Ingrid Louback de Castro Moura

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IV Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade ISSN 1982-3657
A PERDA DA IDENTIDADE DOCENTE NO TELENSINO CEARENSE
Ingrid Louback de Castro Moura1
Universidade Federal do Ceará (UFC)
[email protected]
RESUMO
O presente trabalho tem como objetivo analisar a perda da identidade docente durante o
período de utilização do sistema de telensino no Ceará, haja vista que a adoção dessa
prática como padrão durante muitos anos na educação cearense trouxe consequências
tanto para a qualidade do ensino ofertado, quanto para o trabalho do professor, que viu
sua identidade profissional sendo perdida. Atualmente, o sistema não é mais utilizado
nas escolas do Ceará, contudo, sua utilização deixou marcas na educação cearense e
provocou prejuízos para muitos dos professores que trabalharam com esse sistema. Os
resultados permitiram concluir que no sistema de telensino, o que houve foi uma troca
do professor pelo aparelho de televisão, tornando o docente um operador da máquina e
trazendo como consequência a perda da identidade desse profissional.
Palavras-Chaves: Telensino, Precarização do Trabalho, Identidade Docente.
RÉSUMÉ
Cette étude a eu comme but analyser l’utilisation de l’enseignement par télévision et
son rapport avec la perte d’identité des professeurs. L’enseignement par télévision a été
utilisé comme un système standard pendant des années dans le système éducatif de
l’Etat du Ceará. A présent, ce système n’est plus utilisé par les établissements scolaires
au Ceará, pourtant son utilisation a laissé ses marques dans l’Éducation de l’État et a
rendu des préjudices à beaucoup de professeurs qui ont travaillé avec lui. Au long de
cette recheche, nous avons interviewé des professeurs qui ont travaillé avec ce système
et nous avons constaté des sentiments qui montrent la dévalorisation, l’angoisse et
l’épuisement physique et psychologique des enseignants, fait qui indique la
précarisation dans leur travail.
Mots-clés: Enseignement par télévision, précarisation du travail, identité des
enseignants.
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Mestre em Educação. Professora Substituta do Departamento de Teoria e Prática do Ensino da
Universidade Federal do Ceará.
IV Colóquio Internacional Educação e Contemporaneidade ISSN 1982-3657
Introdução
O sistema de telensino foi implantado no Estado do Ceará em 1974. Com a
universalização desse sistema, em 1993, o telensino passou a ser obrigatório em todas as
instituições de 1º grau da rede estadual, revertendo a situação anterior em que as
maiores usuárias do sistema eram as escolas municipais e substituindo o ensino
convencional.
O presente trabalho analisa o telensino e seus impactos sobre a perda da
identidade docente, tendo em vista que esse sistema foi utilizado como padrão durante
muitos anos na educação do Estado do Ceará e trouxe consequências tanto para a
qualidade do ensino ofertado, quanto para o trabalho do professor.
A exposição desse estudo será apresentada em dois tópicos: Os profissionais do
telensino cearense e Evidências da perda da identidade docente no telensino.
Os profissionais do telensino
O sistema de telensino no Ceará foi implantado no ano 1974, seguindo uma
tendência que já se manifestava em outros Estados do país, como São Paulo, que
implantou a TV educativa em 1967; Pernambuco, em 1968; Maranhão, em 1969 e
Amazonas, que passou a utilizar a TV na Educação a partir de 1971 (VIEIRA, 2002).
Sua implantação, na década de 1970, refletiu o momento de efervescência das
ideias tecnicistas, as quais têm por base os princípios da racionalidade técnica e da
eficiência produtiva segundo os moldes capitalistas (BRANDÃO, 2003 p. 41). Sob essa
ótica, o planejamento e a execução da Educação eram realizados por pessoas diferentes,
em momentos distintos, deixando o professor excluído desse processo.
Para a execução dessa prática educativa havia, em sala de aula, um profissional
que não se caracterizava por ser um professor, visto que dele não se exigia a formação
profissional e o conhecimento dos conteúdos compatíveis com as áreas em que estaria
atuando (BARRETO, 2002). Era o Orientador de Aprendizagem (OA), cuja função era
“enriquecer e facilitar as trocas” (CAMPOS, 1983, p. 58).
Essa compreensão de que o profissional que se encontrava em sala de aula não
estava ali para ensinar, pois estes conteúdos eram transmitidos pela televisão, coloca o
Orientador de Aprendizagem na condição de um mero operador do aparelho de TV,
atribuição que o tornava o docente do telensino.
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O sistema de telensino dispunha de uma equipe composta por profissionais das
áreas de comunicação e Educação. Os responsáveis pela elaboração dos módulos a
serem transmitidos via televisão e também pelos materiais impressos (Manuais de
Apoio e Caderno de Atividades) eram os chamados professores-autores ou professorprodutor, com quem, segundo Barreto (2002, p. 37) ficava “toda a responsabilidade pelo
domínio dos conteúdos que chegavam à sala de aula”.
De acordo com Rubens Linhares da Páscoa, que nessa época era membro da
equipe diretora da TV Educativa, em entrevista ao Jornal Tribuna do Ceará publicada na
edição do dia 21 de fevereiro de 1979, esses membros da equipe pedagógica da TV
Educativa, ao elaborarem os manuais, módulos e aulas integradas estavam “procurando
atender as necessidades regionais e uma tecnologia educacional a serviço do
aprimoramento da relação ensino-aprendizagem”.
A função de transmitir a mensagem produzida pelo professor-produtor era do
apresentador. Sobre a escolha desse profissional, Campos (1983, p. 57) afirma que:
Na experiência da TV do Ceará, se procurou com cuidado, para
apresentadores, pessoas que fossem comunicadoras com qualidades
estéticas, artísticas e didáticas, boa dicção e que soubessem melhor
que ninguém, embrulhar em papel de presente, o conteúdo às vezes
difícil, [grifo nosso] que iria ser recebido e discutido pelo aluno com
o orientador de aprendizagem na telessala.
A citação acima traz a referência de que o apresentador deveria “embrulhar em
papel de presente” o conteúdo para que não parecesse tão difícil, na tentativa de tornar a
exibição destes mais atraentes. Esta afirmação evidencia, no entanto, uma preocupação
maior com a estética do que com a compreensão efetiva dos conteúdos que seriam
apresentados aos educandos.
De acordo com um documento publicado pela Fundação Getúlio Vargas em
convênio com o PRONTEL (1978), o apresentador da teleaula tinha como objetivos em
sua ocupação:
Introduzir os tópicos principais do conteúdo dos programas; discorrer
sobre os respectivos tópicos; estimular o debate dos assuntos em
foco; dinamizar o espetáculo; improvisar situações, sempre que
necessário; participar de programas como entrevistador.
Em sala de aula, havia um profissional que não se caracterizava por ser um
professor, visto que dele não se exigia a formação profissional e o conhecimento dos
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conteúdos compatíveis com as áreas em que estaria atuando (BARRETO, 2002). Era o
Orientador de Aprendizagem (OA), cuja função era “enriquecer e facilitar as trocas”
(CAMPOS, 1983, p. 58).
Esse profissional é definido por Campos (1983, p. 57) como:
O orientador de aprendizagem coordena o trabalho da recepção com
os alunos. Ele não é uma máquina de dar aulas, mas um elemento que
cria condições adequadas para que o telealuno queira algo,
compreenda, faça algo e tenha resultados. É o profissional que
orienta, dinamiza e acompanha a aprendizagem na recepção. O
orientador de aprendizagem presente à sala de aula, catalisador como
regente de orquestra e consciente como um educador que sabe e não
sabe, e jamais como um instrutor polivalente que sabe tudo, não
permitirá que se caia numa espécie de espontaneísmo pedagógico a
que o ensino pela televisão como muitos pensam conduz
necessariamente.
Diante de tal definição feita por Campos (1983), para o Orientador de
Aprendizagem percebe-se o excesso de responsabilidade desse profissional em sala de
aula. O professor do sistema de telensino era mais um trabalhador que em seu local de
trabalho desempenhava inúmeras funções para que a programação seguisse de acordo
com o planejado e fornecesse os frutos desejados.
No Caderno de Capacitação do Telecurso 2000, encontramos listadas as funções
do profissional que se encontrava na telessala. De acordo com esse documento, o
professor tinha como deveres:
•
Conhecer o conteúdo e o material de todo curso e de cada aula;
•
Planejar as atividades que vão ajudar o aluno a aprender o
conteúdo das aulas;
•
Organizar e planejar semanalmente as suas aulas, de modo que
a elas possam ser incorporadas novas situações e as avaliações feitas
no dia-a-dia;
•
Adequar os conteúdos trabalhados no material didático ao
cotidiano do aluno e complementar sempre que possível;
•
Aplicar, periodicamente, instrumentos de avaliação;
•
Identificar necessidades de correção e reforço (FUNDAÇÃO
ROBERTO MARINHO, 1999, p. 20).
Além de desempenhar essas funções, segundo o Caderno de Capacitação do
Telecurso 2000, o professor presente na telessala deveria apresentar características
como: pontualidade, assiduidade, interesse, perseverança, aceitar desafios e formas
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alternativas de Educação, além de estar disponível para participar de capacitações,
reciclagens e reuniões. O que novamente constitui a exemplificação de cobranças por
atributos subjetivos e por competências múltiplas a esse profissional.
No edital de seleção para contratação de Orientador de Aprendizagem para a TV
Educativa, publicado na edição do dia 23 de janeiro de 1974 do Jornal Tribuna do Ceará
e assinado pelo então Secretário de Educação Murilo Walderk Menezes de Serpa, foram
ofertadas 125 vagas, sendo 60 para Fortaleza e 65 para cidades do interior (Maranguape,
Beberibe, Cascavel, São Gonçalo, Paracuru, Aquiraz, Caucaia e Pacajus). Para tornar-se
um Orientador de Aprendizagem, o candidato deveria ter no mínimo 18 e no máximo 35
anos. Além disso, o candidato selecionado na primeira fase deveria, obrigatoriamente,
participar do treinamento com frequência mínima de 90%.
A respeito dos cursos de formação, Braga (1997, p. 11), ao participar de um,
anota o fato de que:
A equipe responsável pelo curso afirmava que o orientador de
aprendizagem não iria dar aulas e sim orientá-las, pois a aula seria
dada pela TV; portanto, ele não precisaria ter conhecimentos em
todas as disciplinas e que cada sala deveria estar equipada para que a
aula se realizasse de acordo com a metodologia do telensino.
Segundo o edital divulgado do concurso, dos 300 participantes apenas 195
seriam aproveitados: 125 para a rede estadual e 70 para a Fundação Educacional de
Fortaleza. Como critérios de seleção, deveria ser analisada a pontuação adquirida em
atividades de classe; o interesse e a sensibilidade pelo trabalho que seria executado pela
TV Educativa. Contudo, ao final do treinamento realizado no Colégio João Piamarta da
Avenida Aguanambi, em Fortaleza, todos os 300 participantes do treinamento para
Orientadores de Aprendizagem foram aproveitados pela Secretaria de Educação do
Estado e do Município. No entanto, apenas a quantidade divulgada no edital foi
aproveitada no primeiro semestre, ficando o restante para contratação à medida que
novas salas de aula da TVE fossem instaladas.
Entre a equipe responsável pela produção das aulas e material de apoio e o
Orientador de Aprendizagem estava o supervisor. Esse profissional, segundo Campos
(1983, p. 58-59), realizava um trabalho que:
ocupando os espaços vazios numa comunhão de colaboração para que
todos os envolvidos no processo se sintam realmente sujeitos,
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participando, criticando ou recriando. (...) Na busca constante de abrir
espaços para educar sujeitos, o seu trabalho consiste,
prioritariamente, não em fiscalizar colegas, mas em ser traço de união
entre o complexo receptor e os complexos comunicador e
comunicante, de modo que todos se motivem para a ampliação do
debate.
De acordo com uma declaração da presidente da Fundação Educacional do
Ceará na época, Antonieta Cals, publicada na edição do dia 29 de janeiro de 1974 do
Jornal Tribuna do Ceará, a grande preocupação que envolvia a filosofia de Educação
com a TV Educativa era “a utilização de um instrumento de massa, sem a massificação
daqueles que serão por ele atingidos”. Seu surgimento no Ceará justificava-se pelo
objetivo de desenvolver os programas educacionais, marcando de maneira decisiva o
aumento da escolarização do Estado.
Para Maria Edilma Vieira de Alexandria, supervisora, no ano de 1979, da Escola
Vicente Fialho, também em entrevista ao Jornal Tribuna do Ceará, o objetivo da
teleducação era “ter um sistema de ensino para suprir a carência de pessoal
especializado, ter ensino de melhor qualidade, didaticamente falando e ter um ensino
cujas despesas fossem menores”. Declaração que deixa clara, mais uma vez, a intenção
de reduzir os custos com a Educação, com a implantação do sistema de telensino no
estado do Ceará.
Evidências da perda da identidade docente no telensino
Durante esse estudo, a partir da análise do conteúdo das entrevistas realizadas
com os professores que trabalharam no sistema de telensino, pudemos verificar diversos
elementos que evidenciam a precarização do trabalho docente nesse sistema. Entre estes
fatores, a perda da identidade docente foi evidenciada em muitos relatos. Para melhor
compreensão, discutiremos a perda da identidade docente através da exposição de
alguns relatos dos sujeitos entrevistados e lembramos que todos os nomes utilizados são
fictícios.
Durante a realização dessa prática educativa a atividade docente foi marcada
por características específicas. A primeira delas era a presença do aparelho de televisão
como encarregado pela transmissão dos conteúdos curriculares. A segunda era a
presença na telessala do Professor Orientador da Aprendizagem como profissional
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polivalente, responsável pela orientação de todos os conteúdos, de diferentes
disciplinas, apresentados pela televisão, independente de sua formação.
A polivalência compulsória no sistema de telensino provocou uma sensação de
estresse e desconforto entre os profissionais atingidos, haja vista que essa imposição fez
com que os docentes fossem obrigados a trabalhar com disciplinas que não se
identificavam e tampouco dominavam. Dificuldade relatada no depoimento abaixo:
É porque você... eu passei a vida inteira, já tava com 14 anos que
trabalhava dando aula de ciências, aí de repente eu tinha que dar aula
de matemática, tinha que dar aula de português, redação, essas coisas,
como dizer, ficou muito difícil pra gente lidar com todas as disciplinas
(Roberta).
Ante tal realidade, os professores se viram obrigados a enfrentar o desafio de
esclarecer dúvidas e orientar a aprendizagem de disciplinas jamais estudadas, sem
receber nenhum tipo de preparação. Essa situação, além de caracterizar a perda de
identidade docente, obrigou o educador a desenvolver estratégias de enfrentamento das
dificuldades vivenciadas. Situação revelada nos depoimentos das professoras Roberta,
Vanessa e Marisa.
Eu cansei de pagar professores para resolver minhas aulas de
matemática, pra mim poder repassar para meus alunos. Cansei de
fazer isso e muitas vezes eu chamei professor pra vir dar aula por
mim, porque eu não sabia dar aula que realmente tinha quer dar para
os alunos e minha consciência pesava de eu ver que não estava
repassando que eles necessitavam. Paguei pra trabalhar, paguei do
meu bolso, tanto pra resolver os exercícios quando eu tinha muita
dificuldade ou pagava o professor pra vir dar aula por mim. Foi uma
situação difícil! (Roberta).
E o pior era o Inglês! Que eu sabia só o “I love you” e olhe! Que que
eu fazia? Pegava o caderno e ia para a casa de uma sobrinha que sabia
inglês e eu dizia: minha filha, pelo amor de Deus, como é isso aqui?
Aí em cima eu copiava a pronúncia. E aí, eu chegava em sala de aula e
ia ensinar a pronúncia que a minha sobrinha tinha me ensinado.
Porque treinamento nenhum eu tive (Vanessa).
Eu ficava até depois da aula. Aí, me juntava, esperava o pessoal da
tarde chegar, antes de começarem as aulas da tarde, a gente
conversava, né? Aí aquele pessoal da tarde tinha gente que dominava
mais matemática, dominava mais português e já tinha dificuldades em
geografia e história, ai a gente procurava tirar, a gente procurava fazer
tipo um intercâmbio, né? (Marisa).
Sabemos que a sala de aula é cheia de eventualidades, o que torna o ensino uma
atividade complexa e “uma prática social concreta, dinâmica, multidimensional,
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interativa, sempre inédita e imprevisível. É um processo que sofre influências de
aspectos econômicos, psicológicos, técnicos, culturais, éticos, políticos, institucionais,
afetivos, estéticos” (PASSOS, 2000, p. 1).
Essas características tornam o planejamento extremamente importante para que
o professor possa adaptar sua atividade às características de seus alunos. Além disso,
como destacado por Libâneo (1992), planejar tem um sentido político e o professor que
não planeja suas aulas fica entregue aos caminhos estabelecidos pelas classes
dominantes.
O planejamento é um processo de racionalização, organização e
coordenação da ação docente, articulando a atividade escolar e a
problemática do contexto social. A escola, os professores e os alunos
são integrantes da dinâmica das relações sociais; tudo o que acontece
no meio escolar está atravessado por influências econômicas,
políticas e culturais que caracterizam a sociedade de classes. Isso
significa que os elementos do planejamento escolar – objetivos,
conteúdos, métodos – estão recheados de implicações sociais, têm um
significado genuinamente político. Por essa razão, o planejamento é
uma atividade de reflexão acerca das nossas opções e ações; se não
pensarmos detidamente sobre o rumo que devemos dar ao nosso
trabalho, ficaremos entregues aos rumos estabelecidos pelos
interesses dominantes na sociedade (P. 222).
Destacamos a importância do planejamento para a prática educativa porque
outra característica que asseverou a perda da identidade docente no sistema de telensino
foi, justamente, o fato de que, no telensino, não era o professor, neste caso o Orientador
de Aprendizagem, que planejava as aulas ministradas em sua classe. Esse planejamento
era realizado por uma equipe técnica, já vinha pronto e aos docentes cabia apenas a
tarefa de executá-lo, “roubando dos professores das classes a autonomia que precisam
ter para poder adequar conteúdos e métodos às necessidades e possibilidades das
comunidades em que atuam” (BODIÃO, 2000, p. 13).
Essa imposição no jeito de ministrar as aulas foi questionada pelo professor
Fernando ao asseverar que:
O problema maior estava aí, não é? Por outro lado, também, a gente
não pode fugir, fugir da tecnologia, né? Nós temos que usar a
máquina, a televisão e outras coisa, mas como complemento ao
ensino-aprendizagem, não é? E não ela como ponto de partida, que
era como tava usando, né, ela comandava tudo.Não, se for como
complemento, como nós hoje usamos a internet, porque o aluno usa,
né? Tudo bem, é a tecnologia, nós temos que aprovar isso, é o
avanço, entendeu? Nós queremos também, eu acho que, que esse tipo
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de aprendizado, acho que ele bitola muito o professor e o aluno.Ele
bitola muito o professor e o aluno, não é? Por causa desse, desse,
dessa rigidez nesse... na apresentação dessas aulas. Naquele dia, tem
que ser daquele jeito e não há uma abertura para que você possa fazer
algo diferente.
Se os alunos apresentam dúvida em algum conteúdo, é fundamental, para que
haja aprendizagem, que o professor estabeleça estratégias para esclarecê-las. Essas
estratégias são previstas e estabelecidas no momento do planejamento e quando,
obviamente, o professor domina o assunto trabalhado. No sistema de telensino, contudo,
de acordo com os depoimentos recolhidos, isso não era possível, devido o planejamento
extremamente rígido e, até mesmo, “bitolado”, com aulas extremamente conteudistas,
como elucidado pelo professor Fernando:
Porque é o seguinte, ele é só conteúdo, empurra conteúdo, empurra
conteúdo aí não dá, o espaço que tem entre uma aula e outra não dá
você, principalmente as ciências exatas, não dá para que você possa
fazer com que a matéria chegue até o aluno e ele possa aprender
(Fernando).
As aulas ministradas pela televisão foram classificadas como de qualidade por
alguns dos professores entrevistados, pois exibiam ilustrações e imagens atraentes, em
especial, como citado por alguns docentes, nas aulas de Ciências. Entretanto, de acordo
com esses profissionais, as explicações eram muito rápidas, impossibilitando que o
aluno compreendesse completamente os conteúdos trabalhados.
O tempo não dá. Na hora que vai entrar outra aula você tem que
parar. Aí outra aula já é outro espaço, tem que explicar outra coisa.
No dia seguinte, geralmente é outra matéria, aquela, que ficou em
dúvida, ficou pra trás. Entendeu? Não dá, não dá, assim, não dá
tempo pra que a gente possa é... colocar o aluno num patamar que ele
aprendeu ou tudo ou mais ou menos. Entendeu? Então o aluno vai
ficando com dúvidas direto.Se a matéria é fácil ele pega alguma
coisa, se não, vai acumulando, vai acumulando e o aprendizado acaba
ficando atrasado (Fernando).
Esta dificuldade para administrar o tempo das aulas no sistema de telensino
também foi observada por Bodião (2000, p. 02) em seus estudos. O autor assevera que:
O acompanhamento das salas de aula da escola pesquisada, bem
como a ressonância que tal tema encontrava junto a outros
orientadores de aprendizagem da mesma região administrativa,
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evidenciavam que estava sendo impossível cumprir as agendas
propostas, uma vez que as atividades de cada uma das aulas
demandavam, sempre, mais tempo do que o que lhes era oferecido.
Nesses casos, os excedentes eram deixados como tarefas para casa,
não havendo nenhuma garantia de que seriam abordados nas aulas
seguintes, uma vez que para estas sempre havia programações de
novos conteúdos.
A rigidez do sistema, descrita pelos professores, impossibilitava que esses
profissionais trabalhassem os conteúdos de forma diferente, tornando as aulas, muitas
vezes, monótonas e desestimulantes.
Por causa desse, desse, dessa rigidez nesse... na apresentação dessas
aulas. Naquele dia, tem que ser daquele jeito e não há uma abertura
para que você possa fazer algo diferente, algo novo. Não existe o
tempo que, por exemplo, que você possa, porque o conteúdo não para
a televisão não para, que você possa parar o aluno, poder ouvir, fazer
uma feira de ciências, fazer uma oficina de matemática, uma oficina
de língua portuguesa, entendeu? Pra você trabalhar mais o aluno,
levar ele a pensar mais, ele trabalhar mais sozinho, na sua casa, nos
seus locais. Fazer algo diferente que não seja só o conteúdo, né!
Porque aí você estimula o aluno, você fazer coisas diferentes! Você
ficar só naquela rotina do dia a dia, não acontecer mudança, não tem
quem aguente, né? Então uma das coisas que, que eu não concordava
no telensino era isso, que bitolava o professor e do aluno. Só naquela
parte, pronto, que aquilo era do começo até o fim, do começo do ano
até o final do ano, só aquilo ali e pronto (Fernando).
Ademais, essa rigidez e falta de tempo para trabalhar os conteúdos propostos,
além de dificultarem o trabalho do professor, prejudicavam a aprendizagem dos alunos
e o cumprimentos dos objetivos propostos.
Regidos pela inflexível minutagem televisiva, os OAs. eram
interrompidos ao ritmo do cronômetro das emissões; essa
característica, inerente à lógica operacionalmente centralizadora da
proposta, se não impedia a consecução dos seus próprios objetivos,
criava-lhes enormes entraves (BODIÃO, 2000, p. 03).
Problemas como este de excesso de conteúdos “jogados” em um curto espaço de
tempo pela televisão para os alunos, em uma sala de aula que, em muitas situações, o
próprio Orientador de Aprendizagem também não compreendia o que estava sendo
“ensinado”, ilustram a fragilidade do sistema naquilo que deveria ser seu objetivo
maior, a aprendizagem de seus usuários.
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Além disso, de acordo com os profissionais entrevistados a demora na entrega
dos materiais e os problemas de emissão eram comuns no sistema de telensino. Esses
imprevistos são destacados pelos professores em seus depoimentos.
É mais muitos imprevistos, muito imprevistos, acontecia muito de
quebrar a TV, material sempre atrasava, manual de apoio que nós
tínhamos sempre chegava atrasado (Marisa).
Entretanto, para um dos professores entrevistados, esses imprevistos eram vistos
com bons olhos, pois era nesse momento que ele podia trabalhar com autonomia em
sala de aula, explicando os conteúdos com mais calma e tentando esclarecer as dúvidas
dos alunos.
Quando não entrava no ar, a gente usava o manual! Ficava usando o
manual normal. Aí, por exemplo, se naquele dia tinha aula de
matemática, a gente levava três, quatro aulas só na matemática, só
tirando as dúvidas dos meninos. Se tivesse faltando energia, porque aí
o comando era nosso, não era da máquina (Fernando).
Verificamos no relato do professor Fernando estratégias de enfrentamento, na
tentativa de recuperar sua autonomia em sala de aula. A busca pela recuperação da
identidade profissional do professor no sistema de telensino também foi observada por
Santos (2001, p. 129), que, em seus estudos, constatou que:
Face ao hiato que se impõe entre a normatividade do telensino e as
condições matérias para sua operacionalização, os docentes
necessitam tomar decisões para viabilizar seu trabalho e torná-lo
eficaz. Desse modo, estes sujeitos “reinventam” o telensino através
de diversas estratégias e fazem valer sua autonomia, aspecto central
da sua identidade profissional.
Apesar de considerar os momentos de falha do sistema como possibilidade para
ter atitudes de autonomia, como um verdadeiro professor, a falta de conhecimento em
todos os conteúdos trabalhados fazia que o professor utilizasse esses instantes para
trabalhar a disciplina pertencente a sua área de formação.
Mesmo com as atitudes de enfrentamento adotadas na busca de autonomia, os
atrasos nas entregas dos materiais, em especial o manual do professor, dificultaram o
trabalho de muitos professores e revelam uma falta de organização dos idealizadores do
sistema. Dessa forma, percebe-se que este fato pode configurar um indicador para a
precarização do labor do orientador de aprendizagem.
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Considerações finais
As situações relatadas durante as entrevistas comprovam uma situação de
desconforto, excesso de cobranças – sem, no entanto, oferecer o tão necessário apoio
pedagógico – desvalorização profissional, estresse, sobrecarga de trabalho e perda de
identidade profissional.
Esses fatores, como observamos em nossos estudos, fundamentados por diversos
autores que pesquisam o tema da precarização docente, são indicadores da precarização
do labor dos Orientadores da Aprendizagem no sistema de telensino.
Não queremos negar a utilidade da tecnologia no processo de ensino
aprendizagem. Percebemos que ferramentas como computadores, aparelhos de data
show, DVDs e a própria televisão podem auxiliar o trabalho do professor e tornar as
aulas mais dinâmicas e criativas, chamando a atenção dos discentes e proporcionando
situações de aprendizagens significativas.
Entretanto, este estudo constatou que, no sistema de telensino, o que houve foi
uma troca do professor pelo aparelho de televisão, tornando o docente um operador da
máquina e controlador da disciplina em sala de aula. Numa visão equivocada de
orientação de aprendizagem, pois tal orientação não necessitava de fundamentação e
domínio dos conteúdos a serem orientados.
Está clara a perda de identidade do professor nesse sistema e a sua submissão à
máquina que, na maioria dos casos relatados durante as entrevistas, funcionou como um
elemento que, ao invés de colaborar com o labor docente, colocou o profissional em
uma situação de desconforto que sinaliza para a precarização de seu trabalho.
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