Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 4), 1999 Zornoff e cols. Artigo Original Lisinopril na isquemia experimental Efeito do Lisinopril na Isquemia Experimental em Ratos. Influência do Tamanho do Infarto Leonardo A. M. Zornoff, Beatriz B. Matsubara, Luiz S. Matsubara, Sérgio A. R. Paiva, Maria T. T. Tornero, Joel Spadaro Botucatu, SP Objetivo - Os inibidores da enzima conversora da angiotensina vêm ganhando destaque como estratégia para prevenir ou atenuar o processo de remodelação ventricular, após o infarto do miocárdio. A importância do tamanho do infarto em relação à resposta aos inibidores da enzima conversora da angiotensina, entretanto, é controversa. O objetivo deste estudo foi analisar os efeitos do lisinopril na mortalidade, função cardíaca, grau de hipertrofia e fibrose ventricular, em ratos com diferentes tamanhos de infarto. Métodos - Lisinopril (20mg/kg/dia), dissolvido em água de beber, foi administrado imediatamente após a oclusão coronariana. Após sacrifício, os animais infartados foram divididos em dois grupos: infartos pequenos (<40% do ventrículo esquerdo) ou grandes (>40% do ventrículo esquerdo). Resultados - A mortalidade foi de 31,7% com tratamento e de 47% nos ratos não tratados. Não houve diferença estatística entre os grupos infartados com infartos pequenos ou grandes em relação à concentração de hidroxiprolina. O tratamento atenuou, em infartos pequenos, a disfunção cardíaca caracterizada por menor desenvolvimento de pressão e menores valores tanto da primeira derivada de pressão quanto da derivada negativa de pressão. O grau de hipertrofia também foi atenuado em infartos pequenos. Para infartos grandes, não foram observadas diferenças entre os grupos. Conclusão - O tratamento com inibidores da enzima conversora da angiotensina não exerceu efeitos na mortalidade e na quantidade de fibrose; o efeito protetor do lisinopril na função cardíaca e no grau de hipertrofia é detectável apenas em infartos pequenos. Palavras-chave: infarto do miocárdio, rato, lisinopril Faculdade de Medicina de Botucatu - UNESP Correspondência: Leonardo A. M. Zornoff - Faculdade de Medicina de Botucatu – UNESP - Depto de Clínica Médica - Rubião Jr. S/N - 18618-000 - Botucatu, SP Recebido para publicação em 31/3/99 Aceito em 7/6/99 Após infarto agudo do miocárdio ocorrem, freqüentemente, alterações da arquitetura ventricular, envolvendo tanto a região infartada como a não infartada. Nos últimos anos, estas adaptações passaram a ser estudadas com o nome de remodelação ventricular pós-infarto agudo do miocárdio 1. Na fase inicial do infarto agudo do miocárdio, podemos observar dilatação ventricular aguda, caracterizada por adelgaçamento e distenção da região infartada. Esta alteração é denominada expansão do infarto e resulta do deslizamento de áreas musculares necróticas em conseqüência da desintegração do colágeno interfibrilar. Na fase tardia, observam-se seqüencialmente diferentes graus de dilatação cardíaca que dependem da intensidade da manifestação ventricular ocorrida no período inicial. A dilatação cavitária tardia é resultado do processo de hipertrofia que envolve ambos os ventrículos e parece manifestar-se como adaptação às novas situações de carga 1. O reconhecimento e entendimento deste processo é crucial, pois a remodelação ventricular está associada a um pior prognóstico, pós-infarto, desde que sua presença e intensidade estão relacionadas com maior incidência na formação de aneurismas, ruptura cardíaca, piora funcional, arritmias e maior mortalidade 2. Outro aspecto importante relacionado à remodelação ventricular é o fato de que sua evolução pode ser modificada por meio de diversas intervenções terapêuticas. Como estratégia para prevenir ou atenuar este processo, vem ganhando destaque, nos últimos anos, o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina. Existem dúvidas, como por exemplo: em quais situações, corações submetidos ao infarto se beneficiariam com o tratamento? Assim, o objetivo deste trabalho foi analisar os efeitos da administração de inibidores da enzima conversora da angiotensina sobre possíveis efeitos deletérios da remodelação ventricular, em diferentes tamanhos de infarto. Métodos Foram utilizados 293 ratos Wistar, machos, provenientes do Biotério do Câmpus de Botucatu, da UNESP, pesando entre 200-250 gramas. Arq Bras Cardiol, volume 73 (nº 4), 359-365, 1999 359 Zornoff e cols. Lisinopril na isquemia experimental O infarto agudo do miocárdio foi produzido, de acordo com método descrito previamente 3 e já padronizado em nosso laboratório 4. Em resumo, após anestesia por inalação de éter, era realizada toracotomia esquerda, entre o 4º e o 5º espaços intercostais. O coração era exteriorizado por compressão lateral do tórax e a artéria coronária esquerda ligada, cerca de 2mm de sua origem, com fio de polivinil (5-0, Ethicon), entre a borda do átrio esquerdo e o sulco da artéria pulmonar. A seguir, o coração era rapidamente recolocado na cavidade torácica, o tórax fechado e os animais mantidos em gaiolas, para recuperação, alimentados com ração comercial e livre acesso à água. Após 12h, que correspondem ao período por nós estipulado de recuperação cirúrgica, foram constituídos três grupos de animais: grupo NT (n=51): formado pelos animais infartados que não receberam medicação; grupo LP (n=63): constituído de animais infartados que receberam, 12h após a cirurgia, lisinopril (20mg/kg/dia) dissolvido em água de beber, por um período de 3 meses. Esta dose acarreta efeitos antiproliferativos e anti-hipertensivos 5; grupo C (n=10): composto pelos animais controle, submetidos ao mesmo procedimento cirúrgico, excetuando-se a ligadura da artéria coronária. A partir da divisão dos grupos, os animais foram colocados em observação, registrando-se a mortalidade nos três grupos estudados. Após três meses, os animais sobreviventes receberam pentobarbital sódico (50mg/kg) e heparina (1000UI) por via intraperitoneal, sendo ventilados, com pressão positiva, com oxigênio a 100%. A seguir, o tórax era aberto, as carótidas ligadas e a aorta cateterizada com cânula de metal nº 15, iniciandose a perfusão miocárdica retrógrada, com solução nutriente de Krebs-Henseleit, usando-se a composição, em mM, 115 NaCl; 5,4 KCl; 1,2 MgSO4; 1,25 CaCl2; 1,15 NaH2SO4; 1,2 Na2SO4; 25 NaHCO3; 11 glicose, acrescida de insulina 10U/l e manitol, na concentração de 8mM, para assegurar maior preservação miocárdica 6. Os corações eram então removidos da caixa torácica e colocados em aparelho de estudo de coração isolado, tamanho 3-tipo 830 (Hugo Sachs Electronic - Grunstasse, Germany), com pressão de perfusão constante de 75mmHg. A solução nutriente era continuamente oxigenada com mistura gasosa de 95% de O2 e 5% de CO2, mantendo-se a pressão parcial de oxigênio entre 500 e 600mmHg, à temperatura de 37ºC, com pH entre 7,3 e 7,4. O átrio esquerdo era aberto e o ápice do ventrículo esquerdo puncionado com agulha, para drenar a cavidade ventricular, evitando-se acúmulo de líquido no seu interior. Um balão de borracha, tipo látex, atado a tubo rígido de duplo lúmen era colocado na cavidade ventricular. Uma das comunicações do tubo rígido era conectada a transdutor de pressão (STATHAN P23 X L) e a outra, a uma seringa de 1ml. A musculatura atrial direita, compreendendo a região do nódulo sinoatrial, era extirpada e eletrodo de marcapasso artificial colocado no miocárdio do ventrículo direito para se manter, artificialmente, a freqüência cardíaca entre 180 e 200bpm. Por meio da preparação descrita, curvas de Starling 360 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 4), 1999 eram obtidas com infusão de líquido no balão, que permitia variar a pressão diastólica do ventrículo esquerdo de 0 a 30mmHg, através de incrementos graduais de 5mmHg, registrando-se a pressão sistólica correspondente a cada variação de volume. Em preparações assim concebidas, em que o coração opera em contrações isovolumétricas, a pressão sistólica é considerada um bom indicador da capacidade contrátil. Foram registradas também a primeira derivada de pressão (+dp/dt) e a derivada negativa de pressão (-dp/dt). Estes índices serviram, respectivamente, como parâmetros de função sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo. O fator de calibração da derivada do ventrículo esquerdo era obtido segundo a técnica utilizada por Moura Campos 7. Após o estudo funcional, os corações eram retirados do aparelho de perfusão, secos com papel filtro e o ventrículo direito, a seguir, dissecado. Os ventrículos direito e esquerdo (incluindo o septo ventricular) eram pesados e preparados para análise morfométrica. Para a estimativa do grau de hipertrofia ventricular, foi usado o peso do ventrículo direito, ajustado para o peso corporal do rato (PVD/PC). Após manutenção por 24h em solução de formol a 10%, o ventrículo esquerdo era preparado para a determinação do tamanho do infarto, sendo colocado em solução contendo álcool a 70%, onde permanecia por mais 24h. A seguir, era realizado, em cada coração, corte transversal entre 5 e 6mm do ápice para a base, pelo fato de este corte refletir a média dos resultados de cortes de todo ventrículo 8,9. O tecido miocárdico obtido era corado em lâmina, com solução de hematoxilina-eosina e utilizado para análise morfométrica, realizada por meio da medida dos comprimentos epicárdicos endocárdicos dos segmentos infartados e não infartados, calculando-se, assim, a porcentagem de comprimento infartado em relação ao comprimento total do ventrículo esquerdo. Os infartos que corresponderam a mais de 40% do ventrículo esquerdo considerados infartos grandes, e os que corresponderam a menos de 40% do ventrículo esquerdo foram considerados infartos pequenos. Conseqüentemente, os animais dos grupos NT e LP foram subdivididos em função destes diferentes tamanhos de infarto. As dosagens de hidroxiprolina no ventrículo direito e na região medial do septo do ventrículo esquerdo foram realizadas de acordo com a técnica descrita por Switzer 10. Em relação à metodologia estatística, utilizamos a análise de sobrevivência (curva de Kaplan Meier), para a mortalidade; as diferenças entre as curvas foram analisadas pelo teste Log-Rank. Para a estimativa de hipertrofia cardíaca foram plotados os dados individuais, as médias e o erros padrão de cada grupo. As diferenças observadas foram analisadas pelo teste de análise de variância (ANOVA). A estimativa de fibrose cardíaca foi feita por meio do teste de Kruskal-Wallis. Para testar a homocedasticidade, em cada tempo, dos resultados obtidos no estudo funcional, utilizamos o teste de Bartlett e, após este estudo, para comparação entre os grupos, foi utilizada análise de variância (ANOVA). O nível de significância utilizado foi de 5%. Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 4), 1999 Zornoff e cols. Lisinopril na isquemia experimental A tabela I mostra o número de ratos sobreviventes que apresentavam infarto grande e pequeno após o período de 90 dias, em cada grupo. Na figura 1 estão apresentados os resultados do estudo funcional realizado em corações com infartos pequenos. Podemos verificar que, para todos os níveis de pressão diastólica, as pressões sistólicas são maiores no grupo C em relação aos grupos LP e NT (p<0,05). Por sua vez, as pressões sistólicas do grupo LP foram estatisticamente maiores que as do grupo NT (A). Em relação à +dp/dt (B), podemos verificar que, para todos os níveis de pressão diastólica, os valores da +dp/dt são maiores no grupo C. Em adição, podemos observar que para níveis de pressão diastólica de 0 até 20mmHg, os valores da derivada foram maioTabela I - Grupos de animais utilizados nos estudos morfofuncionais, após 90 dias do infarto. Grupos C NT LP IAM P (<40% do VE) IAM G (>40% do VE) 10 13 18 10 11 15 + dp/dt (mmHg/s) Pressão Sistólica (mmHg) IAM P- infarto pequeno; IAM G- infarto grande; VE- ventrículo esquerdo; C- controle; NT- não tratado; LP- lisinopril. * os números representam o montante de ratos em cada grupo. res no grupo LP em relação ao grupo NT (p<0,05). Para valores de pressão diastólica de 25 e 30mmHg, entretanto, os valores da derivada não mostraram diferenças significantes entre os grupos. Resultados semelhantes foram obtidos em relação à -dp/dt (C). Para grandes infartos, a análise dos resultados mostra que o grupo C apresenta resultados maiores estatisticamente em relação aos grupos LP e NT, para qualquer variável. Por sua vez, a pressão sistólica do grupo LP foi maior em comparação ao grupo NT apenas para pressão diastólica de 0mmHg e 5mmHg. Para valores de pressão diastólica acima de 10mmHg não houve diferenças significantes entre os grupos (fig. 2-A). Em relação à +dp/dt (B) e à -dp/dt (C), os resultados não mostraram diferenças significantes entre os grupos LP e NT. Quanto à estimativa de hipertrofia cardíaca, em infartos pequenos verificou-se menor relação PVD/PC nos corações dos animais controle em relação aos dos animais tratados com lisinopril e os dos animais não tratados. Por sua vez, o grupo LP apresentou menor relação PVD/PC quando comparado com o grupo NT (p<0,05) (fig. 3-A). Para grandes infartos, as relações PVD/PC dos grupos NT e LP não apresentaram diferenças significantes entre si. Por sua vez, o grupo C apresentou menor PVD/PC em relação aos grupos com infarto (B). Na tabela II estão apresentados os resultados das concentrações de hidroxiprolina. Para infartos pequenos, podemos observar que o grupo C apresentou menor con- - dp/dt (mmHg/s) Resultados Fig. 1 -Representação gráfica, na forma de curvas médias ± erro padrão, do estudo funcional em infartos pequenos. A- pressão sistólica; B- dP/dt; C- -dP/dt; NT- não tratado; LPlisinopril; C- controle. *p<0,05 vs C e NT. 361 -dp/dt (mmHg/s) Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 4), 1999 + dp/dt (mmHg/s) Pressão Sistólica (mmHg) Zornoff e cols. Lisinopril na isquemia experimental Fig. 2 - Representação gráfica, na forma de curvas médias ± erro padrão, do estudo funcional em infartos grandes. A- pressão sistólica; B- dP/dt; C- -dP/dt; NT- não tratado; LPlisinopril; C- controle. *p<0,05 vs LP. centração de hidroxiprolina que os grupos infartados. Por sua vez, os grupos NT e LP não apresentaram diferenças estatisticamente significantes. Resultados semelhantes foram obtidos em relação aos infartos grandes. Em relação à análise de sobrevida, verificou-se que após o período de recuperação de 12h, a mortalidade observada no grupo C foi zero; 31,7% para o grupo LP e 47% para o grupo NT. A diferença entre os grupos LP e NT não atingiu significância estatística (fig. 4). Discussão Com a presente investigação, evidenciamos o efeito benéfico da administração de lisinopril, em variáveis evolutivas das adaptações miocárdicas, que ocorrem após o infarto agudo do miocárdio. Saliente-se que a análise crítica de nossos resultados permite a afirmação de que a capacidade de atuação do lisinopril variou tanto em função do tamanho do infarto como do parâmetro analisado. Em relação ao método de estudo funcional, em nossa preparação utilizavam-se contrações cardíacas isovolumétricas; nessas condições, a pressão sistólica desenvolvida durante as contrações, bem como a +dP/dt, são aceitas como parâmetros de função sistólica 11-13. Da mesma maneira, a -dP/ dt é utilizada como parâmetro de função diastólica 14. Quanto aos nossos resultados, podemos observar que para infartos pequenos, o tratamento com lisinopril resultou 362 em melhora no desempenho cardíaco. Esta melhora pode ser verificada tanto pelos parâmetros de função sistólica (PS e +dP/dt) quanto pelo parâmetro de função diastólica (-dP/ dt). É interessante notar que, para a +dP/dt e -dP/dt, o grupo LP apresentou diferenças significantes nos seus valores, em comparação ao grupo NT, apenas até a pressão diastólica de 20mmHg. Para infartos grandes, não verificamos diferenças entre os dois grupos infartados, quando os parâmetros funcionais analisados foram a +dP/dt e a -dP/dt. Em relação à pressão sistólica, podemos observar que o grupo LP apresentou maior capacidade de gerar força. Este achado, entretanto, foi observado apenas com pressão diastólica de 0 e 5mmHg; acima destes níveis de pressão diastólica, não houve diferença entre os grupos infartados. Outros autores verificaram que corações infartados de ratos apresentaram melhora no desempenho funcional, em relação a animais controle, quando submetidos ao aumento progressivo da pressão diastólica 15,16. Considerando-se que o estiramento da fibra miocárdica aumenta o grau de ativação contrátil, poderíamos supor que, no nosso modelo, corações mais preservados em conseqüência do insulto isquêmico seriam menos dependentes da pré-carga para desenvolver força. Para corações com maior grau de comprometimento, entretanto, seriam necessárias maiores pressões de enchimento para atingir-se grau máximo de ativação contrátil. A relação peso ventricular/peso corpóreo, apesar de Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 4), 1999 Zornoff e cols. Lisinopril na isquemia experimental Tabela II - Mediana dos valores das concentrações de hidroxiprolina (mg/g de tecido seco). Grupo Ventrículo direito/peso do corpo (mg/g) NT LP C Fig. 3 - Representação da estimativa de hipertrofia cardíaca, com os dados individuais e as médias ± erro padrão. A- infarto pequeno; B- infarto grande; NT- não ratado; LP- lisinopril; C- controle. *p<0,05 vs NT. ser um índice indireto de hipertrofia cardíaca, é utilizada em diversos modelos experimentais para aquilatar crescimento celular. A complexa seqüência de eventos, alguns contrapostos, como reabsorção de tecido miocárdico necrótico, qualidade da cicatriz e grau de hipertrofia, pode interferir no peso do ventrículo infartado de modo a não refletir real crescimento celular 17. Assim, optamos por não considerar este parâmetro em nosso experimento. Por outro lado, em função do comprometimento do ventrículo esquerdo infartado ocorrem alterações hemodinâmicas (hipertensão arterial pulmonar) e neuro-humorais (aumento da concentração de angiotensina II e catecolaminas, entre outras). Estes eventos levam a aumento da massa do ventrículo direito, caracterizado por crescimento do miócito, edema e acúmulo de colágeno, que estão em relação direta com o tamanho da área infartada. Como se depreende do exposto acima, embora o aumento da massa ventricular direita não espelhe exclusivamente o processo hipertrófico, a relação PVD/PC é aceita na literatura como parâmetro de crescimento celular neste modelo 11,17,18. Estes achados foram reafirmados em trabalho anterior, de nosso laboratório, onde se verificou que em ratos submetidos à oclusão da IAM P IAM G VD VE VD VE 3,95 5,78 3,03* 4,34 4,36 2,93* 6,73 5,33 3,03* 5,44 4,81 2,93* IAM P- infarto pequeno; IAM G- infarto grande; VD- ventrículo direito; VE- ventrículo esquerdo; NT- não tratado; LP- lisinopril precoce; C- controle; *p < 0,05 vs NT e LP. artéria coronária esquerda, tanto a relação PVD/PC quanto o diâmetro transverso dos miócitos do ventrículo direito eram significantemente maiores do que nos animais controle, 21 dias após o infarto 19. Em nosso trabalho, os resultados variaram em função do tamanho do infarto. Nos grandes infartos, a administração de inibidores da enzima conversora da angiotensina não alterou o grau de hipertrofia. No caso de pequenos infartos, entretanto, o lisinopril atenuou a hipertrofia adaptativa pós-infarto agudo do miocárdio. A quantidade de colágeno no ventrículo direito e no tecido remanescente do ventrículo esquerdo foi analisada, em nosso trabalho, por meio da concentração de hidroxiprolina. Apesar de ser um método quantitativo indireto, verificou-se estreita correlação entre o método bioquímico e a quantidade de colágeno analisada por morfometria 20,21. Esta constatação permite que a concentração de hidroxiprolina seja aceita como parâmetro de quantidade de colágeno, neste modelo 22,23. Apesar das evidências de que a atividade dos fibroblastos possa ser regulada pela AII e pela aldosterona 24, a capacidade de interferência dos inibidores da enzima conversora da angiotensina no processo de fibrose é ainda, controversa. Alguns autores verificaram que os inibidores Fig. 4 - Mortalidade, na forma de curva de Kaplan-Meyer, entre os grupos. NT- não tratado; LP- lisinopril; C- controle; p>0,05 entre NT e LP. 363 Zornoff e cols. Lisinopril na isquemia experimental da enzima conversora da angiotensina diminuíram o montante tecidual de colágeno 23,25, enquanto outros não evidenciaram interferência do tratamento na intensidade da fibrose após o infarto 17,22. Em nosso estudo, podemos observar que o infarto se acompanha de aumento da concentração de colágeno. Por sua vez, não observamos diferenças na concentração de hidroxiprolina entre os dois grupos infartados. Deste modo, nossos dados sugerem que o lisinopril não interfere com a quantidade de colágeno, independentemente do tamanho do infarto. Outro aspecto relevante observado na presente investigação refere-se à sobrevida, já que a mortalidade entre os grupos não atingiu significância estatística. Desta forma, nossos resultados são discordantes dos dados obtidos em outros modelos experimentais, nos quais se verificou diminuição da mortalidade com o uso de inibidores da enzima conversora da angiotensina pós-infarto agudo do miocárdio 26,27. A explicação para os resultados divergentes poderia se basear na duração das pesquisas, pois enquanto aqueles autores observaram os animais por um período de um ano, nosso tempo de seguimento foi de três meses. Portanto, os dados disponíveis até o momento admitem a suposição de que parâmetros morfo-funcionais possam ser avaliados precocemente pós-infarto agudo do miocárdio. Para análises relativas à mortalidade, entretanto, seria prudente utilizar um período maior de observação, no qual diferenças de comportamento poderiam tornar-se mais evidentes. Outra hipótese a ser aventada para explicar os resultados divergentes em nossa pesquisa poderia estar fundamentada no fato de que, nos animais dos dois grupos infartados, aproximadamente a metade (45%) dos óbitos ocorreu na primeira semana após o infarto. Assim, esta alta mortalidade precoce poderia ter diminuído a sensibilidade da análise estatística, determinando uma igualdade matemática. Para testar esse possível vício estatístico, optamos como estratégia, por não considerar os animais que morreram na primeira semana após a oclusão coronariana. A análise de sobrevida nesta nova situação, durante período de 11 semanas, permitiu a verificação de que a mortalidade apresentada pelos animais do grupo tratado com lisinopril (LP) foi estatisticamente menor do que a dos animais não tratados. Desta forma, como resultado da já citada alta mortalidade nos primeiros dias após o infarto, este modelo experimental poderia induzir a uma impropriedade estatística. Assim, nossos resultados sugerem que em modelos experimentais semelhantes ao nosso, estudos de mortalidade deveriam compreender período mais longo de observa- 364 Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 4), 1999 ção, ou maior tempo de recuperação cirúrgica. Esta tática ampliaria a aplicabilidade deste modelo em relação ao efeito protetor de drogas sobre a mortalidade pós-infarto agudo do miocárdio. Portanto, tanto em relação ao estudo funcional como à estimativa de hipertrofia cardíaca, houve atenuação dos efeitos deletérios inerentes à remodelação ventricular, apenas, nos infartos comprometendo menos do que 40% do ventrículo esquerdo. Nossos dados estão em concordância com os resultados de outros autores. Assim, Pfeffer e cols. 26 demonstraram, em ratos, que a administração de captopril reduziu a mortalidade, em período de observação de um ano após a oclusão coronariana, apenas nos animais com infarto comprometendo entre 20 e 40% do ventrículo esquerdo (infarto moderado). Animais com infartos pequenos (<20% do ventrículo esquerdo) e grandes (>40% do ventrículo esquerdo) não se beneficiaram com o tratamento, em relação à sobrevida. No mesmo modelo experimental, Vollert e cols. 27 verificaram benefícios do tratamento para animais com infartos pequenos e moderados. O uso de lisinopril, porém, não interferiu com a mortalidade, nos casos de grandes infartos. Assim, os resultados disponíveis, até o momento, permitem a suposição de que pequenos infartos ofereceriam menor substrato fisiopatológico para a remodelação ventricular e, portanto, o efeito do tratamento não teria a mesma relevância em comparação aos efeitos obtidos em infartos moderados. Da mesma forma, grandes infartos resultariam em alterações morfo-funcionais tão exuberantes, que este fenômeno atenuaria o poder de interferência de inibidores da enzima conversora da angiotensina na evolução do processo isquêmico, após o infarto agudo do miocárdio. Diante do exposto, o conjunto dos nossos resultados permite as seguintes conclusões: o uso do lisinopril, pós-infarto agudo do miocárdio, acompanha-se de atenuação da remodelação ventricular, promovendo melhora nos parâmetros funcionais e grau de hipertrofia. O tratamento não modificou a mortalidade e a quantidade de colágeno. A capacidade de interferência do lisinopril depende do tamanho do infarto, adquirindo relevância apenas em infartos que comprometem menos do que 40% do ventrículo esquerdo. Agradecimentos À Sra. Valéria Maria Ricarelli de Oliveira e ao Sr. Mario Augusto Dallaqua pela colaboração prestada. Arq Bras Cardiol volume 73, (nº 4), 1999 Zornoff e cols. Lisinopril na isquemia experimental Referências 1. 2. 3. 4. 5. 6. 7. 8. 9. 10. 11. 12. 13. 14. 15. Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular remodeling after myocardial infarction: experimental observations and clinical implications. Circulation 1990; 81: 1161-72. Pfeffer MA, Braunwald E. Ventricular enlargement following infarction is a modifiable process. Am J Cardiol 1991; 68: 127D-31D. Maclean D, Fishbein MC, Maroko PR, Braunwald E. Hyalunonidase-induced reduction in myocardial infarct size. Science 1976; 194: 199-200. Spadaro J, Hashimoto LM, Franco RSS, Bregagnollo EA, Tucci PJF. Efeito da administração prévia de amiodarona na incidência precoce de fibrilação ventricular durante isquemia miocárdica experimental. Arq Bras Cardiol 1984; 42: 25-9. Kabour A, Henegar JR, Devineri VR, Janicki JS. Prevention of angiotensin II induced myocyte necrosis and coronary vascular damage by lisinopril an losartan in the rat. Cardiovasc Res 1995; 29: 543-8. Zornoff LAM, Paiva SAR, Tornero MTT, Carvalho MSS, Tucci PJF. Influência do acréscimo de manitol à solução nutriente no desempenho mecânico e no grau de edema miocárdico de corações isolados de ratos. Arq Bras Cardiol 1995; 64: 225-9. Moura Campos CFº. A contração isovolumétrica do ventrículo esquerdo na estenose aórtica (Tese). Escola Paulista de Medicina - São Paulo, 1968. Spadaro J, Fishbein MC, Hare C, Pfeffer MA, Maroko PR. Characterization of myocardial infarcts in the rat. Arch Pathol Lab Med 1980; 104: 179-83. Oh B-H, Ono S, Rockman HR, Ross J Jr. Myocardial hypertrophy in the ischemic zone induced by exercise in rats after coronary reperfusion. Circulation 1993; 87: 598-607. Switzer BR. Determination of hydroxiproline in tissue. J Nutr Biochem 1991; 2: 229-31. Pfeffer MA, Pfeffer JM, Fishbein MC, et al. Myocardial infarct size and ventricular function in rats. Circ Res 1979; 503-12. Raya TE, Gay RG, Lancaster L, Aguirre M, Moffett C, Goldman S. Serial changes in left ventricular relaxation and chamber stiffness after large myocardial infarction in rats. Circulation 1988; 77: 1424-31. Litwin SE, Raya TE, Anderson PG, Litwin CM, Bressler R, Goldman S. Induction of myocardial hypertrophy after coronary ligation in rats decreases ventricular dilatation and improves systolic function. Circulation 1991c; 84: 1819-27. Zile MR, Conrad CH, Gaasch WH, Robinson HG, Bing OHL. Preload does not effect relaxation rate in normal, hypoxic, or hypertrophic myocardium. Am J Physiol 1990; 258: H191-9. Mill JG, Stefanon I, Leite CM, Vassalo DV. Heterometric regulation and calcium sensitivity of the infarcted rat heart. Braz J Med Biol Res 1991; 24: 429-36. 16. Stefanon I, Martins MA, Vassalo DV, Mill JG. Analysis of right and left ventricular performance of the heart with chronic myocardial infarction. Braz J Med Biol Res 1994; 27: 2667-79. 17. Litwin SE, Raya TE, Warner AL, Litwin CM, Goldman S. Effects of captopril on contractility after myocardial infarction: experimental observations. Am J Cardiol 1991b; 68: 26D-34D. 18. Anversa P, Beghi C, MacDonald SL, Levicky V, Kikkawa Y, Olivetti G. Morphometry of right ventricular hypertrophy induced by myocardial infarction in the rat. Am J Pathol 1984; 116: 504-13. 19. Spadaro J, Cicogna AC, Tucci PJF, Cury PR, Montenegro MR. Morphometric evaluation of the time course of right ventricular hypertrophy after left coronary artery ligation in rats. Braz J Med Biol Res 1989; 22: 517-22. 20. Weber KT, Janicki JS, Shroff SG, Pick R, Chen RM, Bashey RI. Collagen remodeling of the pressure-overloaded, hypertrophied nonhuman primate myocardium. Circ Res 1988; 62: 757-65. 21. Nicoletti A, Mendes D, Hinglais N, et al. Left ventricular fibrosis in renovascular hypertensive rats. Effect of losartan and spironolactone. Hypertension 1995; 26: 101-11. 22. Litwin SE, Litwin CM, Raya TE, Warner AL, Goldman S. Contractility and stiffnes of noninfarcted myocardium after coronary ligation in rats. Effects of chronic angiotensin-converting enzyme inhibition. Circulation 1991a; 83: 1018-37. 23. Mill JG, Milanez MC, Busatto VC, Moraes AC, Gomes MG. Ativação da enzima conversora de angiotensina no coração após infarto do miocárdio e suas repercussões no remodelamento ventricular. Arq Bras Cardiol 1997; 69: 101-10. 24. Brilla CG, Zhou G, Matsubara L, Weber KT. Collagen metabolism in cultured adult rat cardiac fibroblasts: response to angiotensin II and aldosterone. J Mol Cell Cardiol 1994; 26: 809-20. 25. Michel J-B, Nicolletti A, Arnal JF. Left ventricular remodeling following experimental myocardial infarction. Eur Heart J 1995; 16(suppl I): 49-57. 26. Pfeffer MA, Pfeffer JM, Steimberg BS, Finn P. Survival after an experimental myocardial infarction: beneficial effects of long-term therapy with captopril. Circulation 1985b; 72: 406-12. 27. Wollert KC, Studer R, Bulow B, Drexler H. Survival after myocardial infarction in the rat. Role of tissue angiotensin-converting enzyme inhibition. Circulation 1994; 90: 2457-67. 365