Introduzindo a moeda. Olivier Blanchard* Abril de 2002 ___________________________________ *14.452. 2º Trimestre de 2002. Tópico 6. 14.452. 2º Trimestre de 2002 2 Não há papel para a moeda nos modelos que foram analisados. Implicitamente, mercados centralizados, com um leiloeiro: ? Possivelmente, uma vez aberto, com conjunto completo de mercados contingentes (lembre-se, sem heterogeneidade, não há choques idiossincráticos) (Arrow e Debreu). ? Mais atraente. Os mercados abrem em todos os períodos. Mercado spot, com base nas expectativas do futuro. Por exemplo, mercado para bens, trabalho e títulos de um período. Uma seqüência de equilíbrios temporários (Hicks). Ainda não há necessidade de moeda. Um leiloeiro. Câmara de compensação de cheques. Assim, é necessário mudar para uma economia na qual a moeda tenha um papel útil. Os ingredientes: ? Sem leiloeiro. Comércio descentralizado geograficamente. ? Então, problema de coincidência dupla de desejos. A permuta não é conveniente. A moeda, aceita em um lado de cada transação, é muito mais. Dois tipos de perguntas Fundamentos ? Por que moeda? Que tipo de moeda surgirá? ? Pode haver moeda competitiva? ? Moeda fiduciária versus moeda-mercadoria? ? Numerário versus meio de troca? Eles devem ser o mesmo ou não? 14.452. 2º Trimestre de 2002 3 Não apenas abstrato ou história. A ascensão da permuta na Rússia na década de 1990. Dolarização "natural" em alguns países latino-americanos. "Unidades de conta" na América Latina. Mas a maioria do tempo podemos tomar como certo que essa moeda será usada em transações, que ela será moeda fiduciária e que o numerário e o meio de troca serão o mesmo. Se tomarmos isso como certo, podemos fazer outro conjunto de perguntas: ? Qual a diferença disso para uma economia descentralizada com moeda? ? O que determina a demanda por moeda, o nível de preço de equilíbrio, taxas de juros nominais? ? Como a presença de moeda afeta a escolha de consumo/poupança? ? O estado estacionário e os efeitos dinâmicos das alterações na taxa de crescimento da moeda. Inicie ao analisar um modelo de benchmark. Pagamento adiantado. Em seguida, analise as variações do modelo; moeda na função de utilidade. Depois, concentre-se na dinâmica de preço e inflação, especialmente hiperinflação. 1 Um modelo de pagamento adiantado Pense em termos de uma economia descentralizada (embora devemos ver que há um problema de otimização que replica o resultado). 1.1 O problema de otimização dos consumidores/trabalhadores Os consumidores/trabalhadores maximizam: 14.452. 2º Trimestre de 2002 4 sujeito a: e Observe que eu ignoro: ? A incerteza, pois ela não é central para os pontos que desejo abordar. Mas não há problema em introduzi-la da maneira usual. ? A escolha trabalho/lazer; ela seria afetada, mas eu a deixo de fora para simplificar. As pessoas fornecem uma unidade de trabalho inelasticamente. A notação: Pt é o preço dos bens em termos de numerário (o nível de preço). M t e Bt são investimentos de moeda e títulos no início do período t. Wt e p t são o salário nominal e o lucro nominal recebidos por cada consumidor, respectivamente. it é a taxa de juros nominal (a taxa de juros declarada em dólares, não em bens) paga pelos títulos. xt é a transferência nominal do governo (que precisa estar lá se e quando pensarmos em alterações na moeda como sendo implantadas pela distribuição de nova moeda aos consumidores). Agora veja as suposições subjacentes à especificação: ? Os consumidores se importam apenas com o consumo. Eles não derivam utilidade de moeda. ? A primeira restrição é a restrição orçamentária. Ela diz que o consumo nominal mais investimento em novos ativos deve ser igual a renda nominal – renda salarial (a oferta de trabalho é inelástica e igual a um) e renda de lucro – mais investimento inicial em ativos, incluindo juros sobre os títulos, mais transferências governamentais nominais. 14.452. 2º Trimestre de 2002 5 ? Se a única restrição fosse a primeira, as pessoas não reteriam nenhuma moeda: títulos pagam juros, moeda, não. A segunda restrição explica por que as pessoas retêm moeda. Isso é conhecido como a restrição de cash in advance (CIA, ou pagamento antecipado). As pessoas devem entrar no período com balanços monetários nominais suficientes para pagar o consumo. ? Historinha: as pessoas são compostas de um trabalhador e um consumidor. O trabalhador vai trabalhar. O consumidor vai comprar bens, e deve fazer isso antes de o trabalhador ser pago. Então, ele deve ter balanços monetários suficientes para financiar o consumo. ? Pode-se pensar em formulações mais uniformes e sofisticadas. Por exemplo: o custo de comprar bens de consumo está diminuindo nos balanços monetários. Retornaremos a isso posteriormente. Deixe [equação] estar associada com a restrição orçamentária, [equação] estar associada com a restrição de CIA. Monte o Lagrangeano e derive a CPO. Interpretação de cada. É possível combinar para obter: 14.452. 2º Trimestre de 2002 Observe que 6 . Se definirmos a taxa de juros real como: Podemos reescrever a condição de primeira ordem como: Interpretação. ? Como as pessoas precisam reter a moeda antecipadamente um período, o preço efetivo do consumo não é 1, e sim 1 + i. ? Depois de ajustarmos para o efeito preço, obteremos a mesma relação, entre utilidade marginal nesse período, utilidade marginal no período seguinte e a taxa real de juros. Observe o papel das taxas de juros nominal e real. Observe que a taxa de juros nominal é constante, a equação se reduz para a equação-padrão de Euler: Isso caracteriza o consumo. O comportamento de consumo é bastante semelhante ao de uma economia não-monetária. Duas diferenças. ? O efeito preço relativo, se it for diferente it+1 . ? O fato de que a taxa de retorno sobre a riqueza total é menor (já que algumas das riquezas não rendem juros), o nível factível de consumo é mais baixo. Dado o consumo, a caracterização da demanda de moeda é direta. O CIA o mantém como uma igualdade: 14.452. 2º Trimestre de 2002 7 Teoria quantitativa pura. Não há elasticidade da taxa de juros. Simples, mas possivelmente simples demais. Olhe as extensões abaixo. 1.2 O problema de otimização das firmas As firmas produzem bens usando trabalho e capital. Elas pagam o trabalho com o salário Wt . Eles compram capital para usar no período seguinte e financiam essas compras de capital ao emitir títulos nominais. O fluxo de caixa nominal é, então, determinado por; O fluxo de caixa é igual à produção menos a massa salarial, menos o pagamento de juros e principal sobre os títulos emitidos no último período, mais o valor do estoque de capital restante menos o valor do capital adquirido, mais emissões de títulos. O valor de uma firma é dado pelo valor presente do fluxo de caixa nominal, descontado pela taxa de juros nominal relevante. As três CPOs para as firmas são determinadas por: 14.452. 2º Trimestre de 2002 8 Observe a segunda CPO: diz que a quantidade de títulos emitida pelas firmas é irrelevante. Elas poderiam financiar compras de capital a partir do lucro corrente, ou parcialmente por meio de emissões de títulos, ou totalmente por meio de emissões de títulos. Suas decisões seriam as mesmas (mas, em nossa suposição, há títulos nominais na economia, o que facilita pensarmos sobre a taxa de juros nominal). A terceira CPO pode ser reescrita como: Ou: As firmas compram capital até o ponto no qual o produto marginal do capital seja igual à taxa de juros real. 1.3 O equilíbrio e o estado estacionário Para fechar o modelo, temos que: Veja a restrição orçamentária governamental. Assuma que o estoque de moeda seja alterado por meio de transferências para as pessoas: Juntando as coisas, a dinâmica da economia é caracterizada pelas seguintes equações: 14.452. 2º Trimestre de 2002 9 Eu não devo tentar analisar a dinâmica, mas apenas concentrar no estado estacionário: Vamos supor que a taxa de crescimento da moeda nominal seja igual a x, assim No estado estacionário, Ct , Kt , rt , it , p t são constantes, assim: A partir da CPO do consumidor e da demanda de capital pelas firmas: Essa é a mesma regra que sem moeda: a Regra de Ouro modificada. No estado estacionário, os balanços reais de moeda devem ser constantes, assim: A inflação é igual ao crescimento da moeda. E assim, i = p + r = x + r. Para efeito do crescimento de moeda na taxa de juros nominal, isso é conhecido como o efeito de Fisher. 14.452. 2º Trimestre de 2002 10 Usando essas três relações na restrição orçamentária do consumidor, temos: Assim, do lado real, a economia parece a mesma de antes. Além disso, as pessoas têm moeda. E a inflação continua na mesma taxa que o crescimento de moeda. O fato de que, no estado estacionário, o crescimento monetário não exerce nenhum efeito sobre a alocação real é conhecido como a superneutralidade da moeda. Essa superneutralidade é um resultado geral? Agora irei explorar uma formalização alternativa. 2 Moeda na função de utilidade A restrição de CIA é muito estreita. Pode-se claramente manter um nível mais baixo de balanços monetários reais se houver disposição para ir a caixas eletrônicos com mais freqüência. É mais razoável assumir que: ? Quanto mais alto for o nível de balanço monetário que uma pessoa tiver, mais baixos serão os custos de transação e, portanto, mais altos serão os níveis de produto líquido dos custos de transação; ? Ou mais alto o nível de utilidade, novamente líquido de custos de transação. É possível formalizar isso explicitamente, por meio de um modelo de Baumol-Tobin dinâmico. Isso é o que é feito por Romer (veja o artigo original ou BF). Muito útil, mas um pouco pesado para este curso. É possível tomar atalhos. Balanços monetários reais na função de produção ou na função de utilidade. Veja os efeitos de colocar a moeda na função de utilidade (modelo de Sidrauski). Portanto, o problema de otimização de consumidores/trabalhadores é: 14.452. 2º Trimestre de 2002 11 sujeito a: onde, plausivelmente, Um > 0 e Umc = 0 (por quê?). Deixe ser o multiplicador lagrangeano associado com a restrição. Então, as CPOs são determinadas por: Interpretação. Pode ser reescrita como: Uma condição intertemporal: Uma condição intratemporal: Interpretação. Observe que a segunda diz que a proporção de utilidades marginais precisa ser igual ao custo de oportunidade de reter moeda; assim i é a taxa de juros nominal. Se, por exemplo, 14.452. 2º Trimestre de 2002 12 Então, Isso nos dá uma relação LM (de fato, você pode pensar na primeira condição como nos dando uma relação IS simples, dando assim uma relação LM. Isso será abordado melhor nas próximas aulas). A demanda por moeda é uma função do nível de transações, aqui medida por consumo, e o custo de oportunidade de reter moeda, i. Veja as implicações do estado estacionário (o lado das firmas é o mesmo de antes). Assim, novamente a mesma alocação real. E um nível de balanços monetários reais inversamente proporcional à taxa de inflação, que por sua vez é igual à taxa de crescimento da moeda. Efeitos dinâmicos? Sim. Mas nada muito excitante. É possível torná-lo mais estimulante modelando idas até o banco e fazer com que as pessoas façam isso em momentos diferentes. Depois, efeitos de distribuição. Mas não parece capturar muito do que realmente observamos. Assim, por fim: a moeda como meio de troca, sem rigidezes nominais, nos dá uma maneira de pensar sobre a economia, o nível de preços, a taxa de juros nominal, mas não muito na maneira de explicar as flutuações. É muito útil, entretanto, quando o crescimento monetário e a inflação ficam altos e variáveis. Veja isso. 14.452. 2º Trimestre de 2002 3 13 Crescimento monetário, inflação e seignorage Comece pela demanda monetária que acabamos de derivar: Se o crescimento monetário e a inflação forem altos e variáveis, M, P e p e mudarão muito em relação a C e r. Portanto, assuma para fins de simplicidade, que Ct = C e rt = r, assim: Isso nos dá uma relação entre o nível de preço e a taxa esperada de inflação. Quanto mais alta a inflação esperada, mais baixos os balanços monetários reais e mais alto o nível dos preços. Essa relação, junto com uma suposição sobre o crescimento monetário e a formação de expectativas, nos permite pensar sobre o comportamento da inflação. Isso é o que Cagan fez. Analisando as hiperinflações, ele perguntou: ? Será que a hiperinflação foi o resultado do crescimento monetário, e apenas do crescimento monetário? ? Por que o crescimento monetário foi tão alto? Fazê-lo aumenta a seignorage. E, se não tiver sido, então por quê? Agora vamos olhar rapidamente para o modelo dele (leia o documento, escrito em 1956. É uma ótima leitura, mesmo nos dias de hoje). Além disso, leia BF4-7 e BF10-2. A seguir vem apenas um esboço. O tempo contínuo é mais conveniente aqui. Assuma uma forma particular para a demanda por moeda: Portanto, em logs: 14.452. 2º Trimestre de 2002 14 O log de balanços monetários reais são uma função decrescente da inflação esperada. Ou fazendo uma diferenciação com relação ao tempo: Assuma que as pessoas têm expectativas adaptativas em relação à inflação esperada. (Em um ambiente como o da hiperinflação, essa suposição faz muito sentido. Saiba mais sobre expectativas racionais abaixo). Crescimento monetário e inflação Vamos supor que o crescimento monetário seja constante, em x. A inflação convergirá para p = x? Para responder, combine as duas equações acima e elimine dp e/dt entre os dois para obter: Essa é uma linha no espaço (p,p e). Para um determinado x, dp e/dp = (1 – aß)/aß, portanto se aß < 1, a linha é inclinada para baixo. Se aß > 1, é inclinada para cima. ? Se aß < 1, então o equilíbrio é estável. Comece com X > 0 e p = 0. Então, convirja para p = p e = x. ? Se aß > 1, então não. Por quê? Cagan estimou a e ß e descobriu que aß < 1. A hiperinflação foi o resultado do crescimento monetário, não uma bolha. Seignorage 14.452. 2º Trimestre de 2002 15 Qual é a receita máxima que o governo pode obter da emissão de moeda (chamada de seignorage): Assim, em estado estacionário: Portanto, x* =1 /a Muito mais baixo que as taxas de crescimento monetário observadas durante a hiperinflação. Mas apenas um resultado do estado estacionário. É claramente possível obter mais no curto prazo, quando p e ainda não foi ajustado. Isso sugere a análise de diferentes dinâmicas: seignorage determinada, dinâmica do crescimento monetário e inflação. Seignorage, crescimento monetário e inflação Comece a partir de: Para o S determinado, desenhe a relação entre p e e x no espaço p e, x. Côncavo. É possível cruzar duas vezes a linha de 45º, uma vez se for tangente, e impossível se não houver maneira de gerar a seignorage requerida em estado estacionário. Qual equilíbrio é estável? Usando a equação para expectativas adaptativas e a relação da demanda monetária em forma derivada: Ou: 14.452. 2º Trimestre de 2002 16 Se houver dois equilíbrios, o mais baixo é o estável. Comece daí e suponha que S aumenta, portanto, sem equilíbrio. Então, o crescimento monetário e a inflação continuarão aumentando. Isso parece capturar o que acontece durante as hiperinflações. Alguns outros assuntos ? Expectativas adaptativas ou racionais? (veja BF 5-1) ? Política fiscal e os efeitos da inflação sobre a necessidade de seignorage (veja Dornbusch et al.) ? Desagradável aritmética monetarista? (veja BF 10-2) De Cagan: Sete Hiperinflações das décadas de 1920 e 1940 País Áustria Alemanha Grécia Hungria 1 Hungria 2 Polônia Rússia Início Out. 1921 Ago. 1922 Nov. 1943 Mar. 1923 Ago. 1945 Jan. 1923 Dez. 1921 Final Ago. 1922 Nov. 1923 Nov. 1944 Fev. 1924 Jul. 1946 Jan. 1924 Jan. 1924 PT/P0 70 1.0x1010 4.7x106 44 3.8x1027 699 1.2x105 Taxa Média de Inflação Mensal (%) 47 322 365 45 19.800 82 57 Crescimento Monetário Médio Mensal (%) 31 314 220 33 12.200 72 49 PT/P0 : Nível de preço no último mês de hiperinflação dividido pelo nível de preço no primeiro mês.