para a necessidade de fortalecimento da rede de atenção psicossocial em nosso estado, já que o projeto apresentado contempla apenas a realização de treinamento e capacitação, apesar de destacar em seus objetivos a necessidade de “Fortalecer a rede de Assistência em Saúde Mental, Álcool e outras Drogas”. Verifica-se na Portaria nº 3.88/2011, que institui a Rede de atendimento a usuários de AD que tal Rede é constituída de diversos componentes (art.5º), estando o treinamento e capacitação contemplados no referido projeto inserido em apenas um deles. Verifica-se a necessidade urgente de ações que garantam este fortalecimento, visto que recebemos frequentemente consultas das promotorias do interior sobre a precariedade dos serviços relativos, especialmente quanto aos problemas estruturantes para implantação dos CAPS. No município de Natal, destaque-se os problemas enfrentados no único hospital psiquiátrico do estado, o João Machado. Passaremos agora a apresentar a situação em nosso Estado quanto à estrutura existente na assistência para os pacientes com dependência em álcool e drogas. 2.6 Da Realidade em nosso Estado. Insuficiência de Leitos para pacientes que necessitam de tratamento por dependência em AD. Acordo (não cumprido) realizado em audiência na Ação Civil Pública nº 0021954-58.2009.8.20.001 para ampliação de tais leitos Conforme exposto acima, verifica-se que a política de atenção a usuários de álcool e outras drogas está bem normatizada, e que outros Estados já estão avançados na implementação desta política, ampliando sua rede de serviços. Porém, tal realidade não alcança ainda nosso Estado, havendo a necessidade de fortalecer esta política, com maior envolvimento dos atores executores, como a Secretaria Estadual de Saúde e as Municipais, especialmente a SMS-Natal. Como ponto inicial de apresentação da realidade no RN, informe-se que tramita na 3º Vara de Fazenda Pública uma Ação Civil Pública, processo nº 0021954.2009.8.20.0001, na qual foi realizado acordo em junho de 2012, nos seguintes termos: Ficou estabelecido na audiência que o Município de Natal, até o final de outubro de 2012 retirará 11 pacientes que residem no Hospital João Machado para o programa de residências terapêuticas – Moradia Assistida, ficando os servidores que trabalhavam com estes residentes para trabalhar nos 08 leitos do João Machado de tratamento AD. Se até o final de outubro o Município de Natal não conseguir implantar o programa, trará aos autos um plano de disponibilização de recursos humanos para abrir os 08 leitos de AD feminino. […] Com relação ao atendimento da rede de urgência e Emergência, o Município de Natal se compromete, até o final de ano de 2012 de concluir o processo de licitação quanto as reformas do Caps Zona Norte para transformá-lo em 24 horas com 10 leitos e o Aptad Zona Sul para transformá-lo em Caps 24 horas Ad zona sul. Apresentar o plano de rede de saúde mental do Município de Natal, no prazo de 15 dias, remetendo cópia para o Processo e para o Ministério Público. Com relação ao Estado do RN, foi feita a reforma, e se compromete que com a retirada dos 11 residentes, permaneçam os servidores necessários para abrir os 08 leitos de Ad feminino. Entretanto, realizada inspeção no referido hospital por este CAOP, em 25 de janeiro de 2013, verificou-se que não houve o cumprimento dos seguintes itens: • os 11 pacientes que deveriam ser transferidos para o programa de residências terapêuticas permanecem lá, e agora são 13 os pacientes em tal situação; • os 08 leitos femininos para pacientes AD jamais foram implantados e, apesar de ter sido realizada uma reforma (pelo Estado) na ala onde seriam instalados os leitos, a direção informou que os leitos não foram abertos por falta de pessoal ( que ficou acordado ser de responsabilidade do Município de Natal); • PLANO DE SAÚDE SMS-NATAL – Não foi entregue; • Reformas dos CAPS AD – não realizadas. Portanto, observa-se que hoje, no Hospital Estadual João Machado, existe a disponibilidade de apenas 08 leitos para tratamento de pacientes com problemas de AD, sendo estes apenas masculinos, restando insuficiente este quantitativo para o crescente número de usuários em nosso estado. 2.7 Atual política no RN – do Projeto RN VIDA O projeto RN VIDA apresenta-se como uma importante ação para o combate às drogas em nosso Estado, entretanto, observa-se um maior enfoque de suas ações quanto à prevenção do uso de drogas. Por todo exposto neste documento, verifica-se que diversos são os componentes que constituem os cuidados necessários para o enfrentamento da problemática posta. O fortalecimento da Rede de Atenção Psicossocial deve ser priorizado, pois os cuidados devem ser de maior amplitude, incluindo com tratamento terapêutico, acesso a medicamentos necessários, internação quando preciso, assistência à família dos DQ, dentre outros. Quanto ao aspecto da internação compulsória, apesar de ser uma linha de tratamento utilizada, verifica-se não haver estrutura necessária para condução de tal política em nosso Estado, pois resta comprovada a insuficiência de leitos para promover até as internações voluntárias. 3 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Constituição Federal atribui ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, consoante previsão do artigo 127. Ao tratar dos direitos sociais, nossa Carta Magna determina serem “de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle”, a fim de garantir o pleno direito à saúde preconizado no art. 196. Neste contexto, verificamos ser de vital importância o papel do Ministério Público, se não como responsável direto pela formulação de políticas públicas, pelo menos como instituição vocacionada para a proteção e promoção da cidadania. Observa-se por todo país que aumenta o número de pessoas portadoras de transtornos mentais, inclusive dependentes do uso de álcool e outras drogas, seja pela necessidade de acompanhamento e fiscalização das ações governamentais voltadas para este público, seja pelo necessário acompanhamento das famílias e dos pacientes em estado de vulnerabilidade social. Importante ressaltar que o objetivo da atuação ministerial, na tutela coletiva ou na individual, é sempre a proteção e o cuidado da pessoa, mediante a efetivação de direitos, conforme expõe o Ministério Público do Rio de Janeiro, em elucidativo material sobre o tema7. Desta forma, considerando a insuficiência de leitos para tratamento de DQ em nosso Estado, assim como o grave quadro de desassistência aos pacientes com este tipo de transtornos, entendemos que não há possibilidade de recorrer-se a política de “internação compulsória”, havendo primordialmente a necessidade de que o Estado e os Municípios, especialmente o de Natal, apresentem planos efetivos para cumprimento às disposições normativas do Ministério da Saúde relativas ao problema posto, inclusive elaborando os projetos necessários à 7 Cartilha MINISTÉRIO PÚBLICO E TUTELA À SAÚDE MENTAL_MPRJ disponível em: http://msm.mp.rj.gov.br/wp-content/uploads/2013/01/cartilha_saude_mental_versao_final.pdf expansão da Rede de Atenção Psicossocial em nosso Estado, especialmente quanto à ampliação de serviços como os CAPS e de aumento de leitos no Hospital João Machado, cabendo ao Ministério Público atuação intersetorial para apoiar a implantação de tais medidas. Considerando a importância desta atuação, o Ministério Público Estadual desenvolveu o “PROJETO CUIDAR” , voltado para implantação, fortalecimento e ampliação de rede de atenção psicossocial em nosso Estado, para o qual já houve a adesão de 22 comarcas. Na certeza da contribuição para o esclarecimento do tema, o CAOPCid reitera a disposição para apoiar no que se fizer necessário. Natal, 27 de fevereiro de 2013. Romy Christine N. S. Costa Assistente ministerial Iveluska Alves Xavier da Costa Lemos Promotora de Justiça Coordenadora do CAOP Cidadania