O ciclo da água no Jardim Botânico

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O ciclo da água no Jardim Botânico
Manuel João Pinto
Jardim Botânico – MNHNC, Universidade de Lisboa
O ciclo hidrológico pode exibir uma marcada sazonalidade dos diferentes fenómenos. É o
que acontece por exemplo em Lisboa e na região climática mediterrânica em geral, na qual,
a maior precipitação atmosférica coincide com o período em que as exigências hidricas das
plantas são menores. É durante o Verão que surge carência ou déficite hídrico, sendo
necessário um mais efectivo abastecimento de água, o que não pode acontecer de forma
natural por limitações climáticas.
Folheto da acção do Programa Ciência Viva-FCT, Setembro 2014
O Jardim Botânico torna-se dependente de fontes exteriores de água, no
período do ano em que a precipitação atmosférica é menor e mais
dispersa, variavelmente relacionada com o Verão. O represamento e a
condução da água armazenada ou também da rede pública tornam-se
então fundamentais.
Precipitação atmosférica
(751mm, média anual para o
Jardim Botânico)
Fig. 1. Ilustração esquemática do ciclo hidrológico no Planeta
Creditos: U.S. Department of the interior
U.S. Geological Survey http://ga.water.usgs.gov/edu/watercycle.html e wikipedia.org
condutividade
hidráulica
devido à
pequena
permeabilidade
das formações
geológicas
(5.14x10-7
m/s)]
Escorrência
[≈80%]
Infiltração
Escoamento
superficial e
libertação para o
exterior do Jardim
(rede de drenagem
pluvial)
Evaporação
Durante o ciclo hidrológico, a água em trânsito passa por diferentes fases e locais.
Solos e aquífero
Na fase líquida, é suscpetivel de ser captada, armazenada e redireccionada com
benefícios para as sociedades humanas.
Por outro lado, também, transformações e novos ecossistemas podem surgir em
resultado do aumento da concentração de água, em especial no solo e linhas de
escorrência.
A água nos ecossistemas desempenha diversas funções, designadamente; constitui um
parte substancial do corpo dos organismos vivos, assegura o transporte de substâncias
nutritivas e excreções, assiste conversões de energia, permite a lubrificação, constitui
um meio para a reactividade química essencial à vida e à evolução dos solos.
Ressurgimento em
nascentes (“minas”)
[caudais reduzidos de 0.2
a 0.06m/s]
Absorção pelas
plantas
Fig. 2. Organigrama Ciclo da água no Jardim
Botânico
Percolação
profunda e
recarga do
aquífero
[mas baixa
Cisternas
Captação, armazenamento
e redireccionamento de fluxos
Evapotranspiração
1
As citernas antigas têm um importante papel no
armazenamento de água das chuvas.
Fig. 3. Mapa de localização das duas cisternas existentes na
jardineta do edifício central do MNHNC
A água retida nas cisternas seria depois distribuida através de condutas
escavadas no subsolo, constituindo galerias subterrâneas
cuja cota e pendor asseguravam a sua movimentação por gravidade. (A
pressurização da água facilitando a sua movimentação em tubagens
metálicas e tardiamente também de fibras sintéticas, surge bastante mais
tarde à da época em que os sistemas exibidos na imagem teriam tido a sua
máxima funcionalidade. Nesta altura água armazenada servia também para
o transporte de materiais residuais garantindo a salubridade).
Fig. 5. Ilustração esquemática da cisterna norte e
fotografia da abertura num patamar de cantaria.
Evidenciam-e também aberturas sugestivas de bicas de
entrada de águas de recarga captadas no exterior,
provavelmente nas coberturas dos edifícios
Fig. 7. Fotografia do
sistema de condução da
água no interior de uma
galeria subterrânea do
MNHNC, sendo visível uma
caleira central rebaixada e
um canal de telhas
imbricadas conduzindo a
água armazenada a dois
destinos diferenciados no
Jardim.
Créditos: Levantamento cartográfico das cisternas da politécnica.
Carlos Antunes, Depart. de Engenharia Geográfica, Geofísica e
Energia. Dezembro 2013.
Fig. 4. Vista fotográfica de uma abertura
superior secundária da cisterna maior, e
de um adutor de recarga ao lado do qual
se observa a inscrição estampada na
parede de “1873”, correspondendo
provavelmente a um momento de
realização de obras importantes.
É conhecida ao longo de diversos
registos
históricos,
a
grande
preocupação
na
manutenção
e
funcionamento das cisternas. Até à
entrada em funciomanento da rede
pública de abastecimento da cidade de
Lisboa, as cisternas antigas mais importantes para usos domésticos das
instituições, teriam também sido importantes para os primórdios do
Jardim Botânico, e possivelmente também para o fornecimento de água
a ecossistemas agrícolas que lhe antecederam.
Fig. 6. Fotografia do interior da cisterna
norte ou maior, sendo visível o reboco de
cimento recente aplicado apenas no tecto.
Fig. 8. Gráficos da variação em 2014 da precipitação
atmosférica acumulada diariamente (azul), e do
crescimento do nível da água na cisterna norte, durante
o período de 14 dias em que a monitorização coincidiu
com o período de grandes chuvas. A tracejado, curvas
modeladas com polinómios de 3ºgrau, respectivamente
em relação aos dados de precipitação acumulada e em
relação à variação do nível de água na cisterna.
As pressões hidrostáticas na cisterna permitem a sua estanquidade até ao nível de cerca de 2m da
superfície. Assim a estanquidade é apreciável considerando a ausência parcial de rebocos e
impermeabilizantes, permitindo não obstante a porosidade das paredes, o aumento contínuo do
volume de água acumulada incluindo durante o período estival.
Créditos: Pinto et al. (2013)
Monitorização da Cisterna Norte.
Relatório Preliminar. MNHNC.
As cisternas têm 18.4 x 4.3m e 18.6 x 3.18m,
permitindo um volume de armazenamento útil de
436 e 218m3 respectivamente.
2
No passado, as cisternas deveriam também relacionar-se com
funcionalidade dos emissários de águas-sujas e portanto, com a eliminação
de substâncias e materias residuais, garantindo a salubridade do
ecossistema urbano do espaço académico.
Fig. 10. Fotografia do emissário antigo de águas-sujas revelando uma
importante deformação (do lado direito da imagem), que pôde ter
comprometido no passado a sua plena funcionalidade.
latrinas
Fig. 11. Mapa da zona do MNHNC e do Jardim Botânico,
evidenciando uma rede de galerias subterrâneas, nuns
casos bem conhecidas e cartografadas, noutros apenas
suscpetíveis em face de indicadores sugestivos patentes
nas edificações.
Fig. 9. Planta de 1821 (a negro), sobreposta pelas linhas
perimetrais do edifício do MNHNC actual e seus principais
corredores (a vermelho), mostrando a relação espacial das
cisternas e do emissário antigo de águas-sujas (a amarelo), que
corre ao longo de um dos corredores. Este emissário foi afectado
por uma grande deformação ocorrida no edifício, provavelmente
na sequência de um grande sismo, durante o qual o abatimento
sem derrocada de uma das paredes, exercendo carga sobre as
lajes da base do emissário, resultou no seu levantamento e
consequente perda de estanquidade.
Geologicamente os terrenos do Jardim e do MNHNC apresentam
manifesta impermeabilidade que não é favorável à drenagem
subterrânea e recarga de dispositivos de captação de água. No
entanto, superficialmente, não existindo coberturas artificiais
como aconteceu no passado, nas zonas aplanadas a maior
estanquidade proporciona a retenção das águas das chuvas.
Os terrenos miocénicos das “Argilas e Calcários de Prazeres, (M1I)”, dada a
forte componente argilosa intercalada com estratos de natureza carbonatada,
associado ao elevado grau de compactação da unidade estratigráfica,
determinam a baixa conductividade hidráulica e permeabilidade
hidrogeológica. Assim, a reduzida percolação, só é ampliada pela fracturação
dos terrenos, cujos indícios são patentes na deformação das estruturas
construidas ao longo de determinadas zonas. A maior movimentação de
caudais subterrâneos nesta formação geológica, deverá processar-se também
nas zonas de contraste de litologia e permeabilidade, proporcionando o
estabelecimento de aquíferos suspensos de carácter semi-cativo.
As cisternas do MNHNC são fissuradas e uma delas não é revestida por materiais
impermeabilizantes mantendo-se porosa, recebendo águas infiltradas nos solos. O
equilibrio hidrostático entre o interior e o exterior minimiza as perdas, verificando-se que
em cada ciclo anual a cisterna preserva uma apreciável quantidade de água cristalina.
MNHNC e Jardim
Botânico
Príncipe Real
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Chafariz do Rato
Fig. 12. Mapa topográfico de 1856, sobreposto pela linhas perimetrais
actuais do MNHNC e Jardim Botânico (linhas a negro), assinalando-se com
elípses azuis, os locais de represamento de águas, na forma de tanques,
O aproveitamento da
precipitação
nesta
zona, dependia
por umdalado
da
lagos,
poços e atmosférica
cisternas. Estes
dispositivos
beneficiariam
relativa
captação da água estanquidade
escorrente ao
de telhados
e coberturas,
seguida dodestes
seu
doslongo
terrenos.
Observa-se
a maior abundância
armazenamento em equipamentos
cisternas e possivelmente
também
volume
convergentemente
comtanques
as zonasdescobertos.
aplanadas daO cumeada,
destas cisternas relacionava-se
como Largo
área de
e seriaReal
também
condicionado
definida entre
do captação
Rato e Princípe
e também,
pela zonapelos
plana
actual Parque
Mayer.
custos de escavação, do
construção
e impermeabilização.
Créditos: Cartografia Histórica
1856-1858 - Filipe Folque.
[http://www.arcgis.com/home/webmap/vi
cozinhas
3
Fig. 13. Excerto do mapa geológico de Lisboa à escala 1/10000,
sendo assinalado através de uma elipse vermelha, a zona de
implantação do MNHNC e do Jardim Botânico. É manifesta a
homogeneidade geológica (mancha azul), correspondente à
formação de Argilas e Calcários dos Prazeres (M1I).
O aquífero é um reservatório natural de água
permanente que assegura sobretudo o abastecimento
das árvores de raizes de maior penetrabilidade,
garantindo desde a criação do Jardim em 1837, a
continuidade deste ecossistema.
A superfície natural da água subterrânea (superfície
piezométrica) [Fig.15], estabelece-se entre terrenos de
diferente natureza. Nuns casos em terrenos de aterro
(coloração verde-oliva), noutros miocénicos descompactados
(tonalidade cinzenta) e noutros ainda, terrenos argilosos
compactados do miocénico inferior (amarelo-suave).
Fig. 14. Mina de água parcialmente inundada,
evidenciando-se de (a) para (d) a progressão
desde a entrada até à nascente. As diferentes
marcas de nível nas galerias, atestam a interacção
entre a produtividade variável do aquífero, e por
outro lado, a extracção de água ao longo do
tempo.
Créditos: Medeiros, A. & Silva, C.
(2011). CARACTERIZAÇÃO
Caracterização hidrogeológica do
Jardim Botânico da Universidade
de Lisboa. Relatório
Final.Grandewater H idrogeologia
Aplicada, Lda.
Créditos: Almeida, F. M. (1986)
Carta Geológica do Concelho de
Lisboa. Escala 1:10.000.
Seviços Geológicos de Portugal
Fig. 15. Modelo esquemático hidro-geológico do jardim
botânico, no qual é evidenciado por uma linha azul, uma
superfície piezométrica detectada por uma rede de
piezométros (setas verdes) instalada em 2011.
Fig. 16. Fotografia de uma
galeria subterrânea ocupada
por raizes da vegetação do
Jardim Botânico.
O ecossistema florestal do Jardim,
utiliza parte da água infiltrada e
armazenada no subsolo. As raízes de
algumas plantas podem penetrar a
grande profundidade, entrando
nalgumas galerias escavadas a
profundidades consideráveis de 67m abaixo da superfície. Ali
beneficiam do arejamento, suprindo
vantajosamente as suas
necessidades em oxigénio.
Não obstante a impermeabilidade intrínseca dos terrenos, a
drenagem subterrânea conduz as águas a uma nascente captada A escorrência livre de água sobre o solo fortemente inclinado do Jardim,
através da escavação de uma mina. Esta mina é bastante antiga, deverá representar uma parte substancial das afluências anuais
evidenciando espessa calcificação das suas paredes. A sua proporcionadas pelas chuvas.
existência atesta a preocupação dos antigos ocupantes, na
obtenção de recursos hídricos para diversas funções, em Estes fluxos são libertos a jusante, não contribuindo significativamente
para o abastecimento das plantas. Porém, contribuem para o aumento da
particular a rega agrícola.
coluna de água dos lagos. O movimento da água escorrente proporciona
A mais importante fonte de recarga do aquífero e nascentes é a
importantes funções ecológicas, sobretudo decorrentes da mobilização
precipitação atmosférica, tendo sido crucial
os solos
de nutrientes, particulas minerais e orgânicas e seu transporte e
desprovidos de coberturas artificiais impermeaveis da área do
distribuição no ecossistema.
Jardim. Recentemente, as perdas da canalização da rede
pública (água pressurizada e caneiros de drenagem pluvial)
A rega beneficia sobretudo as plantas dotadas de aparelhos radiculares
contribuem também para a sua recarga.
mais pequenos, com maior dificuldade em abastecer-se nas camadas
Em sentido contrário, algumas galerias subterrâneas antigas
profundas. Esta rega pode ser calibrada em função dos valores da
sendo porosas podem contribuir para a descarga do aquífero.
evapotranspiração local, tendo em vista a racionalização dos recursos.
No entanto, dadas as limitações geológicas, este efeito terá
sido é negligenciável.
Créditos: Pinto et al. (in press) Tree Cool: modelação da rega em
função da sombra do copado. El Botánico.
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