Junho 2001 Semestral Volume 10 Veja nesta edição Minha História Os Judeus do Papa Judaizante e Hebraísta O Mistério do Pe. Sanctos Saraiva Inês Henriques de Leão e sua parentela Bandeirantes e Cristãos-Novos em Curitiba ainda nesta edição: Obituário e outras notícias Um perfil do banqueiro Raphael Mayer: benfeitor esquecido Raphael Mayer, 1894-1978 Editorial om dia, leitor (a). Antes de qualquer outra coisa que se escreva, vamos confirmar, este é o décimo número que lançamos. Nossa numeração B anterior, seguiu alguns padrões acadêmicos, o que nos tirou a clareza da sequência numeral. Assim confirmamos: este é o décimo número de Gerações/Brasil ! O que temos a oferecer? Algumas biografias de pessoas que gozaram prestígio em vida e depois foram sendo esquecidas. É o estranho caso do Padre Sanctos Saraiva, um português de origem cristã-nova que viveu em vários lugares do Brasil, até abjurar a batina. O outro é Raphael Mayer, um judeu-italiano que foi banqueiro no Brasil, filantropo, ajudou muitas pessoas e entidades, e depois desapareceu como que por encanto. Nós recuperamos as histórias destes dois personagens incomuns. Trazemos também um artigo sobre os “judeus do Papa”, ou seja os judeus do Comtat Venaissin (França), que por viverem numa cidade papal, obedeciam leis especiais, forjando uma identidade peculiar. Outros dois artigos são de muito valor: num deles, Rubens R. Câmara, analisa didaticamente o processo inquisitorial de Inês Henriques de Leão, seguindo todos os passos processuais, da entrega da prisioneira até o seu julgamento. Inês Henriques pertenceu a importantes troncos cristãos-novos portugueses, basta dizer que um de seus primos afastados era...Baruch de Espinoza ! Falando em primos, Ricardo Costa de Oliveira, traz um ensaio sobre uma família paranaense que descende de um bisavô de Antonio José da Silva, “o Judeu”. Como se vê, apesar de não obedecermos a uma pauta pré-estabelecida, estamos comemorando, ao nosso modo, os 500 anos de Brasil. Uma bom proveito deste nosso esforço é o que desejamos aos nossos leitores. Todos Nós! O “Conde” Raphael Mayer, um benfeitor quase esquecido Anna Rosa Campagnano Raphael Mayer, Italian (1894-1978) was a self made man of meteoric success in Brasil. He arrived here in the early century. Here he built a carreer becoming an important banker, contemporary with Getulio Vargas and Oswaldo Aranha, President of the UN General Assembly at the time of the creation of the State of Israel. As the racist laws of Italy were implemented, he helped many refugees with his money and influence. história de Raphael Mayer, também conhecido como Raffaele A Mayer, um judeu triestino que emigrou para o Brasil em 1926, apresenta fatos interessantes que são, em parte, difíceis de seguir em uma certa sequência, devido à falta de dados suficientes2. Mesmo estando ainda vivos sua filha, Lia Lustosa, que tem dois filhos, Fernanda e Jonas, e a filha de seu irmão Mario, Edda Bergmann, atual presidente da B’nai B’rith, as lembranças são fragmentadas. A documentação, por outro lado, é rica: diplomas honorários, atestados de contribuições financeiras às mais variadas obras de beneficiência, tanto judaicas como católicas, títulos nobiliários, fotografias, etc. Através dessa documentação, portanto, aparece a figura de Raphael Mayer como a de um homem que, do nada, tornou-se uma personalidade pública, aproveitando-se desse fato não somente em benefício próprio, mas também para auxiliar a comunidade judaica em geral, o seu país de origem, e o Brasil. Comecei a conhecer sua história através de um outro sobrinho, Giulio Mario Guglielmi, filho de Renzo e de Gina Guglielmi (ambos já falecidos), irmã de Edda. Giulio conta que seu tio Raphael chegou ao Brasil a bordo de um navio do Lloyd de Trieste, onde trabalhava como comissário de bordo. Chegando ao Brasil, encantou-se com este país, decidindo aqui ficar. Parece que, com um primo, Carlo Mayer, ou com um amigo, abriu um bar em São Paulo, mas não teve sucesso. Empregou-se então como office-boy no Banco Ítalo Brasileiro. Este banco havia sido fundado em 1924 com o nome de Banca Popolare Italiana, e sua sede ficava em um elegante edifício no número 25 da Rua Álvares Penteado. Um dos diretores o viu um dia, enquanto lustrava os bronzes do portão de entrada. Após fazer-lhe algumas perguntas, percebeu que ele era muito inteligente e estava sendo desperdiçado naquele tipo de trabalho, e promoveu-o a contínuo. Com o passar dos anos, fez uma belíssima carreira, até chegar a diretor superintendente do banco. Esta sua posição está mencionada à pág. 513 de um velho livro, “Cinquenta anos de trabalho dos italianos 2 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 no Brasil”, editado em 1936 pela SEI (Sociedade Editora Italiana) em São Paulo. O período mais brilhante do banco foi aquele no qual se fizeram as subscrições “Pro Patria” , por ocasião da guerra da Itália na Abissínia (região central da Etiopia), em 1935/36. Com a anexação da região africana ao território italiano, a Itália foi punida por 52 nações com severas sanções econômicas. As subscrições “Pro Patria” foram feitas nos países onde havia uma grande porcentagem de imigrantes italianos. A subscrição “Pro Patria” foi inaugurada no dia 1º de abril de 1935 pelo Conde Francesco Matarazzo, que ofereceu a enorme soma de mil contos de réis. Com a entrada do Brasil na guerra, em 1942, o banco passou a chamar-se Banco Nacional da Cidade de São Paulo, trans- ferindo-se para uma sede própria situada na rua São Bento, no centro da cidade. Várias empresas eram sócias do banco, como a Superga, de artefatos de borracha, a Copam, de armações para óculos, a Certo, de produtos alimentícios, famosa especialmente pela produção de óleo vegetal, a Uva, que produzia o vinho Centauro, o Laboratório Biosintético, a Tecelagem Taquara, uma firma de tecidos que fabricava voal, e muitas outras. Mayer também foi diretor da Lacta, cujo proprietário era Assis Chateaubriand, diretor administrativo dos Diários Associados e também da Rede Tupi. Tendo enriquecido, Raphael Mayer foi morar em uma casa suntuosa no bairro da Aclimação, na rua Pandiá Calógeras, cujo jardim tinha vinte mil metros quadrados. Ele também usava a casa para dar recepções e festas, através das quais consolidava antigas relações e fazia novas, que lhe serviam tanto para seus próprios negócios, como para obras de beneficiência. Através dessas festas, por exemplo, ele conseguiu vender muitos bônus do Estado de Israel que, em 1954, concedeu a ele e a sua mulher o título de “Guardian of Israel” (Guardião de Israel). Era amigo de Getúlio Vargas e de membros de sua família, os quais frequentemente, de passagem por São Paulo, hospedavam-se em sua casa. Parece que, muitas vezes, ele financiou o governo Vargas, chegando a ser conhecido como o banqueiro de Vargas. Seu sobrinho, Bruno Levi, lembra de ter participado de algumas dessas festas, onde estavam presentes personalidades da política, da indústria e da alta sociedade, tais como membros da família Vargas, Oswaldo Aranha, Negrão de Lima, Tancredo Neves, Assis Chateaubriand, etc. É interessante notar, salienta Bruno Levi, que de todos estes personagens, o único que não era anti-semita, e o demonstrava através de seus jornais, era o Assis Chateaubriand. O relacionamento com todas essas pessoas e entidades políticas, nacionais e internacionais, que sem dúvida ajudava a política externa do Brasil, está evidenciado nos vários documentos e honrarias recebidos por Raphael Mayer, entre os quais podemos citar: um salvo-conduto emitido pelo Palácio da Presidência da República, assinado por Benjamin Vargas, irmão do presidente, expedido em 23 de maio de 1944, nomeando Raphael Mayer “Guarda Pessoal”, com livre acesso ao palácio; o diploma de membro efetivo do Serviço de Saúde da Aeronáutica, expedido pelo Ministério da Aeronáutica em janeiro de 1941; o Diploma de Honra ao Mérito Rural, concedido pelo Instituto Brasileiro de Propaganda e Defesa do Café. Lembramos que a política de defesa do café foi, a partir de 1938, uma das bases da política econômica de Vargas; a medalha Marechal Cândido Mariano da Silva Rondon, que lhe foi outorgada em novembro de 1959 pela Sociedade Geográfica Brasileira, os diplomas que lhe foram concedidos pela União Cultural Brasil-México; pelo Instituto Brasil-Honduras; pelo Instituto Cultural Brasil-Mônaco, com o agradecimento de S.A S. Ranier III; pela Asociación Panamericana de Intercambio Cultural, da Bolívia, com direito ao uso da Cruz de Mérito; uma medalha da Fundación Internacional Eloy Alfaro, do Panamá; muitos diplomas e agradecimentos de entidades católicas, provavelmente em decorrência de financiamentos concedidos por seu banco. Os imigrantes italianos bem-sucedidos financeiramente, buscavam títulos que pudessem ajudá-los a ingressar na sociedade brasileira. Procuravam diferenciar-se dos imigrantes comuns adquirindo títulos nobiliários. Os mais ricos buscavam o Vaticano ou a Casa de Savóia e, em troca de ricas doações, recebiam títulos condais (Matarazzo, Crespi, Siciliano, etc.). Como era impossível para Mayer receber um destes títulos, ele aproximou-se de nobres italianos que alegavam descender da nobreza bizantina e tinham o direito de conferir títulos. Em 15 de fevereiro de 1947, na cidade de Nápoles, ele foi elevado à condição de “Comendador” por Antonio de Curtis dei Griffo-Focas, “Príncipe Imperial de Bizâncio, Porfirogenito3 da Estirpe Constantiniana dos Griffo-Focas, Grão-Mestre Hereditário da Ordem Soberana Militar Angélica Constantiniana”. Esse “príncipe bizantino” era ninguém menos que o comediante Totó4, neto ilegítimo de um marquês e que dois anos antes fora reconhecido como membro dessa estirpe. Mayer recebeu depois um segundo título, “Commendatore”, de outro nobre “bizantino”, Vito Zappalà-Lascaris di Dorilea, “III General e Grão Mestre da Ordem Internacional da Legião de Honra da Imaculada”, em Palermo, a 8 de dezembro do mesmo ano. Culminou, nessa sucessão de títulos bizantinos, sendo nomeado “Conde”, em 1951, por Teodoro Costantino Augusto Giulio Angelo Flavio, Marziano II, “pela graça de Deus Imperador Titular de Constantinopla e de todo o Oriente Romano”.5 O seu brasão condal é assim descrito: “de prata o leão de vermelho, com a faixa azul atravessada, gravado com três meias-luas o campo”. Foram muitas as entidades auxiliadas por Raphael Mayer, entre elas o Hospital Israelita Albert Einstein, o Lar dos Velhos, e a Sinagoga da Abolição. Em muitas das entrevistas que fiz com judeus italianos em São Paulo que haviam fugido das leis raciais de julho de 1938, Raphael Mayer é mencionado várias vezes como uma pessoa sempre pronta a ajudar os seus correligionários nos primeiros e difíceis momentos de adaptação no Brasil. Edda Bergmann, por exemplo, conta que seu pai, Mario Mayer, era funcionário da Banca Commerciale Italiana. Decidiu emigrar para o Brasil após a decretação das leis raciais, impelido pelo fato de que, em 1938, seu irmão, Raphael Mayer, havia alcançado uma posição tal que lhe permitia ajudá-lo a emigrar e, quando chegasse, a encontrar-lhe trabalho. Ele conseguiu emprego na firma Superga, de São Paulo. Como Edda conta, Raphael era amigo de Getúlio Vargas e, ainda antes que fossem promulgadas as leis raciais, Oswaldo Aranha e João Briccolo, diretor do banco do qual Raphael havia se tornado proprietário, pediram a Mario Mayer que fosse encontrá-los em Berna. Nessa ocasião, Mario Mayer foi informado das futuras leis, e convencido a emigrar para o Brasil. Quando o navio Conte Grande atracou em Recife, Raphael Mayer e Oswaldo Aranha, com as respectivas esposas, o estavam esperando e, todos juntos, viajaram para o Rio de Janeiro e depois para Santos. A família de Edda ficou hospedada na casa de Raphael até conseguir acomodações apropriadas. Ettore Baroccas conta... “quando o Brasil entrou na guerra, precisaram transferir a firma para um brasileiro e escolheram para isso o administrador da mesma, o qual os enganou, tendo eles perdido tudo6. Então, Leone Baroccas deixou o seu trabalho por conta própria e, com a ajuda de Raphael Mayer, foi trabalhar como empregado em seu banco e, em seguida, em uma firma de tecidos”. Laura Salmoni, esposa de Giuseppe Levi, em um depoimento feito no arquivo da memória, diz: “tínhamos um primo no Brasil, Raphael Mayer, que era proprietário, em São Paulo, de um banco (Banco Ítalo Brasileiro) e da fábrica de chocolates Lacta”. Esse primo empregou seu marido primeiro na Lacta, para que se familiarizasse com a lingua portuguesa, e depois o mandou para Jaú, distante aproximadamente 100 kms de São Paulo, como diretor de uma das filiais do banco. Bruno Levi citou-lhe várias vezes. Ele conta, por exemplo, sobre a ajuda oportuna do tio, certa vez em que estava para ser expulso do Colégio Dante Alighieri. Nesse colégio, na época fascista, vigorava a obrigação, instituida pelo diretor Attilio Venturi, de fazer a saudação fascista ao entrar. Bruno se recusava a fazê-lo e, denunciado, sem a ajuda de Raphael Mayer teria sido obrigado a mudar de escola. Porém ele permaneceu na mesma e foi dispensado de fazer a saudação, que, para ele que vinha de uma família que fugira do regime nazi-fascista, era ultrajante. A obrigação dessa saudação na escola havia sido abolida por ordem expressa do Presidente da República, em abril de 1938. Evidentemente, o diretor da escola não havia seguido as ordens. De fato, como consta em um artigo do Jornal da Manhã de 11 de março de 1939, (que encontrei no arquivo do Ministério do Exterior em Roma), a ordem foi novamente repetida, após a inspeção feita na escola pelo prof. Eusébio de Paula Marcondes. Desta vez, o prof. Venturi assegurou que “respeitaria, com profunda lealdade, as leis do país”. No livro inédito de Umberto Beer, “Va fuori d’Italia”7, na página 4, está escrito: “... um dia, enquanto eu estavano escritório do sr. Farina, do Banco Francês e Italiano para a América do Sul, aproximou-se sorridente o sr. Raphael Mayer, diretor do Banco Ítalo Bra3 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 3 MAYER Jona Mayer LEVI Regina Valenzin Rafael Girolamo Levi Mario Emma Giuseppe MORPURGO Elvira Guttman Giuditta Abramo Leonello Morpurgo Vittorio Mario Elio Carlo Alberto Maria Zoé Morpurgo Nora Adele Liliana c. Hans Rosenthal Lya Silvana Edda Bergman Guido Gina Giulio Guglielmi Fernanda Lustosa Jonas Franca Finzi Bruno Nora c. Anna Kulikovsky c. Giuseppe Anaw Marilia sileiro, que me ofereceu um lugar em sua firma. E eu aceitei e comecei a trabalhar. (Este sr. Mayer teve grande importância em minha vida, como veremos em seguida. Ele era uma das personalidades importantes do setor bancário: infelizmente, por negócios errados, ele decaiu muito na escala financeira...Para recomeçar a trabalhar, fui novamente ajudado pelo sr. Mayer, o qual me ofereceu a direção de uma pequena fábrica de caixas de papelão que, por estar quase falida, o banco de Mayer havia adquirido. Essa firma havia sido agregada a uma outra indústria de propriedade do banco, a COPAM (Cia. Paulista de Artefactos de Metal), que fabricava armações de celulóide para óculos”. Se sua vida profissional foi, até certo ponto, plena de satisfações, não se pode dizer o mesmo da familiar. Raphael Mayer casou-se, em setembro de 1941, com Emília Frioli, filha do adido cultural italiano em São Paulo. Ele teve três filhos Alberto Jonas Mayer, que morreu com apenas sete anos, de tuberculose; Raphael Mayer Junior, que teve morte violenta aos vinte e três anos e Lia Mayer Lustosa que vive atualmente com dois filhos, Fernanda e Jonas, ambos estudantes universitários. Edda Bergmann mostrou-me um livro que Raphael Mayer mandou imprimir por ocasião da morte do filho Jonas. Trata-se de uma obra sobre o Talmud, intitulada: Seleção de Máximas, Parábolas e Lendas8 Em memória do inesquecível Alberto Jonas, que teria sido educado com a orientação espiritual do Talmud. Aos meus caros filhos Lia e Raffaele, aos quais indico o Talmud como mestre intelectual para a formação de uma alma perfeita. Ao Brasil, terra bendita, na qual encontrei Pátria, Família, Paz. A morte do segundo filho perturbou profundamente Raphael Mayer, que começou a perder o interesse pelo trabalho e pela política. Mas manteve o banco até o fim do governo de Jânio Quadros. Com a renúncia do mesmo, desgostoso com os altos e baixos da política, vendeu a sua empresa para o grupo Bradesco. Livio Paolo 4 O comediante Totó teve uma vida plena de lances rumorosos. Ele nasceu como filho ilegítimo de uma jovem trabalhadora e de um moço pertencente à nobreza, recebendo o nome de Antonio Clemente, porém, com o casamento de sua mãe, ele foi reconhecido pela família paterna, tomando o nome de Antonio Maria de Curtis dei Griffo Focas (Nápoles, 1898 – Roma, 1967), herdando assim os títulos nobiliárquicos pertencentes aos seus ancestrais. Mas Totó fêz o seu nome e fortuna como comediante em vários filmes. 5 Até os reis sem reinos são biografados. Foi difícil mas encontramos a biografia deste obscuro Marziano II, “Basileus Titolare di Costantinopoli, Despota di Nicea e della Bitinia, Gran Duca, Sebastocratore e Patrizio Bizantino, dei Basilei di Trebisonda, Sovrani di Cefalonia e dell´Asia Minore, Erede Porfirogenito, Principe Imperiale e Reale Lascaris-Doukas, Gran Capo della Casa Lascaris, Dinastia IX del S.R.I d´Oriente...” Ele nasceu italiano em 17 de março de 1921, filho de Olga e Prospero Gottardo Lascaris Ventimiglia Lavarello di Turgoville, professor de Direito e Oficial do Exército montenegrino. Sua genealogia (???) inclui um rio, uma ninfa, os Giulli (de Júlio César) e a dinastia bizantina dos Lascaris, mas nenhuma soberania sobre qualquer palmo de terra nos últimos quinhentos anos. Dele há uma fotografia no artigo citado. V. “Imp. Casa “Lascaris” (Relig. Cattolica). Sua Altezza Imperiale Marziano IIº”, em “Anuário Genealógico Latino”, do Coronel Salvador de Moya, vol. 2, 1950, pp. 3-16. 6 Por lei, durante a guerra, de 1942 a l945, todos os bens que estavam no nome de cidadãos do Eixo Roma-Berlim-Toquio, foram temporariamente confiscados. 7 O general Umberto Beer, nasceu em Ancona e morreu em S. Paulo (1896-1979), era filho de Ercole e Adelaide (Camerini) Beer. Foi ajudante de ordens do rei Vítor Manuel III e era um dos soldados mais condecorados do Exército Italiano. Deixou inédita suas memórias: “Và Fuori D´Italia, Doce Pinceladas de Umberto Beer”. 8 Organizada por Moisés Bilinson e Dante Lattes. Tradução de Vicente Ragognetti. Com dedicatória de Raphael Mayer. Edigráfica São Paulo – Rua de Nascimento, 114, São Paulo Notas 2 Raffael Jedidia Mayer, nasceu em Trieste (20-08-1894), filho de Jona e Regina (Valenzin) Mayer, e faleceu em S. Paulo (22-09-1978). 3 Filho do Imperador. 4 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 Anna Rosa Campagnano, autora de “A árvore de Avraham” (1991), diretora do Arquivo Histórico Judaico Brasileiro, prepara uma dissertação de mestrado sobre o bagitto (dialeto dos judeus livorneses) na USP. Meus Ancestrais — os “Judeus do Papa” Jean-Jacques Leopold Monteux I n the XIV century, Avignon, France was the headquarters of the Popes and until 1791 it belonged to the Catholic Church. The jews who came from this town were subject to peculiar legislation, they became known as “the Pope’s jews”. Jean-Jacques Leopold Monteux one of the descendants of these families tells the story of the group, identifying people and their customs. A Genealogia, mais que um passatempo, mais que uma pesquisa-é um tributo; é um ato de amor aos nossos ancestrais. vocar a historia dos Judeus do Papa é relembrar a história milenar do próprio judaismo . Retrocedamos para o ano 66 D.C. quando Eaconteceu a primeira guerra entre judeus e romanos; Jerusalem é tomada por Tito em 70 d.C.; o Templo é destruido tem inicio a segunda diáspora. Lendas e antigas tradições orais nos dão conta de três barcos com exilados judeus que são lançados ao mar. Errando pelo mar Mediterrâneo aportam ao acaso na costa sul da então Gália — atual França — iniciando deste modo as primeiras implantações judaicas em solo gaulês. Essa lenda adquire um contôrno de realidade quando em 1967 junto à cidade de Cavaillon, em Provence , é descoberto um candelabro de sete ramos, que de acordo com H. Morestin “trata-se do mais antigo testemunho de uma presença judaica em Gália”, que pelo seu estilo é datado da segunda metade do primeiro século e cuja peça ,é hoje conservada no museu judaico daquela cidade. A população judaica do sul da França sempre se baseou nessa lenda para provar a sua presença na região desde os tempos mais remotos. René Moulinas em sua obra “Les Juifs du Pape” cita uma petição endereçada em 1808 a Napoleão pela comunidade judaica de Avignon: “O estabelecimento de israelitas em Avignon remonta aos tempos mais antigos e não se distancia muito da época de sua dispersão após a queda de Jerusalém; duas familias existem ainda, que são descendentes daqueles primeiros hebreus” Leopold Jacob Monteux, circa 1920 O primeiro registro formal da presença judaica nessa região , na região de Provence, data de 1178 quando por um ato do Imperador Frederico I do Sacro Império Romano Germânico que detinha o poder sobre as terras da região, a comunidade judaica de Avignon é colocada sob a proteção do bispo local. Após reinados e impérios dominando a região, são os condes provençais que no século XIII detem os direitos sobre as terras do sul da Gália. Afonso, conde de Poitiers ao fazer em 1268, inventário de seu dominio, dominio esse que mais tarde receberia a denominação de Comtat Venaissin , registra a presença judaica nas comunidades de Avignon, Bollène, Bonnieux, Carpentras, Cavaillon, Lapalud, L’Isle-sur-la-Sorgue , Monteux, Mornas et Valréas. Em 1274, as terras do Comtat Venaissin, em decorrência do Tratado de Paris, tem seus direitos transferidos ao Papado. Um acontecimento singular transformou a historia de toda a região: eleito Papa o arcebispo de Bordeaux, Bertrand de Got, sob o nome de Clemente V, decide ficar por algum tempo em Avignon, para se refugiar da agitação constante de Roma. Em 1309 o Papa se instala provisoriamente na cidade. Seu sucessor em 1316 transfere definitivamente a sede do governo pontifício para Avignon. Durante quase setenta anos Avignon será a sede do Papado. A vida cotidiana da população judaica do Comtat Venaissin sob administração pontifical é permanentemente marcada pelo perigo da contaminação doutrinal “que ela representa para os cristãos e em decorrência medidas discriminatórias são aplicadas. As mulheres judias são obrigadas a ostentar um determinado tipo de penteado, enquanto que os homens trazem pregado às suas vestes um símbolo em forma de roda. Em cada localidade de Provence, a comunidade judaica era obrigada a se agrupar em quarteirões específicos, sem no entanto se constituirem ainda em “ghetos”. Relacionamentos entre judeus e catolicos eram rigorosamente proibidos e sujeitos a severas punições. Essas medidas, no entanto, eram muitas vezes quebradas pelos seus próprios autores, ou seja , por papas e cardeais que recorriam sempre que necessário aos serviços prestados pelos talentosos médicos judeus, cuja tecnica fora obtida, não em escolas , mas na experiência da prática diária de sua comunidade. A comunidade judaica, podia naquele momento exercer diversas atividades, tais como: alfaiates; pedreiros; carpinteiro ; padeiros; tintureiros etc. Tinham acesso à propriedade imobiliária , sendo que muitos possuiam imóveis rurais, principalmente vinhedos. Somente era vetado o acesso à função pública, pois isso poderia criar uma condição de superioridade em relação aos católicos. Esse cotidiano, no entanto, iria mudar de forma dramática em decorrencia de acontecimentos externos. Os judeus são expulsos do reino da França por Felipe o Belo em 1394, e em consequência um contingente expressivo vem buscar abrigo nas terras do Papado. O aumento incessante desse fluxo migratório em direção ao Comtat Venaissin representou o início de tensões no seio da comunidade cristã local. Como forma de aplacar os ímpetos antijudaicos de seus fieis cristãos, o Papado criou os primeiros “ghetos” em seus domínios, em 1453. Os problemas se agravam com a chegada de judeus, expulsos da Espanha em 1492 e de Portugal em 1496, os quais encontraram refugio no Imperio Otomano, na Italia e no Comtat Venaissin. Novas medidas discriminatórias são aplicadas. Uma bula papal obrigou aos judeus o uso de um humilhante chapéu amarelo. Para continuar atendendo ao sentimento anti-judaico da população cristã, as autoridades pontifícias determinam que os judeus do Comtat somente 5 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 5 poderão residir em “ghetos” situados nas localidades de Carpentras, Cavaillon, Isle-sur-Sorgue e em Avignon. Essas quatro cidades são designadas por seus habitantes judeus de “As Quatro Santas Comunidades” numa terna lembrança das comunidades de Jerusalém, Safed , Hebron e Tiberíades. Esses “ghetos” recebem o nome de “carriere” cujo significado era rua. O talento e o espirito dos ocupantes dessas quatro comunidades judaicas acabaram por transformar as “carrières” em verdadeiras repúblicas autônomas, perfeitamente estruturadas, dispondo de organismos institucionais, administrativos e financeiros, regidos por uma peculiar forma de constituição interna. A língua falada nas “carrières” é um dialeto em que o hebreu e o provençal se fundem. Diversas peças do folclore judaico-provençal foram escritas nesse dialeto: Cantos de circuncisão ; Pequenas Comédias; A Tragédia da Rainha Ester,etc. Entretanto a vida nessas “carrières” é dificil. Diversas familias ocupam a mesma casa. A saida do “gheto” é permitida somente em horas autorisadas. Para o cristão, a presença de um judeu é considerada ofensiva. Durante a Semana Santa e na passagem de procissões existe a proibição do judeu de sair de sua casa. Muitas das condições humilhantes aplicadas encobre sutilmente um convite à conversão ao catolicismo sempre rechassado pela comunidade judaica. As medidas discriminatórias se mantiveram até a Revolução Francesa de 1789 que anexou à República as terras do Comtat Venaissin pertencentes ao dominio papal. Esse extraordinário evento marcou uma verdadeira libertação para a comunidade judaica das quatro “carrières”, que são são extintas. Após uma participação ativa no movimento revolucionário, os judeus do Comtat tornam-se cidadãos franceses. Tem início a dispersão para outras cidades da região e posteriormente para Paris. A necessidade de controle da população judaica até a Revolução foi tão intensa, que propiciou um legado extraordinário de registros civis. O genealogista francês Michel Mayer-Crémieux assim se expressou : “Felizes os genealogistas que possuem ascendendência judaica no Comtat Venaissin”. Além dos registros pertencentes aos Arquivos Departamentais e Nacionais da França o genealogista poderá consultar os registros civis de Carpentras em hebreu, pertencentes aos Arquivos Centrais para a Historia do Povo Judeu localizados em Jerusalém e que compreende dois volumes: Pinkas Ha-yahas (casamentos, circuncisões e nascimentos) e Hazkarat nefachot (falecimentos). Esses nossos ancestrais, judeus de Provence, apesar das humilhações e provações sofridas souberam preservar sua liturgia, seus modos, seus costumes. Esses homens atendiam pelos nomes de Crémieux , Monteux , Naquet, Vidal, Milhaud, Lunel, Baze, Alphandery, Lisbonne, Mosse, Valabregue, etc. Eles não tiveram papel preponderante na história universal do judaísmo, mas deixaram no entanto, descendentes com brilho invulgar na politica , na literatura, na música e na na defesa de sua pátria, como: • Isaac Adolphe Crémieux (1796-1880). Advogado, Deputado, Senador, Ministro de Estado. Autor da “ Lei Crémieux” que conferiu cidadania franceêsa aos judeus de Argélia. • Alfred Joseph Naquet (1834-1916). Químico e político republicano. Autor da “Lei Naquet”, que regulamentou o divórcio na França (1884). • Pierre Monteux (1875-1964) Maestro das Orquestras: Sinfônica de Paris; Opera de Paris; Metropolitan Opera de New York; Sinfônica de Boston; Filarmonica de San Francisco; London Symphony Orchestra; Concertgebouw de Amsterdam. Introdutor dos Ballets Russos no Ocidente. • Darius Milhaud (1892-1974) Músico com mais de 450 composições. Viveu dois anos no Brasil. Fundamental para a história da música do século XX. • Isaac Gaston Crémieux (1836-1864) Mártir francês — Fuzilado em Marseille. Seu ultimo brado foi “Viva a Republica”. • Armand Lunel (1892). Novelista francês. Autor de várias obras baseadas nos judeus de Carpentras. Uma delas, “Esther de Carpentras”, sobre uma velha peça de Purim provençal, foi musicada por seu amigo Milhaud. • Pierre Vidal-Naquet (1930) — Historiador. Autor de “Os Assassinos da Memória”, dedicado “á memória de minha mãe, Marguerite Valabrégue. Marselha, 20 de maio de 1907. Auschwitz, 2 de junho (?) de 1944. Eternamente jovem”. Esses homens construiram um patrimônio inestimável, classificado hoje de monumento histórico e representado pela sinagoga de Carpentras, cuja primeira construção data de 1367, reconstruida em 1741 sobre as fundações originais e pela Sinagoga de Cavaillon cuja construção data igualmente do século 18. Esses homens jamais abandonaram suas crenças, suas idéias, suas convicções. Esses homens, meus ancestrais, eram os “Judeus do Papa”. REFERÊNCIAS • Alicia Arias-Crémieux — “Quienes fueron los Judios del Papa”, publicado no Boletim nº 10 Toldot, Asociacion de Genealogia Judia de Argentina • Cercle de Genealogie Juive (França) — Documentos • Darius Millaud — “Notes sans musique” (autobiografia). • Elisabeth Sauze-Ministerio da Cultura — França — “Les Synagogues du Comtat “ • Michel Mayer Crémieux — “Mes ancêtres: Les Juifs du Pape” • René Moulinas — “Les Juifs du Pape” (1992) • Thierry Jacob — “Les Juifs du Comtat Venaissin” http://www.chez.com/tjacob ASCENDÊNCIA DE JEAN-JACQUES LEOPOLD MONTEUX LINHA AGNÁTICA G NASCIMENTO ANO NASCIMENTO LOCAL ANO LOCAL I JEAN-JACQUES L. MONTEUX 1936 São Vicente, SP , BR II JACQUES MONTEUX 1899 Paris , 5e, FR ISABEL CARVALHO-OLIVEIRA 1904 Itatiba , SP , BR III LEOPOLD JACOB MONTEUX 1866 Marseille , 13 , FR BLANCHE ESTHER LECLERE 1876 Chantilly , 60 , FR IV JULES DAVID MOSSÉ MONTEUX 1833 Entraygues , 84 , FR ANNA CRÉMIEUX 1834 Marseille , 13 , FR V JOSEPH MONTEUX 1804 Bedarrides , 84 , FR ROUSSE MOSSÉ 1808 Carpentras , 84 ,FR Cavaillon , 84 , FR VI ISAAC MONTEUX 1777 Carpentras , 84 , FR PRECIEUSE MONTELIS 1775 VII BESSALET MONTEUX 1754 Carpentras , 84 , FR NEHUMI MONTEL 1778 VIII ABRAHAM MONTEUX 1722 Carpentras , 84 , FR SARAH MONTEUX Carpentras , 84 , FR Carpentras , 84 , F IX SALOMON MONTEUX 1696 Carpentras , 84 , FR EVA SARAH LISBONNE Carpentras , 84 , FR X EMMANUEL MONTEUX 1679 Carpentras , 84 , FR RACHEL SALON Carpentras , 84 , FR XI ISAAC DE MONTEUX 1650 Carpentras , 84 , FR XII ABRAHAM DE MONTEUX 1620 Carpentras , 84 , FR 6 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 O mistério do Padre Sanctos Saraiva, um “judaizante” na Corte de D. Pedro II Paulo Valadares To list all intelectual activities of the Portuguese Sanctos Saraiva (1834-1900) is fascinating: Botanist, mineralogist, philologist and catholic priest. Two instants are interesting in his biography. He was asked by D. Pedro II, brazilian monarch, to evaluate his knowledge of hebrew, establishing a lasting friendship between them. He was a descendant of portuguese new-christians, later he abandoned the catholic priesthood Padre Sanctos Saraiva foi uma celebridade no Brasil nas últimas O décadas do séc. XIX, pois era uma “figura singular de erudito, sacerdote (ou ex-sacerdote), filólogo, cientista, professor, poeta, polemista, tradutor e exegeta”, como enumerou suas atividades o jesuíta Arthur Rabuske, um de seus biógrafos1. Sua singularidade estava não apenas no enorme leque de interesses que ele pesquisava, mas também em sua própria figura misteriosa, de quem se dizia ser filho de um rabino sírio, ter vivido em locais e situações tão diferentes, conviveu com orientalistas em Londres, discutiu hebraico com D. Pedro II, colheu plantas e minerais na Serra da Cantareira. Pregou para bispos e viveu como rústico agricultor no interior de Santa Catarina. Hoje ele é uma figura quase ignorada no ambiente intelectual brasileiro. Nosso interesse é recuperar este personagem para a história cultural brasileira e devolver aos cristãos-novos portugueses um de seus vultos mais interessantes. ram com filhos de Mestre Thomaz da Victória, “Rabino q[ue] lhe ensinava a sua seita” e que são troncos de uma farta descendência com este apelido Saraiva ou Cardoso, espalhada pelo nordeste de Portugal4. A lista dos “99 chefes de família” atingidos pelo pogrom de Vila Nova de Fózcoa, composta por António Joaquim Ferreira Pontes, trás entre eles membros desta estirpe5. António José Saraiva (1917-1993), autor de “Inquisição e Cristãos-Novos” reconhecia-se como sendo de origem judaica6. Creio que o Padre Sanctos Saraiva viesse desta mesma origem. Não tenho ainda a ligação entre uma e outra linhagens, mas os indícios que tenho apontam nesta direção. Quem era Sanctos Saraiva. Francisco Rodrigues dos Sanctos Saraiva nasceu em Vila Seca de Armamar, na região de Lamêgo, em 22 de fevereiro de 1834, filho do “rabbino hespanhol da Syria” António dos Sanctos Saraiva e Anna Rita Rolla. Esta é a informação consagrada que com o passar dos anos e desídia dos pesquisadores tornou-se a verdade oficial. Estranhando o caso de judeu sefardita retornar a Portugal, os magrebinos são exceção, e ignorando a existência de uma família Saraiva no Império Otomano, fomos a pesquisa e encontramos, graças a ajuda de Maria das Dores Almeida Henriques e Maria Dulcinéia B. Cabral de Sena, o seu certidão de batismo no Arquivo Distrital de Viseu. O certidão de batismo é o principal documento individual do mundo ibérico até a proclamação das repúblicas. Com a união da Igreja e Estado, o batismo católico é a porta para o ingresso na cidadania plena. Para o genealogista ele é importante pois trás, a data e o local do nascimento, os nomes dos pais e avós, também os padrinhos, identificando suficientemente o personagem. No caso de Sanctos Saraiva, confirmou-se parcialmente o seu aniversário, apenas o ano é diferente, ele nasceu em 1831. O dados genealógicos são descritos pelo documento: “filho de António dos Santos, Mesão Frio, Mondim (outro nome é ilegível) e Ana Rita. Nepto paterno de Joaquim dos Santos, Jeronima de S. José da freguesia de Mondim e materno de José Rodrigues Saraiva e Anna Cardoza desta freg[uesi]a”2. O que se percebe nesta documentação é que Sanctos Saraiva é filho e neto de portugueses. Nada nos autoriza a tomar como legítima a versão do “rabbino syrio”, pois nos parece a criação deste ancestral mítico apenas uma forma de desvencilhar-se do passado católico ou legitimar-se como hebraísta. A família Saraiva tem origem em Trancoso, difundindo-se por migração de seus membros por toda a região, sendo muitas vezes reconhecidos como cristãos-novos3. O mais importante destes ramos é a família Saraiva, inicialmente de Mesão Frio, depois estabelecida em Barcelos, começada por dois irmãos cristãos-novos, que se casa- Outra família Saraiva, ou outro ramo da mesma, foi para Amsterdã onde trocou de nome7. O mais famoso deles foi o comerciante Duarte Saraiva (1570-1650), nascido em Amarante, que na comunidade holandesa era conhecido como David Senior Coronel — a ele foi dedicado o livro “Conciliador” do rabino Manasseh ben Israel8. David Senior Coronel era um homem muito rico e viveu também no Recife Holandês. Flávio Mendes Carvalho, autor de “Raízes Judaicas no Brasil. O Arquivo Secreto da Inquisição”, afirmava que a 7 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 7 família cearense Saraiva Leão, da qual fazia parte, descendia de um irmão do parnas (dirigente comunal) holandês9. Porém na Diáspora sefardita este nome não prosperou, sendo encontrado apenas entre os judeus de Hamburgo. Ahasveros Usando a imagem literária de Ahasveros, pode-se afirmar que Sanctos Saraiva foi também uma espécie de “judeu errante”, ele viveu em dois continentes, quatro paises e em muitas cidades. Nascido em Vila Seca de Armamar, morou em Lamêgo, estudou na Universidade de Coimbra, onde teria cumprido um doutorado em “Teologia e Direito”, ao que parece em 1850. Sua formatura teria coincidido com a revolta da “patuléia”, quando então ele expatriou-se para Londres, onde especializou-se nas áreas que lhe dariam notoriedade. “D´essa convivência com o mundo scientífico londrino, onde pontificavam sabios orientalistas hebreus, surgiu a multiforme cultura d´esse homem, que estava fadado a maravilhar os seus contemporâneos com o seu saber’10. De Londres, ele foi a Roma, e usando os contatos que fizera na Inglaterra, recebeu a direção de uma paróquia no Brasil. Em 1860, por falar inglês, é nomeado capelão da “Companhia de Mineração Morro Velho” em Minas Gerais. Ele ficou pouco tempo na região, pois assustado com a intolerância do clero mineiro, mudou-se para o Rio Grande do Sul, onde assumiu em 23 de junho de 1862 como “vigário encomendado” da Paróquia de S. Francisco de Paula de Cima da Serra, apesar de caráter inamovível do seu cargo, cinco meses depois já estava na Paróquia de S. Sepé. Nos pampas ele vive várias aventuras: “viajava elle de S. Gabriel para S. Sepé, quando, no penetrar em uma casa de negócio, á beira da estrada, afim de comprar alguma coisa, appareceu um individuo de má catadura, que, de um modo brutal, atirou uma moeda sobre o balcão, dizendo ao dono. — Dê-me dois vintens de cachaça! Sendo-lhe offerecida a bebida o padre Saraiva recusou e agradeceu. O gaúcho insistiu, e ainda nova recusa. Nâo notára aquelle que o dono do negócio lhe piscava o olho para que aceitasse. O tal homem voltou á carga: — Pois há de beber, por bem ou por mal! Sem perder a presença de espírito, o padre Saraiva sacou de uma pistola, e encostou o cano ao peito do valentão, dizendo-lhe: Monte a cavallo, e já! E desappareça d´estes sítios” 11. O bandido que era conhecido por ter cometido alguns homicídios fugiu frente a firmeza do barbudo misterioso. Em 1865 ele retornou a Portugal onde permaneceu por cinco anos, ao que tudo indica, passou este tempo estudando nas bibliotecas locais. Nesta época mantém relações com o historiador Alexandre Herculano, autor de “História da Origem e Estabelecimento da Inquisição em Portugal”. Voltou ao Brasil em 1870 para o Rio de Janeiro, onde mantém contatos com o Imperador. É nomeado reitor do Colégio Dom Pedro d´Alcântara, em Botafogo, com trezentos alunos. Em 1875 vai para o interior de Santa Catarina, onde adquire uma propriedade rural e labuta incognito até 1891. É o lugar onde viveu por mais tempo. Dalí vai a Pelotas, no Rio Grande do Sul, onde lecionou em dois colégios “Ateneu Pelotense” e “Colégio Evolução”. Em 20 de maio de 1892 chegou a S. Paulo, onde a convite de G.W. Chamberlain, lecionou na “Escola Americana” e no “Mackenzie College”. Na Corte de D. Pedro II No período em que Sanctos Saraiva viveu o seu apogeu criativo, o Brasil tinha como chefe de Estado, D. Pedro II, que mantinha no Rio de 8 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 Janeiro a Corte política, ao mesmo tempo em que estimulava um ambiente intelectual. D. Pedro d´Alcântara, como ele preferia ser chamado durante os trabalhos eruditos, era o que se podia chamado de “orientalista”. Ele falava, lia e escrevia em hebraico. Frequentou sinagogas na América e na Europa, numa delas chegou a fazer aliá, lendo a Torá na Sinagoga Central de Londres, em Upper Street, convidado pelo rabino Barnett-Myers. Participou do “III Congresso de Orientalistas de S. Petersburgo” (1876), onde discutiu as inscrições do rei moabita Méscha, os Samaritanos e a primitiva toponímia do Eretz Israel. Terminou por fazer uma peregrinação a Terra Santa, visitando a Jerusalém, Belém, “onde colhi umas florzinhas em memória de Rute”12. Havia mesmo um filosemitismo latente na Corte que culminou com o engenheiro André Rebouças, propondo a criação de um Estado Judeu na região de Palmas, no Paraná, em 1889. Segundo o próprio D. Pedro d´Alcântara, ele começou aprender hebraico com o “judeu sueco” Leonhard Akerblom13, Cônsul dos Paises Nórdicos no Brasil, e que foi sucedido nesta função por professores exclusivos, um deles, o alemão C.F. Seybold, acompanhou até o último dia de vida do monarca brasileiro. Assim com professores particulares ele foi aprendendo a seu hebraico, até que um dia resolveu fazer uma avaliação do progresso destes estudos, já conhecendo a fama do Padre Sanctos Saraiva, convidou para que este fosse ao Paço de S. Cristovão, onde recebeu em audiência privada. Quem conta é Eliézer dos Sanctos Saraiva, filho do erudito. “Depois de se ter excusado receber a quem quer que fosse, D. Pedro, mandando que o introduzissem no seu gabinete de estudo, disse-lhe: — Agora o sr. é o padre Saraiva e eu D. Pedro: nada de formalidades, vamos conversar, e diga-me com franqueza, o que pensa de meus estudos. Durante cêrca de duas horas estiveram ambos em amistosa palestra, que versou sobre questões philologicas, sobre o hebraico de que o monarcha era apaixonado cultor e sobre os meios de interpretar os textos mais complicados das linguas orientaes. Depois d’este encontro, o imperador, por varias vezes em conversa com seus intimos, enalteceu os meritos invulgares do padre Saraiva, dizendo que nunca se lhe tinha deparado vulto mais extraordinario e eminente, sem exceptuar os mais celebres sabios da Europa”14. As entrevistas se sucederam entre o monarca e o sacerdote. Sempre tendo como mote o estudo do hebraico. Saraiva escreveu inclusive uma monografia, defendendo o idioma bíblico: “Acerca da necessidade e utilidade das línguas bíblicas no Império do Brasil, como poderoso auxiliar das ciências eclesiásticas e da filologia”. A amizade sincera entre ambos ultrapassou o campo político. Tanto que após um atentado a vida do Imperador, o republicano Saraiva manifestou-se contra o atentado, e quando da Guerra do Paraguai, o pacifista Saraiva compôs um poema em hebraico para celebrar o Imperador. Este poema ainda inédito, foi descoberto por Reuven Faingold quando selecionava material para um exposição sobre as relações do monarca brasileiro com os judeus, e chama-se “Lashilton shel Brasil — Petrus Beit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvul Hamilchama al Paraguai” (Ao Governo do Brasil – Pedro II: Poema para o Dia da Recordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai)15. Nesta passagem pelo Rio de Janeiro ele pesquisou e escreveu o principal trabalho de sua bibliografia, que é o “Novíssimo Dicionário Latino-Portuguez, etymológico, psosodico, historico, geographico, mythologico, biographyco, etc...redigido segundo o plano de L. Quicherat...Rio de Janeiro – BML. Garnier”. Ele não está datado, mas acredita-se que foi impresso em Havre em 1881. Considerado pelos especialistas como o melhor escrito sobre o assunto. No final de sua vida ele redigia um “Dicionário Etymologico da Lingua Portuguesa”, no qual só chegou a letra “A”. Conflitos O ex-padre Sanctos Saraiva foi produto do meio cristão-novo. Muito religioso, ligado ao Transcendente não pode efetivamente ser um “sacerdote”, pois a sua crença não era a crença de sua religião. Nâo lhe adiantou a formação sacerdotal católica, pois ele não se convenceu desta crença. Por volta de 1875 ele abandonou definitivamente o sacerdócio e o catolicismo. Mas não se filiou a nenhuma igreja protestante, porém manteve com os presbiterianos boas relações intelectuais, e o seu filho único, recebeu um nome vetero-testamentário, Eliézer, cuja escolha reflete a sua trajetória peculiar. Já que o primeiro Eliézer, originario de Damasco (talvez uma projeção do mito do “rabbino syrio”), abandonou a idolatria, para reconhecer a verdade monoteísta, tornando-se homem de confiança do patriarca Abraão16. “campanha obscurantista, que mira jungir definitivamente o Brasil ao solio papal”, conforme a prosa arrevesada de Mattathias Gomes dos Santos, vice-presidente da Colligação Nacional Pro-Estado Leigo, assustado com a aproximação entre o Estado Novo e a Igreja Católica. Uma reação que culminou na lei apresentada pelo deputado Jorge Amado, descendente de cristãos-novos sergipanos, reconhecendo a liberdade de cultos religiosos, no final da década de quarenta. Sanctos Saraiva deixou escritos que não foram publicados e outros se perderam no anonimato de publicações obscuras do interior do país. Mesmo assim é possível encontrar em sua bibliografia alguns títulos que remetem a sua condição de “judaizante”. São poemas que estão na periferia do judaísmo, mas que fazem parte desta herança cultural. São eles; “Cântico de Moysés” (1863), “Poema sobre a Terra Santa” (1864) e principalmente “Harpa d´Israel” (1898), uma tradução tirada diretamente do hebraico e comparada com a versão de Antonio Pereira de Figueiredo. A estes deve-se acrescentar uma tradução que ele fêz do “Livro de Hhanokh”18, cuja autoria é atribuida ao rabino Aharon HaLevy. Final Francisco Rodrigues dos Sanctos Saraiva morreu no Hospital Samaritano em S. Paulo, em 3 de junho de 1900. Mas o seu corpo foi levado para Santa Catarina, onde foi sepultado ao lado de sua companheira Ana Felícia, mãe do seu filho Eliézer19. Deste modo, quase sorrateiro, terminou a vida desta figura tão peculiar. Mesmo assim é possível encontrar na sua trajetória alguns traços comuns a tantas biografias de cristãos-novos anônimos, que sem acreditar nos dogmas católicos, inconformados com a hegemonia da Igreja, mas sem acesso ao Judaísmo, procuraram outras saidas religiosas, atraidos pelo Protestantismo histórico, onde levaram suas convicções, dando a este, um caráter filo-semita. Outros, como Sanctos Saraiva, foram educados como católicos, flertaram com o Protestantismo, enfim não foram judeus, nem cristãos integrais, apenas cristãos-novos ou juif en potentiel, como na classificação de I. S. Revah. Notas “Lashilton shel Brasil — Petrus Beit: Shira Leiom Hazikaron kol Umah begvul Hamilchama al Paraguai” (Ao Governo do Brasil — Pedro II: Poema para o Dia da Recordação de toda a Nação na Guerra do Paraguai) Sua despedida do sacerdócio foi registrada num manifesto de título agressivo, “O Catholicismo Romano ou a Velha e fatal Ilusão da Sociedade” onde ele formulou suas idéias religiosas, escrito em 1888 e republicado em 193217. Este livro foi reeditado como uma reação a 1 “Francisco Rodrigues dos Santos Saraiva: Algo de sua vida e obra, máxime no Rio Grande do Sul e em Santa Catarina”, em Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina”, 3a fase, nº 5, 1984, pp. 119-157. Agradeço a Sra. Arina Lopes Vieira, de Imaruí, e ao Dr. Mário Gentil Costa, Florianópolis, a cessão de grande parte da bibliografia sobre o nosso personagem. 2 Arquivo Distrital de Viseu, fl. 30/30, v., maço 17, nº 1, freguesia de Armamar (1831). 3 João Nunes Saraiva, nascido em Trancoso, foi banqueiro de Felipe IV. Denunciado como judaizante participou de dois autos-dafé. V. “El Proceso Inquisitorial de Juan Núñez Saravia, banquero de Felipe IV” , de Antonio Domínguez Ortiz, Hispania (Tomo XV, nº LXI, Madrid, pp. 559-581). 4 Luís de Bivar Guerra, “Lista dos judeus q[ue] se baptizaram em Barcellos e das gerações q[ue] delles procedem” (Armas e Troféus, II Série, Tomo 1, 1960, Lisboa). No título “Da Casa do M[estr]e Thomaz Rabino” (pp. 286-291) ele reconstruiu seis gerações da família Saraiva. A onomástica é semelhante a da família do Padre Sanctos Saraiva. P.ex., Filipa Cardosa, filha de um Saraiva, casou-se com Francisco Rodrigues e tiveram filhos, netos e bisnetos com o sobrenome Saraiva (séc. XVI e XVII). 5 O pogrom de Vila Nova de Fozcoa atingiu os cristãos-novos desta cidade e foi descrito por um dos autores que registrou o fato assim: “Escorraçando as que não tinham sido varejadas pelas balas, como a do barão de Vila Nova de Fozcoa, as dos Campos Henriques, dos Lopes Cardoso, dos Cavalheiros, dos Campos, dos Almeidas, dos Navarros, dos Margaridos, dos Saraivas, dos Tavares. O exodo é em massa, tal qual nos tempos de Israel sob a lança dos filisteus. Das noventa e nove famílias foragidas, no 9 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 9 6 7 8 9 10 11 12 13 terror do ferro e do fogo, umas acolhem-se aos concelhos de Além Douro, outras poisam mais longe, no Porto e em Lisboa”. Cf. Sousa Costa, “ Páginas de Sangue. Brandões, Marçais & Co.” (1919), p. 200. Veja também, J. Silvério de Campos Henriques de Andrade, “A quadrilha dos Marçais”, p. 265. Carlos Cãmara Leme, “Eu sou Israelita”, em Jornal Público/Fim de Semana (Lisboa, 01-02-1991) Nos registros de casamentos da comunidade holandesa há um só Saraiva constando daquele rol. É Mozes Isaac Saraiva, que se casou com Rachel David Jessurun, em 20 de Siwan de 5449. V. “Handleiding bij de index op de Ketuboth van de PortugeeIsraelietische Gemeente te Amsterdam van 1650-1911”, organizado por D. Verdoomer e H.J.W. Snel. O livro era dedicado aos “Nobilissimos, y magnificos señores, ...David Senior Coronel; ...Doctor Abraham de Mercado;. ..Jahacob Mvcate; ..Ishac Castanho; Y mas Señores de nuestra nascion, habitantes en el Recife de Phernambuco” (1651). Flávio Mendes Carvalho (1954-1996) foi neto materno de Osmundo Saraiva Leão. V. Obituário, em Gerações/Brasil, novembro/96 e abril /97, vol.3, 1 e 2, pp. 13-4. Eliézer dos Sanctos Saraiva, “O Sabio das Picadas” (1939), p. 15. Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 17. O diário imperial desta viagem foi publicado por Reuven Faingold sob o título “D. Pedro II na Terra Santa. Diário de Viagem – 1876” (1999). Leonhard Akerblom (Solleftea, 1830 – 1896), filho de Carl Magnus e Catharina Margareta (Eneroth) Akerblom, era Doutor em Filosofia pela Universidade de Uppsala. Ele começou a carreira diplomática representando os paises nórdicos no Brasil e terminou sua carreira como “generalkonsul” da Suécia em Lübeck Akerblom foi casado 14 15 16 17 18 19 com a brasileira Louise Marie Josephine Meyrad, como teve uma filha, Marie Louise (1869), que se casaria com o médico Hans Naegli, de Genebra. Marie Louise Ingeborg Naegli, nascida em 1894, foi a última descendente de Akerblom. V. Axel Paulin, “Svenska öden i Sydamerica” , pp. 150-3. Nele há uma fotografia de Akerblom e afirma que ele não era judeu. Agradeço a Nair Pacheco e Maillie Fjalgren, da representação diplomática sueca pelo auxílio bibliográfico; a Ian Hamilton (Genealogiska Föreningen, Estocolmo), a Ulf Goranson e Hakan Hallberg (Uppsala Universietsbibliotek), por outras informações e contatos. Eliézer dos Sanctos Saraiva, ob. cit., p. 20-1. Exposição iconográfica: “Luzes do Império. D. Pedro II e o Mundo Judaico” (S. Paulo, 1999), Prof. Reuven Faingold (Curador), catálogo, pág. 17. (“Ele é socorro”, Bereishit, 15:2), outros nove personagens bíblicos reeberam o mesmo nome, inclusive um filho de Moisés e um profeta. Há um exemplar na Biblioteca Mário de Andrade (S. Paulo) e que trás um carimbo curioso: “Livraria do Globo. L. Marrano (...)” Jornal do Comércio, Desterro, dezembro de 1888 Eliézer dos Sanctos Saraiva nasceu em Picadas do Norte, S. José, 13 de novembro de 1879 e morreu em S. Paulo, em 19 de junho de 1944. Formado engenheiro, trabalhou no Observatório Astronômico de S. Paulo e lecionou idiomas no Mackenzie College. Dirigiu uma escola chamada “Instituto Sanctos Saraiva”, onde Oswaldo Aranha e Marcondes Filho foram seus alunos. Autor de “O sábio das Picadas”, uma biografia paterna. Pertenceu ao Instituto Histórico e Geográfico de Santa Catarina. Casado com Lígia “dos Sanctos Saraiva”, não teve filhos. Agradeço a Adonias Costa da Silveira (Instituto Presbiteriano Mackenzie, 08-07-1997) pela ajuda em compor a biografia deste personagem. Genealogia Pelo Mundo Genealogists` Magazine é a revista editada pela Society of Genealogists (14 Charterhouse Buildings, Goswell Road, London EC1M 7BA), cujo presidente é S.A.R. Príncipe Michael de Kent, KCVO. No número de dezembro de 2000 há um belo artigo de Brian Vale sobre os “British sailors and the Independence of South America” Durante este período 200 oficiais e 3000 marinheiros defenderam bandeiras sul-americanas. O caso brasileiro é um dos mais interessantes, dos 46 navios de guerra do país, 14 eram comandados por britânicos. Entre 1825-28, tempo da guerra com Argentina, 1200 marinheiros da mesma origem guarneciam as naves brasileiras. A Argentina também possuia em seus quadros outro tanto de britânicos. Tanto que o Embaixador inglês no Rio classificou o conflito como “a war betwixt Englishmen” . Vale nomeia 60 oficiais britânicos que serviram no Brasil entre 1822 a 1850:A. Anderson, C.J. Appleton, W. Blakeley, G. Broom, L. Brown, D. Carter, A. Challes, S. Chester, F. Clare, G. Clarence, S. Clewley, T. Cochrane, G. Cowan, T. Craig, V. Crofton, T. Crosbie, F. Drummond, W. Eyre, D. Fubbs, S. Gillet, J. R. Gleddon, J.P. Grenfell, B. e R. Hayden, T. Haydon, W.J. Inglis, W. January, B. Kelmare, W.MacErwing, R. Mackintosh, D. Macreights, G. Manson, W. March, C. Mosselin, R.N. Murphy, E. Newton, J. Nichol, J. Norton, G. W. Oudsley, W. Parker, T. Poynton, A. Reid, C. Rose, J. Sewell, J. Shepherd, R. Steel, G. Strickland, J.V. Taylor, J. e T. Thompson, J. Wallace, C. e J. Watson, M. Welch, J.H.B. White, J. Williams, B. Bourwill, R. Wright e C. F. Yell. Para a Guerra da Argentina: C. Adams, R.T. Bell, C. Browning, A. Heart, R. Montgomery, J. Morrow, T. Reed, E.Ruxton, M.Smith, 10 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 G. Strickland, R. Usher e D. Williams. O uso de oficiais estrangeiros nos exércitos de libertação não era algo tão incomum. Mesmo os EUA contavam em suas fileiras com o francês Lafayette e o alemão De Kalb, dentre tanto outros militares. Argentina Genealogia Argentina. A Asociacion de Genealogia Judia de Argentina é uma das mais ativas sociedades genealógicas em atividade. Além de palestras sobre o tema ela publica uma revista chamada TOLDOT (“Generaciones”), que é distribuida aos sócios, trazendo o resultado de suas pesquisas. Ela já está no número 14. Sempre oferecendo material diversificado e de alta qualidade. A junta governativa da AGJ Argentina é composta por: Paulo Armony (Presidente); Hector Mondrik (Vice-presidente); Silvia B. de Adaszko (Secretária); Marcelo Benveniste (Protosecretário); Gustavo Wengrovski (Tesoureiro) e Mónica E. de Benatuil (Protesoureira). O endereço é Juana Azurduy, 2223, Piso 8 (1429) Buenos Aires, Argentina. Ou [email protected] – http: //www.agja.com.ar Brasil O Colégio Brasileiro de Genealogia (Av. Augusto Severo nº 8-12. 20021-040, Rio de Janeiro, RJ) que está festejando o seu “Ano do Cinqüentenário”, elegeu em 11 de fevereiro de 2000 a sua junta governativa para o biênio 2000-2001: Paulo Carneiro da Cunha (Presidente), Victorino Chermont de Miranda (Vice-presidente), Nelson Vieira Pamplona (Primeiro-secretário), Atila Augusto da Cruz Machado (Segundo-secretário), Roberto Guião de Souza Lima (Primeiro-tesoureiro), José Ubaldino Motta do Amaral (Segundotesoureiro), Frieda Wolff, Roberto Menezes de Morais e Christovão Dias de Ávila Pires Jr (Conselho Fiscal). PROCESSO Nº 2742, ANO DE 1618, DO TRIBUNAL DO SANTO OFÍCIO, INQUISIÇÃO DE LISBOA, CONTRA INÊS HENRIQUES DE LEÃO, SOLTEIRA, CRISTÃ-NOVA, NATURAL DA CIDADE DO PORTO. Rubens R. Câmara The inquisitorial processes document the persecutions that the judaizing new-christians suffered. It is possible to read the physical description of the accused, his genealogical relationship and his habits. Rubens R. Câmara took the process No. 2742 of 1618 against Inês Henriques de Leão and explains all the steps of the judiciary process which was common to all others. Inês Henriques de Leão belongs to an important jewish family. She is related to the Aboabs and a cousin of the philosopher Baruch de Espinoza. 1. O processo movido pelo Tribunal do Santo Ofício contra Inês Henriques de Leão tem, em linha gerais, a seguinte estrutura: a) Termo de Entrega da ré à Inquisição de Coimbra b) Inventário dos bens c) “Culpas” [Imputações] d) Genealogia da ré e) Audiências de inquirição e admoestações f) Libelo g) Procuração do defensor h) Contestaçao e contradita das testemunhas i) Confissões, admoestações e contradição j) Libelo “diminuto” [Aditamento] k) Confissões e admoestação l) Novo libelo m) Audiência de “tormento” [Tortura] n) Sentença condenatória o) Abjuração p) Termo de Segredo q) Contas r) Termo de Soltura 2. A primeira peça do processo é o “Termo de Entrega” da ré à Inquisição de Coimbra: “Aos quatorze dias do mês de outubro do ano de seiscentos e dezoito nesta cidade de Lisboa nos Estaus e Cárceres do Santo Ofício desta cidade, foi entregue Inês Henriques de Leão, cristãnova, solteira, filha do Licenciado Luis Gomes de Leão, por um oficial da Inquisição de Coimbra, o alcaide destes Cárceres Heitor Teixeira, nele se deu por entregue e como assim fez, assinou este termo e sendo assinado se lhe não achei nada contra o regime, eu Francisco de Sousa escrevi.” 3. A seguir vem o “Inventário” dos bens que a ré possuía, declarando que origem desses bens era, em parte, proveniente de Florença, onde seus pais faleceram e de onde viera há cerca de sete ou oito anos, e outras peças eram presentes de seus avós e parentes. Ao final, declarou que não possuía bens de raiz. Há nessa parte há uma descrição detalhada desses bens, na verdade, uma grande quantidade de jóias, englobando metais e pedras preciosos. São descritos anéis, brincos, colares, gargantilhas, pulseiras e outras peças, sendo a maioria de ouro com diamantes, rubis, esmeraldas ou pérolas incrustadas. Havia também um relicário de ouro com motivos religiosos católicos, ou seja, com imagem de Nossas Senhora de um lado e Santa Catarina, de outro. 4. As imputações contra a ré, nos autos denominadas de “Culpas”, são constituídas por vários traslados de depoimentos constantes em processos da Inquisição contra outros cristãos novos, a maioria parentes da ré, que a incriminavam. O primeiro desses traslados é relativo ao processo contra um tio da ré, Luis da Cunha: “Do processo de Luis da Cunha, cristão-novo, médico na cidade do Porto, o qual foi preso e recolhido nos cárceres do Santo Ofício da Inquisição de Coimbra ao primeiro dia do mês de setembro do presente ano [1618] e aos seis dias do dito mês e anos pedia audiência e começou por confessar suas culpas e desta ré entre outras coisa o que se segue: Aos seis dias do mês de setembro de mil e seiscentos e dezoito anos em Coimbra na ca- Baruch de Espinoza, primo de Inês sa do notário da Santa Inqui- Henriques de Leão sição, estando ai o senhor Simão Barreto de Meneses, Inquisidor, em audiência pela manhã, mandou vir perante si um homem que viera preso do Porto para estes cárceres e sendo presente, para em tudo dizer a verdade, lhe foi dado juramento dos Santos Evangelhos em que ele pôs a mão e sob encargo dele prometeu dizê-la e disse que se chama Luis da Cunha, doutor em medicina, da cidade do Porto, casado com Florência Dias, cristã-nova, da mesma cidade e que ele é de idade de 39 anos. Disse entre outras coisas que havia onze anos, pouco mais ou menos, não se lembra o mês, nem a era certa, nesta cidade de Coimbra em casa de seu irmão Antônio Dias da Cunha, estando ele confitente com Inês Henriques, sua sobrinha, filha de sua irmã Maria da Paz e de Luís Gomes Leão, seu cunhado, ambos defuntos, ele confitente e a dita sua sobrinha se deram conta um ao outro, não se lembra a que propósito, nem quem começou a prática, de como criam e viviam na Lei de Moisés e nela esperavam se salvar, e que então 11 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 11 não falaram mais, porém daí por diante se ficaram conhecendo e tratando como judeus e se declaravam por tais quando havia ocasião para isso. Aos costumes, disse nada.” Os demais depoimentos trasladados para os autos contêm praticamente as mesmas declarações, variando um pouco a época, o local e as pessoas envolvidas que, como diziam, se davam conta umas às outras de como criam e viviam na Lei de Moisés e nela esperavam se salvar. Há, num ou outro depoimento, relatos sobre como observavam o Sábado, jejuavam em datas especiais e acendiam candeeiros às sextas-feiras ao pôr do sol. Além do depoimento de Luís da Cunha, foram trasladados também os das seguintes pessoas: Diogo de Pina; Paulo Lopes, tio da ré; Francisco Rodrigues Villa Real; Grácia Vaz; Lucrécia Machado, prima da ré; Antônio Vaz, filho de Thomé Vaz e irmão de Florência Dias, mulher de Luis da Cunha; Felipa de São Francisco, freira e tia da ré; Inês Henriques, avó da ré; João Batista e sua mulher Camila Dias; Isabel Nunes, mulher de Álvaro Annes e Florência Dias, mulher de Luís da Cunha. A quase total literalidade dos depoimentos deveu-se a um possível arranjo que os confitentes engendraram para miminizar as conseqüências desse processos contra si e outros de sua progênie. Nesse sentido, aponta a “denunciação que fez Heitor Teixeira, Alcaide destes Cárceres, a qual está no processo de Miguel Soares”, que disse ter ouvido fragmentos de uma conversa entre a ré e Miguel Soares: “...e denunciando disse que ontem, dois deste presente mês e ano [dezembro de 1618], às horas de jantar, indo ele para a vigia, ouviu falar Inês Henriques de Leão com Miguel Soares, marido de Maria de Sousa, presos que estão no lado do corredor do meio velho, ela na oitava e ele na nona casa, ficando ao meio a porta do dito corredor da vigia, que não se abre pela banda de dentro; ele não tem companheiro, ela, uma velha que se chama Catarina Henriques; porquanto ele testemunha ouviu que se falavam, se chegou à dita porta do corredor e se pôs a escutar; conhecendo-os bem na fala, ouviu o que estavam falando, ela dando-lhe conta do que se passara naquela manhã na mesa, como quem se aconselhava e ele respondendo-lhe; o que foi dito por Miguel Soares entendia ele testemunha melhor porque falava mais alto, [...], ouviu deles os seguinte: Já que tendes confessado, o que nos querem mais? E ela respondeu algumas palavras que ele testemunha não percebeu mais que a última delas na seguinte forma: E pedem mais pessoas. [...], que na mesa lhe diziam que ela fora judia mais tempo que tinha confessado e que lhe falavam em mais cerimônias; o dito Miguel Soares respondeu falando mais alto como falava e de maneira que ele testemunha entendeu o seguinte: Não sei, logo, o que mais nos querem, se ainda não estão contentes e nos querem mais, confessai embora mais tempo que há dois anos mais ou o que quiseres que críeis em Deus dos Céus e que tiráveis da lampreia o quarto traseiro, mas mais pessoas, contudo, não lhe deis nenhuma; confessai ‘diminuta’ que assim é bom; eles tomam nos por um dedo e por ele nos levam a mão toda e depois o braço, assim nos pescam todo o corpo e depois que nos têm de dentro, fazem-nos espremer; eu se soubera quem aqui me meteu houvera lhe de dar mil estocadas pelo coração...” Confessar “diminuta” significava admitir menos culpas do que as imputadas à pessoa. Por outro lado, fica patente a estratégia de admitir cerimônias e ritos, sem contudo dar novos nomes à mesa inquisitorial. 5. A seguir, trata o processo da genealogia da ré: “disse que se chama Inês Henriques de Leão, cristã-nova de vinte e dois para vinte e três anos, porquanto parecesse de mais, natural e moradora na cidade do Porto, e que seu pai se chama Luís Gomes de Leão, letrado, pensador, que morreu em Florença; e sua mãe, mulher de seu pai, Maria da Paz, também lá morreu; 12 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 ele, natural de Lisboa; ela, do Porto, donde se foram para Roma, e de Roma para Florença; e que seus avôs paternos se chamaram Antônio Gomes e Isabel Gomes, já defuntos, e não sabem onde viveram; e seus avós maternos se chamam Lopo Dias da Cunha, físico no Porto, e Inês Henriques; e não tem outros antepassados, nem lhe sabe o nome e que da parte de seu pai não tem tio, nem tia; e da parte de sua mãe, tem três tios e três tias e que se chamam: Antônio Dias da Cunha, cônego em Coimbra; Luís da Cunha Henriques, médico, marido de Florência Dias do Porto; Paulo Lopes da Cunha, mercador, casado com Catarina de Pina, moradores no Porto; Filipa de São Francisco e Grácia do Espírito Santo, freiras no Mosteiro de Monchique do Porto; e Ângela Henriques, casada [pela] Segunda vez com Cristóvão Lopes, mercador, morador em Viana; e que tem um irmão que se chama Antônio Gomes de Leão, pensador em Madrid, de vinte e um para vinte e dois anos, solteiro; e que ela é solteira e não tem filho, nem filha; e que ela nunca foi presa, nem penitenciada pelo Santo Ofício e que por ele ficaram presos os ditos seus avós, tios e tias e as mulheres deles e os maridos delas no mesmo dia em que prenderam a ela, exceto as ditas freiras e o dito seu irmão e que ela é cristã, batizada na Sé do Porto e não sabe quem foram seus padrinhos, o deão que então era um desembargador que não sabe o nome e que ela é crismada na Igreja de São João do Porto e não sabe por que Bispo e foi seu padrinho Jorge Lopes”. A ré declarou que não sabia mais sobre outros antepassados e a mesa inquisitorial parece não ter se preocupado em avançar mais na genealogia, pois, estando presos e processados seus avós, poderia ter requerido que se trasladasse para os autos a parte genealógica pertinente. Pesquisas recentes trouxeram uma pequena extensão à genealogia de Inês Henriques de Leão: o doutor Lopo Dias da Cunha era filho de Antônio Dias e Felipa Mendes, neto paterno de Isaac Rua e Velida, judeus batizados em pé no ano de 1496 em Barcelos. No que se refere à idade da ré, a mesa demonstrou uma certa desconfiança, pois, tendo Inês declarado que tinha idade de vinte e dois para vinte e três, a mesa achou que “parecesse de mais”. A suspeita do inquisidor com relação à idade da ré tinha fundamento. Localizou-se recentemente o assento de batismo de Inês Henriques de Leão na freguesia da Sé da cidade do Porto no dia 02 de novembro de 1590: “Aos dois dias do mês de novembro [de 1590] batizei a Inês, filha de Luis Gomes de Leão e de sua mulher Maria da Paz, moradores na rua São Domingos, foram padrinhos Agostinho[?] da Grão[?] e o doutor Melquior Dias [...]” Ora, tendo sido batizada em novembro de 1590, evidentemente Ignês terá nascido naquele ano, ou mesmo antes, o que a colocaria com mais de 28 anos de idade, não de vinte e dois para vinte e três anos, como declarara. A par dessa questão cronológica, a aparência física da ré, que era “grossa de corpo”, ou seja, obesa, como declarou uma testemunha, terá cooperado para que a idade declarada por ela fosse desacreditada pela mesa. Observa-se, ainda, que a ré declinou os nomes de alguns parentes, que se achavam também presos, excetuando as tias freiras e o irmão que morava em Madrid. É bem provável que omitiu nomes de outros parentes ou conhecidos que não estavam envolvidos com o Santo Ofício, tudo em conformidade com a postura que recomendava não dar novos nomes à mesa. De fato, não há notícia de prisão de seu irmão Antônio Gomes de Leão, mas quanto às freiras, talvez a ré ainda não tivesse conhecimento de que as mesmas já se achavam presas por ocasião dessas declarações. Por outro lado, Inês Henriques afirmou que, por parte de seu pai, não tinha tios ou tias. Ou ela omitiu propositadamente os parentes de seu pai, ou eles já teriam falecido. Nessa parte genealógica, a ré é questionada sobre sua própria biografia: (Duarte Dias) Abraham Aboab (Lopo Dias) (Leonor) Isaac Rua Velida ....... Henrique Bentalhado (Josuá Habillo) Miguel Dias Antonio Dias Isabel Henriques Duarte Fernandes Duarte Dias, “o feio” Dr. Lopo Dias da Cunha Inês Henriques Maria Nunres Manuel Dias Henriques Florencia Dias Dr. Luis da Cunha Maria da Paz Luis Gomes de Leão Ana Débora Garcês c.g. Isaac de Matatias Aboab (1631-1707) Genealogista Inês Henriques de Leão Baruch d’Espinoza c.g. “perguntada por que terras andou e que línguas sabe, e se sabe ler e escrever, disse que sabe ler e escrever e falar português que é a sua língua e a italiana; e que seria de três para quatro anos [de idade] quando se foi com sua mãe por terra a Roma, onde estaria quatro anos, e daí se foi com seus pais para Florença, onde esteve cinco anos, um com os ditos seus pais e quatro no mosteiro que se chama Mente Dominis [sic] de freiras descalças de São Francisco [...] e mortos os ditos seus pais, se veio com seu irmão e uma criada de sua mãe que se chama Brites Gomes, a qual tinha vindo com eles e não sabe se é cristã-nova, mas sabe que está casada no Porto com um alfaiate de quem não sabe o nome; chegados a Livorne se embarcaram e aportaram nesta cidade a cerca de oito anos pouco mais, ou menos; e aqui esteve perto de dois meses, depois foi para Coimbra com o dito seu tio Antônio Dias da Cunha que veio aqui buscar e em sua casa esteve oito meses e daí se foi para o Porto para a casa dos avós e com eles viveu ai até ser presa”. Nessa parte, fez também uma demonstração de que era doutrinada na fé católica dizendo que: “ia à igreja ouvir missa e pregação e se confessava e comungava quando manda a Santa Madre Igreja e fazia as mais obras de cristã; e logo após se pôs de joelhos, se benzeu e disse o Pai Nosso, Ave Maria, Credo, Salve Rainha, mandamentos da lei de Deus, os da Santa Madre Igreja e os artigos da fé e das obras de misericórdias e virtudes teológicas”. Finalmente, nessa audiência, informavam à ré que estava presa em virtude de ter se apartado da fé católica, professando a lei de Moisés e era aconselhada a confessar suas culpas, bem como fornecer detalhes das práticas hereges e nomes de pessoas envolvidas. Inês Henriques de Leão, no entanto, disse que não tinha culpas a confessar. Regularmente admoestada das conseqüências de sua atitude, foi-lhe nomeado curador e enviada ao cárcere do Santo Ofício. 6. Em novas audiências perante o inquisidor, o licenciado Pero da Silva de Sampaio, foram-lhe repetidas todas as acusações de práticas de ritos judaicos, que ela negou sistematicamente. Admoestada mais um vez sobre sua postura de negar as acusações, foi-lhe lido o libelo que, ao final, pedia: “[que] a ré Inês Henriques de Leão seja declarada por herege e apóstata de nossa Santa Fé Católica, porquanto incorrendo em sentença de excomunhão maior; em confisco de seus bens para o fisco e câmara real; e nas mais penas contra os semelhantes estabelecidas; e como herege e apóstata pertinaz e negativa seja relaxada à Justiça Secular” “Relaxada à Justiça Secular” significava que, não sendo da filosofia do Tribunal do Santo Ofício da Santa Madre Igreja impingir aos réus a pena de morte, o condenado era colocado à disposição da Justiça Comum que, se fosse o caso, referendava a recomendação da pena capital. Após o Libelo, seguem-se a habilitação do procurador da ré, no caso o licenciado Manoel Rodrigues Cabral, a contestação, feita por negação geral das imputações, e a contradita das testemunhas. Nessa última parte, tenta a ré mostrar que as imputações a ela feitas basearam-se em testemunhas que eram suas inimigas ou de algum de seus parentes. Como exemplo, cite-se o caso de Maria Cardoso, que segundo Inês Henriques de Leão lhe tinha grande ódio e “lhe beberia o sangue se pudesse”. Segundo a contradita, essa Maria Cardosa era empregada na casa do tio da ré, o cônego Antônio Dias da Cunha, onde Inês passou seis ou sete meses depois que voltou da Itália. Faltava ao serviço e andava pela casa dos criados, sendo que Inês “pelejava com ela” sem obter resultado. Houve uma briga entre as duas e a ré cortou-lhe o rosto. Mais tarde, Maria Cardosa veio a ficar grávida de um pajem chamado Domingos e, por vingança, colocou a culpa no tio de Inês. Para provar sua inocência, o Cônego Antônio Dias da Cunha ajuizou uma ação, conseguindo contra Maria Cardosa e o dito pajem sentença de morte, que, ao que tudo indica, foi comutada e os condenados “ficaram com grande ódio contra o dito seu tio e, por conseguinte, contra ela, ré, pelo que seus testemunhos lhe não podem, nem devem, prejudicar em coisa alguma”. Outro caso, foi o do físico Nicolau Lopes que pretendia se casar com uma filha de Lopo Dias, avô da ré, mas que teve sua pretensão frustrada. Respondeu-lhe Lopo Dias, na ocasião, “que nem uma negra lhe daria, quanto mais sua filha”. Anos mais tarde, Nicolau Lopes voltaria à casa de Lopo Dias para, dessa vez, pedir-lhe a mão da própria ré, Inês Henriques, e mais uma vez recebeu uma negativa. Além disso, a causa da inimizade de Lopo Dias e Nicolau Lopes é que sendo ambos da mesma profissão, o segundo andava “desacreditando suas [de Lopo Dias] curas, dizendo que as não fazia como convinha por ser muito velho”. Enredados nessa mesma malquerença estavam Grimaesa Cardosa, mulher do dito Nicolau Lopes, e Branca Rodrigues, sua tia. Refutou, também, o testemunho de um tio, Luis da Cunha Henriques, físico, natural do Porto, sendo a razão da inimizade o fato de o avô dela, o doutor Lopo Dias da Cunha, ter-lhe destinado um rico dote que o dito tio da ré, por inveja, não queria que se efetivasse. Outro depoimento também contestado foi o de Pero Aires Vitória que tinha negócios 13 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 13 em canaviais no Brasil em sociedade com o avô da ré, mas que o dito Pero Aires Vitória não dava contas a Lopo Dias, surgindo daí grandes desavenças. Outra testemunha contraditada foi a do próprio tio, Luis da Cunha, que segundo Inês lhe tinha granve inveja e queria apoderar-se de um dote que seu avô, o doutor Lopo Dias da Cunha, lhe destinara. O tio fazia também arranjos para casá-la “com um mancebo que não cria na lei de Moisés”, razão pela qual tinham desentendimentos. 7. A seguir, no processo, lêem-se as confissões da ré que, na verdade, repete os depoimentos das testemunhas sobre como se encontraram há “três anos pouco mais, pouco menos”, mas sem se lembrarem do “dia ou mês”, e se deram conta que criam na lei de Moisés e esperavam nela se salvar, mas não se lembravam também que iniciara a conversa, nem a que propósito. Ademais, repetem-se as confissões, por negação geral, e novos libelos. Mas nessa parte do processo, é importante destacar que os iniquisidores fizeram admoestações à ré, “antes do tormento”, para que confessasse suas “mais culpas” e tendo ela dito que nada mais havia a confessar, foi-lhe lida a “sentença do tormento” : “Acórdão os inquisidores ordinários e deputados da Santa Inquisição que vistos estes autos, dos urgentes indícios que deles e da prova da Justiça resultam contra Inês Henriques de Leão, consta nestes autos do não fazer inteira e verdadeira confissão de suas culpas, porquanto não disse todas as pessoas que sabe andarem apartadas de nossa Santa Fé Católica e terem crença na Lei de Moisés e quem a denunciou, nem das mais cerimônias que fez por guarda da mesma Lei e sendo por tudo perguntada com muita caridade e admoestada a confessar a verdade delas para se usar com ela da misericórdia, o n ão quis confessar. O que tudo visto e com o mais que dos autos consta, mandam que antes de outro despacho a ré Inês Henriques de Leão seja posta a tormento, conforme o assento que neste processo está tomado onde será perguntada pelas sobreditas culpas para que manifeste a verdade para salvação de sua alma e das ditas pessoas” 8. Publicada a sentença, inicia-se, no processo, sua parte mais dramática. Novamente admoestada para dizer toda verdade, Inês Henriques de Leão foi, por fim, levada à tortura. No “Termo de admoestação na casa e tribuna junto ao tormento”, lê-se que como a ré não confessasse mais coisas do que já dissera, “foi mandado vir o ministro ao qual o Senhor Inquisidor Pero da Silva de Sampaio deu juramento dos Santos Evangelhos, sob o encargo dele lhe foi dito que fizesse bem e fielmente seu ofício, executando nessa mulher o que lhe fosse mandado e que tivesse segredo em tudo que visse ou ouvisse,o que ele prometeu cumprir sob encargo do dito juramento. E logo levou a ré para a casa do tormento e despojada de seus vestidos a assento no escabelo na forma ordinária, estando nesse estado, o Senhor Inquisidor a admoestou de novo [para que] confessasse suas culpas, protestando que se morressse, ou quebrasse algum membro, ou lhe causasse algum mal no dito tormento, a culpa seria sua e não dele, Senhor Inquisidor, nem dos mais ministros do Santo Ofício. E por dizer que tinha dito a verdade, o ministro, fazendo seu ofício, lhe pôs as mãos para trás e atadas, lhe foi dando voltas com a correia nos braços, e a ré foi sempre gritando, dizendo que tinha dito a verdade. E logo lhe foi posto o cordel por cima da correia, dando voltas e ela sempre gritando que tinha dito a verdade e que Deus lhe valesse e a Virgem Nossa Senhora. E sendo perfeitamente atada, foi outra vez admoestada pelo Senhor Inquisidor [para que] acabasse de confessar a verdade, e por dizer que a tinha dito, lhe foi posto o calebre [= corda grossa] e começado a levantar até o lugar do libelo, onde foi outra vez admoestada para que acabasse de confessar suas culpas, e ela dizia que não tinha culpas que confessar. Foi levantada até a roldana, onde foi novamente admoestada pelo Senhor Inquisidor, e por dizer que não tinha mais o que confessar, foi deixada cair [...]. Por estar satisfeito ao assento, o Senhor Inquisidor 14 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 mandou que a desatassem e fosse levada a seu cárcere, onde seria curada”. 9. A sentença final foi prolatada aos 5 de abril de 1620, confirmando-se os termos do Libelo (abjuração, perdimento de bens, cárcere e hábito). 10.Aos aos 5 de junho de 1620, Inês Henrique de Leão peticionou, sob o argumento de que abjurara sua fé, bem como cumpria suas obrigações religiosas cristãs, penitências, uso do hábito e do cárcere, requerendo sua soltura, que foi, aos 22 de fevereiro de 1621, deferida. Rubens Rodrigues Câmara, advogado e genealogista, autor de “A Grande Família. Homenagem aos 75 anos de Luíza Soares de Jesus” (1996). Diplomacia Portuguesa Foi criada em Portugal (22-02-2000) a Fundação Aristides de Sousa Mendes, com recursos do Ministério dos Negócios Estrangeiros, para homenagear o seu ex-cônsul em Bordeaux, que durante a II Guerra Mundial emitiu vistos de entrada salvando muitos judeus do Holocausto. O objetivo da Fundação é a criação de um museu que sirva para a educar contra a intolerância das novas gerações. O presidente da Fundação é a escritora Maria Barroso, auxiliada por um Conselho formado por Álvaro de Sousa Mendes (filho do Cônsul), António de Sousa Mendes (neto) e José Manuel Duarte. Aristides de Sousa Mendes do Amaral e Abranches nasceu em Cabanas de Viriato em 19-07-1885 e morreu em Lisboa, em 03-04-1954. Sendo os seus pais, o juiz José de Sousa Mendes e Angelina Ribeiro de Abranches. Era descendente direto de um “cavaleiro da Ordem de Cristo, Familiar do Santo Ofício” (Luiz Ribeiro de Abreu Castelo Branco), e o seu irmão gêmeo César de Sousa Mendes foi Ministro dos Negócios Estrangeiros do Governo Salazar. O ilustre genealogista português José António Severino da Costa Caldeira (Associação Portuguesa de Genealogia), é autor do artigo “Ascendência arganilense de Aristides de Sousa Mendes (Glosando um mote do padre José da Costa Saraiva)”, publicado num jornal de Arganil, em 1989, revelando que o “heróico diplomata tenha tido antepassados arganilenenses, ainda que muito remotos, e que esses antepassados hajam sofrido também o labéu, então ignominioso, de judeus”. No caso a sua 7ª avó, Maria Mendes da Silva (1653 - ? ), por linha materna. Outro diplomata português que também deu a sua contribuição à salvação dos judeus durante a II Guerra Mundial foi Alberto Carlos de Lis-Teixeira Branquinho (1902-1973). Ele entrou para o serviço diplomático em 1930, exerceu funções no Rio de Janeiro, e em 8 de abril de 1943, assumiu um posto em Budapeste, onde permaneceu até 1944. Alí “emitiu mais de 800 vistos a refugiados e deu proteção a judeus na capital da Hungria”, segundo noticiou um jornal português. Tanto Souza Mendes, quanto Teixeira Branquinho, foram homenageados na ONU por seus atos humanitários em janeiro de 2000. O último marechal brasileiro Marechal já foi o último posto do Exército Brasileiro. Era concedido ao General-de-Exército que tivesse participado de combate. O posto foi extinto em 1967. Do grupo de marechais brasileiros vive o último deles, o carioca Waldemar Levy Cardoso, que completou 100 anos. Cardoso, irmão de outro marechal. É filho do português António de Almeida Cardoso e da judia magrebina Estella Levy. Ele nasceu no Rio de Janeiro (04-12-1900). Sua carreira militar foi brilhante. Ocupou todos os postos militares, lutou na II Guerra Mundial e um de seus destaques profissionais foi ter sido Presidente da Petrobrás. A Folha de S. Paulo publicou um artigo com fotografia registrando a efeméride. [“Último marechal do Brasil chega aos 100”, Isabel Clemente, 14-01-2001] Bandeirantes e Cristãos-Novos em Curitiba. Tempo e comemoração em família. Um casamento de herdeiros de Bandeirantes e Cristãos-Novos em Curitiba. Uma interpretação genealógica e sociológica de alguns dos primeiros curitibanos. Ricardo Costa de Oliveira. T he lawyer and playwriter Antonio Jose da Silva, tied and burnt in 1739 is the most well known victim of the Inquisition in Brazil. It is known that he had children but until now there is no genealogy of his descendants. In Paraná there lives a family called Miranda Coutinho who belongs to the local elite and is descendant of from the same branch as Antonio Jose da Silva. In this article Ricardo Costa de Oliveira, member, of this family writes about their origins from the XVIII century to modern date. Rituais Dialéticos oda comemoração é um fenômeno social. Rituais de passagem procuram reafirmar os vínculos do passado com o presente e o Tfuturo. Tentativas de se marcar o vórtice do tempo social. A presença portuguesa no planalto curitibano data de meados do século XVII. Analisaremos alguns grupos que contribuíram no povoamento de Curitiba em relação às suas origens. Estabeleceremos algumas conexões entre os grupos tupi (que estão no que nós chamamos de Brasil há mais de 500 anos) com os portugueses de São Paulo e os judaizantes do Rio de Janeiro na formação de alguns dos primeiros habitantes de Curitiba e povoadores do Paraná.. Toda genealogia é uma comemoração do passado familiar em seus marcos de continuidade. A linguagem genealógica pode revelar aspectos das estruturas sociais, econômicas, políticas e culturais do passado. Quem casou com quem. Casar é fazer alianças sociais Aos vinte e sete de setembro de mil setecentos e quarenta e dois houve um casamento na Igreja de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba2. O então Alferes Miguel de Miranda Coutinho contraiu núpcias com Isabel da Silva de Jesus. O pai do noivo era o Amaro de Miranda Coutinho casado com Maria de Barros e moradores em Paranaguá. A noiva era filha de João Carvalho de Assunção casado com Maria Bueno da Rocha, moradores de Curitiba. Miguel de Miranda Coutinho seria o primeiro Capitão-Mor Diretor de Guaratuba, a terceira vila mais antiga do Paraná, estabelecida em 17713. Isabel era bisneta do Capitão-Povoador de Curitiba Mateus Martins Leme4. Cristãos-Novos no Paraná setecentista de Miranda Coutinho era um indivíduo com uma curiosa A maro história social . Amaro e a sua família tinham sido submetidos a 5 um rigoroso auto-de-fé. O seu processo data de 1711. O Santo Ofício esteve particularmente ativo no Rio de Janeiro no começo do século XVIII. Amaro e a sua família eram cristãos-novos. Ele nasceu e foi batizado no Rio de Janeiro em oito de maio de mil seiscentos e setenta e cinco6 . Dos seus onze irmãos, sete foram mencionados no auto-de-fé de vinte e seis de julho de mil setecentos e onze7. Eles eram filhos do licenciado Aires de Miranda Henriques, nascido na Bahia, com Ana Gomes Coutinha. Tratava-se não apenas de uma elite social, mas também de uma elite cultural. Um dos irmãos era o Doutor João Álvares Figueiró, titulado em Coimbra. Eram primos pelo lado materno com o Antonio José da Silva, o Judeu, dramaturgo nascido no Rio de Janeiro e autor de óperas sarcásticas de sucesso em Lisboa. Este foi queimado8 em 1739. Eram todos bisnetos de Miguel Cardoso, mercador, senhor de engenho, homem público e um dos chefes da comunidade marrana do Rio de janeiro. Era considerado um homem rico pela inquisição que o perseguiu e o prendeu em 1666, tendo conseguido escapar com vida, destino melhor que o seu bisneto9. O estigma de cristão-novo e de vítima da inquisição não foi impedimento para as posições privilegiadas obtidas posteriormente por Amaro de Miranda Coutinho no então longínquo litoral paranaense. Aos nove de novembro de mil setecentos e dezoito recebeu, diretamente do Rio de Janeiro10, uma sesmaria de uma por duas léguas na paragem do Curral, pela estrada da Praia11. Em dezesseis de setembro de mil setecentos e quarenta e três recebeu outra sesmaria no litoral na localidade do Olho D’Agua, com uma por uma légua, do lado de terras da Companhia de Jesus, o que mostra o grande prestígio de Amaro de Miranda Coutinho na região. Ele foi um dos poucos a ter recebido duas datas de sesmaria na listagem feita por Marina Ritter. De acordo com hipótese conversada com Antonio Roberto Nascimento, o tratamento preferencial recebido por Amaro de Miranda Coutinho no sul do Brasil deve estar relacionado com os interesses estratégicos da Coroa na ocupação e povoamento de regiões remotas no início do século XVIII , enquanto que em outros centros os cristãos-novos eram perseguidos em função de seus atributos intelectuais ou materiais mais desafiadores ao status quo colonial. A melhor prova da recuperação social de Amaro Miranda Coutinho na nova comarca foi o casamento de seu filho, o Alferes Miguel de Miranda Coutinho com Isabel da Silva de Jesus, herdeira familiar das principais famílias da Capitania de São Paulo. O título de alferes já revelava certa integração nas formações de ordenanças, o que significava a sua aceitação nas estruturas de uma classe dominante militarizada na época. Através da genealogia de Isabel é possível a recuperação de parte das estruturas de parentesco presentes no povoamento inicial do Paraná. Bandeirantes em Curitiba Isabel da Silva de Jesus era filha do Capitão João Carvalho de Assunção12, proprietário da fazenda de Furnas, herdada de seu pai. O Capitão João Carvalho possuiu lavras de ouro no Arraial Grande (São José dos Pinhais) e se dedicava a incursões exploratórias no sertão. Participou da descoberta dos campos de Palmas com outros bandeirantes, como Zacarias Dias Cortes, que na década de 1720 exploravam ouro no vale do Rio Uruguai. O Capitão também participou da governança de Curitiba, tendo sido eleito vereador em 1740. O Capitão João Carvalho de Assunção foi casado com Maria Bueno da Rocha, de cuja origem iremos analisar adiante. O Capitão João Carvalho de Assunção era filho do Capitão Manoel Picam de Carvalho casado em mil seiscentos e oitenta e três com Maria Leme. Manoel Picam de Carvalho seria natural de Paranaguá. Desde cedo se dedicou a mineração no antigo Rio do Picam, com o seu pai de mesmo nome. Membro das ordenanças. Foi proprietário do sítio do Itaqui e da sesmaria de Furnas. Devido a disputas e rixas com 15 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 15 Antônio José da Silva, o Judeu (1705-1739) primo do capitão Amaro de Miranda Coutinho Simeão Cardoso, Manoel Picam teria se mudado para as proximidades do Rio Iguaçú. Dos diversos filhos do Capitão Manoel Picam, é interessante o registro de Maria Leme casada com Zacarias Dias Cortes, explorador do distante sudoeste, descobridor dos Campos de Palmas e do vale do Uruguai. Maria Leme, a primeira, casada com com o Capitão Manoel Picam de Carvalho, era filha do Capitão-Povoador Mateus Martins Leme. Mateus Leme foi uma das principais lideranças na sociedade curitibana do final do século XVII. Bandeirante paulista com várias entradas no sertão. Na sua sesmaria no Rio Barigui, oficializada em documento de 1/9/1668, possuía vários escravos indígenas. Participou do ato de levantamento do pelourinho de 4/11/1668 e da criação da vila em 29/3/1693. Faleceu Mateus Leme em 1697 com testamento, no qual se conhece o padrão de vida da classe dominante curitibana do século dezessete. Os bens materiais eram muito diminutos13. O filho Antonio Martins quando casou com a filha de Baltazar Carrasco dos Reis levou cinqüenta vacas, um escravo rapaz e três espingardas. As posses resumiam-se a gado vacum, cavalgaduras, ovelhas, poucas ferramentas e alguns escravos da terra. Mateus Leme era senhor de cerca de trinta escravos de origem índia, alguns dos quais deveriam ficar livres nas disposições do testamento. Mateus Leme foi casado com Antonia de Góes e a partir desse ponto começam algumas dúvidas sobre a origem dos primeiros curitibanos. Os registros eclesiásticos só contemplam informações de 16 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 1683-1684 adiante, e de forma fragmentária. Logo, parte das informções dos pioneiros do povoamento de Curitiba são muito precárias. Os Góes, por exemplo, são de difícil análise em suas origens. O fato é que Mateus Martins Leme pertence ao título Martins Bonilhas e Leme da clássica Genealogia Paulistana de Silva Leme. A genealogia dos Lemes é razoavelmente conhecida desde a sua vinda de Flandres e de Bruges, passando por Portugal e pelas Ilhas Atlânticas até São Vicente e São Paulo. O Capitão Manoel Picam de Carvalho era filho de Manoel Picam de Carvalho com Ana Maria Bicudo. Esta era filha de Garcia Rodrigues Velho com Isabel Bicudo de Mendonça. Francisco Negrão apresenta Garcia Rodrigues Velho como o descobridor do ouro em Curitiba14. Silva Leme15 também indica um Garcia Rodrigues Velho casado com Isabel Bicudo (moradores em Paranaguá), sendo que o Garcia Rodrigues Velho16 era filho do Coronel Garcia Rodrigues Velho, casado com uma mulher da qual não se conhece o nome, e que também estiveram em Curitiba. Seguindo a possibilidade de identificação dos dois Garcias Rodrigues Velho presentes no território do atual Paraná, seguimos Silva Leme nas origens desses bandeirantes mineradores dos sertões com o nome de Garcia Rodrigues Velho. São quatro Garcia Rodrigues Velho, dos quais supomos que o quarto último foi o casado com Isabel Bicudo de Mendonça, pais de Ana Maria Bicudo casada com o primeiro Manoel Picam de Carvalho. O segundo Garcia Rodrigues Velho foi casado com Maria Betting, filha de Geraldo Betting, natural da Alemanha e destacado mineralogista. Daí viria a grande capacidade de se encontrar novas lavras e certo expertise mineralógico dessa família. Geraldo Betting foi casado com Custódia Dias, neta do português Manoel Fernandes Ramos casado com Suzana Dias. Ora, este último casal representa a cabeça do título dos Fernandes Povoadores de Silva Leme. Eles foram os responsáveis pela expansão para o sul-sudoeste de São Paulo. Foram os chefes dos grupos fundadores de Santana de Parnaíba e de Sorocaba. E mais, Suzana Dias seria filha da índia batizada como Beatriz Dias, por sua vez filha de Tibiriçá, o chefe dos tupiniquins de São Paulo. Há uma visível rede de parentesco e poder na expansão dirigida para o sul. A cada geração se avançava mais para o sertão, porém se preservava a ordem das famílias principais que comandam esse empreendimento colonizador. Outra figura importante desse processo de avanço para os sertões, inserido nesse grupo familiar foi Fernão Dias Paes. O segundo Garcia Rodrigues Velho casado com Maria Betting são os pais de Maria Garcia Betim17, a casada com o Capitão Governador Fernão Dias Paes, o caçador de esmeraldas, um dos símbolos máximos do bandeirantismo nas atuais Minas Gerais. O quarto Garcia Rodrigues Velho, o descobridor do ouro em Curitiba, casou com Isabel Bicudo de Mendonça. Ela era filha de Gonçalo Pires Bicudo casado em 1634, em São Paulo, com Juliana Antunes Cortes. Este muito provavelmente foi o primeiro casal de moradores de nomes portugueses em Curitiba18. Silva Leme afirma que já estariam na área de Curitiba em 1660. Desde a década de 1650 que eles já povoavam o local em que seria estabelecido o município de Curitiba19. Eles teriam vindo também em função das tropelias entre poderosas famílias de São Paulo, a conhecida guerra entre os Pires e os Camargos. Curitiba seria mais um ponto de refúgio e de ataque para o partido dos Pires, grupo tendendo mais a ser da facção pró-portuguesa dos Pires. Ermelino de Leão também refere que vieram acompanhando o casal Gonçalo Pires Bicudo e Juliana Antunes Cortes os sogros Inocencio Fernandes Preto e Catarina Cortes mais o Capitão Nuno Bicudo de Mendonça20 (irmão de Gonçalo). Completando a rede de parentesco dos primeiros povoadores ainda temos o irmão de Juliana Antunes Cortes (filhos de Inocêncio Preto com Catarina Cortes), Inocêncio Fernandes Preto, o moço, casado com Maria de Siqueira (falecida em 1674) e pela segunda vez com Izabel da Costa21. Da primeira mulher teve Maria de Siqueira, casada com Luiz de Góes, que seria irmão de Antonia de Góes, mulher de Mateus Martins Leme. Estes foram alguns dos principais moradores da Vilinha do Atuba, Vila dos Cortes ou Vila Velha, conforme era conhecida a localidade, de acordo com o inventário de Maria Bicuda22. Em 1654 já haveria um primitivo templo no Atuba com a imagem de Nossa Senhora da Luz, em uma modesta capelinha coberta de palha23. O culto de Nossa Senhora da Luz foi trazido com essas pessoas. Culto tradicionalmente português, esteve associado a religiosidade popular nos arredores de Lisboa. Outra filha de Inocêncio Fernandes Preto com Catarina Cortes foi Mariana da Luz. Inocencio Fernandes Preto (casado com Catarina Cortes e pais de Juliana Antunes Cortes e de Inocencio Fernandes Preto, o moço) era filho de Domingas Antunes com Gaspar Fernandes. Domingas era filha de Antonio Preto, português vindo por volta de 1560 para São Paulo. Foi juiz ordinário em 1575, almotacel em 1576 e 1580 e vereador em 1577 e 1580. Participou da entrada do Capitão-Mor Jeronimo Leitão ao litoral paranaense em 158524. Silva Leme coloca Antonio Preto como irmão de Manoel Preto, proprietário de uma grande fazenda com a capela de Nossa Senhora da Expectação do Ó, com centenas de índios cativos. Ele foi um bandeirante que participou da entrada de 1602 ao Guairá com Nicolau Barreto e um dos chefes da grande bandeira de 1628 também contra o Guairá. Pedro Taques informa que ele destruiria várias reduções no Ivaí, no Tibagi e no Uruguais25. Gonçalo Pires Bicudo (casado com Juliana Antunes Cortes) era filho do Capitão Manoel Pires com Maria Bicudo. Manoel Pires é registrado no sertão desde 1615. Participou com o seu genro Antonio Raposo Tavares na grande bandeira ao Guaíra de 1628. Manoel Pires também participou de ações contra os jesuítas em São Paulo e em Barueri. Foi um dos chefes da bandeira destroçada em 1641 em Mbororé. Teve fazendas em Parnaíba e em Cutia com grande escravatura índia26. Manoel Pires era filho de Beatriz Pires, filha de Salvador Pires, personagem de destaque em São Paulo no século dezesseis com grandes lavouras mantidas por índios. Foi da governança de São Paulo e faleceu com testamento em 1592. Era cabeça do título dos Pires na Genealogia de Silva Leme27. Antonio Raposo Tavares foi casado com Beatriz Furtado de Mendonça, filha de Manoel Pires28.. Maria Bicudo (a mãe de Gonçalo Pires Bicudo) era filha de Antonio Bicudo Carneiro com Isabel Rodrigues. Antonio Bicudo Carneiro era natural da Ilha de São Miguel nos Açores. Participou da governança de São Paulo, tendo sido juiz em 1574 e 1584, vereador e ouvidor em torno de 1585. Esteve em vária entradas ao sertão, inclusive na de Afonso Sardinha de 1593, na de Nicolau Barreto ao Guairá em 1602 (primeira naquela região) e na de 1628 também ao Guairá com Antonio Raposo Tavares29.. Antonio Bicudo Carneiro teria mandado levantar o pelourinho em São Paulo em 158530. Está apontado como o capítulo 1 do título dos Bicudos, importante família de bandeirantes e sertanistas de São Paulo na genealogia Paulistana. Já a esposa de Antonio Bicudo Carneiro está como filha de Garcia Rodrigues com Izabel Velho, pais também de sua irmã Messia Rodrigues casada com Domingos Gonçalves da Maia, pais por sua vez do primeiro Garcia Rodrigues Velho(analisado atrás). Todos no título dos Garcias Velhos da Genealogia Paulistana de Silva Leme. Retornando para a nossa noiva de 1742, Isabel da Silva de Jesus, analisaremos a mãe dela, Maria Bueno da Rocha31. Filha do Capitão Antonio Bueno da Veiga casado com Isabel Fernandes da Rocha. O Capitão Antonio Bueno da Veiga teria vindo para Curitiba em 168432. Dedicava-se a mineração. Recebeu a sesmaria33 de Miringuava em 9/12/1719. Também consta a sesmaria de Goramiringuaba recebida em 16/8/1743, com duas léguas por duas léguas, onde o Capitão Antonio Bueno da Veiga possuía três fazendas de gado. Para o fim de sua vida, a pecuária parece ter passado a ser uma forte atividade econômica, o que evidencia o destino econômico da região em meados do século XVIII. Antonio Bueno da Veiga casou-se pela segunda vez em Minas Gerais. O pai do Capitão Antonio Bueno da Veiga era Baltazar da Costa Veiga, potentado em arcos, senhor de muitas terras com muitos índios cativos. Seguiu em 1676 para as Minas Gerais sob o comando de Fernão Dias Pais. Faleceu em 24/8/1700. Outro filho de Baltazar da Costa Veiga e irmão de Antonio Bueno da Veiga foi o Capitão-Mor Amador Bueno da Veiga, importante personagem em Minas gerais, sendo o chefe dos paulistas na guerra dos emboabas. Baltazar da Costa Veiga era filho de Jerônimo da Veiga, falecido em 1660, casado com Maria da Cunha. Ela era por sua vez filha de João Gago da Cunha (filho de Henrique da Cunha Gago com Isabel Fernandes) com Catarina do Prado (filha de João do Prado, natural de Olivença, com Filipa Vicente, que era filha de Pedro Vicente com Maria de Faria, sócios do Engenho dos Erasmos, um dos primeiros estabelecimentos econômicos no litoral vicentista). Baltazar da Costa Veiga era casado com Maria Bueno de Mendonça34, filha de Amador Bueno, o moço, casado com Margarida de Mendonça em 1638 em São Paulo. Amador Bueno era filho de Amador Bueno da Ribeira (o aclamado), Capitão-Mor e ouvidor da Capitania de São Paulo. Casou-se com Bernarda Luiz, filha de Domingos Luiz Carvoeiro, Cavaleiro da Ordem de Cristo, casado com Ana Camacho. O núcleo do poder mameluco de São Paulo no século XVII era representado em boa parte por este núcleo familiar. O Capitão-Mor Amador Bueno da Ribeira era filho de Maria Pires, da importante família Pires35 ( Maria Pires era irmã de Beatriz Pires, por parte de pai, e logo tia do bandeirante Manoel Pires, já visto atrás na genealogia curitibana). Maria era filha de Salvador Pires com Messiauçu, filha de Antonio Rodrigues com Antonia Rodrigues e neta materna da índia Antonia Rodrigues, filha do chefe tupiniquim Piquerobi. Por essas linhas se revela certa continuidade entre os maiorais tupi e a fundação de São Paulo. Poder que é transmitido aos seus antepassados como Amador Bueno da Ribeira. Também a mulher do Capitão-Mor, Bernarda Luiz seria bisneta de Joana Ramalho36 (casada com o Capitão-Mor Jorge Ferreira), filha de João Ramalho com Izabel Dias, a filha do grande chefe índio Tibiriçá, tão importante para a colonização de São Paulo que os jesuítas e o poder municipal o enterraram com honras na Igreja da Sé. O pai de Bernarda Luiz, Domingos Luiz Carvoeiro, também é importante para a futura fundação de Curitiba por outro motivo. Era ele Cavaleiro Professo da Ordem de Cristo e foi o fundador da Capela de Nossa Senhora da Luz em São Paulo. Anchieta escreveu ao Capitão Jeronimo Leitão que Domingos Luiz estava acabando a Igreja e nela já havia tido uma missa com muita festa. A data era 15/11/157937. Em outro artigo exploramos as conexões entre o culto de Nossa Senhora da Luz e o projeto expansionista de Portugal e de suas instituições como a Ordem de Cristo38. Isabel Fernandes da Rocha (casada com o capitão Antonio Bueno da Veiga) foi inventariada em Curitiba em 171739. Ela era filha do Capitão Antonio Bicudo Camacho com Maria da Rocha. O Capitão Camacho seguia o típico padrão dos bandeirantes pioneiros de Curitiba. Natural de São Paulo, dedicava-se a mineração. Possuía lavras de ouro em Santa Cruz do Sutil, na área de Palmeira. Constava em quase todos os inventário de Curitiba de 1694 até 1699. Senhor de muitos escravos. Posteriormente se mudaria para São Francisco do Sul40. Era filho de Sebastião Fernandes Camacho com Isabel Bicudo de Brito. Sebastião Fernandes Camacho era filho do pai com o mesmo nome. Ambos eram experimentados sertanistas, sendo que o pai participou da bandeira contra o Guairá em 162841. Este Sebastião Fernandes Camacho mais velho foi casado com Maria Affonso, filha de outra de igual nome, casada supostamente com Marcos Fernandes (irmão de Messiauçu e bisnetos do Piquerobi). A Maria Affonso mãe seria filha de Pedro Affonso, um dos pioneiros de São Paulo. Pedro Affonso teria “resgatado” uma tapuia do sertão que seria a mãe das irmãs Affonso. Tal fato, colocado por Silva Leme, motivou e motiva grande polêmica, uma vez que seriam os antepassados de pessoas 17 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 17 também da Família Camargo42. O fato é que estes são os primórdios genealógicos de São Paulo e aconteceu intensa mestiçagem entre portugueses e tupiniquins. Isabel Bicudo de Brito43, casada com o segundo Sebastião Fernandes Camacho, era filha de Antonio Bicudo com Maria de Brito. Novamente o círculo do parentesco se fecha. Antonio Bicudo era filho do Ouvidor de 1585, o açoriano Antonio Bicudo Carneiro com Isabel Rodrigues (filha de Garcia Rodrigues com Isabel Velho, título Garcias Velhos). Maria de Brito era filha de Diogo Pires (filho do pioneiro Salvador Pires, título dos Pires. Diogo era irmão de Beatriz Pires e tio do bandeirante Manoel Pires) com Isabel de Brito44. Os frutos do casamento O casal Miguel de Miranda Coutinho e Isabel da Silva de Jesus teria uma longa e próspera (para as condições do Paraná do século XVIII) vida. Encontramos registros do casal na fundação da vila de Guaratuba em 1771. Joaquim da Silva Mafra na sua História do Município de Guaratuba45 considera o então Capitão-Mor Diretor Miguel de Miranda Coutinho como o seu grande povoador. Um dos principais responsáveis pela governança e segurança da recém-criada povoação litorânea. O Capitão-Mor faleceria em junho de 1793 e sentia-se completamente integrado no status quo colonial do Brasil Meridional. Inclusive mandou vir da Bahia uma imagem de Nossa Senhora do Bom Sucesso46. O seu casamento durou mais de cinqüenta anos e ele alcançou um dos mais elevados cargos no Paraná Colonial. Não conseguimos descobrir por quanto tempo mais viveu a viúva Isabel da Silva. O domínio familiar do atual litoral sul do Paraná era muito grande e também cobria as terras ao norte de Guaratuba, haja visto que em 20/5/1787 o Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho e sua esposa venderam a seu filho a localidade de Caiová (atual Caiobá) por 25$000 a seu filho Joaquim47. O domínio familiar ficou garantido, uma vez que o sucessor do Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho foi o seu outro filho Manoel de Miranda Coutinho, nomeado Capitão-Mor de Guaratuba em 5/4/179548. Era casado com Maria Serafina de Araújo, filha do Tenente Joaquim Araújo de Morais com Ana Maria Matozo49. O inventário da esposa do segundo CapitãoMor de Guaratuba revela importantes aspectos da vida material da classe dominante da região naquela época e foi transcrito por Joaquim da Silva Mafra em sua História de Guaratuba. Outro filho que foi identificado foi José de Miranda Coutinho. Seguiu a típica carreira militar. Em 1762 ele consta no documento dos oficiais presentes no cerco da Colônia do Sacramento e que combateram os espanhóis no Rio da Prata50. Em 1771 aparece como Vereador em São Francisco do Sul51. Antonio Roberto Nascimento em sua Genealogia Francisquense (Gente de São Francisco do Sul Os Miranda Coutinho, o encontra como Sargento-Mor, que deve ter sido sua última posição. Uma das suas filhas, Rita Clara de Miranda casou com o Capitão Salvador Gomes de Oliveira, que foi Vereador, Juiz Ordinário e Juiz de Órfãos em São Francisco do Sul52. O Capitão Oliveira também era o titular da sesmaria de Porto da Caçada, recebida em 180553. Os casamentos preferenciais na classe dominante da região continuavam nos descendentes do casal de 1742. Miguel Cardoso Chefe da Comunidade Criptojudia do Rio de Janeiro, séc. XVII Isabel Cardoso Francisca Coutinha Baltasar Rodrigues Coutinho Ana Gomes Coutinha Cap. Amaro de Miranda Coutinho Lourença Coutinha Maria Coutinha Antônio José da Silva O Judeu, 1705 – 1739 Dr. João Tomás de Castro Amaro de Miranda Coutinho Cap-mór Miguel de Miranda Coutinho (? – 1793) Sarg-mór José de Miranda Coutinho Rita Clara de Miranda Alf. João Gomes de Oliveira (1824 – 1842) latifundiário Cap. João Gomes de Oliveira (1865 – 1934) João Gomes de Oliveira (Joinvile, 1896 – ?, 1937) Cel-Aviador João Vitor Gugisch de Oliveira (Lages, 1936) Prof. Dr. Ricardo Costa de Oliveira (RJ, 1964) 18 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 (ambos queimados pela Inquisição) O primeiro poeta paranaense Miranda54 ernando Amaro de é considerado o primeiro poeta paranaense. Ele seguramente é descendente de Amaro de Miranda FCoutinho e parente do Capitão-Mor Miguel de Miranda Coutinho. Nasceu em Paranaguá em 24/6/1831 e faleceu jovem em 15/11/1857. Era filho de Antonio Dionizio de Miranda, natural de São Francisco do Sul e de Ana Rosa de Miranda, de Paranaguá. Fernando Amaro foi guarda-livro e se dedicou ao comércio em Morretes. Também foi Secretário da Câmara de Morretes. Joaquim Tamujas escreveu que “O Amaro do seu nome teria sido uma homenagem a um cidadão de nome Amaro de Miranda, e, provavelmente tio do poeta. Há referências histórica , hoje sabida, de que uma sua ascendente de nome Maria seria proprietária de uma sesmaria em terras de Paranaguá, provavelmente localizada na região do Pontal do Sul”55. As informações correspondem ao já analisado. Amaro de Miranda Coutinho recebeu uma sesmaria no litoral ao sul de Paranaguá e era casado com Maria de Barros. Um dos filhos também foi o Amaro de Miranda Coutinho, o moço. Joaquim Tramujas afirma que o poeta envolveu-se em uma paixão com uma filha do Comendador Ricardo dos Santos e teria sofrido “total restrição paterna”56. O autor aventa a hipótese da rejeição ter sido motivada por razões centradas no preconceito racial. Seria Fernando Amaro um “mulato”, o que teria possivelmente causado a sua rejeição e a sua desdita amorosa que teria contribuído para sua morte precoce, na versão de Tramujas. O fato é que Fernando Amaro de Miranda era descendente de refugiados da inquisição, parente de outro escritor de infeliz destino, o Antonio José da Silva. Apesar da modéstia do meio cultural em que ele viveu e a sua pequena contribuição, ele foi homenageado pelas outras gerações como o primeiro poeta paranaense, ou como coloca o Almanach do Paraná de 1901 — “Foi elle quem orchestrou primeiro, em terras paranaenses a ouvertura do sonho”57. Conclusão omemorações são rituais de passagem. Comemora-se a permaC nência. Continuidades que de acordo com as genealogias clássicas atravessam mais de quinhentos anos. Analisamos alguns membros da elite “paranaenses” colonial. Os descendentes paranaenses da fundação de São Paulo e de boa parte da sua classe dominante nos séculos XVI e XVII representam linhas de ascendentes muito mais distantes do que os que vieram nas caravelas ou as viram das praias. Possíveis heranças tupi que permanecem recônditas, escondidas. Depois se constrói o núcleo de poder mameluco em São Paulo de Piratininga. A família dos Bueno da Ribeira é um bom exemplo. Domingos Luiz Carvoeiro criou a Igreja de Nossa Senhora da Luz em São Paulo58. Seus descendentes estariam na povoação de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. Com as pequenas e as grandes bandeiras se atinge o Atuba e o Barigui. Curitiba seria em meados da década de 1650 um ponto de apoio e refúgio do partido dos Pires, a facção considerada mais pró-portuguesa na famosa Guerra de Famílias entre os Pires e os Camargos. Outros refugiados cristãos-novos chegam às terras paranaenses para aqui refazerem as suas vidas. Todos estariam procurando a terra sem mal ou a simples prosperidade material ? Singelas histórias dos distantes séculos XVI , XVII, XVIII e que continuam com outras gentes (vindas de horizontes ainda mais distantes) nos séculos XIX e XX. Histórias da nossa gente e dos nossos antepassados. Que descansem em berço forte. Fontes Primárias : • Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. • Arquivo Nacional, Sesmarias Paranaenses e Catarinenses. Referências Bibliográficas : • Arroyo, Leonardo (1954). Igrejas de São Paulo. Coleção Documentos Brasileiros 81. José Olympio. • Carvalho Franco, Francisco de Assis (1954). Dicionário de Bandeirantes e Sertanistas do Brasil. Séculos XVI-XVII-XVIII . • Dines, Alberto (1992). Vínculos do Fogo. Companhia das Letras. • Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná (1991). Livraria do Chain-Banestado. • Ferreira da Silva, Lina Gorenstein (1995). Heréticos e Impuros. Coleção Biblioteca Carioca. Volume 39. • Leão, Ermelino de (1926).Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná. Placido e Silva. • Nascimento, Antonio Roberto (inédito). Gente de São Francisco do Sul. Os Miranda Coutinho, Os Gomes de Oliveira. • Negrão, Francisco (1926-1950). Genealogia Paranaense. Impressora Paranaense. • Oliveira, Ricardo Costa de (inédito). A Identidade do Brasil Meridional. Ciclo de Debates Brasil 500 anos- Funarte. • Rheingantz, Carlos G. (1965). Primeiras Famílias do Rio de Janeiro, Volume II. Livraria Brasiliana Editora. • Ritter, Marina Lourdes (1980). As Sesmarias do Paraná no Século XVIII. Estante Paranista 9. IHGEP. • Silva Leme, Luiz Gonzaga da (1903-1905). Genealogia Paulistana. Duprat. • Silva Mafra, Joaquim da (1952). História do Município de Guaratuba. • Tramujas, Joaquim(1957). Contribuição à Biografia de Fernando Amaro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, Ano II, jul.-dez.. N°12, 33-37. • Varnhagen, Francisco Adolfo de (1962). História Geral do Brasil.. 7° Edição. • Wolff, Egon e Frieda (1986). Dicionário Biográfico de Judaizantes e Judeus no Brasil. Erca Editora e Gráfica. Notas 1 Primeiro Livro Manuscrito de Matrimônios da atual Basílica de Nossa Senhora da Luz dos Pinhais de Curitiba. 3 História do Município de Guaratuba. Joaquim da Silva Mafra : 1952, 89,92. 4 Genealogia Paranaense. Francisco Negrão. Volume 4 : 1929, 211. 5 Heréticos e Impuros.. Lina Gorenstein Ferreira da Silva,44,173. A genealogia dos descendentes de Amaro de Miranda Coutinho está sendo pesquisada por Antonio Roberto Nascimento, cujo rascunho inicial nos foi entregue. 6 Rheingantz (1965), Primeiras Famílias do Rio de Janeiro, Volume II, 605. 7 Egon e Frieda Wolff. Dicionário Biográfico de Judaizantes e Judeus no Brasil, 1986, 51-52 e 89. 8 Ver Vínculos do Fogo, Alberto Dines. 9 Op. cit. Genealogia. Lado Materno 1. 10 Arquivo Nacional. Sesmarias do Paraná. 11 As Sesmarias do Paraná no Século XVIII. Marina Lourdes Ritter. Lista de sesmarias no Paraná. 12 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 960. Ermelino de Leão. 13 Op.cit. 1270-73. 14 Genealogia Paranaense, Volume 4, 209-210. Francisco Negrão 15 Genealogia Paulistana, Volume 7, 456. Silva Leme. 16 Outra opinião apresenta Ermelino de Leão no seu Dicionário do Paraná , 438, que o coloca como filho de Domingos Rodrigues da Cunha e vinculado no título dos Cunha Gago da Genealogia Paulistana de Silva Leme. A hipótese de Silva Leme nos parece mais significativa no atual estágio de pesquisas. 17 Genealogia Paulistana, Volume 7, 452. 18 Dicionário Histórico e Geográfico do Paraná, 1235. Ermelino Leão. 19 Op.cit. 775-776. 20 Silva Leme, 448. 21 Silva Leme, V8, 326-327. 19 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 19 22 23 24 25 26 27 28 29 30 31 32 33 34 35 36 37 38 39 40 41 42 Ermelino de Leão, 776. Ermelino de Leão, 1275. Dicionário de bandeirantes, 316. Op. Cit. 318-319. Silva leme, V8, 269 –278. Dicionário de Bandeirantes. Francisco de Assis Carvalho Franco, 303. Silva Leme, V2, 5. Silva Leme, V6,449. Carvalho Franco, 101. Silva Leme, V6, 297. Silva Leme, V3, 204. Ermelino de Leão, 74. Marina Ritter, 231-232. Silva Leme, V3, 202-203. Silva Leme, V2, 5. Silva Leme, V9, 67. Existe uma polêmica sobre os vínculos entre Anna Camacho, esposa de Domingos Luiz Carvoeiro, com João Ramalho e Tibiriçá. O documento mais famoso que comprovaria a hipótese desta descendência, o Testamento de João Ramalho, é questionado por alguns pesquisadores, o que inviabilizaria a conexão genealógica entre Anna Camacho como bisneta de João Ramalho. Novas pesquisas podem trazer mais elementos para a possível descendência ou não entre eles. Igrejas de São Paulo, 23, Leonardo Arroyo. A Identidade do Brasil Meridional. Ricardo Costa de Oliveira. Ciclo de debates Brasil 500 anos. Genealogia Paranaense, Negrão, V4, 210. Ermelino de Leão, 73. Carvalho Franco, 91. Silva Leme, V1, 2-3,5. Todas as primeiras famílias de São Paulo estão sendo reavaliadas criticamente em suas genealogias, o que 43 44 45 46 47 48 49 50 51 52 53 54 55 56 57 58 pode mudar radicalmente o que Silva Leme colocou na Introdução do seu Volume 1. Silva Leme, V6, 338 e 297. Silva Leme, V7, 396-397 e 470.V2,5. Joaquim da Silva Mafra. História do Município de Guaratuba, 89. Op. Cit., 68. Op. cit. , 113. Op. cit. , 86. Op. cit. , 86. Francisco Adolfo de Varnhagen, História Geral do Brasil. Tomo IV, Notas a Seção XLIV, 223 : 1962. 7° Edição. Joaquim da Silva Mafra, op. cit. , 42-51. Os Gomes de Oliveira, Antonio Roberto Nascimento, inédito. Arquivo Nacional, Sesmarias Catarinenses. Um resumo das informações literárias sobre esse personagem está no Dicionário Histórico-Biográfico do Paraná, 16-19. 1991. A melhor tentativa biográfica foi escrita por Joaquim Tramujas, Contribuição à Biografia de Fernando Amaro. Instituto Histórico e Geográfico de Paranaguá, Ano II, jul.-dez. de 1957. N°12, 33-37. Op. cit. , 34. Op. cit. , 34. Ermelino de Leão, Dicionário do Paraná, 644. “Nascido em lar pobre, Fernando Amaro de Miranda descendia de uma velha e histórica família , que se salientou pelos dons naturais da inteligência”. Leonardo Arroyo, Igrejas de São Paulo , 1954, 23. José Olympio Editora. Coleção Documentos Brasileiro N° 81. Ricardo Costa de Oliveira, Bacharel em Ciências Sociais (UFRJ), Mestre em Planejamento e Desenvolvimento Urbano (Universidade de Londres) e Doutor em Ciências Sociais (UNICAMP). Diásporas Contemporâneas Um judeu italiano no Brasil Afeganistão O professor Armando Foá, judeu italiano, quando das “Leis Raciais” fascistas refugiou-se no Brasil. Aqui integrou-se ao corpo docente da Universidade Católica de Campinas (depois renomeada PUCCAMP) como professor de cálculo vetorial. Por sua alta qualificação intelectual era considerado uma estrela desta universidade, sendo muitas vezes convidado a proferir conferências, numa delas sofreu uma crise dos nervos, saindo do salão nobre para uma clínica em Santos, onde morreu em 18 de novembro de 1957. A razão ? Depressão e pavor ao ver que a Krupp, que sustentara o Nazismo, estava construindo uma filial próxima a Jundiaí. Esta dolorida história foi recuperada e contada de forma sensível pelo jornalista e escritor Eustáquio Gomes, publicada como “Foá e a mecânica celeste” na Revista do Correio Popular (Campinas, 30-04-2000, p. 50). Em 1948 cinco mil judeus viviam no Afeganistão Hoje o país é dominado por milícias de estudantes islâmicos radicais (taleban). Neste Afeganistão intololerante vive o último judeu local. É Ytzhak Levy, 59, o guardião da antiga sinagoga e do cemitério em Herat, capital do país. Todos os outros foram embora, inclusive sua mulher e cinco filhos. Ele porém recusa-se a partir. “Não abandono a sinagoga e nosso cemitério. Se eu for, quem cuidará dos mortos e de nosso prédio?”. Levy, descende dum grupo de judeus vindos da Pérsia há duzentos anos, que escaparam das conversões forçadas em Meshed. A história do país registra que três tribos islâmicas locais, Afridi, Yussafzai e Durrani (de onde saiu a dinastia real), são descendentes do rei Saul. No Cemitério Israelita do Butantã, em S. Paulo, encontra-se sepultado, Moisés Behor Issaharof (Herat, 1905S. Paulo, 1964), judeu de origem afegã. Ostrowiec, Polônia O genealogista americano Harry Stein publicou na revista “The Kielce Radom Special Interest Group Journal” (vol. 4, nº 2, Spring 2000, pp. 3-8) o artigo “Ostrowiec: The Witches Survived, The Jews Are Dead”. Nele, Stein, descreveu sua viagem em maio de 1999 a Ostrowic Swietokrzyski, conhecida por “Ostrovya”, 180 kms ao sul de Varsóvia. Ostrowiec, de 50 mil habitantes, é uma cidade industrial. Ela foi uma cidade de maioria judaica: 80% de judeus em 1857, 63% em 1899, 60% em 1910, 51% em 1921 e 38% em 1938. O brasão municipal possui uma estrela de David. Stein, cujo nome original é Brochsztajn, visitou a casa de seus avós, o cemitério e encontrou registros de sua família, para compor a sua genea logia. Dois websites estão relacionados com este artigo: www.jewishgen.org/krsig e www.ostrowiec.to.pl/~um/e_index.htm 20 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 Silva e a genealogia dos Abravanéis Aparece na trama do livro “Agosto” de Rubem Fonseca o repórter Arlindo Silva. É o mesmo que está no “Chatô” de Fernando Morais. Dentre suas façanhas jornalísticas ele foi o primeiro a entrar no quarto de Vargas morto. Mas ele não é um personagem de ficção, pois em um de nossos encontros dominicais da SGJ/Br., ele apareceu e não foi notícia. Ele nos deu a notícia: Estava terminando uma biografia do empresário e apresentador de TV Silvio Santos, mas precisava de uma genealogia dos Abravanéis, que lhe fornecemos. Todos nós ficamos satisfeitos com a carreira que, “A Fantástica História de Silvio Santos” vem fazendo, desde o seu lançamento, é o primeiro lugar em vendas. Só nos resta cumprimentá-lo. Parabéns, Silva ! • Falecimentos • Faleceu em Berlim (13-01-2000), o cantor alemão Estrongo Nachama, nascido em Salônica (04-05-1918), filho de um cerealista grego. Ele foi deportado para Auschwitz, onde seus pais e irmãs foram assassinados (gassed). Foi poupado graças ao seu talento como barítono. Após o Holocausto manteve-se em Berlim, como cantor sacro e também profano. Há disco gravado por ele que registra a sua voz; “Chasanut Gesänge Aus der Synagoge” (Repertório do Hazan e cantos da sinagoga). Ele também aparece rapidamente no filme “Cabaret”. O seu filho Andreas Nachama é o lider da comunidade judaica alemã. • Faleceu em Roma (13-04-2000), o escritor italiano Giorgio Bassani, nascido em Bolonha (04-03-1916). Ele foi também poeta, ensaísta e editor na Casa Feltrinelli. É dele a descoberta do romance “O Leopardo” do Príncipe Giuseppe Maria Fabrizio Salvatore Stefano Vittorio Tomasi di Lampedusa. Porém é mais conhecido como o autor do romance semi-auto-biográfico “Il giardino dei Finzi Contini”, que descreveu a burguesia judia de Ferrara antes das leis raciais e da II Guerra Mundial, publicado em 1962, traduzido para vários idiomas, inclusive ao hebraico. • Faleceu em S. Paulo (04-05-2000), o engenheiro e professor norteamericano, Hanns John Maier, de 76 anos. Nascido na Alemanha, migrou com a família nos anos trinta para os EUA, onde adquiriu a nacionalidade. No Brasil, foi professor do Instituto Tecnológico da Aeronáutica em S. José dos Campos, entre 1954 a 1957; vice-presidente da Case Corporation e administrou uma pousada em Ubatuba. Sua notoriedade veio da grande quantidade de cartas que publicou nas seções de jornais e revistas nacionais e estrangeiros, opinando sobre os mais diversos assuntos. • Faleceu no Rio de Janeiro (05-06-2000), o jornalista, escritor e publicitário Hélio Kaltman, de 61 anos. Ele começou a carreira no jornal “Última Hora”, passou por outros jornais, esteve na publicidade e escreveu vários livros. Porém a sua fama deve-se ao personagem “Dr. Palhares, do Gabinete”, um suposto assessor de ministro, que ele criou para agilizar uma devolução de descontos indevidos em folha, que não conseguia vencer a burocracia. Bem sucedido no desencalhe do processo ele escreveu um livro sobre a burla. • Faleceu em Lisboa (09-06-2000), o engenheiro agrônomo português António Poppe Lopes Cardoso, nascido em Praia, Santiago, Cabo Verde (27-03-1933), filho de Álvaro Eurico Lopes Cardoso, Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, e de Maria Júlia Cohen Poppe, descendente de judeus e cristãos-novos trasmontanos. Seguindo a tradição familiar, desde cedo dedicou-se a atividade política, esteve exilado na França, Brasil e Marrocos (onde foi assessor do Ministro da Agricultura). Após o 25 de Abril de 1974 entrou para o Partido Socialista, ocupou a pasta de Ministro da Agricultura no VI Governo Provisório e foi deputado por várias vezes. Quando o seu ministério iniciou um processo de reforma agrária ouviram-se insinuações antisemitas contra ele e os “cristãos-novos” das Beiras e de Trás-os-Montes. Segundo o Presidente Jorge Sampaio, o amigo era “um homem lúcido e coerente, um homem que não vergava”. V. “Uma Teia Familiar: Cristãos-novos Portugueses Nobilitados no Século Passado” (Gerações/Brasil, maio 1999, vol. 5, nº 1/2, p. 6 em diante). • Faleceu em Campinas (19-06-2000), o historiador e professor brasileiro José Roberto do Amaral Lapa, natural da mesma cidade (04-08-1929), descendente de tradicionais troncos paulistas e fundador do Centro de Memória da UNICAMP. Sua relação com a • • • • história judaica foi em dois momentos; primeiro como autor de “Livro da Visitação do Santo Ofício da Inquisição do Grão-Pará” e atualmente como orientador de Ariel Elias numa dissertação de mestrado sobre a presença dos judeus em Campinas no final do século XIX. Faleceu em Lima (21-06-2000), o camponês peruano Ezequiel Ataucusi Gamonal, aos 83 anos, líder messiânico da seita Israelitas del Nuevo Pacto Universal, candidato à presidência da república do seu país. O seu grupo religioso de cerca de oitocentos mil seguidores, espalhados pelas regiões amazônicas de Peru, Bolívia, Brasil, Colômbia e Venezuela, o considerava como o terceiro profeta histórico (Noé foi o primeiro e Abrãao, o segundo). Desde o momento que aderem a seita eles não cortam o cabelo, nem a barba, usam túnicas, guardam o Sábado e nas luas novas sacrificam ovelhas, cabritos e pombas. Apesar do nome eles não possuem nenhuma ligação com os judeus ou com Israel. Faleceu em Los Angeles (01-07-2.000), o ator norte-americano Walter Matthau, nascido em New York (01-10-1920), com o nome de Walter Matuchanskayasky, filho de Melas Matuchanskayasky (segundo sua biografia oficial, um sacerdote ortodoxo russo) e Rose Berolsky, uma costureira judia. O ator participou em mais de 45 filmes, destacando-se “Uma Loura por um Milhão” (1966), quando ganhou um Oscar como coadjuvante. Ele começou a vida profissional vendendo sorvetes e refrigerantes em teatros ídiches, tornou-se depois o “ponto” nestes teatros até deslanchar sua carreira como ator. Na II Guerra Mundial foi criptógrafo de rádio numa unidade de bombardeio na Europa.a. Faleceu em Washington (13-07-2000), o diplomata e escritor polonês Jan Karski, nom de guerre de Jan Kozieleweski, nascido em Lodz (1914). Tenente do Exército Polonês, católico fervoroso e anti-comunista, sobreviveu ao massacre dos oficiais poloneses em Katyn ordenado por Stalin. Em 1943 foi a primeira pessoa a informar Anthony Eden e Franklin Roosevelt da existência dos campos de extermínio. Felix Frankfurter, juiz da Suprema Corte americana, que era judeu, reagiu cético a esta notícia: “A man like me, talking to a man like you, must be totally frank. So I say, I am unable to believe what you told me”. Em 1994 ele foi reconhecido como cidadão honorário de Israel e indicado quatro anos depois para um Prêmio Nobel da Paz. Faleceu em Copenhague (28-07-2000), o físico holandês Abraham Pais, nascido em Amsterdam (1918). Era considerado um dos principais historiadores da ciência. Escreveu vários livros, destacando-se dentre todos a sua biografia de Albert Einstein, “Subtle Is The Lord – The Science and Life of Albert Eisntein”. Ele também elaborou conceitos fundamentais da teoria moderna das partículas elementares. Sua genealogia foi descrita na autobiografia “A Tale of Two Continents”. “Eu, Abraão (os amigos chama-me Bram), sou filho de Isaías, filho de Abraão, que era cortador de diamantes, filho de Isaías, também cortador de diamantes, filho de Abrãao Pays – que casou por duas vezes e teve onze filhos, do seu primeiro e segundo casamentos – filho de Natham Paes, filho de Benjamin Paes, filho de Natham Paes. Todos estes meus antepassados, tal como eu próprio, nasceram em Amsterdam. A razão pela qual posso saber da existência de tantos antepassados paternos é que todos estes Pais pertenciam à congregação Talmud Torá de Amsterdam e estão registrados nos livros que foram preservados. Não consigo ir para trás na descoberta dos meus predecessores, mas estou certo de que eles chegaram a Amsterdam provindos da Península Ibérica após 1590, altura em que os primeiros judeus sefarditas chegaram às terras baixas (hoje Bélgica e Países Baixos), por via da cidade frísia de Emden, quase certamente que provindos de Portugal” Faleceu em Joanesburgo (19-08-2.000) o empresário sul-africano Harry Frederick Oppenheimer, nascido em Kimberly (28-101908), filho de “Sir” Ernest Oppenheimer (1880-1957), um judeu 21 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 21 alemão de Friedberg, que de um princípio modesto, formou a Anglo American Corporation of South Africa, Ltd., para a exploração mineira, controlando através dela o comércio mundial de diamantes. O Sr. Oppenheimer teve uma educação sofisticada, estudou em Oxford e depois sucedeu como chairman no grande conglomerado, cargo que ocupou por 25 anos, ao seu pai. Ele foi um empregador sensível, construindo casas para os negros que empregava, encorajando a criação de sindicatos e fomentando a educação para eles. Acredita-se que ele teve uma participação silenciosa, mas importante, na dissolução do regime de apartheid. • Faleceu no Rio de Janeiro (20-08-2.000), a socialite brasileira Beki Klabin, nascida em Istambul (10-09-1921), filha de José Alfasso, dono de um moinho. No Brasil ela casou-se com o multimilionário Horácio Klabin, da importante família de industriais e benfeitores do mesmo nome, com quem teve dois filhos: Paulo e Cláudio, que lhe deram sete netos. Ela tornou-se conhecida nacionalmente, aparecendo em programas de auditórios, transmitidos pela TV, como jurada, simulando inclusive um namoro com o cantor popular Waldick Soriano. Beki Klabin foi a precursora das “emergentes”, mulheres de fortuna recém-adquirida que atraem com sua ostentação a curiosidade popular, tornando-se uma caricatura estereotipada da milionária. • Faleceu no Rio de Janeiro (27 -09-2000), o editor brasileiro Abrahão Koogan, de 88 anos, nascido na Ucrânia. Foi o primeiro editor de Freud no Brasil. Celebrizou-se pelos dicionários e enciclopedias editados por ele. Foi um “editor que nos trouxe uma visão cosmopolita dos fatos culturais, editando e contatando autores internacionais, abrindo um generoso leque de dicionários e enciclopédias que hoje compõem as estantes de professores e alunos, pesquisadores e eruditos” (Carlos Heitor Cony, “Abrahão Koogan” (FSP, 0410-2000) • Faleceu em S. Paulo (?-11-2000), Felícia (Felá) Mester, aos anos, diretora e redatora do Caderno Cultural, publicação da Na´amat (Pioneiras). “Ativista abnegada, de alma judia e coração sionista, impregnada de amor à Israel e fidelidade à Na´amat. Na Organização, o expoente máximo de companheirismo e amor; sabedoria, criatividade, conhecimentos amplos e intelectualidade” • Faleceu em New York (04-12-2000), a enxadrista americana Gisela Kahn Gresser, nascida em Detroit (08-02-1906). Foi a primeira mulher a ser eleita para o Chess Hall of Fame (1992). Entre 1944 a 1969 ela venceu o campeonato feminino americano por nove vezes. • Faleceu em New York (03-01-2001), o atleta e cronista esportivo americano Marty Glickman, nascido em New York (14-08-1917). Ele e Sam Stoller, ambos judeus, pertenciam a equipe de revezamento 4 x 100, que competiria na Olimpíada de Berlim (1936), mas foram excluidos por Avery Brundage, Presidente do Comitê Olímpico dos EUA, que temia desagradar o ditador nazista. Foram substituidos pelos negros Owens e Metcalfe que venceram a competição. Mesmo com todo este ambiente anti-semita doze atletas judeus ganharam medalhas olímpicas nestes jogos, inclusive a esgrimista Helene Mayer, filha de pai judeu, que defendeu a equipe alemã. Glickman abandonou o esporte, para narrar partidas de basquete, futebol americano e beisebol, tornando-se um dos mais populares cronistas esportivos do seu país. • Faleceu em Long Island (?-01-2001), a juiza americana Beatrice Sobel Burstein, nascida em New York ( 05-1915), filha de Joseph e Tillie Sobel, imigrantes poloneses. Esposa do advogado Herbert Burstein e mãe de outra juiza, Karen Burstein, ela pertencia a chamada “primeira família legal de Nassau County”. A juiza Burstein era Democrata e defendeu fundamentalmente os Direitos da crianças e dos prisioneiros. 22 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • Faleceu em Paris (03-02-2001), o jornalista e empresário francês Gilbert Trigano, aos 80 anos. Ele exerceu várias atividades diferentes na sua vida. Foi ator, jornalista do “L´Humanité”, membro da Resistência. Porém a sua notoriedade, veio por ter criado, junto com o belga Gérard Blitz, o Club Mediterranne, o Med, em 1950. Que foi dirigida por ele durante mais de trinta anos. Sendo sucedido por seu filho Serge Trigano. • Faleceu em Campinas (25-02-2001), Iandira Valadares, aos 73 anos, mãe de Sara e Paulo Valadares (nosso colaborador). • Faleceu em Los Angeles (09-03-2001) o comerciante americano Leopold Page (Poldek Pfefferberg), nascido em Krakow (20-031913). Ele foi o número 173 da “Lista de Schindler”, e também quem convenceu ao diretor Spilberg a fazer um filme com o episódio que viveu. • Faleceu em Ma`aleh Yisrael (08-05-2001), o agricultor Arnaldo (Arieh) Leão Agranionik, nascido em Erexim, RS (1953), descendente de uma família gaúcha, notável pelo cultivo do soja e da criação de cavalos. Ele foi o primeiro brasileiro a ser assassinado por grupos terroristas árabes em Israel. Arieh Agranionik deixou três filhos: Oren, Dudu e Orian. Visita ao Cemitério da Consolação ocê acharia interessante participar de uma reunião que estivessem V presentes, dois Presidentes da República (Campos Sales, Washington Luís), Governadores e Presidentes de S. Paulo (Carvalho Pinto, Abreu Sodré, Bernardino de Campos e outros), além de milionários, mecenas, escritores? Dia 3 de junho, último, alguns membros da SGJ/Br participaram de uma visita ao Cemitério da Consolação, guiados pelo Dr. Délio Freire dos Santos, a maior autoridade no assunto, participando de uma reunião semelhante. Num cemitério, além da observação etnocultural – devoção a santos populares, cultos primitivos, é possível encontrar informações históricas (personalidades, famílias, dados vitais, etc) e principalmente a arte cemiterial. O Dr. Délio, nos introduziu a compreensão da simbologia utilizada nestes túmulos: a papoula, símbolo do sono eterno; a ampulheta e as asas do morcego, a passagem do tempo e a sabedoria; a coluna quebrada, a vida interrompida bruscamente; o pelicano, o amor materno. Além de lendas milenares, como a de Orfeu e Eurídice descrita em mármore nos túmulos dos Trevisioli. A mulher, que forma uma interrogação, no túmulo do poeta Moacir Piza. O suntuoso conjunto estatuário, ninfas dispostas em forma de navio, mais algumas figuras alegóricas da vida do homenageado, como a caridade amparando a pobreza, no túmulo de Name Jafet. Foi uma visita que nos agradou muitíssimo, ensinou-nos bastante e despertou-nos o interesse para fazer uma visita destas aos cemitérios judaicos de S. Paulo. Espanha arabizada O Último Omeíada ? Assim como há um movimento de pessoas identificando-se como descendentes de cristãos-novos, há também os que alegam descender dos moriscos, restos da população árabe que compuzeram os reinos islâmicos da região. Várias famílias espanholas, originárias da região andaluza, são reconhecidas como herdeiras destas tradições: Abela, Adelmón, África, Alcázar, Allobar, Ambasil, Aranda, Arenós, Belvis, Benajara, Benasar, Benegas, Benjumea, Brea (Será a família da atriz brasileira Sandra Brea ?), Ceuta, Cuéllar, Gali, Granada, Granada Venegas, Hazera, Jaén, Madrid, Marín, Muley, Palacios de Moro, Xama e Zegrí. A mais importante delas é a dos Granada Venegas, possuidores do título “Marqués de Campotéjar”, descendente da dinastia que reinou em Granada entre 1232 a 1492. Outra família destacada, é a Bejumea (Ibn Ummayya), a mesma de Julio Salvador y Díez-Benjumea (1910), Ministro da Aeronáutica no Governo Franco (1973-4), de quem foi dito: “siendo la ultima vez por ahora que una persona del linaje de los Omeyas haya participado en la gobernación de España”. Amílcar Paulo Paulo Valadares Relendo a coleção de HaLapid — a revista publicada pela comunidade reunida em torno da Sinagoga Kadoorie Mekor Haim, Porto, entre as décadas de vinte e cinqüenta passadas, encontramos a seguinte notícia sobre um de seus membros: “Um jovem cripto-judeu trasmontano de 18 anos de idade, natural do concelho de Freixo de Espada à Cinta, Amílcar Nascimento Calvo Paulo, foi recebido na Aliança de Abraham a fim de ser pùblicamente um servidor do Deus Altíssimo e Único. O novo israelita recebeu o nome de Levi Ben-Har. Mazal tob a este jovem resgatado1.” Este é o registro formal da entrada naquela comunidade de mais um criptojudeu atingido pela “Obra do Resgate” liderada pelo Capitão Artur Carlos de Barros Basto, o “Guia dos Maranos” (é assim mesmo). Este “baalei teshuvá” (retornado ao Judaísmo) ganharia importância posteriormente com suas originais pesquisas etnográficas. Amílcar Nascimento Calvo Paulo nasceu em Monte dos Judeus, freguesia de Miragaia, Porto, em 27 de janeiro de 1929. Era filho do guarda-fiscal Francisco Augusto Paulo e Maria do Nascimento Calvo, neto paterno de Manoel Inácio Paulo e Josefina Augusta Pereira, neto paterno de Joaquim Maria Calvo e Angélica Camila Caló. Amílcar Paulo casou-se com Maria de Lourdes da Fonseca Cordeiro, natural de Reigada, Castelo Branco. Não tiveram filhos. Nascido no Porto, ele passou a infância na freguesia de Fornos, concelho de Freixo de Espada à Cinta, terra de seus avós, o que lhe marcaria a personalidade. Tanto que anotou no seu curriculum vitae: “embora “tripeiro” por nascimento é transmontano pelo sangue e pelo fogo vivo do seu amor perene ao Nordeste de Trás-os-Montes”. Amílcar Paulo teve várias atividades na sua vida. Freqüentou dois cursos superiores, mas não concluiu nenhum. Foi redator do “Diário da Noite”, trabalhou com teatro e principalmente a partir de 1956 um etnógrafo interessado nas tradições criptojudaicas de sua região. Algumas de suas pesquisas foram utilizadas para o volume IV de “Etnografia Portuguesa”, de J. Leite de Vasconcelos. Suas publicações encontram-se esparsas por várias revistas portuguesas. O seu artigo mais conhecido, foi escrito em parceria com a Profª Anita Novinsky: “The Last Marranos”, in Commentary, New York, vol. 43, nº 5, May 1967, pp. 76-81. O Prof º Reuven Faingold lembra-se dele como “baixinho e fumando muito”. O Dr. Inácio Steinhardt cedeu-me a fotografia que ilustra o seu perfil. Ele faleceu em Miragaia, Porto, em 15 de março de 1983. Nota Ha-Lapid, nº 132, luas de março e abril 1946/5706), p. 4. 23 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 • 23 Arquivo Histórico Judaico Brasileiro Rua Prates, 790 — Bom Retiro 01121-000 — São Paulo — SP tel.: 228-8769 [email protected] www.ceveh.com/ahib expediente GERAÇÕES / BRASIL é uma publicação semestral da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil (organização sem fins lucrativos) filiada à Association of Jewish Genealogical Societies (AJGS/USA) e ao Arquivo Histórico Judaico Brasileiro (AHJB) Editores Guilherme Faiguenboim Reuven Faingold Alain Bigio Anna Rosa Campagnano Paulo Valadares Layout e diagramação Paulo Valadares - coordenação Alfredo P. Santana - diagramação Endereços para correspondência Caixa Postal 1025 Campinas - São Paulo 13001-970 E-mail: [email protected] Renove sua Anuidade ou Filie-se à Sociedade Genealógica Judaica do Brasil / Anuidade (R$ 20,00) Para tornar-se um membro da Sociedade Genealógica Judaica do Brasil, envie este cupom preenchido, juntamente com um cheque nominal de R$ 20,00 Nome Endereço Completo Telefone ( ) 24 • GERAÇÕES / BRASIL, Junho 2001, vol. 10 E-mail