DESPOLPAMENTO E REGULADORES DE CRESCIMENTO NA EMERGÊNCIA DE PLÂNTULAS DE DUAS ESPÉCIES DO GÊNERO POUTERIA Denise Garcia de Santana1, Marli A. Ranal2, Michele Camargo de Oliveira3 (1Instituto de Ciências Agrárias, Universidade Federal de Uberlândia/UFU, 38400-902 Uberlândia, MG. e-mail: [email protected]; 2Instituto de Biologia/UFU; 3Programa de pós-graduação em Agronomia/UFU) Termos para indexação: curriola, espécie frutífera, guapeva, medidas de germinação, Sapotaceae Introdução A família Sapotaceae possui distribuição pantropical, especialmente em florestas úmidas (Ricardi, 1992; Judd et al., 1999), estando incluída entre as famílias mais freqüentes e com maior índice de valor de importância na Amazônia Central (Felippi, 2006). A família é composta por cerca de 70 gêneros e 800 espécies (Pennington, 1968; Ricardi, 1992) que, além de produzirem frutos comestíveis, também produzem madeira, látex, matéria-prima da especiaria canistel e princípios ativos para fármacos. No gênero Pouteria, com cerca de 430 espécies no Brasil (Almeida et al., 1998), o fruto é ovóide ou globoso, com epicarpo de textura firme, de cor amarela quando maduro, com poucas sementes que são envolvidas por polpa gelatinosa, possivelmente de origem placentar (Barroso et al., 1999). Pouteria torta Radlk. é uma espécie arbórea, originária da região amazônica, nos limites do Brasil, Colômbia, Peru e Venezuela (Manica, 2000). Heliófita, é encontrada em floresta mesófila e mata ciliar (Montoya et al., 1994). Embora pouco explorada comercialmente, é bastante conhecida nos trópicos, ao lado de outras sapotáceas, como o sapoti [Manilkara zapota (L.) P. Royen], o caimito (Chrysophyllum cainito L.) e o marney [Pouteria sapota (Jacq.) H.E. Moore & Stearn] (Lederman et al., 2001). Pouteria ramiflora Radlk. é uma espécie frutífera, com hábito arbustivoarbóreo, distribuída em áreas de Cerrado. À época de frutificação, entre novembro e janeiro, é muito visitada pela fauna, devido ao cheiro forte e sabor agradável do fruto, sendo a zoocoria sua principal forma de dispersão (Dalponte e Lima, 1999). Os frutos são esverdeados em P. ramiflora e alaranjados em P. torta e, algumas vezes, possuem coloração esbranquiçada; a polpa branca é comestível e muito saborosa. Apesar da importância regional desses frutos, pouco se conhece sobre os aspectos relativos à germinação de suas sementes e emergência de plântulas. Além disso, a maioria das sementes de frutíferas tropicais perenes e florestais de clima tropical ou temperado economicamente importantes, é recalcitrante (Chin e Roberts, 1980), o que dificulta a preservação da viabilidade e do vigor (Oladiran e Agunbiade, 2000). Diante disso, o objetivo desse estudo foi avaliar a capacidade de emergência de plântulas de P. torta e P. ramiflora obtidas a partir de sementes com e sem o envoltório gelatinoso que recobre a testa, embebidas em água ou em reguladores de crescimento. Material e métodos A coleta dos frutos das duas espécies foi feita principalmente na bacia do rio Araguari, Estado de Minas Gerais (18º 20’ e 20º 10’ S e 46º 00’ e 48º 50' W), sendo os de P. torta a partir de cinco indivíduos e os de P. ramiflora de 10 indivíduos. As temperaturas médias da região estão entre 18,6 e 23,5 °C (PCA, 2005a, b). A região é caracterizada pelo tipo climático Aw, considerado tropical úmido com inverno seco (abril a setembro) e verão chuvoso (outubro a março). A cobertura vegetal original da bacia do rio Araguari constituiu-se predominantemente de cerrado, em suas várias fitofisionomias, e de florestas estacionais semideciduais e deciduais. Atualmente essa cobertura vegetal encontra-se extremamente fragmentada e com remanescentes de pequena extensão, predominando as grandes áreas de pastagens, com 84,6%, e campos de cultivo, com 2,88% (PCA, 2005b). Dos frutos de P. torta instalou-se um experimento de emergência, planejado em delineamento de blocos casualizados, com sete tratamentos, três repetições, em parcelas compostas por 20 sementes. Os tratamentos foram constituídos de sementes retiradas do fruto e semeadas com o envoltório gelatinoso sobre a testa (1), sementes sem o envoltório gelatinoso (2), sementes sem o envoltório gelatinoso e embebidas por 24 horas em água (3), sementes da mesma forma que o tratamento anterior, embebidas em KNO3 a 0,2% (4) e em ácido giberélico a 1 (5), 10 (6) e 100 µg mL-1 (7). Para a retirada do envoltório gelatinoso as sementes foram extraídas dos frutos, fermentadas à temperatura ambiente, lavadas em água corrente sobre esfregaço em peneira e secas à sombra por 24 horas. O experimento foi conduzido em casa de vegetação; a semeadura foi feita a 1 cm de profundidade em recipientes de plástico com 36,5 cm de diâmetro e 4,5 cm de profundidade, contendo vermiculita e plantmax® na proporção 1:1. Para P. ramiflora o delineamento experimental foi o inteiramente casualizado, com os mesmos tratamentos descritos para P. torta, exceto com ácido giberélico a 1 µg mL-1 que foi omitido. Cada tratamento contou com três repetições de 20 sementes. A semeadura foi feita em bandejas multicelulares contendo substrato comercial plantmax®. Para as duas espécies, o critério de emergência adotado foi a exposição na superfície do substrato de qualquer parte da plântula. A partir da contagem diária das plântulas emergidas de cada espécie foram calculadas a porcentagem de emergência, tempos inicial e final de emergência, tempo médio, velocidade média, velocidade de emergência, coeficiente de variação do tempo, incerteza e sincronia. Para todas as medidas, com exceção dos tempos inicial e final, testes a 0,05 de significância foram executados para o modelo da ANOVA e, como atendidas suas pressuposições (normalidade e homogeneidade), ainda que com transformação, aos dados foi aplicada a análise de variância seguida do teste de Tukey para comparações múltiplas. Expressões matemáticas, características específicas e autores das medidas avaliadas podem ser consultados em Ranal e Santana (2006). Resultados e Discussão O início da emergência das plântulas de P. torta ocorreu aos 30 dias, quando provenientes de sementes com o envoltório gelatinoso, prolongando-se por 92 dias, quando de sementes sem o envoltório e embebidas em GA3 10 µg mL-1. Plântulas de P. ramiflora, à semelhança de P. torta, iniciaram a emergência em torno dos 30 dias (testemunha); porém, foram mais tardias, gastando 120 dias para a estabilização do processo em alguns dos tratamentos (Tabela 1). De maneira geral, a retirada do envoltório gelatinoso seguida da embebição em água e em reguladores de crescimento elevou os percentuais de emergência das plântulas, principalmente de P. ramiflora. Mesmo assim, a emergência das plântulas foi lenta, com tempos médios acima de 40 dias, velocidades médias inferiores a 0,024 dia-1 e número de plântulas emergidas por dia, em média, inferiores a 0,497 (Tabela 1). A emergência foi mais rápida (menor valor de t e maior de v ) para plântulas de P. torta resultantes de sementes com o envoltório gelatinoso (testemunha), enquanto para P. ramiflora diferenças no tempo médio e na velocidade média de emergência não foram detectadas. O coeficiente de variação do tempo de emergência não diferiu entre tratamentos, dentro de cada espécie, mas revelou, ainda que numericamente, maiores valores para P. ramiflora, possivelmente em conseqüência da grande amplitude entre o início e o final da emergência das plântulas dessa espécie em relação às de P. torta (Tabela 1). Plântulas de P. ramiflora apresentaram menor incerteza quando provenientes de sementes com o envoltório gelatinoso (I = 2,83 bits), possivelmente pelo menor percentual de emergência ocorrido neste tratamento (Tabela 1). A sincronia de emergência das plântulas se aproximou de zero (Z≤ 0,057), revelando a baixa freqüência diária de plântulas emergidas para as duas espécies. Tabela 1. Medidas de emergência de plântulas de Pouteria torta e Pouteria ramiflora coletadas na bacia do rio Araguari, em terras dos municípios de Araguari, Indianópolis e Uberlândia, Estado de Minas Gerais. Medidas de emergência3 CVt to tf E VE I v t Z -1 -1 (dia) (dia) (%) (%) (pl.dia ) (bit) ) (dia (dia) Testemunha 30 58 64,4 ab 40,2 a 0,024 a 12,5a 0,497 a 3,58 a 0,053 a Controle absoluto 39 83 56,7 b 65,2 b 0,015 b 20,7a 0,278 a 3,85 a 0,013 a Controle relativo 37 81 76,7 ab 58,8 b 0,017 b 20,6a 0,416 a 4,13 a 0,017 a GA3 1µg mL-1 30 72 84,4 a 59,9 b 0,016 b 18,9a 0,448 a 4,07 a 0,026 a GA3 10 µg mL-1 38 92 76,7 ab 63,4 b 0,015 b 18,3a 0,379 a 3,90 a 0,031 a GA3 100 µg mL-1 44 89 60,8 b 60,8 b 0,016 b 16,1 a 0,407 a 4,24 a 0,015 a KNO3 a 0,2% 43 75 84,4 a 61,6 b 0,016 b 16,8 a 0,429 a 4,00 a 0,031 a CVt to VE I tf E v t Z Tratamento (%) (pl.dia-1) (bit) (dia) (dia) (%) (dia-1) (dia) Testemunha 29 74 40,0 b 76,0 a 0,013a 38,0 a 0,120 b 2,83 a 0,021 a Controle absoluto 38 105 65,0 ab 59,1 a 0,017a 40,8 a 0,248 ab 4,34 ab 0,033 a Controle relativo 36 120 81,7 a 60,2 a 0,016a 42,6 a 0,305 a 4,80 b 0,057 a GA3 10 µg mL-1 38 120 70,0 a 64,8 a 0,015a 40,4 a 0,244 ab 4,43 ab 0,033 a GA3 100 µg mL-1 36 105 85,0 a 65,5 a 0,015a 40,0 a 0,296 a 4,64 b 0,028 a KNO3 a 0,2% 35 120 68,3 a 69,9 a 0,014a 40,4 a 0,222 ab 5,45 b 0,029 a 1 médias seguidas por letras distintas na coluna, dentro de cada espécie, diferem entre si pelo teste de Tukey a 0,05 de significância; 2testemunha: sementes retiradas do fruto e semeadas com o envoltório gelatinoso sobre a testa; controle absoluto: sementes sem o envoltório gelatinoso; controle relativo: sementes sem o envoltório gelatinoso e embebidas por 24 horas em água; 3to, tf: tempos inicial e final, respectivamente; E: porcentagem de emergência; t : tempo médio de emergência; v : velocidade média de emergência; CVt: coeficiente de variação do tempo; VE: velocidade de emergência; I: incerteza e Z: sincronia. Pouteria ramiflora Pouteria torta Espécie/ Tratamento1,2 Para sementes, principalmente de P. ramiflora, a presença do envoltório gelatinoso reduziu o percentual de emergência das plântulas. Esta redução também foi encontrada em Pouteria caimito Radlk. (Villachica et al., 1996; Carvalho et al., 1998) e em P. sapota (Ricker et al., 2000). O envoltório gelatinoso constitui fonte de inóculo, podendo comprometer o estado fisiológico das sementes servindo como barreira para a plântula no seu desenvolvimento em laboratório e em viveiro (Silva et al., 1994). Em Campomanesia adamantium a presença de mucilagem nas sementes resultou em grande desenvolvimento de fungos (Carmona et al., 1994). A baixa velocidade, baixa sincronia e incerteza de emergência das plântulas de P. torta e P. ramiflora parece ser uma característica da família Sapotaceae. Villachica et al. (1996) observaram para Pouteria macrophylla (Lam.) Eyma início da germinação apenas no 24º dia após a semeadura e Carvalho et al. (1998) ao 22º dia para sementes de P. caimito. Sementes com germinação lenta e desuniforme foram encontradas em Pouteria pachycarpa Pires, mesmo com a germinação das sementes atingindo 86% aos 33 dias (Cruz, 2005). Esses registros sugerem a presença de dormência tegumentar, gerando dormência relativa. Conclusões Plântulas de Pouteira torta e Pouteria ramiflora apresentaram emergência lenta, sendo o envoltório gelatinoso servindo como inóculo para o desenvolvimento de microorganismos ou mesmo como barreira física para o desenvolvimento da plântula. A retirada do envoltório gelatinoso seguida da embebição em água aumentou o percentual de emergência apresentando valores próximos aos encontrados para plântulas emergidas a partir de sementes embebidas nos reguladores de crescimento. Referências bibliográficas ALMEIDA, S.P.; PROENÇA, C.E.B; SANO, S.M; RIBEIRO, J.F. Cerrado: espécies vegetais úteis. Planaltina: EMBRAPA-CPAC - DF. 1998. 464p. 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