O surgimento de holófrases na fala de uma criança Autora: Ana Lúcia de Mattos Barguil Orientadora: Evani Viotti USP - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas - Depto de Linguística Objetivos O objetivo do trabalho é descrever as situações de interação em que surgem as primeiras holófrases, identificar a intenção comunicativa associada a elas, os tipos de palavras que são usados e se o uso das holófrases se modifica com o passar do tempo. As holófrases são consideradas pacotes semântico-pragmáticos que expressam uma intenção comunicativa, e são a primeira forma de comunicação linguística da criança. A base teórica para o projeto é a teoria de aquisição de língua baseada no uso, e para esse modelo teórico, a construção do conhecimento linguístico vem do uso e é integrado ao desenvolvimento de habilidades cognitivas e sociocognitivas, tais como a leitura de intenção e identificação de padrões, que devem ser adquiridas para que ocorra o surgimento da fala. Métodos/Procedimentos A descrição do contexto de surgimento das holófrases foi feita a partir do corpus RSS, constituído de vídeos de uma criança gravados a partir da idade de 9 meses e 15 dias. Para a transcrição dos vídeos, foi utilizado o programa ELAN, que permite a criação de trilhas específicas para cada aspecto da gravação considerado relevante. Para esta pesquisa, foram criadas trilhas para comentários sobre a situação de interação e uma para a fala de cada participante da gravação - a criança e os adultos que interagem com ela. Foram utilizados vídeos entre as idades de 0;11;20 e 1;3;21. Resultados A primeira ocorrência de uma palavra é aos 0;11;20, única nesse período. As palavras surgem de fato com 1;0;7. A partir de 1;0;14, a relação triádica fica mais evidente, pois a criança direciona o olhar para o adulto, manifestando sua intenção comunicativa. Os tipos de palavras identificados no período analisado foram substantivos, pronome, verbo e advérbio. De 0;11;20 a 1;1;26, a criança utilizou apenas substantivos. Aos 1;2;24, foi usado um pronome demonstrativo de forma isolada, cujo uso se consolida aos 1;3;21. Nessa idade surgem os primeiros verbos, substantivos foneticamente mais complexos (relógio e máscara) e também dois advérbios, cujo uso é em um contexto bem específico, abrindo e fechando uma caixa. A criança alterna “Ede” e “Ati”, como se brincasse de “Cadê? Aqui!”, e parece ainda não ter entendido que deve haver sincronia entre a fala e a ação, pois fala “Ede” e “Ati” com a caixa aberta ou fechada, indistintamente. Algumas palavras podem ser consideradas como holófrases, pois expressam uma intenção comunicativa: “gol”, quando a criança pede ou mostra a bola; “luz”, ao pedir para acender a luz; “descer”, indagando se pode descer a escada e pedindo para descer da cama ou do colo do adulto; “acabou”, quando fecha uma caixa; “cadê/aqui”, ao brincar de abrir e fechar uma caixa; “relógio”, ao pedir que o adulto coloque o relógio. As demais palavras, quando produzidas em relação triádica, parecem ter uso referencial, para mostrar o objeto. Conclusões Algumas palavras podem ser consideradas holófrases, por expressarem intenção comunicativa e serem usadas em relação triádica com o adulto, e isso pode estar relacionado ao uso da habilidade de leitura de intenção. As intenções comunicativas identificadas nos contextos de uso são mostrar um objeto, fazer uma indagação e fazer um pedido. O uso de algumas palavras evoluiu ao longo do tempo, e a mudança está relacionada ao grau de especificidade do referente: primeiro é mais genérico, depois, mais específico. Referências Bibliográficas TOMASELLO, Michel. Constructing a Language: A Usage-Based Theory of Language Acquisition. Cambridge: Harvard University Press, 2003.