Rolando Boldrin capa.pmd 1 7/12/2009, 15:29 Rolando Boldrin 1 Palco Brasil Governador Secretário Chefe da Casa Civil Geraldo Alckmin Arnaldo Madeira Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Diretor-presidente Diretor Vice-presidente Diretor Industrial Diretora Financeira e Administrativa Núcleo de Projetos Institucionais Hubert Alquéres Luiz Carlos Frigerio Teiji Tomioka Nodette Mameri Peano Vera Lucia Wey 2 Fundação Padre Anchieta Presidente Projetos Especiais Diretor de Programação Marcos Mendonça Adélia Lombardi Rita Okamura Coleção Aplauso Perfil Coordenador Geral Coordenador Operacional e Pesquisa Iconográfica Projeto Gráfico e Editoração Assistente Operacional Revisão Revisão Ortográfica Tratamento de Imagens Rubens Ewald Filho Marcelo Pestana Carlos Cirne Andressa Veronesi Rodrigo C. Andrade Dante Pascoal Corradini José Carlos da Silva Rolando Boldrin Palco Brasil 3 por Ieda de Abreu São Paulo - 2005 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação Biblioteca da Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Abreu, Ieda de Rolando Boldrin : palco Brasil / Ieda de Abreu. – São Paulo : Imprensa Oficial do Estado de São Paulo : Cultura – Fundação Padre Anchieta, 2005. 176p.: il. - (Coleção aplauso. Série perfil / coordenador geral Rubens Ewald Filho) ISBN 85-7060-233-2 (obra completa) (Imprensa Oficial) ISBN 85-7060-349-5 (Imprensa Oficial) 1. Atores e atrizes cinematográficos – Brasil 2. Atores e atrizes de televisão – Brasil 3. Atores e Atrizes de teatro – Brasil 4. Boldrin, Rolando I. Ewald Filho, Rubens. II. Título. III. Série. CDD 791.092 81 4 Índices para catálogo sistemático: 1. Atores brasileiros : Biografia e obra: Representações públicas 791.092 81 Foi feito o depósito legal na Biblioteca Nacional (Lei nº 1.825, de 20/12/1907). Imprensa Oficial do Estado de São Paulo Rua da Mooca, 1921 - Mooca 03103-902 - São Paulo - SP - Brasil Tel.: (0xx11) 6099-9800 Fax: (0xx11) 6099-9674 www.imprensaoficial.com.br e-mail: [email protected] SAC 0800-123401 Introdução É alguma coisa que chama a atenção, marca presença. Não só a voz grave, o sorriso franco, sempre pronto para uma boa risada, o charme grisalho dos 68 anos. É também o indefinido. Rolando Boldrin emenda uma conversa na outra e segura o ouvinte com espontaneidade, humor e extensa memória. A uma pergunta, é se preparar que vem coisa muita. Os olhos azuis que lembram bolinhas de gude viajam nas histórias e lembranças, nos projetos presentemente cultivados. Misto de ator, cantor, compositor, filantropo e contador de histórias (“causos”), garante que o ator está por trás de tudo e que “nunca ninguém cochilou na cadeira enquanto me ouve falar, contar”. Histórias de bichos, compadres e mentirosos, de padre, valentão e borra-botas, “otoridades”, muquiranas. Ou de um mineiro ou gaúcho, nordestino ou paulista, catarinense ou paranaense. Histórias do rádio, do começo da televisão, do teatro e do cinema, da música 5 “purinha, purinha”. Dezenas que ele armazena na memória e no coração, como gosta de dizer. Caipira sim, do interior de São Paulo, mas bem urbano. Nunca morou na roça nem em fazenda, sempre em cidades, nas pequenas do interior e na grandona São Paulo. Já viveu Shakespeare e Gorki no palco, ganhou prêmio de melhor ator de cinema em 1979, conhece a fundo as raízes brasileiras. Nem por isso é acadêmico ou erudito, mas sim um artista sensível e reverente à cultura cabocla. 6 É casado com a cantora e produtora de discos Lurdinha Pereira, hoje aposentada, pai da única filha Vera e avô de Marcus, Bruno e Henrique. Diz ser um homem tranqüilo. Como seu pai – sempre se entusiasma ao falar dele –, não tem grandes vaidades, grandes necessidades, nem problemas de auto-afirmação. Não tenho vontade nenhuma de ficar rico, se tivesse teria explorado tudo o que tinha direito na televisão. Não me envaideço ao ser reconhecido na rua. O reconhecimento vai pro meu trabalho, importante é ele, não eu. Este livro é o resultado de sete encontros realizados semanalmente com Rolando Boldrin, sempre marcados com antecedência por telefone e confirmados no dia. Todos no seu escritório localizado numa galeria do centro comercial da Granja Viana, condomínio chique da grande São Paulo: uma sala térrea com telefone, computador, sofá e almofadas, um pequeno banheiro, algumas peças que lembram o cenário dos seus musicais. Uma mesa comprida na qual pude ouvi-lo com o gravador ligado sem nenhum problema ou tensão, uma hora, uma hora e meia por vez. Na larga porta de vidro, o rosto inteiro impresso em azul, aberto num sorriso, é convite para uma boa prosa. Ele conta que nunca teve um escritório, era tudo em casa, meio disperso. De um ano pra cá montei este espaço pra fazer meus projetos, tenho uma assessora, a Patrícia Maia. Como moro na Granja, dá pra vir de casa a pé. Enquanto circulo os olhos por algumas imagens nas paredes, ele vai guiando: Esses são uns diplomas, prêmios e artigos que resolvi pôr na moldura: diplomas de Cidadão Paulistano e de Cidadão Carioca que 7 recebi das duas Câmaras dos Deputados, em 1981; Prêmio APCA1981/ 82 de Melhor Programa Musical; Prêmio Jeca Tatu (1989) de Melhor Profissional do Ano, pela campanha institucional “Credite no Brasil”, para o Bamerindus, com textos de poetas brasileiros. Um artigo que publiquei no Jornal da Tarde, indignado por ter sido proibido de me apresentar na campanha do então candidato a governador do Paraná, Jaime Lerner. 8 No currículo, ou nas costas, como gosta de dizer, vinte e cinco novelas, duas dezenas de peças teatrais, dois filmes, vinte discos, quatro musicais, dois livros e uma vitoriosa estada na publicidade. Há três anos criou a Associação Rolando Boldrin, que ajuda 37 famílias carentes da região. Faço isso como um trabalho de cidadão, de ser social. Cerca de duzentas crianças são beneficiadas com assistência médica, odontológica e alimentação. A associação conta com a ajuda desses profissionais, doadores de medicamentos e doadores sociais, e também recebe ajuda financeira por meio de boletos ban- cários. Deus foi generoso comigo, quando comecei a me interessar pelas artes, não tinha nenhuma cultura pra isso. Agora tento ser generoso com as pessoas como posso. Ieda de Abreu 9 10 Capítulo I Sou fundamentalmente um ator, esse tem sido meu trabalho a vida inteira: radioator, ator de novela, de teatro, de cinema, um ator que canta, declama poesias, conta histórias. Como nasceu o ator Rolando Boldrin? Dentro do circo. Com sete, oito, nove anos de idade eu ia aos circos-teatro da minha cidade, todo moleque de interior adora o circo, eu era apaixonado pelo teatro que acontecia nele, ficava na primeira fila das arquibancadas, decorava peças inteiras: O Mundo Não me Quis, O Ébrio, E o Céu Uniu Dois Corações e tantas outras. Ajudava um pouco também, me enturmava, fiquei amigo dos donos dos circos e cheguei a viajar com eles, meu pai autorizava. Aprendi muita coisa ruim e muita coisa boa, não esqueci nada, ator nunca esquece. Esse lado ator é muito forte, nunca estudei pra ser, mas interpretar, pra mim, sempre foi a coisa mais natural do mundo, sou daquele tipo que nasceu do nada e dá tudo. 11 Aprendi vivendo, uma experiência natural, as coisas foram acontecendo, sendo encaminhadas para mim, encaminhei outras e assim foi. Quando entro no palco pra fazer meus shows, é o ator que está ali, não o músico, não pego num violão, sento num banquinho e canto, eu converso, conto histórias, declamo um verso triste, o pessoal chora, conto o caso engraçado de um tipo humano, o público se diverte. 12 Como não estou sempre atuando, a impressão que dá é que não faço parte do universo. É possível até que citem alguma peça em que atuei e pulem meu nome, não tem importância, não ligo pra isso. Posso mesmo não ser considerado um ator que representa o teatro brasileiro, embora tenha atuado durante anos, e participado de espetáculos importantes do nosso teatro, onde sempre pude escolher meus papéis. Por ter feito grande sucesso com o programa Som Brasil, na televisão, me vêem mais como um contador de “causos”. Acho bom, sou isso também, mas por trás de tudo que faço até hoje, está o ator. Se não fosse esse meu lado, nada teria expressão, seria apenas uma coisa didática, intelectualizada. Tenho em casa numa moldura um pôster com um texto do Plínio Marcos chamado O Ator, que ele fez pra Caixa Econômica. A Eva Wilma fala um trecho nessa peça, Primeira Pessoa, que está em cartaz. No texto, ele coloca o ator em primeiro plano, acima de tudo. E é isso mesmo, sem ator não existe teatro, cinema, televisão. Como sempre tive uma atividade musical paralela, misturei um pouco e consegui sobreviver muito bem. Hoje faço shows pelo Brasil afora, entro no palco com um monólogo de uma hora e meia, duas horas, canto, declamo, conto causos e não tenho dúvida de que esse é um trabalho de ator. 13 14 Capítulo II Menino precoce Quando eu nasci já tinha seis irmãos no mundo. Fui o sétimo da vez, entre 12 machos e fêmeas. Sou do ano de 36. Meu pai era mecânico de fordinho e minha mãe dava comida e banho na gente, além de arrumar a casa simples. A cidade era São Joaquim da Barra, perto de Ribeirão Preto, no caminho de Brasília, via Anhangüera. Sou paulista da velha Mogiana. Com dois aninhos e minha mãe carregando mais um no colo, a gente se arranchou na cidade de Guaíra, ali pertinho. Ficamos por aquelas bandas de poeira até o final da guerra. De Guaíra lembro o gasogênio, racionamento de açúcar, de pão e o fim da guerra, com a banda de música tocando de madrugada. Lembro a casa de quarto e cozinha de chão batido, sem guarda-roupa, sem fogão a gás, sem geladeira nem rádio. 15 16 17 Toda a família (Rolando é o último à direita) Os irmãos espalhados nos colchões de palha de milho. Boiadeiros, catireiros, peões e poeira, o vento, o rodamoinho, o sorvete de groselha no Kamoya, os valentes, as mulheres da noite na cama. As cantigas em dueto com meu irmão, modas de viola, toadas e canções. 18 Em Guaíra ouvia João Pacífico, Raul Torres, Serrinha, Mariano e Alvarenga no alto-falante do locutor Lacativa. Ia à matinê no cine-teatro. Depois da guerra, arribamos de novo, voltando à região, até fincar pé em São Joaquim. Com 16 anos, resolvi arribá sozinho, dessa vez pra capital. São Paulo da garoa. Não vim de uma vez só, num prazo de três meses fiz duas viagens, uma de trem com dois amigos, mas logo voltei e vim de novo, peguei carona num caminhão. Foi nesse período que arranjei um trabalho de frentista na beira da estrada. Cheguei em São Paulo com a mala vazia, só a gravata jogada lá dentro, porque meu pai, seu Amadeo, garantiu que sem gravata ninguém vence na capital. Lembro até da cor da gravata. Foi cabeçada pra cá, trombada pra lá, alguns servicinhos de sapateiro, garçom, ajudante de farmacêutico e por aí vai. O que um menino de 16 anos podia esperar na grande capital cheia de bonde, jardineiras e fumaça, já naquela época? Vinha de uma cidadezinha tranqüila, de trânsito leve, onde não existia nem semáforo. Desci na Estação da Luz e fiquei tonto. Revendo isso, não consigo ver diferença entre aquela sensação de grandiosidade que tive diante do movimento de gente passando, bonde, o barulhão, e hoje. Pra mim, parece que São Paulo há 52 anos atrás e agora sempre foi uma loucura, uma coisa espantosa. Com 18 anos fui servir à pátria amada em Quitaúna, Barueri. Lá, aquartelado, fiquei o que mandava a lei, o suficiente para tomar pé na morte do presidente Getúlio. Aliás, o suicídio desse velho gaúcho só serviu mesmo pra adiar a minha baixa no Exército que já tava programada, além de bagunçar o coreto da nação. Saí com 19 anos e meio e voltei pra minha terra. 19 20 Em São Joaquim da Barra, com o locutor Melquior de Lima Esse tempo me marcou no sentido histórico, nada profundamente, eu nem sabia o que estava acontecendo. Falo sempre que o soldado morre sem nunca saber o que se passou. O batalhão foi todo desviado pra Santos, eram vários caminhões lotados de soldados, fomos de madrugada sem saber por que estávamos indo. Ficamos nas docas acampados, dormindo no chão com as mochilas, e prontos pra uma guerra, como se estivéssemos esperando o inimigo. Mas ninguém nos dizia contra quem era a guerra nem pra que. Essa desinformação me marcou e acho que a todos os soldados, não sei como está hoje. Marcou a ignorância, o soldado pau-mandado. E como brasileiro sempre leva tudo na brincadeira, enchia um cantil de água e outro de cachaça e estava tudo certo. De manhã cedo íamos todos pras docas ver as mulheres, fingíamos que estávamos dormindo, e se tivesse uma guerra íamos perder brincando. Depois disso minha vida começou a tomar um rumo profissional que era o que eu queria. Até então, contava minhas histórias no interior, nos coretos de jardim. Tudo que me aconteceu e aprendi foi na vivência. Meu professor de viola foi um caboclo que eu descobri que tocava, e como eu queria aprender, ele me ensinou a dar os primeiros ponteados, uma afinação chamada rio abaixo. E só. Dali toquei o barco sozinho. Com o tempo me interessei pelo violão, mas sempre sozinho, numa procura de vivência. 21 Fui um garoto meio precoce, sempre gostei de fazer graça. Com sete a oito anos meu pai me levava numa oficina de Guaíra e mandava eu fazer uma brincadeira que eu gostava, que era pegar uma vassoura de piaçava e fingir que estava tocando, e cantava em inglês pra imitar os caubóis americanos dos filmes de faroeste. O primeiro que imitei foi o Roy Rogers, depois o Bob Nelson, que era o nosso cowboy do disco e do rádio. Eu era o tal no tiro-o-leíií. Em São Joaquim da Barra, com amigos, 1956 22 Meu pai tinha paixão pelo faroeste americano, por isso os nomes dos meus irmãos: Jack, o primeiro; Harold, o segundo e foram registrados ou apelidados lembrando os cowboys. Quando menino meu cabelo era quase branco de tão louro, seu Amadeo dizia sempre que eu lembrava o William Boyd e começou a me chamar de Boy, e pegou. O velho tinha tanta fixação nos heróis daquele tempo, que um belo dia deixou a barba crescer, se vestiu de John Wayne com lenço no pescoço, dois revólveres de cabos de madrepérola e foi no melhor fotógrafo da cidade, o Deieno. E intimou o fotógrafo a tirar uma foto dele de chapéu e tudo, como se fosse um mocinho dos filmes. Pra completar a façanha, enviou uma foto e uma carta para os Estados Unidos, praqueles estúdios da RKO, onde ficavam os grandes astros do gatilho daquela época: o Buck Jones, Tom Mix e outros famosos. Na carta, meu pai perguntava se os diretores de lá não gostariam de fazer um teste com ele para, eventualmente, se transformar num mocinho das fitas ame- 23 ricanas. Passado uns dias, vem um telegrama como resposta, mensagem curta e grossa: Só serve pra bandido. Todo mundo na cidade riu com o fato, e ficou confirmado que, pelo menos na idéia dos gringos, o brasileiro só serve pra isso mesmo. 24 Eu cantava enrolando a língua. Daquele tamanhinho fingindo que a vassoura era uma viola, era motivo de risada dos mecânicos e meu pai se divertia. Logo comecei a cantar com meu irmão, fizemos uma duplinha caipira chamada Boy e Formiga, eram nossos apelidos. E fui travando conhecimento com a música caipira e ao mesmo tempo com a música de altofalante. Na época se ouvia muito Orlando Silva, Chico Alves, o Rei da Voz, Carmem Miranda, Silvio Caldas, Noel Rosa, umas músicas dele faziam muito sucesso, Vicente Celestino. Mesmo criança me interessava pela coisa musical, cultural. Com nove, dez anos, já lia Catulo da Paixão Cearense, alguma coisa de Guimarães Rosa, Zé da Luz, um poeta paraibano. 25 Com o irmão (Rolando à esquerda) Na parte caipiresca ouvia Alvarenga e Ranchinho (com quem fiz dupla na Globo em 1981), Jararaca e Ratinho, Xerém e Bentinho. 26 Eu gostava dos versos, também de contar “causos”, sempre gostei de observar tipos humanos brasileiros, as coisas engraçadas ou tristes que acontecem com eles. Muita gente diz que minha cabeça é privilegiada, parece um computador. A memória, graças a Deus, é muito boa. Registro coisas incríveis, de criança, tipos humanos com os quais convivi e falo deles até hoje no palco, alguns ainda existem, outros já viajaram fora do combinado, morreram. Sempre fui assim. Meu pai não era músico, não cantava, minha mãe só cantava no batedor de roupa. Não tenho irmão músico, nem artista. Meus avós eram imigrantes italianos. Conheci meu avô, o Marião, Mário Boldrin, natural de Padova, pertinho de Veneza. Lá tem Boldrin como praga, é como Silva aqui. Era um homem alegre, mas não tinha nada de artista, esse meu lado veio desabrochando naturalmente, de uma forma até emocional. Sempre tive muito amor pelo Brasil, acho que descobri esse amor ainda garoto, quando comecei a pensar melhor, a conhecer aqueles boiadeiros que passavam dentro da cidade, aquele poeirão, o dono do boteco, a vida, o crime, presenciei um crime, uma pessoa que matou o delegado da cidade, como se fosse um filme de faroeste. Tudo que me chamava a atenção, eu registrava. Isso foi caminhando comigo, essa forma de ir registrando o que acontecia, os tipos, o jeito dos brasileiros, principalmente. Digo que era o ator que já existia em mim e que acabou desabrochando por meio da televisão em 1958, depois no teatro e no cinema. Quando saí do Exército já cantava, contava causos, misturava de samba a roda de viola, conheço toda a obra de Noel Rosa, Sinhô, do Almirante. Gravei a segunda música do Noel, Minha Viola. Além de observador, sempre tive paixão por essa obra musical brasileira que acho pouca valorizada. 27 Aos 20, 21 anos resolvi topar de frente com a minha carreira de artista. Com a experiência de cantador inato e contador de causos, era justo que eu tentasse essa vida. 28 Capítulo III No começo, era o rádio E garrei a fazer teste em rádios da capital. Rádio São Paulo, Rádio Record, até chegar na velha Rádio Tupi que engatinhava com uns anos de televisão. Fiquei por ali mostrando os dentes e as gengivas pelos corredores, fazendo um pouquinho de tudo, até assinar o primeiro contrato. O primeiro teste que eu fiz foi pra cantor, imitando o Gregório Barrios. Não foi um teste profissional, fui levado por um amigo de um diretor para ver se tinha uma chance. Fui reprovado e tentei o teste para ator de rádio, com 300 candidatos. Nesse só eu passei. E fui contratado. Entrei na Tupi em 1958. Quando comecei não existia novela, havia o teatro. Qualquer artista que entrava na emissora já assinava contrato pra rádio e televisão. O Lima Duarte que nasceu no rádio conta isso, ele era sonoplasta, obriga- 29 do a fazer rádio, eu também, a Laura Cardoso. Fazíamos um, dois, três, cinco, seis programas de rádio por dia e um, dois, três de televisão. Era um deus-nos-acuda. Trabalhei durante um ano no rádio, sem ganhar nada. Na televisão tinha um cachê pequeno pra figurante. Saía do rádio correndo, ia pra televisão, cheguei a fazer três programas por dia, e tudo ao vivo. Participei do Sítio do Pica-pau Amarelo, fazendo pontinha, do Capitão Estrela, Falcão Negro. E fui tocando o barco. 30 O rádio tinha muita importância, era outra vida, hoje está bem descaracterizado, não se entende o que é o rádio hoje. Havia o Grande Teatro Tupi, fizemos Guimarães Rosa pelo rádio, Grande Sertão Veredas inteiro. Eram espetáculos adaptados pelo saudoso Walter Jorge Dust. O rádio hoje em dia virou notícia só, antigamente era entretenimento, como a Rádio Nacional, a Mairink Veiga, tantos artistas do rádio que faziam história. Estão revivendo a Rádio Nacional do Rio de Janeiro, fiquei muito contente em saber disso, há pouco tempo, to- mara que reinaugurem também o sentido da Rádio Nacional como nas décadas de 40, 50 e 60. O rádio vai ser sempre mais importante que a televisão, ele é muito mais abrangente, porque não é preciso ficar parado na frente dele pra ouvir, você ouve no carro, trabalhando, pescando, uma empregada doméstica ouve rádio o dia inteiro, ele chega mais direto às pessoas, é um meio de comunicação muito forte. O rádio é apaixonante. Travei contato com ele muito cedo, com dez, onze anos lotava auditório. Fora os alto-falantes que eu fazia no interior e que era uma delícia. Tive o prazer de inaugurar a Rádio São Joaquim da Barra, que existe ainda. Era uma novidade, eu menininho, lá, cantando e contando já os “causinhos” com a vozinha fina, ardida. Cheguei a gravar, compraram na rádio um gravador de acetato, tenho quatro ou cinco acetatos gravados dessa época de garoto, até pouco tempo um rapaz deu uma limpada nos acetatos. 31 32 No rádio se fazia de tudo, radioteatro, programas humorísticos. Está vivo, ainda, graças a Deus, o Max Nunes, escreve até hoje. Trabalhei nos programas dele, o Balança Mas Não Cai, Vai da Valsa, Marmelândia, O País das Maravilhas. Tinha programas humorísticos de auditório, de estúdio, muitos musicais. Pra se ter uma idéia, a Tupi tinha sob contrato um quadro de cinco a seis maestros, uma base de duas a três orquestras. Fiz narração de radionovela, narrei o programa caipira Alma da Terra, sempre às 15 pra 7 da noite. Hoje ouço pouco rádio, só programas com os quais me identifico, como os da Rádio USP, uma ou outra coisa da Rádio Cultura e Rádio Eldorado, alguns informativos, mas música é difícil. A programação das outras rádios está voltada pro lado do sucesso e aí fica tudo muito igual: ou é aquela batida de samba, pagode, que todo mundo faz igual, ou é o sertanejo, desse aí famoso. Giro o rádio inteiro e é difícil achar algo legal. E até gosto de música estrangeira, gosto de algumas músicas dos Beatles, da italiana, sou apaixonado, gosto de ouvir Joan Manuel Serrat, o Chico Buarque da Espanha. Nesse primeiro ano conheci o Mazzaropi. Ele tinha feito o primeiro filme, acho que Sai da Frente, produção dele. A história do Mazzaropi é muito bonita. Ele não é capira, é de São Paulo, nasceu no bairro de Santa Cecília, no centro, mas foi criado no Itaim Bibi. Pegou como gancho essa coisa de caipira e ficou imortalizado como o Jeca Tatu e fez todo esse sucesso. Ele fez uma experiência que teve ligação comigo nessa época. Hipotecou a casa, o único bem que possuía, e botou todo o dinheiro na produção do primeiro filme, na sua produtora, Amacio Mazzaropi. Procurou-me na Tupi e me convidou pra viajar com ele, fazer shows no interior apresentando o filme. Para chamar o público, fazíamos um show de meia hora, isso em mais de 30 cidades, sempre com casa cheia. Quando voltou pra São Paulo, fez um segundo filme, viajamos de novo fazendo propaganda, shows, até prefaciei um livro sobre ele. Nessa época me ausentei da Tupi porque a graninha que ele me ofereceu foi boa. Aí resolveram me contratar pra que eu não me ausentasse. Foi meu primeiro contrato e daí pra frente não parei mais. 33 Passei a fazer novelas, especiais e, paralelamente, música. 34 Esse começo foi bem pitoresco, com rádio, televisão, sempre no espírito de mostrar a cara e a coragem. Foi também um período difícil, de muito sacrifício. Cheguei a morar em fundos de casas do Sumaré, em quartinhos alugados de meia. Ganhava pouco no rádio e na televisão, era magrinho, não comia direito. Quando assinei contrato, em 1959, coincidiu de inaugurarem o prédio da Sumaré, com um restaurante para os funcionários, e tinha o bandejão. Em duas semanas engordei dez quilos. Eu dizia que tinha começado a comer, estava contratado. E virei artista comedor. Não posso me esquecer que ainda devo 50 mil réis pro humorista Cazarré, mais uns 20 pro palhaço Fuzarca, repartido de prato de comida no restaurante do Jordão, lá mesmo na Tupi. Curtia muito a cidade. São Paulo é um grande interior, um grande celeiro, estou aqui a mais tempo do que vivi na minha terra, mas não per- di as raízes. Passei dificuldades, dureza mesmo, mas foi São Paulo que me projetou para o Brasil. Ela é a paixão de todo mundo, a mãe caridosa que dá oportunidade a quem quer trabalhar. Eu venci como tanta gente e sou muito grato à cidade. Em 1991, fiz uma carta pra São Paulo que dizia mais ou menos assim: Ah, minha querida cidade de São Paulo. Sinto seu cheiro faz só uns 37 anos. Em meio a bondes barulhentos, na frente da Estação da Luz foi onde apeei de madrugada, confuso e atarantado. Acotovelei-me daqui e dacolá, entre os milhares de migrantes que apearam também como eu, no “seu quintal” gigante em busca da tal de oportunidade. E assim foi que aceitei ser sapateiro em Santana, na Liberdade, carregador de sacarias nas bandas do mercado e tantas coisas que nem sei. Aí... Você um dia deixou que eu fosse artista. Você me fez radioator dos tempos da Tupi em 1958, depois ator de teatro, cinema, o compositor de fatos vividos por aí. Você me fez cantar a minha terra inteira, o meu Brasil sem fronteiras. Você tem de tudo, basta a gente procurar. Agora que melhorei nuns 35 36 trocados, posso até me dar ao luxo de bebericar uns tragos nos jardins da sua zona mais chic. Conto causos no Pandoro, traço um sabor diferente e gostoso no meu amigo Massimo, ou jogo uma conversa fora com o Bob do Esplanada, que é caboclo como eu, e de quebra, às vezes, como de pauzinho no japonês e bebo um chá da China. Corro também para os campos de futebol num domingo ensolarado, fazendo dupla com meu neto e quando a vista e o corpo estão cansados, me estico pra berada da Raposo Tavares, numa granja, e fico lá ponteando a viola ou o violão... A cada três meses ia pra São Joaquim da Barra ver meus pais, meus irmãos, os amigos. Passava dois, três dias em beira de rio pescando, tomando cachaça, contando causos, rindo muito, cantando, fazendo serenata, tudo que um jovem da minha idade fazia. Mas sempre voltava pra briga em São Paulo, onde tinha meu trabalho que eu gostava. São Joaquim não me dava futuro como radialista, não tinha TV nem nada, mas nunca esqueci da minha terra, sempre que estou no palco falo dela. 37 Com o neto Marcus (que hoje tem 30 anos) 38 Durante um bom tempo freqüentei muito o litoral norte, São Sebastião, Ilhabela, Maranduba. Ia com um grupo que também estava começando na carreira artística: Walter Negrão, Adriano Stuart, Cláudio Marzo e Ademir Rocha. Depois, com a Lurdinha minha mulher. Uma vez, em Maranduba, num passeio de barco, vi uns pés de caju bonitos numa ilha. A gente ancorou e fui lá pegar umas frutas pra fazer batida de caju com saquê. O capataz que tomava conta da ilha disse que era proibido roubar a fruta, eu respondi que não era roubo, pois a ilha não tem dono, é do governo, do povo, e eu era do povo. Discute dali, discute de lá, perguntei se ele assistia televisão. Ele disse que tinha TV alimentada por bateria e que só assistia ao Chacrinha. Quando falei que era o Rolando Boldrin, que apresentava um programa caipira na Globo, o capataz acabou se convencendo e falou: “Você é famoso, então pode roubar caju à vontade, confidenciou”. Estou em São Paulo há 56 anos. Tive vários endereços. Depois, de uns tempos pra cá, esco- lhi a Granja Viana por ser um lugar muito gostoso, tem tudo de uma cidade pequena, é perto de São Paulo e ao mesmo tempo tem o ar puro, o verde. Há três anos morava num condomínio chamado Fazendinha. A gente cruzava com tucano comendo abacate, às vezes, um veadinho, de repente, uma cobra. Mudei para um condomínio fechado, mais perto do centro, estou só eu e a Lurdinha, meu escritório fica perto de casa, dá pra trabalhar com calma e fazer nossos projetos. Tenho uma única filha que é mais dedicada à família. Ela canta, toca violão, mas nada profissional. Deu-me três netos, dois deles gostam de música, um virou comandante de aviação da TAM, o outro toca violão também, canta, mas nenhum pensa em seguir a carreira artística. Na família, o artista sou eu mesmo e a minha mulher, a Lurdinha, que já foi cantora especialista em jingles e se aposentou. Meu lazer é trabalhar, seja fazendo shows ou no escritório. Tem fins-de-semana que tomo uns 39 drinques com os amigos, o mais é trabalhar, principalmente agora. Já trabalhei menos, viajei bastante, fui pro exterior, agora, vivo os meus projetos 24 horas por dia, do escritório vou pra casa onde também fico por conta disso, ouço música, os discos antigos, vejo filmes, muito filme, faço anotações. Isso pra mim é lazer. 40 Como tenho essa atividade com música caipira tradicional, as pessoas pensam que eu vim da roça, fiquei rico e logo de cara comprei uma fazenda. Sou do interior, mas nunca morei na roça nem em fazenda, convivi muito nesse meio. Meus padrinhos de crisma e de batismo eram fazendeiros. Eu ia à fazenda deles de charrete, gostava de andar a cavalo. Um deles administrava uma fazenda perto de São Joaquim. Uma vez fugi de casa porque meu pai me deu uma surra e fui pra fazenda dele, fiquei lá uns três dias, andava a cavalo em pêlo, de pé no chão. Convivi muito com o povo da roça, gostava de ouvir as histórias. Mas me considero um caipira urbano. Tinha um sítio em Porto Feliz para fins-de-semana, de repente ficou longe, então vendi. Já conhecia a Granja Viana do tempo em que o irmão do Boni (Bonifácio Sobrinho) morava aqui. Aí achei uma casa, pré-fabricada, simples, e comprei. Gosto da Granja. Fico batendo papo com o Edgar lá no posto, conto uns causos, vou até a doceira, conto mais umas histórias, tomo um café, volto pro batente no escritório. E por aí vai. 41 42 Com Susana Vieira, no Grande Teatro Tupi Capítulo IV O naturalista Naquele tempo existia um padrão de interpretação e impostação teatral radiofônica. Acredito que eu, assim como o Lima Duarte e outros quebramos esse padrão. O Lima mesmo declara que não tem esse padrão. Tem até uma história na televisão, onde um diretor disse que ele nunca seria ator porque tinha voz de sovaco. É verdade, ele não seguia aquela regra, de que o ator tinha de ter um vozeirão, falar impostado, eu também não, o jeito que eu falo no cinema, no teatro é o jeito que eu falo com qualquer pessoa, o mais natural possível, mesmo fazendo o personagem. Nas minhas interpretações, sempre adotei uma regra naturalista. Quando trabalhava uma cena de novela com o Fernando Torres, ele ria e dizia: “Boldrin, não conheço um ator mais natural que você”. 43 44 Com Tonia Carrero e Mariza Sanches, no Grande Teatro Tupi, 1959 Porque sempre prezei a naturalidade, falar de verdade. A mesma reação teve o Eugenio Kusnet, no teatro, quando fui passar uma cena com ele: Oh, não tenho que falar nada, você está perfeito, passa tudo direitinho. Eu costumava contar muito “causo” na hora do recreio, do café com os atores, era aquela cambada: Mauro Medonça, Etty Fraser, Renato Borghi, Ítala Nandi, Zé Celso, a saudosa Célia Helena, o próprio Kusnet, que numa dessas me fez outro elogio: Quando você conta uma história é fascinante porque a gente viaja junto, ‘vê’ o que você conta. Considero isso um trabalho de ator. Alguns atores contemporâneos meus, não digo que imitaram, mas seguiram esse jeito, o próprio Plínio Marcos, que não era considerado ator, quando atuava em cena tinha essa naturalidade, ele quebrava o padrão. O Tatá (Luiz Gustavo) também, e vários outros seguiram esse gancho. Morro de rir quando vejo em cena o Otávio Augusto, grande amigo dos tempos do Oficina e que está nessa novela Cabocla. Rio vendo a naturalidade com que ele faz aque- 45 las brincadeiras, ele segue uma escola, não uma escola minha, mas de interpretação naturalista que me agrada muito. 46 O ator não é um imitador, ele é mais profundo, vivencia e passa isso para o espectador. Muitos humoristas nossos fazem a caricatura de um personagem, não gosto de caricatura. Pra ilustrar essa conversa cito o Cornélio Pires, grande estudioso da linguagem caipira paulista, e que eu tenho assim como um guru, conheci pessoalmente. Eu tinha 10 anos quando ouvi o Cornélio Pires falar pra centenas de pessoas na pracinha de São Joaquim da Barra. Ele matava a gente de rir, mas não tinha a preocupação de imitar o caipira. Um exemplo: O caboclo foi no dentista com uma dor de dente, o dentista viu que tava inflamado e perguntou: Você quer extrair ou quer fazer um tratamento? Ele disse: Não, quero arrancar mesmo. Ele contava essa piadinha e era engraçado. O dentista continuou: Então vou arrancar o seu dente, mas como tá muito inflamado, vou dar uma injeção, e você vai dormir uns cinco minu- tos, depois vai acordar e não tem mais o dente, nem dor de dente nem nada. O caboclo perguntou: E quanto é que o Sr. cobra? Ah, uns mil reais, disse o dentista. O caipira tira do bolso um monte de notas e começa a folhear molhando o dedo. O dentista diz que ele não precisa pagar adiantado, que não cobra antes. E o caboclo: Mas quem falou que eu vou pagar adiantado? Tô contando pra ver se quando eu acordar tá certo. Ele imitava o caipira não imitando, mas contando o “causo”. Eu sigo isso, não imito o caipira, faço um tipo brasileiro. 47 48 Com Maria Isabel de Lizandra, no Teleteatro Tupi Capítulo V Jeito de interpretar Sempre que vejo o Antonio Fagundes no teatro e na televisão lembro que temos em comum a facilidade de decorar os textos. Eu decorava com muita facilidade e não tinha método. Nos últimos anos, pegava o script na hora do ensaio. Ainda hoje é assim. No Som Brasil, não, era tudo decorado, todo domingo falava um poema de três a cinco minutos, textos difíceis, aí decorava. Sou dos poucos artistas brasileiros que nunca usou o ponto eletrônico, pois tenho facilidade pra decorar. Quando fiz um padre na novela As Pupilas do Sr. Reitor, da Record, todo mundo usava o ponto. Eu me recusei. Não ia ficar ouvindo, repetindo como papagaio o meu texto. Eu decorava. Meu jeito de atuar continua o mesmo em todos esses anos. No último filme que fiz, O Tronco, meu personagem era um coronelzão vaidoso. 49 Usei como referência meus padrinhos que eram fazendeiros, me inspirei no jeito deles falarem. Para fazer o maquinista Pereira, de Doramundo, que tratava de um triângulo amoroso, tive meu pai como referência. 50 O que mudou no meu trabalho de ator é que hoje represento a mim mesmo, só conto histórias, uso muito o improviso e sempre me saio bem. As histórias não mudaram, o brasileiro não muda seu jeito de ser, mesmo com o progresso da tecnologia e os modismos. Conto causos, histórias de 50 anos atrás que até hoje provocam a mesma reação. Como essa história que está no livro do Cornélio Pires e sempre provoca a mesma reação: Um caboclo estava acocorado na beira de um ranchinho e passa um carro com uma pessoa da cidade que desce e resolve conversar ou brincar com ele. - Ô caboclo, nessa terra aqui dá algodão? - Algodão? Algodão não dá. - Dá arroz? - Arroz num dá. Cenas de Doramundo, com Armando Bogus e o maquinista Pereira 51 - E feijão? - Feijão também num dá. Nessa terra num dá feijão, não. - E amendoim? - Amendom num dá, amendoim é que num dá mesmo. - Mas o Sr. já plantou pra ver se dá? - Plantando dá, claro!”. 52 Quando conto hoje essa história num show, as pessoas riem, porque o brasileiro é isso mesmo. E tem aquele outro “causinho” dum caboclo amigo meu que vendia cavalo. O jeito de ele responder vai ser sempre igual, teria essa reação de repente, numa brincadeira. Perguntaram pra ele: - Escuta, Adãozinho (era esse o nome do meu amigo), o que você deu pro seu cavalo quando ele tava doente? Adãozinho falou: - Dei terebintina. O caboclo foi à farmácia, comprou terebintina, deu pro cavalo, o bicho morreu na hora. Ele então voltou a falar com o Adãozinho: - Perguntei o que você deu pro seu cavalo quando estava doente, você falou que deu terebintina, eu dei pro meu, o meu morreu. - O meu também, disse o Adãozinho. Costumo contar histórias, façanhas de tipos, não de raças. Não conto causo de crioulo, por exemplo, só se for enaltecendo, porque o que importa é o personagem, não a cor dele. Não gosto de piada de judeu, de negro, de homossexual, posso até contar, mas só se tiver algo que enalteça, nunca de forma pejorativa, que achincalhe. Conto histórias de reações de pessoas. O Cornélio Pires tinha uma seleção de piadas de ingleses, alemães, de judeus, de russos, mas era sempre de uma forma pura, livre, bonita, até, nunca criticando a raça. O herói das histórias geralmente é homem do povo, algum caipira esperto. Existe sempre um desfecho, inevitavelmente engraçado. Gosto de partir de fatos reais, florear e encher a história de detalhes. Os segredos estão nas pausas, e principalmente, na visualização de cada parte da narrativa. 53 Esse “caboco” que eu uso pode ser urbano, é o jeito de tratar a pessoa, meu pai chamava todo mundo de “caboco”. 54 Capítulo VI O impacto da televisão Agora, todo mundo está acostumado com a televisão, mas quando ela surgiu, a grande indagação era como a imagem passa através do fio, a coisa era recente e causava sempre espanto. Quando entrei no meio, a Tupi era a Meca da televisão, a pioneira, havia muita gente, muito artista, muito movimento lá dentro, eu fiquei tonto. Ao ver aqueles artistas fantasiados passarem por mim, vestidos a caráter para fazer o teatro, pensava: é nesse mundo que eu vou entrar. Lembro de ter visto uma pessoa ao telefone e percebi que era um artista que eu conhecia, um locutor da rádio de São Joaquim da Barra, Astrogildo Filho, amigo meu que cantava muito bem e que já viajou fora do combinado. Quando ele acabou de telefonar, me aproximei e disse: “O Sr. não é o Astrogildo Filho?”. 55 56 E ele, com aquele vozeirão: Exatamente, perfeitamente. Depois ficamos amigos aqui e eu brincava com ele lembrando desse encontro. Então, era um mundo estranho pra mim. Mas comecei a me envolver, a conhecer as pessoas, os diretores, travar amizade com todos eles, grandes figuras como o Túlio de Lemos, Walter Jorge Dust, Geraldo Vietri, Silas Roberg, Fernando Baleroni, falecido, marido da nossa querida Laura Cardoso. Sempre fui comunicativo, falador, brincalhão, e consegui fazer um círculo de amizade bem profundo com vários deles até hoje. Fui me familiarizando com esse meio e vendo que não era uma coisa do outro mundo, era tudo muito natural. E de repente me transformei num deles. Era uma emoção, um impacto enorme saber que estavam pegando minha imagem, eu contracenando diante das câmeras. E depois que veio o videotape, quando me vi a primeira vez na televisão levei um susto. 57 Com Cláudio Marzo e Percy Aires, em A Severa, Teleteatro Tupi - 1963 Participei dos primeiros tapes da Tupi. Se não me engano, um dos primeiros grandes espetáculos que a Tupi fez em tape foi o Hamlet, com Luís Gustavo no papel principal, o Lima Duarte fazia o Horácio e eu fazia um soldado, com direção do Dionísio Azevedo, que também era ator de cinema. O Dionísio foi o cara que inventou a novela em capítulos na televisão e um dos primeiros a dirigir também. Demoramos três dias pra gravar o Hamlet. 58 Quando entrei foi esse impacto, sempre havia o nervosismo pra entrar em cena, se hoje for fazer televisão vou ficar nervoso, quando entro no palco pra fazer meus shows fico um pouco nervoso também, mas o nervosismo da primeira vez é marcante, guardo a sensação até hoje. Vivi o começo da televisão feita à mão, a época da enxurrada de novelas. Era muito gostoso Fui o primeiro ator a fazer o personagem Odorico Paraguassu, de O Bem Amado, na televisão. Foi a primeira externa, usamos uma cidade colonial que os Diários Associados deram de 59 Com Benjamin Cattan, recebendo o busto de Odorico Paraguassu, O Bem-Amado (TV Tupi, 1963) 60 presente pra São Paulo. Foi feita num pátio imenso onde hoje é o Ginásio do Ibirapuera. Ali construíram uma cidade e um estúdio, idéia do Benjamin Catan, um dos diretores de teatro da Tupi. Esse foi o grande espetáculo que fiz como personagem principal, mas já tinha feito pontas em outras peças: Capital Federal, O Cordão, de Arthur Azevedo. Um dia faltou o Dionísio Azevedo, que trabalhava nessa peça, e disseram pra decorar o texto dele, gigantesco. Era uma sextafeira e o programa ia ao ar no domingo, ao vivo. Como eu estava começando, queria aparecer, mostrar que sabia fazer, disse que dava tranqüilamente pra decorar. Fiquei dois dias, até 5 da manhã lendo. Eram grandes obras, eu tinha paixão por elas. Fiz também a primeira peça do Valter Negrão, para o Grande Teatro da Tupi, Máquina de Costura, só lembro do nome, esqueci o papel. Encontrei ele há pouco tempo, fico tantos anos sem vê-lo. É amigão meu, a gente começou junto, dividiu ovo e conhaque no bar da Tupi. Teleteatro Tupi, com David Neto Segundos Fatais, com Silvio Rocha 61 Fim de Jornada, com Henrique Martins Quando falei da peça, ele disse: Você ainda lembra? Tenho uma memória excelente, guardo nome de pessoas, personagens, histórias de tipos humanos que conheci, por isso que eu gosto de contar causos, marco muito as emoções vividas, sempre vou ter uma história pra contar. Quando veio a fase da novela, mudou o esquema, entrou o folhetim e perdi, todos nós perdemos aquela perspectiva do teatro, do grande teatro Tupi feito por atores como Cacilda Becker, Jardel Filho, Sérgio Brito, Paulo Autran, Maria Fernanda. Todos iam para a televisão. 62 Meu primeiro papel foi de um figurante, um frei, na peça O Processo de Joana D’Arc, a Joana era a Maria Fernanda. Eu apenas passava e ninguém me reconheceu porque estava todo encapuzado. Era gostoso tentar a carreira dentro do que se gostava. A primeira novela foi Alma Cigana, depois fiz O Direito de Nascer, o papel de Don Ricardo de Monteverde, o pai da heroína, que não queria o casamento com o Albertinho Limonta. Eu tinha 25 anos e no papel usava costeleta, cabelo branqueado pra envelhecer. Eu não gosto de maquiagem e sobre isso tem uma historinha engraçada. O diretor da novela, José Parisi, que também fazia um personagem, mandou o maquiador me envelhecer. E envelheci o rosto, com rugas, e o cabelo. Gravávamos todo dia. No segundo mês, eu estava sem maquiagem. O diretor me olhou e perguntou se eu não ia me maquiar, eu disse que não usava maquiagem. Como não? Você não fazia um velho? É, mas fui tirando as tintas devagarinho, acabei ficando moço, sou o único personagem que em vez de envelhecer fiquei novo. Nessa época em que era contratado da Tupi eu fazia o que aparecia, não podia escolher papel, tinha que engolir aqueles dramalhões mexicanos, cubanos na marra. Depois que me libertei e fiquei freelancer, só fazia o que eu gostava. Foi assim com a novela do Lauro Cesar Muniz, na Record, Os Deuses Estão Mortos; a primeira versão dos Imigrantes, do Benedito Ruy Barbosa; A Viagem, da Ivani Ribeiro, um tema 63 64 espiritualista. O Profeta. Cavalo Amarelo. Contracenei com a Cleyde Yaconis, em Ovelha Negra, do Chico de Assis e Valter Negrão. Com a Irene Ravache. A Irene é muito brincalhona, muito inteligente, tem umas respostas engraçadas, somos amigos e trabalhamos muito juntos. Fiz três novelas da Ivani Ribeiro com ela, a Ivani achava que a gente fazia um par perfeito. Em Doramundo, no cinema, eu era o marido dela. Fizemos juntos a peça onde ela se revelou como a grande atriz que é, Roda Cor de Roda, da Leilah Assunção, que no Rio teve o nome de Amélia, Amélia. Era eu, ela e a Lilian Lemmertz, com direção do Abujamra. Fiz a primeira novela do Silvio Santos, O Espantalho, que não deu certo. Era uma novela da Ivani Ribeiro, boa, mas o Silvio ainda não tinha infra-estrutura, era sua primeira experiência. Como não deve ter dado muito ibope, ele não quis fazer mais. 65 O elenco de Mulheres de Areia no Almoço com as Estrelas, 1973 66 O Barão Leôncio de Os Deuses Estão Mortos Capítulo VII Reconhecimento e massificação Para todo artista que consegue chegar onde queria, o primeiro reconhecimento do público é sempre muito bom. Quando eu fazia o grande teatro da Tupi gostava de elogios e telefonemas. Na fase da novela, confesso que não me deu grande prazer ser reconhecido na rua, chegava a ser até mal-educado. As pessoas confundiam o personagem com o ator e eu não achava isso certo, via como falta de cultura do povo. E ficava meio irritado. Respeito o público que vê novela e mistura personagem com artista, mas acho errado. Quando fazia um barão na novela Os Deuses Estão Mortos, recebi um dia, nos estúdios da Tupi, a visita de um senhor, emocionado, que me convidou pra ser padrinho de casamento de sua filha, no Mato Grosso. Aceitei, também emocionado, e disse que nem cobraria cachê. Minutos depois, o fazendeiro disse que queria que 67 eu fosse vestido como o personagem da novela. Aí fiquei atravessado, fiquei com o cara, pedi uma nota preta pra ver se ele desistia, ele pagou. E fui obrigado a ir vestido de barão para o casamento para cumprir o contrato. Depois da igreja, frustrei o velho e a filha: arranquei o disfarce e virei eu mesmo. 68 Ainda sobre novela, lembro que cheguei a inventar uma úlcera supurada pra não fazer O Direito de Nascer. O Cassiano Gabus Mendes, que era o diretor, falou que eu tinha que entrar, e se tivesse que ser operado, ele matava o personagem. Fiz vários comerciais, ainda hoje me convidam. O primeiro que gravei foi para o Bio-Presto, uma marca de sabão em pó. Fiquei três dias mergulhado em uma tina d’água tomando conhaque pra agüentar. Depois os caras me viam na rua e falavam: “Olha o Bio-Presto. Acabei virando sabão!”. Às vezes, um autor mata 50, 100 personagens de uma vez porque o orçamento da produção está estourando, muda toda a estória. Personagens são criados e destruídos de uma hora pra outra. Mesmo assim respeito mais o público hoje do que naquele tempo. Me emociona alguém me reconhecer, vir falar comigo, do meu trabalho como ator e com a música. É comum virem me abordar, lembrando principalmente do papel do barão que fiz nos Deuses Estão Mortos, que marcou muito meu trabalho. Lembram também da minha atuação na Ovelha Negra. Fiz a última novela em 80, já se passou um bom tempo. Os que me reconhecem, vão logo perguntando quando volto pra telinha, por que não atuei mais, tem os que me confundem com o Juca de Oliveira. Um rapaz de 16 anos pode nunca ter ouvido falar de mim, mas o pai conhece. Mesmo assim, tem jovem que me encontra e comenta que assistia ao programa Som Brasil com três, quatro anos de idade, porque o pai assistia e queria que o filho acompanhasse, e isso 69 marcou a vida deles de alguma forma. Essas coisas me emocionam. 70 Sou convidado quase que diariamente pra voltar às novelas como ator. Em 1996, o Benedito Ruy Barbosa me convidou pra entrar no elenco da novela do Rei do Gado, dizendo que tinha um personagem que cairia como uma luva pra mim: um senador da República, honesto, sério, atuante, meio ingênuo e ainda por cima, amigo do mocinho. Mas por causa dos meus projetos culturais tive que recusar e escrevi uma carta aberta pro grande amigo Ruy. No meio da carta dizia que tinha largado de viver barões, padres, médicos, fazendeiros e outros personagens novelísticos pra criar, dirigir e apresentar o Som Brasil nas manhãs sonolentas de domingo da Globo. A carta foi até publicada no Jornal da Tarde, de São Paulo. Ele me convidou a pouco tempo para fazer Cabocla, essa novela das seis, e acabei cantando uma musiquinha de tema. O Jayme Monjardim também queria que eu atuasse numa novela nova. Sou sempre convidado para fazer televisão, seja como ator, em casos especiais, um papel especial, ou para estrear uma novela, mas como ator não quero no momento, já matei toda a fome com o trabalho de novelas, nem teria tempo, pois essa atividade que estou desenvolvendo me ocupa muito e é mais importante do que fazer um personagem simplesmente. Não dá pra voltar a fazer com esse trabalho cultural que considero da maior importância. A novela, além de tomar muito tempo, ela promove o personagem, a gente vira um personagem, no Brasil infelizmente é mais ou menos isso. O Lima Duarte é um dos poucos artistas do País que consegue não ser só o Zeca Diabo. Quando ele fez esse papel, as pessoas pediam autógrafo pro Zeca Diabo. Ele fez 32 filmes e ninguém considera ele um ator de cinema, por causa da televisão ficou aquela coisa estigmatizada. E ele é um ator que faz televisão, cinema, teatro. É uma massificação muito grande através da mídia, só se fala em novela, 71 novela, fora delas não se vê um programa de peso, um bom musical, tem muita coisa, mas é difícil. 72 Capítulo VIII Teatro, questão de consciência Em teatro, sempre escolhi, fiz espetáculos importantes, não faria nada que não me agradasse. Saí da televisão pra fazer teatro por uma questão de consciência. Sempre ouvia dizer e concordo até hoje, que o ator precisa fazer teatro. Eu queria continuar fazendo as duas coisas, mas naquela época, a televisão não deixava seus contratados fazerem outra coisa e como tive que escolher, optei pelo teatro. Fiquei vários anos sem fazer tv, era teatro direto, teve o período no Arena, depois retornei à televisão, eram cinco novelas num canal, três em outro, trabalhei na Excelsior, voltei pra Tupi. Minha estréia no teatro foi com a peça Os Inimigos, do russo Máximo Gorki, com o Grupo Oficina. Ela veio depois do sucesso do Oficina com Os Pequenos Burgueses, também do Gorki. O José Celso Martinez Correa me convidou para 73 fazer um personagem central muito bom, Mikail Vassilevich, um industrial que gerava toda a trama do espetáculo. Ele seria o protagonista, mas morria no final do primeiro ato – eram três atos – e toda a história girava em torno do levante provocado pela sua morte. O sócio desse industrial era o Lineu Dias, na época ex-marido da Lilian Lemmertz, pai da Julia Lemmertz. 74 Por coincidência ou não, nessa mesma época tinha estourado a “Revolução”, com que a gente não concordava e até apanhou por ela. Acompanhei todo aquele processo. Eram debates todas as noites, muita reunião. A Cacilda Becker era viva, lembro o dia em que ela morreu, foi um baque, era sempre muito participativa. Foi um período conturbado no teatro, na nação, e como nós atores, artistas, temos uma função política, de demonstrar o que está acontecendo no País, acompanhei tudo. Em 68, até 70, a época mais pesada, fiz a Feira Paulista de Opinião. Foi uma loucura. Os atores apanhavam em cena. A Feira era no Teatro Ruth Escobar e na sala vizinha estava sendo encenada a peça Roda Viva, a primeira experiência do Chico Buarque como autor teatral. Ele até me convidou pra fazer um personagem, mas não pude. O pessoal do Roda Viva sofreu um ataque do famoso CCC (Comando de Caça aos Comunistas), os artistas apanharam, lembro bem da Marília Pêra. Avançaram no nosso teatro também. Era comum a gente trabalhar com um revólver na cinta, cheio de bala, pois a qualquer momento eles podiam pular no palco e bater em todo mundo. Tinha estudante que ficava atrás da cortina com um pau na mão nos protegendo, garantindo o espetáculo. Foi um período difícil, mas que considero também muito rico. Fui convidado, junto com Renato Consorte e Humberto Magnani, pra fazer uma palestra em novembro sobre essa participação no Arena, quando serão comemorados os 50 anos do grupo. 75 76 Dessa estréia no teatro com o pessoal do Oficina, vale a pena registrar um caso que tem a ver com a “Revolução”. Estávamos todos sentados na porta do antigo Teatro Oficina, quando apareceu na nossa frente um mendigo, um andarilho barbudo, sujo e com aquele famoso saco nas costas, sabe lá com o quê dentro. Parou bem na nossa frente, fez uma panorâmica com os olhos na gente e foi parar exatamente nos meus olhos. Oh, alemão, disse a figura, Me dá um cigarro aí. Alemão era eu. Fiz uma pequena pausa, pra depois tirar um Beverly sem filtro e entregar a ele. Outra panorâmica e, dessa vez, o olhos nos olhos foi com o amigo Flávio Porto. Oh, barbudo, me dá fogo. Falou já colocando o Beverly na boca e se chegando pra receber a chama do fósforo. O Flávio acendeu o cigarro que ele tragou como quem traga a vida, baforou devagar, pro alto, saboreando o Beverly e ficou assim, nas nossas vistas. E olhamos a figura ali parada, suja, um andarilho do Brasil em plena revolução. E como gosto de angariar figuras, tipos e tratados do nosso povo, perguntei:”... A propósito, companheiro, me diga uma coisa, o Sr. não trabalha, não?”. Ele voltou a me olhar, fez uma pausa e disse: “Eu não trabalho”. Outra pergunta, a óbvia: “E por que o Sr. não trabalha?”. Aí ele surpreendeu a todos, entre eles o Zé Celso. “Não trabalho porque eu...sou vaga-bun-do”. Riso geral. Daí pensei: isto sim é que assumir a condição em plena revolução. O que eu percebia no meio artístico nesse período, era uma grande briga. Ou você se vendia fazendo o que o regime e a censura queriam, ou brigava, e brigar com o regime era covardia, derrota na certa, como aconteceu de sumirem com artistas. Houve uma resistência da classe teatral brasileira, uma extrema coragem. Os artistas se davam as mãos e enfrentavam até tiros. A peça Feira Paulista de Opinião foi proibida e chegamos a ludibriar censura, fazíamos os espetáculos em pontos diferentes, estratégicos, fizemos no teatro de Santo André. Isso gerava uma animosidade do governo. O Plínio Marcos era achincalhado, observado, proibido de participar de qualquer coisa, chamado no Dops. E assim com muitos outros, 77 como o Augusto Boal, o Geraldo Vandré. Eu nunca fui no Dops, mas participei de tudo, estava sempre junto do pessoal. Eu via uma extrema coragem e uma coerência incrível da classe teatral indo contra o regime e sozinha, pois o povo não podia fazer nada, a não ser que se armasse. Quem podia fazer alguma coisa, fazia, como foi o caso do Mariguella, do Lamarca. 78 A censura era extremamente ridícula, proibia tudo, fosse na música, no teatro, na literatura. E os atores resistindo, o pessoal do Arena, do Oficina. Fazíamos reuniões em teatros lotados, até cinco da manhã, discutindo os problemas, como levar essa ou aquela peça. Essa resistência do teatro brasileiro marcou muito a época. 79 Com a canção classificada no Festival Internacional da Canção, 1968 80 Capítulo IX Os amigos Plínio e Chico O Plínio brincava comigo, dizia que eu era o segurança dele. Num comício pelas Diretas, na Praça da Sé, quando o governador Sodré foi apedrejado, os artistas estavam todos lá. Eu via que a coisa estava esquisita, percebia que não havia policiamento, isso me chamou a atenção e abri o olho do Plínio. O pessoal tinha acabado de tomar o palanque, ele com megafone, o governador e a comitiva saíram pelos fundos da igreja. Disse que o melhor era ir embora. Ele resolveu me ouvir e saímos pela Praça Clóvis Bevilaqua, pegamos um táxi. O motorista ligou o rádio e ouvimos que a polícia estava toda disfarçada, tinha cercado a praça e desceram o cacete. Por isso o Plínio dizia que eu tinha sido o guru, o segurança dele. Só sei que escapamos de uma boa. Fomos muito amigos, tínhamos coisas em comum. Começamos juntos, fomos figurantes na mesma época. 81 Eu vindo do interior, ele também, teve experiência de circo como eu. Éramos da mesma turma da Tupi, junto com o Valter Negrão, Adriano Studart, Chico de Assis, mais pra frente o Otávio Augusto, aquela turminha de farra que estava começando na carreira. 82 Atuei como personagem principal da primeira peça dele pra televisão, Réquiem para um Tamborim. Era uma peça de malandragem passada no morro, com o Hamilton Fernandes, o Albertinho Limonta do Direito de Nascer. Sempre que encontrava com ele, lembrava desse tempo. O Plínio fazia shows, dava palestras, e insistia muito pra eu fazer um espetáculo solo, dizia que eu devia explorar meu lado ator com mais garra. Eu não tinha coragem e de certa forma foi ele que me incentivou. Um dia pedi que escrevesse um texto pra eu encenar. Tinha acabado de lançar um disco caipira bonito chamado Longe de Casa, que a crítica elogiou muito, foi o disco que me colocou como intérprete e conhecedor de música caipi- ra tradicional. Peguei um material, músicas que ouvia quando criança e no disco quis reviver isso, mostrar o que para mim era a música caipira de verdade. O efeito foi fantástico, todo mundo elogiou de forma muito positiva. Na época do lançamento, pedi ao Plínio pra escrever um texto contando um pouco da minha vida. Lembro que fui na casa dele perto da Av. Nove de Julho pra gente conversar. E ele escreveu Longe de Casa, na Aldeia do Desconsolo, em três atos. Seria o caipira longe de casa e a aldeia era São Paulo. Nunca encenei, tenho o texto guardado até hoje. Outro dia me deram a idéia de fazer um DVD com ele, seria interessante, uma coisa inédita do Plínio. Não posso esquecer das histórias que ele contava no Som Brasil. Junto com a “revolução” e minha iniciação no teatro, quando me joguei de cabeça na arte de representar, outro fato marcante foi o encontro e a amizade com o Chico Buarque de Holanda. Nos conhecemos em 1966, ele também começando na música, e em 67, começo do namoro com a Marieta Severo. 83 84 Eles iam assistir a meus espetáculos. Em 67 eu fazia a peça Oh, que Delícia de Guerra, no Teatro Bela Vista, onde hoje é o Teatro Sergio Cardoso. Ele ficava brincando comigo da platéia, umas brincadeiras que só a gente conhecia, uma espécie de códigos engraçados. Lembro dele com muito carinho, muita saudade. Existe uma ligação forte entre nós. Perdi o contato com o Chico faz uns anos. Fomos muito próximos. Ouvi em primeira audição A Banda, no violão, o Chico cantou pra mim na casa dele. Quando foi levar a partitura original pra inscrever no festival da TV Record e fui junto, ele esqueceu no meu carro e guardei. Por curiosidade, publiquei no meu livro. O Chico também foi a platéia dos meus primeiros sambas. Quando fiz meu primeiro long-play, disco grandão, como prefiro chamar, O Cantadô, pedi a ele uma apresentação e ele escreveu atrás. Regravei várias músicas suas: Caçada, Minha História, versão primorosa dele de Jesu Bambino, do compositor italiano Dalla Pallotino. Fiz uma versão caipira. A peça Os Inimigos, que foi a minha estréia no teatro, foi musicada pelo Chico. E aí ficamos amigos, ensaiávamos, era todo dia junto. Quando a peça estreou, saíamos diariamente, era difícil uma noite não irmos para a Galeria Metrópole encontrar outros amigos, como o Gilberto Gil. Levei Gil ao Som Brasil, a gente vivia brincando. Até hoje canto Procissão nos meus shows, sou fã dele, tem composições primorosas, cheias de imagens. Domingo no Parque daria um filme, a meu ver, com aquele arranjo do Rogério Duprat. Com Gilberto Gil, no Som Brasil 85 86 No Festival da Viola, que o Fernando Faro fez na Tupi, coloquei uma música chamada A Minha Moda, com um arranjo do Duprat, eu e minha mulher Lurdinha ganhamos o festival com ela. O Rogério estava na moda, revolucionou a forma de fazer arranjos musicais, e eu tive a felicidade de contar com ele. Cantávamos muito naquelas noitadas, o Chico e eu, ficávamos até cinco da manhã, um fazendo umas musiquinhas, uns versinhos pro outro. Lembro que a gente apostava pra saber quem conhecia mais os sambas do Noel Rosa. Pra quem perdesse, uma rodada de conhaque Dreher. Das brincadeiras musicais com o Chico lembro dessa: Eu Chico Eu Você ganhou no jogo do riso mas saiu perdendo A sua hora certa o seu amor preciso Eu fiquei devendo Quem deve e não paga a um amor que se ganha chorando e sofrendo. Chico Tem a qualidade de sentir saudade, Sem estar morrendo. Foi uma época e tanto. Participei do Festival Internacional da Canção com um samba, Onde Anda Iolanda. No FIC de 1969 apresentei a música Porta 33. Eu cantava samba. Nunca pensei que fosse fazer tantos discos como tenho hoje. O Chico também era assim, nunca imaginaria se tornar o grande intérprete. Ele tinha uma voz pequena, se inspirou no Noel Rosa, João Gilberto, mas gostava muito de compor, tanto que quem defendeu A Banda no festival foi a Nara Leão. Mas ele começou a cantar, a ser aceito, não sei se estudou canto, mas hoje é um excelente intérprete. Eu também não pensava em ser cantor, gostava de compor, mostrava umas musiquinhas meio acanhado. E vejo que hoje tenho umas 200 obras gravadas, desde moda de viola até partido-alto, samba de breque, marcha-rancho, baião, canções. 87 88 Capítulo X Experiência e prazer O teatro sempre pagou pouco, a televisão muito mais. Se você ganhasse, na época, por exemplo, 2 mil reais, o teatro oferecia 300, por aí. A gente sempre faz por amor, idealismo, sonho. Tem os que, além de atuar, produzem a própria peça, então ganham um pouco mais, mas como ator é difícil ganhar muito. Dá pra sobreviver, ainda mais no Brasil. Fiz teatro, principalmente, pela experiência e pelo prazer. Gostei de tudo que fiz em teatro. O que Vamos Fazer esta Noite? uma peça argentina do Carlos Gorostiza, cujo nome original era Os Próximos, foi um trabalho muito bom, de integração entre os atores, eu, a Lilian Lemmertz, Antonio Petrin, Telma Reston. Foi apresentada no Teatro de Arena e tratava da omissão. Uma família dentro de um apartamento presenciando a violência de um homem matando a mulher, a aman- 89 te, embaixo do prédio. Todo mundo assistindo e ninguém fazendo nada. Então a peça tratava dessa omissão do ser humano, as pessoas ficavam comentando: Olha lá, parece que agora ele tá batendo nela mais, o cara é louco, tem que chamar a polícia!, mas ninguém decide. Isso acontece muito no Brasil, às vezes, atropelamento, o cara cai na rua e ficam dez pessoas olhando e ninguém faz nada. Briga, um cara querendo bater no outro, ninguém toma as dores de ninguém. Existe uma omissão mesmo, clara, olham o que é, mas ninguém toma atitude. 90 Uma vez briguei com uma mulher na rua, “briguei” é força de expressão. Vi essa mulher batendo numa criança, filho dela, mas com tanta violência, que não pude deixar de me meter. Ela disse: Mas ele é meu filho, e eu respondi: A senhora é uma covarde, é seu filho mas isso não lhe dá o direito de bater numa criança que não pode se defender, pare de bater nele, senão vou bater na senhora. Ela parou de bater, juntou gente, fiquei nervoso. Isso existe no Brasil. Antigamente, achavam natural um pai dando uns tapas no filho; eu não acho, um marmanjo pegar uma criança e dar tapa na cara, uns pescoções, não pode. Já apanhei muito do meu pai, mas eu também era contra, nunca achei certo ele bater porque não adiantava nada, o que ele não queria que eu fizesse e me batia pra não fazer, acabei fazendo do mesmo jeito, que era fumar; apanhava porque ele me pegava fumando escondido. Uma vez ele fez um irmão meu engolir um maço de cigarro, mastigar e engolir, depois ele vomitou, passou mal, e meu irmão fumou até o fim da vida, morreu com úlcera. Quer dizer, não é por aí, sou contra a violência. E essa peça era sobre a omissão. Como tudo se passava dentro do apartamento, uma morosidade, só se olhava, não se via a mulher, não tinha muita ação presente, a peça não despertou interesse, não era comédia. Tenho uma posição bem minha sobre isso: o público de teatro ou quer rir muito ou quer chorar, pensar não quer. Infelizmente. Se você faz uma peça pra pensar, está fadada ao fracasso. 91 Está aí a prova do sucesso do Juca de Oliveira, que faz peça com motivo político, mas sempre carregando no humor, pois através do humor se passa a mensagem, se não fizer o pessoal rir, ele não assiste, o brasileiro não tem muito o hábito de pensar, de ler, é preciso estimular para ele ler. Temos uma literatura maravilhosa, mas se perguntar a um jovem se conhece Jorge Amado, por exemplo, ele não sabe quem é. Muitos só foram conhecer o Jorge Amado depois das novelas da Globo. E essa peça argentina foi um fracasso. 92 Como o filme Doramundo, o qual, embora tenha sido premiado, não despertou interesse do grande público, porque é um filme político, sem nenhum ingrediente fantasioso ou humorístico, um filme feito só pra pensar, uma denúncia da polícia violenta que o João Batista de Andrade sempre procurou mostrar nos seus filmes. Mas isso não tinha um apelo. Vendo os filmes do Cacá Diegues, a gente observa como ele bota uma embalagem até internacional, ele joga com outros elementos, porque se joga só pra pensar, não acontece. A Feira Paulista de Opinião considero um dos trabalhos mais marcantes. Uma excelente idéia do Boal de apresentar um painel dos autores mais importantes de São Paulo na época: Bráulio Pedroso, Lauro César Muniz, Guarnieri, Jorge Andrade. O Boal pegou esses dramaturgos, e também compositores que representavam o Brasil nesse momento, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Sergio Ricardo, e alinhavou com música o espetáculo. Os atores se revezavam, participavam de quase todas as peças. Tinha uma do Guarniei em que todo mundo fazia o Guevara. Um ator colocava a boina, dizia um trecho do discurso dele, tirava a boina, colocava em outro ator que passava a ser o Guevara e assim ia, era uma brincadeira de coringa, um exercício muito interessante. A peça tinha uma linha política forte, foi proibida pela censura, fizemos à revelia. Foi uma experiência muito boa. 93 94 Capítulo XI Diretores e diretores Nunca sofri influência de diretores, sempre segui uma diretriz própria, uma linha espontânea. Não digo que é algo inexplicável, sou kardecista e acho que pra tudo tem explicação, mas era uma coisa estranha, muito minha, eu recusava fazer um papel se percebesse que não batia com minha cabeça, nunca fazia nada contra minha vontade. Tenho saudosas lembranças de diretores maravilhosos de novela e teatro. O José Celso Martinez Corrêa sempre foi uma figura elétrica, agitada. Incrível como diretor, mas sempre agitado, eufórico nas explicações. Foi meu primeiro contato com um diretor de teatro. Lembro desse meu trabalho, cenário do Flávio Império. O método dele era stanilavsquiano, usado até pelo Marlon Brando, Montgomery Clift, e o assessor era o Eugênio Kusnet. 95 O Eugênio costumava levar cada ator para uma sala e fazê-lo dizer o texto, dialogava com ele pra ver se estava entendendo o método. Comigo não teve dificuldade. Quando ele me chamou pra fazer esse exercício e eu falei o texto, ele disse com aquele sotaque: Non, non tenho nada que falar, tá perfeito, perfeito. E achei que estava perfeito mesmo. 96 O Boal era diferente do Zé Celso. Embora os dois fizessem um teatro revolucionário, cada um tinha um jeito de dirigir. O Boal, mais naturalista, o Zé Celso mais dramático, meio anárquico. Me identifiquei mais com o Boal, fiz várias peças com ele. Não trabalhei com o Antunes Filho, assisti umas duas peças, conhecia o estilo dele, é completamente diferente desses outros diretores. Quando falo nele lembro de uma brincadeira. Ele já me conhecia e me procurou, acho que queria me convidar pra uma comédia. Falou assim: Você sabe fazer graça também? Eu respondi: Não, eu sou meio sem graça. Ele levou na brincadeira também e ficou por isso mesmo. Chegamos a bater papo outras vezes, mas nunca recebi convite. Tive uma experiência interessante com o Flávio Rangel. Em 1973 estava na Record fazendo novela e fui convidado pelo Perry Sales para substituir um ator na peça Abelardo e Heloísa, que estava no Teatro Paiol, um sucesso, espetáculo de três horas de duração. Eu tinha uma semana de ensaio para substituir o personagem. Teatro brasileiro é sempre assim, os ensaios normais, pra peça estrear, levam um mês e meio, dois, pra substituição era no grito, não sei se ainda é assim. Entrei nessa, era um dinheirinho a mais e sempre uma experiência legal. Assisti ao espetáculo, vi o papel, o Perry disse que o Flavio Rangel ia ensaiar comigo sempre depois da peça, da meia-noite às duas da manhã. Então eu ia toda noite no horário combinado e o Flávio não ia, eu ensaiava com o Perry, que era o ator principal e produtor, com a Miriam Mehler – eram casados na época – e conhecia bem o personagem. Mas o diretor não aparecia. No dia da estréia, aparece o Flávio dizendo que vinha pra ensaiar. Eu disse que não ia ensaiar com ele, o Perry também me apoiou dizendo que eu iria 97 estrear assim mesmo, sem a direção dele. E assim foi, estreei sem ser dirigido. Mas o Flávio assistiu à peça, gostou, e depois veio me cumprimentar dizendo que eu tinha me saído muito bem sem ele e tal. Conto isso hoje como uma passagem pitoresca, engraçada, aliás, tudo na vida devia ser encarado dessa maneira, como um causo pitoresco, porque levar a vida a sério é bobagem, ela não é pra ser levada a sério. 98 Crimes Delicados, a última peça que fiz, teve direção do Antonio Abujamra, estranhíssima na época. Já tinha sido dirigido por ele em Roda Cor de Roda, também com a Lilian e com a Irene Ravache, foi uma comédia excelente, ficou um bom tempo em cartaz e fez um sucessão. É a história de um casal que arquiteta matar a empregada. Achei que ele fez uma direção audaciosa, pegou o Laerte Morroni para fazer a empregada. Ficou uma comédia muito engraçada, uma direção meio surrealista, achei legal. Com Adhemar Guerra tive uma experiência muito boa no musical Oh, Que Delícia de Guer- ra, um musical inglês, uma crítica sobre a guerra muito bem-humorada, com músicas protestantes, toda feita em cima de músicas sacras misturadas com sacanagens, brincadeiras, tudo pra gozar a guerra. Tinha um verso assim: Acabada essa guerra, não carrego mais fuzil/vou mandar o general/para a puta que o pariu. O Adhemar também fazia uma direção diferente, estranhei um pouco porque vinha da televisão, onde a gente pegava um capítulo de novela, decorava e fazia. No teatro não, e com essa peça o Adhemar começou fazendo um relaxamento com os atores. A gente tinha que deitar no chão, ele ficava fazendo um relaxamento corporal, mental, meu negócio era tomar um conhaque e dar risada. Nunca vi rivalidade entre o Arena e o Oficina, os dois grupos tinham linhas diferentes de trabalho. Trabalhei com o Boal e com o Zé Celso, eram grandes contestadores, pude perceber isso na vivência. Estreei no Oficina com o Zé Celso e em 68 fui fazer o Arena com o Boal e já notava 99 as diferenças entre os dois, cada um querendo mostrar a realidade brasileira de um jeito particular. O Oficina com o Zé Celso, o Renato Borghi, Etty Fraser, o Kusnet, o método Stanislavski, e o Arena já na linha do Guarnieri, depois fizeram shows. 100 O Boal dirigiu um show com o Ary Toledo, que só existe hoje como humorista por causa disso. Ele era ator do grupo. Inclusive, pouca gente sabe que a música O Comedor de Gilete, que foi feita para esse show com o Ary Toledo, é do Vinicius de Morais e do Carlinhos Lira. É uma música gozativa, o Ary gravou, fez sucesso, e como ele contava piadas, o Boal montou o espetáculo com ele, que estourou, ficou três, quatro anos em cartaz no Arena. A gente brincava dizendo que ficou esse tempo todo porque o Arena é pequenininho, lotava todo dia. Chiclete com Banana, por exemplo, foi um espetáculo que o Boal fez em cima de uma idéia minha. Existe uma música do Gordurinha com esse nome, gravação do Jackson do Pandeiro: Só boto bi-bop no meu samba quando o Tio Sam pegar o tamborim... Falei da música pro Boal, de que ele poderia mostrar a grande influência da música americana na nossa. Ele gostou da idéia e fez o Chiclete com Banana no Arena, com Beto Rushel; um sambista, acho que o Arnaldo Batista; mais uns cinco atores, não lembro o nome dos outros. Ainda tenho o long-play do espetáculo. O Arena fazia essas experiências, já o Oficina fazia montagens arrojadas, com aqueles cenários do Flávio Império. Então, eram linhas diferentes, não havia rivalidade. No final das contas, é como disse uma vez o Chico Xavier, quando perguntaram o que ele achava do comunismo, socialismo, dos países democratas, da guerra fria da Rússia com o mundo ocidental, os EUA. Ele dizia que eles estavam indo num túnel, um entrou de um lado, outro de outro, vão se encontrar no meio. Tanto no teatro como na televisão, entrei com a cara e a coragem, com o que tinha de intuitivo. Acho que o ator gosta de fazer teatro porque se sente vivo, o contato com o público é direto, 101 já com a televisão é máquina. Tenho muita vontade de voltar a fazer teatro, um personagem bom, tenho até idéias sobre isso. Há pouco tempo falei com o Lauro César Muniz sobre a hipótese de uma adaptação pra teatro de um livro do Catulo da Paixão Cearense, Um Boêmio no Céu. É uma peça rimada, conta a história de um boêmio que morre, vai pro céu e dialoga com São Pedro em versos, muito bonito. 102 Gostaria também de fazer uma comédia, gosto muito do gênero. Seria legal uma temporada de quinta a domingo ou de segunda a quinta, aí poderia conciliar com meus shows. O Juca de Oliveira, que sempre tem idéias boas, uma vez disse que o sonho dele era escrever uma peça envolvendo nós dois nesse universo caipira. Até me animei, vamos ver ano que vem, se eu estiver com gás. A vontade de atuar novamente é grande, me emociona estar no palco, o ritual me fascina desde criança. Tenho vontade até de estimular o pessoal da Granja Viana a trazer peças, tem um teatrinho legal aqui, precisa movimentar. O pessoal fica por aqui, não vai a São Paulo porque é longe, tem o trânsito, é difícil estacionar, sei lá. Precisa ser um programa, que geralmente sai caro. Mas eu costumo ir ao teatro. Vi essa peça Primeira Pessoa com a Vivinha (Eva Wilma). Foi uma grande alegria ver ela de novo, com toda a corda, fazendo um espetáculo bonito sobre o Zara (Carlos Zara), que foi meu amigo, irmão, devo muito a ele, vi o começo do namoro dos dois, durante a novela Mulheres de Areia. 103 104 Capítulo XII Cinema, o melhor prêmio. O cinema pra mim foi uma coisa inesperada e que me deu muita alegria, porque vivia praticamente de teatro e televisão. Mas não estranhei fazer, fiz com a maior tranquilidade, como se fosse uma externa de televisão, o processo na minha cabeça era quase o mesmo. 105 O personagem Pereira, que fiz em Doramundo, cresceu e virou o protagonista, de acordo com o diretor João Batista de Andrade, que teve de botar meu nome em primeiro lugar nos créditos. Era um triângulo amoroso, eu um ferroviário, a Irene Ravache fazia a minha esposa e o Antonio Fagundes o amante. Foi uma experiência muito positiva, teve muita repercussão e o papel me deu o prêmio de melhor ator da APCA. Doramundo não foi um filme popularesco, não fez sucesso de público, foi considerado filme de arte. Era uma história de cunho político, passada em 1938, quando tinha aquela ferrovia Santos-Jundiaí, que levava o café para o porto de Santos. Se passa numa vila onde só moravam ferroviários, Paranapiacaba, perto de Ribeirão Pires, na descida da serra. É uma cidade estranha, tem um nevoeiro constante, uma torre, lembra aquelas cidadezinhas da Europa, fria, nebulosa. 106 E começaram a acontecer uns crimes misteriosos. Participavam muitos casais. O Raimundo, o Fagundes, era solteiro, e as investigações da polícia apontavam a possibilidade de aqueles crimes serem políticos ou por rivalidade entre os casados e os solteiros. O filme era pesado, mas muito bonito. A fotografia também ganhou prêmio. Idem a direção. Foi premiado fora do Brasil, na Espanha, e aqui concorreu no Festival de Gramado. Foi uma experiência maravilhosa porque estreei no cinema e já fui ganhando o prêmio de melhor ator, a surpresa foi grande. Gosto de ir fundo nas coisas que faço, e quando vi que estava diante da oportunidade de fazer cinema, resolvi entrar de cabeça. Passei uma semana convivendo com os ferroviários, observando, sentindo o jeito deles viverem. É trabalho de ator mesmo, se tivesse que viver um débil mental, ia passar uma semana no hospício pra ver como funciona. Recebi um figurino para o personagem, roupa nova, coturnos, a calça nova, de brim, um paletó. Uma semana antes fui trocando com as roupas usadas dos ferroviários, troquei a botina, as calças, jogava bilhar e tomava pinga com cambuci, a ponto de não saberem quem eu era. Quando começaram as filmagens, eu já estava com a roupa toda de um deles, até as marcas de suor. Deixei a barba por fazer uma semana, duas, ficou um personagem sujo, barbudo, comia o bife com a mão, que era muito comum no interior. Peguei um pouco o jeito do meu pai, mecânico de oficina. Senti bem o ferroviário, um personagem humano, legal de fazer. Quando descobre que está sendo traído pela mulher é 107 um choque, toma um fogo num bar, chora e desabafa com o dono, papel feito pelo Felipe Danovan. A cena é uma coisa bem do interior, o sujeito fica sozinho bebendo até três horas da manhã, falando e chorando. Aí foi preso, apanhou, o delegado da investigação era Armando Bogus, que me batia de verdade na cara. Eu até escrevi na foto dessa cena: Um dia você me paga!. 108 Na televisão, tinha uns atores que judiavam da gente de verdade. No começo de carreira, na Tupi, fiz muita figuração em programas de aventura. Tinha um, Falcão Negro, estrelado pelo José Parisi. Era ao vivo, não tinha ainda o videotape. E o Parisi batia de verdade, todo dia tinha um, dois indo pro hospital de ambulância. Ele era meio grosso, violento, marcava uma briga e era pra valer. Teve fatos curiosíssimos. Uma vez ele pegou um cara meio louco, machucou feio, e, em cena, o cara revidou, partiu pro pau e começou a ganhar do mocinho. E no chão, o cara em cima dando porrada, o Falcão Negro falou: “Sai daí, rapaz, eu sou o mocinho. Você é o mocinho?”, disse o figurante, então quero ver você sair daí agora. Precisaram de uns dez pra tirar o cara de cima, a estação saiu do ar, colocaram só uma musiquinha. O Doramundo foi uma atuação com muito realismo: o Bogus, o Fagundes, a Irene, todos estavam excelentes. Curioso é que depois não recebi mais convites pra fazer outros papéis como esse, recebi para umas bobagens que nem considerei. Fui convidado pra fazer um papel pequeno em Marvada Carne e outros parecidos, não fiz, não ficava bem ter ganho prêmio de melhor ator em Doramundo e logo depois fazer uma pontinha, não interessava. Vinte anos depois, o João Batista me convidou pra fazer O Tronco. Pra brincar com ele, fazer gozação, contei uma piada que é assim: - Dois compadres moravam há 20 anos de parede-e-meia (casas em que a mesma parede serve pras duas), as duas portas bem pertinho uma da outra. Mesmo morando um grudado no outro, só se cumprimentavam na rua, nenhum nunca tinha visitado o outro, eram dois caboclos esqui- 109 110 sitos. Um dia, um deles resolve visitar o compadre, era só virar o corpo, e bateu na porta, o outro atendeu. - Vim fazer uma visita pro senhor. O homem ficou contentíssimo. - Vamo entrar, compadre. Maria, olha quem tá aqui, o compadre veio visitar nóis. Aí já fizeram bolinho, tocaram violão e cantaram, botaram a conversa em dia. Depois de umas quatro, cinco horas de prosa e cantoria, o compadre resolveu se despedir e foi embora. Virou de novo o corpo e entrou em casa. Ficou mais 20 anos sem visitar o vizinho. Depois de 20 anos, resolveu visitar o compadre outra vez. Virou o corpo, bateu na porta; o outro, quando abriu a porta e viu quem era, perguntou: - O compadre esqueceu alguma coisa? Com o João Batista foi mais ou menos parecido. Quando ele me convidou pra fazer O Tronco, perguntei: “João, depois de 20 anos, você me convida pra fazer outro filme, esqueceu alguma coisa?”. Mas valeu porque fiz, nesse filme, outro personagem completamente diferente, um coronelzão. Era história de época também, passada nas terras dos coronéis de Goiás, aquelas brigas por terra, com política no meio, que o João gosta de fazer, baseada no texto de um escritor goiano. Eu fiz um coronelzão barbudo, dono de fazenda e na história tudo gira em torno dele. Aí ganhei o prêmio de melhor ator coadjuvante do Festival de Brasília, o Candango. Então, essas duas experiências no cinema no intervalo de 20 anos foram muito importantes. Espero que daqui a mais 20 anos me convidem pra fazer um velhinho, aí ganho outro prêmio. Há pouco tempo uma produtora da Globo me consultou se eu queria fazer uma novela dirigida pelo Jayme Monjardim, eu respondi que não queria mais fazer novela. Ela disse em seguida que o Jaime vai fazer um longa e perguntou se um longa eu faria, eu disse que um longa, sim. Cinema é fascinante. 111 Na época em que a Tupi fazia uns especiais, eu fiz um do Chico de Assis em preto-e-branco chamado Billiziquidi, de duas horas; tenho esse tape e estou querendo passar pra DVD, como se fosse cinema, o original está na Cinemateca e tenho uma cópia. 112 Quando a televisão fazia teatro, era puro cinema. Teve uma época em que o cinema brasileiro ficou banal, primeiro teve o tempo das chanchadas, o Oscarito, Grande Otelo, depois veio o cinema apelativo, muita gente achava que o negócio era fazer muitos filmes, mesmo que fossem de má qualidade. Acho que não. Acompanhei outro dia pelos jornais uma discussão sobre leis de incentivo e uns cineastas falavam sobre isso, que hoje os filmes são feitos com seriedade, com mais tecnologia, mais empenho e com qualidade até de exportação. A gente vê que o cinema brasileiro caminhou muito, do tempo da Atlântida pra cá. Aquilo era brincadeira, virou clássico, mas era uma coisa bem primária, enquanto o americano já fazia grandes produções. Capítulo XIII Finas misturas Sempre tive esse lado musical aflorado, e ele foi desabrochando com a televisão, mas esperei a época. Só nos anos 60 é que consegui alguma repercussão no meio musical. Em 60, 61, gravei o primeiro disco como compositor. Tinha casado com a cantora Lurdinha Pereira, somos casados até hoje, era o primeiro disco dela, e tinha uma música minha e do Geraldo Vietri, um samba, Papéis Velhos. Ela gravou outra música minha, um maxixe, o diretor pediu pra eu cantar um verso, cantei, ele gostou e fui lançado como cantor. Aí fui mostrando outras coisas, e o pessoal foi me conhecendo aos poucos. Participei do Festival Internacional da Canção, o FIC, com Os Titulares do Ritmo, em 1968, com um samba, Onde Anda Iolanda. Só cantava samba. Nessa época surgiu o Chico Buarque, ficamos amigos, fazíamos espetáculos 113 114 de teatro juntos, umas músicas de violão que botávamos nos festivais da vida. E fui gravando meus compactos, até aparecer o primeiro longplay, O Cantador, em 1970, a contracapa assinada pelo Chico. A partir dele desenvolvi um trabalho musical grande. No quarto disco, quis fazer um trabalho de reminiscência, de retina, lá de Guaíra da minha infância. E gravei os clássicos caipiras, no long-play Longe de Casa. O disco recebeu elogios dos melhores críticos musicais do Brasil, até o Pasquim falou bem dele e me vi colocado de fato no mercado fonográfico. Daí pra frente o público me via mais como caipira e fui desenvolvendo outros trabalhos nessa linha. Acabei gravando umas 250 obras. Na temporada da peça Crimes Delicados, com a Cacilda Lanusa, o Laerte Morrone e direção do Abujamra, viajamos pra Santa Maria da Boca do Monte, no Rio Grande do Sul. Como eu cantava, quando propuseram levar a peça, eu disse que só ia se comprassem meu show também. E compraram para um clube, depois do espetáculo. Quando terminou, lá pras 11 da noite, fui fazer o show, e foi ótimo, ganhei mais uns trocados, o Abujamra gravou o show inteiro, tenho as fitas até hoje, aqueles rolos antigos. Sempre associava meu trabalho musical com o teatro, a televisão. Na temporada dessa peça em São Paulo, gravei o disco mais importante e belo da minha carreira, uma antologia da música caipira tradicional das décadas de 40 e 50, tempo em que vivia em Guaíra. Saía do Teatro Augusta à meia-noite, cansado, a garganta a mil, e ia pro estúdio da Gravodisc. 115 A idéia do programa Som Brasil me acompanhava há muito tempo. Desde menino tinha fascínio e curiosidade pelas coisas do Brasil. Lia Graciliano Ramos, Érico Veríssimo, Jorge Amado, Câmara Cascudo, ouvia Noel Rosa, Almirante, Lupicínio Rodrigues, Ari Barroso, Assis Valente. O programa era o maior ibope do horário. Foi uma experiência muito boa, de auditório. Em Bauru teve padre que mudou a hora da missa pra não sofrer a concorrência. Deixei a Globo porque ela não quis que o programa entrasse também no horário noturno, eles só me viam como um preenchedor daquele espaço, uma espécie de caipira de luxo. Talvez até por preconceito contra a música brasileira. 116 Eu levava o teatro pro palco. Levei Na Carreira do Divino, do Soffredini, com a Eliane Giardini, um sucesso danado. A Eliane fez uma cena que foi pro ar. Levei a Walderez de Barros, mulher do Plínio Marcos, pra interpretar um texto, convidei o Otávio Augusto pra declamar comigo um poema caipira. Eu usava o conhecimento de ator, a dinâmica do teatro e envolvia os artistas no programa. Levava repentista, fazia ele cantar no meio do povo. Foi um musical completamente diferente na televisão, quase uma ópera, ele veio teatralizar a música, a cultura popular. Era diferenciado, e só fez sucesso por causa disso. Nos três anos na Globo, tive autonomia total, nunca houve empecilho ou alguém dizendo que devia ser as- No Som Brasil, com Massin Filho e Brioso (acima) e Fafá de Belém (abaixo) 117 sim ou assado, foi do jeito que eu imaginei. Foi bonito ver que o que eu fazia estava dando certo, dava ibope. Faz 20 anos que saiu do ar e até hoje está na história da televisão. Eu sempre dirigi meus shows. Sem querer ser centralizador, acabo sendo o diretor, faço as marcações, tenho o conceito das cenas, o roteiro, tudo na cabeça. Mas dou sempre ênfase para o convidado. 118 A direção da Globo achava que eu devia cantar mais, eu dizia que não era o Moacir Franco. Me considero um meio para que os artistas se apresentem, eles é que são importantes no programa. Nunca fui de entrevistar, nem sei, não sou um Jô Soares. Eu fazia um gancho pro artista sobre o que ele ia cantar, mas deixava ele à vontade pra falar o que quisesse. Fiz assim com o Herivelto Martins. Não sabia o que fazer com ele, e de repente descobri que ele declamava poesia caipira. Disse pra abrirem a câmera no rosto do Herivelto, e como ele tinha um nome que usava no circo, Zé Catinga, coloquei esse No Som Brasil, com Colé (acima) e Umberto Magnani (abaixo) 119 nome na legenda abaixo do rosto, a data e a referência ao circo. E ele declamou o poema como esse personagem, depois cantava. Eu criava algo sem que fosse esse tipo de entrevista mais comum. Abri meu primeiro programa dizendo que não era um apresentador, era simplesmente um contador de causos, de histórias de tipos brasileiros. 120 O Som Brasil foi inspirado num programa de rádio da Tupi onde se apresentava o poeta e também ator Lulu Benencase, da cidade de Americana. Lulu foi um dos primeiros a promover a poesia caipira falada, declamada. Ele fazia um personagem chamado Juca, o poeta do sertão. O Homero Silva, radialista, deputado, apresentava o Lulu que declamava um poema caipira de fazer o público em casa chorar. Inspirado no Lulu, eu abria o programa sempre com um poema caipira bem apelativo. Mas declamava poemas de autores do Brasil inteiro, de caipiras paulistas, nordestinos, gaúchos, goianos. Adaptava contos. Por exemplo, criei um poema caipira em cima de um conto do Rubem Braga, No Som Brasil, com Moreira da Silva (acima) 121 grande cronista e contista, que se chamava Eu e Bebu (de Belzebu). É a história de um caboclo que fica um dia e uma noite com o demônio e os dois se tornam amigos. Acho que o Rubem escreveu isso pra mostrar esse lado obscuro que todos nós temos, que é um demônio dentro da gente. Carinhosamente ele me chamava de Zé Capiau e eu chamava ele de Bebu. O Lulu que me inspirou a fazer isso no programa. Morreu moço, como eu costumo dizer, viajou fora do combinado. Quando viajava, pedia pra eu declamar no lugar dele. 122 Naquele tempo descobria nomes através de fitinhas cassete que me enviavam de todo o Brasil, ouvia tudo com o maior cuidado, escolhia uma música e mandava chamar o artista. Descobri gente que está aí no mercado e já tem cinco, seis CDs gravados. Em Goiás, Goiânia, Tocantins existiam grupos ligados a essa música purinha, não sertaneja, música nossa mesmo. Eu mandava gente minha buscar material, conhecer quem cantava. Tinha um festival em Goiânia. Uma dupla chamada Genésio Sampaio e Juraildes da Cruz ganhava todos os concursos, trouxe eles pro programa. Um deles mudou o nome pra Genésio Tocantins. São dois excelentes intérpretes da nossa música do interior, sem ser sertaneja nem caipira, mas muito brasileira. O que impera na nossa música é uma influência descarada da música americana, mexicana, paraguaia, agora, mais americana ainda. Vê-se duplas sertanejas cantando uma miscelânea que nem se entende. E a nossa música é tão rica... Essa música aí que eu chamo de alto consumo, as duplas famosas, isso não passa de uma música romântica apelativa. Qualquer um desses que canta na primeira voz pode ser comparado com Roberto Carlos, que não é cantor sertanejo. Essas duplas usam a denominação sertaneja pra vender disco, não que enganem o público, mas este pensa que é música sertaneja e consome. Se gravar qualquer um deles sozinho, o que sobra é um cantor romântico. Música brasileira regionalista, do Sul, de Goiás, do Norte não tem nada a ver com isso, tem características próprias sem influência da música americana, mexicana, 123 é uma cantilena diferente. A gente ouve um Elomar, é um clássico. E para retomar com gente assim, teria que descobrir de novo, pesquisar e ver esse pessoal se interessar e aparecer, deve ter muitos por aí. Dos novos que eu conheço, tem o Zeca Baleiro, o Chico César, posso citar também o Lenine, que esteve no Som Brasil, fazia dupla, era Lenine e Suzano. O Gil cantou no meu programa, levei muita gente boa. No Som Brasil, com Gilberto Gil 124 Uma vez comentaram que eu levava muito nordestino. Eu respondi que se formos ver na história da nossa música, o que sobressai muito é a nordestina. Grande parte dela é baiana. Começa com Caymmi, João Gilberto e todos esses que a gente conhece. Se formos falar de música brasileira genuína, vai surgir sempre o Norte e o Nordeste. Não conheço uma música do Luiz Gonzaga que não tenha sido sucesso. Convivi bastante com ele. Nosso último contato foi num show em Brasília pra arrecadar fundos pra casa que ele tinha em Exu. Estava todo mundo, Chico, Gonzaguinha, Dominguinhos e depois fomos jantar num lugar bem simples, tomar uma pinguinha. Já cantamos juntos, ele de alpercatas, camisa floreada pra fora da calça e aquele chapéu de vaqueiro, sempre à vontade. Levei o Jackson do Pandeiro numa das últimas apresentações dele, em 1982. O Gordurinha, compositor e intérprete nordestino, é maravilhoso. Tem muita gente esquecida e é preciso fazer o 125 povo lembrar que existiram. A dupla Venâncio e Corumba cantou no meu primeiro programa. Fiz os dois reatarem amizade no palco, depois de 12 anos separados. Colocava embaixo da imagem: Venâncio e Corumba, juntos de novo. Com Alvarenga e Ranchinho botava: Criação imortal de Alvarenga e Ranchinho. É não deixar morrer essas coisas da cultura, os nomes esquecidos. Renovar é bom e precisa, mas também não podemos esquecer os valores. O Ranchinho, um grande talento, depois da morte do parceiro, estava jogado fora. 126 Outro dia ouvi no rádio, por acaso, uma entrevista do Orlando Dias. Ele pedindo pra ser convidado pra cantar porque ainda está cantando bem. E cantou um pedacinho. Pensei comigo: se tivesse meu programa era um cara que levaria pra fazer uma brincadeira. Orlando Dias começou imitando Orlando Silva, por isso o nome. Depois falaram pra ele que imitando não ia adiantar, não iria fazer sucesso, não tinha como imitar o maravilhoso Orlando Silva. Ele então criou um jeito de cantar, de fazer uma voltinha na voz e marcou o estilo. Ele se apresentava se ajoelhando no chão, com um lenço, e gritava: Minhas fãs! Minhas fãs! O Nelson Gonçalves também começou imitando Orlando Silva, as primeiras gravações dele enganam qualquer um. Mas depois foi saindo fora, cantando de outro jeito, senão não faria sucesso. O Roberto Luna tinha um jeito de cantar jogando o cabelo pra frente, agora não tem mais cabelo pra jogar. Costumo dizer que a única música que não se deixa influenciar pelo estrangeiro é a nordestina. A Elba Ramalho, por exemplo, consegue ser uma cantora de sucesso cantando baião. Ela não se vende e não se rende a influências da música americana, inglesa, canta música nordestina, tanto leve ou agitada, vende muito. No Brasil é muito forte a influência do que vem de fora. A festa de Barretos, por exemplo, virou internacional, é Nashville, basta observar as vestimentas, cinturões, chapéus, toda a estrutu- 127 128 ra da festa. Antigamente havia influência da música mexicana, o bolero, o tango, vendia muito. Quando surgiu a guarânia paraguaia da fronteira, era uma febre. A música Índia é uma versão do Zé Fortuna, Primeiro Amor. Tem uma que chama Che Picazumi (Meu Pássaro, em tupiguarani), que virou Solidão, também na versão do Zé Fortuna. O musical Som Brasil sempre esteve longe dessas influências, foi sempre pro coração, pro miolo do Brasil, por isso trouxe essa música do Norte, Nordeste, Sul, mesmo que fosse considerada cansativa. Lancei a dupla Caju e Castanha, eram dois menininhos e foi sugestão do Dominguinhos, disse que eu devia mostrar uma dupla de garotos que cantavam nas feiras de Pernambuco. Foi um sucesso, eles cantaram meia hora sem parar, era um xingando o outro, tive que cortar. Depois trouxe duas mulheres, Lindalva e Terezinha, que cantavam na feira de São Cristóvão, no Rio de Janeiro. Eram bem feias, mas tinham um talento, uma versatilidade pra fazer repente de arrepiar. Também ficaram meia hora cantando, uma xingando a outra, e todo mundo rindo sem parar. Prevalecia muito o Nor- te, o Nordeste, porque o Brasil é isso e temos que mostrar. Música sertaneja não existe, foi inventada. Como o termo caipira tinha um significado pejorativo para muitos, então criou-se novo termo. A música caipira é a música do caboclo, purinha, sem influência nenhuma. Essa música sertaneja de alto consumo eu não considero música brasileira porque é produto de importação. As duplas usam o rótulo sertanejo porque é muito popular: tiraram a denominação caipira, talvez, também, por causa daquele retrato do Jeca Tatu, aquela imagem de que caipira é analfabeto. Então rotularam e vendem esse produto como sertanejo, como se fosse uma coisa regionalista, lá da roça, e isso é mentira. É música superinfluenciada pela de vários países, e rotularam de sertanejo para vender discos e ficarem ricos. Autêntico mesmo, só o João Pacífico, fazia música com temas puros, cada obra-prima. Não tenho muito contato com as duplas de sucesso porque fico afastado desse gênero. Mas 129 quando a gente se encontra, o tratamento é respeitoso, de admiração. Já fui assistir um show do Chitãozinho e Xororó, esses dois meninos me foram apresentados quando ainda eram garotos para que eu os avaliasse. Há mais de 30 anos, quando estava fazendo um trabalho de rádio voltado para o caipira, o Geraldo Meireles me pediu para avaliar os dois. Subi com eles para o estúdio, eles cantaram, até dei uma música pra que aprendessem, mas nunca cantaram. Quando fui assistir ao show deles, a gente lembrou disso, brincou, riu e tal. 130 Apresentei a dupla Milionário e Zé Rico no Som Brasil. Nunca tive preconceito contra artista, faço crítica ao trabalho que desempenham. Acredito nesse pessoal como artista, todos têm um potencial maravilhoso, são grandes intérpretes. Só que pra faturar trabalham um produto ruim, de péssimo gosto, e a mídia trabalha em cima disso, a rádio trabalha, então eles vendem. Geralmente, nessas duplas, quem faz a primeira voz é bom cantor ou cantora, só que eles aproveitam a onda de dupla e dizem que cantam sertanejo pra vender disco. Quando morre um, ou a dupla se separa, o que faz a primeira voz continua, como um Roberto Carlos, que canta exatamente a música que eles cantam. Música romântica. Não estou em festivais nem na mídia, tenho um grande trabalho fonográfico, mas não sou colocado na música brasileira. Tenho verbete em enciclopédia, mas não se ouve falar. A música que divulgo é marginalizada, parece que não faz parte da música popular brasileira porque não é samba, e é samba também, faço samba, gravei. Quando lançar o projeto Gavetas é que o público vai perceber, tenho dois discos primorosos de samba, pouca gente conhece. É que ficou aquela coisa caipiresca, a mídia só explorou isso e limitou meu universo. Mas sei que sou único no que faço, essa coisa de misturar tudo. Sempre fui ator, cantador, compositor, plantei árvore... É que não estou aí na mídia, não sei plantar notícia. 131 132 São Joaquim, bodas de ouro dos pais Amadeu e Alzira, 1972 Capítulo XIV Acredita quem quer De alguns anos para cá me tornei kardecista. Antes eu era bem materialista. Falando nisso, quero lembrar que meu pai seu Amadeo era herege, ateu descrente de Deus. Diferente da minha mãe dona Alzira, que era até rezadeira. Rezava pros 12 filhos, bisnetos, parentes, vizinhos, amigos. Fiquei sabendo que ela andava rezando até pro Cid Moreira, repórter da Globo. Aí, perguntei por que ela rezava pra ele, se nem conhecia pessoalmente. E ela emendou naquela bondade e compreensão filosófica que só quem é puro sabe: Se ele trabalha na televisão, deve de precisar de muita reza. Concordei no ato. Comecei a ler os livros do Kardec como quem não quer nada e passei a aceitar essa filosofia espírita, mas não freqüento centros, gosto mesmo é de ler. Tornei-me uma pessoa interessada em conhecer esse outro lado através 133 de várias filosofias, sou curioso, e fiquei muito voltado ao kardecismo. Acredito na outra vida, no lado místico, mas sempre com o pé no chão, e vejo que isso faz parte do meu caminho, da minha vida. De certa forma explica a razão de eu estar aqui. 134 Por conta do espiritismo e do kardecismo, tive umas experiências que envolveram o nome do Cornélio Pires, de quem já falei no começo. Estava fazendo o espetáculo Paia Assada, no Teatro Paiol, e um dia uma senhora me esperou no final, disse que era vidente e me falou uma coisa muito bonita. Acredite quem quiser, quem não acredita, paciência, eu acredito. Ela disse que viu sentado no palco, me assistindo, me apoiando, o Cornélio Pires. Outra vez foi quando fui homenageado na cidade de Tietê, terra natal dele. Recebi um troféu da Semana Cornélio Pires, por promover seu trabalho e sempre me referir a ele e tal. Quando acabou a solenidade, uma pessoa que estava no auditório me abordou e falou que viu o Cornélio do meu lado. A outra história é que foi incrível. Estava indo pra São Joaquim da Barra visitar minha mãe, dirigindo um Landau hidramático, sozinho. Na volta, saindo da Rodovia Anhangüera, peguei uma estradinha pra Piracicaba, cortando por dentro, pra sair no sítio que eu tinha em Porto Feliz, perto de Tietê. Era mais ou menos meianoite, eu tinha tomado umas pingas, umas bebidinhas com meus parentes e vinha todo alegre, mas acho que correndo muito. De repente, todas as luzes do carro se apagaram, pifou tudo. Me apavorei. E comecei a procurar o breque, fui brecando, brecando, quando brequei de vez, os faróis voltaram a funcionar. Bem na minha frente tinha uma tabuleta onde se lia Rodovia Cornélio Pires. Tomei aquilo como um aviso para não correr tanto. Mas como também não sou nenhum bobão de achar que tudo é espiritual – podia ser uma baita coincidência – e como a luz tinha voltado, disse que se fosse mesmo um aviso, que a luz se apagasse naquele instante. E ela apagou e acendeu. 135 136 Aí fui embora a 20 km por hora, o rádio ligado e agradecendo a proteção. Achei que podia ter sido mesmo o espírito do queridíssimo Cornélio Pires, ou de alguém, de um anjo da guarda, me alertando pra maneirar mais na direção. Gosto de contar isso, é uma coisa bonita e ligada ao meu trabalho, sinal de que tenho uma grande proteção dentro desse universo. Tanto que eu andava parado, querendo só fazer um show aqui e ali, e o ano passado me veio um estímulo danado, montei o escritório e retomei os projetos. Enquanto tiver gás, tenho mais é que fazer as coisas que gosto. E como estou ainda muito mocinho, só 68 anos, tenho bastante estrada pra percorrer. Capítulo XV Abrindo gavetas O Brasil é a mistura mais maravilhosa da Terra. Estou lançando no mercado agora uma “gaveta” com 100 obras. São dois CDs de sambas antológicos que eu canto, e quatro ou cinco de músicas caipiras clássicas, um CD de poemas que eu declamava nos programas de televisão, um DVD onde conto a história dos musicais que eu fiz na televisão, mas com tudo já gravado, tirado da gaveta. A Globo cedeu os tapes do Som Brasil, a SBT, a Bandeirantes, a CNT também. Estou fazendo um alinhavo, como se fosse o contador, o narrador da história, pra não deixar perder essa idéia, a imagem desses programas. Tem a gaveta com oito CDs, um livro chamado Causos de Gaveta e uma idéia de um programinha de rádio. Todo esse trabalho fonográfico e o de vídeo resumo como um trabalho de ator. 137 Estou fazendo um DVD contando a história dos meus programas de televisão, dessa minha visão da cultura popular através da música, poesia, literatura, expressões culturais brasileiras as mais puras possíveis. Isso que eu persigo desde garoto. É um alinhavo dos programas Som Brasil (TV Globo –1981/ 82/ 83), Empório Brasileiro (TV Bandeirantes – 1984), Empório Brasil (SBT– 1989), Estação Brasil (CNT–1994). 138 Esses quatro programas eram sempre dentro da mesma idéia, só mudava o título, porque este fica sendo propriedade da emissora. Percebo que um dia fui encarregado de tomar conta de um certo tipo de cultura, de expressões culturais do nosso País. Esse tomar conta é em relação à natureza, Deus me encarregou de fazer isso, porque sempre me preocupei com a nossa cultura. Esse trabalho que divulgo há anos não está na mídia tanto televisiva, como em jornais ou revistas. Dificilmente se encontra uma abordagem mais profunda e minuciosa como essa. Por isso costumo dizer que fui encarregado, e o DVD vem confirmar isso. Acima, com Bentinho e abaixo, com Carmen Costa 139 O projeto Gavetas tem um slogan: Vamos tirar o Brasil da Gaveta, que também faz parte desse meu projeto de vida. 140 Tem coisas marcantes da nossa cultura que não se pode deixar na gaveta, e geralmente ficam; quanta coisa importante se perdeu, quantos artistas estão aí desconhecidos do público jovem que não acompanhou sua vida e obra nem tem como participar porque ninguém resgata isso. Então esse projeto não deixa de ser uma tarefa mesmo. Por isso digo que sou encarregado, que acabei ficando um pouco responsável por esse tipo de cultura. Tenho certeza, infelizmente, que sou um dos poucos que fazem isso no Brasil, devia ter mais. Antigamente tinha muito escritor brasileiro preocupado com nossa cultura. Tinha Waldomiro Silveira, Amadeu Amaral, Cornélio Pires, que escreveu vários livros sobre a cultura caipira paulista. Tivemos o Jorge Amado, que fez uma obra belíssima, mas mais direcionada para o povo da Bahia. Eu me preocupo muito com o Brasil de forma global. Não gosto de fatiar o País em pedaços de um bolo, acho que o Brasil é um só. Tem um texto do escritor gaúcho Érico Veríssimo que eu gosto muito de citar que é assim: Vendo e ouvindo este canteiro tão íntimo da terra e da vida, iluminado pela sabedoria do coração, você compreenderá que o homem brasileiro é milagrosamente um só, de Norte a Sul, de Leste a Oeste, a despeito de suas distâncias geográficas. Um só no que possui de essencial: a cordialidade, o horror à violência, a capacidade de dar-se, de rir da vida, dos outros e de si mesmo. Uso isso como ponto de partida do que eu faço. Esse texto tem a ver com minha cabeça, o Brasil é um só. É a mistura mais maravilhosa da Terra. O projeto Gavetas é uma miscelânea. Juntei quatro programas diferentes. Uma gaveta tem oito CDs com 100 obras que gravei nesses 40 anos de cantoria. Músicas de todo gênero, da roda de viola ao samba de breque. São dois CDs só de sambas, um só de canções, quatro de música caipira tradicional, não essa sertaneja de alto consumo, o CD de poemas caipiras – nordestino, gaúcho, caipira paulista. 141 É uma obra representando o Brasil, por isso o slogan. Estou produzindo o projeto com minha assessora Patrícia Maia em parceria com algumas empresas, os CDs com uma, os DVDs com outra e já está tudo encaminhado. Tem um livro de “causos” que não foram contados, não são coisas velhas, de baú, não, estavam na gaveta, a gente pode ter coisas, idéias novas na gaveta. Tem rádio, vou fazer um especial de rádio por semana, cinco minutos de Brasil em doses homeopáticas diárias. 142 Esquentai vossos pandeiros é uma frase de um samba de Assis Valente, Brasil Pandeiro, que virou quase que um hino nosso. É uma gravação do Bando da Lua, que foi com a Carmen Miranda pros Estados Unidos na década de 40, e eles cantavam essa música. Usei a frase porque o disco é uma homenagem aos grupos vocais que hoje quase estão em extinção, como Anjos do Inferno, Quatro Ases e Um Coringa, Vocalistas Tropicais. Gravei coisas antológicas desses grupos, de 1940, 44, e esse disco é inédito, fiquei com os direitos dele, vou lançar nesse projeto Gavetas. Com Adauto Santos (acima) e Ana de Hollanda e Paulinho Nogueira (abaixo) 143 Peguei esses quatro como base, tinha mais, o Vagalumes do Luar. Selecionei três, quatro músicas de cada um e fiz o seguinte: arranjo de Theo de Barros, autor de Disparada, excelente músico e maestro, e pedi pra ele manter a forma de arranjo do original. Gravei numa fitinha todas as músicas com os próprios próprios grupos cantando, pedi que o Theo reproduzisse para eu cantar, como eles faziam. 144 Foi difícil achar o violão dinâmico, não existe mais, é um violão de quatro cordas que os grupos usavam muito, fazia um barulho meio de banjo. Mas o Theo descobriu um grande violonista que tocava isso e botou. Colocamos o pandeiro, o baixo de pau, e para passar toda a idéia, fiz o Tasso Bangel, do grupo Farroupilha, grande vocalista e maestro, cuidar da parte vocal. Ele reuniu quatro vocalistas homens e ensaiou, dando o vocal que os originais faziam. Não foi imitação, procuramos reproduzir com a máxima fidelidade, a Lurdinha me dirigiu em tudo. Eu simplesmente era o crooner, como se dizia naquele tempo, o vocalista, o solo. A maior parte dos integrantes desses grupos vocais já viajou fora do combinado. Há pouco tempo morreu um vocalista do Bando da Lua que inspirou Walt Disney a fazer o Zé Carioca, por causa do andar dele. Pra fazer média com o Brasil, a Disney criou o personagem. Levei o Zé no Som Brasil pra contar essa história e lembro que antes dele entrar comecei a folhear a revistinha. A idéia é tirar o Brasil, coisas brasileiras da gaveta. Pra quê gravar música nova se temos tanta coisa que vão ser modernas sempre? Porque a mídia não trabalhou muito nisso, quantas obras estão aí na gaveta. Sou sempre cobrado, agora através de e-mails, sobre onde encontrar tal música, onde achar tal disco, é uma loucura o que o povo cobra. Antes só gravava coisas minhas, depois passei a gravar músicas de outros, de compositores antigos, e acabei sendo intérprete também. E fiquei mais como defensor dessa cultura mais tradicional nossa, seja na música ou na literatu- 145 ra. Meu trabalho é baseado nisso: sou um ator que canta, compõe e interpreta. 146 Não freqüento os lugares dos artistas, o meio, como se costuma dizer. Sou arredio e já fui bem mais com relação a me expor na mídia. Não por frescura, uma inibição natural mesmo. Quando fazia novelas, havia aqueles jantares e comemorações de lançamentos, hoje ainda é assim. Eu sempre arranjava um jeito de me safar e não ia. Não queria aparecer. Quando fazia Mulheres de Areia, com o Carlos Zara, que era diretor da Tupi, e a Eva Wilma, o Zara disse que ia haver um coquetel no restaurante do edifício Itália e me intimou a ir. Fui com o Guarnieri, mas antes tomamos umas fogueiras na padaria da Tupi pra criar coragem. Na verdade, não me preocupo em aparecer, de dar motivo pra estar na mídia. Se aparecer, pode ter certeza que é de uma forma bem natural, ou estou fazendo algo importante que acontece e alguém me procura, dificilmente vou forçar uma barra, dar noticiazinha no jornal. Capítulo XVI Dificuldades do artista brasileiro No Brasil, a gente percebe e experimenta na pele, que de modo geral o artista é mal pago, diferente do que acontece em outros países, onde os artistas ganham bem melhor, os direitos autorais são feitos de maneira diferente. Existe muita queixa de artistas que vivem de direitos autorais, que não temos como fiscalizar direito, como acompanhar. Existe esse grande problema da pirataria. O artista sobrevive com dificuldade, luta muito pra continuar artista. Antes era comum fazermos outros trabalhos paralelos, quase todos tinham uma ocupaçãozinha extra. Uns saiam pra vender livros, outros pra vender carro, outro vendia qualquer coisa. Quando comecei, logo depois os filmes americanos foram sendo dublados. Saí da Tupi pra fazer teatro e precisei de outra atividade pra sobreviver, pois teatro pagava mal 147 mesmo. Então fui dublar, vivi de dublagem vários anos. Dublei Humphrey Bogart na televisão, Sherlock Holmes, dublei seriados, O Patrulheiro do Oeste. Era uma coisa paralela que até dava um dinheirinho bom, conseguia ter uma continha no banco. 148 Tem histórias engraçadas desse tempo. Quando tinha que pedir aumento, então... Passei por três incêndios no canal 7, TV Record. Cada vez que ia lá reclamar, acontecia um incêndio. Uma vez cheguei lá e disse: Olha, toda vez que vim pedir aumento, aconteceu um incêndio e eu ficava sem jeito. Só que agora, onde está pegando fogo é na minha casa... Dificuldades sempre existiram. Quando o artista tem uma oportunidade, como eu e outros atores tiveram, uma peça faz sucesso, aí as coisas melhoram. O Antonio Fagundes, o Juca de Oliveira, por exemplo, além de atores, conseguiram produzir teatro. Eu consegui montar meus shows, divulgar pelo País inteiro, ganhar algum dinheiro e aí as coisas melhoraram. Quando se tem uma oportunidade dessas, dá pra ir levando, mas viver exclusivamente da profissão de ator no Brasil, é difícil, sacrificante. Tem muitos artistas aí, até com mais talento que eu, que não têm outras oportunidades. Quantos cantores excelentes nós temos que estão tentando fazer um trabalho independente e vão sobrevivendo bem mal. A classe artística brasileira não pode se nivelar pelos que fazem sucesso, ganham dinheiro ou o estrelato, infelizmente. É como no futebol, uns têm sorte, assinam um contrato milionário, mas quantos bons jogadores são boicotados, não entram na seleção porque politicamente não interessa pro técnico ou sei lá o quê. Não depender de um emprego na televisão, por exemplo, é fundamental, e isso é muito difícil. São muitos os artistas que dependem de uma escalação numa novela pra sobreviver com suas famílias. Conheço atores famosos, estrelas de cinema, televisão, muitos já falecidos, que morreram sem emprego. De repente, não eram mais escalados, colocados em segundo plano. 149 150 O grande Mario Lago, contam que depois que morreu, fizeram um show no Rio de Janeiro para pagar as contas dele no hospital. Com o João do Vale aconteceu a mesma coisa, fizeram um show e a renda foi pra viúva dele. E isso é muito triste, o artista brasileiro não tem segurança. Essa situação a gente tem que denunciar, não pode se omitir, fingir que está tudo bem, que no Brasil a vida do artista é maravilhosa, ganha muito dinheiro, fama, estréia numa novela, acontece, sai nas revistinhas e tal. A verdade é que se ele for ignorado na próxima, não for escalado e não tiver emprego fixo na Globo ou em qualquer outro canal, vai passar necessidade. Não existe um campo vasto pro artista trabalhar, o cinema é pouco, o teatro é pouco, tem que ter mais teatro, o incentivo à cultura ainda é meio acanhado. Para os atores, espetáculos, patrocínios, para os cantores, shows. É preciso incentivar o artista a levar o espetáculo, o show a mais lugares. Como o interiorano vai conhecer, assistir a Fernanda Montenegro se ela está em São Paulo? As peças precisam viajar mais por esse Brasilzão afora. Como deslocar elencos, cenários é muito caro, tem que ter quem patrocine, pague. Tem que ter uma conscientização no Brasil de que a arte é importante pra todo mundo. É importante pras empresas. Se eu fosse um grande empresário, criaria um núcleo de teatro dentro da minha empresa, montaria um teatrinho para os funcionários fazerem espetáculos populares ali dentro mesmo, seria uma forma da cultura sobreviver nesses ambientes. Sou convidado, às vezes, para cantar em fábricas; é pouco, deviam levar espetáculos, como se leva nas universidades para os estudantes. O Plínio Marcos ia muito nas faculdades fazer debates, leitura de peças – tem que fazer para os operários de qualquer empresa, indústria. Porque nossa cultura é muito rica, mas está colocada em décimo plano, não está na consciência do empresariado a importância da cultura no nosso País. 151 152 Capítulo XVII Fazendo o que dá prazer Só trabalho no que gosto. Não faço show em rodeio, em grandes feiras de agropecuária, com grande público. Meu show é intimista, faço em clubes. Sou muito procurado por empresas para shows de final de ano, convenções, perdi a conta de para quantas empresas já representei, trabalhando em final de ano e outras datas especiais. Fiz um show nos Estados Unidos (Phoenix, no Arizona), no lançamento de um carro rural da GM só para brasileiros, tinha mil e duzentos convidados. Me apresento também em inaugurações de teatro. Em São Paulo costumo me apresentar em hotéis fazenda famosos, na região litorânea, Guarujá, Campinas. Mas sempre de forma bem tranqüila, nada de um show atrás do outro, no máximo um, dois por semana. Porque sempre é algo especial. E está dando pra viver, é gostoso. 153 Cobram muito a minha volta, participação na televisão, estou vendo isso, pode ser que volte, mas continuo fazendo meus shows pelo Brasil, convenções, estou gravando um CD com o Renato Teixeira, um disco novo. Mas existe essa cobrança e acho que chegou a hora de atender esse apelo, essa vontade sincera, honesta e bonita do público. 154 Tem aí muitos convites para voltar pra televisão. Estou estudando, existe a possibilidade de voltar talvez ano que vem com um programa mensal bem-feito. Uma vez pensei em montar um cenário em cima de um caminhão e fazer um programa viajando. Seria uma coisa no espírito do Som Brasil, mas itinerante. Entrar numa cidade pequena do Amazonas, em São Luiz do Maranhão, procurar lugarejos e levar isso para a televisão, mas acharam meio dispendioso. Hoje sou meio reticente, quero fazer de outra maneira, mas existe uma predisposição em estudar uma forma de voltar. Talvez com outro cenário, poderia ser até uma coisa bem moderna, mas dentro do mesmo enfoque: a cultura popular brasileira. Sei que não gostaria de fazer um programa semanal, entrar naquela rotina de novo. O maior apelo é pra voltar a fazer o que fiz com o Som Brasil, é possível, quem sabe no próximo ano e aí, possivelmente, farei mais shows. Mas não sou de sair pelo mundo e ir fazendo muita coisa não, não sou muito de mambembar. Com Francisco Petrônio 155 Cronologia de Trabalhos 156 Com Maria Izabel de Lizandra, no Teleteatro Tupi TV Tupi - Teleteatro 1963 A Severa TV Tupi - Novelas 1961 O Direito de Nascer, de Félix Caignet, Teixeira Filho Direção: Régis Cardoso, Lima Duarte Elenco: Isaura Bruno, Verinha Campos, Maria Luíza Castelli, Elísio de Albuquerque, Genésio de Carvalho, Vininha de Moraes, Hamilton Fernandes, Luiz Gustavo, Guy Loup, Oswaldo Loureiro, Aída Mar, Henrique Martins, Clenira Michel, Meire Nogueira, José Parisi, Marcos Plonka, Leo Romano, Nathalia Timberg. 1962 A Estranha Clementine, de Geraldo Vietri Direção: Geraldo Vietri Elenco: Vida Alves, Amilton Fernandes, Norah Fontes, Xisto Guzzi, Henrique Martins, Patrícia Mayo, Glória Menezes, Mariza Sanches, Néa Simões. 157 1963 Moulin Rouge, A vida de Tolouse Lautrec, de Geraldo Vietri (Van Gogh) Direção: Geraldo Vietri Elenco: Percy Aires, Vida Alves, Amilton Fernandes, Geórgia Gomide, Cláudio Marzo, Lisa Negri, Marcos Plonka, Marisa Sanches. 158 1964 Alma Cigana, de Ivani Ribeiro Direção: Geraldo Vietri Elenco: Ana Rosa, Hamilton Fernandes, Rildo Gonçalves, Percy Ayres, Mariza Sanches, Elísio de Albuquerque, David José, Aída Mar, Néa Simões. Quem Casa com Maria, Lúcia Lambertini Direção: Henrique Martins Elenco: Elk Alves, Verinha Campos, Rita Cléos, Oswaldo de Barros, Débora Duarte, Irenita Duarte, Hamilton Fernandes, Sérgio Galvão, Geórgia Gomide, João Inocêncio, Lúcia Lambertini, Cecília Marcondes, Lisa Negri, Paulo Pereira, Ana Rosa, Néa Simões, Arnaldo Weiss. Se o Mar Contasse, de Ivani Ribeiro (padre Juca) Direção: Geraldo Vietri Elenco: Elísio de Albuquerque, Maria Izabel de Lizandra, Elias Gleizer, Luiz Gustavo, Wanda Kosmo, Henrique Martins, Ana Rosa, Marisa Sanches. Gutierritos, o Drama dos Humildes, de Estela Calderón Direção: Wanda Kosmo, Henrique Martins Elenco: Laura Cardoso, Juca de Oliveira, Lima Duarte, Glória Menezes, Débora Duarte, Geórgia Gomide, Wanda Kosmo, Clenira Michel, João Monteiro, Meiri Nogueira, Araken Saldanha. 1965 Olhos que Amei, de Walter George Dust (Alexandre) Direção: Wanda Kosmo Elenco: Laura Cardoso, Lima Duarte, Elias Gleizer, Rildo Gonçalves, Cacilda Lanuza, Marcos Plonka, Ana Rosa, Hélio Souto. 159 1968 Ana, de Sylvan Paezzo (César) Direção: Fernando Torres Elenco: Walter Avancioni, Haroldo Botta, Aracy Cardoso, Edy Cerri, Maria Estela, Sérgio Mamberti, Mirima Mehler, Antonio Pitanga, Sônia Oiticica, Marcos Paulo, Célia Rodrigues, Beatriz Segall. 160 1971 Quarenta Anos Depois, de Lauro César Muniz Elenco: Roberto Bolant, Paulo Goulart, Sérgio Mamberti, Márcia Maria, Célia Helena, Carminha Brandão, Kadu Moliterno, Mauro Mendonça, Fúlvio Stefanini, Nathália Timberg. 1972 Quero Viver Mais, de Amaral Gurgel (Alfredo) Direção: Waldemar de Moraes Elenco: Sebastião Campos, Laura Cardoso, Edy Cerri, Wilma de Aguiar, Ney Latorraca, Lilian Lemmertz, Rui Luiz, Renato Master, Rodolfo Mayer, Lolita Rodrigues, Carmem Silva, Carlos Silveira, Irene Tereza, Nathália Timberg. O Tempo Não Apaga, de Amaral Gurgel (Bernardo) Elenco: Roberto Bolant, Ivete Bonfá, Luiz Carlos Braga, Manoel da Nóbrega, Wilma de Aguiar, Ewerton de Castro, Eugênia de Domênico, Ney Latorraca, Lilian Lemmertz, Jonas Mello, Márcia Real, Lolita Rodrigues, Hélio Souto, Nathália Timberg. 1974 Mulheres de Areia, de Ivani Ribeiro (César) Direção: Edison Braga Elenco: Irene Ravache, Eva Wilma, Carlos Zara, Gianfrancesco Guarnieri, Maria Isabel de Lizandra, Antonio Fagundes, Kleber Afonso, Adoniran Barbosa, Othon Bastos, Carminha Brandão, Léa Camargo, Cláudio Corrêa e Castro, Maria Estela, Abrahão Farc, Edgard Franco, Sergio Galvão, Serafim Gonzalez, Anali Graci, Umberto Magnani, Márcia Maria, Carmen Marinho, Lucy Meireles, Ivan Mesquita, Riva Nimitz, Carlos Nunes, João José Pompeo, Newton Prado, Silvio Rocha, Ana Rosa, Liza Vieira, Cleyde Yaconis. 161 1975 Ovelha Negra, de Walter Negrão e Chico de Assis Elenco: Cleyde Yaconis, Geórgia Gomide, Edney Giovenazzi, Wanda Estefânia, Ewerton de Castro, Kate Hansen, Joana Fomm, Laura Cardoso, Francisco Di Franco, Carlos Augusto Strazzer 162 1976 A Viagem, de Ivani Ribeiro Elenco: Irene Ravache, Eva Wilma, Altair Lima, Ewerton de Castro, Caio Blat, Neuza Borges, Carminha Brandão, Haroldo Botta, Iolanda Cardoso, Suzy Camacho, Oswaldo Campozana, Cláudio Corrêa e Castro, Ewerton de Castro, Elaine Cristina, Francisco Di Franco, Joana Fomm, Elisa D’Agostinho, Wilma de Aguiar, Arlete Montenegro, Cuberos Neto, Carmem Marinho, Régis Monteiro, Altair Lima, Márcia Maria, Abrahão Farc, Serafim Gonzalez, Lúcia Lambertini, Leonor Lambertini, Tony Ramos, Irene Ravache, Carlos Alberto Ricelli, Adriano Reys, Ana Rosa, Silvio Rocha, Carmem Silva, Teresa Sodré, Arnaldo Weiss, Terry Winter. O Profeta, de Ivani Ribeiro Direção: Edison Braga Elenco: Irene Ravache, Carlos Augusto Strazzer, João Acaiabe, Eudósia Acuña, Carminha Brandão, Suzy Camacho, Léa Camargo, Yolanda Cardoso, Aldo César, Cláudio Corrêa e Castro, Elaine Cristina, Wilma de Aguiar, Luiz Carlos de Moraes, Márcia de Windsor, Débora Duarte, Abrahão Farc, Paulo Figueiredo, Rildo Gonçalves, Glauce Graieb, John Herbert, David José, Jacques Lagôa, Ana Lúcia Lancaster, Assunta Mantelli, Roberto Maya, Regis Monteiro, Walter Prado, Ana Rosa, Rosamaria Seabra. 1977 O Espantalho, de Ivani Ribeiro (Juca) Direção: David Grinsberg e José Miziara Elenco: Percy Aires, Theresa Amayo, Suzy Camacho, Léa Camargo, Fábio Cardoso, Guilherme Corrêa, Lídia Costa, Reny de Oliveira, Jardel Filho, Ester Góes, Wanda Kosmo, Carmen Monegal, Antonio Pitanga, Augusto Pompeo, Riva Nimitz, Carlos Alberto Riccelli, Nathália Timberg, Hélio Souto. 163 1978 Roda de Fogo (João Luiz) Autores: Sérgio Jockyman e Walter Negrão Direção: Henrique Martins e Atílio Riccó Elenco: Fúlvio Stefanini, Othon Bastos, Renato Borghi, Sadi Cabral, Marcos Caruso, Geraldo Del Rey, Anamaria Dias, Maria Estela, Indianara Gomes, Beth Goulart, Gianfrancesco Guarnieri, Kate Hansen, Cláudio Marzo, Francisco Milani, Karim Rodrigues, Fúlvio Stefanini, Eva Wilma. 164 TV Record - Novelas 1966 Algemas de Ouro, de Benedito Ruy Barbosa e Dulce Santucci Direção: Dionísio Azevedo e Régis Cardoso Elenco: Lolita Rodrigues, Fúlvio Stefanini, Ivan Mesquita, Susana Vieira, Maria Estela, Márcia Maria, Reny de Oliveira, Adriano Stuart, David Neto, Célia Rodrigues, Linda Gay, Ademir Rocha, Teresa Campos, Sérgio Mamberti. 1971 Os Deuses estão Mortos, de Lauro César Muniz Elenco: Cláudio Marzo, Perry Sales, Roberto Bolant, Laura Cardoso, Lia de Aguiar, Reny de Oliveira, Linda Gay, Oscar Thiede, Sérgio Mamberti, Márcia Maria, Jonas Mello, Amália Rodrigues, Lolita Rodrigues, Carlos Augusto Strazzer. As Pupilas do Sr. Reitor, de Júlio Diniz e Lauro César Muniz Direção: Dionísio Azevedo Elenco: Dionísio Azevedo, Geórgia Gomide, Carlos Augusto Strazzer, Reny de Oliveira, Márcia Maria, Maria Estela, Agnaldo Rayol, Fúlvio Stefanini, Laura Cardoso, Yolanda Cardoso, Antonio Carlos, Edy Cerri, Manoel da Nóbrega, Antonio Ghigonetto, Nádia Lippi, Sérgio Mamberti, Rogério Márcico, Miriam Mayo, Kadu Moliterno, Hebe Camargo, Ivanice Sena, Lolita Rodrigues. TV Globo - Novelas 1973 O Bem Amado, de Dias Gomes Direção: Benjamin Catan Elenco: Paulo Gracindo, Lima Duarte, Emiliano 165 Queiroz, Ida Gomes, Dirce Migliaccio, Milton Gonçalves, Jardel Filho, Zilka Salaberry, Maria Claudia, Dorinha Duval, Ruth de Souza, Ana Ariel, Carlos Eduardo Dolabella, Sandra Bréa. 166 TV Bandeirantes - Novelas 1979 Cara a Cara, de Vicente Sesso (Orestes) Direção: Jardel Mello, Arlindo Pereira Elenco: Fernanda Montenegro, Irene Ravache, Baby Garrouch, Joselita Avarenga, Dimas Antonio, Arlindo Barreto, Roberto Bolant, Sebastião Campos, David Cardoso, Tônia Carrero, Célia Coutinho, Maria Izabel de Lizandra, Osmar de Mattos, Ruthinéia de Moraes, Raymundo de Souza, Márcia de Windsor, Débora Duarte, Valdir Fernandes, Lupe Ferreira, Taumaturgo Ferreira, Edson França, Luís Gustavo, João Kléber, Wanda Kosmo, Ricardo Leite, André Loureiro, Antonio Marcos, Ana Maria Nascimento, Roberto Pirillo, Fausto Rocha, Betty Saade, Carmem Silva, Fúlvio Stefanini, Nathália Timberg, Álvaro Villas. 1980 Os Imigrantes, de Benedito Ruy Barbosa Elenco: Virgínia Adele, Claudia Alencar, Gésio Amadeu, David Arcanjo, Luiz Carlos Arutin, Paulo Autran, Dionísio Azevedo, Tacus Azevedo, Arlindo Barreto, Sandra Barsotti, Othon Bastos, Maria Aparecida Baxter, Norma Benguel, Paulo Betti, Lília Cabral, Leonardo Camilo, Herson Capri, Mateus Carrieri, Paulo Castelli, Hélio Cícero, Manfredo Colassanti, Rubens de Falco, Solange Couto, Emílio di Biasi, Taumaturgo Ferreira, Altair Lima, Cristina Mullins. Pé de Vento, de Benedito Ruy Barbosa Direção: Paulo Plínio Fernandes e Arlindo Pereira Elenco: Nuno Leal Maia, Dionísio Azevedo, Suzy Camacho, Canarinho, Maria Luíza Castelli, Henrique César, Maurício do Valle, Taumaturgo Ferreira, Patrícia Figueiredo, Baby Garroux, Flora Geny, Ester Góes, Felipe Levy, Bete Mendes, Cristina Mullins, Riva Nimitz, Fausto Rocha, Carmem Silva, Lilian Vizzchero, Arnaldo Weiss. 167 168 Cavalo Amarelo, de Ivani Ribeiro (Alberto) Direção: Henrique Martins Elenco: Dercy Gonçalves, Yoná Magalhães, Eduardo Abbas, Maria Alcina, Alzira Andrade, Carminha Brandão, Hebe Camargo, Oswaldo Campozana, Aldo César, Guilherme Corrêa, Rafael de Carvalho, Márcia de Windson, Jorge Dória, Regina Dourado, Lupe Ferreira, Maximira Figueiredo, Moacyr Franco, Virgínia Adele, Etty Fraser, Kito Junqueira, Jacques Lagoa, Rodolfo Maia, Douglas Mazolla, Regina Dourado, Carmem Monegal, Celso Perdigão, Cristina Prado, Newton Prado, Walter Prado, Wanda Stefânia, Fúlvio Stefanini, Marta Valpiani. TV Excelsior - Novela 1968 O Direito dos Filhos, de Teixeira Filho (Ernesto) Elenco: Leila Diniz, Davi José, Henrique Martins, Flora Geny, Araci Cardoso, Patrícia Alves, Maria Aparecida Alves, Alé Andié, Antonio Carlos, Lídia Costa, Edson França, Maria Estela, Hemílcio Fróes, Castro Gonzaga, Atílio Iório, Ivanice Sena, Carlos Zara, Geny Prado. Teatro 1966 Os Inimigos, de Máximo Gorki – Grupo Oficina Direção: José Celso Martinez Correa Elenco: Mauro Mendonça, Célia Helena, Otávio Augusto, Etty Fraser, Edney Giovenasi, Ítala Nandi, Renato Borghi. 1967 Oh, Que Delícia de Guerra Direção: Adhemar Guerra 1968 Os Próximos, de Carlos Gorostiza Elenco: Lilian Lemmertz, Antonio Petrin, Telma Reston. Feira Paulista de Opinião, de Augusto Boal, José Celso Martinez Correa, Bráulio Pedroso, Lauro César Muniz, Gianfrancesco Guarnieri, Jorge Andrade, Antunes Filho. Elenco: Grupo Arena 169 1971 Abelardo e Heloísa 1972 Roda Cor de Roda, de Leilah Assumpção Direção: Antonio Abujamra Elenco: Irene Ravache, Laerte Moroni 1974 Biliziquidi, de Chico de Assis 170 1975 Crimes Delicados, de João Antonio Direção: Antonio Abujamra Elenco: Cacilda Lanuza, Laerte Morrone 1978 Fábrica de Chocolate, de Mário Prata Elenco: Ruth Escobar Cinema 1976 Doramundo (Pereira - Prêmio de Melhor Ator da Associação Paulista de Críticos de Arte APCA1980 ) Direção e roteiro: João Batista de Andrade – Adaptação do romance de Bernardo Elis Elenco: Irene Ravache, Antônio Fagundes, Armando Bogus, Rodrigo Santiago, Sergio Hingst, Aldo Bueno 1999 O Tronco (Pedro Melo - Prêmios de Melhor Ator Coadjuvante do 32º Festival de Brasília do Cinema Brasileiro e do 10º Festival de Cinema de Natal 1999) Direção: João Batista de Andrade Elenco: Antônio Fagundes, Ângelo Antônio, Letícia Sabatella, Rolando Boldrin, Chico Diaz, Cida Moreira, Mariane Vicentini, Henrique Rovira, Paulo Vespúcio Garcia, Mauri de Castro, Júlio Vann, Guido Campos Correia, André Pimenta. 171 1987 Ele, o Boto (narrador) Direção: Walter Lima Jr. Elenco: Carlos Alberto Riccelli, Cássia Kiss, Ney Latorraca, Dira Paes, Paulo Vinicius, Ruy Polanah, Maria Silvia, Bebeto Bahia, Lutero Luiz, Vanja Orico, Marcos Palmeira, Tonico Pereira, Sandro Solviatti, Ayrton Vieira. Programas Musicais Som Brasil (TV Globo, 1981/82/83) Empório Brasileiro (TV Bandeirantes,1984) 172 Empório Brasil (SBT,1984) Estação Brasil (CNT,1997) Discografia - Discos de carreira Esquentai Vossos Pandeiros (1998) CD Disco da Moda (1993) CD/vinil Terno de Missa (1990) vinil Resposta do Jeca Tatu - Poemas (1989) vinil Clássicos do Poema Caipira (1985) Empório Brasileiro (1984) vinil Poemas do Som Brasil (1982) vinil Inventando Moda (1982) vinil Caipira (1981) CD/vinil Giro-o-Giro - Rolando Boldrin e Lurdinha Pereira (1980) vinil Rio-abaixo (1979) vinil Longe de Casa (1978) vinil Êta Mundo (1976) vinil O Cantadô (1974) vinil Discos - Coletâneas Rolando Boldrin (1996) CD 173 Participações em discos Notícias do Brasil (Quinteto Violado) Programa Estação Brasil, homenagem a Mazzaropi 174 Show beneficente para a Fundação Rolando Boldrin, em Itapecerica da Serra, 2001 175 Créditos das fotografias pág. 22 - Iwata pág. 65 - Paulo Salomão - Ed. Abril pág. 66 - TV Record pág. 94 - Alte Zeiten pág. 117/119/121/124 - Iolanda Huzak pág. 139 - Moacyr dos Santos - SBT pág. 174 - CNT pág. 175 - Marco Aurélio Olímpio Demais fotografias: Acervo Rolando Boldrin 176 Rolando Boldrin capa.pmd 1 7/12/2009, 15:29