jornal Guilherme_06_2001 - Arquivo Histórico Judaico Brasileiro

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Junho 2001
Semestral
Volume 10
Veja nesta edição
Minha História
Os Judeus do Papa
Judaizante e Hebraísta
O Mistério do Pe. Sanctos Saraiva
Inês Henriques de Leão
e sua parentela
Bandeirantes e Cristãos-Novos
em Curitiba
ainda nesta edição:
Obituário e outras notícias
Um perfil do banqueiro Raphael Mayer:
benfeitor esquecido
Raphael Mayer, 1894-1978
Editorial
om dia, leitor (a). Antes de qualquer outra coisa que se escreva, vamos confirmar, este é o décimo número que lançamos. Nossa numeração
B
anterior, seguiu alguns padrões acadêmicos, o que nos tirou a clareza da sequência numeral. Assim confirmamos: este é o décimo número de
Gerações/Brasil ! O que temos a oferecer? Algumas biografias de pessoas que gozaram prestígio em vida e depois foram sendo esquecidas. É o
estranho caso do Padre Sanctos Saraiva, um português de origem cristã-nova que viveu em vários lugares do Brasil, até abjurar a batina. O outro é
Raphael Mayer, um judeu-italiano que foi banqueiro no Brasil, filantropo, ajudou muitas pessoas e entidades, e depois desapareceu como que por
encanto. Nós recuperamos as histórias destes dois personagens incomuns. Trazemos também um artigo sobre os “judeus do Papa”, ou seja os judeus
do Comtat Venaissin (França), que por viverem numa cidade papal, obedeciam leis especiais, forjando uma identidade peculiar. Outros dois artigos
são de muito valor: num deles, Rubens R. Câmara, analisa didaticamente o processo inquisitorial de Inês Henriques de Leão, seguindo todos os passos
processuais, da entrega da prisioneira até o seu julgamento. Inês Henriques pertenceu a importantes troncos cristãos-novos portugueses, basta dizer que
um de seus primos afastados era...Baruch de Espinoza ! Falando em primos, Ricardo Costa de Oliveira, traz um ensaio sobre uma família paranaense
que descende de um bisavô de Antonio José da Silva, “o Judeu”. Como se vê, apesar de não obedecermos a uma pauta pré-estabelecida, estamos
comemorando, ao nosso modo, os 500 anos de Brasil. Uma bom proveito deste nosso esforço é o que desejamos aos nossos leitores.
Todos Nós!
O “Conde” Raphael Mayer,
um benfeitor quase esquecido
Anna Rosa Campagnano
Raphael Mayer, Italian (1894-1978) was a self made man of meteoric success in Brasil. He arrived here in the
early century. Here he built a carreer becoming an important banker, contemporary with Getulio Vargas and
Oswaldo Aranha, President of the UN General Assembly at the time of the creation of the State of Israel. As the
racist laws of Italy were implemented, he helped many refugees with his money and influence.
história de Raphael Mayer, também conhecido como Raffaele
A
Mayer, um judeu triestino que emigrou para o Brasil em 1926, apresenta fatos interessantes que são, em parte, difíceis de seguir em uma
certa sequência, devido à falta de dados suficientes2. Mesmo estando
ainda vivos sua filha, Lia Lustosa, que tem dois filhos, Fernanda e Jonas,
e a filha de seu irmão Mario, Edda Bergmann, atual presidente da
B’nai B’rith, as lembranças são fragmentadas. A documentação, por
outro lado, é rica: diplomas honorários, atestados de contribuições financeiras às mais variadas obras de beneficiência, tanto judaicas como
católicas, títulos nobiliários, fotografias, etc. Através dessa documentação, portanto, aparece a figura de Raphael Mayer como a de um homem
que, do nada, tornou-se uma personalidade pública, aproveitando-se
desse fato não somente em benefício próprio, mas também para auxiliar
a comunidade judaica em geral, o seu país de origem, e o Brasil.
Comecei a conhecer sua história através de um outro sobrinho,
Giulio Mario Guglielmi, filho de Renzo e de Gina Guglielmi (ambos
já falecidos), irmã de Edda. Giulio conta que seu tio Raphael chegou ao
Brasil a bordo de um navio do Lloyd de Trieste, onde trabalhava como
comissário de bordo. Chegando ao Brasil, encantou-se com este país,
decidindo aqui ficar. Parece que, com um primo, Carlo Mayer, ou com
um amigo, abriu um bar em São Paulo, mas não teve sucesso. Empregou-se então como office-boy no Banco Ítalo Brasileiro. Este banco
havia sido fundado em 1924 com o nome de Banca Popolare Italiana, e
sua sede ficava em um elegante edifício no número 25 da Rua Álvares
Penteado. Um dos diretores o viu um dia, enquanto lustrava os bronzes
do portão de entrada. Após fazer-lhe algumas perguntas, percebeu que
ele era muito inteligente e estava sendo desperdiçado naquele tipo de
trabalho, e promoveu-o a contínuo.
Com o passar dos anos, fez uma belíssima carreira, até chegar a
diretor superintendente do banco. Esta sua posição está mencionada à
pág. 513 de um velho livro, “Cinquenta anos de trabalho dos italianos
2 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
no Brasil”, editado em 1936 pela SEI (Sociedade Editora Italiana) em
São Paulo. O período mais brilhante do banco foi aquele no qual se
fizeram as subscrições “Pro Patria” , por ocasião da guerra da Itália na
Abissínia (região central da Etiopia), em 1935/36. Com a anexação da
região africana ao território italiano, a Itália foi punida por 52 nações
com severas sanções econômicas. As subscrições “Pro Patria” foram
feitas nos países onde havia uma grande porcentagem de imigrantes
italianos. A subscrição “Pro Patria” foi inaugurada no dia 1º de abril de
1935 pelo Conde Francesco Matarazzo, que ofereceu a enorme soma de
mil contos de réis. Com a entrada do Brasil na guerra, em 1942, o banco
passou a chamar-se Banco Nacional da Cidade de São Paulo, trans-
ferindo-se para uma sede própria situada na rua São Bento, no centro da
cidade. Várias empresas eram sócias do banco, como a Superga, de
artefatos de borracha, a Copam, de armações para óculos, a Certo, de
produtos alimentícios, famosa especialmente pela produção de óleo
vegetal, a Uva, que produzia o vinho Centauro, o Laboratório Biosintético, a Tecelagem Taquara, uma firma de tecidos que fabricava voal, e
muitas outras. Mayer também foi diretor da Lacta, cujo proprietário era
Assis Chateaubriand, diretor administrativo dos Diários Associados e
também da Rede Tupi.
Tendo enriquecido, Raphael Mayer foi morar em uma casa suntuosa no bairro da Aclimação, na rua Pandiá Calógeras, cujo jardim
tinha vinte mil metros quadrados. Ele também usava a casa para dar
recepções e festas, através das quais consolidava antigas relações e
fazia novas, que lhe serviam tanto para seus próprios negócios, como
para obras de beneficiência. Através dessas festas, por exemplo, ele
conseguiu vender muitos bônus do Estado de Israel que, em 1954,
concedeu a ele e a sua mulher o título de “Guardian of Israel” (Guardião de Israel). Era amigo de Getúlio Vargas e de membros de sua
família, os quais frequentemente, de passagem por São Paulo,
hospedavam-se em sua casa. Parece que, muitas vezes, ele financiou
o governo Vargas, chegando a ser conhecido como o banqueiro de
Vargas. Seu sobrinho, Bruno Levi, lembra de ter participado de
algumas dessas festas, onde estavam presentes personalidades da
política, da indústria e da alta sociedade, tais como membros da família
Vargas, Oswaldo Aranha, Negrão de Lima, Tancredo Neves, Assis
Chateaubriand, etc. É interessante notar, salienta Bruno Levi, que de
todos estes personagens, o único que não era anti-semita, e o demonstrava através de seus jornais, era o Assis Chateaubriand.
O relacionamento com todas essas pessoas e entidades políticas,
nacionais e internacionais, que sem dúvida ajudava a política externa
do Brasil, está evidenciado nos vários documentos e honrarias recebidos por Raphael Mayer, entre os quais podemos citar: um salvo-conduto emitido pelo Palácio da Presidência da República, assinado por
Benjamin Vargas, irmão do presidente, expedido em 23 de maio de
1944, nomeando Raphael Mayer “Guarda Pessoal”, com livre acesso
ao palácio; o diploma de membro efetivo do Serviço de Saúde da
Aeronáutica, expedido pelo Ministério da Aeronáutica em janeiro de
1941; o Diploma de Honra ao Mérito Rural, concedido pelo Instituto
Brasileiro de Propaganda e Defesa do Café. Lembramos que a política de defesa do café foi, a partir de 1938, uma das bases da política
econômica de Vargas; a medalha Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, que lhe foi outorgada em novembro de 1959 pela Sociedade Geográfica Brasileira, os diplomas que lhe foram concedidos
pela União Cultural Brasil-México; pelo Instituto Brasil-Honduras;
pelo Instituto Cultural Brasil-Mônaco, com o agradecimento de S.A
S. Ranier III; pela Asociación Panamericana de Intercambio Cultural, da Bolívia, com direito ao uso da Cruz de Mérito; uma medalha
da Fundación Internacional Eloy Alfaro, do Panamá; muitos diplomas e agradecimentos de entidades católicas, provavelmente em
decorrência de financiamentos concedidos por seu banco.
Os imigrantes italianos bem-sucedidos financeiramente, buscavam
títulos que pudessem ajudá-los a ingressar na sociedade brasileira.
Procuravam diferenciar-se dos imigrantes comuns adquirindo títulos
nobiliários. Os mais ricos buscavam o Vaticano ou a Casa de Savóia e,
em troca de ricas doações, recebiam títulos condais (Matarazzo, Crespi,
Siciliano, etc.). Como era impossível para Mayer receber um destes
títulos, ele aproximou-se de nobres italianos que alegavam descender da
nobreza bizantina e tinham o direito de conferir títulos. Em 15 de
fevereiro de 1947, na cidade de Nápoles, ele foi elevado à condição de
“Comendador” por Antonio de Curtis dei Griffo-Focas, “Príncipe
Imperial de Bizâncio, Porfirogenito3 da Estirpe Constantiniana dos
Griffo-Focas, Grão-Mestre Hereditário da Ordem Soberana Militar
Angélica Constantiniana”. Esse “príncipe bizantino” era ninguém menos
que o comediante Totó4, neto ilegítimo de um marquês e que dois anos
antes fora reconhecido como membro dessa estirpe. Mayer recebeu
depois um segundo título, “Commendatore”, de outro nobre “bizantino”, Vito Zappalà-Lascaris di Dorilea, “III General e Grão Mestre
da Ordem Internacional da Legião de Honra da Imaculada”, em
Palermo, a 8 de dezembro do mesmo ano. Culminou, nessa sucessão de
títulos bizantinos, sendo nomeado “Conde”, em 1951, por Teodoro
Costantino Augusto Giulio Angelo Flavio, Marziano II, “pela graça de
Deus Imperador Titular de Constantinopla e de todo o Oriente
Romano”.5 O seu brasão condal é assim descrito: “de prata o leão de
vermelho, com a faixa azul atravessada, gravado com três meias-luas o
campo”.
Foram muitas as entidades auxiliadas por Raphael Mayer, entre
elas o Hospital Israelita Albert Einstein, o Lar dos Velhos, e a Sinagoga
da Abolição. Em muitas das entrevistas que fiz com judeus italianos em
São Paulo que haviam fugido das leis raciais de julho de 1938, Raphael
Mayer é mencionado várias vezes como uma pessoa sempre pronta a
ajudar os seus correligionários nos primeiros e difíceis momentos de
adaptação no Brasil. Edda Bergmann, por exemplo, conta que seu pai,
Mario Mayer, era funcionário da Banca Commerciale Italiana. Decidiu
emigrar para o Brasil após a decretação das leis raciais, impelido pelo
fato de que, em 1938, seu irmão, Raphael Mayer, havia alcançado uma
posição tal que lhe permitia ajudá-lo a emigrar e, quando chegasse, a
encontrar-lhe trabalho. Ele conseguiu emprego na firma Superga, de
São Paulo. Como Edda conta, Raphael era amigo de Getúlio Vargas e,
ainda antes que fossem promulgadas as leis raciais, Oswaldo Aranha e
João Briccolo, diretor do banco do qual Raphael havia se tornado
proprietário, pediram a Mario Mayer que fosse encontrá-los em Berna.
Nessa ocasião, Mario Mayer foi informado das futuras leis, e convencido a emigrar para o Brasil. Quando o navio Conte Grande atracou
em Recife, Raphael Mayer e Oswaldo Aranha, com as respectivas
esposas, o estavam esperando e, todos juntos, viajaram para o Rio de
Janeiro e depois para Santos. A família de Edda ficou hospedada na
casa de Raphael até conseguir acomodações apropriadas.
Ettore Baroccas conta... “quando o Brasil entrou na guerra,
precisaram transferir a firma para um brasileiro e escolheram para
isso o administrador da mesma, o qual os enganou, tendo eles perdido tudo6. Então, Leone Baroccas deixou o seu trabalho por conta
própria e, com a ajuda de Raphael Mayer, foi trabalhar como empregado em seu banco e, em seguida, em uma firma de tecidos”.
Laura Salmoni, esposa de Giuseppe Levi, em um depoimento feito
no arquivo da memória, diz: “tínhamos um primo no Brasil, Raphael
Mayer, que era proprietário, em São Paulo, de um banco (Banco Ítalo
Brasileiro) e da fábrica de chocolates Lacta”. Esse primo empregou seu
marido primeiro na Lacta, para que se familiarizasse com a lingua
portuguesa, e depois o mandou para Jaú, distante aproximadamente 100
kms de São Paulo, como diretor de uma das filiais do banco.
Bruno Levi citou-lhe várias vezes. Ele conta, por exemplo, sobre a
ajuda oportuna do tio, certa vez em que estava para ser expulso do
Colégio Dante Alighieri. Nesse colégio, na época fascista, vigorava a
obrigação, instituida pelo diretor Attilio Venturi, de fazer a saudação
fascista ao entrar. Bruno se recusava a fazê-lo e, denunciado, sem a
ajuda de Raphael Mayer teria sido obrigado a mudar de escola. Porém
ele permaneceu na mesma e foi dispensado de fazer a saudação, que,
para ele que vinha de uma família que fugira do regime nazi-fascista,
era ultrajante. A obrigação dessa saudação na escola havia sido abolida
por ordem expressa do Presidente da República, em abril de 1938.
Evidentemente, o diretor da escola não havia seguido as ordens. De fato,
como consta em um artigo do Jornal da Manhã de 11 de março de
1939, (que encontrei no arquivo do Ministério do Exterior em Roma), a
ordem foi novamente repetida, após a inspeção feita na escola pelo prof.
Eusébio de Paula Marcondes. Desta vez, o prof. Venturi assegurou que
“respeitaria, com profunda lealdade, as leis do país”.
No livro inédito de Umberto Beer, “Va fuori d’Italia”7, na página 4, está escrito: “... um dia, enquanto eu estavano escritório do
sr. Farina, do Banco Francês e Italiano para a América do Sul, aproximou-se sorridente o sr. Raphael Mayer, diretor do Banco Ítalo Bra3 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 3
MAYER
Jona Mayer
LEVI
Regina Valenzin
Rafael
Girolamo Levi
Mario
Emma
Giuseppe
MORPURGO
Elvira Guttman
Giuditta
Abramo Leonello Morpurgo
Vittorio
Mario Elio
Carlo Alberto
Maria Zoé Morpurgo
Nora Adele
Liliana
c. Hans Rosenthal
Lya
Silvana
Edda Bergman
Guido
Gina
Giulio Guglielmi
Fernanda Lustosa
Jonas
Franca Finzi
Bruno
Nora
c. Anna
Kulikovsky
c. Giuseppe
Anaw
Marilia
sileiro, que me ofereceu um lugar em sua firma. E eu aceitei e comecei a trabalhar. (Este sr. Mayer teve grande importância em minha
vida, como veremos em seguida. Ele era uma das personalidades
importantes do setor bancário: infelizmente, por negócios errados,
ele decaiu muito na escala financeira...Para recomeçar a trabalhar,
fui novamente ajudado pelo sr. Mayer, o qual me ofereceu a direção
de uma pequena fábrica de caixas de papelão que, por estar quase
falida, o banco de Mayer havia adquirido. Essa firma havia sido
agregada a uma outra indústria de propriedade do banco, a COPAM
(Cia. Paulista de Artefactos de Metal), que fabricava armações de
celulóide para óculos”.
Se sua vida profissional foi, até certo ponto, plena de satisfações,
não se pode dizer o mesmo da familiar. Raphael Mayer casou-se, em
setembro de 1941, com Emília Frioli, filha do adido cultural italiano em
São Paulo. Ele teve três filhos Alberto Jonas Mayer, que morreu com
apenas sete anos, de tuberculose; Raphael Mayer Junior, que teve
morte violenta aos vinte e três anos e Lia Mayer Lustosa que vive
atualmente com dois filhos, Fernanda e Jonas, ambos estudantes
universitários.
Edda Bergmann mostrou-me um livro que Raphael Mayer mandou imprimir por ocasião da morte do filho Jonas. Trata-se de uma
obra sobre o Talmud, intitulada:
Seleção de Máximas, Parábolas e Lendas8
Em memória do inesquecível Alberto Jonas, que teria sido
educado com a orientação espiritual do Talmud. Aos meus caros
filhos Lia e Raffaele, aos quais indico o Talmud como mestre intelectual para a formação de uma alma perfeita.
Ao Brasil, terra bendita, na qual encontrei Pátria, Família, Paz.
A morte do segundo filho perturbou profundamente Raphael
Mayer, que começou a perder o interesse pelo trabalho e pela política. Mas manteve o banco até o fim do governo de Jânio Quadros.
Com a renúncia do mesmo, desgostoso com os altos e baixos da política, vendeu a sua empresa para o grupo Bradesco.
Livio
Paolo
4 O comediante Totó teve uma vida plena de lances rumorosos. Ele
nasceu como filho ilegítimo de uma jovem trabalhadora e de um
moço pertencente à nobreza, recebendo o nome de Antonio Clemente, porém, com o casamento de sua mãe, ele foi reconhecido pela família paterna, tomando o nome de Antonio Maria de Curtis dei
Griffo Focas (Nápoles, 1898 – Roma, 1967), herdando assim os títulos nobiliárquicos pertencentes aos seus ancestrais. Mas Totó fêz o
seu nome e fortuna como comediante em vários filmes.
5 Até os reis sem reinos são biografados. Foi difícil mas encontramos a biografia deste obscuro Marziano II, “Basileus Titolare di
Costantinopoli, Despota di Nicea e della Bitinia, Gran Duca, Sebastocratore e Patrizio Bizantino, dei Basilei di Trebisonda,
Sovrani di Cefalonia e dell´Asia Minore, Erede Porfirogenito,
Principe Imperiale e Reale Lascaris-Doukas, Gran Capo della
Casa Lascaris, Dinastia IX del S.R.I d´Oriente...” Ele nasceu italiano em 17 de março de 1921, filho de Olga e Prospero Gottardo
Lascaris Ventimiglia Lavarello di Turgoville, professor de Direito
e Oficial do Exército montenegrino. Sua genealogia (???) inclui
um rio, uma ninfa, os Giulli (de Júlio César) e a dinastia bizantina
dos Lascaris, mas nenhuma soberania sobre qualquer palmo de
terra nos últimos quinhentos anos. Dele há uma fotografia no
artigo citado. V. “Imp. Casa “Lascaris” (Relig. Cattolica). Sua
Altezza Imperiale Marziano IIº”, em “Anuário Genealógico
Latino”, do Coronel Salvador de Moya, vol. 2, 1950, pp. 3-16.
6 Por lei, durante a guerra, de 1942 a l945, todos os bens que estavam no nome de cidadãos do Eixo Roma-Berlim-Toquio, foram
temporariamente confiscados.
7 O general Umberto Beer, nasceu em Ancona e morreu em S. Paulo
(1896-1979), era filho de Ercole e Adelaide (Camerini) Beer. Foi
ajudante de ordens do rei Vítor Manuel III e era um dos soldados
mais condecorados do Exército Italiano. Deixou inédita suas memórias: “Và Fuori D´Italia, Doce Pinceladas de Umberto Beer”.
8 Organizada por Moisés Bilinson e Dante Lattes. Tradução de
Vicente Ragognetti. Com dedicatória de Raphael Mayer. Edigráfica São Paulo – Rua de Nascimento, 114, São Paulo
Notas
2 Raffael Jedidia Mayer, nasceu em Trieste (20-08-1894), filho de Jona
e Regina (Valenzin) Mayer, e faleceu em S. Paulo (22-09-1978).
3 Filho do Imperador.
4 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
Anna Rosa Campagnano, autora de “A árvore de Avraham” (1991), diretora do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, prepara uma dissertação de
mestrado sobre o bagitto (dialeto dos judeus livorneses) na USP.
Meus Ancestrais — os “Judeus do Papa”
Jean-Jacques Leopold Monteux
I n the XIV century, Avignon, France was the headquarters of the Popes and until 1791 it belonged to the
Catholic Church. The jews who came from this town were subject to peculiar legislation, they became
known as “the Pope’s jews”. Jean-Jacques Leopold Monteux one of the descendants of these families
tells the story of the group, identifying people and their customs.
A Genealogia, mais que um passatempo, mais que uma pesquisa-é um
tributo; é um ato de amor aos nossos ancestrais.
vocar a historia dos Judeus do Papa é relembrar a história milenar do
próprio judaismo . Retrocedamos para o ano 66 D.C. quando
Eaconteceu
a primeira guerra entre judeus e romanos; Jerusalem é tomada
por Tito em 70 d.C.; o Templo é destruido tem inicio a segunda diáspora.
Lendas e antigas tradições orais nos dão conta de três barcos com exilados judeus que são lançados ao mar. Errando pelo mar Mediterrâneo
aportam ao acaso na costa sul da então Gália — atual França —
iniciando deste modo as primeiras implantações judaicas em solo gaulês.
Essa lenda adquire um contôrno de realidade quando em 1967 junto à
cidade de Cavaillon, em Provence , é descoberto um candelabro de sete
ramos, que de acordo com H. Morestin “trata-se do mais antigo
testemunho de uma presença judaica em Gália”, que pelo seu estilo é
datado da segunda metade do primeiro século e cuja peça ,é hoje conservada no museu judaico daquela cidade. A população judaica do sul
da França sempre se baseou nessa lenda para provar a sua presença na
região desde os tempos mais remotos. René Moulinas em sua obra “Les
Juifs du Pape” cita uma petição endereçada em 1808 a Napoleão pela
comunidade judaica de Avignon:
“O estabelecimento de israelitas em Avignon remonta aos
tempos mais antigos e não se distancia muito da época de sua
dispersão após a queda de Jerusalém; duas familias existem ainda,
que são descendentes daqueles primeiros hebreus”
Leopold Jacob Monteux, circa 1920
O primeiro registro formal da presença judaica nessa região , na
região de Provence, data de 1178 quando por um ato do Imperador
Frederico I do Sacro Império Romano Germânico que detinha o
poder sobre as terras da região, a comunidade judaica de Avignon é
colocada sob a proteção do bispo local. Após reinados e impérios dominando a região, são os condes provençais que no século XIII
detem os direitos sobre as terras do sul da Gália. Afonso, conde de
Poitiers ao fazer em 1268, inventário de seu dominio, dominio esse
que mais tarde receberia a denominação de Comtat Venaissin ,
registra a presença judaica nas comunidades de Avignon, Bollène,
Bonnieux, Carpentras, Cavaillon, Lapalud, L’Isle-sur-la-Sorgue ,
Monteux, Mornas et Valréas. Em 1274, as terras do Comtat
Venaissin, em decorrência do Tratado de Paris, tem seus direitos
transferidos ao Papado. Um acontecimento singular transformou a
historia de toda a região: eleito Papa o arcebispo de Bordeaux, Bertrand
de Got, sob o nome de Clemente V, decide ficar por algum tempo em
Avignon, para se refugiar da agitação constante de Roma. Em 1309 o
Papa se instala provisoriamente na cidade. Seu sucessor em 1316 transfere definitivamente a sede do governo pontifício para Avignon.
Durante quase setenta anos Avignon será a sede do Papado. A vida
cotidiana da população judaica do Comtat Venaissin sob administração pontifical é permanentemente marcada pelo perigo da contaminação doutrinal “que ela representa para os cristãos e em decorrência
medidas discriminatórias são aplicadas. As mulheres judias são
obrigadas a ostentar um determinado tipo de penteado, enquanto que
os homens trazem pregado às suas vestes um símbolo em forma de
roda. Em cada localidade de Provence, a comunidade judaica era
obrigada a se agrupar em quarteirões específicos, sem no entanto se
constituirem ainda em “ghetos”. Relacionamentos entre judeus e catolicos eram rigorosamente proibidos e sujeitos a severas punições.
Essas medidas, no entanto, eram muitas vezes quebradas pelos seus
próprios autores, ou seja , por papas e cardeais que recorriam sempre
que necessário aos serviços prestados pelos talentosos médicos judeus, cuja tecnica fora obtida, não em escolas , mas na experiência da
prática diária de sua comunidade. A comunidade judaica, podia
naquele momento exercer diversas atividades, tais como: alfaiates;
pedreiros; carpinteiro ; padeiros; tintureiros etc. Tinham acesso à propriedade imobiliária , sendo que muitos possuiam imóveis rurais,
principalmente vinhedos. Somente era vetado o acesso à função pública, pois isso poderia criar uma condição de superioridade em relação aos católicos. Esse cotidiano, no entanto, iria mudar de forma
dramática em decorrencia de acontecimentos externos.
Os judeus são expulsos do reino da França por Felipe o Belo em
1394, e em consequência um contingente expressivo vem buscar abrigo
nas terras do Papado. O aumento incessante desse fluxo migratório em
direção ao Comtat Venaissin representou o início de tensões no seio da
comunidade cristã local. Como forma de aplacar os ímpetos antijudaicos de seus fieis cristãos, o Papado criou os primeiros “ghetos” em
seus domínios, em 1453. Os problemas se agravam com a chegada de
judeus, expulsos da Espanha em 1492 e de Portugal em 1496, os quais
encontraram refugio no Imperio Otomano, na Italia e no Comtat
Venaissin. Novas medidas discriminatórias são aplicadas. Uma bula
papal obrigou aos judeus o uso de um humilhante chapéu amarelo. Para
continuar atendendo ao sentimento anti-judaico da população cristã, as
autoridades pontifícias determinam que os judeus do Comtat somente
5 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 5
poderão residir em “ghetos” situados nas localidades de Carpentras,
Cavaillon, Isle-sur-Sorgue e em Avignon. Essas quatro cidades são
designadas por seus habitantes judeus de “As Quatro Santas Comunidades” numa terna lembrança das comunidades de Jerusalém, Safed ,
Hebron e Tiberíades. Esses “ghetos” recebem o nome de “carriere” cujo
significado era rua. O talento e o espirito dos ocupantes dessas quatro
comunidades judaicas acabaram por transformar as “carrières” em
verdadeiras repúblicas autônomas, perfeitamente estruturadas, dispondo
de organismos institucionais, administrativos e financeiros, regidos por
uma peculiar forma de constituição interna. A língua falada nas
“carrières” é um dialeto em que o hebreu e o provençal se fundem.
Diversas peças do folclore judaico-provençal foram escritas nesse dialeto: Cantos de circuncisão ; Pequenas Comédias; A Tragédia da
Rainha Ester,etc. Entretanto a vida nessas “carrières” é dificil. Diversas
familias ocupam a mesma casa. A saida do “gheto” é permitida somente
em horas autorisadas. Para o cristão, a presença de um judeu é considerada ofensiva. Durante a Semana Santa e na passagem de procissões
existe a proibição do judeu de sair de sua casa. Muitas das condições
humilhantes aplicadas encobre sutilmente um convite à conversão ao
catolicismo sempre rechassado pela comunidade judaica.
As medidas discriminatórias se mantiveram até a Revolução Francesa de 1789 que anexou à República as terras do Comtat Venaissin pertencentes ao dominio papal. Esse extraordinário evento marcou uma verdadeira libertação para a comunidade judaica das quatro “carrières”, que
são são extintas. Após uma participação ativa no movimento revolucionário, os judeus do Comtat tornam-se cidadãos franceses. Tem início a
dispersão para outras cidades da região e posteriormente para Paris.
A necessidade de controle da população judaica até a Revolução foi
tão intensa, que propiciou um legado extraordinário de registros civis. O
genealogista francês Michel Mayer-Crémieux assim se expressou :
“Felizes os genealogistas que possuem ascendendência judaica no
Comtat Venaissin”. Além dos registros pertencentes aos Arquivos
Departamentais e Nacionais da França o genealogista poderá consultar
os registros civis de Carpentras em hebreu, pertencentes aos Arquivos
Centrais para a Historia do Povo Judeu localizados em Jerusalém e que
compreende dois volumes: Pinkas Ha-yahas (casamentos, circuncisões e
nascimentos) e Hazkarat nefachot (falecimentos). Esses nossos ancestrais, judeus de Provence, apesar das humilhações e provações
sofridas souberam preservar sua liturgia, seus modos, seus costumes.
Esses homens atendiam pelos nomes de Crémieux , Monteux ,
Naquet, Vidal, Milhaud, Lunel, Baze, Alphandery, Lisbonne, Mosse,
Valabregue, etc. Eles não tiveram papel preponderante na história
universal do judaísmo, mas deixaram no entanto, descendentes com
brilho invulgar na politica , na literatura, na música e na na defesa de sua
pátria, como:
• Isaac Adolphe Crémieux (1796-1880). Advogado, Deputado,
Senador, Ministro de Estado. Autor da “ Lei Crémieux” que
conferiu cidadania franceêsa aos judeus de Argélia.
• Alfred Joseph Naquet (1834-1916). Químico e político republicano. Autor da “Lei Naquet”, que regulamentou o divórcio na
França (1884).
• Pierre Monteux (1875-1964) Maestro das Orquestras: Sinfônica
de Paris; Opera de Paris; Metropolitan Opera de New York; Sinfônica de Boston; Filarmonica de San Francisco; London Symphony
Orchestra; Concertgebouw de Amsterdam. Introdutor dos Ballets
Russos no Ocidente.
• Darius Milhaud (1892-1974) Músico com mais de 450 composições. Viveu dois anos no Brasil. Fundamental para a história da
música do século XX.
• Isaac Gaston Crémieux (1836-1864) Mártir francês — Fuzilado
em Marseille. Seu ultimo brado foi “Viva a Republica”.
• Armand Lunel (1892). Novelista francês. Autor de várias obras
baseadas nos judeus de Carpentras. Uma delas, “Esther de Carpentras”, sobre uma velha peça de Purim provençal, foi musicada por
seu amigo Milhaud.
• Pierre Vidal-Naquet (1930) — Historiador. Autor de “Os Assassinos da Memória”, dedicado “á memória de minha mãe, Marguerite Valabrégue. Marselha, 20 de maio de 1907. Auschwitz, 2 de
junho (?) de 1944. Eternamente jovem”.
Esses homens construiram um patrimônio inestimável, classificado hoje de monumento histórico e representado pela sinagoga de
Carpentras, cuja primeira construção data de 1367, reconstruida em
1741 sobre as fundações originais e pela Sinagoga de Cavaillon cuja
construção data igualmente do século 18. Esses homens jamais abandonaram suas crenças, suas idéias, suas convicções. Esses homens,
meus ancestrais, eram os “Judeus do Papa”.
REFERÊNCIAS
• Alicia Arias-Crémieux — “Quienes fueron los Judios del Papa”,
publicado no Boletim nº 10 Toldot, Asociacion de Genealogia
Judia de Argentina
• Cercle de Genealogie Juive (França) — Documentos
• Darius Millaud — “Notes sans musique” (autobiografia).
• Elisabeth Sauze-Ministerio da Cultura — França — “Les
Synagogues du Comtat “
• Michel Mayer Crémieux — “Mes ancêtres: Les Juifs du Pape”
• René Moulinas — “Les Juifs du Pape” (1992)
• Thierry Jacob — “Les Juifs du Comtat Venaissin”
http://www.chez.com/tjacob
ASCENDÊNCIA DE JEAN-JACQUES LEOPOLD MONTEUX
LINHA AGNÁTICA
G
NASCIMENTO
ANO
NASCIMENTO
LOCAL
ANO
LOCAL
I
JEAN-JACQUES L. MONTEUX
1936
São Vicente, SP , BR
II
JACQUES MONTEUX
1899
Paris , 5e, FR
ISABEL CARVALHO-OLIVEIRA
1904
Itatiba , SP , BR
III
LEOPOLD JACOB MONTEUX
1866
Marseille , 13 , FR
BLANCHE ESTHER LECLERE
1876
Chantilly , 60 , FR
IV
JULES DAVID MOSSÉ MONTEUX
1833
Entraygues , 84 , FR
ANNA CRÉMIEUX
1834
Marseille , 13 , FR
V
JOSEPH MONTEUX
1804
Bedarrides , 84 , FR
ROUSSE MOSSÉ
1808
Carpentras , 84 ,FR
Cavaillon , 84 , FR
VI
ISAAC MONTEUX
1777
Carpentras , 84 , FR
PRECIEUSE MONTELIS
1775
VII
BESSALET MONTEUX
1754
Carpentras , 84 , FR
NEHUMI MONTEL
1778
VIII
ABRAHAM MONTEUX
1722
Carpentras , 84 , FR
SARAH MONTEUX
Carpentras , 84 , FR
Carpentras , 84 , F
IX
SALOMON MONTEUX
1696
Carpentras , 84 , FR
EVA SARAH LISBONNE
Carpentras , 84 , FR
X
EMMANUEL MONTEUX
1679
Carpentras , 84 , FR
RACHEL SALON
Carpentras , 84 , FR
XI
ISAAC DE MONTEUX
1650
Carpentras , 84 , FR
XII
ABRAHAM DE MONTEUX
1620
Carpentras , 84 , FR
6 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
O mistério do Padre Sanctos Saraiva,
um “judaizante” na Corte de D. Pedro II
Paulo Valadares
To list all intelectual activities of the Portuguese Sanctos Saraiva (1834-1900) is fascinating: Botanist, mineralogist,
philologist and catholic priest. Two instants are interesting in his biography. He was asked by D. Pedro II,
brazilian monarch, to evaluate his knowledge of hebrew, establishing a lasting friendship between them. He
was a descendant of portuguese new-christians, later he abandoned the catholic priesthood
Padre Sanctos Saraiva foi uma celebridade no Brasil nas últimas
O
décadas do séc. XIX, pois era uma “figura singular de erudito,
sacerdote (ou ex-sacerdote), filólogo, cientista, professor, poeta, polemista, tradutor e exegeta”, como enumerou suas atividades o jesuíta Arthur Rabuske, um de seus biógrafos1. Sua singularidade estava não apenas no enorme leque de interesses que ele pesquisava,
mas também em sua própria figura misteriosa, de quem se dizia ser
filho de um rabino sírio, ter vivido em locais e situações tão diferentes, conviveu com orientalistas em Londres, discutiu hebraico com D.
Pedro II, colheu plantas e minerais na Serra da Cantareira. Pregou
para bispos e viveu como rústico agricultor no interior de Santa Catarina. Hoje ele é uma figura quase ignorada no ambiente intelectual
brasileiro. Nosso interesse é recuperar este personagem para a história cultural brasileira e devolver aos cristãos-novos portugueses um
de seus vultos mais interessantes.
ram com filhos de Mestre Thomaz da Victória, “Rabino q[ue] lhe
ensinava a sua seita” e que são troncos de uma farta descendência
com este apelido Saraiva ou Cardoso, espalhada pelo nordeste de
Portugal4. A lista dos “99 chefes de família” atingidos pelo pogrom
de Vila Nova de Fózcoa, composta por António Joaquim Ferreira
Pontes, trás entre eles membros desta estirpe5. António José Saraiva
(1917-1993), autor de “Inquisição e Cristãos-Novos” reconhecia-se
como sendo de origem judaica6. Creio que o Padre Sanctos Saraiva
viesse desta mesma origem. Não tenho ainda a ligação entre uma e
outra linhagens, mas os indícios que tenho apontam nesta direção.
Quem era Sanctos Saraiva.
Francisco Rodrigues dos Sanctos Saraiva nasceu em Vila
Seca de Armamar, na região de Lamêgo, em 22 de fevereiro de 1834,
filho do “rabbino hespanhol da Syria” António dos Sanctos Saraiva e
Anna Rita Rolla. Esta é a informação consagrada que com o passar
dos anos e desídia dos pesquisadores tornou-se a verdade oficial. Estranhando o caso de judeu sefardita retornar a Portugal, os magrebinos são exceção, e ignorando a existência de uma família Saraiva
no Império Otomano, fomos a pesquisa e encontramos, graças a ajuda
de Maria das Dores Almeida Henriques e Maria Dulcinéia B. Cabral
de Sena, o seu certidão de batismo no Arquivo Distrital de Viseu.
O certidão de batismo é o principal documento individual do
mundo ibérico até a proclamação das repúblicas. Com a união da
Igreja e Estado, o batismo católico é a porta para o ingresso na cidadania plena. Para o genealogista ele é importante pois trás, a data e o
local do nascimento, os nomes dos pais e avós, também os padrinhos,
identificando suficientemente o personagem.
No caso de Sanctos Saraiva, confirmou-se parcialmente o seu
aniversário, apenas o ano é diferente, ele nasceu em 1831. O dados
genealógicos são descritos pelo documento: “filho de António dos
Santos, Mesão Frio, Mondim (outro nome é ilegível) e Ana Rita.
Nepto paterno de Joaquim dos Santos, Jeronima de S. José da freguesia de Mondim e materno de José Rodrigues Saraiva e Anna
Cardoza desta freg[uesi]a”2. O que se percebe nesta documentação é
que Sanctos Saraiva é filho e neto de portugueses. Nada nos autoriza
a tomar como legítima a versão do “rabbino syrio”, pois nos parece a
criação deste ancestral mítico apenas uma forma de desvencilhar-se
do passado católico ou legitimar-se como hebraísta.
A família Saraiva tem origem em Trancoso, difundindo-se por
migração de seus membros por toda a região, sendo muitas vezes
reconhecidos como cristãos-novos3. O mais importante destes ramos
é a família Saraiva, inicialmente de Mesão Frio, depois estabelecida
em Barcelos, começada por dois irmãos cristãos-novos, que se casa-
Outra família Saraiva, ou outro ramo da mesma, foi para Amsterdã onde trocou de nome7. O mais famoso deles foi o comerciante
Duarte Saraiva (1570-1650), nascido em Amarante, que na comunidade holandesa era conhecido como David Senior Coronel — a ele
foi dedicado o livro “Conciliador” do rabino Manasseh ben Israel8.
David Senior Coronel era um homem muito rico e viveu também no
Recife Holandês. Flávio Mendes Carvalho, autor de “Raízes Judaicas no Brasil. O Arquivo Secreto da Inquisição”, afirmava que a
7 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 7
família cearense Saraiva Leão, da qual fazia parte, descendia de um
irmão do parnas (dirigente comunal) holandês9. Porém na Diáspora
sefardita este nome não prosperou, sendo encontrado apenas entre os
judeus de Hamburgo.
Ahasveros
Usando a imagem literária de Ahasveros, pode-se afirmar que
Sanctos Saraiva foi também uma espécie de “judeu errante”, ele viveu
em dois continentes, quatro paises e em muitas cidades. Nascido em
Vila Seca de Armamar, morou em Lamêgo, estudou na Universidade de
Coimbra, onde teria cumprido um doutorado em “Teologia e Direito”,
ao que parece em 1850. Sua formatura teria coincidido com a revolta da
“patuléia”, quando então ele expatriou-se para Londres, onde especializou-se nas áreas que lhe dariam
notoriedade. “D´essa convivência com
o mundo scientífico londrino, onde
pontificavam sabios orientalistas hebreus, surgiu a multiforme cultura
d´esse homem, que estava fadado a
maravilhar os seus contemporâneos
com o seu saber’10. De Londres, ele
foi a Roma, e usando os contatos que
fizera na Inglaterra, recebeu a direção
de uma paróquia no Brasil.
Em 1860, por falar inglês, é nomeado capelão da “Companhia
de Mineração Morro Velho” em Minas Gerais. Ele ficou pouco tempo na região, pois assustado com a intolerância do clero mineiro,
mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde assumiu em 23 de junho de
1862 como “vigário encomendado” da Paróquia de S. Francisco de
Paula de Cima da Serra, apesar de caráter inamovível do seu cargo,
cinco meses depois já estava na Paróquia de S. Sepé.
Nos pampas ele vive várias aventuras: “viajava elle de S. Gabriel
para S. Sepé, quando, no penetrar em uma casa de negócio, á beira da
estrada, afim de comprar alguma coisa, appareceu um individuo de má
catadura, que, de um modo brutal, atirou uma moeda sobre o balcão,
dizendo ao dono. — Dê-me dois vintens de cachaça! Sendo-lhe offerecida a bebida o padre Saraiva recusou e agradeceu. O gaúcho insistiu,
e ainda nova recusa. Nâo notára aquelle que o dono do negócio lhe
piscava o olho para que aceitasse. O tal homem voltou á carga: — Pois
há de beber, por bem ou por mal! Sem perder a presença de espírito, o
padre Saraiva sacou de uma pistola, e encostou o cano ao peito do
valentão, dizendo-lhe: Monte a cavallo, e já! E desappareça d´estes
sítios” 11. O bandido que era conhecido por ter cometido alguns
homicídios fugiu frente a firmeza do barbudo misterioso.
Em 1865 ele retornou a Portugal onde permaneceu por cinco anos,
ao que tudo indica, passou este tempo estudando nas bibliotecas locais.
Nesta época mantém relações com o historiador Alexandre Herculano,
autor de “História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em
Portugal”. Voltou ao Brasil em 1870 para o Rio de Janeiro, onde
mantém contatos com o Imperador. É nomeado reitor do Colégio Dom
Pedro d´Alcântara, em Botafogo, com trezentos alunos. Em 1875 vai
para o interior de Santa Catarina, onde adquire uma propriedade rural e
labuta incognito até 1891. É o lugar onde viveu por mais tempo. Dalí
vai a Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde lecionou em dois colégios
“Ateneu Pelotense” e “Colégio Evolução”. Em 20 de maio de 1892
chegou a S. Paulo, onde a convite de G.W. Chamberlain, lecionou na
“Escola Americana” e no “Mackenzie College”.
Na Corte de D. Pedro II
No período em que Sanctos Saraiva viveu o seu apogeu criativo, o
Brasil tinha como chefe de Estado, D. Pedro II, que mantinha no Rio de
8 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
Janeiro a Corte política, ao mesmo tempo em que estimulava um
ambiente intelectual. D. Pedro d´Alcântara, como ele preferia ser chamado durante os trabalhos eruditos, era o que se podia chamado de
“orientalista”. Ele falava, lia e escrevia em hebraico. Frequentou
sinagogas na América e na Europa, numa delas chegou a fazer aliá,
lendo a Torá na Sinagoga Central de Londres, em Upper Street,
convidado pelo rabino Barnett-Myers. Participou do “III Congresso
de Orientalistas de S. Petersburgo” (1876), onde discutiu as inscrições do rei moabita Méscha, os Samaritanos e a primitiva toponímia
do Eretz Israel. Terminou por fazer uma peregrinação a Terra Santa,
visitando a Jerusalém, Belém, “onde colhi umas florzinhas em memória de Rute”12. Havia mesmo um filosemitismo latente na Corte que
culminou com o engenheiro André Rebouças, propondo a criação de
um Estado Judeu na região de Palmas, no Paraná, em 1889.
Segundo o próprio D. Pedro d´Alcântara, ele começou aprender
hebraico com o “judeu sueco” Leonhard Akerblom13, Cônsul dos
Paises Nórdicos no Brasil, e que foi sucedido nesta função por professores exclusivos, um deles, o alemão C.F. Seybold, acompanhou até o
último dia de vida do monarca brasileiro. Assim com professores particulares ele foi aprendendo a seu hebraico, até que um dia resolveu fazer
uma avaliação do progresso destes estudos, já conhecendo a fama do
Padre Sanctos Saraiva, convidou para que este fosse ao Paço de S.
Cristovão, onde recebeu em audiência privada. Quem conta é Eliézer dos
Sanctos Saraiva, filho do erudito.
“Depois de se ter excusado receber a quem quer que fosse, D.
Pedro, mandando que o introduzissem no seu gabinete de estudo, disse-lhe:
— Agora o sr. é o padre Saraiva e eu D. Pedro: nada de formalidades, vamos conversar, e diga-me com franqueza, o que pensa de
meus estudos.
Durante cêrca de duas horas estiveram ambos em amistosa palestra, que versou sobre questões philologicas, sobre o hebraico de
que o monarcha era apaixonado cultor e sobre os meios de interpretar os textos mais complicados das linguas orientaes.
Depois d’este encontro, o imperador, por varias vezes em conversa com seus intimos, enalteceu os meritos invulgares do padre
Saraiva, dizendo que nunca se lhe tinha deparado vulto mais extraordinario e eminente, sem exceptuar os mais celebres sabios da Europa”14.
As entrevistas se sucederam entre o monarca e o sacerdote. Sempre
tendo como mote o estudo do hebraico. Saraiva escreveu inclusive
uma monografia, defendendo o idioma bíblico: “Acerca da necessidade e utilidade das línguas bíblicas no Império do Brasil, como poderoso auxiliar das ciências eclesiásticas e da filologia”. A amizade
sincera entre ambos ultrapassou o campo político. Tanto que após um
atentado a vida do Imperador, o republicano Saraiva manifestou-se
contra o atentado, e quando da Guerra do Paraguai, o pacifista Saraiva compôs um poema em hebraico para celebrar o Imperador. Este
poema ainda inédito, foi descoberto por Reuven Faingold quando selecionava material para um exposição sobre as relações do monarca
brasileiro com os judeus, e chama-se “Lashilton shel Brasil — Petrus
Beit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvul Hamilchama al
Paraguai” (Ao Governo do Brasil – Pedro II: Poema para o Dia da
Recordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai)15.
Nesta passagem pelo Rio de Janeiro ele pesquisou e escreveu o
principal trabalho de sua bibliografia, que é o “Novíssimo Dicionário
Latino-Portuguez, etymológico, psosodico, historico, geographico,
mythologico, biographyco, etc...redigido segundo o plano de L. Quicherat...Rio de Janeiro – BML. Garnier”. Ele não está datado, mas
acredita-se que foi impresso em Havre em 1881. Considerado pelos
especialistas como o melhor escrito sobre o assunto. No final de sua vida
ele redigia um “Dicionário Etymologico da Lingua Portuguesa”, no qual
só chegou a letra “A”.
Conflitos
O ex-padre Sanctos Saraiva foi produto do meio cristão-novo.
Muito religioso, ligado ao Transcendente não pode efetivamente ser um
“sacerdote”, pois a sua crença não era a crença de sua religião. Nâo lhe
adiantou a formação sacerdotal católica, pois ele não se convenceu desta
crença. Por volta de 1875 ele abandonou definitivamente o sacerdócio e
o catolicismo. Mas não se filiou a nenhuma igreja protestante, porém
manteve com os presbiterianos boas relações intelectuais, e o seu filho
único, recebeu um nome vetero-testamentário, Eliézer, cuja escolha
reflete a sua trajetória peculiar. Já que o primeiro Eliézer, originario de
Damasco (talvez uma projeção do mito do “rabbino syrio”), abandonou
a idolatria, para reconhecer a verdade monoteísta, tornando-se homem de
confiança do patriarca Abraão16.
“campanha obscurantista, que mira jungir definitivamente o Brasil ao
solio papal”, conforme a prosa arrevesada de Mattathias Gomes dos
Santos, vice-presidente da Colligação Nacional Pro-Estado Leigo,
assustado com a aproximação entre o Estado Novo e a Igreja Católica.
Uma reação que culminou na lei apresentada pelo deputado Jorge
Amado, descendente de cristãos-novos sergipanos, reconhecendo a
liberdade de cultos religiosos, no final da década de quarenta.
Sanctos Saraiva deixou escritos que não foram publicados e
outros se perderam no anonimato de publicações obscuras do interior
do país. Mesmo assim é possível encontrar em sua bibliografia alguns
títulos que remetem a sua condição de “judaizante”. São poemas que
estão na periferia do judaísmo, mas que fazem parte desta herança
cultural. São eles; “Cântico de Moysés” (1863), “Poema sobre a
Terra Santa” (1864) e principalmente “Harpa d´Israel” (1898), uma
tradução tirada diretamente do hebraico e comparada com a versão de
Antonio Pereira de Figueiredo. A estes deve-se acrescentar uma tradução que ele fêz do “Livro de Hhanokh”18, cuja autoria é atribuida
ao rabino Aharon HaLevy.
Final
Francisco Rodrigues dos Sanctos Saraiva morreu no Hospital
Samaritano em S. Paulo, em 3 de junho de 1900. Mas o seu corpo foi
levado para Santa Catarina, onde foi sepultado ao lado de sua companheira Ana Felícia, mãe do seu filho Eliézer19. Deste modo, quase
sorrateiro, terminou a vida desta figura tão peculiar. Mesmo assim é
possível encontrar na sua trajetória alguns traços comuns a tantas
biografias de cristãos-novos anônimos, que sem acreditar nos dogmas
católicos, inconformados com a hegemonia da Igreja, mas sem acesso
ao Judaísmo, procuraram outras saidas religiosas, atraidos pelo
Protestantismo histórico, onde levaram suas convicções, dando a este,
um caráter filo-semita. Outros, como Sanctos Saraiva, foram educados como católicos, flertaram com o Protestantismo, enfim não foram judeus, nem cristãos integrais, apenas cristãos-novos ou juif en
potentiel, como na classificação de I. S. Revah.
Notas
“Lashilton shel Brasil — Petrus Beit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvul
Hamilchama al Paraguai” (Ao Governo do Brasil — Pedro II: Poema para o
Dia da Recordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai)
Sua despedida do sacerdócio foi registrada num manifesto de título
agressivo, “O Catholicismo Romano ou a Velha e fatal Ilusão da
Sociedade” onde ele formulou suas idéias religiosas, escrito em 1888 e
republicado em 193217. Este livro foi reeditado como uma reação a
1 “Francisco Rodrigues dos Santos Saraiva: Algo de sua vida e
obra, máxime no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina”, em
Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina”,
3a fase, nº 5, 1984, pp. 119-157. Agradeço a Sra. Arina Lopes
Vieira, de Imaruí, e ao Dr. Mário Gentil Costa, Florianópolis, a
cessão de grande parte da bibliografia sobre o nosso personagem.
2 Arquivo Distrital de Viseu, fl. 30/30, v., maço 17, nº 1, freguesia
de Armamar (1831).
3 João Nunes Saraiva, nascido em Trancoso, foi banqueiro de Felipe IV. Denunciado como judaizante participou de dois autos-dafé. V. “El Proceso Inquisitorial de Juan Núñez Saravia, banquero
de Felipe IV” , de Antonio Domínguez Ortiz, Hispania (Tomo
XV, nº LXI, Madrid, pp. 559-581).
4 Luís de Bivar Guerra, “Lista dos judeus q[ue] se baptizaram em
Barcellos e das gerações q[ue] delles procedem” (Armas e Troféus, II Série, Tomo 1, 1960, Lisboa). No título “Da Casa do
M[estr]e Thomaz Rabino” (pp. 286-291) ele reconstruiu seis gerações da família Saraiva. A onomástica é semelhante a da família
do Padre Sanctos Saraiva. P.ex., Filipa Cardosa, filha de um
Saraiva, casou-se com Francisco Rodrigues e tiveram filhos, netos
e bisnetos com o sobrenome Saraiva (séc. XVI e XVII).
5 O pogrom de Vila Nova de Fozcoa atingiu os cristãos-novos desta
cidade e foi descrito por um dos autores que registrou o fato assim: “Escorraçando as que não tinham sido varejadas pelas
balas, como a do barão de Vila Nova de Fozcoa, as dos Campos
Henriques, dos Lopes Cardoso, dos Cavalheiros, dos Campos,
dos Almeidas, dos Navarros, dos Margaridos, dos Saraivas, dos
Tavares. O exodo é em massa, tal qual nos tempos de Israel sob a
lança dos filisteus. Das noventa e nove famílias foragidas, no
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terror do ferro e do fogo, umas acolhem-se aos concelhos de Além
Douro, outras poisam mais longe, no Porto e em Lisboa”. Cf.
Sousa Costa, “ Páginas de Sangue. Brandões, Marçais & Co.”
(1919), p. 200. Veja também, J. Silvério de Campos Henriques de
Andrade, “A quadrilha dos Marçais”, p. 265.
Carlos Cãmara Leme, “Eu sou Israelita”, em Jornal Público/Fim
de Semana (Lisboa, 01-02-1991)
Nos registros de casamentos da comunidade holandesa há um só
Saraiva constando daquele rol. É Mozes Isaac Saraiva, que se
casou com Rachel David Jessurun, em 20 de Siwan de 5449. V.
“Handleiding bij de index op de Ketuboth van de PortugeeIsraelietische Gemeente te Amsterdam van 1650-1911”, organizado por D. Verdoomer e H.J.W. Snel.
O livro era dedicado aos “Nobilissimos, y magnificos señores,
...David Senior Coronel; ...Doctor Abraham de Mercado;.
..Jahacob Mvcate; ..Ishac Castanho; Y mas Señores de nuestra
nascion, habitantes en el Recife de Phernambuco” (1651).
Flávio Mendes Carvalho (1954-1996) foi neto materno de Osmundo Saraiva Leão. V. Obituário, em Gerações/Brasil, novembro/96 e abril /97, vol.3, 1 e 2, pp. 13-4.
Eliézer dos Sanctos Saraiva, “O Sabio das Picadas” (1939), p. 15.
Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 17.
O diário imperial desta viagem foi publicado por Reuven Faingold
sob o título “D. Pedro II na Terra Santa. Diário de Viagem –
1876” (1999).
Leonhard Akerblom (Solleftea, 1830 – 1896), filho de Carl Magnus e
Catharina Margareta (Eneroth) Akerblom, era Doutor em Filosofia
pela Universidade de Uppsala. Ele começou a carreira diplomática
representando os paises nórdicos no Brasil e terminou sua carreira
como “generalkonsul” da Suécia em Lübeck Akerblom foi casado
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com a brasileira Louise Marie Josephine Meyrad, como teve uma
filha, Marie Louise (1869), que se casaria com o médico Hans
Naegli, de Genebra. Marie Louise Ingeborg Naegli, nascida em 1894,
foi a última descendente de Akerblom. V. Axel Paulin, “Svenska
öden i Sydamerica” , pp. 150-3. Nele há uma fotografia de Akerblom
e afirma que ele não era judeu. Agradeço a Nair Pacheco e Maillie
Fjalgren, da representação diplomática sueca pelo auxílio bibliográfico; a Ian Hamilton (Genealogiska Föreningen, Estocolmo), a
Ulf Goranson e Hakan Hallberg (Uppsala Universietsbibliotek), por
outras informações e contatos.
Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 20-1.
Exposição iconográfica: “Luzes do Império. D. Pedro II e o Mundo Judaico” (S. Paulo, 1999), Prof. Reuven Faingold (Curador),
catálogo, pág. 17.
(“Ele é socorro”, Bereishit, 15:2), outros nove personagens bíblicos
reeberam o mesmo nome, inclusive um filho de Moisés e um profeta.
Há um exemplar na Biblioteca Mário de Andrade (S. Paulo) e que
trás um carimbo curioso: “Livraria do Globo. L. Marrano (...)”
Jornal do Comércio, Desterro, dezembro de 1888
Eliézer dos Sanctos Saraiva nasceu em Picadas do Norte, S. José,
13 de novembro de 1879 e morreu em S. Paulo, em 19 de junho
de 1944. Formado engenheiro, trabalhou no Observatório Astronômico de S. Paulo e lecionou idiomas no Mackenzie College.
Dirigiu uma escola chamada “Instituto Sanctos Saraiva”, onde
Oswaldo Aranha e Marcondes Filho foram seus alunos. Autor de
“O sábio das Picadas”, uma biografia paterna. Pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Casado com
Lígia “dos Sanctos Saraiva”, não teve filhos. Agradeço a Adonias
Costa da Silveira (Instituto Presbiteriano Mackenzie, 08-07-1997)
pela ajuda em compor a biografia deste personagem.
Genealogia Pelo Mundo
Genealogists` Magazine é a revista
editada pela Society of Genealogists (14
Charterhouse Buildings, Goswell Road,
London EC1M 7BA), cujo presidente é
S.A.R. Príncipe Michael de Kent, KCVO.
No número de dezembro de 2000 há um
belo artigo de Brian Vale sobre os “British
sailors and the Independence of South
America” Durante este período 200 oficiais
e 3000 marinheiros defenderam bandeiras
sul-americanas. O caso brasileiro é um dos mais interessantes, dos 46
navios de guerra do país, 14 eram comandados por britânicos. Entre
1825-28, tempo da guerra com Argentina, 1200 marinheiros da mesma
origem guarneciam as naves brasileiras. A Argentina também possuia
em seus quadros outro tanto de britânicos. Tanto que o Embaixador
inglês no Rio classificou o conflito como “a war betwixt Englishmen” .
Vale nomeia 60 oficiais britânicos que serviram no Brasil entre 1822 a
1850:A. Anderson, C.J. Appleton, W. Blakeley, G. Broom, L.
Brown, D. Carter, A. Challes, S. Chester, F. Clare, G. Clarence, S.
Clewley, T. Cochrane, G. Cowan, T. Craig, V. Crofton, T. Crosbie,
F. Drummond, W. Eyre, D. Fubbs, S. Gillet, J. R. Gleddon, J.P.
Grenfell, B. e R. Hayden, T. Haydon, W.J. Inglis, W. January, B.
Kelmare, W.MacErwing, R. Mackintosh, D. Macreights, G.
Manson, W. March, C. Mosselin, R.N. Murphy, E. Newton, J.
Nichol, J. Norton, G. W. Oudsley, W. Parker, T. Poynton, A. Reid,
C. Rose, J. Sewell, J. Shepherd, R. Steel, G. Strickland, J.V. Taylor,
J. e T. Thompson, J. Wallace, C. e J. Watson, M. Welch, J.H.B.
White, J. Williams, B. Bourwill, R. Wright e C. F. Yell. Para a Guerra
da Argentina: C. Adams, R.T. Bell, C. Browning, A. Heart, R.
Montgomery, J. Morrow, T. Reed, E.Ruxton, M.Smith,
10 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
G. Strickland, R. Usher e D. Williams. O uso de oficiais estrangeiros
nos exércitos de libertação não era algo tão incomum. Mesmo os EUA
contavam em suas fileiras com o francês Lafayette e o alemão De Kalb,
dentre tanto outros militares.
Argentina
Genealogia Argentina. A Asociacion de Genealogia Judia de Argentina é uma das mais ativas sociedades genealógicas em atividade.
Além de palestras sobre o tema ela publica uma revista chamada
TOLDOT (“Generaciones”), que é distribuida aos sócios, trazendo o
resultado de suas pesquisas. Ela já está no número 14. Sempre oferecendo material diversificado e de alta qualidade. A junta governativa da
AGJ Argentina é composta por: Paulo Armony (Presidente); Hector
Mondrik (Vice-presidente); Silvia B. de Adaszko (Secretária); Marcelo
Benveniste (Protosecretário); Gustavo Wengrovski (Tesoureiro) e
Mónica E. de Benatuil (Protesoureira). O endereço é Juana Azurduy,
2223, Piso 8 (1429) Buenos Aires, Argentina. Ou
[email protected] – http: //www.agja.com.ar
Brasil
O Colégio Brasileiro de Genealogia (Av. Augusto Severo nº 8-12.
20021-040, Rio de Janeiro, RJ) que está festejando o seu “Ano do
Cinqüentenário”, elegeu em 11 de fevereiro de 2000 a sua junta
governativa para o biênio 2000-2001: Paulo Carneiro da Cunha
(Presidente), Victorino Chermont de Miranda (Vice-presidente),
Nelson Vieira Pamplona (Primeiro-secretário), Atila Augusto da Cruz
Machado (Segundo-secretário), Roberto Guião de Souza Lima
(Primeiro-tesoureiro), José Ubaldino Motta do Amaral (Segundotesoureiro), Frieda Wolff, Roberto Menezes de Morais e Christovão
Dias de Ávila Pires Jr (Conselho Fiscal).
PROCESSO Nº 2742, ANO DE 1618,
DO TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO, INQUISIÇÃO
DE LISBOA, CONTRA INÊS HENRIQUES DE
LEÃO, SOLTEIRA, CRISTÃ-NOVA, NATURAL DA
CIDADE DO PORTO.
Rubens R. Câmara
The inquisitorial processes document the persecutions that the judaizing new-christians suffered. It is possible
to read the physical description of the accused, his genealogical relationship and his habits. Rubens R. Câmara
took the process No. 2742 of 1618 against Inês Henriques de Leão and explains all the steps of the judiciary
process which was common to all others. Inês Henriques de Leão belongs to an important jewish family. She is
related to the Aboabs and a cousin of the philosopher Baruch de Espinoza.
1. O processo movido pelo Tribunal do Santo Ofício contra Inês
Henriques de Leão tem, em linha gerais, a seguinte estrutura:
a) Termo de Entrega da ré à Inquisição de Coimbra
b) Inventário dos bens
c) “Culpas” [Imputações]
d) Genealogia da ré
e) Audiências de inquirição e admoestações
f) Libelo
g) Procuração do defensor
h) Contestaçao e contradita das testemunhas
i) Confissões, admoestações e contradição
j) Libelo “diminuto” [Aditamento]
k) Confissões e admoestação
l) Novo libelo
m) Audiência de “tormento” [Tortura]
n) Sentença condenatória
o) Abjuração
p) Termo de Segredo
q) Contas
r) Termo de Soltura
2. A primeira peça do processo é o “Termo de Entrega” da ré à
Inquisição de Coimbra:
“Aos quatorze dias do mês de outubro do ano de seiscentos e
dezoito nesta cidade de Lisboa nos Estaus e Cárceres do Santo
Ofício desta cidade, foi entregue Inês Henriques de Leão, cristãnova, solteira, filha do Licenciado Luis Gomes de Leão, por um
oficial da Inquisição de Coimbra, o alcaide destes Cárceres Heitor Teixeira, nele se deu por entregue e como assim fez, assinou
este termo e sendo assinado se lhe não achei nada contra o regime, eu Francisco de Sousa escrevi.”
3. A seguir vem o “Inventário” dos bens que a ré possuía, declarando que origem desses bens era, em parte, proveniente de Florença,
onde seus pais faleceram e de onde viera há cerca de sete ou oito
anos, e outras peças eram presentes de seus avós e parentes. Ao
final, declarou que não possuía bens de raiz. Há nessa parte há
uma descrição detalhada desses bens, na verdade, uma grande
quantidade de jóias, englobando metais e pedras preciosos. São
descritos anéis, brincos, colares, gargantilhas, pulseiras e outras
peças, sendo a maioria de ouro com diamantes, rubis, esmeraldas
ou pérolas incrustadas. Havia também um relicário de ouro com
motivos religiosos católicos, ou seja, com imagem de Nossas Senhora de um lado e Santa Catarina, de outro.
4. As imputações contra a ré, nos autos denominadas de “Culpas”,
são constituídas por vários traslados de depoimentos constantes
em processos da Inquisição contra outros cristãos novos, a maioria
parentes da ré, que a incriminavam. O primeiro desses traslados é
relativo ao processo contra um tio da ré, Luis da Cunha:
“Do processo de Luis da Cunha, cristão-novo, médico na
cidade do Porto, o qual foi preso e recolhido nos cárceres do
Santo Ofício da Inquisição de
Coimbra ao primeiro dia do
mês de setembro do presente
ano [1618] e aos seis dias do
dito mês e anos pedia audiência e começou por confessar
suas culpas e desta ré entre
outras coisa o que se segue:
Aos seis dias do mês de setembro de mil e seiscentos e dezoito anos em Coimbra na ca- Baruch de Espinoza, primo de Inês
sa do notário da Santa Inqui- Henriques de Leão
sição, estando ai o senhor Simão Barreto de Meneses, Inquisidor,
em audiência pela manhã, mandou vir perante si um homem que
viera preso do Porto para estes cárceres e sendo presente, para
em tudo dizer a verdade, lhe foi dado juramento dos Santos
Evangelhos em que ele pôs a mão e sob encargo dele prometeu
dizê-la e disse que se chama Luis da Cunha, doutor em medicina,
da cidade do Porto, casado com Florência Dias, cristã-nova, da
mesma cidade e que ele é de idade de 39 anos. Disse entre outras
coisas que havia onze anos, pouco mais ou menos, não se lembra
o mês, nem a era certa, nesta cidade de Coimbra em casa de seu
irmão Antônio Dias da Cunha, estando ele confitente com Inês
Henriques, sua sobrinha, filha de sua irmã Maria da Paz e de
Luís Gomes Leão, seu cunhado, ambos defuntos, ele confitente e a
dita sua sobrinha se deram conta um ao outro, não se lembra a
que propósito, nem quem começou a prática, de como criam e
viviam na Lei de Moisés e nela esperavam se salvar, e que então
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não falaram mais, porém daí por diante se ficaram conhecendo e
tratando como judeus e se declaravam por tais quando havia
ocasião para isso. Aos costumes, disse nada.”
Os demais depoimentos trasladados para os autos contêm praticamente as mesmas declarações, variando um pouco a época, o local
e as pessoas envolvidas que, como diziam, se davam conta umas
às outras de como criam e viviam na Lei de Moisés e nela esperavam se salvar. Há, num ou outro depoimento, relatos sobre como observavam o Sábado, jejuavam em datas especiais e acendiam candeeiros às sextas-feiras ao pôr do sol.
Além do depoimento de Luís da Cunha, foram trasladados também os das seguintes pessoas: Diogo de Pina; Paulo Lopes, tio da
ré; Francisco Rodrigues Villa Real; Grácia Vaz; Lucrécia Machado, prima da ré; Antônio Vaz, filho de Thomé Vaz e irmão de
Florência Dias, mulher de Luis da Cunha; Felipa de São Francisco, freira e tia da ré; Inês Henriques, avó da ré; João Batista e
sua mulher Camila Dias; Isabel Nunes, mulher de Álvaro Annes e
Florência Dias, mulher de Luís da Cunha.
A quase total literalidade dos depoimentos deveu-se a um possível
arranjo que os confitentes engendraram para miminizar as conseqüências desse processos contra si e outros de sua progênie. Nesse
sentido, aponta a “denunciação que fez Heitor Teixeira, Alcaide
destes Cárceres, a qual está no processo de Miguel Soares”, que
disse ter ouvido fragmentos de uma conversa entre a ré e Miguel
Soares:
“...e denunciando disse que ontem, dois deste presente mês e ano
[dezembro de 1618], às horas de jantar, indo ele para a vigia, ouviu
falar Inês Henriques de Leão com Miguel Soares, marido de Maria
de Sousa, presos que estão no lado do corredor do meio velho, ela na
oitava e ele na nona casa, ficando ao meio a porta do dito corredor
da vigia, que não se abre pela banda de dentro; ele não tem
companheiro, ela, uma velha que se chama Catarina Henriques;
porquanto ele testemunha ouviu que se falavam, se chegou à dita
porta do corredor e se pôs a escutar; conhecendo-os bem na fala,
ouviu o que estavam falando, ela dando-lhe conta do que se passara
naquela manhã na mesa, como quem se aconselhava e ele respondendo-lhe; o que foi dito por Miguel Soares entendia ele
testemunha melhor porque falava mais alto, [...], ouviu deles os
seguinte: Já que tendes confessado, o que nos querem mais? E ela
respondeu algumas palavras que ele testemunha não percebeu mais
que a última delas na seguinte forma: E pedem mais pessoas. [...],
que na mesa lhe diziam que ela fora judia mais tempo que tinha
confessado e que lhe falavam em mais cerimônias; o dito Miguel
Soares respondeu falando mais alto como falava e de maneira que
ele testemunha entendeu o seguinte: Não sei, logo, o que mais nos
querem, se ainda não estão contentes e nos querem mais, confessai
embora mais tempo que há dois anos mais ou o que quiseres que
críeis em Deus dos Céus e que tiráveis da lampreia o quarto traseiro,
mas mais pessoas, contudo, não lhe deis nenhuma; confessai
‘diminuta’ que assim é bom; eles tomam nos por um dedo e por ele
nos levam a mão toda e depois o braço, assim nos pescam todo o
corpo e depois que nos têm de dentro, fazem-nos espremer; eu se
soubera quem aqui me meteu houvera lhe de dar mil estocadas pelo
coração...”
Confessar “diminuta” significava admitir menos culpas do que as
imputadas à pessoa. Por outro lado, fica patente a estratégia de
admitir cerimônias e ritos, sem contudo dar novos nomes à mesa
inquisitorial.
5. A seguir, trata o processo da genealogia da ré:
“disse que se chama Inês Henriques de Leão, cristã-nova de vinte
e dois para vinte e três anos, porquanto parecesse de mais, natural e moradora na cidade do Porto, e que seu pai se chama Luís
Gomes de Leão, letrado, pensador, que morreu em Florença; e
sua mãe, mulher de seu pai, Maria da Paz, também lá morreu;
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ele, natural de Lisboa; ela, do Porto, donde se foram para Roma,
e de Roma para Florença; e que seus avôs paternos se chamaram
Antônio Gomes e Isabel Gomes, já defuntos, e não sabem onde
viveram; e seus avós maternos se chamam Lopo Dias da Cunha,
físico no Porto, e Inês Henriques; e não tem outros antepassados,
nem lhe sabe o nome e que da parte de seu pai não tem tio, nem
tia; e da parte de sua mãe, tem três tios e três tias e que se chamam: Antônio Dias da Cunha, cônego em Coimbra; Luís da
Cunha Henriques, médico, marido de Florência Dias do Porto;
Paulo Lopes da Cunha, mercador, casado com Catarina de Pina,
moradores no Porto; Filipa de São Francisco e Grácia do Espírito Santo, freiras no Mosteiro de Monchique do Porto; e Ângela
Henriques, casada [pela] Segunda vez com Cristóvão Lopes, mercador, morador em Viana; e que tem um irmão que se chama
Antônio Gomes de Leão, pensador em Madrid, de vinte e um para
vinte e dois anos, solteiro; e que ela é solteira e não tem filho,
nem filha; e que ela nunca foi presa, nem penitenciada pelo Santo
Ofício e que por ele ficaram presos os ditos seus avós, tios e tias e
as mulheres deles e os maridos delas no mesmo dia em que prenderam a ela, exceto as ditas freiras e o dito seu irmão e que ela é
cristã, batizada na Sé do Porto e não sabe quem foram seus padrinhos, o deão que então era um desembargador que não sabe o
nome e que ela é crismada na Igreja de São João do Porto e não
sabe por que Bispo e foi seu padrinho Jorge Lopes”.
A ré declarou que não sabia mais sobre outros antepassados e a
mesa inquisitorial parece não ter se preocupado em avançar mais
na genealogia, pois, estando presos e processados seus avós, poderia ter requerido que se trasladasse para os autos a parte genealógica pertinente. Pesquisas recentes trouxeram uma pequena
extensão à genealogia de Inês Henriques de Leão: o doutor Lopo
Dias da Cunha era filho de Antônio Dias e Felipa Mendes, neto
paterno de Isaac Rua e Velida, judeus batizados em pé no ano de
1496 em Barcelos.
No que se refere à idade da ré, a mesa demonstrou uma certa
desconfiança, pois, tendo Inês declarado que tinha idade de vinte e
dois para vinte e três, a mesa achou que “parecesse de mais”. A
suspeita do inquisidor com relação à idade da ré tinha fundamento. Localizou-se recentemente o assento de batismo de Inês Henriques de Leão na freguesia da Sé da cidade do Porto no dia 02 de
novembro de 1590:
“Aos dois dias do mês de novembro [de 1590] batizei a Inês, filha
de Luis Gomes de Leão e de sua mulher Maria da Paz, moradores
na rua São Domingos, foram padrinhos Agostinho[?] da Grão[?]
e o doutor Melquior Dias [...]”
Ora, tendo sido batizada em novembro de 1590, evidentemente
Ignês terá nascido naquele ano, ou mesmo antes, o que a colocaria
com mais de 28 anos de idade, não de vinte e dois para vinte e três
anos, como declarara. A par dessa questão cronológica, a aparência física da ré, que era “grossa de corpo”, ou seja, obesa, como
declarou uma testemunha, terá cooperado para que a idade declarada por ela fosse desacreditada pela mesa.
Observa-se, ainda, que a ré declinou os nomes de alguns parentes,
que se achavam também presos, excetuando as tias freiras e o irmão
que morava em Madrid. É bem provável que omitiu nomes de outros
parentes ou conhecidos que não estavam envolvidos com o Santo
Ofício, tudo em conformidade com a postura que recomendava não
dar novos nomes à mesa. De fato, não há notícia de prisão de seu
irmão Antônio Gomes de Leão, mas quanto às freiras, talvez a ré
ainda não tivesse conhecimento de que as mesmas já se achavam
presas por ocasião dessas declarações. Por outro lado, Inês Henriques
afirmou que, por parte de seu pai, não tinha tios ou tias. Ou ela omitiu
propositadamente os parentes de seu pai, ou eles já teriam falecido.
Nessa parte genealógica, a ré é questionada sobre sua própria biografia:
(Duarte Dias)
Abraham Aboab
(Lopo Dias)
(Leonor)
Isaac Rua
Velida .......
Henrique Bentalhado
(Josuá Habillo)
Miguel Dias
Antonio Dias
Isabel Henriques
Duarte Fernandes
Duarte Dias, “o feio”
Dr. Lopo Dias da Cunha
Inês Henriques
Maria Nunres
Manuel Dias Henriques
Florencia Dias
Dr. Luis da Cunha
Maria da Paz
Luis Gomes de Leão
Ana Débora Garcês
c.g.
Isaac de Matatias Aboab
(1631-1707)
Genealogista
Inês Henriques de Leão
Baruch d’Espinoza
c.g.
“perguntada por que terras andou e que línguas sabe, e se sabe ler e
escrever, disse que sabe ler e escrever e falar português que é a sua
língua e a italiana; e que seria de três para quatro anos [de idade]
quando se foi com sua mãe por terra a Roma, onde estaria quatro
anos, e daí se foi com seus pais para Florença, onde esteve cinco
anos, um com os ditos seus pais e quatro no mosteiro que se chama
Mente Dominis [sic] de freiras descalças de São Francisco [...] e
mortos os ditos seus pais, se veio com seu irmão e uma criada de
sua mãe que se chama Brites Gomes, a qual tinha vindo com eles e
não sabe se é cristã-nova, mas sabe que está casada no Porto com
um alfaiate de quem não sabe o nome; chegados a Livorne se
embarcaram e aportaram nesta cidade a cerca de oito anos pouco
mais, ou menos; e aqui esteve perto de dois meses, depois foi para
Coimbra com o dito seu tio Antônio Dias da Cunha que veio aqui
buscar e em sua casa esteve oito meses e daí se foi para o Porto
para a casa dos avós e com eles viveu ai até ser presa”.
Nessa parte, fez também uma demonstração de que era doutrinada
na fé católica dizendo que:
“ia à igreja ouvir missa e pregação e se confessava e comungava
quando manda a Santa Madre Igreja e fazia as mais obras de
cristã; e logo após se pôs de joelhos, se benzeu e disse o Pai Nosso, Ave Maria, Credo, Salve Rainha, mandamentos da lei de Deus, os
da Santa Madre Igreja e os artigos da fé e das obras de misericórdias e virtudes teológicas”.
Finalmente, nessa audiência, informavam à ré que estava presa em
virtude de ter se apartado da fé católica, professando a lei de Moisés e
era aconselhada a confessar suas culpas, bem como fornecer detalhes
das práticas hereges e nomes de pessoas envolvidas. Inês Henriques
de Leão, no entanto, disse que não tinha culpas a confessar.
Regularmente admoestada das conseqüências de sua atitude, foi-lhe
nomeado curador e enviada ao cárcere do Santo Ofício.
6. Em novas audiências perante o inquisidor, o licenciado Pero da
Silva de Sampaio, foram-lhe repetidas todas as acusações de práticas de ritos judaicos, que ela negou sistematicamente. Admoestada mais um vez sobre sua postura de negar as acusações, foi-lhe
lido o libelo que, ao final, pedia:
“[que] a ré Inês Henriques de Leão seja declarada por herege e
apóstata de nossa Santa Fé Católica, porquanto incorrendo em
sentença de excomunhão maior; em confisco de seus bens para o
fisco e câmara real; e nas mais penas contra os semelhantes estabelecidas; e como herege e apóstata pertinaz e negativa seja relaxada à Justiça Secular”
“Relaxada à Justiça Secular” significava que, não sendo da filosofia do Tribunal do Santo Ofício da Santa Madre Igreja impingir
aos réus a pena de morte, o condenado era colocado à disposição
da Justiça Comum que, se fosse o caso, referendava a recomendação da pena capital.
Após o Libelo, seguem-se a habilitação do procurador da ré, no
caso o licenciado Manoel Rodrigues Cabral, a contestação, feita
por negação geral das imputações, e a contradita das testemunhas.
Nessa última parte, tenta a ré mostrar que as imputações a ela
feitas basearam-se em testemunhas que eram suas inimigas ou de
algum de seus parentes. Como exemplo, cite-se o caso de Maria
Cardoso, que segundo Inês Henriques de Leão lhe tinha grande
ódio e “lhe beberia o sangue se pudesse”. Segundo a contradita,
essa Maria Cardosa era empregada na casa do tio da ré, o cônego
Antônio Dias da Cunha, onde Inês passou seis ou sete meses
depois que voltou da Itália. Faltava ao serviço e andava pela casa
dos criados, sendo que Inês “pelejava com ela” sem obter resultado. Houve uma briga entre as duas e a ré cortou-lhe o rosto.
Mais tarde, Maria Cardosa veio a ficar grávida de um pajem chamado Domingos e, por vingança, colocou a culpa no tio de Inês.
Para provar sua inocência, o Cônego Antônio Dias da Cunha ajuizou uma ação, conseguindo contra Maria Cardosa e o dito pajem
sentença de morte, que, ao que tudo indica, foi comutada e os
condenados “ficaram com grande ódio contra o dito seu tio e, por
conseguinte, contra ela, ré, pelo que seus testemunhos lhe não
podem, nem devem, prejudicar em coisa alguma”. Outro caso, foi
o do físico Nicolau Lopes que pretendia se casar com uma filha
de Lopo Dias, avô da ré, mas que teve sua pretensão frustrada.
Respondeu-lhe Lopo Dias, na ocasião, “que nem uma negra lhe
daria, quanto mais sua filha”. Anos mais tarde, Nicolau Lopes
voltaria à casa de Lopo Dias para, dessa vez, pedir-lhe a mão da
própria ré, Inês Henriques, e mais uma vez recebeu uma negativa.
Além disso, a causa da inimizade de Lopo Dias e Nicolau Lopes é
que sendo ambos da mesma profissão, o segundo andava “desacreditando suas [de Lopo Dias] curas, dizendo que as não fazia
como convinha por ser muito velho”. Enredados nessa mesma
malquerença estavam Grimaesa Cardosa, mulher do dito Nicolau
Lopes, e Branca Rodrigues, sua tia. Refutou, também, o testemunho de um tio, Luis da Cunha Henriques, físico, natural do Porto,
sendo a razão da inimizade o fato de o avô dela, o doutor Lopo
Dias da Cunha, ter-lhe destinado um rico dote que o dito tio da ré,
por inveja, não queria que se efetivasse. Outro depoimento também contestado foi o de Pero Aires Vitória que tinha negócios
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em canaviais no Brasil em sociedade com o avô da ré, mas que o
dito Pero Aires Vitória não dava contas a Lopo Dias, surgindo daí
grandes desavenças. Outra testemunha contraditada foi a do
próprio tio, Luis da Cunha, que segundo Inês lhe tinha granve
inveja e queria apoderar-se de um dote que seu avô, o doutor
Lopo Dias da Cunha, lhe destinara. O tio fazia também arranjos
para casá-la “com um mancebo que não cria na lei de Moisés”,
razão pela qual tinham desentendimentos.
7. A seguir, no processo, lêem-se as confissões da ré que, na verdade, repete os depoimentos das testemunhas sobre como se encontraram há “três anos pouco mais, pouco menos”, mas sem se
lembrarem do “dia ou mês”, e se deram conta que criam na lei de
Moisés e esperavam nela se salvar, mas não se lembravam também que iniciara a conversa, nem a que propósito. Ademais, repetem-se as confissões, por negação geral, e novos libelos. Mas
nessa parte do processo, é importante destacar que os iniquisidores fizeram admoestações à ré, “antes do tormento”, para que
confessasse suas “mais culpas” e tendo ela dito que nada mais havia a confessar, foi-lhe lida a “sentença do tormento” :
“Acórdão os inquisidores ordinários e deputados da Santa Inquisição que vistos estes autos, dos urgentes indícios que deles e da
prova da Justiça resultam contra Inês Henriques de Leão, consta
nestes autos do não fazer inteira e verdadeira confissão de suas
culpas, porquanto não disse todas as pessoas que sabe andarem
apartadas de nossa Santa Fé Católica e terem crença na Lei de
Moisés e quem a denunciou, nem das mais cerimônias que fez por
guarda da mesma Lei e sendo por tudo perguntada com muita
caridade e admoestada a confessar a verdade delas para se usar
com ela da misericórdia, o n ão quis confessar. O que tudo visto
e com o mais que dos autos consta, mandam que antes de outro
despacho a ré Inês Henriques de Leão seja posta a tormento,
conforme o assento que neste processo está tomado onde será
perguntada pelas sobreditas culpas para que manifeste a verdade
para salvação de sua alma e das ditas pessoas”
8. Publicada a sentença, inicia-se, no processo, sua parte mais dramática. Novamente admoestada para dizer toda verdade, Inês
Henriques de Leão foi, por fim, levada à tortura. No “Termo de
admoestação na casa e tribuna junto ao tormento”, lê-se que como a
ré não confessasse mais coisas do que já dissera, “foi mandado vir o
ministro ao qual o Senhor Inquisidor Pero da Silva de Sampaio deu
juramento dos Santos Evangelhos, sob o encargo dele lhe foi dito que
fizesse bem e fielmente seu ofício, executando nessa mulher o que lhe
fosse mandado e que tivesse segredo em tudo que visse ou ouvisse,o
que ele prometeu cumprir sob encargo do dito juramento. E logo
levou a ré para a casa do tormento e despojada de seus vestidos a
assento no escabelo na forma ordinária, estando nesse estado, o
Senhor Inquisidor a admoestou de novo [para que] confessasse suas
culpas, protestando que se morressse, ou quebrasse algum membro,
ou lhe causasse algum mal no dito tormento, a culpa seria sua e não
dele, Senhor Inquisidor, nem dos mais ministros do Santo Ofício. E
por dizer que tinha dito a verdade, o ministro, fazendo seu ofício, lhe
pôs as mãos para trás e atadas, lhe foi dando voltas com a correia
nos braços, e a ré foi sempre gritando, dizendo que tinha dito a
verdade. E logo lhe foi posto o cordel por cima da correia, dando
voltas e ela sempre gritando que tinha dito a verdade e que Deus lhe
valesse e a Virgem Nossa Senhora. E sendo perfeitamente atada, foi
outra vez admoestada pelo Senhor Inquisidor [para que] acabasse de
confessar a verdade, e por dizer que a tinha dito, lhe foi posto o
calebre [= corda grossa] e começado a levantar até o lugar do libelo,
onde foi outra vez admoestada para que acabasse de confessar suas
culpas, e ela dizia que não tinha culpas que confessar. Foi levantada
até a roldana, onde foi novamente admoestada pelo Senhor
Inquisidor, e por dizer que não tinha mais o que confessar, foi
deixada cair [...]. Por estar satisfeito ao assento, o Senhor Inquisidor
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mandou que a desatassem e fosse levada a seu cárcere, onde seria
curada”.
9. A sentença final foi prolatada aos 5 de abril de 1620, confirmando-se os termos do Libelo (abjuração, perdimento de bens,
cárcere e hábito).
10.Aos aos 5 de junho de 1620, Inês Henrique de Leão peticionou,
sob o argumento de que abjurara sua fé, bem como cumpria suas
obrigações religiosas cristãs, penitências, uso do hábito e do cárcere, requerendo sua soltura, que foi, aos 22 de fevereiro de 1621,
deferida.
Rubens Rodrigues Câmara, advogado e genealogista, autor de “A Grande
Família. Homenagem aos 75 anos de Luíza Soares de Jesus” (1996).
Diplomacia Portuguesa
Foi criada em Portugal (22-02-2000) a Fundação Aristides de
Sousa Mendes, com recursos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para homenagear o seu ex-cônsul em Bordeaux, que durante a II
Guerra Mundial emitiu vistos de entrada salvando muitos judeus do
Holocausto. O objetivo da Fundação é a criação de um museu que
sirva para a educar contra a intolerância das novas gerações. O presidente da Fundação é a escritora Maria Barroso, auxiliada por um
Conselho formado por Álvaro de Sousa Mendes (filho do Cônsul),
António de Sousa Mendes (neto) e José Manuel Duarte. Aristides de
Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu em Cabanas de
Viriato em 19-07-1885 e morreu em Lisboa, em 03-04-1954. Sendo
os seus pais, o juiz José de Sousa Mendes e Angelina Ribeiro de
Abranches. Era descendente direto de um “cavaleiro da Ordem de
Cristo, Familiar do Santo Ofício” (Luiz Ribeiro de Abreu Castelo
Branco), e o seu irmão gêmeo César de Sousa Mendes foi Ministro
dos Negócios Estrangeiros do Governo Salazar. O ilustre genealogista português José António Severino da Costa Caldeira (Associação Portuguesa de Genealogia), é autor do artigo “Ascendência
arganilense de Aristides de Sousa Mendes (Glosando um mote do
padre José da Costa Saraiva)”, publicado num jornal de Arganil, em
1989, revelando que o “heróico diplomata tenha tido antepassados
arganilenenses, ainda que muito remotos, e que esses antepassados
hajam sofrido também o labéu, então ignominioso, de judeus”. No
caso a sua 7ª avó, Maria Mendes da Silva (1653 - ? ), por linha
materna. Outro diplomata português que também deu a sua
contribuição à salvação dos judeus durante a II Guerra Mundial foi
Alberto Carlos de Lis-Teixeira Branquinho (1902-1973). Ele entrou para o serviço diplomático em 1930, exerceu funções no Rio de
Janeiro, e em 8 de abril de 1943, assumiu um posto em Budapeste,
onde permaneceu até 1944. Alí “emitiu mais de 800 vistos a
refugiados e deu proteção a judeus na capital da Hungria”, segundo
noticiou um jornal português. Tanto Souza Mendes, quanto Teixeira
Branquinho, foram homenageados na ONU por seus atos
humanitários em janeiro de 2000.
O último marechal brasileiro
Marechal já foi o último posto do Exército Brasileiro. Era
concedido ao General-de-Exército que tivesse participado de combate. O posto foi extinto em 1967. Do grupo de marechais brasileiros
vive o último deles, o carioca Waldemar Levy Cardoso, que
completou 100 anos. Cardoso, irmão de outro marechal. É filho do
português António de Almeida Cardoso e da judia magrebina
Estella Levy. Ele nasceu no Rio de Janeiro (04-12-1900). Sua
carreira militar foi brilhante. Ocupou todos os postos militares, lutou
na II Guerra Mundial e um de seus destaques profissionais foi ter
sido Presidente da Petrobrás. A Folha de S. Paulo publicou um
artigo com fotografia registrando a efeméride. [“Último marechal do
Brasil chega aos 100”, Isabel Clemente, 14-01-2001]
Bandeirantes e Cristãos-Novos em Curitiba.
Tempo e comemoração em família. Um casamento de herdeiros de Bandeirantes e Cristãos-Novos
em Curitiba. Uma interpretação genealógica e sociológica de alguns dos primeiros curitibanos.
Ricardo Costa de Oliveira.
T he lawyer and playwriter Antonio Jose da Silva, tied and burnt in 1739 is the most well known victim of
the Inquisition in Brazil. It is known that he had children but until now there is no genealogy of his
descendants. In Paraná there lives a family called Miranda Coutinho who belongs to the local elite and is
descendant of from the same branch as Antonio Jose da Silva. In this article Ricardo Costa de Oliveira,
member, of this family writes about their origins from the XVIII century to modern date.
Rituais Dialéticos
oda comemoração é um fenômeno social. Rituais de passagem
procuram reafirmar os vínculos do passado com o presente e o
Tfuturo.
Tentativas de se marcar o vórtice do tempo social. A presença
portuguesa no planalto curitibano data de meados do século XVII.
Analisaremos alguns grupos que contribuíram no povoamento de
Curitiba em relação às suas origens. Estabeleceremos algumas conexões entre os grupos tupi (que estão no que nós chamamos de Brasil
há mais de 500 anos) com os portugueses de São Paulo e os judaizantes do Rio de Janeiro na formação de alguns dos primeiros habitantes de Curitiba e povoadores do Paraná.. Toda genealogia é uma
comemoração do passado familiar em seus marcos de continuidade.
A linguagem genealógica pode revelar aspectos das estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais do passado.
Quem casou com quem. Casar é fazer alianças
sociais
Aos vinte e sete de setembro de mil setecentos e quarenta e dois
houve um casamento na Igreja de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais
de Curitiba2. O então Alferes Miguel de Miranda Coutinho contraiu
núpcias com Isabel da Silva de Jesus. O pai do noivo era o Amaro de
Miranda Coutinho casado com Maria de Barros e moradores em
Paranaguá. A noiva era filha de João Carvalho de Assunção casado
com Maria Bueno da Rocha, moradores de Curitiba. Miguel de Miranda Coutinho seria o primeiro Capitão-Mor Diretor de Guaratuba, a
terceira vila mais antiga do Paraná, estabelecida em 17713. Isabel era
bisneta do Capitão-Povoador de Curitiba Mateus Martins Leme4.
Cristãos-Novos no Paraná setecentista
de Miranda Coutinho era um indivíduo com uma curiosa
A maro
história social . Amaro e a sua família tinham sido submetidos a
5
um rigoroso auto-de-fé. O seu processo data de 1711. O Santo Ofício
esteve particularmente ativo no Rio de Janeiro no começo do século
XVIII. Amaro e a sua família eram cristãos-novos. Ele nasceu e foi
batizado no Rio de Janeiro em oito de maio de mil seiscentos e setenta e cinco6 . Dos seus onze irmãos, sete foram mencionados no
auto-de-fé de vinte e seis de julho de mil setecentos e onze7. Eles
eram filhos do licenciado Aires de Miranda Henriques, nascido na
Bahia, com Ana Gomes Coutinha. Tratava-se não apenas de uma
elite social, mas também de uma elite cultural. Um dos irmãos era o
Doutor João Álvares Figueiró, titulado em Coimbra. Eram primos
pelo lado materno com o Antonio José da Silva, o Judeu, dramaturgo
nascido no Rio de Janeiro e autor de óperas sarcásticas de sucesso em
Lisboa. Este foi queimado8 em 1739. Eram todos bisnetos de Miguel
Cardoso, mercador, senhor de engenho, homem público e um dos
chefes da comunidade marrana do Rio de janeiro. Era considerado
um homem rico pela inquisição que o perseguiu e o prendeu em
1666, tendo conseguido escapar com vida, destino melhor que o seu
bisneto9.
O estigma de cristão-novo e de vítima da inquisição não foi impedimento para as posições privilegiadas obtidas posteriormente por
Amaro de Miranda Coutinho no então longínquo litoral paranaense. Aos
nove de novembro de mil setecentos e dezoito recebeu, diretamente do
Rio de Janeiro10, uma sesmaria de uma por duas léguas na paragem do
Curral, pela estrada da Praia11. Em dezesseis de setembro de mil
setecentos e quarenta e três recebeu outra sesmaria no litoral na localidade do Olho D’Agua, com uma por uma légua, do lado de terras da
Companhia de Jesus, o que mostra o grande prestígio de Amaro de
Miranda Coutinho na região. Ele foi um dos poucos a ter recebido duas
datas de sesmaria na listagem feita por Marina Ritter. De acordo com
hipótese conversada com Antonio Roberto Nascimento, o tratamento
preferencial recebido por Amaro de Miranda Coutinho no sul do Brasil
deve estar relacionado com os interesses estratégicos da Coroa na ocupação e povoamento de regiões remotas no início do século XVIII ,
enquanto que em outros centros os cristãos-novos eram perseguidos em
função de seus atributos intelectuais ou materiais mais desafiadores ao
status quo colonial.
A melhor prova da recuperação social de Amaro Miranda Coutinho na nova comarca foi o casamento de seu filho, o Alferes Miguel de
Miranda Coutinho com Isabel da Silva de Jesus, herdeira familiar
das principais famílias da Capitania de São Paulo. O título de alferes
já revelava certa integração nas formações de ordenanças, o que
significava a sua aceitação nas estruturas de uma classe dominante
militarizada na época. Através da genealogia de Isabel é possível a
recuperação de parte das estruturas de parentesco presentes no povoamento inicial do Paraná.
Bandeirantes em Curitiba
Isabel da Silva de Jesus era filha do Capitão João Carvalho de
Assunção12, proprietário da fazenda de Furnas, herdada de seu pai. O
Capitão João Carvalho possuiu lavras de ouro no Arraial Grande (São
José dos Pinhais) e se dedicava a incursões exploratórias no sertão.
Participou da descoberta dos campos de Palmas com outros bandeirantes, como Zacarias Dias Cortes, que na década de 1720 exploravam ouro no vale do Rio Uruguai. O Capitão também participou da
governança de Curitiba, tendo sido eleito vereador em 1740. O Capitão João Carvalho de Assunção foi casado com Maria Bueno da
Rocha, de cuja origem iremos analisar adiante.
O Capitão João Carvalho de Assunção era filho do Capitão Manoel Picam de Carvalho casado em mil seiscentos e oitenta e três com
Maria Leme. Manoel Picam de Carvalho seria natural de Paranaguá.
Desde cedo se dedicou a mineração no antigo Rio do Picam, com o
seu pai de mesmo nome. Membro das ordenanças. Foi proprietário do
sítio do Itaqui e da sesmaria de Furnas. Devido a disputas e rixas com
15 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 15
Antônio José da Silva, o Judeu (1705-1739) primo do capitão Amaro de Miranda Coutinho
Simeão Cardoso, Manoel Picam teria se mudado para as proximidades do Rio Iguaçú. Dos diversos filhos do Capitão Manoel Picam, é
interessante o registro de Maria Leme casada com Zacarias Dias
Cortes, explorador do distante sudoeste, descobridor dos Campos de
Palmas e do vale do Uruguai.
Maria Leme, a primeira, casada com com o Capitão Manoel Picam
de Carvalho, era filha do Capitão-Povoador Mateus Martins Leme.
Mateus Leme foi uma das principais lideranças na sociedade curitibana
do final do século XVII. Bandeirante paulista com várias entradas no
sertão. Na sua sesmaria no Rio Barigui, oficializada em documento de
1/9/1668, possuía vários escravos indígenas. Participou do ato de levantamento do pelourinho de 4/11/1668 e da criação da vila em 29/3/1693.
Faleceu Mateus Leme em 1697 com testamento, no qual se conhece o
padrão de vida da classe dominante curitibana do século dezessete. Os
bens materiais eram muito diminutos13. O filho Antonio Martins quando
casou com a filha de Baltazar Carrasco dos Reis levou cinqüenta vacas,
um escravo rapaz e três espingardas. As posses resumiam-se a gado
vacum, cavalgaduras, ovelhas, poucas ferramentas e alguns escravos da
terra. Mateus Leme era senhor de cerca de trinta escravos de origem
índia, alguns dos quais deveriam ficar livres nas disposições do testamento. Mateus Leme foi casado com Antonia de Góes e a partir desse
ponto começam algumas dúvidas sobre a origem dos primeiros curitibanos. Os registros eclesiásticos só contemplam informações de
16 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
1683-1684 adiante, e de forma fragmentária. Logo, parte das informções
dos pioneiros do povoamento de Curitiba são muito precárias. Os Góes,
por exemplo, são de difícil análise em suas origens. O fato é que Mateus
Martins Leme pertence ao título Martins Bonilhas e Leme da clássica
Genealogia Paulistana de Silva Leme. A genealogia dos Lemes é
razoavelmente conhecida desde a sua vinda de Flandres e de Bruges,
passando por Portugal e pelas Ilhas Atlânticas até São Vicente e São
Paulo.
O Capitão Manoel Picam de Carvalho era filho de Manoel
Picam de Carvalho com Ana Maria Bicudo. Esta era filha de Garcia
Rodrigues Velho com Isabel Bicudo de Mendonça. Francisco Negrão
apresenta Garcia Rodrigues Velho como o descobridor do ouro em
Curitiba14. Silva Leme15 também indica um Garcia Rodrigues Velho
casado com Isabel Bicudo (moradores em Paranaguá), sendo que o
Garcia Rodrigues Velho16 era filho do Coronel Garcia Rodrigues
Velho, casado com uma mulher da qual não se conhece o nome, e
que também estiveram em Curitiba. Seguindo a possibilidade de
identificação dos dois Garcias Rodrigues Velho presentes no território do atual Paraná, seguimos Silva Leme nas origens desses bandeirantes mineradores dos sertões com o nome de Garcia Rodrigues Velho. São quatro Garcia Rodrigues Velho, dos quais supomos que o
quarto último foi o casado com Isabel Bicudo de Mendonça, pais de
Ana Maria Bicudo casada com o primeiro Manoel Picam de Carvalho. O segundo Garcia Rodrigues Velho foi casado com Maria
Betting, filha de Geraldo Betting, natural da Alemanha e destacado
mineralogista. Daí viria a grande capacidade de se encontrar novas
lavras e certo expertise mineralógico dessa família. Geraldo Betting
foi casado com Custódia Dias, neta do português Manoel Fernandes
Ramos casado com Suzana Dias. Ora, este último casal representa a
cabeça do título dos Fernandes Povoadores de Silva Leme. Eles foram os responsáveis pela expansão para o sul-sudoeste de São Paulo.
Foram os chefes dos grupos fundadores de Santana de Parnaíba e de
Sorocaba. E mais, Suzana Dias seria filha da índia batizada como
Beatriz Dias, por sua vez filha de Tibiriçá, o chefe dos tupiniquins de
São Paulo. Há uma visível rede de parentesco e poder na expansão
dirigida para o sul. A cada geração se avançava mais para o sertão,
porém se preservava a ordem das famílias principais que comandam
esse empreendimento colonizador.
Outra figura importante desse processo de avanço para os sertões, inserido nesse grupo familiar foi Fernão Dias Paes. O segundo
Garcia Rodrigues Velho casado com Maria Betting são os pais de Maria
Garcia Betim17, a casada com o Capitão Governador Fernão Dias
Paes, o caçador de esmeraldas, um dos símbolos máximos do bandeirantismo nas atuais Minas Gerais.
O quarto Garcia Rodrigues Velho, o descobridor do ouro em
Curitiba, casou com Isabel Bicudo de Mendonça. Ela era filha de
Gonçalo Pires Bicudo casado em 1634, em São Paulo, com Juliana
Antunes Cortes. Este muito provavelmente foi o primeiro casal de
moradores de nomes portugueses em Curitiba18. Silva Leme afirma
que já estariam na área de Curitiba em 1660. Desde a década de 1650
que eles já povoavam o local em que seria estabelecido o município
de Curitiba19. Eles teriam vindo também em função das tropelias
entre poderosas famílias de São Paulo, a conhecida guerra entre os
Pires e os Camargos. Curitiba seria mais um ponto de refúgio e de
ataque para o partido dos Pires, grupo tendendo mais a ser da facção
pró-portuguesa dos Pires. Ermelino de Leão também refere que vieram acompanhando o casal Gonçalo Pires Bicudo e Juliana Antunes
Cortes os sogros Inocencio Fernandes Preto e Catarina Cortes mais o
Capitão Nuno Bicudo de Mendonça20 (irmão de Gonçalo). Completando a rede de parentesco dos primeiros povoadores ainda temos
o irmão de Juliana Antunes Cortes (filhos de Inocêncio Preto com
Catarina Cortes), Inocêncio Fernandes Preto, o moço, casado com
Maria de Siqueira (falecida em 1674) e pela segunda vez com Izabel
da Costa21. Da primeira mulher teve Maria de Siqueira, casada com
Luiz de Góes, que seria irmão de Antonia de Góes, mulher de Mateus
Martins Leme. Estes foram alguns dos principais moradores da Vilinha
do Atuba, Vila dos Cortes ou Vila Velha, conforme era conhecida a
localidade, de acordo com o inventário de Maria Bicuda22. Em 1654 já
haveria um primitivo templo no Atuba com a imagem de Nossa
Senhora da Luz, em uma modesta capelinha coberta de palha23.
O culto de Nossa Senhora da Luz foi trazido com essas pessoas.
Culto tradicionalmente português, esteve associado a religiosidade
popular nos arredores de Lisboa. Outra filha de Inocêncio Fernandes
Preto com Catarina Cortes foi Mariana da Luz.
Inocencio Fernandes Preto (casado com Catarina Cortes e pais
de Juliana Antunes Cortes e de Inocencio Fernandes Preto, o moço)
era filho de Domingas Antunes com Gaspar Fernandes. Domingas era
filha de Antonio Preto, português vindo por volta de 1560 para São
Paulo. Foi juiz ordinário em 1575, almotacel em 1576 e 1580 e
vereador em 1577 e 1580. Participou da entrada do Capitão-Mor
Jeronimo Leitão ao litoral paranaense em 158524. Silva Leme coloca
Antonio Preto como irmão de Manoel Preto, proprietário de uma
grande fazenda com a capela de Nossa Senhora da Expectação do Ó,
com centenas de índios cativos. Ele foi um bandeirante que participou da entrada de 1602 ao Guairá com Nicolau Barreto e um dos
chefes da grande bandeira de 1628 também contra o Guairá. Pedro
Taques informa que ele destruiria várias reduções no Ivaí, no Tibagi e
no Uruguais25.
Gonçalo Pires Bicudo (casado com Juliana Antunes Cortes) era
filho do Capitão Manoel Pires com Maria Bicudo. Manoel Pires é
registrado no sertão desde 1615. Participou com o seu genro Antonio
Raposo Tavares na grande bandeira ao Guaíra de 1628. Manoel Pires
também participou de ações contra os jesuítas em São Paulo e em
Barueri. Foi um dos chefes da bandeira destroçada em 1641 em
Mbororé. Teve fazendas em Parnaíba e em Cutia com grande escravatura índia26. Manoel Pires era filho de Beatriz Pires, filha de Salvador Pires, personagem de destaque em São Paulo no século dezesseis com grandes lavouras mantidas por índios. Foi da governança
de São Paulo e faleceu com testamento em 1592. Era cabeça do título
dos Pires na Genealogia de Silva Leme27. Antonio Raposo Tavares
foi casado com Beatriz Furtado de Mendonça, filha de Manoel
Pires28.. Maria Bicudo (a mãe de Gonçalo Pires Bicudo) era filha de
Antonio Bicudo Carneiro com Isabel Rodrigues. Antonio Bicudo
Carneiro era natural da Ilha de São Miguel nos Açores. Participou da
governança de São Paulo, tendo sido juiz em 1574 e 1584, vereador e
ouvidor em torno de 1585. Esteve em vária entradas ao sertão,
inclusive na de Afonso Sardinha de 1593, na de Nicolau Barreto ao
Guairá em 1602 (primeira naquela região) e na de 1628 também ao
Guairá com Antonio Raposo Tavares29.. Antonio Bicudo Carneiro
teria mandado levantar o pelourinho em São Paulo em 158530. Está
apontado como o capítulo 1 do título dos Bicudos, importante família
de bandeirantes e sertanistas de São Paulo na genealogia Paulistana.
Já a esposa de Antonio Bicudo Carneiro está como filha de Garcia
Rodrigues com Izabel Velho, pais também de sua irmã Messia
Rodrigues casada com Domingos Gonçalves da Maia, pais por sua
vez do primeiro Garcia Rodrigues Velho(analisado atrás). Todos no
título dos Garcias Velhos da Genealogia Paulistana de Silva Leme.
Retornando para a nossa noiva de 1742, Isabel da Silva de Jesus,
analisaremos a mãe dela, Maria Bueno da Rocha31. Filha do Capitão
Antonio Bueno da Veiga casado com Isabel Fernandes da Rocha. O
Capitão Antonio Bueno da Veiga teria vindo para Curitiba em
168432. Dedicava-se a mineração. Recebeu a sesmaria33 de Miringuava
em 9/12/1719. Também consta a sesmaria de Goramiringuaba recebida em 16/8/1743, com duas léguas por duas léguas, onde o Capitão
Antonio Bueno da Veiga possuía três fazendas de gado. Para o fim de
sua vida, a pecuária parece ter passado a ser uma forte atividade econômica, o que evidencia o destino econômico da região em meados
do século XVIII. Antonio Bueno da Veiga casou-se pela segunda vez
em Minas Gerais.
O pai do Capitão Antonio Bueno da Veiga era Baltazar da Costa
Veiga, potentado em arcos, senhor de muitas terras com muitos índios cativos. Seguiu em 1676 para as Minas Gerais sob o comando de
Fernão Dias Pais. Faleceu em 24/8/1700. Outro filho de Baltazar da
Costa Veiga e irmão de Antonio Bueno da Veiga foi o Capitão-Mor
Amador Bueno da Veiga, importante personagem em Minas gerais,
sendo o chefe dos paulistas na guerra dos emboabas. Baltazar da Costa Veiga era filho de Jerônimo da Veiga, falecido em 1660, casado
com Maria da Cunha. Ela era por sua vez filha de João Gago da
Cunha (filho de Henrique da Cunha Gago com Isabel Fernandes) com
Catarina do Prado (filha de João do Prado, natural de Olivença, com
Filipa Vicente, que era filha de Pedro Vicente com Maria de Faria,
sócios do Engenho dos Erasmos, um dos primeiros estabelecimentos
econômicos no litoral vicentista).
Baltazar da Costa Veiga era casado com Maria Bueno de Mendonça34, filha de Amador Bueno, o moço, casado com Margarida de
Mendonça em 1638 em São Paulo. Amador Bueno era filho de
Amador Bueno da Ribeira (o aclamado), Capitão-Mor e ouvidor da
Capitania de São Paulo. Casou-se com Bernarda Luiz, filha de Domingos Luiz Carvoeiro, Cavaleiro da Ordem de Cristo, casado com
Ana Camacho.
O núcleo do poder mameluco de São Paulo no século XVII era
representado em boa parte por este núcleo familiar. O Capitão-Mor
Amador Bueno da Ribeira era filho de Maria Pires, da importante família
Pires35 ( Maria Pires era irmã de Beatriz Pires, por parte de pai, e logo tia
do bandeirante Manoel Pires, já visto atrás na genealogia curitibana).
Maria era filha de Salvador Pires com Messiauçu, filha de Antonio
Rodrigues com Antonia Rodrigues e neta materna da índia Antonia
Rodrigues, filha do chefe tupiniquim Piquerobi. Por essas linhas se
revela certa continuidade entre os maiorais tupi e a fundação de São
Paulo. Poder que é transmitido aos seus antepassados como Amador
Bueno da Ribeira. Também a mulher do Capitão-Mor, Bernarda Luiz
seria bisneta de Joana Ramalho36 (casada com o Capitão-Mor Jorge
Ferreira), filha de João Ramalho com Izabel Dias, a filha do grande chefe
índio Tibiriçá, tão importante para a colonização de São Paulo que os
jesuítas e o poder municipal o enterraram com honras na Igreja da Sé.
O pai de Bernarda Luiz, Domingos Luiz Carvoeiro, também é
importante para a futura fundação de Curitiba por outro motivo. Era ele
Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo e foi o fundador da Capela de
Nossa Senhora da Luz em São Paulo. Anchieta escreveu ao Capitão
Jeronimo Leitão que Domingos Luiz estava acabando a Igreja e nela já
havia tido uma missa com muita festa. A data era 15/11/157937. Em
outro artigo exploramos as conexões entre o culto de Nossa Senhora da
Luz e o projeto expansionista de Portugal e de suas instituições como a
Ordem de Cristo38.
Isabel Fernandes da Rocha (casada com o capitão Antonio
Bueno da Veiga) foi inventariada em Curitiba em 171739. Ela era
filha do Capitão Antonio Bicudo Camacho com Maria da Rocha. O
Capitão Camacho seguia o típico padrão dos bandeirantes pioneiros
de Curitiba. Natural de São Paulo, dedicava-se a mineração. Possuía
lavras de ouro em Santa Cruz do Sutil, na área de Palmeira. Constava
em quase todos os inventário de Curitiba de 1694 até 1699. Senhor de
muitos escravos. Posteriormente se mudaria para São Francisco do
Sul40. Era filho de Sebastião Fernandes Camacho com Isabel Bicudo
de Brito. Sebastião Fernandes Camacho era filho do pai com o mesmo nome. Ambos eram experimentados sertanistas, sendo que o pai
participou da bandeira contra o Guairá em 162841. Este Sebastião
Fernandes Camacho mais velho foi casado com Maria Affonso, filha
de outra de igual nome, casada supostamente com Marcos Fernandes
(irmão de Messiauçu e bisnetos do Piquerobi). A Maria Affonso mãe
seria filha de Pedro Affonso, um dos pioneiros de São Paulo. Pedro
Affonso teria “resgatado” uma tapuia do sertão que seria a mãe das
irmãs Affonso. Tal fato, colocado por Silva Leme, motivou e motiva
grande polêmica, uma vez que seriam os antepassados de pessoas
17 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 17
também da Família Camargo42. O fato é que estes são os primórdios
genealógicos de São Paulo e aconteceu intensa mestiçagem entre
portugueses e tupiniquins.
Isabel Bicudo de Brito43, casada com o segundo Sebastião Fernandes Camacho, era filha de Antonio Bicudo com Maria de Brito.
Novamente o círculo do parentesco se fecha. Antonio Bicudo era filho
do Ouvidor de 1585, o açoriano Antonio Bicudo Carneiro com Isabel
Rodrigues (filha de Garcia Rodrigues com Isabel Velho, título Garcias
Velhos). Maria de Brito era filha de Diogo Pires (filho do pioneiro
Salvador Pires, título dos Pires. Diogo era irmão de Beatriz Pires e tio do
bandeirante Manoel Pires) com Isabel de Brito44.
Os frutos do casamento
O casal Miguel de Miranda Coutinho e Isabel da Silva de Jesus teria
uma longa e próspera (para as condições do Paraná do século XVIII)
vida. Encontramos registros do casal na fundação da vila de Guaratuba em 1771. Joaquim da Silva Mafra na sua História do Município de
Guaratuba45 considera o então Capitão-Mor Diretor Miguel de Miranda Coutinho como o seu grande povoador. Um dos principais
responsáveis pela governança e segurança da recém-criada povoação
litorânea. O Capitão-Mor faleceria em junho de 1793 e sentia-se
completamente integrado no status quo colonial do Brasil Meridional. Inclusive mandou vir da Bahia uma imagem de Nossa Senhora
do Bom Sucesso46. O seu casamento durou mais de cinqüenta anos e
ele alcançou um dos mais elevados cargos no Paraná Colonial. Não
conseguimos descobrir por quanto tempo mais viveu a viúva Isabel
da Silva. O domínio familiar do atual litoral sul do Paraná era muito
grande e também cobria as terras ao norte de Guaratuba, haja visto
que em 20/5/1787 o Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho e sua
esposa venderam a seu filho a localidade de Caiová (atual Caiobá)
por 25$000 a seu filho Joaquim47. O domínio familiar ficou garantido, uma vez que o sucessor do Capitão-Mor Miguel de Miranda
Coutinho foi o seu outro filho Manoel de Miranda Coutinho, nomeado Capitão-Mor de Guaratuba em 5/4/179548. Era casado com Maria
Serafina de Araújo, filha do Tenente Joaquim Araújo de Morais com
Ana Maria Matozo49. O inventário da esposa do segundo CapitãoMor de Guaratuba revela importantes aspectos da vida material da
classe dominante da região naquela época e foi transcrito por Joaquim da Silva Mafra em sua História de Guaratuba.
Outro filho que foi identificado foi José de Miranda Coutinho.
Seguiu a típica carreira militar. Em 1762 ele consta no documento
dos oficiais presentes no cerco da Colônia do Sacramento e que combateram os espanhóis no Rio da Prata50. Em 1771 aparece como
Vereador em São Francisco do Sul51. Antonio Roberto Nascimento
em sua Genealogia Francisquense (Gente de São Francisco do Sul Os Miranda Coutinho, o encontra como Sargento-Mor, que deve ter
sido sua última posição. Uma das suas filhas, Rita Clara de Miranda
casou com o Capitão Salvador Gomes de Oliveira, que foi Vereador,
Juiz Ordinário e Juiz de Órfãos em São Francisco do Sul52. O Capitão Oliveira também era o titular da sesmaria de Porto da Caçada,
recebida em 180553. Os casamentos preferenciais na classe dominante da região continuavam nos descendentes do casal de 1742.
Miguel Cardoso
Chefe da Comunidade Criptojudia
do Rio de Janeiro, séc. XVII
Isabel Cardoso
Francisca Coutinha
Baltasar Rodrigues Coutinho
Ana Gomes Coutinha
Cap. Amaro de Miranda Coutinho
Lourença Coutinha
Maria Coutinha
Antônio José da Silva
O Judeu, 1705 – 1739
Dr. João Tomás de Castro
Amaro de Miranda Coutinho
Cap-mór Miguel de Miranda Coutinho (? – 1793)
Sarg-mór José de Miranda Coutinho
Rita Clara de Miranda
Alf. João Gomes de Oliveira (1824 – 1842)
latifundiário
Cap. João Gomes de Oliveira
(1865 – 1934)
João Gomes de Oliveira
(Joinvile, 1896 – ?, 1937)
Cel-Aviador João Vitor Gugisch de Oliveira
(Lages, 1936)
Prof. Dr. Ricardo Costa de Oliveira
(RJ, 1964)
18 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
(ambos queimados pela Inquisição)
O primeiro poeta paranaense
Miranda54
ernando Amaro de
é considerado o primeiro poeta
paranaense. Ele seguramente é descendente de Amaro de Miranda
FCoutinho
e parente do Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho.
Nasceu em Paranaguá em 24/6/1831 e faleceu jovem em 15/11/1857.
Era filho de Antonio Dionizio de Miranda, natural de São Francisco
do Sul e de Ana Rosa de Miranda, de Paranaguá. Fernando Amaro foi
guarda-livro e se dedicou ao comércio em Morretes. Também foi
Secretário da Câmara de Morretes. Joaquim Tamujas escreveu que
“O Amaro do seu nome teria sido uma homenagem a um cidadão de
nome Amaro de Miranda, e, provavelmente tio do poeta. Há referências histórica , hoje sabida, de que uma sua ascendente de nome Maria seria proprietária de uma sesmaria em terras de Paranaguá, provavelmente localizada na região do Pontal do Sul”55. As informações
correspondem ao já analisado. Amaro de Miranda Coutinho recebeu
uma sesmaria no litoral ao sul de Paranaguá e era casado com Maria
de Barros. Um dos filhos também foi o Amaro de Miranda Coutinho,
o moço. Joaquim Tramujas afirma que o poeta envolveu-se em uma
paixão com uma filha do Comendador Ricardo dos Santos e teria
sofrido “total restrição paterna”56. O autor aventa a hipótese da rejeição ter sido motivada por razões centradas no preconceito racial.
Seria Fernando Amaro um “mulato”, o que teria possivelmente causado a sua rejeição e a sua desdita amorosa que teria contribuído para sua morte precoce, na versão de Tramujas. O fato é que Fernando
Amaro de Miranda era descendente de refugiados da inquisição,
parente de outro escritor de infeliz destino, o Antonio José da Silva.
Apesar da modéstia do meio cultural em que ele viveu e a sua
pequena contribuição, ele foi homenageado pelas outras gerações
como o primeiro poeta paranaense, ou como coloca o Almanach do
Paraná de 1901 — “Foi elle quem orchestrou primeiro, em terras
paranaenses a ouvertura do sonho”57.
Conclusão
omemorações são rituais de passagem. Comemora-se a permaC
nência. Continuidades que de acordo com as genealogias clássicas
atravessam mais de quinhentos anos. Analisamos alguns membros da
elite “paranaenses” colonial. Os descendentes paranaenses da fundação
de São Paulo e de boa parte da sua classe dominante nos séculos XVI e
XVII representam linhas de ascendentes muito mais distantes do que os
que vieram nas caravelas ou as viram das praias. Possíveis heranças tupi
que permanecem recônditas, escondidas. Depois se constrói o núcleo de
poder mameluco em São Paulo de Piratininga. A família dos Bueno da
Ribeira é um bom exemplo. Domingos Luiz Carvoeiro criou a Igreja de
Nossa Senhora da Luz em São Paulo58. Seus descendentes estariam na
povoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Com as
pequenas e as grandes bandeiras se atinge o Atuba e o Barigui. Curitiba
seria em meados da década de 1650 um ponto de apoio e refúgio do
partido dos Pires, a facção considerada mais pró-portuguesa na famosa
Guerra de Famílias entre os Pires e os Camargos. Outros refugiados
cristãos-novos chegam às terras paranaenses para aqui refazerem as suas
vidas. Todos estariam procurando a terra sem mal ou a simples prosperidade material ? Singelas histórias dos distantes séculos XVI , XVII,
XVIII e que continuam com outras gentes (vindas de horizontes ainda
mais distantes) nos séculos XIX e XX. Histórias da nossa gente e dos
nossos antepassados. Que descansem em berço forte.
Fontes Primárias :
• Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.
• Arquivo Nacional, Sesmarias Paranaenses e Catarinenses.
Referências Bibliográficas :
• Arroyo, Leonardo (1954). Igrejas de São Paulo. Coleção Documentos Brasileiros 81. José Olympio.
• Carvalho Franco, Francisco de Assis (1954). Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil. Séculos XVI-XVII-XVIII .
• Dines, Alberto (1992). Vínculos do Fogo. Companhia das Letras.
• Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná (1991). Livraria do
Chain-Banestado.
• Ferreira da Silva, Lina Gorenstein (1995). Heréticos e Impuros.
Coleção Biblioteca Carioca. Volume 39.
• Leão, Ermelino de (1926).Dicionário Histórico e Geográfico do
Paraná. Placido e Silva.
• Nascimento, Antonio Roberto (inédito). Gente de São Francisco
do Sul. Os Miranda Coutinho, Os Gomes de Oliveira.
• Negrão, Francisco (1926-1950). Genealogia Paranaense. Impressora Paranaense.
• Oliveira, Ricardo Costa de (inédito). A Identidade do Brasil
Meridional. Ciclo de Debates Brasil 500 anos- Funarte.
• Rheingantz, Carlos G. (1965). Primeiras Famílias do Rio de
Janeiro, Volume II. Livraria Brasiliana Editora.
• Ritter, Marina Lourdes (1980). As Sesmarias do Paraná no Século
XVIII. Estante Paranista 9. IHGEP.
• Silva Leme, Luiz Gonzaga da (1903-1905). Genealogia Paulistana. Duprat.
• Silva Mafra, Joaquim da (1952). História do Município de Guaratuba.
• Tramujas, Joaquim(1957). Contribuição à Biografia de Fernando
Amaro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá,
Ano II, jul.-dez.. N°12, 33-37.
• Varnhagen, Francisco Adolfo de (1962). História Geral do Brasil.. 7° Edição.
• Wolff, Egon e Frieda (1986). Dicionário Biográfico de Judaizantes e Judeus no Brasil. Erca Editora e Gráfica.
Notas
1 Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de
Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba.
3 História do Município de Guaratuba. Joaquim da Silva Mafra :
1952, 89,92.
4 Genealogia Paranaense. Francisco Negrão. Volume 4 : 1929, 211.
5 Heréticos e Impuros.. Lina Gorenstein Ferreira da Silva,44,173. A
genealogia dos descendentes de Amaro de Miranda Coutinho está
sendo pesquisada por Antonio Roberto Nascimento, cujo rascunho
inicial nos foi entregue.
6 Rheingantz (1965), Primeiras Famílias do Rio de Janeiro, Volume II, 605.
7 Egon e Frieda Wolff. Dicionário Biográfico de Judaizantes e
Judeus no Brasil, 1986, 51-52 e 89.
8 Ver Vínculos do Fogo, Alberto Dines.
9 Op. cit. Genealogia. Lado Materno 1.
10 Arquivo Nacional. Sesmarias do Paraná.
11 As Sesmarias do Paraná no Século XVIII. Marina Lourdes Ritter.
Lista de sesmarias no Paraná.
12 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 960. Ermelino de
Leão.
13 Op.cit. 1270-73.
14 Genealogia Paranaense, Volume 4, 209-210. Francisco Negrão
15 Genealogia Paulistana, Volume 7, 456. Silva Leme.
16 Outra opinião apresenta Ermelino de Leão no seu Dicionário do
Paraná , 438, que o coloca como filho de Domingos Rodrigues da
Cunha e vinculado no título dos Cunha Gago da Genealogia
Paulistana de Silva Leme. A hipótese de Silva Leme nos parece
mais significativa no atual estágio de pesquisas.
17 Genealogia Paulistana, Volume 7, 452.
18 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 1235. Ermelino Leão.
19 Op.cit. 775-776.
20 Silva Leme, 448.
21 Silva Leme, V8, 326-327.
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Ermelino de Leão, 776.
Ermelino de Leão, 1275.
Dicionário de bandeirantes, 316.
Op. Cit. 318-319. Silva leme, V8, 269 –278.
Dicionário de Bandeirantes. Francisco de Assis Carvalho Franco,
303.
Silva Leme, V2, 5.
Silva Leme, V6,449.
Carvalho Franco, 101.
Silva Leme, V6, 297.
Silva Leme, V3, 204.
Ermelino de Leão, 74.
Marina Ritter, 231-232.
Silva Leme, V3, 202-203.
Silva Leme, V2, 5.
Silva Leme, V9, 67. Existe uma polêmica sobre os vínculos entre
Anna Camacho, esposa de Domingos Luiz Carvoeiro, com João
Ramalho e Tibiriçá. O documento mais famoso que comprovaria a
hipótese desta descendência, o Testamento de João Ramalho, é
questionado por alguns pesquisadores, o que inviabilizaria a conexão genealógica entre Anna Camacho como bisneta de João Ramalho. Novas pesquisas podem trazer mais elementos para a possível descendência ou não entre eles.
Igrejas de São Paulo, 23, Leonardo Arroyo.
A Identidade do Brasil Meridional. Ricardo Costa de Oliveira.
Ciclo de debates Brasil 500 anos.
Genealogia Paranaense, Negrão, V4, 210.
Ermelino de Leão, 73.
Carvalho Franco, 91.
Silva Leme, V1, 2-3,5. Todas as primeiras famílias de São Paulo
estão sendo reavaliadas criticamente em suas genealogias, o que
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pode mudar radicalmente o que Silva Leme colocou na Introdução
do seu Volume 1.
Silva Leme, V6, 338 e 297.
Silva Leme, V7, 396-397 e 470.V2,5.
Joaquim da Silva Mafra. História do Município de Guaratuba, 89.
Op. Cit., 68.
Op. cit. , 113.
Op. cit. , 86.
Op. cit. , 86.
Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil. Tomo
IV, Notas a Seção XLIV, 223 : 1962. 7° Edição.
Joaquim da Silva Mafra, op. cit. , 42-51.
Os Gomes de Oliveira, Antonio Roberto Nascimento, inédito.
Arquivo Nacional, Sesmarias Catarinenses.
Um resumo das informações literárias sobre esse personagem está no
Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná, 16-19. 1991. A melhor
tentativa biográfica foi escrita por Joaquim Tramujas, Contribuição à
Biografia de Fernando Amaro. Instituto Histórico e Geográfico de
Paranaguá, Ano II, jul.-dez. de 1957. N°12, 33-37.
Op. cit. , 34.
Op. cit. , 34.
Ermelino de Leão, Dicionário do Paraná, 644. “Nascido em lar
pobre, Fernando Amaro de Miranda descendia de uma velha e
histórica família , que se salientou pelos dons naturais da inteligência”.
Leonardo Arroyo, Igrejas de São Paulo , 1954, 23. José Olympio
Editora. Coleção Documentos Brasileiro N° 81.
Ricardo Costa de Oliveira, Bacharel em Ciências Sociais (UFRJ),
Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Universidade de Londres) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP).
Diásporas Contemporâneas
Um judeu italiano no Brasil
Afeganistão
O professor Armando Foá, judeu italiano, quando das “Leis
Raciais” fascistas refugiou-se no Brasil. Aqui integrou-se ao corpo
docente da Universidade Católica de Campinas (depois renomeada
PUCCAMP) como professor de cálculo vetorial. Por sua alta qualificação intelectual era considerado uma estrela desta universidade,
sendo muitas vezes convidado a proferir conferências, numa delas sofreu
uma crise dos nervos, saindo do salão nobre para uma clínica em Santos,
onde morreu em 18 de novembro de 1957. A razão ? Depressão e pavor
ao ver que a Krupp, que sustentara o Nazismo, estava construindo uma
filial próxima a Jundiaí. Esta dolorida história foi recuperada e contada
de forma sensível pelo jornalista e escritor Eustáquio Gomes, publicada
como “Foá e a mecânica celeste” na Revista do Correio Popular (Campinas, 30-04-2000, p. 50).
Em 1948 cinco mil judeus viviam no Afeganistão Hoje o país é
dominado por milícias de estudantes islâmicos radicais (taleban).
Neste Afeganistão intololerante vive o último judeu local. É Ytzhak
Levy, 59, o guardião da antiga sinagoga e do cemitério em Herat,
capital do país. Todos os outros foram embora, inclusive sua mulher
e cinco filhos. Ele porém recusa-se a partir. “Não abandono a
sinagoga e nosso cemitério. Se eu for, quem cuidará dos mortos e de
nosso prédio?”. Levy, descende dum grupo de judeus vindos da
Pérsia há duzentos anos, que escaparam das conversões forçadas em
Meshed. A história do país registra que três tribos islâmicas locais,
Afridi, Yussafzai e Durrani (de onde saiu a dinastia real), são
descendentes do rei Saul. No Cemitério Israelita do Butantã, em S.
Paulo, encontra-se sepultado, Moisés Behor Issaharof (Herat, 1905S. Paulo, 1964), judeu de origem afegã.
Ostrowiec, Polônia
O genealogista americano Harry Stein publicou na revista
“The Kielce Radom Special Interest Group Journal” (vol. 4, nº 2,
Spring 2000, pp. 3-8) o artigo “Ostrowiec: The Witches Survived,
The Jews Are Dead”. Nele, Stein, descreveu sua viagem em maio de
1999 a Ostrowic Swietokrzyski, conhecida por “Ostrovya”, 180 kms
ao sul de Varsóvia. Ostrowiec, de 50 mil habitantes, é uma cidade
industrial. Ela foi uma cidade de maioria judaica: 80% de judeus em
1857, 63% em 1899, 60% em 1910, 51% em 1921 e 38% em 1938. O
brasão municipal possui uma estrela de David. Stein, cujo nome
original é Brochsztajn, visitou a casa de seus avós, o cemitério e
encontrou registros de sua família, para compor a sua genea
logia. Dois websites estão relacionados com este artigo:
www.jewishgen.org/krsig e www.ostrowiec.to.pl/~um/e_index.htm
20 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
Silva e a genealogia dos Abravanéis
Aparece na trama do livro “Agosto” de Rubem Fonseca o
repórter Arlindo Silva. É o mesmo que está no “Chatô” de Fernando
Morais. Dentre suas façanhas jornalísticas ele foi o primeiro a entrar
no quarto de Vargas morto. Mas ele não é um personagem de ficção,
pois em um de nossos encontros dominicais da SGJ/Br., ele apareceu e
não foi notícia. Ele nos deu a notícia: Estava terminando uma biografia do empresário e apresentador de TV Silvio Santos, mas
precisava de uma genealogia dos Abravanéis, que lhe fornecemos.
Todos nós ficamos satisfeitos com a carreira que, “A Fantástica
História de Silvio Santos” vem fazendo, desde o seu lançamento, é o
primeiro lugar em vendas. Só nos resta cumprimentá-lo. Parabéns,
Silva !
•
Falecimentos
• Faleceu em Berlim (13-01-2000), o cantor alemão Estrongo
Nachama, nascido em Salônica (04-05-1918), filho de um cerealista grego. Ele foi deportado para Auschwitz, onde seus pais e
irmãs foram assassinados (gassed). Foi poupado graças ao seu
talento como barítono. Após o Holocausto manteve-se em Berlim,
como cantor sacro e também profano. Há disco gravado por ele
que registra a sua voz; “Chasanut Gesänge Aus der Synagoge”
(Repertório do Hazan e cantos da sinagoga). Ele também aparece
rapidamente no filme “Cabaret”. O seu filho Andreas Nachama é o
lider da comunidade judaica alemã.
• Faleceu em Roma (13-04-2000), o escritor italiano Giorgio Bassani,
nascido em Bolonha (04-03-1916). Ele foi também poeta, ensaísta
e editor na Casa Feltrinelli. É dele a descoberta do romance “O
Leopardo” do Príncipe Giuseppe Maria Fabrizio Salvatore Stefano Vittorio Tomasi di Lampedusa. Porém é mais conhecido como
o autor do romance semi-auto-biográfico “Il giardino dei Finzi
Contini”, que descreveu a burguesia judia de Ferrara antes das leis
raciais e da II Guerra Mundial, publicado em 1962, traduzido para
vários idiomas, inclusive ao hebraico.
• Faleceu em S. Paulo (04-05-2000), o engenheiro e professor norteamericano, Hanns John Maier, de 76 anos. Nascido na Alemanha,
migrou com a família nos anos trinta para os EUA, onde adquiriu a
nacionalidade. No Brasil, foi professor do Instituto Tecnológico da
Aeronáutica em S. José dos Campos, entre 1954 a 1957; vice-presidente da Case Corporation e administrou uma pousada em Ubatuba. Sua notoriedade veio da grande quantidade de cartas que publicou nas seções de jornais e revistas nacionais e estrangeiros,
opinando sobre os mais diversos assuntos.
• Faleceu no Rio de Janeiro (05-06-2000), o jornalista, escritor e
publicitário Hélio Kaltman, de 61 anos. Ele começou a carreira no
jornal “Última Hora”, passou por outros jornais, esteve na publicidade e escreveu vários livros. Porém a sua fama deve-se ao personagem “Dr. Palhares, do Gabinete”, um suposto assessor de ministro, que ele criou para agilizar uma devolução de descontos indevidos
em folha, que não conseguia vencer a burocracia. Bem sucedido no
desencalhe do processo ele escreveu um livro sobre a burla.
• Faleceu em Lisboa (09-06-2000), o engenheiro agrônomo português
António Poppe Lopes Cardoso, nascido em Praia, Santiago, Cabo
Verde (27-03-1933), filho de Álvaro Eurico Lopes Cardoso, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e de Maria Júlia Cohen Poppe,
descendente de judeus e cristãos-novos trasmontanos. Seguindo a
tradição familiar, desde cedo dedicou-se a atividade política, esteve
exilado na França, Brasil e Marrocos (onde foi assessor do Ministro
da Agricultura). Após o 25 de Abril de 1974 entrou para o Partido
Socialista, ocupou a pasta de Ministro da Agricultura no VI Governo
Provisório e foi deputado por várias vezes. Quando o seu ministério
iniciou um processo de reforma agrária ouviram-se insinuações antisemitas contra ele e os “cristãos-novos” das Beiras e de Trás-os-Montes. Segundo o Presidente Jorge Sampaio, o amigo era “um homem
lúcido e coerente, um homem que não vergava”. V. “Uma Teia
Familiar: Cristãos-novos Portugueses Nobilitados no Século Passado” (Gerações/Brasil, maio 1999, vol. 5, nº 1/2, p. 6 em diante).
• Faleceu em Campinas (19-06-2000), o historiador e professor
brasileiro José Roberto do Amaral Lapa, natural da mesma cidade
(04-08-1929), descendente de tradicionais troncos paulistas e
fundador do Centro de Memória da UNICAMP. Sua relação com a
•
•
•
•
história judaica foi em dois momentos; primeiro como autor de
“Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição do Grão-Pará” e
atualmente como orientador de Ariel Elias numa dissertação de
mestrado sobre a presença dos judeus em Campinas no final do
século XIX.
Faleceu em Lima (21-06-2000), o camponês peruano Ezequiel
Ataucusi Gamonal, aos 83 anos, líder messiânico da seita Israelitas del Nuevo Pacto Universal, candidato à presidência da república do seu país. O seu grupo religioso de cerca de oitocentos mil
seguidores, espalhados pelas regiões amazônicas de Peru, Bolívia,
Brasil, Colômbia e Venezuela, o considerava como o terceiro profeta histórico (Noé foi o primeiro e Abrãao, o segundo). Desde o
momento que aderem a seita eles não cortam o cabelo, nem a barba, usam túnicas, guardam o Sábado e nas luas novas sacrificam
ovelhas, cabritos e pombas. Apesar do nome eles não possuem
nenhuma ligação com os judeus ou com Israel.
Faleceu em Los Angeles (01-07-2.000), o ator norte-americano
Walter Matthau, nascido em New York (01-10-1920), com o nome
de Walter Matuchanskayasky, filho de Melas Matuchanskayasky
(segundo sua biografia oficial, um sacerdote ortodoxo russo) e Rose
Berolsky, uma costureira judia. O ator participou em mais de 45
filmes, destacando-se “Uma Loura por um Milhão” (1966), quando
ganhou um Oscar como coadjuvante. Ele começou a vida profissional vendendo sorvetes e refrigerantes em teatros ídiches, tornou-se
depois o “ponto” nestes teatros até deslanchar sua carreira como ator.
Na II Guerra Mundial foi criptógrafo de rádio numa unidade de
bombardeio na Europa.a.
Faleceu em Washington (13-07-2000), o diplomata e escritor
polonês Jan Karski, nom de guerre de Jan Kozieleweski, nascido
em Lodz (1914). Tenente do Exército Polonês, católico fervoroso
e anti-comunista, sobreviveu ao massacre dos oficiais poloneses
em Katyn ordenado por Stalin. Em 1943 foi a primeira pessoa a
informar Anthony Eden e Franklin Roosevelt da existência dos
campos de extermínio. Felix Frankfurter, juiz da Suprema Corte
americana, que era judeu, reagiu cético a esta notícia: “A man like
me, talking to a man like you, must be totally frank. So I say, I am
unable to believe what you told me”. Em 1994 ele foi reconhecido
como cidadão honorário de Israel e indicado quatro anos depois
para um Prêmio Nobel da Paz.
Faleceu em Copenhague (28-07-2000), o físico holandês Abraham
Pais, nascido em Amsterdam (1918). Era considerado um dos
principais historiadores da ciência. Escreveu vários livros, destacando-se dentre todos a sua biografia de Albert Einstein, “Subtle
Is The Lord – The Science and Life of Albert Eisntein”. Ele
também elaborou conceitos fundamentais da teoria moderna das
partículas elementares. Sua genealogia foi descrita na autobiografia “A Tale of Two Continents”. “Eu, Abraão (os amigos
chama-me Bram), sou filho de Isaías, filho de Abraão, que era
cortador de diamantes, filho de Isaías, também cortador de
diamantes, filho de Abrãao Pays – que casou por duas vezes e
teve onze filhos, do seu primeiro e segundo casamentos – filho de
Natham Paes, filho de Benjamin Paes, filho de Natham Paes.
Todos estes meus antepassados, tal como eu próprio, nasceram
em Amsterdam. A razão pela qual posso saber da existência de
tantos antepassados paternos é que todos estes Pais pertenciam à
congregação Talmud Torá de Amsterdam e estão registrados nos
livros que foram preservados. Não consigo ir para trás na descoberta dos meus predecessores, mas estou certo de que eles chegaram a Amsterdam provindos da Península Ibérica após 1590,
altura em que os primeiros judeus sefarditas chegaram às terras
baixas (hoje Bélgica e Países Baixos), por via da cidade frísia de
Emden, quase certamente que provindos de Portugal”
Faleceu em Joanesburgo (19-08-2.000) o empresário sul-africano
Harry Frederick Oppenheimer, nascido em Kimberly (28-101908), filho de “Sir” Ernest Oppenheimer (1880-1957), um judeu
21 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 21
alemão de Friedberg, que de um princípio modesto, formou a Anglo American Corporation of South Africa, Ltd., para a exploração
mineira, controlando através dela o comércio mundial de diamantes. O Sr. Oppenheimer teve uma educação sofisticada, estudou em Oxford e depois sucedeu como chairman no grande
conglomerado, cargo que ocupou por 25 anos, ao seu pai. Ele foi
um empregador sensível, construindo casas para os negros que
empregava, encorajando a criação de sindicatos e fomentando a
educação para eles. Acredita-se que ele teve uma participação
silenciosa, mas importante, na dissolução do regime de apartheid.
• Faleceu no Rio de Janeiro (20-08-2.000), a socialite brasileira
Beki Klabin, nascida em Istambul (10-09-1921), filha de José
Alfasso, dono de um moinho. No Brasil ela casou-se com o multimilionário Horácio Klabin, da importante família de industriais e
benfeitores do mesmo nome, com quem teve dois filhos: Paulo e
Cláudio, que lhe deram sete netos. Ela tornou-se conhecida nacionalmente, aparecendo em programas de auditórios, transmitidos
pela TV, como jurada, simulando inclusive um namoro com o
cantor popular Waldick Soriano. Beki Klabin foi a precursora das
“emergentes”, mulheres de fortuna recém-adquirida que atraem
com sua ostentação a curiosidade popular, tornando-se uma caricatura estereotipada da milionária.
• Faleceu no Rio de Janeiro (27 -09-2000), o editor brasileiro Abrahão
Koogan, de 88 anos, nascido na Ucrânia. Foi o primeiro editor de
Freud no Brasil. Celebrizou-se pelos dicionários e enciclopedias
editados por ele. Foi um “editor que nos trouxe uma visão cosmopolita dos fatos culturais, editando e contatando autores internacionais, abrindo um generoso leque de dicionários e enciclopédias
que hoje compõem as estantes de professores e alunos, pesquisadores e eruditos” (Carlos Heitor Cony, “Abrahão Koogan” (FSP, 0410-2000)
• Faleceu em S. Paulo (?-11-2000), Felícia (Felá) Mester, aos anos,
diretora e redatora do Caderno Cultural, publicação da Na´amat
(Pioneiras). “Ativista abnegada, de alma judia e coração sionista,
impregnada de amor à Israel e fidelidade à Na´amat. Na Organização, o expoente máximo de companheirismo e amor; sabedoria,
criatividade, conhecimentos amplos e intelectualidade”
• Faleceu em New York (04-12-2000), a enxadrista americana
Gisela Kahn Gresser, nascida em Detroit (08-02-1906). Foi a
primeira mulher a ser eleita para o Chess Hall of Fame (1992).
Entre 1944 a 1969 ela venceu o campeonato feminino americano
por nove vezes.
• Faleceu em New York (03-01-2001), o atleta e cronista esportivo
americano Marty Glickman, nascido em New York (14-08-1917).
Ele e Sam Stoller, ambos judeus, pertenciam a equipe de revezamento 4 x 100, que competiria na Olimpíada de Berlim (1936),
mas foram excluidos por Avery Brundage, Presidente do Comitê
Olímpico dos EUA, que temia desagradar o ditador nazista. Foram
substituidos pelos negros Owens e Metcalfe que venceram a
competição. Mesmo com todo este ambiente anti-semita doze atletas
judeus ganharam medalhas olímpicas nestes jogos, inclusive a esgrimista Helene Mayer, filha de pai judeu, que defendeu a equipe
alemã. Glickman abandonou o esporte, para narrar partidas de
basquete, futebol americano e beisebol, tornando-se um dos mais
populares cronistas esportivos do seu país.
• Faleceu em Long Island (?-01-2001), a juiza americana Beatrice
Sobel Burstein, nascida em New York ( 05-1915), filha de Joseph e
Tillie Sobel, imigrantes poloneses. Esposa do advogado Herbert
Burstein e mãe de outra juiza, Karen Burstein, ela pertencia a
chamada “primeira família legal de Nassau County”. A juiza
Burstein era Democrata e defendeu fundamentalmente os Direitos da
crianças e dos prisioneiros.
22 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
• Faleceu em Paris (03-02-2001), o jornalista e empresário francês
Gilbert Trigano, aos 80 anos. Ele exerceu várias atividades diferentes na sua vida. Foi ator, jornalista do “L´Humanité”, membro
da Resistência. Porém a sua notoriedade, veio por ter criado, junto
com o belga Gérard Blitz, o Club Mediterranne, o Med, em 1950.
Que foi dirigida por ele durante mais de trinta anos. Sendo sucedido por seu filho Serge Trigano.
• Faleceu em Campinas (25-02-2001), Iandira Valadares, aos 73
anos, mãe de Sara e Paulo Valadares (nosso colaborador).
• Faleceu em Los Angeles (09-03-2001) o comerciante americano
Leopold Page (Poldek Pfefferberg), nascido em Krakow (20-031913). Ele foi o número 173 da “Lista de Schindler”, e também
quem convenceu ao diretor Spilberg a fazer um filme com o episódio que viveu.
• Faleceu em Ma`aleh Yisrael (08-05-2001), o agricultor Arnaldo
(Arieh) Leão Agranionik, nascido em Erexim, RS (1953), descendente de uma família gaúcha, notável pelo cultivo do soja e da
criação de cavalos. Ele foi o primeiro brasileiro a ser assassinado por
grupos terroristas árabes em Israel. Arieh Agranionik deixou três
filhos: Oren, Dudu e Orian.
Visita ao Cemitério da Consolação
ocê acharia interessante participar de uma reunião que estivessem
V
presentes, dois Presidentes da República (Campos Sales, Washington Luís), Governadores e Presidentes de S. Paulo (Carvalho Pinto, Abreu Sodré, Bernardino de Campos e outros), além de milionários, mecenas, escritores? Dia 3 de junho, último, alguns membros da
SGJ/Br participaram de uma visita ao Cemitério da Consolação, guiados pelo Dr. Délio Freire dos Santos, a maior autoridade no assunto,
participando de uma reunião semelhante. Num cemitério, além da
observação etnocultural – devoção a santos populares, cultos primitivos, é possível encontrar informações históricas (personalidades, famílias, dados vitais, etc) e principalmente a arte cemiterial. O Dr.
Délio, nos introduziu a compreensão da simbologia utilizada nestes
túmulos: a papoula, símbolo do sono eterno; a ampulheta e as asas do
morcego, a passagem do tempo e a sabedoria; a coluna quebrada, a
vida interrompida bruscamente; o pelicano, o amor materno. Além de
lendas milenares, como a de Orfeu e Eurídice descrita em mármore
nos túmulos dos Trevisioli. A mulher, que forma uma interrogação,
no túmulo do poeta Moacir Piza. O suntuoso conjunto estatuário,
ninfas dispostas em forma de navio, mais algumas figuras alegóricas
da vida do homenageado, como a caridade amparando a pobreza, no
túmulo de Name Jafet. Foi uma visita que nos agradou muitíssimo,
ensinou-nos bastante e despertou-nos o interesse para fazer uma
visita destas aos cemitérios judaicos de S. Paulo.
Espanha arabizada
O Último Omeíada ? Assim como há um movimento de pessoas
identificando-se como descendentes de cristãos-novos, há também os
que alegam descender dos moriscos, restos da população árabe que
compuzeram os reinos islâmicos da região. Várias famílias espanholas,
originárias da região andaluza, são reconhecidas como herdeiras destas
tradições: Abela, Adelmón, África, Alcázar, Allobar, Ambasil,
Aranda, Arenós, Belvis, Benajara, Benasar, Benegas, Benjumea,
Brea (Será a família da atriz brasileira Sandra Brea ?), Ceuta,
Cuéllar, Gali, Granada, Granada Venegas, Hazera, Jaén, Madrid,
Marín, Muley, Palacios de Moro, Xama e Zegrí. A mais importante
delas é a dos Granada Venegas, possuidores do título “Marqués de
Campotéjar”, descendente da dinastia que reinou em Granada entre
1232 a 1492. Outra família destacada, é a Bejumea (Ibn Ummayya), a
mesma de Julio Salvador y Díez-Benjumea (1910), Ministro da
Aeronáutica no Governo Franco (1973-4), de quem foi dito: “siendo la
ultima vez por ahora que una persona del linaje de los Omeyas haya
participado en la gobernación de España”.
Amílcar Paulo
Paulo Valadares
Relendo a coleção de HaLapid — a revista publicada pela
comunidade reunida em torno da Sinagoga Kadoorie Mekor Haim,
Porto, entre as décadas de vinte e cinqüenta passadas, encontramos a
seguinte notícia sobre um de seus membros: “Um jovem cripto-judeu
trasmontano de 18 anos de idade, natural do concelho de Freixo de
Espada à Cinta, Amílcar Nascimento Calvo Paulo, foi recebido na
Aliança de Abraham a fim de ser pùblicamente um servidor do Deus
Altíssimo e Único. O novo israelita recebeu o nome de Levi Ben-Har.
Mazal tob a este jovem resgatado1.” Este é o registro formal da entrada naquela comunidade de mais um criptojudeu atingido pela
“Obra do Resgate” liderada pelo Capitão Artur Carlos de Barros
Basto, o “Guia dos Maranos” (é assim mesmo). Este “baalei teshuvá”
(retornado ao Judaísmo) ganharia importância posteriormente com
suas originais pesquisas etnográficas.
Amílcar Nascimento Calvo Paulo nasceu em Monte dos Judeus,
freguesia de Miragaia, Porto, em 27 de janeiro de 1929. Era filho do
guarda-fiscal Francisco Augusto Paulo e Maria do Nascimento
Calvo, neto paterno de Manoel Inácio Paulo e Josefina Augusta
Pereira, neto paterno de Joaquim Maria Calvo e Angélica Camila
Caló. Amílcar Paulo casou-se com Maria de Lourdes da Fonseca
Cordeiro, natural de Reigada, Castelo Branco. Não tiveram filhos.
Nascido no Porto, ele passou a infância na freguesia de Fornos,
concelho de Freixo de Espada à Cinta, terra de seus avós, o que lhe
marcaria a personalidade. Tanto que anotou no seu curriculum vitae:
“embora “tripeiro” por nascimento é transmontano pelo sangue e pelo
fogo vivo do seu amor perene ao Nordeste de Trás-os-Montes”.
Amílcar Paulo teve várias atividades na sua vida. Freqüentou
dois cursos superiores, mas não concluiu nenhum. Foi redator do
“Diário da Noite”, trabalhou com teatro e principalmente a partir de
1956 um etnógrafo interessado nas tradições criptojudaicas de sua
região. Algumas de suas pesquisas foram utilizadas para o volume IV
de “Etnografia Portuguesa”, de J. Leite de Vasconcelos. Suas publicações encontram-se esparsas por várias revistas portuguesas. O
seu artigo mais conhecido, foi escrito em parceria com a Profª Anita
Novinsky: “The Last Marranos”, in Commentary, New York, vol.
43, nº 5, May 1967, pp. 76-81. O Prof º Reuven Faingold lembra-se
dele como “baixinho e fumando muito”. O Dr. Inácio Steinhardt
cedeu-me a fotografia que ilustra o seu perfil. Ele faleceu em Miragaia, Porto, em 15 de março de 1983.
Nota
Ha-Lapid, nº 132, luas de março e abril 1946/5706), p. 4.
23 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 23
Arquivo Histórico Judaico Brasileiro
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expediente
GERAÇÕES / BRASIL
é uma publicação semestral da
Sociedade Genealógica Judaica do Brasil
(organização sem fins lucrativos)
filiada à Association of Jewish Genealogical Societies
(AJGS/USA)
e ao Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB)
Editores
Guilherme Faiguenboim
Reuven Faingold
Alain Bigio
Anna Rosa Campagnano
Paulo Valadares
Layout e diagramação
Paulo Valadares - coordenação
Alfredo P. Santana - diagramação
Endereços para correspondência
Caixa Postal 1025
Campinas - São Paulo
13001-970
E-mail: [email protected]
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24 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10
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