EVENTO EXTREMO DE CHUVA NO LITORAL DE SÃO PAULO E NO RIO DE JANEIRO 13-15 DE ABRIL DE 2014 Entre o domingo (13/04/2014) e a terça-feira (15/04/2014) houve grande acumulado de chuva em localidades do litoral de SP e do Rio de Janeiro. Segundo a Defesa Civil, várias famílias foram retiradas de áreas alagadas e com risco de deslizamentos em Juquehy, na costa sul de São Sebastião (Figura 1). Foram quase 300 mm de chuva em menos de 24 horas (Figura 2). Figura 1: Fotos dos estragos causados por deslizamento de terra que foi deflagrado pela forte chuva que atingiu o município de São Sebastião no Litoral Norte de São Paulo entre os dias 13 e 14 de abril de 2014. Fonte: Divulgação/Prefeitura de São Sebastião. Figura 2: Série temporal da precipitação na localidade de Juquehy, município de São Sebastião, no litoral norte de SP desde as 13:00 GMT do dia 13 até as 12:00 GMT do dia 14 de abril de 2014. Na cidade do Rio de Janeiro registrou-se mais de 200 mm em 24 horas na estação do Alto da Boa Vista (Prefeitura – Georio). Em outro ponto da cidade, no pluviômetro do Centro de Monitoramento e Avisos de Desastres Naturais na Estrada da Pedra Bonita, foram registrados mais de 150 mm em apenas 12 horas (Figura 3). A chuva causou alagamentos na cidade e prejudicou o trânsito e a operação de aeroportos. Figura 3: Série temporal da precipitação na Estrada de Pedra Bonita, na cidade do Rio de Janeiro no intervalo de 24 horas entre as 13:00 GMT do dia 14 e as 12:00 GMT do dia 15 de abril de 2014. A seguir faz-se uma análise das condições meteorológicas deflagradoras do evento. Na análise da carta sinótica de superfície das 12Z do dia 14/04 (Figura 3A) observa-se a Zona de Convergência de Umidade (ZCOU) entre o AC e SP e sul do RJ. Nota-se um intenso ciclone extratropical, cujo centro atinge valor de 984 hPa em 47°S/34°W, aproximadamente. A frente fria associada a este sistema estende-se desde o litoral norte de SP até Rio Branco-AC. Percebe-se o anticiclone pós-frontal com pressão de 1024 hPa posicionado em torno de 31°S/59°W. No nível de 850 hPa (Figura 4B) o escoamento é de sudeste na costa da Região Sudeste, com uma circulação de baixa pressão associada ao ciclone extratropical visto na análise de superfície e que tem suporte dos níveis médios (Figura 4C) e altos (Figura 4D) onde tem-se um cavado e os jatos polar norte e subtropical contornando o cavado em 250 hPa. A B C D Figura 4: Análise sinótica em superfície (A) das 12:00 GMT do dia 14 de abril de 2014 e campos de escoamento em: (B) 850 hPa; (C) 500 hPa; (D) 250 hPa. A B C D Figura 5: Imagens de satélite no canal infravermelho das 06:00 GMT (A e C) e 18:00 GMT (B e D) do dia 14 de abril de 2014. Nas figuras A e B são destacados os topos mais frios enquanto nas figuras C e D as cores indicam a taxa de precipitação por satélite (hidroestimador). Os círculos em vermelho indicam as áreas onde havia chuva intensa em cada horário respectivamente. Os máximos de chuva aconteceram por volta das 06:00 GMT do dia 14 no litoral de SP e às 18:00 GMT do mesmo dia no Rio de Janeiro. As imagens de satélite na Figura 5 foram escolhidas de forma a coincidirem com esses horários. É interessante notar que em nenhuma das quatro figuras, ou seja, nem às 06:00 GMT (Figuras 5A e 5C) e nem às 18:00 GMT (Figuras 5B e 5D) tem-se realce de cores. Isso suregere que as nuvens eram relativamente rasas e o hidroestimador subestima a precipitação (vide áreas de chuva intensas destacadas com círculos vermelhos). A B C D Figura 6: Campo atmosférico das 06:00 GMT (A;C) e 18:00 GMT (B;D) do dia 14/04/2014 onde tem-se: (A e B) água precipitável (sombreado) , levantamento em 850 hPa (contorno ciano), elvantamento em 500 hPa (linha pontilhada preta); (C e D) água precipitável (sombreado azul – 40,45,50 mm), combinação de índices de instabilidade (vermelho – TT > 42 e LI < -2 e K >30; laranja – TT > 45 e CAPE > 1500 e K >30). A figura 6 ajuda a explicar o motivo pelo qual houve registro de chuva intensa mesmo sem haver nuvens de grande desenvolvimento vertical. Nas figuras 6A e 6B nota-se intenso levantamento vertical (menor que -18*10-3 s-1 ) em baixos níveis (850 hPa) e elevados valores de água precipitável (> 50 mm), chegando a 60 mm (sombreado vermelho na figura 6B) próximo à cidade do Rio de Janeiro. As linhas pontilhadas pretas são de levantamento em níveis médios (500 hPa) e nota-se que nas áreas de chuva intensa não havia levantamento nesses níveis. Portanto, as evidências aqui destacadas levam a concluir que o padrão atmosférico que permitiu a ocorrência dos extremos de chuva teve contribuição predominante do escoamento e da umidade em baixos níveis. Sugere-se que há também contribuição importante do relevo, o qual provavelmente serviu de rampa para o escoamento de sudeste e favoreceu o acentuado levantamento em 850 hPa, bem como a convergência de massa e umidade. As figuras B e D mostram que os índices de instabilidade termodinâmica não estavam elevados nas áreas e horários onde foram observadas as chuvas intensas, mas havia intenso levantamento em baixos níveis (850 hPa). Figura 7: Campos de vento a 10 m (vetor), componente meridional do vento (sobreado) e umidade relativa em 900 hPa (contorno preto) para as 00:00 GMT de 15/04/2014 (esquerda) e 18:00 GMT de 17 de abril de 2006. O campo da esquerda é uma análise do modelo ETA40-Ensemble na rodada das 00:00 GMT do dia 15 de abril de 2014 . O campo da direita é uma previsão de apenas 6 horas da rodada do mesmo modelo das 12:00 GMT do dia 17 de abril de 2006. Nota-se a semelhança (0.953577) entre os dois campos. Essas evidências de que o escoamento e umidade em baixos níveis foram determinantes para o extremo de chuva é corroborado pelo Método de Detecção de Padrões Atmosféricos (MeDPAt – Dolif e Nobre, 2012 - http://onlinelibrary.wiley.com/doi/10.1002/asl.385/abstract). Na figura 7 o MeDPAt mostra semelhança entre o evento de chuva aqui analisado e um outro evento ocorrido em 17 de abril de 2006. A semelhança é obtida tomando-se a distância euclidiana entre os campos atmosféricos das variáveis de vento meridional e umidade relativa em 900 hPa entre o caso presente e eventos passados. Para mais detalhes sobre o método consultar a referência dada acima. Figura 8: Campos de vento a 10 m (vetor), componente meridional do vento (sobreado) e umidade relativa em 900 hPa (contorno preto) para as 18:00 GMT de 14/04/2014 (esquerda) e 18:00 GMT de 02 de novembro de 2003. O campo da esquerda é um prognóstico de 268 horas do modelo ETA40-Ensemble na rodada das 00:00 GMT do dia 04 de abril de 2014 . O campo da direita é uma previsão de apenas 6 horas da rodada do mesmo modelo das 12:00 GMT do dia 02 de novembro de 2003. Nota-se a semelhança (0.957835) entre os dois campos. Esse mesmo método é aplicado em campos meteorológicos previstos por modelo numérico de previsão de tempo operacional que gera previsões com prazo até 272 horas, duas vezes por dia. Dessa maneira, o MeDPAt encontrou semelhança já dez dias antes da ocorrência do evento ao indicar que o campo atmosférico previsto no prazo de 268 horas (18:00 GMT do dia 14/04/2014) se assemelhava ao campo das 18:00 GMT do dia 02 de novembro de 2014. Em suma, esta breve análise meteorológica de um evento extremo de chuva no litoral de SP e no RJ revelou uma característica predominante: a predominância de processos atmosféricos em baixos níveis como umidade elevada e levantamento de ar. Essa conclusão sugere grande contribuição da barreira natural que é a Serra do Mar contribuindo para a convergência de umidade e o levantamento de ar. Outra observação pertinente é o fato de que a ausência de nuvens com grande desenvolvimento vertical nos locais de chuva intensa revela uma limitação do monitoramento de tais eventos com uso de sensoriamento remoto por satélite. A ausência de topos frios resulta em subestimativa da intensidade da chuva por parte do hidroestimador. Por fim, o MeDPAt revelou semelhança deste evento com outro do passado (17/04/2006) e ainda conseguiu apontar, com 10 dias de antecedência, a existência de um padrão semelhante àqueles que geraram extremos de chuva no passado, nos campos previstos do modelo ETA40- Ensemble. Conclui-se portanto, que para eventos desse tipo, as variáveis meteorológicas de maior utilidade para que se faça o prognóstico estão em baixos níveis: escoamento (perpendicular à Serra do Mar), levantamento, umidade relativa e água precipitável. Elaborado pelo Meteorologista Giovanni Dolif