Técnico em enfermagem retificação Técnico em Enfermagem retificação das, oferecendo-se outros serviços identificados pela equipe local de saúde como necessários para aquela população determinada. A instância nacional, no tocante à vacinação, continua a exercer as funções de normalização e de coordenação, além de promover as condições e incentivar o gestor estadual no sentido de que esta ação se integre, de forma definitiva, às demais ações ofertadas pelo sistema de saúde de cada município. Mesmo na estrutura nacional, o PNI se integra definitivamente à epidemiologia e a projetos mais abrangentes, no âmbito da promoção da saúde e da atenção à saúde de crianças, adolescentes, gestantes, idosos e outros grupos. Continua, também, como função da instância nacional o apoio e a cooperação técnica para implementar ações destinadas ao controle de agravos que possam constituir risco de disseminação nacional ou no caso da adoção de instrumento ou mecanismo de controle que exige uma utilização rápida e abrangente, como é o caso das campanhas nacionais de vacinação. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. MANUAL DE PROCEDIMENTOS PARA VACINAÇÃO. PARTE III. 4. ED. BRASÍLIA, 2001. 316 Manual de Procedimentos para Vacinação Parte I Planejamento das Atividades de Vacinação 1. Introdução O planejamento é básico para o desenvolvimento de qualquer ação ou serviço, permitindo a sistematização e a coordenação do processo de trabalho, a racionalização dos recursos disponíveis, a definição de estratégias e a avaliação dos serviços, com a conseqüente tomada de decisões e redefinição de rumos, caso necessário. Quando realizado a partir da instância mais próxima da população – a instância municipal – o planejamento reúne condições para resolver efetivamente os problemas enfrentados pelos executores das ações. A partir daí, as demais instâncias – regional, estadual e nacional – se organizam e se preparam para apoiar técnica, operacional e financeiramente a esfera executora do Sistema Único de Saúde (SUS), o que deve estar explicitado nos respectivos planos. O Programa Nacional de Imunizações (PNI), na área da saúde, é uma prioridade nacional, com responsabilidades dos governos federal, estadual e municipal. O alcance dos objetivos e a adoção de estratégias com um mínimo de unidade exigem a articulação dessas instâncias, de forma a compatibilizar atividades, necessidades e realidades, num esforço conjunto. Hoje, com o estabelecimento de condições de gestão para o município e para o estado, pela Norma Operacional Básica do SUS (NOB/SUS-96), a habilitação a essas condições significa a declaração pública de compromissos assumidos pelo gestor perante a população sob sua responsabilidade, traduzidos em requisitos e prerrogativas. A principal prerrogativa para o município habilitado é a transferência regular e automática de recursos federais para o Fundo Municipal de Saúde. Entre os requisitos vinculados mais diretamente ao trabalho de vacinação, tem-se a elaboração do Plano Municipal de Saúde e a comprovação da “capacidade para o desenvolvimento de ações de vigilância epidemiológica”. O município, por menor que seja, a partir do momento em que se habilita a receber os recursos da União, começa a ser exigido e cobrado no sentido de programar e ofertar em seu território, pelo menos, os serviços básicos, inclusive domiciliares e comunitários, de responsabilidade tipicamente municipal. A vacinação é um serviço básico, passando, obrigatoriamente, a ser planejada no conjunto das ações oferecidas pela rede de serviços de saúde. De outro lado, com o surgimento de estratégias específicas voltadas à transformação do modelo de atenção à saúde, como o Programa de Saúde da Família e o Programa de agentes comunitários de saúde, a população passa a ser vista, cada vez mais, no seu todo e as ações passam a ser dirigidas às pessoas, individual e coletivamente. Com isso, não se justifica um plano de vacinação isolado; o trabalho casa a casa ou a mobilização ou a montagem de operações de campo somente para vacinar. As oportunidades são potencializaDidatismo e Conhecimento 2. O Programa Nacional de Imunizações (PNI) O PNI foi instituído em 1973 como uma forma de coordenar ações que se caracterizavam, até então, pela descontinuidade, pelo caráter episódico e pela reduzida área de cobertura. Estas ações conduzidas dentro de programas especiais (erradicação da varíola, controle da tuberculose) e como atividades desenvolvidas por iniciativa de governos estaduais, necessitavam de uma coordenação central que lhes proporcionasse sincronia e racionalização. A Lei nº 6.259, de 30/10/1975, regulamentada pelo Decreto nº 78.231, de 12/08/1976, institucionaliza o PNI e define competências que podem ser consideradas válidas até o momento: • implantar e implementar as ações do Programa, relacionadas com as vacinações de caráter obrigatório; • estabelecer critérios e prestar apoio técnico e financeiro à elaboração, implantação e implementação do programa de vacinação (...); • estabelecer normas básicas para a execução das vacinações; • supervisionar (...) e avaliar a execução das vacinações no território nacional(...); • (...) analisar e divulgar informações referentes ao PNI.” 2.1. Objetivos do PNI O PNI, no momento atual, tem como objetivos: • contribuir para a manutenção do estado de erradicação da poliomielite; • contribuir para o controle ou erradicação: - do sarampo; - da difteria; - do tétano neonatal e acidental; - da coqueluche; - das formas graves da tuberculose; - da rubéola – em particular a congênita; - da caxumba; - da hepatite B; - da febre amarela; - da raiva; - das doenças invasivas causadas por Haemophilus influenzae tipo b; e • contribuir para o controle de outros agravos, coordenando o 1 Técnico em Enfermagem retificação suprimento e a administração de imunobiológicos indicados para situações ou grupos populacionais específicos, tais como: - vacina contra a meningite meningocócica tipo C; - vacina contra a febre tifóide; - vacina contra a hepatite A; - vacina acelular contra a difteria, o tétano e a coqueluche; - vacina contra a infecção pelo pneumococo; - vacina contra influenza; - vacina de vírus inativado contra a poliomielite; - vacina contra a raiva humana – célula diplóide; - imunoglobulina anti-hepatite B; - soro e imunoglobulina anti-rábica; - soro e imunoglobulina antitetânica - vacina e imunoglobulina antivaricela zóster; e - soros antipeçonhentos para acidentes provocados por serpentes, aranhas e escorpiões. poralmente associados à vacinação; - coordenar, definir fluxos de informação e supervisionar as ações de desenvolvimento, aperfeiçoamento e manutenção das bases de dados do Sistema de Informações em Imunizações; - consolidar e analisar as informações produzidas e elaborar indicadores visando subsidiar as ações desenvolvidas e o seu monitoramento; e - elaborar normas relativas às imunizações.” 2.3. Estabelecimento de normas técnicas O desenvolvimento do Programa é orientado por normas técnicas estabelecidas nacionalmente. Essas normas referem-se à conservação, ao transporte e à administração dos imunobiológicos, assim como aos aspectos de programação e avaliação. Para assegurar a aceitação e uniformidade de uso em todo o país, as normas são estabelecidas com a participação dos estados e municípios, por meio dos órgãos responsáveis pela operacionalização do Programa, além de outras instituições representadas, principalmente, no Comitê Técnico Assessor em Imunizações, criado pela Portaria nº 389, de 06/05/1991. O Comitê é integrado por representação da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), da Sociedade Brasileira de Medicina Tropical (SBMT), por pediatras e infectologistas das cinco macrorregiões do país, bem como por técnicos das demais áreas do Cenepi e da própria CGPNI. As normas e orientações técnicas, gerenciais e operacionais são sistematizadas e divulgadas por meio de documentos técnicos, normativos e operacionais, disseminados por toda a rede de serviços. 2.2. Estrutura do PNI Na instância nacional o Programa de Imunizações é responsabilidade da Fundação Nacional de Saúde (FUNASA), do Ministério da Saúde, sendo integrante da estrutura do Centro Nacional de Epidemiologia (Cenepi), estruturando-se em três coordenações cujas competências estão estabelecidas na Portaria nº 410, de 10 de agosto de 2000 (publicada no DOU, de 18/08/2000), a saber: • Coordenação-Geral do Programa Nacional de Imunizações (CGPNI): - “coordenar, propor normas e supervisionar a utilização de imunobiológicos; - coordenar e propor normas relativas ao sistema de informações para as imunizações; - elaborar indicadores das ações de imunizações para análise e monitoramento; - propor o esquema básico de vacinas de caráter obrigatório; - coordenar a investigação de eventos adversos temporalmente associados à vacinação; - elaborar programação de necessidades para a execução das ações de imunizações; - propor ações relativas à qualidade e à segurança dos imunobiológicos; - participar da elaboração e acompanhar a execução das ações na Programação Pactuada e Integrada de Epidemiologia e Controle de Doenças (PPI-ECD); e - executar as ações de imunizações de forma complementar ou suplementar em caráter excepcional, quando for superada a capacidade de execução dos estados ou houver riscos de disseminação em instância nacional.” • Coordenação de Imunobiológicos (COIMU): - “ elaborar as normas técnicas de acondicionamento e conservação para distribuição dos imunobiológicos; - prestar suporte técnico às centrais nacional, estaduais, regionais e municipais da rede de frio; e - elaborar a programação das necessidades de imunobiológicos a serem utilizados pelo Programa Nacional de Imunizações, bem como acompanhar o processo de aquisição, produção nacional e controle de qualidade.” • Coordenação de Normatização do Programa Nacional de Imunizações (Conpi): - “coordenar e elaborar normas de vigilância dos eventos temDidatismo e Conhecimento 2.4. Imunobiológicos O suprimento dos imunobiológicos necessários, sem ônus para os órgãos executores, é responsabilidade da instância federal, que adquire os produtos, coordena a importação e incentiva a produção nacional. Os produtos nacionais ou importados são adquiridos e distribuídos pelo gestor federal às secretarias estaduais de saúde, a partir da Cenadi, implantada em 1982, que tem como competência receber, armazenar, acondicionar e distribuir os imunobiológicos, enviar amostras para aferição da qualidade, além de participar de supervisões e treinamentos em rede de frio. A qualidade dos produtos distribuídos é garantida mediante atuação do Instituto Nacional de Controle de Qualidade em Saúde (INCQS), da estrutura da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), criado em 1981. Amostras de todos os lotes dos imunobiológicos, nacionais ou importados, são analisadas pelo INCQS antes da distribuição para consumo. O Instituto é referência técnica para os laboratórios produtores. 2.5. Estratégias e grupos-alvo A capacitação de recursos humanos é uma estratégia importante para o aperfeiçoamento do Programa, assim como a cooperação técnica, a supervisão, o monitoramento e a avaliação das atividades, em âmbito federal, estadual e municipal. É sensível, hoje, a melhora nas coberturas vacinais da população menor de cinco anos, com as vacinas contra a poliomielite, a tríplice bacteriana, a BCG e contra o sarampo, principalmente a partir de estratégias específicas, como a realização da multivacinação nos dias nacionais de campanha. Esses dias, realizados a partir 2 Técnico em Enfermagem retificação de 1980, permitiram a não ocorrência de casos de poliomielite desde abril de 1989. As ações voltadas aos menores de cinco anos são implementadas na rotina, nos dias regionais e nacionais de multivacinação e por intermédio de ações específicas de intensificação, cobrindo a totalidade dos nascidos em cada ano e completando o esquema daqueles que, por diferentes motivos, não foram vacinados no primeiro ano de vida. A oferta de imunobiológicos para os menores de cinco anos tem sido ampliada, sempre de acordo com critérios epidemiológicos, a exemplo das vacinas contra a hepatite B e contra a febre amarela incorporadas ao calendário básico, respectivamente em 1997 e 1998. A partir de 1999, foi introduzida a vacina contra o Haemophilus influenzae tipo b, para crianças menores de um ano de idade, com vistas ao controle das doenças invasivas causadas por esta bactéria, como a meningite, a otite, a epiglotite, a pneumonia, a celulite, a osteoartrite, a cardite e a septicemia. Outro grupo que merece atenção especial é o das gestantes e mulheres em idade fértil, cuja vacinação está voltada ao controle do tétano neonatal. Para mulheres no puerpério (no pós-aborto ou no pós-parto) é ofertada, desde 1997, a vacina contra a rubéola. Para o controle do tétano acidental o foco é a vacinação de escolares, ampliando-se, quando necessário, para outros grupos de risco, como idosos, trabalhadores rurais e braçais, de indústrias, etc. O controle da raiva humana, ou seja, a vacinação para o tratamento preventivo da raiva humana, é implementada na rotina da rede básica, bem como a vacinação destinada ao controle das meningites. Recentemente, para o controle das doenças respiratórias nos idosos foram introduzidas as vacinas contra o vírus da influenza e contra pneumococos. A partir de 1993, iniciou-se a implantação dos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIEs) com a finalidade de atender pessoas em situações específicas que não podem receber os produtos utilizados na rotina, prioritariamente os imunodeprimidos. tégias é muito comum: na década de 1980 a prioridade era quase que exclusiva para o grupo dos menores de cinco anos, hoje, com o surgimento de outras vacinas ou de outros grupos de suscetíveis, amplia-se a oferta de produtos e a faixa etária de atendimento, exigindo um reposicionamento em termos de metas e estratégias. A disponibilidade de dados e informações permanentemente atualizadas é outro aspecto importante na formulação do plano ou da programação. Os sistemas de informações existentes na instância local devem orientar e facilitar a tomada de decisões, evitando-se que formulários e planilhas sejam preenchidos tão-somente para cumprir uma obrigação. 3.1. Aspectos conceituais O planejamento do conjunto das atividades de saúde a ser ofertado a uma população deve incluir: • a organização dos serviços; • a gestão dos serviços; • os diferentes recursos estratégicos, como recursos humanos e informação; e • a atenção à saúde propriamente dita. O plano decorrente do planejamento contém, portanto, propostas (objetivos, metas, estratégias) relativas, por exemplo, à estruturação da área de epidemiologia, ao relacionamento com o gestor estadual, ao encaminhamento de pacientes para o CRIE, etc. Além disso, explicita os recursos orçamentários e financeiros em termos, por exemplo, do percentual do orçamento municipal e dos recursos oriundos da esfera federal e estadual. O plano especifica, também, as ações e os serviços a serem ofertados, além daquilo que se pretende com relação aos recursos humanos, ao sistema de informação, à assistência farmacêutica, entre outros. A explicitação de cada um dos aspectos referidos na análise da situação de saúde (diagnóstico) serve de base para definir objetivos, prioridades e estratégias, metas, ações e recursos. Os objetivos explicitam as intenções de quem planeja com relação a uma determinada ação ou serviço, constituindo os marcos referenciais do plano ou programação, a partir dos quais são definidas as prioridades. As prioridades representam, em um universo de necessidades, aquilo que se considera como mais urgente (magnitude e transcendência) e passível de resolução (vulnerabilidade), levando em conta, especialmente, recursos técnicos e financeiros disponíveis. A partir da definição das prioridades são estabelecidos os objetivos, em função dos quais são definidas as estratégias a serem adotadas. A estratégia é o como fazer. É o caminho a ser seguido para alcançar o objetivo pretendido. Em função das prioridades, dos objetivos e das estratégias são definidas as metas e as ações. As metas são quantificadas e aprazadas, correspondendo a cada uma um grupo de ações e os recursos necessários por fontes de financiamento. O plano ou a programação inclui todos os serviços prestados no território de um município, por órgãos federais, estaduais e municipais, bem como por prestadores conveniados e contratados. Inclui, da mesma forma tudo o que se relacionar com a referência para o atendimento da população fora do território, como, por exemplo, a utilização do CRIE de referência regional, localizado em outro município. Merece atenção especial no planejamento áreas de difícil acesso, comunidades indígenas e populações carentes, principalmente crianças desnutridas que moram em favelas e bairros periféricos das cidades, onde é alta a densidade populacional e insalubre as condições de vida. 4. Análise da situação de saúde 3. O processo de planejamento O planejamento contempla uma série de etapas ordenadas ao longo do tempo e desenvolvidas mediante processos específicos com tempos e movimentos diferentes: • planejamento (propriamente dito); • execução; • acompanhamento; • avaliação; e • replanejamento. O planejamento propriamente dito consiste, fundamentalmente, em avaliar o passado, pesquisar e indagar sobre o futuro, tomar decisões e prometer fazer. Ao concluir este trabalho tem-se um documento que expressa, basicamente, a intenção de quem planeja. No caso do município, expressa a intenção do gestor municipal, dando visibilidade às suas responsabilidades. O planejamento, que tem como produto o plano ou a programação, deve ocorrer dentro de um processo dinâmico capaz de permitir revisões periódicas de objetivos, prioridades e estratégias, seja em função dos avanços registrados, seja em decorrência dos obstáculos que eventualmente vão sendo defrontados. Na imunização, por exemplo, a revisão de prioridades e estraDidatismo e Conhecimento 3 Técnico em Enfermagem retificação • os serviços de referência; • o funcionamento dos serviços (horários, poder de decisão, iniciativa, autonomia de gastos e de soluções de problemas locais); • mecanismos adotados de acompanhamento e supervisão; • indicadores, critérios e instrumentos de avaliação; • utilização efetiva dos serviços pela população e grau de satisfação e de credibilidade. Ainda nessa análise também é vista a situação das ações e serviços de vigilância sanitária e de epidemiologia e controle de doenças, em termos de estruturação, capacidade, produção e cobertura. Inclui, ainda, o perfil epidemiológico local e regional: doenças, principais agravos e fatores de risco existentes na região, taxas de mortalidade e morbidade. A análise, ou seja o diagnóstico, destaca, da mesma forma, a identificação de: • áreas com baixa cobertura vacinal; • áreas com bolsões de suscetíveis; • áreas urbanas com grandes contingentes populacionais; • áreas de difícil acesso ou que não dispõem de serviços de saúde; • áreas silenciosas de notificação de doenças preveníveis por vacinação; e • áreas com casos suspeitos ou confirmados de doenças preveníveis por vacinação. O planejamento deve ter por base a análise da situação de saúde (diagnóstico) clara, precisa e abrangente, a fim de facilitar a definição e redefinição de objetivos, metas, estratégias, bem como a identificação das necessidades de recursos humanos, materiais e financeiros. Essa análise deve abranger o contexto em que se insere a ação objeto do planejamento. Por exemplo, se a tarefa é elaborar o plano de saúde do município a análise enfoca a realidade de saúde municipal, seus determinantes e condicionantes, além dos aspectos demográficos, em termos de evolução populacional nos últimos dez anos e sua distribuição na área urbana e rural, por faixa etária e por sexo. Abrange, também, os aspectos econômicos e sociais, como escolaridade, atividade econômica na área, fontes de recursos financeiros e arrecadação, saneamento, habitação, entre outros. 4.1. Análise do modelo de gestão vigente A análise correspondente ao modelo de gestão vigente leva em conta a organização e o funcionamento do sistema de saúde, municipal ou estadual, envolvendo a atuação do Conselho de Saúde, a operacionalização do Fundo de Saúde, a estruturação do órgão gestor (Secretaria Municipal ou Estadual), a sua capacidade para planejar e acompanhar as atividades executadas (setor público ou privado), bem assim para desenvolver ações de controle, avaliação e auditoria. Contempla, da mesma forma, as formas de articulação com outros municípios: a participação em consórcio e na Programação Pactuada e Integrada (PPI), assim como a articulação com outras esferas, principalmente no que se refere a ações ainda executadas pelo estado e pela União. 4.4. Análise dos recursos estratégicos e da participação da população No que se refere aos recursos específicos ou estratégicos é importante considerar a situação dos recursos humanos, dos sistemas de informação de base de dados nacional e outros; a aquisição e distribuição de medicamentos e outros insumos; a manutenção e o suprimento de equipamentos e desenvolvimento de tecnologia em saúde. O desenvolvimento de atividades junto à população e com suas representações seja para a vacinação, seja para outras ações de saúde, é incluída no diagnóstico e no planejamento, vez que são realizadas nas diferentes instâncias e avaliadas junto com as demais atividades. Na análise da situação (diagnóstico) são identificadas e analisadas as razões para as baixas coberturas. Algumas questões podem funcionar como ponto de partida, por exemplo: • será que a população está suficientemente esclarecida sobre a existência de doenças que podem ser evitadas? • será que os responsáveis pelas crianças conhecem os tipos de vacinas e o número de doses necessário para a completa imunização? • será que o serviço está divulgando os locais e horários de funcionamento da vacinação e que as vacinas são gratuitas? • será que os pais não levam suas crianças para serem vacinadas porque acham que diarréia, resfriado ou febre impedem a vacinação? • será que os pais não voltam para as demais doses com receio das reações? • será que as famílias estão encontrando problemas para chegar até o serviço? Quais são esses problemas? • será que os horários de vacinação são os mais adequados aos modos de vida e de produção da maioria dos pais? • será que a comunidade acredita no serviço e em seus profissionais? A análise das respostas a essas e outras questões vai permitir 4.2. Análise relativa ao financiamento No tocante ao financiamento, a análise considera a situação dos recursos orçamentários e financeiros em termos: • da composição do orçamento e do gasto em saúde com a discriminação da origem (tesouro municipal, recursos estadual e federal) e destinação dos recursos; • do percentual do total de recursos próprios do tesouro municipal dentro do total de recursos efetivamente aplicado em saúde; • do percentual dos recursos advindos de outras esferas gestoras (estadual e federal) dentro do total de recursos aplicados em saúde; • dos recursos aplicados diretamente no município pelas esferas federal e estadual; • dos recursos pagos ao prestador diretamente pela esfera federal; • dos recursos advindos por força de convênio e doações. 4.3. Análise do modelo de atenção à saúde Em termos do modelo de atenção à saúde, a análise (diagnóstico) da situação deve considerar a estruturação da rede, a capacidade instalada, a produção por tipo de prestador e a avaliação da cobertura da rede de serviços: básica, hospitalar e especializada. Deve explicitar, da mesma forma, a situação do sistema de apoio diagnóstico e terapêutico, da urgência e emergência, além da referência e contra-referência. Ao enfocar o modelo de atenção adotado o diagnóstico deve abordar: • a forma como os serviços se estruturam; Didatismo e Conhecimento 4 Técnico em Enfermagem retificação prever as atividades que deverão ser desenvolvidas para trabalhar com a comunidade. ponibilidade de dados da população por faixa de idade, assim detalhado: • menores de um ano; • menores de cinco anos; • gestantes; • mulheres em idade fértil; • menores de 15 anos; e • maiores de 60 anos. 4.5. A vacinação na análise da situação de saúde Uma análise da situação de saúde que sirva realmente de base ao planejamento de ações e serviços, conforme descrito até aqui, abrange as características da população, o modelo de gestão, o financiamento, o modelo de atenção e os recursos estratégicos. Em qualquer destes aspectos objeto da análise, a atividade de vacinação deve estar explicitada. As mudanças observadas no sistema de saúde exigem que o planejamento das ações de vacinação leve em conta o contexto mais abrangente que envolve a saúde da população. O diagnóstico necessário a esse planejamento não é diferente ou isolado daquele usado, por exemplo, para planejar a atuação de equipes de saúde da família ou para definir o trabalho de vigilância sanitária. É preciso, no entanto, que esse diagnóstico explicite aspectos de interesse específico para a definição dos objetivos, metas, estratégias e atividades relativas à vacinação, quais sejam: • estimativas populacionais; • análise da situação das doenças preveníveis pela vacinação: perfil epidemiológico local e regional; • delimitação da área de atuação; e • os recursos disponíveis. 4.5.2. Delimitação da área de atuação A delimitação da área geográfica de atuação de um serviço de saúde é tarefa complexa. No entanto, já estão disponíveis metodologias que possibilitam estudar a procedência da demanda de cada serviço, mapeá-la e obter uma provável população da área sobre a qual será feito o planejamento dos serviços a serem oferecidos. Com isso, evita-se a superposição, ou que a população seja contada duas vezes ou que, ao contrário, fique desassistida. O reconhecimento geográfico é um outro mecanismo, mais adequado para pequenas localidades e para a área rural. No reconhecimento geográfico identificam-se, por exemplo: o número de casas, os equipamentos sociais (igrejas, hospitais, escolas, creches, asilos, etc.), as vias de acesso e a relação entre as localidades. Em municípios onde já estão implantados o PSF ou o PACS a área de abrangência pode ser definida a partir do número de famílias trabalhadas pelas equipes. A delimitação da área de abrangência é importante pelo fato de cada situação requerer um planejamento das diferentes estratégias capazes de fazer o serviço acessível a quem dele precisa, incluindo-se aí a vacinação. A oferta de serviços em uma região industrial, com população aglomerada em torno de fábricas, é diferente de uma cidade-dormitório ou de uma área rural, com população desenvolvendo atividades fixas ou com predominância de bóias-frias. Considerar, ainda, outros fatores que influenciam na utilização do serviço, tais como: vias de acesso, meios de locomoção, acidentes naturais (rios, morros, etc.) ou artificiais (açudes, barragens, etc.). Outra alternativa é dividir a área em zonas, bairros, distritos ou subdistritos. Para a população rural, mais dispersa e de mais difícil acesso, levar em conta a distância entre as casas, a dispersão ou aglomeração em pequenos povoados, vilas, sítios ou fazendas. Para facilitar o trabalho, elaborar mapas e croquis que devem ser checados periodicamente para atualização. Os mapas e croquis devem mostrar os limites da área de atuação, indicar a localização de populações dispersas, de povoados, de ruas, além de escolas, igrejas, hospitais e outros pontos de referência, como vias de acesso, distâncias entre as localidades, rios, ilhas, morros, etc. 4.5.1. Estimativas de população A estimativa populacional é um dado indispensável para o cálculo da população-alvo da vacinação. A informação pode ser obtida a partir de dados do recenseamento realizado, de dez em dez anos, pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Mesmo assim, é preciso estar atento, pois, muitas vezes, os dados podem estar defasados quando o censo foi feito há muito tempo ou quando a área passa por processo de imigração ou emigração. É importante conhecer o fluxo migratório, a origem e a tendência, em termos do aumento ou redução da população geral ou de grupos específicos que, por exemplo, dependem da atividade produtora da área ou região. A taxa de migração influi diretamente na previsão da população a ser vacinada. As informações obtidas sobre o tamanho da população podem estar apresentadas de forma global ou divididas em faixas de idade. Os dados sobre a composição etária da população são obtidos a partir de proporções calculadas pelo IBGE. A Secretaria Estadual de Saúde, geralmente, dispõe das populações municipais calculadas com fatores de correção, de acordo com esse Instituto. Como as estimativas são feitas por meio de projeções matemáticas podem ocorrer distorções que serão tanto maiores quanto menor a população da área em questão. Para microrregiões e para grupos populacionais específicos (indígenas, gestantes, escolares, mulheres em idade fértil, idosos, etc.) existem formulações que auxiliam o cálculo da população-alvo, e que leva em conta as diversas fontes de dados existentes na área, tais como: registro de nascimentos e óbitos do cartório local; número de crianças matriculadas nas escolas locais; número de consultas de gestantes nos serviços de saúde e outros serviços médicos; cadastro de famílias realizado pelos agentes comunitários de saúde, quando estes profissionais cobrem 100% da área. Em síntese, é importante para a atividade de vacinação a disDidatismo e Conhecimento 4.5.3. Oferta dos serviços de vacinação A caracterização da rede de serviços é essencial para o planejamento das necessidades em termos de vacinação. A análise da situação do modelo de atenção deve especificar: • a quantidade e a distribuição geográfica da rede de serviços; • a natureza institucional (pública, privada e contratada) e tipo de serviço (posto, ambulatório, hospital); • ações e serviços de vacinação ofertados; • capacidade resolutiva, atendimento à demanda, ociosidade, atividades extramuros; acessibilidade ao CRIE, etc. É de interesse específico da vacinação que a análise da situação 5 Técnico em Enfermagem retificação contenha a série histórica dos índices de cobertura nos últimos cinco ou 10 anos, dos índices de morbidade e mortalidade por doenças evitáveis pela vacinação, identificando a localização dessas ocorrências e relacionando-as com a capacidade resolutiva da rede de serviços nessas áreas. Além disso, é importante analisar se o suprimento de vacinas tem atendido à demanda e se as estratégias utilizadas para vacinar a população-alvo têm sido as mais adequadas. (condições de uso e conservação, formas de utilização e gastos com combustível), a disponibilidade de motoristas, de serviços de manutenção mecânica, identificando, também, outras formas de locomoção da equipe e de transporte dos imunobiológicos e de outros materiais, tais como coletivos e veículos de outras instituições ou organizações da comunidade, analisando a viabilidade e o resultado dessa utilização. A análise da situação, ou seja o diagnóstico, tem uma parte analítica, descritiva e avaliativa, podendo ser complementada com quadros demonstrativos que consolidam os dados e informações. 4.5.4. Recursos humanos A caracterização dos recursos humanos existentes e disponíveis tem relação direta com o planejamento dos serviços a serem ofertados, vez que implica em decisão sobre admissão, redistribuição, capacitação e educação continuada. A análise deve abordar questões como a suficiência de pessoal e as necessidades e possibilidades de recomposição da força de trabalho, levando em conta, também, o investimento feito e as necessidades em termos de capacitação, atualização e aperfeiçoamento. No interesse da vacinação fazer referência aos processos de capacitação de pessoal de sala de vacinação, além do treinamento em vigilância epidemiológica e de outros instrumentais e estratégias disponíveis em imunizações e vigilância epidemiológica, tanto do Ministério da Saúde, como das secretarias estaduais e municipais. O quantitativo de profissionais é especificado segundo a formação básica, funções, atividades que desenvolvem, faixa salarial, vínculo empregatício, carga horária, qualificação, etc. No interesse da vacinação essa identificação poderá incluir recursos humanos de outras instituições e da comunidade. 5. Definição e quantificação das metas A definição de metas, ou seja, a quantificação dos objetivos e prioridades concretiza as intenções explicitadas no plano ou programação, facilitando o processo de acompanhamento e avaliação. Controlar ou erradicar doenças e agravos tem relação direta com a necessidade de trabalhar determinados contingentes da população-alvo, em um período de tempo definido. O impacto epidemiológico satisfatório exige que, para além da adoção de medidas de controle específicas, relativas a cada doença ou agravo, seja vacinado um percentual da população capaz de interromper a cadeia de transmissão. Esse percentual está relacionado ao grau de eficácia do imunobiológico e às características epidemiológicas de cada doença. Os percentuais de cobertura precisam ser alcançados e mantidos de forma homogênea dentro de cada unidade geográfica: os bairros dentro do município, os municípios dentro do estado e os estados dentro do país. Para a quebra da cadeia epidemiológica, considerando a população-alvo a ser vacinada, conforme orientado nesta parte do Manual (tópico 2, item 2.5 e tópico 4, item 4.5.1), os índices recomendados são os seguintes: • para a vacina tríplice bacteriana DTP: vacinação de 90% dos suscetíveis (não vacinados); • para a vacina BCG: vacinação de 90% dos suscetíveis; • para a vacina contra o sarampo: vacinação de 95% dos suscetíveis; • para vacina tríplice viral: vacinação de 95% dos suscetíveis; • para a vacina contra a poliomielite: vacinação de 95% dos suscetíveis; • para a dupla adulto objetivando o controle do tétano neonatal: vacinação de 100% das mulheres em idade fértil, nos municípios de risco; • para a febre amarela: vacinação de 100% dos suscetíveis; • para a vacina contra hepatite B: vacinação de 95% dos suscetíveis; • para a vacina contra Haemophilus influenzae tipo b: vacinação de 95% dos suscetíveis. O cálculo das metas é facilitado dividindo-se a população em alguns estratos mais importantes. A meta anual, ou seja, a população a vacinar durante um ano é desdobrada em metas mensais, o que permite avaliações periódicas capazes de orientar o ajuste das estratégias. 4.5.5. Instalações, equipamentos, material de consumo e transporte Para o planejamento das necessidades de instalações, equipamentos, materiais de consumo e transporte, a análise da situação baseia-se em inventário sobre a disponibilidade e condições de uso. Para a vacinação é importante incluir entre outras necessidades: • congeladores; • refrigeradores; • termômetros; • estufas; • autoclaves; • agulhas e seringas descartáveis; • algodão; • álcool a 70% para situações excepcionais; • caixas térmicas grandes e pequenas; • gelo reciclável; • sacos plásticos; • impressos (material de divulgação, formulários, folhas de registro, Cartão da Criança, Cartão do Adulto, Cartão da Gestante e Cartão de Controle, etc.); • recipiente rígido para descarte de materiais perfurocortantes. Considerar, além disso, a necessidade de manutenção e recuperação dos equipamentos e instalações ou a previsão de local e de condições para estocagem e destino final do lixo da sala de vacinação. Além de uma análise do processo de aquisição e suprimento de materiais, insumos e equipamentos, bem como o registro e controle. No tocante ao transporte, levar em conta veículos disponíveis Didatismo e Conhecimento 5.1. Metas nacionais de vacinação Para alguns imunobiológicos, conforme já referido, é necessário manter uma unidade de cobertura em âmbito nacional ou macrorregional, a fim de que a vacinação resulte em impacto sobre a situação da doença ou agravo objeto de controle. Por isso, o planejamento das atividades nas diferentes instân6 Técnico em Enfermagem retificação cias considera algumas metas nacionais, a saber: • administrar as vacinas contra a poliomielite, contra a hepatite B, contra o sarampo, contra a febre amarela, contra o Haemophilus influenzae tipo b, a tríplice bacteriana (DTP) e a BCG-ID em todas as crianças com menos de um ano de idade; e a vacina tríplice viral (contra o sarampo, a caxumba e a rubéola) nas crianças com um ano de idade; • administrar essas mesmas vacinas nas crianças com menos de cinco anos de idade, que não foram vacinadas ou que não completaram o esquema básico no primeiro ano de vida; • administrar a vacina dupla adulto (dT) nas mulheres grávidas, principalmente aquelas que residem nos municípios considerados de risco e alto risco para o tétano neonatal; e • administrar a vacina tríplice viral nas crianças até 11 anos de idade, não vacinadas anteriormente. A alta incidência de outras doenças preveníveis pela vacinação ou a existência de outros grupos de risco (mulheres em idade fértil, escolares, agricultores, profissionais de saúde) exigem, também, a definição de metas nacionais para, por exemplo: • administrar as vacinas contra a meningite, contra a hepatite B e contra a febre amarela em grupos específicos; • administrar a dupla tipo adulto (dT) nas mulheres de 12 a 49 anos, nos escolares, nos trabalhadores da construção civil, nos idosos, etc.; • administrar a vacina contra a rubéola nas mulheres, por ocasião do pós-parto ou do pós-aborto imediato; • administrar imunobiológicos especiais, prioritariamente nos imunodeprimidos; • administrar os soros antitetânico, antidiftérico e anti-rábico nas situações indicadas; • administrar os soros específicos nos acidentes provocados por animais peçonhentos. dupla (DT, dT) ou TT, há mais de cinco anos, necessitam de uma dose; • as gestantes nunca vacinadas, necessitam de três doses; • a demanda de gestantes ao serviço e capacidade do mesmo em vacinar as que não comparecem. 5.4. Meta para mulheres em idade fértil Mulheres em idade fértil são aquelas que estão na faixa de 12 a 49 anos. A vacinação desse grupo pode assegurar a eliminação do tétano neonatal e o controle da síndrome da rubéola congênita, uma vez que essas mulheres ao engravidarem estarão adequadamente protegidas. O grupo de mulheres em idade fértil tem importância pelo fato de a vacinação da gestante apresentar poucos resultados, especialmente por ser difícil identificar as mulheres que irão engravidar ano a ano, bem como aquelas que já tomaram alguma dose da vacina contra o tétano, em gestação anterior ou nos últimos cinco anos. Soma-se a isso a baixa cobertura do pré-natal na rede de serviços. A assistência à gestante é precária e, quando ocorre, não orienta adequadamente para a vacinação. A população de mulheres em idade fértil tem por base estimativas do IBGE, que estabelece um percentual da população geral correspondente a esse grupo. Para estimar a necessidade de vacinas, considerar as gestantes e mulheres em idade fértil já vacinadas com dT ou TT e com a tríplice viral ou com a vacina contra a rubéola. A realização de inquérito de cobertura nesse grupo populacional certamente vai orientar melhor a instância municipal no planejamento dessas atividades. 5.5. Definição e quantificação de metas para outros grupos O cálculo de outros grupos a vacinar, conforme exemplos apresentados na seqüência, considera o comportamento epidemiológico da doença que determina situações e períodos mais indicados para a vacinação, bem como as estratégias a serem adotadas: • para a vacinação contra a hepatite B na área endêmica considerar prioridade os menores de 15 anos, especialmente os menores de um ano, logo ao nascer, conforme o esquema básico preconizado pelo PNI; • para a vacinação contra a hepatite B em grupos de risco incluir profissionais de saúde, pacientes submetidos à hemodiálise, renais crônicos, portadores de hemofilia, talassemia, anemia falciforme, portadores do HIV e imunodeprimidos; para outros segmentos (população confinada, militares, etc.) fazer uma estimativa, de acordo com informações fornecidas por associações profissionais e hemocentros ou a partir da demanda de períodos anteriores; • para a vacinação contra a febre amarela na área endêmica considerar o grupo maior de seis meses de idade e fazer uma estimativa da população que falta vacinar, baseada na média dos dez anos anteriores; • para a vacinação contra a febre amarela na área não endêmica considerar o grupo menor de um ano de idade, além da população acima dessa idade que se desloca para áreas endêmicas; • para a vacinação contra a meningite, quando indicada, em situações de surto provocado por sorogrupo específico para o qual existe vacina, deve-se verificar e calcular a população do grupo etário a ser vacinado com prioridade, mediante decisão conjuntas com o Cenepi; e • para a vacinação da população idosa, contra a influenza e con- 5.2. Menores de um ano: meta operacional básica A meta operacional básica é vacinar 100% dos menores de um ano com todas as vacinas indicadas para o primeiro ano de vida. No caso da vacina DTP, por exemplo, considera-se a meta alcançada quando todas as crianças menores de um ano receberem as três doses básicas. Este critério é aplicado a todas as vacinas que têm esquema básico com mais de uma dose. Quando as coberturas obtidas nos menores de um ano não são plenamente satisfatórias, as crianças não vacinadas (suscetíveis) vão se acumulando no grupo de um a quatro anos. Este resíduo de crianças a vacinar no grupo de um a quatro anos pode ser calculado com maior precisão quando o registro da vacina administrada é feito por ano de vida. 5.3. Meta para gestantes Não existe fórmula específica para o cálculo do número de gestantes a vacinar em cada área, ou para calcular o número de doses necessário. Estes dados podem ser estimados a partir de alguns parâmetros, como: • as gestantes vacinadas, com três ou mais doses da tríplice ou dupla (DT, dT) ou TT, há menos de cinco anos, não necessitam de nenhuma dose; • as gestantes vacinadas com três ou mais doses da tríplice ou Didatismo e Conhecimento 7 Técnico em Enfermagem retificação tra o pneumococo, considerar o grupo maior de 60 anos de idade, que é o de maior risco em termos de complicações e óbitos por infecções respiratórias. Outros grupos suscetíveis prioritários são identificados ao longo do desenvolvimento das atividades, quando os dados vão sendo conhecidos com maior precisão, além disso tem-se a própria dinâmica do processo saúde-doença que provoca mudanças na situação epidemiológica e, também, o surgimento e a disponibilidade de novos imunobiológicos. mental considerar a necessidade de capacitação dos recursos humanos (treinamento, atualização) e de ações para mobilização e envolvimento dos diversos segmentos da comunidade, seja para divulgar informações, seja para participar da vacinação. 6.1. Vacinação de rotina A vacinação de rotina consiste no atendimento da população no dia-a-dia do serviço de saúde. O trabalho rotineiro proporciona o acompanhamento contínuo e programado das metas previstas, facilitando o monitoramento sistemático (mensal ou trimestral), de forma a identificar em tempo hábil se as metas estão sendo alcançadas. Quando são detectadas coberturas vacinais abaixo dos percentuais estabelecidos, conforme explicitado no item 5 desta Parte do Manual, é necessário identificar mecanismos para superação dos problemas. Um desses mecanismos é a chamada “intensificação da rotina” que consiste em trabalhar o dia-a-dia de forma mais dinâmica, tornando a vacinação mais acessível à população suscetível, o que inclui, certamente, a vacinação extramuros. A intensificação da rotina é bastante válida, principalmente quando é preciso cobrir bolsões de suscetíveis. É válida, da mesma forma, em regiões de difícil acesso e com dificuldade de deslocamento, como, por exemplo, conglomerados em zona rural, aldeias indígenas, populações às margens de rios, nos garimpos, em ilhas, em assentamentos, etc. A vacinação extramuros, quando bem programada, em termos de recursos humanos e materiais, e realizada de forma sistemática, apresenta resultados proveitosos para a cobertura dessas populações. A intensificação da rotina implica, portanto, no desenvolvimento de ações fora do serviço de saúde, com a equipe em busca dos não vacinados, exigindo a organização de equipes extrasfixas, móveis ou para a vacinação casa a casa. Neste tipo de trabalho é fundamental o papel da supervisão para garantir a qualidade e os resultados esperados. Esta organização também deve ser adotada tanto nas campanhas como na vacinação de bloqueio. 5.6. Outras metas essenciais ao trabalho de vacinação Além das metas referentes à administração das vacinas, é preciso definir aquelas voltadas ao gerenciamento e operacionalização das atividades de vacinação, tais como: • a construção, aquisição e manutenção de locais e equipamentos adequados para estocar, conservar e administrar corretamente os imunobiológicos; • o suprimento de vacina e outros insumos; • a troca de informações; e • a assessoria na execução e avaliação. Da mesma forma, é importante estabelecer metas relacionadas à capacitação e educação contínuas, bem como as relativas ao trabalho de educação e comunicação, destinado a motivar e informar a população, para que esta participe, em todos os momentos, no planejamento, no controle e na fiscalização das ações desenvolvidas. Nesse sentido, a atuação junto aos Conselhos de Saúde é fundamental. 6. Estabelecimento de estratégias No processo de planejamento, após o estabelecimento das metas a serem alcançadas, é necessário definir as estratégias que permitirão a consecução das mesmas. Estratégia pode ser definida como o caminho escolhido para atingir determinada meta. É o “como fazer”. Para a vacinação não existe uma estratégia exclusiva, a melhor é aquela que assegura a obtenção e a manutenção de altas coberturas, ou seja, aquela que permite oferecer o imunobiológico a maior quantidade possível de pessoas que dele necessita, no menor prazo, dentro das metas propostas. As estratégias podem ser utilizadas de forma isolada ou combinadas, já que não existe uma solução única. A escolha de uma ou outra forma de trabalhar leva em conta as características do território e da população, assim como a capacidade instalada e os índices de cobertura que vêm sendo alcançados. São estratégias básicas de vacinação: • a vacinação na rotina dos serviços de saúde; • a campanha de vacinação; e • a vacinação de bloqueio. A definição das estratégias a serem adotadas é feita no momento do planejamento, pois na dependência do que for estabelecido são delineadas as formas de gerenciamento dos recursos necessários: materiais, financeiros e humanos. É importante incluir no planejamento os recursos para a realização de bloqueio (vacinação quando da ocorrência de caso ou surto de doenças que são objeto de programas de controle ou erradicação) mesmo considerando que é uma estratégia adotada em situações inesperadas. Ao propor a realização de qualquer uma das estratégias é fundaDidatismo e Conhecimento 6.1.1. Equipes extrafixas Na montagem de postos fixos, para funcionar por tempo limitado, selecionar locais que já funcionem como referência para a população, tais como escolas, clubes, creches e outros. As equipes são distribuídas de forma a dar uma atenção especial àquelas áreas mais densamente povoadas. Um parâmetro é considerar que cada equipe extra deve ter vacinadores suficientes para atender a um máximo de 400 crianças por dia. A realidade, porém, determina a necessidade de montar mais de um posto fixo com grande proximidade, ou mais de uma equipe em um mesmo posto. Ao planejar a intensificação com atividades fora do serviço de saúde, é importante prever o equipamento para conservação das vacinas (geladeira ou caixa térmica), pessoal treinado, sistema de registro e formas de acesso para garantir o suprimento de vacinas e de gelo reciclável, se for o caso, conforme orientado na Parte II deste Manual. 6.1.2. Equipes móveis 8 Técnico em Enfermagem retificação dos veículos de comunicação de massa, e, também, a ampliação do número de postos, faz com que a população fique mais próxima da vacina, possibilitando o alcance de maiores contingentes e a obtenção de altos índices de cobertura. Considerando o alto custo financeiro e a grande mobilização de recursos (humanos, institucionais) e da comunidade, a oportunidade da campanha deve ser aproveitada para administrar todas as vacinas em crianças ou em outros grupos de risco, iniciando ou completando o esquema de vacinação estabelecido. As equipes móveis atuam com base em um roteiro previamente estabelecido, sendo uma alternativa válida para as pequenas comunidades rurais e para áreas de população dispersa ou de difícil acesso. É uma forma de trabalhar que exige gastos com alimentação, com diárias e com pessoal extra, mas que possibilita alcançar populações que, de outra maneira, certamente nunca seriam vacinadas. Cada local, em dia ou horário determinado, recebe uma equipe de vacinação. A população, a partir da intensa divulgação, deve estar reunida nos locais determinados para ser vacinada. Finalizado o trabalho a equipe desloca-se para outra área, segundo um roteiro preestabelecido. A opção pela organização de equipes móveis obedece a alguns critérios ou exigências, quais sejam: • vacinadores preparados para administrar todas as vacinas do esquema básico; • quantidade de vacinas e insumos suficiente para atender à estimativa de crianças, gestantes e outros grupos de risco; • tempo de permanência suficiente para vacinar toda população-alvo; • escolha das datas e horários que levem em conta a maneira de viver da população, dias da semana mais adequados (dias de feira, de missa, etc.) e épocas do ano (estação mais seca para evitar dificuldades de locomoção); • cronograma de viagens que inclua o retorno à área para completar esquemas, considerando o intervalo entre as doses; • transporte e conservação dos imunobiológicos feitos em condições adequadas; • disponibilidade de mapas ou croquis da área de atuação de cada equipe móvel; • registro das vacinas administradas segundo tipo de vacina, dose e idade, nos formulários de rotina; e • preenchimento do comprovante de vacinação (cartão da criança ou do adulto ou outro documento) para todas as pessoas vacinadas. 6.3. Vacinação de bloqueio A vacinação de bloqueio é uma atividade prevista pelo sistema de vigilância epidemiológica, sendo executada quando da ocorrência de um ou mais casos de doença prevenível pela vacinação, quando este fato provoca uma alteração não esperada no comportamento epidemiológico da doença. Com o bloqueio a cadeia de transmissão de doença é interrompida, mediante a eliminação dos suscetíveis, em curto espaço de tempo. A área onde a vacinação será realizada é definida em função da situação epidemiológica da doença, da sua transmissibilidade (taxa de ataque secundário) e do modo como ocorre o caso ou casos. O trabalho pode ser limitado à moradia do doente, ao seu local de trabalho ou de estudo; pode, da mesma maneira, abranger as residências vizinhas, ou estender-se a um ou mais quarteirões ou mesmo a todo um bairro, vila ou município. Para maiores informações sobre as situações em que está indicado o uso do bloqueio consultar o Guia de Vigilância Epidemiológica, editado pelo Cenepi/FUNASA. ção Uma das causas das baixas coberturas de vacinação é a perda de oportunidades para vacinar crianças. O trabalho das equipes de saúde com a população e as organizações da comunidade permite um melhor aproveitamento das oportunidades. Para superar as perdas, uma tarefa essencial é procurar sensibilizar todos os profissionais da equipe de saúde para que se envolvam na atividade de vacinação. É importante capacitá-los no sentido de vacinar oportunamente todas as crianças menores de um ano e aquelas com menos de cinco anos, que não foram vacinadas na idade correta e com as doses indicadas, bem como as gestantes e outros grupos de risco. Os profissionais devem, também, estar atentos e utilizar todos os contatos para perguntarem aos pais se os seus filhos estão vacinados ou se lhes falta alguma dose, o mesmo fazendo em relação aos adultos e às gestantes. Nesses contatos é importante destacar o valor do Cartão da Criança ou de outro documento que comprove a vacinação, bem como a necessidade de trazê-lo sempre que vier ao serviço de saúde. Caso a pessoa não disponha do comprovante, naquele momento, esgotar todas as possibilidades para averiguar o estado vacinal da mesma, revisando, inclusive, arquivos do serviço de saúde. Se for preciso, abrir novo comprovante. É necessário, ainda, que todos os profissionais estejam informados e participem das atividades extramuros (campanhas, intensificações, bloqueios, busca de faltosos, busca de não vacinados, etc.), ou seja, de todas as atividades realizadas com a finalidade de aumentar a cobertura ou diminuir a perda de oportunidades, buscando, principalmente, completar o esquema de cada criança, antes do primeiro ano de vida ou até os cinco anos de idade. 7. Definição de recursos 6.1.3. Vacinação casa a casa Conhecida também como operação limpeza, a vacinação casa a casa é adotada, geralmente, em situações especiais, como, por exemplo, em surtos localizados. Esta estratégia, da mesma forma que as equipes móveis, garante o alcance de toda a população-alvo, com a obtenção de altas coberturas, mas requer também grande mobilização de recursos humanos e materiais. A vacinação é feita na casa das pessoas, visitando-se todos os domicílios de cada rua, quarteirão ou bairro. Cada equipe tem um croqui da sua área de atuação. O trabalho é avaliado diariamente a partir do registro das intercorrências, como por exemplo: casas fechadas, crianças doentes, crianças sozinhas, ausência de crianças no momento da passagem da equipe, etc. Os vacinadores devem ter um posto fixo de referência para apoio, suprimento, guarda de vacinas e outros insumos. 6.2. Campanha de vacinação A campanha é uma ação que tem um fim determinado e específico. É uma estratégia com abrangência limitada no tempo, que visa, sobretudo, a vacinação em massa de uma determinada população, com uma ou mais vacinas. A intensa mobilização da comunidade, principalmente por meio Didatismo e Conhecimento 6.4. Aproveitamento de todas as oportunidades de vacina- 9 Técnico em Enfermagem retificação 7.1. Recursos humanos A equipe de saúde, composta por profissionais de várias categorias, executa a atividade de vacinação, bem como o acompanhamento e a supervisão, mediante treinamento específico e atualizações. A qualidade do trabalho e a consecução das metas propostas não dependem somente do quantitativo de profissionais, mas da realização de capacitações que favoreçam a aquisição de habilidades técnicas e o desenvolvimento de atitudes. O ideal é realizar os treinamentos no próprio local de trabalho, no entanto, a participação de profissionais de outros municípios, da instância regional ou estadual, possibilita o intercâmbio e a atualização de conhecimentos. A metodologia utilizada deve enfocar a prática e a experiência dos treinandos, evitando formas tradicionais, baseadas na simples transferência de conhecimentos, habilidades e destrezas. O Ministério da Saúde dispõe de alguns instrumentos de capacitação para os profissionais envolvidos diretamente com atividades de vacinação, tais como o treinamento em sala de vacina, de gerenciamento em rede de frio, em sistema de informação e vigilância de eventos adversos. O processo de capacitação é continuado por meio da supervisão técnica sistemática, que permite, também, a avaliação da equipe e a identificação de problemas e soluções mais práticas e eficazes. É importante, além disso, prever a capacitação do pessoal não envolvido diretamente com a atividade de vacinação, bem como de pessoas de instituições e organizações da comunidade. No planejamento devem ser garantidos os meios para a concretização dos processos de capacitação e de supervisão, com previsão de recursos para diárias, deslocamentos, manutenção de eventos, reprodução de materiais instrucionais, pagamento de bolsas, ajuda de custo, horas/aula, aluguel de salas, etc. 7.1.1. Pessoal necessário A falta de pessoal compromete a continuidade de qualquer serviço. Por isso, o planejamento dos recursos humanos necessários ao trabalho de vacinação é feito considerando o diagnóstico da situação quanto a este recurso estratégico, conforme orientado no tópico 4 desta Parte e na Parte II deste Manual. A análise referida considera como pontos importantes o pessoal disponível e a necessidade de novas contratações ou de remanejamentos, bem como as estratégias de capacitação e de educação continuada. No que se refere aos recursos humanos, a manutenção das atividades de vacinação leva em conta o seguinte: • em cada local de vacinação é importante garantir, pelo menos, um profissional para triagem e o registro e outro para a administração das vacinas; estas atividades podem ser feitas por uma única pessoa, mas num ritmo mais lento; • é importante garantir pessoal capacitado para substituir os profissionais da sala de vacinação no caso de férias, licença édica, dispensa ou transferência, a fim de evitar a paralisação das atividades; • é importante garantir a presença, sistemática e contínua, de um supervisor técnico (enfermeiro, médico ou outro profissional capacitado) para acompanhar e avaliar o desenvolvimento do trabalho. Para a realização de atividades extramuros é preciso evitar a interrupção das ações da rotina, prevendo-se pessoal extra para compor as equipes fixas ou móveis, ou para fazer a vacinação casa a casa. Uma alternativa é engajar nestas atividades todos os profissionais atuantes no município, inclusive servidores administrativos, serventes e motoristas. O número de pessoas envolvido na vacinação depende da extensão da atividade programada e da quantidade de postos ou de equipes. É preciso também contar com supervisores para a preparação, a execução, o monitoramento e a avaliação das ações. As equipes, em geral, são compostas de, no mínimo, um motorista e um vacinador, sendo aconselhável a inclusão de mais uma pessoa para a triagem e o registro. Um parâmetro utilizado para definir a composição das equipes de vacinação na área urbana é a previsão de um vacinador para cada 30 doses administradas por hora, utilizando seringa e agulha. Com isso, em um dia de oito horas de trabalho, com demanda contínua, um vacinador pode administrar 240 doses de vacinas. Considerar, além disso, que na sala de vacinação outros profissionais podem auxiliar nas atividades complementares, como registro e organização. 7.2. Ampliação do número de postos de vacinação Para evitar o desperdício de recursos, a implantação de novos serviços de vacinação considera a capacidade instalada, feita na análise da situação de saúde, item 4 desta Parte do Manual, segundo os critérios de delimitação da área e a densidade populacional. Considerar, além disso, todas as necessidades requeridas por novos serviços, tais como a aquisição de equipamentos e insumos, o treinamento de pessoal, a manutenção de equipes, etc. Além dos custos com o fornecimento de água e de energia elétrica, bem como a manutenção hidráulica e elétrica. A construção de qualquer unidade de saúde deve estar sempre fundamentada pelas necessidades reais da população e pelas possibilidades de sua manutenção, de forma a operar com qualidade. Como critério de ordem geral, pode-se prever para cada 3.000 habitantes uma unidade básica de saúde, com pelo menos um médico (generalista). Para as equipes móveis, considerar que uma equipe percorre, aproximadamente, 20 casas por dia na área rural. Se a equipe vacinar uma média de três crianças por casa, são 60 crianças por dia. Assim, como exemplo, se a população de uma área for igual a 600 crianças são necessários 10 dias ou maior número de equipes de vacinação. Nos municípios onde atuam as equipes dos programas de saúde da família e de agentes comunitários de saúde, deve ser feito um trabalho articulado para a mobilização da população, para o encaminhamento da clientela e para o agendamento e execução da vacinação. 7.1.2. Capacitação de pessoal Didatismo e Conhecimento A abertura de novos postos de vacinação não deve ser planejada como uma questão isolada, mas dentro de um propósito maior de ampliação do atendimento por toda a rede. A construção, por outro lado, deve estar baseada em estudo cuidadoso das necessidades e facilidades de acesso, e levar em conta, ainda, a densidade ou distribuição espacial da população e, como em qualquer outro caso, a existência de recursos humanos disponíveis. 7.3. Recursos materiais 10 Técnico em Enfermagem retificação - frascos de 10 ou 20 doses: 20% de reserva; • para as vacinas tríplice bacteriana (DTP), dupla adulto (dT), hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b: - frascos de uma dose: nenhuma reserva; - frascos de multidoses: 10% de reserva; • para a vacina contra a febre amarela: - frascos de 5 doses - 20% de reserva; - frascos de 10 doses - 40% de reserva; - frascos de 50 doses - 60% de reserva. c) Exemplo de cálculo do quantitativo de imunobiológico Tomando como exemplo uma população menor de um ano de 2.500 crianças, o quantitativo de vacinas para um ano de trabalho considera o número de doses e o percentual de reserva para cada tipo de enfrascagem: • para a vacina DTP, hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b são 8.250 doses de cada (2.500 x 3 + 10%); • para a vacina contra a poliomielite são 9.000 doses (2.500 x 3 + 20%); • para a vacina contra o sarampo são 2.500 ou 2.750 ou 3.500 doses, respectivamente, para apresentações de uma, cinco, 10 ou 20 doses; • para a vacina BCG são 3.500 doses para apresentação em 10 ou 20 doses ou 4.000 doses para enfrascagem de 50 doses. Os quantitativos anuais são divididos de acordo com o cronograma de distribuição estabelecido. O controle dos estoques é feito, principalmente, a partir do registro minucioso de entrada e saída dos produtos. O registro contém o total de doses recebidas, distribuídas, utilizadas, desperdiçadas, remanejadas e o saldo existente, segundo o tipo de vacina, o número do lote e a data do vencimento. Com isso, evita-se a falta ou a perda por expiração do prazo de validade, pois o controle permite redistribuir e usar aqueles produtos cuja data de validade esteja mais próxima. 7.3.1. Imunobiológicos a) Quantitativos A quantidade de imunobiológicos deve atender à população-alvo sem desperdícios. Uma vez estabelecidas as metas, é calculado o quantitativo levando em conta o esquema básico, o atendimento de grupos populacionais específicos e os destinados ao atendimento de situações especiais, conforme orientado na Parte III deste Manual, a saber: • vacina contra hepatite B: três doses; • vacina contra a poliomielite: três doses e mais um reforço; • vacina tríplice (DTP): três doses e mais um reforço; • vacina contra o sarampo: uma dose para os menores de um ano; • vacina tríplice viral: uma dose; • vacina BCG: uma dose e um reforço; • vacina contra o Haemophilus influenzae tipo b: três doses; • vacina contra a febre amarela: uma dose; • vacina dupla adulto (dT), com vistas à vacinação de gestantes, considerar: - que as gestantes completamente vacinadas há menos de cinco anos não precisam tomar a vacina; - que as gestantes vacinadas há mais de cinco anos precisam tomar uma dose; - que as gestantes nunca vacinadas precisam de três doses; • vacina contra a rubéola ou dupla viral com vistas à vacinação de mulheres (no pós-parto ou no pós-aborto imediato), considerar o número de gestantes existentes. Com relação a outros grupos de risco levar em conta situações epidemiológicas específicas ou a demanda de anos anteriores. Para os imunobiológicos especiais seguir orientações do manual de normas do Centro de Referência para Imunobiológicos Especiais (CRIE). Além do número de doses, para prever o quantitativo de imunobiológicos é importante considerar: • as estratégias definidas; • o cronograma de utilização; • a enfrascagem da vacina; • o prazo de validade; e • o tempo de validade após aberto o frasco. Na previsão de quantitativos para redistribuição às unidades locais, considerar postos com pequena e com grande demanda, tendo o cuidado para que as vacinas não fiquem estocadas na instância local por mais de três meses. b) Percentual de reserva Ao quantitativo deve ser acrescentado um percentual de reserva para cobrir eventuais perdas, ocasionadas, principalmente, pela quebra de frascos ou falhas na rede de frio. Os percentuais de reserva para cada produto são os seguintes: • para a vacina contra a poliomielite: 20% de reserva na rotina e 40% em campanhas; • para a vacina BCG: - frascos de 10 e de 20 doses: 40% de reserva; - frascos com 50 doses: 60% de reserva; • para as vacinas contra o sarampo, contra a rubéola, a dupla viral e a tríplice viral: - frascos de uma dose: nenhuma reserva; - frascos de cinco doses: 10% de reserva; Didatismo e Conhecimento 7.3.2. Outros materiais e equipamentos O planejamento (previsão) dos diferentes materiais utilizados no trabalho de vacinação leva em conta as metas, as estratégias, a análise da situação feita no diagnóstico (conforme orientado anteriormente nesta Parte), bem como as especificações apresentadas no tópico 2, da Parte II deste Manual, com relação aos equipamentos, material de consumo, impressos e outros materiais básicos. O controle administrativo de todos os materiais e equipamentos utilizados pelo serviço de saúde contribui para evitar falta, desperdício ou extravio, podendo-se adotar uma lista-padrão com os mais utilizados. O responsável pela vacinação pode confeccionar esta lista ou sugerir um calendário de compras. Uma providência importante é fornecer dados que possibilitem a definição do estoque máximo (com previsão para vários meses) e do estoque mínimo (quantidade mínima) para não paralisar as atividades enquanto aguarda uma nova remessa. Conforme orientado também na Parte II deste Manual, deve ser prevista a necessidade de seringas e agulhas que apresentam graduação e calibre específicos: • para as vacinas tríplice bacteriana (DTP), dupla, contra o pneumococo, contra a influenza e contra a raiva: seringa agulhada (ou sem agulha) de 2 ou 3 ml, com agulha de 25x7; • para as vacinas contra hepatite B e Haemophilus influenzae tipo b: seringa agulhada (ou sem agulha) de 2 ou 3 ml, com agulha de 20x5,5; 20x6 ou 25x7; • para a vacina contra o sarampo, a tríplice viral, contra a rubé11 Técnico em Enfermagem retificação ola e contra a febre amarela: seringa agulhada (ou sem agulha) de 2 ou 3 ml, com agulha de 13x3,8 ou 13x4,0 ou 13x4,5; • para a vacina BCG-ID: seringa de 1ml, tipo tuberculínica, graduada em centésimos de mililitros, acoplada com agulha 10x5,0 ou 13x4,0 ou 13x4,5. A previsão ou planejamento inclui, também, a aquisição de equipamentos para informatização dos registros de vacinação (computadores, impressoras) e equipamentos audiovisuais (projetor de slides, retroprojetor, vídeo, televisão, máquina fotográfica, etc.) utilizados nos treinamentos, no trabalho com a população e no registro das atividades do serviço de saúde. Ao fazer a previsão incluir a necessidade de local para instalação e utilização dos equipamentos (sala, tela, mesa, cadeiras, etc.), de ligação à rede elétrica, prevendo-se também recursos financeiros para manutenção, para aquisição ou produção dos insumos utilizados, tais como: disquetes, cartuchos de tinta e outros materiais de computação, slides, transparências, filmetes, fitas de vídeo, filmes para fotografia, etc. • em disponibilidade de vacinas e insumos. A prática tem demonstrado, no entanto, que embora as equipes de saúde sejam capazes de desenvolver suas tarefas, o trabalho como um todo, inclusive a vacinação, pode correr riscos, se não forem desenvolvidas ações concomitantes de mobilização e envolvimento das comunidades. A vacinação é uma ação preventiva oferecida à população e sua utilização por essa mesma população depende, necessariamente, de decisão pessoal em ir se vacinar, ou de decisão dos pais ou responsáveis em levar suas crianças. O serviço de saúde não pode pretender, sozinho, interferir ou influenciar no poder de decisão, que é pessoal e intransferível. As equipes de saúde precisam contar com o apoio e a participação da população, mas precisam também contribuir para que a população se conscientize de que saúde é um direito; um direito que inclui a vacinação. Para isso, é necessário que a equipe de saúde adote uma atitude mais ativa em busca da participação da comunidade, em todos os momentos da prestação de serviços: desde o diagnóstico, no planejamento, até a execução e a avaliação, levando-se em conta a atenção à saúde de forma global, pois no trabalho com a população fica difícil tratar apenas de uma questão, quando ter saúde é bem mais complexo. Além disto é importante considerar que a vacinação e também outros serviços de saúde não são encarados pela população como um direito de cidadão. Organizar-se para trabalhar a vacinação, junto com a população ou suas representações, pode ser um primeiro passo, um ponto de partida para uma ação mais abrangente em termos de solução dos problemas de saúde. É ilusório acreditar que uma comunidade usuária de um serviço ineficiente, que não atende às suas necessidades básicas, passe a acreditá-lo por conta somente da vacinação. 7.4. Recursos financeiros O desenvolvimento das atividades de vacinação, como foi visto até aqui, obedece a um planejamento que fixa metas e determina recursos técnicos, materiais e humanos, em cada gestão de acordo com as responsabilidades específicas. Os recursos só estarão disponíveis, no entanto, se houver previsão do financiamento, o que se traduz na inclusão obrigatória dessas necessidades no orçamento respectivo: municipal, estadual e federal. O orçamento inclui recursos financeiros (receitas) que se destinam a financiar os gastos previstos. Dada a importância do orçamento na administração, todo pessoal responsável pelas diversas áreas, inclusive pela vacinação, devem participar ativamente da elaboração da proposta do orçamento da saúde, especialmente nos planos municipais. Para auxiliar na elaboração do orçamento, são muito úteis o resultado do diagnóstico e o levantamento das necessidades de recursos e serviços, conforme descrito anteriormente, de forma a garantir que as atividades sejam executadas ao longo do ano. Muitas vezes, é necessário realizar atividades não previstas, decididas, em geral, de uma hora para outra, como obras, campanhas nacionais, bloqueios, intensificações municipais e estaduais e outras. Para viabilizar este tipo de demanda é importante destinar recursos para o atendimento de emergências. A etapa de acompanhamento da execução do orçamento é, também, importante, pois possibilita a obtenção das informações sobre a posição dos recursos disponíveis (dotações orçamentárias) para as atividades de vacinação, bem como sobre o cumprimento de metas, de objetivos e de prazos. 8.1. Articulação com as organizações da comunidade A articulação com as organizações da comunidade, governamentais ou não governamentais, tem por objetivo o engajamento de seus representantes na prestação de serviços de saúde, desde o diagnóstico da situação até a execução e avaliação das ações. A interação com a população é mais efetiva quando se atua por meio dessas organizações, consideradas, na maioria dos casos, como formas legítimas de representação e canais de expressão. Essa articulação pode ser viabilizada dentro de comissões de saúde, ou seja, dentro de órgãos colegiados, em que representantes da comunidade da área de abrangência do serviço, junto com a equipe de saúde, discutem e decidem sobre: os principais problemas de saúde existentes; as medidas para a solução desses problemas e prioridades de atendimento, como, por exemplo, as formas de colaboração da comunidade em apoio às ações de vacinação. A tarefa de acompanhar e fiscalizar as ações que são desenvolvidas e de participar da avaliação da qualidade dos serviços, ou seja, as funções de fiscalização e controle social, são desempenhadas principalmente pelos conselhos de saúde que exercem esses papéis junto aos gestores da saúde, nas instâncias nacional, estadual e municipal. 8. Educação em saúde e mobilização da população Um melhor desempenho dos serviços de saúde é, certamente, resultado de um bom planejamento e de uma adequada infra-estrutura de serviços. Em vacinação, particularmente, isso se traduz, por exemplo: • numa rede de frio sem problema de manutenção; • em pessoal treinado; • em boa organização do trabalho; • em registros confiáveis; e Didatismo e Conhecimento 8.2. Capacitação de pessoas da comunidade Por intermédio da capacitação de pessoas da comunidade, especialmente aquelas vinculadas às organizações e representações, viabiliza-se a participação efetiva no diagnóstico, na programação, na execução, no controle e na avaliação das ações. 12 Técnico em Enfermagem retificação Não há como participar sem compreender os pontos básicos do tema ou da área a ser trabalhada. A equipe de saúde dispõe de informações e conhecimentos necessários para que as instituições e organizações sejam capazes de identificar problemas e propor mudanças. A metodologia da oficina de trabalho é bastante apropriada para esse tipo de tarefa, por ser um espaço de expressão e exercício para a tomada de decisão. A oficina encara a educação dentro de novas abordagens, aproximando as pessoas e transformando relações verticais em trabalho de parceria. Além disso, permite a socialização do conhecimento com criatividade e sensibilidade, a partir da vivência do cotidiano. A oficina e outras formas de treinamento podem ser realizados para que, por exemplo, pessoas de escolas, de igrejas e de associações de bairros aprendam a identificar sinais e sintomas de doenças evitáveis pela vacinação, comuniquem essas ocorrências ao serviço de saúde, exijam a adoção das medidas pertinentes e apóiem as equipes na investigação dos casos e na execução das ações de controle da situação. Outra forma de capacitação consiste na inserção de temas de saúde em eventos da própria comunidade ou a promoção, pela equipe, de seminários, reuniões, encontros, feiras de saúde e outros. Pode-se, ainda, inserir conteúdos de saúde, de interesse local, nos currículos de primeiro e segundo graus, envolvendo professores, alunos e pais. É importante reforçar que todas essas alternativas de capacitação devem estar incluídas no planejamento com o detalhamento sugerido no item 7.1.2 deste tópico. • contribuir para que a população veja o serviço de saúde, inclusive a vacinação como um direito de cidadania; • despertar o interesse da população para o esforço da equipe de saúde no sentido de aumentar e manter coberturas ideais de vacinação; • incentivar a procura do serviço de vacinação e o cumprimento do esquema básico; • ampliar o grau de conhecimento sobre: - o direito do cidadão à saúde; - a real situação das doenças evitáveis por vacinas na localidade, no município, no estado e no país; - as ações oferecidas pelo serviço de saúde para a prevenção e controle dessas doenças; - as formas de apoio e colaboração a essas ações; - o andamento das atividades, seus resultados, falhas e dificuldades. A divulgação de informações não pode ser uma atividade desvinculada do todo, mas considerada como um reforço ao trabalho conjunto das equipes de saúde com as organizações da comunidade, estando inserida num contexto em que as pessoas possam influenciar, interferir, opinar, participar. É importante ressaltar que a informação por si só não modifica o modo de vida das pessoas, vez que os problemas de saúde são decorrentes de diferentes fatores com soluções bastante complexas, independendo muitas vezes da simples “mudança de hábitos e comportamentos”. A divulgação de informações acontece no contato interpessoal e por intermédio dos meios de comunicação de massa, tendo como instrumentos de grande importância os materiais educativos e instrucionais. Considera-se como contato interpessoal todas as oportunidades de encontro entre o profissional de saúde e a população, dentro e fora do serviço de saúde. Algumas situações, exemplificadas a seguir, são tradicionalmente utilizadas para a divulgação de informações e para reforçar um trabalho conjunto de participação das instituições e organizações da comunidade. 8.3. Capacitação das equipes de saúde para o trabalho com a população Grande parte dos profissionais de saúde não está preparada ou motivada para trabalhar junto com a população, seja por falhas em sua formação básica, seja pela sobrecarga de trabalho, ou porque não dispõe das condições operacionais ou por ser este tipo de atuação considerado de pouco significado, de pouca importância. Essa capacitação deve privilegiar as práticas de solidariedade em relação à comunidade, o que implica em treinar a capacidade de conhecer criticamente as condições de saúde da população, as condições da realidade social, econômica, política e cultural, para buscar junto com a população as soluções mais apropriadas. A metodologia adotada deve questionar a simples transmissão de informações ou o adestramento para tarefas, bem como a desconsideração pelos conhecimentos e experiências de trabalho e de vida das pessoas. Alem de criar oportunidades específicas para esse tipo de capacitação, é importante garantir que essa preparação seja parte integrante de cursos, treinamentos e outros eventos, e que o trabalho conjunto com a população seja parte da rotina dos serviços, incluídos no planejamento, supervisão, acompanhamento e avaliação. Os recursos necessários à capacitação dos profissionais de saúde, para atuarem junto a pessoas, grupos e organizações da comunidade, devem estar previstos no planejamento. 8.4.1. Sala de espera O trabalho na “sala de espera” acontece enquanto as pessoas aguardam o atendimento. Nesta ocasião um integrante da equipe propõe conversa informal sobre conhecimentos básicos de promoção e proteção à saúde, abordando, inclusive, o tema vacinação. É importante motivar as pessoas a perguntarem, a dividirem experiências sobre o assunto em discussão e a manifestarem suas dúvidas. O profissional após estimular e receber dos presentes opiniões sobre o assunto tem a oportunidade de fazer esclarecimentos e orientações mais pertinentes, afastando, inclusive, eventuais conceitos errôneos ou ultrapassados próprios daquele grupo. As iniciativas programadas para a sala de espera não substituem as informações que devem ser repassadas pelos profissionais, nos contatos que ocorrem nos diversos setores do serviço de saúde (recepção, triagem, ambulatório, etc.), constituindo um esforço adicional. A definição da programação de atividades na sala de espera é precedida de discussão entre os profissionais, identificando e verificando qual a melhor forma de abordagem dos temas de interesse da equipe e da comunidade. 8.4. Divulgação de informações No planejamento são previstos os mecanismos e os instrumentos para divulgação de informações sobre as atividades do serviço de saúde, incluindo a vacinação, mais especificamente com o objetivo de: Didatismo e Conhecimento 13 Técnico em Enfermagem retificação 8.4.2. Visita domiciliar 8.4.4. Remessa periódica de informações às autoridades municipais e estaduais A visita domiciliar é um recurso que torna mais ativa e rica a relação entre o serviço de saúde e a população. O diálogo com a família na moradia também ajuda os profissionais a terem uma visão mais objetiva da realidade de vida e saúde da população. A visita domiciliar é a principal base do Agente Comunitário de Saúde. De maneira geral, a visita é aproveitada para uma avaliação geral da saúde e condições de vida da família, evitando-se aquela destinada a atender a apenas um motivo específico. A ida aos domicílios constitui prática permanente , atendendo a vários objetivos importantes, tais como: • identificar situações de risco à saúde; • orientar sobre as formas de prevenção; • informar sobre quando e como a família deve dirigir-se ao serviço de saúde, sobre a sua localização ou, até mesmo, conduzir a família, sob cuidados, ao próprio serviço no caso de situações de alto risco. Eventualmente, no interesse da vacinação, a visita domiciliar pode ser organizada para, por exemplo, avaliar o estado vacinal, identificar crianças em faixa etária própria à vacinação, fazer busca ativa de faltosos que foram identificados pelo serviço, ou fazer a investigação de casos de doenças e agravos. Nas áreas onde funcionam o PSF e o PACS as finalidades da visita domiciliar que interessam diretamente à vacinação podem ser atendidas por essas equipes, que já têm esta atividade como rotina de trabalho. Na condição de lideranças formais constituídas, as autoridades municipais e estaduais devem ser informadas sistematicamente sobre o desenvolvimento dos serviços oferecidos à população, seus resultados, dificuldades e avanços, como, por exemplo, a evolução das coberturas de vacinação e a ocorrência de casos ou mortes por doenças que poderiam ser evitadas pela vacinação. Esse procedimento, inclusive, deve ser adotado em relação aos conselhos de saúde no estado e no município, bem como em relação à Comissão Intergestores Bipartite (CIB) regional ou estadual. Essas autoridades, devidamente informadas, constituem fator de sustentação das atividades, comprometendo-se com os problemas e as condições gerais de saúde da população, garantindo condições e recursos para o desenvolvimento do trabalho. É importante, também, identificar outras representações e lideranças da comunidade que devem receber informações e apoiar as atividades. 8.4.5. Contato com entidades de classe, médicos e outros profissionais Os médicos (especialmente os pediatras, obstetras e clínicos gerais), os enfermeiros e outros profissionais, inclusive dos serviços privados, desempenham um importante papel na motivação para a vacinação. Esses profissionais devem ser envolvidos por meio de suas organizações ou associações, buscando-se a participação na orientação da população e indicação de medidas de proteção e promoção da saúde. A participação programada das entidades de classe é da maior importância, integrando os seus associados na divulgação e cobrança da vacinação. Deve-se envolver, da mesma forma, os agentes de saúde da comunidade, as parteiras, as rezadeiras e os balconistas da farmácia. Essas pessoas são muito procuradas pela população, quando esta necessita solucionar problemas de saúde. 8.4.3 Atividades na comunidade Motivar a população em geral para a vacinação, especialmente pais e adultos responsáveis por crianças, exige dos profissionais de saúde uma articulação efetiva com a comunidade. Participar das reuniões promovidas pelas organizações e instituições, informando, educando e partilhando dos problemas e inquietações, demonstra o interesse do serviço de saúde pelo bem-estar de todos. A iniciativa pode partir, também, do próprio serviço de saúde, mediante a convocação de assembléias abertas ou reuniões em lugares públicos. É importante contatar, com antecedência, líderes locais ou pessoas com influência na comunidade (professor, padre, pastor, etc.) para colaborarem na organização e divulgação da reunião e na sensibilização da comunidade para participar. A utilização de meios audiovisuais (cartazes, transparências, vídeos, quadro de giz, folhetos, cartilhas, etc.) ajuda bastante na condução dos trabalhos. Da mesma forma, pode-se dividir os participantes em grupos para uma discussão mais rica e produtiva. 8.4.6. Utilização dos meios de comunicação de massa A experiência tem demonstrado que não se pode prescindir do apoio dos meios de comunicação de massa, quando se pretende disseminar uma informação da forma mais ampla possível. Além dos veículos como TV e rádio, que atuam em cadeia nacional, regional ou estadual, é importante identificar aqueles existentes na instância local e adotar outros recursos como boletins informativos de associações de moradores e outras organizações da comunidade, alto-falantes volantes e fixos (como de feiras, quermesses, etc.), programas de rádio locais, teatro de bonecos (fantoches), etc. É importante atuar junto aos comunicadores (formadores de opinião) sensibilizando-os e tornando-os parceiros do programa de vacinação. Os eventos culturais, previstos no calendário de festividades do município ou do estado, podem representar uma oportunidade para trabalhar com a população acerca de medidas de promoção e de proteção à saúde. É imenso o campo para o exercício da criatividade: circo, teatro de bonecos e dramatizações possuem linguagem simples e eficiente para estimular o interesse da população sobre vários temas, como a vacinação, por exemplo. Gincanas e outras competições esportivas, de forma geral muito bem aceitas pela população, são iniciativas para as quais pode-se, também, canalizar comunicações ou mensagens sobre a saúde. A realização de “Feiras de Saúde” ou “Semanas de Saúde”, envolvendo toda a comunidade ou grupos específicos como escolares, é importante estratégia de mobilização e envolvimento da comunidade. Didatismo e Conhecimento 8.4.7. Produção de materiais informativos e instrucionais Cartilhas, folhetos, cartazes e informes simplificados podem ser utilizados tanto pelas equipes de saúde, como pelas organizações da comunidade ou pelos veículos de comunicação. Ao elaborar esses materiais é importante definir claramente o público-alvo e as informações a serem repassadas. Essas informações deverão ser claras, simples, objetivas, evitando-se sonegar dados, enganar a população ou apelar para o medo e a chantagem. 14 Técnico em Enfermagem retificação Após a decisão sobre as mensagens, o público-alvo e os custos de produção do material, é preciso organizar sua distribuição e divulgação, bem como avaliar o impacto junto à população e em que medida foi motivador de uma mudança ou transformação. A concretização, por meio das políticas públicas, dos princípios de igualdade, respeito às diferenças, promoção do pleno exercício da cidadania é um desafio para os governos dos países que se pautam pelos novos marcos teóricos, políticos e jurídicos no campo dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos. Este conteúdo encontra-se na íntegra no CD que acompanha a Apostila. 1.2 MARCOS REFERENCIAIS INTERNACIONAIS Entre os marcos referenciais internacionais que definem os direitos sexuais e os direitos reprodutivos, destacam-se duas conferências promovidas pela Organização das Nações Unidas (ONU): BRASIL, MINISTÉRIO DA SAÚDE. CADERNOS DE ATENÇÃO BÁSICA: Nº 26 (SAÚDE SEXUAL E REPRODUTIVA), Nº 28 (VOL I E VOL II ) E Nº 34 (SAÚDE MENTAL); Nº 36 (DIABETES) E Nº 37 (HIPERTENSÃO). 1. Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, que conferiu um papel primordial à saúde, aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, abandonando a ênfase na necessidade de limitar o crescimento populacional como forma de combater a pobreza e as desigualdades, focalizando-se no desenvolvimento do ser humano. A CIPD levou em consideração, no debate sobre população e desenvolvimento, as questões sobre a mulher – desigualdades de gênero – meio ambiente e os Direitos Humanos. Estabeleceu acordos internacionais que foram assumidos por 179 países. SAÚDE SEXUAL E SAÚDE REPRODUTIVA CAPÍTULO 1 DIREITOS, SAÚDE SEXUAL E SAÚDE REPRODUTIVA: MARCOS LEGAIS E POLÍTICOS 2. IV Conferência Mundial sobre a Mulher, realizada em Beijing, Pequim, em 1995, em que se reafirmaram os acordos estabelecidos no Cairo e avançou-se na definição dos direitos sexuais e direitos reprodutivos como Direitos Humanos. Nos primórdios dos estudos sobre demografia, os direitos individuais não eram preocupações incorporadas na análise do problema populacional e as questões sexual e reprodutiva estavam confinadas ao mundo doméstico e privado, não sendo objeto de políticas públicas (CORRÊA; ALVES; JANUZZI, 2006). Nas décadas de 1950 e 1960, quando foi difundido o medo da “explosão populacional”, os formuladores de políticas passaram a defender a disseminação de métodos anticoncepcionais, mesmo que contrariando os interesses individuais. Nesse contexto, os movimentos feministas sempre colocaram como pontos fundamentais o direito de escolha e a liberdade de decisão das mulheres nos assuntos sexuais e reprodutivos (CORRÊA; ALVES; JANUZZI, 2006). Na década de 90 do século XX, a confluência de um ambiente macroeconômico e político favorável e a presença ativa de representantes dos movimentos feministas, ambientalistas e de Direitos Humanos possibilitaram que os avanços teórico-conceituais fossem transformados em princípios assumidos pela Conferência sobre População e Desenvolvimento do Cairo (CORRÊA; ALVES; JANUZZI, 2006). No capítulo VII, parágrafo 7.3, do Programa de Ação do Cairo, os direitos reprodutivos estão definidos da seguinte forma: Os direitos sexuais e os direitos reprodutivos são Direitos Humanos já reconhecidos em leis nacionais e documentos internacionais. Os direitos, a saúde sexual e a saúde reprodutiva são conceitos desenvolvidos recentemente e representam uma conquista histórica, fruto da luta pela cidadania e pelos Direitos Humanos. 1.1 DIREITO É DIREITO, ESTÁ NA DECLARAÇÃO... A partir da Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada no ano de 1948, a comunidade internacional, por meio da Organização das Nações Unidas (ONU), vem firmando uma série de convenções internacionais nas quais são estabelecidos estatutos comuns de cooperação mútua e mecanismos de controle que garantam um elenco de direitos considerados básicos à vida digna, os chamados Direitos Humanos. Os Direitos Humanos inscrevem-se no conjunto dos direitos sociais e surgem como uma resposta aos horrores ocorridos na Segunda Guerra Mundial. O pressuposto é que os Direitos Humanos são universais, inerentes à condição de pessoa, e não relativos a peculiaridades sociais e culturais de uma dada sociedade (VILLELA; ARILHA, 2003). O direito à vida, à alimentação, à saúde, à moradia, à educação, ao afeto, os direitos sexuais e os direitos reprodutivos são considerados Direitos Humanos fundamentais. Respeitá-los é promover a vida em sociedade, sem discriminação de classe social, de cultura, de religião, de raça, de etnia, de orientação sexual. Para que exista a igualdade de direitos, é preciso respeito às diferenças. Não existe um direito mais importante que o outro. Para o pleno exercício da cidadania, é preciso a garantia do conjunto dos Direitos Humanos. Nas duas últimas décadas, registraram-se grandes avanços na legislação internacional e nacional sobre as dimensões da reprodução e da sexualidade como Direitos Humanos e de cidadania. Didatismo e Conhecimento Esses direitos se ancoram no reconhecimento do direito básico de todo casal e de todo indivíduo de decidir livre e responsavelmente sobre o número, o espaçamento e a oportunidade de ter filhos e de ter a informação e os meios de assim o fazer, e o direito de gozar do mais elevado padrão de saúde sexual e reprodutiva. Inclui também seu direito de tomar decisões sobre a reprodução, livre de discriminação, coerção ou violência (NACIONES UNIDAS, 1995). 15 Técnico em Enfermagem retificação Com relação à saúde reprodutiva, a CIPD ampliou e ratificou o conceito de saúde reprodutiva definido em 1988 pela Organização Mundial da Saúde (OMS): A saúde reprodutiva é um estado de completo bem-estar físico, mental e social, em todos os aspectos relacionados com o sistema reprodutivo e as suas funções e processos, e não de mera ausência de doença ou enfermidade. A saúde reprodutiva implica, por conseguinte, que a pessoa possa ter uma vida sexual segura e satisfatória, tendo autonomia para se reproduzir e a liberdade de decidir sobre quando e quantas vezes deve fazê-lo. Implícito nessa última condição está o direito de homens e mulheres de serem informados e de terem acesso a métodos eficientes, seguros, permissíveis e aceitáveis de planejamento familiar de sua escolha, assim como outros métodos de regulação da fecundidade, de sua escolha, que não sejam contrários à lei, e o direito de acesso a serviços apropriados de saúde que deem à mulher condições de atravessar, com segurança, a gestação e o parto e proporcionem aos casais a melhor chance de ter um filho sadio. Em conformidade com a definição acima de saúde reprodutiva, a assistência à saúde reprodutiva é definida como a constelação de métodos, técnicas e serviços que contribuem para a saúde e o bem-estar reprodutivo, prevenindo e resolvendo problemas de saúde reprodutiva. Isso inclui também a saúde sexual, cuja finalidade é a intensificação das relações vitais e pessoais e não simples aconselhamento e assistência relativos à reprodução e a doenças sexualmente transmissíveis (NACIONES UNIDAS, 1995, anexo, cap. VII, par. 7.2). O conceito de direitos sexuais tem uma história distinta e mais recente. Sua formulação inicial se dá nos anos 90, no âmbito dos movimentos gay e lésbico europeus e norte-americanos, produzindo-se, em seguida, uma sinergia com os segmentos dos movimentos feministas. No Programa do Cairo, a expressão direitos sexuais não consta no documento final, entretanto, o texto inclui de modo explícito o conceito de “saúde sexual”, adotando a definição da OMS para a “saúde sexual” como parte integrante da saúde reprodutiva (CORRÊA; ALVES; JANUZZI, 2006; CORRÊA; ÁVILA, 2003; PETCHESKY, 1999). Em 1995, a Plataforma de Ação, elaborada na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, avançou alguns passos no sentido de formular um conceito relativo aos direitos sexuais, como parte dos princípios dos Direitos Humanos, tendo redigido, em seu parágrafo 96, o seguinte: Os direitos humanos das mulheres incluem seu direito a ter controle e decidir livre e responsavelmente sobre questões relacionadas à sua sexualidade, incluindo a saúde sexual e reprodutiva, livre de coação, discriminação e violência. Relacionamentos igualitários entre homens e mulheres nas questões referentes às relações sexuais e à reprodução, inclusive o pleno respeito pela integridade da pessoa, requerem respeito mútuo, consentimento e divisão de responsabilidades sobre o comportamento sexual e suas consequências. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 1995) Muitos avanços já foram conseguidos no sentido de assegurar que as pessoas de todas as orientações sexuais e identidades de gênero possam viver com a mesma dignidade e respeito a que todas as pessoas têm direito. A Comissão Internacional de Juristas e o Serviço Internacional de Direitos Humanos, em nome de uma coalizão de organizações de Direitos Humanos, realizaram um projeto com o objetivo de desenvolver um conjunto de princípios jurídicos sobre a aplicação da legislação internacional às violações de Direitos Humanos com base na orientação sexual e identidade de gênero, no sentido de dar mais Didatismo e Conhecimento clareza e coerência às obrigações de Direitos Humanos dos estados. Esses princípios ficaram conhecidos como Princípios de Yogyakarta (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2007; REUNIÃO DE ESPECIALISTAS..., 2006). Depois de uma reunião realizada na Universidade Gadjah Mada, em Yogyakarta, Indonésia, entre 6 e 9 de novembro de 2006, 29 eminentes especialistas de 25 países adotaram por unanimidade os Princípios de Yogyakarta sobre a Aplicação da LegislaçãoInternacional de Direitos Humanos em Relação à Orientação Sexual e Identidade de Gênero (PRINCÍPIOS DE YOGYAKARTA, 2007). Em 2006, a ONU adotou a Convenção sobre os Direitos das Pessoas com Deficiência, para promover, defender e garantir condições de vida com dignidade para as pessoas que têm alguma incapacidade ou deficiência. Entre os seus princípios estão a liberdade de fazer as próprias escolhas, a plena e efetiva participação e inclusão na sociedade, a igualdade entre homens e mulheres. Explicita, também, a necessidade dos estados incluírem em seus programas de saúde pública a assistência na área de saúde sexual e reprodutiva às pessoas com deficiência. Em julho de 2008, o texto da Convenção e seu protocolo facultativo foram incluídos como parte da Constituição Nacional. A ideia de direitos sexuais implica, portanto, a aceitação dos diferentes tipos de expressão sexual, a autonomia para tomar decisões sobre o uso do próprio corpo e a igualdade de gênero (VILLELA; ARILHA, 2003; PETCHESKY, 1999). O HERA (Health, Empowerment, Rights and Accountability – Saúde, Empoderamento, Direitos e Responsabilidade), grupo internacional formado por mulheres que atuam no campo da saúde, desenvolvendo um trabalho de escopo mundial para garantir a implementação dos acordos estabelecidos na CIPD e na IV Conferência Mundial sobre a Mulher, define saúde sexual da seguinte forma: A saúde sexual é a habilidade de mulheres e homens para desfrutar e expressar sua sexualidade, sem riscos de doenças sexualmente transmissíveis, gestações não desejadas, coerção, violência e discriminação. A saúde sexual possibilita experimentar uma vida sexual informada, agradável e segura, baseada na autoestima, que implica abordagem positiva da sexualidade humana e respeito mútuo nas relações sexuais. A saúde sexual valoriza a vida, as relações pessoais e a expressão da identidade própria da pessoa. Ela é enriquecedora, inclui o prazer e estimula a determinação pessoal, a comunicação e as relações (HERA, 1999 apud CORRÊA; ALVES; JANUZZI, 2006, p. 45). A partir de todo esse movimento em prol dos direitos, da saúde sexual e da saúde reprodutiva, encontram-se entre os direitos reprodutivos: • O direito das pessoas decidirem, de forma livre e responsável, se querem ou não ter filhos, quantos filhos desejam ter e em que momento de suas vidas. • O direito de acesso a informações, meios, métodos e técnicas para ter ou não ter filhos. • O direito de exercer a sexualidade e a reprodução livre de discriminação, imposição e violência. E entre os direitos sexuais: • O direito de viver e expressar livremente a sexualidade sem violência, discriminações e imposições, e com total respeito pelo corpo do(a) parceiro(a). • O direito de escolher o(a) parceiro(a) sexual. • O direito de viver plenamente a sexualidade sem medo, vergonha, culpa e falsas crenças. 16 Técnico em Enfermagem retificação • O direito de viver a sexualidade, independentemente de estado civil, idade ou condição física. • O direito de escolher se quer ou não quer ter relação sexual. • O direito de expressar livremente sua orientação sexual: heterossexualidade, homossexualidade, bissexualidade. • O direito de ter relação sexual, independentemente da reprodução. • O direito ao sexo seguro para prevenção da gravidez e de doenças sexualmente transmissíveis (DST) e Aids. • O direito a serviços de saúde que garantam privacidade, sigilo e um atendimento de qualidade, sem discriminação. • O direito à informação e à educação sexual e reprodutiva. Vale notar que a sexualidade é uma importante dimensão da vida, abrangendo aspectos biológicos, psíquicos, sociais, culturais e históricos. Não se restringe à meta reprodutiva, sendo constitutiva das relações amorosas e do laço afetivo entre as pessoas. Apesar de os direitos sexuais e direitos reprodutivos terem sido formalizados no contexto das Conferências das Nações Unidas como concernentes ao planejamento familiar e ao enfrentamento da violência sexual contra as mulheres, há atualmente discursos críticos que reconhecem a necessidade de explicitamente afirmar a universalidade desses direitos. O fato é que há distintos grupos populacionais que têm seus direitos humanos violados em função da sexualidade, tais como lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transexuais, bem como pessoas que exercem a prostituição e pessoas que vivem com HIV/Aids. Ainda há grupos aos quais erroneamente se supõe o não exercício da sexualidade, como é o caso das pessoas idosas, pessoas com deficiência; e outros para os quais se supõe a impertinência na reprodução, como é o caso das pessoas com deficiência, em situação de prisão, adolescentes e pessoas com orientações sexuais não heterossexuais. O reconhecimento da universalidade dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos é fundamental para a qualificação da proposição de políticas públicas que contemplem as especificidades dos diversos segmentos da população. A prática sexual e a maternidade/ paternidade são direitos de todos, que devem ser garantidos pelo Estado, mediante ações e estratégias que promovam o compromisso e responsabilidade dos cidadãos com seu exercício de modo responsável e mediante condições saudáveis e libertas de riscos. Os programas de ação propostos nas Conferências do Cairo e de Beijing enfatizam a necessidade de se promover a igualdade entre homens e mulheres como requisito essencial para a conquista de melhores condições de saúde e de qualidade de vida. Exortam, também, os governos a propiciarem aos adolescentes informações e serviços adequados para atenção à sua saúde sexual e saúde reprodutiva e enfatizam a necessidade de se promover o efetivo envolvimento e corresponsabilidade dos homens, adultos e adolescentes, nas questões referentes à saúde sexual e à saúde reprodutiva. Para o pleno desenvolvimento de homens e mulheres, é importante a construção de parcerias igualitárias, baseadas no respeito entre os parceiros e em responsabilidades compartilhadas. Portanto, é fundamental o envolvimento dos homens com relação à paternidade responsável, à prevenção de gestações não desejadas ou de alto risco, à prevenção das DST/HIV/Aids, dividindo também com as mulheres as responsabilidades no cuidado dos filhos e na vida doméstica. Nessas conferências, os governos de vários países, entre os quais se inclui o Brasil, assumiram o compromisso de se pautarem nos direitos sexuais e nos direitos reprodutivos para definição de políticas e programas nacionais dedicados à população e ao desenvolvimento, inclusive no que se refere aos programas de planejamento reprodutivo. 1.4 OBJETIVOS DE DESENVOLVIMENTO DO MILÊNIO Ainda, em âmbito internacional, por ter reflexo na saúde sexual e na saúde reprodutiva, cabe destacar os Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. A Organização das Nações Unidas (ONU), em setembro de 2000, promoveu a Conferência do Milênio, da qual participaram 189 países, entre eles o Brasil, que assinaram a Declaração do Milênio, a qual estabeleceu um conjunto de oito objetivos para o desenvolvimento sustentável dos povos e a erradicação da pobreza e da fome, os chamados Objetivos de Desenvolvimento do Milênio. Os oito objetivos definidos na Conferência do Milênio, e que devem ser atingidos, em sua maioria, num período de 25 anos (entre 1990 e 2015), são: • A erradicação da pobreza e da fome. • A universalização do acesso à educação básica. • A promoção da igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres. • A redução da mortalidade infantil. • A melhoria da saúde materna. • O combate ao HIV/Aids, malária e outras doenças. • A promoção da sustentabilidade ambiental. • O desenvolvimento de parcerias para o desenvolvimento. Desses oito objetivos, quatro têm relação direta com a saúde sexual e a saúde reprodutiva: a promoção da igualdade entre os sexos e a autonomia das mulheres; a melhoria da saúde materna; o combate ao HIV/Aids, malária e outras doenças; e a redução da mortalidade infantil. 1.3 A EQUIDADE ENTRE HOMENS E MULHERES É FUNDAMENTAL PARA TORNAR REALIDADE OS DIREITOS HUMANOS. Para iniciar essa discussão, é fundamental compreender sexo e gênero como conceitos distintos. Sexo refere-se a um conjunto de características genotípicas e biológicas. Gênero é um conceito que se refere a um sistema de atributos sociais – papéis, crenças, atitudes e relações entre mulheres e homens – os quais não são determinados pela biologia, mas pelo contexto social, político e econômico, e que contribuem para orientar o sentido do que é ser homem ou ser mulher numa dada sociedade. Portanto, o gênero é uma construção social e histórica. Na maioria das sociedades, as relações de gênero são desiguais. 1.5 MARCOS REFERENCIAIS NACIONAIS LEMBRE-SE Em âmbito nacional, como marcos referenciais em relação aos direitos sexuais e aos direitos reprodutivos, destacam-se: • Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher – PAISM/ MS/1984. SEXO refere-se a um conjunto de características genotípicas e biológicas; e GÊNERO é uma construção social e histórica. Na maioria das sociedades, as relações de gênero são desiguais. Didatismo e Conhecimento 17 Técnico em Enfermagem retificação • Constituição Federal de 1988. • Lei nº 9.263/1996, que regulamenta o planejamento familiar. • Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher/ MS/2004. • Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos/MS/2005. Anteriormente a esses referenciais, destaca-se que, na década de 60, diversas entidades de caráter privado, voltadas para o controle da natalidade, iniciaram sua atuação no Brasil, financiadas por agências internacionais que tinham o interesse em reduzir o crescimento populacional no País. Ao mesmo tempo, verificava-se atuação quase inexistente do setor público no campo do planejamento reprodutivo. O enfoque da assistência era o ciclo gravídico-puerperal (BRASIL, 2002). Nas primeiras décadas do século XX, a saúde da mulher foi incorporada às políticas nacionais de saúde, mas os programas implementados ainda voltavam-se exclusivamente para a assistência aos aspectos referentes à gestação e ao parto. Em 1984, o Ministério da Saúde lançou as bases programáticas do Programa de Assistência Integral à Saúde da Mulher (PAISM), que foi elaborado com a colaboração de representantes de grupos feministas, gestores estaduais e pesquisadores das universidades. Esse programa constitui-se em marco histórico, pois incorporou o ideário feminista na atenção à saúde da mulher, introduzindo novo enfoque nas políticas públicas de saúde voltadas para essa população. Centralizado na integralidade e na equidade das ações, o PAISM propunha uma abordagem global da saúde da mulher em todas as fases do seu ciclo vital, e não apenas no ciclo gravídico-puerperal (BRASIL, 1984, 2002b, 2002c, 2004b). Esse programa significou um avanço em termos de direitos reprodutivos para as mulheres brasileiras, entretanto, enfrentou dificuldades políticas, financeiras e operacionais para sua implementação, que impediram que se concretizasse de forma efetiva no cotidiano da atenção à saúde da mulher. A Constituição Federal, promulgada em 5 de outubro de 1988, inclui no Título VIII da Ordem Social, em seu Capítulo VII, art. 226, § 7º, a responsabilidade do Estado no que se refere ao planejamento familiar, nos seguintes termos: Fundado nos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, o planejamento familiar é livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e científicos para o exercício desse direito, vedada qualquer forma coercitiva por parte de instituições oficiais ou privadas (BRASIL, 1988). A Lei nº 9.263, de 12 de janeiro de 1996, que regulamenta o § 7º do art. 226 da Constituição Federal, que trata do planejamento familiar, estabelece em seu art. 2º: Para fins desta Lei, entende-se planejamento familiar como o conjunto de ações de regulação da fecundidade que garanta direitos iguais de constituição, limitação ou aumento da prole pela mulher, pelo homem ou pelo casal. Parágrafo único – É proibida a utilização das ações a que se refere o caput para qualquer tipo de controle demográfico (BRASIL, 1996). Determina a mesma Lei, em seu art. 9º, que: Para o exercício do direito ao planejamento familiar, serão oferecidos todos os métodos e técnicas de concepção e contracepção cientificamente aceitos e que não coloquem em risco a vida e a saúde das pessoas, garantida a liberdade de opção (BRASIL, 1996). Didatismo e Conhecimento Portanto, as instâncias gestoras do Sistema Único de Saúde (SUS), em todos os seus níveis, estão obrigadas a garantir a atenção integral à saúde que inclua a assistência à concepção e à contracepção. Em 2004, o Ministério da Saúde elaborou a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher, em parceria com diversos setores da sociedade, em especial com o movimento de mulheres e com os gestores do SUS. Essa política reflete o compromisso com a implementação de ações de saúde que contribuam para a garantia dos direitos humanos das mulheres e reduzam a morbimortalidade por causas preveníveis e evitáveis. Enfatiza a melhoria da atenção obstétrica, o planejamento familiar, a atenção ao abortamento inseguro e às mulheres e às adolescentes em situação de violência doméstica e sexual. Além disso, amplia as ações para grupos historicamente alijados das políticas públicas nas suas especificidades e necessidades (BRASIL, 2004b). Em 22 de março de 2005, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos (BRASIL, 2005d). Entre as diretrizes e ações propostas por essa política estão: a ampliação da oferta de métodos anticoncepcionais reversíveis no SUS, incentivo à implementação de atividades educativas em saúde sexual e saúde reprodutiva para usuários(as) da rede SUS; capacitação dos profissionais da Atenção Básica em saúde sexual e saúde reprodutiva; ampliação do acesso à esterilização cirúrgica voluntária (laqueadura tubária e vasectomia) no SUS; implantação e implementação de redes integradas para atenção às mulheres e aos adolescentes em situação de violência doméstica e sexual; ampliação dos serviços de referência para a realização do aborto previsto em lei e garantia de atenção humanizada e qualificada às mulheres em situação de abortamento; entre outras ações. Em 2007, o governo federal lançou o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), que busca aliar o crescimento econômico com o desenvolvimento e a equidade social. A saúde constitui-se um dos campos de atuação fundamental do PAC e, nesse sentido, o Ministério da Saúde elaborou o Programa Mais Saúde: Direito de Todos, que objetiva, numa perspectiva abrangente, aprofundar e atualizar os grandes objetivos da criação do SUS, num contexto contemporâneo, agregando novos desafios e dimensões para que os objetivos de universalidade, equidade e integralidade possam se concretizar. O programa contempla 73 medidas e 165 metas. Entre as medidas do eixo promoção da saúde, encontra-se a expansão das ações de planejamento familiar (BRASIL, 2008b). Os direitos, a saúde sexual e a saúde reprodutiva estão, portanto, na pauta governamental. Além disso, a implementação das diretrizes preconizadas pela Política Nacional dos Direitos Sexuais e dos Direitos Reprodutivos tem sido demanda crescente da sociedade e vem sendo monitorada pela sociedade civil organizada. Diante das conquistas legais e políticas enfocadas neste capítulo, os/as gestores(as) e os(as) profissionais de saúde têm papel fundamental no sentido de conhecê-las e torná-las uma realidade no planejamento e na prática de atenção à saúde. 18 Técnico em Enfermagem retificação CAPÍTULO 2 O ECA possui um capítulo especial que trata dos direitos à vida e à saúde e, no seu art. 11, estabelece: “É assegurada a atenção integral à criança e ao adolescente, por meio do Sistema Único de Saúde, garantindo o acesso universal e igualitário às ações e serviços para promoção e recuperação da saúde (BRASIL, 1990)”. Prevê ainda que a condição de pessoa em desenvolvimento físico, moral e psicológico não retira da criança e do adolescente o direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, conforme se encontra expresso em seu art. 17: O direito ao respeito consiste na inviolabilidade da integridade física, psíquica e moral da criança e do adolescente, abrangendo a preservação da imagem, da identidade, da autonomia, dos valores, ideias e crenças, dos espaços e objetos pessoais (BRASIL, 1990). O ECA, que consolida os direitos básicos da população infanto-juvenil, em seu art. 1º, claramente dispõe a doutrina da proteção integral, determinando a natureza tutelar dos direitos ali elencados, que predominarão sobre qualquer outro que possa prejudicá-lo. Dessa forma, no que se refere ao adolescente, qualquer exigência, como a obrigatoriedade da presença de um responsável para acompanhamento no serviço de saúde, que possa afastar ou impedir o exercício pleno pelo adolescente de seu direito fundamental à saúde e à liberdade, constitui lesão ao direito maior de uma vida saudável (BRASIL, 2005a). Portanto, constituem-se direitos fundamentais do adolescente a privacidade, a preservação do sigilo e o consentimento informado. Na assistência à saúde, isso se traduz, por exemplo, no direito do adolescente de ter privacidade durante uma consulta, com atendimento em espaço reservado e apropriado, e de ter assegurada a confidencialidade, ou seja, a garantia de que as questões discutidas durante uma consulta ou uma entrevista não serão informadas a seus pais ou responsáveis, sem a sua autorização – consentimento informado. Esses direitos fundamentam-se no princípio da autonomia e, sem dúvida, favorecem a abordagem de temas relacionados à saúde sexual e à saúde reprodutiva nos serviços de saúde (BRASIL, 2005a). Diversos códigos de ética profissionais e o próprio código penal expressamente determinam o sigilo profissional, independentemente da idade da pessoa sob atenção, prevendo sua quebra apenas nos casos de risco de vida ou outros riscos relevantes para a própria pessoa ou para terceiros. O Código de Ética Médica, por exemplo, considerando que a revelação de determinados fatos para os responsáveis legais pode acarretar consequências danosas para a saúde do jovem e a perda da confiança na relação com a equipe de saúde, não adotou o critério etário, mas o do desenvolvimento intelectual. O art. 103 do referido código estabelece: É vedado ao médico: Revelar segredo profissional referente ao paciente menor de idade, inclusive a seus pais ou responsáveis legais, desde que o menor tenha capacidade de avaliar seu problema e de conduzir-se por seus próprios meios para solucioná-los, salvo quando a não revelação possa acarretar danos ao paciente (CONSELHO..., 1988). No programa de ação da Conferência Internacional sobre População e Desenvolvimento (CIPD), realizada no Cairo, em 1994, no capítulo VII, referente aos direitos reprodutivos e à saúde reprodutiva, é feito um apelo aos países signatários para que, com o apoio da comunidade internacional, protejam e promovam o direito dos adolescentes à educação, à informação e aos cuidados de saúde reprodutiva. Apela-se, igualmente, aos governos para que, em colaboração com as ONGs, estabeleçam os mecanismos apropriados para responder às necessidades especiais dos adolescentes. O QUE OS ADOLESCENTES E OS JOVENS TÊM A VER COM DIREITOS, SAÚDE SEXUAL E SAÚDE REPRODUTIVA A adolescência e a juventude são etapas fundamentais do desenvolvimento humano, assim como as demais etapas da vida. Esse grupo populacional precisa ter assegurados seus Direitos Humanos fundamentais. Nas duas últimas décadas, houve grandes avanços na legislação e nas políticas internacionais e nacionais sobre a compreensão dos direitos sexuais e dos direitos reprodutivos como Direitos Humanos, incluindo-se, também, os adolescentes e os jovens como sujeitos desses direitos. 2.1 MARCOS LEGAIS E POLÍTICOS DOS DIREITOS SEXUAIS E DOS DIREITOS REPRODUTIVOS DE ADOLESCENTES E JOVENS A Constituição Brasileira de 1988 reconheceu, no seu art. 227, crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, modificando toda uma legislação anterior que considerava meninos e meninas como propriedades dos seus pais. Outro marco fundamental é a Convenção sobre os Direitos da Criança, aprovada pela Assembleia Geral das Nações Unidas, em 1989. A convenção em questão significou uma importante mudança de paradigma para a proteção da infância e da adolescência, reconhecendo crianças e adolescentes como sujeitos de direitos e não objetos de intervenção do Estado, da família ou da sociedade. Em consonância com essa mudança de paradigma, em 1989, o Ministério da Saúde criou o Programa de Saúde do Adolescente (PROSAD), para a faixa etária de 10 a 19 anos, 11 meses e 29 dias. Entre as áreas prioritárias desse programa encontravam-se a saúde sexual e a saúde reprodutiva. No Brasil, entre os principais avanços legais que norteiam a atenção à saúde de adolescentes, destaca-se a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em 1990, que regulamenta o art. 227 da Constituição Federal de 1988. O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) circunscreve a adolescência como o período de vida que vai dos 12 aos 18 anos de idade. A Organização Mundial de Saúde (OMS), por sua vez, delimita a adolescência como a segunda década de vida, período compreendido entre os 10 e os 19 anos, 11 meses e 29 dias; e a juventude como o período que vai dos 15 aos 24 anos. Há, portanto, intersecção entre a segunda metade da adolescência e os primeiros anos da juventude. O Ministério da Saúde toma por base a definição da OMS e recorre aos termos “população jovem” ou “pessoas jovens” para referir-se ao conjunto de adolescentes e jovens, ou seja, à abrangente faixa compreendida entre 10 e 24 anos. O art. 3º do ECA define que: A criança e o adolescente gozam de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhes, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, a fim de lhes facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e de dignidade (BRASIL, 1990). Didatismo e Conhecimento 19 Técnico em Enfermagem retificação Um dos marcos importantes do programa de ação em questão é a inclusão dos adolescentes e jovens do sexo masculino nas políticas voltadas para a saúde sexual e para a saúde reprodutiva. Em 2007, foi aprovada pelo Conselho Nacional de Saúde a Política Nacional e Atenção Integral à Saúde de Adolescentes e Jovens, calcada nos princípios do SUS e construída num processo coletivo estabelecido entre o governo federal, profissionais, gestores, organizações da sociedade civil e movimentos de juventude. Fundamenta-se no reconhecimento de que adolescentes e jovens são pessoas em processo de desenvolvimento, demandando atenção especial ao conjunto integrado de suas necessidades físicas, emocionais, psicológicas, cognitivas, espirituais e sociais. Os pressupostos dessa política são a integralidade da atenção, a universalização, a efetividade, a interdisciplinaridade, a intersetorialidade e a participação juvenil. Enfatiza o fortalecimento da Atenção Básica como um espaço privilegiado para se trabalhar a promoção da saúde, a prevenção de agravos e a intersetorialidade. A Atenção Básica deve, em especial, realizar o acompanhamento do crescimento e desenvolvimento, articular ações de redução da morbimortalidade por causas externas (acidentes e violências), garantir a atenção à saúde sexual e à saúde reprodutiva, incluindo o acesso ao planejamento reprodutivo e aos insumos para a prevenção das DST/HIV/Aids, além de desenvolver ações educativas com grupos, respeitando os direitos sexuais e os direitos reprodutivos. A saúde de adolescentes e jovens está diretamente relacionada à promoção do protagonismo juvenil e do exercício da cidadania, ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários, à educação em saúde e à prevenção de agravos. Portanto, é preciso ressaltar que, do ponto de vista ético, político e legal, está assegurado o direito desse grupo etário à atenção integral à saúde, incluindo-se nessa atenção a saúde sexual e a saúde reprodutiva. 1. Primeiro contato: significa ser a “porta ou ponto de entrada” de fácil acesso para o sistema de saúde. A unidade deve ser de fácil acesso e disponível para não postergar e afetar adversamente o diagnóstico e o manejo do problema. As Unidades Básicas de Saúde serão os lugares que, preferencialmente, as pessoas procuram primeiro a cada vez que ocorre um problema ou necessidade em saúde, devido à sua acessibilidade. 2. Longitudinalidade: quer dizer responsabilidade do serviço de saúde por toda a população de um determinado território ao longo do tempo, independentemente da presença ou ausência de doença e da procura pela unidade. A palavra longitudinalidade deriva de longitudinal e é definida como lidar com o crescimento e as mudanças de indivíduos ou grupos no decorrer de um período de anos. Dessa forma, as relações entre a equipe de saúde e os usuários na Atenção Básica são contínuas e de longa duração, com presença ou ausência de problemas de saúde. Isso significa uma atenção e cuidado personalizados ao longo do tempo. Com o passar do tempo, os usuários passam a conhecer a equipe de saúde e essa, os usuários. As pessoas recebem acompanhamento durante todo o ciclo da vida: nascimento, infância, adolescência e juventude, idade adulta e todo o processo de envelhecimento. 3. Integralidade: traduz-se em realizar atenção, integrando ações de promoção, prevenção, assistência e reabilitação, promovendo acesso aos diferentes níveis de atenção e ofertando respostas ao conjunto de necessidades de saúde de uma comunidade, e não apenas a um recorte de problemas. A integralidade exige que a Atenção Básica reconheça as necessidades de saúde da população e os recursos para abordá-las. 4. Coordenação: a Atenção Básica deve prestar, diretamente, todos os serviços para as necessidades comuns e ser um agente para a atenção às necessidades que devem ser atendidas em outros pontos de atenção. Deve coordenar as ações de saúde, considerando a história anterior de atenção ao usuário (terapias ou ações já utilizadas) e as necessidades do presente, atuando com o compromisso de buscar a resolução dos problemas e prestar atenção continuada à pessoa/ família, mesmo nos casos de encaminhamento a outros níveis de atenção, atuando de forma integrada com os profissionais dos serviços especializados. CAPÍTULO 3 A ATENÇÃO BÁSICA À SAÚDE O Ministério da Saúde (BRASIL, 2007) define Atenção Básica como um conjunto de ações de saúde, no âmbito individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico e o tratamento dos problemas de saúde mais comuns e relevantes da população, a reabilitação e a manutenção da saúde. A Atenção Básica ou Atenção Primária à Saúde (APS) é aquele nível de um sistema de serviços de saúde que oferece a entrada no sistema para todas as novas necessidades e problemas, fornece atenção sobre a pessoa (não direcionada para a enfermidade) no decorrer do tempo, fornece atenção para todas as condições, exceto aquelas muito incomuns ou raras, e coordena ou integra a atenção fornecida em outro lugar ou por terceiros (STARFIELD, 2002). A Atenção Básica deve (BRASIL, 2007): • Ser baseada na realidade local. • Considerar os sujeitos em sua singularidade, na complexidade, na integralidade e na inserção sociocultural. • Contemplar a promoção da saúde, a prevenção e o tratamento de doenças e a redução de danos ou de sofrimentos que possam comprometer as possibilidades de viver de modo saudável. Conforme Starfield (2002) salienta, a Atenção Básica ou Atenção Primária à Saúde (APS) deve ser orientada pelos seguintes princípios: Didatismo e Conhecimento 5. Centralização familiar: o foco da atenção é a família. Tendo em vista que ela desempenha papel fundamental para a construção de hábitos saudáveis, nossa sociedade se organiza tendo a família como célula-central, o núcleo familiar funciona como tradutor de toda uma dinâmica social e a família é, essencialmente, provedora de cuidados. 6. Competência cultural: envolve o reconhecimento das necessidades especiais das subpopulações que podem não estar em evidência devido a características étnicas, raciais ou a outras características culturais especiais. Os profissionais necessitam ter outros conhecimentos e habilidades para além do campo das disciplinas acadêmicas da área de saúde, que envolvem relacionamentos, capacidade de escuta e de manejar situações adversas, desenvolvimento de trabalho em equipe, estabelecimento de parcerias, comprometimento com os usuários, respeitando os modos de viver dos indivíduos e famílias. 20 Técnico em Enfermagem retificação CAPÍTULO 4 7. Enfoque comunitário: é fundamental conhecer, planejar e atuar, considerando os diferentes contextos da comunidade. A Atenção Básica com orientação comunitária utiliza habilidades clínicas, epidemiológicas, ciências sociais e pe squisasavaliativas, de forma complementar, para ajustar as ações, de modo que estas atendam às necessidades específicas de saúde de uma população definida. Além disso, a equipe integra uma rede de suporte à comunidade, estabelecendo uma relação de mútua confiança que favorece a construção de vínculo. Diz respeito também ao envolvimento da comunidade na tomada de decisão. A organização do Sistema Único de Saúde, a partir de 2006, passou a reger-se com base em um novo documento orientador, o Pacto pela Saúde, estruturado em três dimensões: Pacto de Gestão, Pacto em Defesa do SUS e Pacto pela Vida. Esse último estabelece um conjunto de prioridades sanitárias, entre as quais se destaca o fortalecimento da Atenção Básica. No Brasil, a Saúde da Família (SF), estratégia prioritária para a organização da Atenção Básica, tem foco na família, célula social fundamental para o reconhecimento dos modos de viver e adoecer das comunidades. Como conceito de família, o Ministério da Saúde utiliza o adotado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE): O conjunto de pessoas ligadas por laços de parentesco, dependência doméstica ou normas de convivência que residem na mesma unidade domiciliar. Inclui empregado(a) doméstico(a) que reside no domicílio, pensionistas e agregados (IBGE, 1998). Nas últimas décadas, ocorreram mudanças significativas no perfil das famílias, na forma como se organizam e nos papéis desempenhados por seus membros. Os Censos Demográficos e as Pesquisas Nacionais por Amostra de Domicílios (PNAD), realizados pelo IBGE, revelam algumas dessas mudanças, decorrentes de processos socioculturais, como o aumento do número de separações, a diminuição da taxa de fecundidade, a mudança do papel da mulher, o maior poder dos filhos, entre outros. A família não é mais apenas aquele grupo nuclear específico, formado por pai, mãe e filhos; é também um espaço emocional à procura de novos equilíbrios e que pode se organizar sob as mais diversas formas. Dentro dela, tendem a se reproduzir todas as formas de relações existentes na sociedade (DUNCAN; SCHMIDT e GIUGLIANI, 2004). Em face do contexto diverso em que se inserem indivíduos e famílias, é imprescindível que os profissionais de saúde tenham conhecimento sobre as diferentes estruturas e dinâmicas familiares e busquem realizar o cuidado em saúde com abordagens que considerem os aspectos sociais, econômicos, ambientais, culturais, entre outros, como condicionantes e/ou determinantes da situação de saúde. É importante salientar que ofertar uma atenção básica de qualidade não é uma tarefa simples. Atenção básica não quer dizer atenção de baixa complexidade. Tais cuidados são realizados de forma individual e/ou coletiva, utilizando meios ou técnicas que dispensam equipamentos sofisticados e de alto custo. Ainda assim, são considerados de alta complexidade, porque necessitam de uma abordagem ampliada dos indivíduos, da família, da comunidade, enfim, do contexto em que as pessoas vivem. A Atenção Básica se utiliza de tecnologias de elevada complexidade e baixa densidade tecnológica, as quais devem resolver os problemas de saúde de maior frequência e relevância em seu território. E conforme salienta Raggio (2006): A agregação tecnológica é menos complexa que a atenção às pessoas. A escuta e o exame de um ser que sofre deve ser a mais complexa de todas as tarefas na cadeia de ações de saúde, onde não se distinguem as dimensões corpo, mente, alma, valores e cultura que compõem as pessoas. Estão todas imbricadas, construindo identidades inéditas. Didatismo e Conhecimento HUMANIZAÇÃO, OS PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA, ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA E ABORDAGEM FAMILIAR: PONTOS-CHAVE NA ATENÇÃO EM SAÚDE SEXUAL E SAÚDE REPRODUTIVA Toda prática e ação está baseada em uma determinada forma de pensar e numa visão de mundo particular. As práticas de saúde também são norteadas por uma dada concepção da realidade. O conjunto de valores, crenças e técnicas que servem de base para produzir o conhecimento e para orientar a nossa prática chama-se paradigma. O paradigma que tem dominado a ciência ocidental é aquele que reconhece como ciência apenas a atividade objetiva, capaz de traçar as leis que regem os fenômenos e tem como características fundamentais: • O mecanicismo: concepção do universo, da natureza, do homem, como se fossem máquinas, governados por leis matemáticas exatas. • O empirismo: apenas o conhecimento construído a partir de fatos concretos, passíveis de serem percebidos pelos sentidos, medidos e quantificados, teria valor científico. • O determinismo: uma vez conhecendo as leis que causam os fenômenos, seria possível determinar com precisão a sua evolução. • A fragmentação: a decomposição do objeto de estudo em suas partes componentes, perdendo-se, muitas vezes, a visão do todo. • O reducionismo: a perda da visão sistêmica e complexa dos processos. • A dicotomia: a separação entre mente/corpo, sujeito/objeto, ser humano/ natureza, razão/intuição. No campo da biologia, o paradigma mecanicista se concretiza na compreensão de que os organismos vivos funcionam como máquinas, constituídas de partes separadas, e de que é possível compreender o seu funcionamento pelo estudo isolado de cada parte. A fragmentação exagerada faz com que muito se saiba sobre as partes componentes dos organismos vivos, mas pouco se conheça sobre suas funções enquanto totalidades integradas e suas interações com o meio. A medicina adotou essa concepção reducionista da biologia, constituindo-se o modelo biomédico, ainda predominante nas práticas de saúde, que enfoca o processo saúde/doença sob uma ótica puramente biológica/corporal, desconsiderando os aspectos psicológicos, culturais, sociais e econômicos. Ao se concentrar em partes cada vez menores do corpo, a medicina moderna perde de vista o ser humano como um todo e sua inter-relação com o contexto em que vive. 4.1 A NECESSIDADE DE UM NOVO PARADIGMA PARA A SAÚDE Faz-se necessária a adoção de uma compreensão mais abrangente do ser humano e do processo saúde-doença, entendendo esse processo como complexo, não podendo ser reduzido somente à dimensão biológica. A situação de saúde de uma população resulta da interação de múltiplos fatores. Complexidade significa entrelaçamento de causas. Um sistema complexo é formado por grande número de unidades constitutivas e inter-relacionadas e uma enorme quantidade de interações. Nas 21 Técnico em Enfermagem retificação teorias da complexidade, os temas de estudo são entendidos como objetos em contexto. Contextualizar é ver um objeto existindo dentro do sistema e pôr foco nas suas interligações, conexões e redes de comunicação (MINAYO, 2008). O caminho para a humanização das práticas de saúde, aspecto fundamental para a construção e consolidação do SUS, pressupõe a mudança de paradigma. Esse novo paradigma deve buscar a superação de dicotomias tais como corpo/mente, quantitativo/qualitativo, indução/dedução, objetivo/subjetivo, teoria/prática, macro/micro, interioridade/exterioridade, fenômeno/essência, singular/universal, base material/consciência, pois um de seus princípios deve ser o da união dos contrários, numa relação de complementaridade, no interior das totalidades dinâmicas e vivas. Com base nessa forma de ver o mundo, é impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, bem como conhecer o todo sem conhecer as partes (MINAYO, 2008). • Justiça e equidade: todas as pessoas devem ser tratadas com igual consideração, independentemente de sua situação socioeconômica, cultural, étnica, orientação sexual, religião, profissão, entre outras situações ou características. Por sua vez, as especificidades das pessoas e dos grupos devem ser levadas em conta, a partir do que os recursos e esforços devem ser direcionados em maior proporção àqueles que precisam mais ou estão em maior risco de adoecer/ morrer, sem prejuízo da atenção à população como um todo. São, ainda, direitos fundamentais no atendimento de saúde: • Preservação de sigilo: a pessoa tem direito a ter resguardado o segredo sobre dados pessoais, por meio da manutenção do sigilo profissional, desde que isso não acarrete riscos a terceiros ou à saúde pública. Esse segredo abrange não só as informações expressas verbalmente, mas também aquelas registradas em prontuário. • Garantia de privacidade: visual e auditiva. • Consentimento informado: qualquer procedimento deve ser informado, esclarecido em suas finalidades, formas/características, riscos etc. A pessoa faz escolhas com autonomia, compreendendo o que será realizado. Aos profissionais, recomenda-se que primeiro ouça, depois pergunte e depois se posicione, com o cuidado de: • Não tomar decisões pelas pessoas, não impor escolhas, não emitir juízo de valor. • Desenvolver atividades educativas e de aconselhamento. • Somente realizar prescrições após avaliação clínica e oferecer acompanhamento periódico. 4.2 PRINCÍPIOS PARA A HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO E DA GESTÃO NO SUS De acordo com a Política Nacional de Humanização da Atenção e da Gestão no Sistema Único de Saúde (HumanizaSUS), entende-se por humanização a valorização dos diferentes sujeitos implicados no processo de produção de saúde: usuários, trabalhadores e gestores. Os valores que norteiam essa política são a autonomia e o protagonismo dos sujeitos, a corresponsabilidade entre eles, o estabelecimento de vínculos solidários e a participação coletiva no processo de gestão (BRASIL, 2006d). O acolhimento é uma das formas de concretizar a humanização das práticas de saúde. Caracteriza-se como um modo de operar os processos de trabalho em saúde de forma a dar atenção a todos que procuram os serviços, não só ouvindo suas necessidades, mas percebendo-as para além da fala/expressão verbal, assumindo uma postura capaz de acolher, escutar e pactuar respostas mais adequadas com as pessoas. O acolhimento não é um espaço ou local, mas uma postura ética; não pressupõe hora ou um profissional específico para fazê-lo, implica compartilhamento de saberes, necessidades, possibilidades, angústias ou formas alternativas para enfrentamento dos problemas. Uma atitude preconceituosa por parte de algum profissional pode interferir no acolhimento. Por exemplo: o estigma existente em relação a alguns grupos, como o das prostitutas ou outras pessoas que exercem a prostituição, pessoas com deficiência, pessoas que têm problemas mentais ou de comportamento, homossexuais, usuários de drogas, entre outros, muitas vezes impõe barreiras para o acesso à atenção à saúde, quebrando princípios de equidade e universalidade do cuidado aos cidadãos brasileiros. 4.4 DISCUTINDO UM POUCO MAIS SOBRE A RELAÇÃO TERAPÊUTICA A relação estabelecida entre o profissional de saúde e as pessoas às quais assiste é fundamental, pois, a depender da qualidade das interações, será maior ou menor o potencial de construir confiança, estabelecer vínculos e provocar transformações pessoais que contribuam para a produção de saúde. É importante que os profissionais de saúde busquem desenvolver a empatia, que se refere à habilidade de compreender a realidade de outras pessoas, mesmo quando não se teve a mesma experiência. Uma presença sensível transfunde serenidade e confiança, favorece a criação do vínculo e a corresponsabilidade. O profissional deve considerar a pessoa na sua inteireza, valorizar sua unicidade e singularidade, procurando construir uma relação de sujeito com sujeito. Buscar construir a confiança dos indivíduos e da comunidade no trabalho dos profissionais e da equipe de saúde é um dos primeiros passos para estabelecer o vínculo, que é concebido como fundamental para que as ações da equipe tenham impacto positivo na saúde da população. Deve-se atentar que na relação de cuidado em saúde podem ocorrer algumas situações que são muitas vezes invisíveis e indizíveis, tanto para os profissionais quanto para as pessoas sob atenção. Muitas dessas situações podem ser compreendidas à luz dos conceitos de transferência e contratransferência, que serão abordados em linhas gerais a seguir. O entendimento, a observação e o manejo dessas situações auxiliam na condução do processo de cuidar. Na relação do cuidado e no processo de construção da confiança, a pessoa pode experimentar em relação ao profissional de saúde algumas sensações, emoções, recordações, fantasias que, muitas vezes, são manifestações inconscientes de relações e experiências emocionais vividas com outras pessoas. De forma extremamente genérica, tais processos podem ser denominados de transferência e se manifestam de diferentes maneiras de acordo com cada paciente, situação e profissional. 4.3 OS PRINCÍPIOS DA BIOÉTICA É importante pautar a atuação profissional nos princípios bioéticos (CREMESP, 2004), a saber: • Respeito à autonomia: as pessoas têm o direito de decidir sobre as questões relacionadas ao seu corpo e à sua vida. Na atenção à saúde, as ações devem ser autorizadas pelas pessoas. • Beneficência: refere-se à obrigação ética de maximizar o benefício e minimizar o prejuízo. • Não maleficência (ação que não faz o mal): a finalidade é reduzir os efeitos adversos ou indesejáveis das ações diagnósticas e terapêuticas no ser humano. Desse modo, a ação realizada deve causar o menor prejuízo ou agravo à saúde da pessoa. Didatismo e Conhecimento 22 Técnico em Enfermagem retificação A seguir, são apresentados exemplos de algumas dessas manifestações transferenciais e possíveis condutas, com o intuito de chamar atenção para esses fenômenos na prática clínica, mantendo a ressalva de que inúmeros outros comportamentos são possíveis e de que a sensibilidade, a escuta, o estudo e a discussão de caso clínico são ferramentas para auxiliar na condução de cada situação: • Tentativas do paciente em agradar ao profissional de saúde, ofertando presentes, omitindo fatos, comportamentos ou sintomas relacionados à sua saúde. Para a compreensão desse comportamento, é importante refletir sobre os motivos que podem estar levando os pacientes a terem tais atitudes e buscar verificar se existe necessidade, por parte do paciente, de encobrir dificuldades em realizar ações para a melhoria da saúde. • Idealização do profissional de saúde pelo paciente, que pode se manifestar, no início do tratamento, como uma necessidade básica e indispensável para a construção do vínculo. Muitas vezes, sem perceber, o profissional alimenta essa idealização por longo tempo, devido a uma necessidade de obter gratificações e elogios. É importante que o profissional tenha cuidado para não deixar que essa idealização se prolongue demais, pois isso pode levá-lo a não realizar intervenções necessárias e prejudicar os pacientes na manifestação de suas reais necessidades e dificuldades. • Sentimentos afetuosos e carinhosos pelo profissional de saúde que estão relacionados com as necessidades das pessoas de serem amadas e respeitadas, sendo considerados inerentes às relações humanas. • Demonstrações de desejos amorosos e sexuais para com os profissionais, o que merece observação, evitando-se julgamentos morais, manifestações de repúdio e frieza e desistência do paciente. Há de se ter cuidado com o envolvimento afetivo. Ao perceber uma manifestação como essa, é importante que o profissional dialogue com o paciente, buscando auxiliá-lo para que perceba que significados estão por trás desses sentimentos ou de uma eventual tentativa de sedução – que necessidades emocionais precisam ser trabalhadas. Nem sempre o profissional se sentirá preparado para esse diálogo e nesse caso poderá procurar auxílio de outro profissional. • Demonstrações de raiva, agressividade, desistência e resistência com o tratamento e com profissional. Muitas vezes, essas manifestações podem representar a construção de preciosos vínculos de confiança, pois o paciente está permitindo mostrar suas fragilidades. O importante nessas situações é escutar o que os pacientes estão expressando com esses atos e sentimentos, sem se intimidar, revidar ou desistir. • Expressões de que o paciente está percebendo o profissional como um modelo de identificação para transformar o seu modo de viver. É importante ressaltar que, na relação de cuidado, o profissional também se sente mobilizado pelos pacientes, de forma manifesta ou inconsciente, por meio de um conjunto de sentimentos, afetos, pensamentos, imagens, sensações corporais etc. que merece atenção e que pode auxiliar no entendimento dos próprios pacientes. De forma extremamente genérica, tais processos podem ser denominados de contratransferência. Exemplos dessas respostas emocionais podem ser percebidos nas seguintes situações: • O profissional pode sentir grandes dificuldades em pensar na condução do caso clínico ou se sentir impotente perante algumas situações apresentadas pelos pacientes. Ou ainda, pode ter uma soDidatismo e Conhecimento nolência invencível e fazer enorme esforço para se manter desperto, que não se trata de sono atrasado, cansaço ou algo equivalente. Essas situações ocorrem com pacientes específicos e as sensações se transformam logo que há atendimento de outros pacientes. Isso pode demonstrar aspectos dos pacientes que estão sendo captados pelo profissional, devido ao vínculo estabelecido, mesmo quando não estão sendo verbalizados pelo paciente. Pode-se verificar se esses pacientes também vivenciam sensações de impotência perante seu problema de saúde ou se estão imobilizados perante alguma situação da vida ou com sensações de desânimo, apatia. • O profissional pode desenvolver sentimentos paternos, maternos ou fraternos em relação a algum usuário. Nesse caso, o paciente pode ter um traço, característica, jeito, comportamento que o profissional inconscientemente ou conscientemente identifica com um de seus próprios pais, filhos, irmãos etc., ou o paciente, sem perceber, coloca o profissional nessa posição parental. Os sentimentos despertados podem influenciar na condução do tratamento, sendo importante o profissional ficar atento e analisar os motivos dessas sensações, o que as mobiliza e se está havendo prejuízo na relação de cuidado. Como exemplo, o profissional em que é despertado o sentimento de pai ou de mãe em relação algum paciente pode ter atitudes morais que reprimam algum comportamento considerado por ele inapropriado para um filho, ou pode assumir posturas paternalistas que não auxiliam o paciente a assumir a sua responsabilidade no tratamento. É imprescindível destacar que, antes de tudo, o profissional de saúde é um ser humano e, portanto, está sujeito a toda ordem de sensações e sentimentos, como angústia, ódio, atração física, compaixão, tédio, paralisia, impotência etc. (ZIMERMAN, 1999). O importante é que esses sentimentos não sejam ignorados ou desprezados, nem assustem o profissional ao ponto dele desistir de tais pacientes ou ter condutas agressivas ou distantes. Esses sentimentos e sensações devem ser observados, decodificados, compreendidos e entendidos como auxiliares na compreensão da dinâmica de vida dos pacientes e na condução de seu processo de saúde. Para fortalecer a identificação desses aspectos que surgem a partir da relação de cuidado e utilizá-los como ferramentas na conduta clínica, eles devem ser abordados no processo de educação permanente do profissional de saúde, bem como discutidos no apoio matricial ou nos espaços de discussão de casos clínicos e supervisão. 4.5 A ABORDAGEM CENTRADA NA PESSOA E A IMPORTÂNCIA DA ESCUTA A proposta de abordagem centrada na pessoa contrapõe-se à abordagem centrada na doença, característica do modelo biomédico de atenção à saúde. Significa buscar a compreensão da pessoa como um todo, em seu contexto de vida e estágio de desenvolvimento pessoal, o que inclui considerar aspectos que envolvem família, trabalho, crenças, dificuldades, potencialidades. Mais do que explorar as anormalidades de estrutura e função dos órgãos e sistemas do corpo – as doenças de natureza física ou mental, busca-se entender o adoecer de cada pessoa, que é único, que corresponde à experiência pessoal da saúde alterada. E, mais que isso, inclui ações de promoção da saúde e de prevenção das doenças, e não só o cuidado após o adoecer. 23 Técnico em Enfermagem retificação Essa forma de atuação requer a valorização da relação estabelecida entre o profissional e as pessoas assistidas. Dessa forma, para se obter um plano terapêutico resolutivo, é importante buscar a concordância entre os sujeitos dessa relação, no que se refere à natureza dos problemas, às prioridades, objetivos do tratamento e papéis (do profissional e da pessoa sob atenção). Na abordagem centrada na pessoa, saber ouvir é tão importante quanto saber o que dizer e em que linguagem dizer, pois essa habilidade é crucial para uma atenção adequada. Ouvir o outro pressupõe a capacidade de silenciar. Uma escuta qualificada é aquela feita de presença e atenção, livre de preconceitos e soluções; a escuta sem outro objetivo que a escuta. Somente essa escuta permite ao ser exprimir-se e pode abrir a porta ao reencontro da pessoa com ela mesma. A escuta atenta e livre fará nascer um estado de confiança necessário que permitirá à pessoa ultrapassar seus medos (RESSÉGUIER, 1988). Além disso, é importante resgatar os significados essenciais das ações que são executadas cotidianamente e que vão sendo, muitas vezes, banalizadas a ponto de se tornarem mecânicas. Romper com a abordagem puramente biológica requer que o profissional de saúde transcenda o mecanicismo das condutas diagnósticas e terapêuticas biologicistas e resgate os significados essenciais que essas ações possuem. Por exemplo, nos procedimentos que implicam tocar/examinar o corpo das pessoas, é preciso lembrar que o que se faz é uma espécie de escuta do corpo, a qual também deve ser atenta e respeitosa. O corpo precisa, então, ser ressignificado, pois mais do que o conjunto de partes, ele representa um ser: Quando você toca alguém, nunca toque só um corpo. Quer dizer, não se esqueça de que você toca uma pessoa e que nesse corpo está toda a memória de sua existência. E, mais profundamente ainda, quando você toca um corpo, lembre-se que você toca um sopro, que esse sopro é o sopro de uma pessoa com os seus entraves e dificuldades e, também, é o grande sopro do universo. Assim, quando você tocar um corpo, lembre-se de que você toca um templo (LELOUP, 1998). o afeta profundamente em seu autoconceito e em sua relação com os outros. Assim como os indivíduos possuem um ciclo de vida, a família também possui um ciclo de vida próprio, o qual se constitui em uma sequência de etapas ou estágios de desenvolvimento que evoluem de diferentes formas, de acordo com as estruturas e padrões ou dinâmicas de relacionamento estabelecidos. Buscar conhecer o ciclo de vida familiar pode ajudar muito o profissional de saúde a formular hipóteses mais próximas da realidade sobre os problemas que as pessoas estão vivendo e que têm implicações no processo saúde-doença. O processo saúde-doença envolve toda a família – a saúde de cada um de seu membros tanto pode ser afetada pela dinâmica familiar e seus problemas, como influenciá-la ou afetá-la. Atuar com foco na família pressupõe, entre outras coisas, considerar as interações e/ ou tensões familiares, muitas vezes não mencionadas inicialmente, e que estão intrinsecamente ligadas aos processos de adoecimento. A abordagem familiar pode se utilizar de diferentes ferramentas e técnicas. Muitas dessas ferramentas voltam-se à avaliação da estrutura e do funcionamento familiar, à explicitação dos papéis de seus membros e das linhas de poder e de decisão, das formas próprias de perceber e explicar saúde e doença, à identificação dos recursos familiares para a solução dos problemas e seus apoios internos e externos – o modo como a família se relaciona com a comunidade. É de fundamental importância que os profissionais busquem conhecer e utilizar essas ferramentas no cotidiano de suas práticas. Isso permitirá uma atenção mais adequada, com resultados mais consistentes e duradouros. Este conteúdo encontra-se na íntegra no CD que acompanha a apostila. BRASIL, PORTARIA Nº 156 DE 19 DE JANEIRO DE 2006. DISPÕE SOBRE O USO DA PENICILINA NA ATENÇÃO BÁSICA. 4.6 ABORDAGEM FAMILIAR Na busca por compreender o contexto de vida das pessoas e as influências desse contexto sobre a situação de saúde, a família deve ser o primeiro espaço/grupo a se considerado a partir do que se denomina de abordagem familiar. A família pode ser definida como um grupo de pessoas que compartilham uma relação de cuidados (proteção, alimentação e socialização), vínculos afetivos (relacionais), de convivência, de parentesco consanguíneo ou não, condicionados pelos valores socioeconômicos e culturais predominantes em um dado contexto geográfico-histórico-cultural. A família é mais que a soma de seus membros, é um sistema social, uma instituição social básica que aparece sob as formas mais diversas em todas as sociedades humanas. Os indivíduos que a compõem cumprem papéis e tarefas específicas, os quais são definidos na própria família, a partir dos valores culturais de cada sociedade ou contexto particular. Segundo Brennan (1974), é importante considerar “a pessoa na família” e a “família na pessoa”. A “pessoa na família” quer dizer as relações interpessoais no grupo familiar e a “família na pessoa” vem a ser a experiência de família incorporada pelo indivíduo, que Didatismo e Conhecimento PORTARIA Nº 156, DE 19 DE JANEIRO DE 2006 (Revogada pela PRT GM/MS nº 3.161, de 27.12.11) Dispõe sobre o uso da penicilina na atenção básica à saúde e nas demais unidades do Sistema Único de Saúde (SUS). PORTARIA Nº 3.161, DE 27 DE DEZEMBRO DE 2011 Dispõe sobre a administração da penicilina nas unidades de Atenção Básica à Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS). O MINISTRO DE ESTADO DA SAÚDE, no uso das atribuições que lhe conferem os incisos I e II do art. 87 da Constituição, e Considerando a Portaria nº 2.488/GM/MS, de 21 de outubro de 2011, que aprova a Política Nacional da Atenção Básica e que regulamenta o desenvolvimento das ações de Atenção Básica à Saúde no Sistema Único de Saúde (SUS); 24 Técnico em Enfermagem retificação Considerando a Portaria nº 1.459/GM/MS, de 24 de junho de 2011, que institui, no âmbito do SUS, a Rede Cegonha; Considerando a Portaria nº 1.600/GM/MS, de 7 de julho de 2011, que institui, no âmbito do SUS, a Rede de Atenção às Urgências; e Considerando que a administração de penicilina é o tratamento preconizado para doenças de relevante impacto em saúde pública, como febre reumática, sífilis, entre outras, resolve: Neste contexto, a proposta da Clínica Ampliada busca se constituir numa ferramenta de articulação e inclusão dos diferentes enfoques e disciplinas. A Clínica Ampliada reconhece que, em um dado momento e situação singular, pode existir uma predominância, uma escolha, ou a emergência de um enfoque ou de um tema, sem que isso signifique a negação de outros enfoques e possibilidades de ação. Outro aspecto diz respeito à urgente necessidade de compartilhamento com os usuários dos diagnósticos e condutas em saúde, tanto individual quanto coletivamente. Quanto mais longo for o seguimento do tratamento e maior a necessidade de participação e adesão do sujeito no seu projeto terapêutico, maior será o desafio de lidar com o usuário enquanto sujeito, buscando sua participação e autonomia em seu projeto terapêutico. No plano hospitalar, a fragilidade causada pela doença, pelo afastamento do ambiente familiar, requer uma atenção ainda maior da equipe ao usuário. O funcionamento das Equipes de Referência possibilita essa atenção com uma responsabilização direta dos profissionais na atenção e construção conjunta de um Projeto Terapêutico Singular. Do mesmo modo, no plano da saúde coletiva, ampliar e compartilhar a clínica é construir processos de saúde nas relações entre serviços e a comunidade de forma conjunta, participativa, negociada. Trabalhar com diferentes enfoques, trabalhar em equipe, compartilhar saberes e poderes é trabalhar também com conflitos. Os instrumentos aqui propostos - Clínica Ampliada, Equipes de Referência, Projetos Terapêuticos Singulares - têm-se mostrado como dispositivos resolutivos quer seja no âmbito da atenção como no âmbito da gestão de serviços e redes de saúde. Art. 1º Fica determinado que a penicilina seja administrada em todas as unidades de Atenção Básica à Saúde, no âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), nas situações em que seu uso é indicado. Art. 2º As indicações para administração da penicilina na Atenção Básica à Saúde devem estar em conformidade com a avaliação clínica, os protocolos vigentes e o Formulário Terapêutico Nacional/ Relação Nacional de Medicamentos Essenciais (RENAME); Art. 3º A administração da penicilina deve ser realizada pela equipe de enfermagem (auxiliar, técnico ou enfermeiro), médico ou farmacêutico. Art. 4º Em caso de reações anafiláticas, deve-se proceder de acordo com os protocolos que abordam a atenção às urgências noâmbito da Atenção Básica à Saúde. Art. 5º Esta Portaria entra em vigor na data de sua publicação. Art. 6º Fica revogada a Portaria nº 156/GM/MS, de 19 de janeiro de 2006, publicada no Diário Oficial da União nº 15, de 20 de janeiro de 2006, Seção 1, página 54. O que é Clínica Ampliada? ALEXANDRE ROCHA SANTOS PADILHA De modo geral, quando se pensa em clínica, imagina-se um médico prescrevendo um remédio ou solicitando um exame para comprovar ou não a hipótese de determinada doença. No entanto, a clínica precisa ser muito mais do que isso. Todos sabemos que as pessoas não se limitam às expressões das doenças de que são portadoras. Alguns problemas, como a baixa adesão a tratamentos, as iatrogenias (danos), os pacientes refratários (ou “poliqueixosos”) e a dependência dos usuários dos serviços de saúde, entre outros, evidenciam a complexidade dos sujeitos que utilizam serviços de saúde e os limites da prática clínica centrada na doença. É certo que o diagnóstico de uma doença sempre parte de um princípio universalizante, generalizável para todos, ou seja, ele supõe alguma regularidade e produz uma igualdade. Mas esta universalidade é verdadeira apenas em parte. Isso pode levar à suposição de que sempre bastaria o diagnóstico para definir todo o tratamento para aquela pessoa. Entretanto, como já dizia um velho ditado, “Cada caso é um caso”, e esta consideração pode mudar, ao menos em parte, a conduta dos profissionais de saúde. Por exemplo: se a pessoa com hipertensão é deprimida ou não, se está isolada, se está desempregada, tudo isso interfere no desenvolvimento da doença. O diagnóstico pressupõe uma certa regularidade, uma repetição em um contexto ideal. Mas, para que se realize uma clínica adequada, é preciso saber, além do que o sujeito apresenta de “igual”, o que ele apresenta de “diferente”, de singular. Inclusive um conjunto de sinais e sintomas que somente nele se expressam de determinado modo. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO E GESTÃO DO SUS. CLÍNICA AMPLIADA E COMPARTILHADA. BRASÍLIA: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009. (SÉRIE B. TEXTOS BÁSICOS DE SAÚDE). Por que precisamos de Clínica Ampliada? Existem dois aspectos importantes para responder a esta pergunta. O primeiro é que, dentre as muitas correntes teóricas que contribuem para o trabalho em saúde, podemos distinguir três grandes enfoques: o biomédico, o social e o psicológico. Cada uma destas três abordagens é composta de várias facetas; no entanto, pode-se dizer que existe em cada uma delas uma tendência para valorizar mais um tipo de problema e alguns tipos de solução, muitas vezes de uma forma excludente. Didatismo e Conhecimento 25 Técnico em Enfermagem retificação Quanto mais longo for o seguimento do tratamento e maior a necessidade de participação e adesão do sujeito no seu projeto terapêutico, maior será o desafio de lidar com o usuário enquanto sujeito. Em lugar de profissionais de saúde que são responsáveis por pessoas, tem-se muitas vezes a responsabilidade parcial sobre “procedimentos”, “diagnósticos”, “pedaços de pessoas”, etc. A máxima organizacional “cada um faz a sua parte” sanciona definitivamente a fragmentação, individualização e desresponsabilização do trabalho, da atenção e do cuidado. A ausência de resposta para a pergunta “De quem é este paciente?”, tantas vezes feita nas organizações de saúde e na rede assistencial, é um dos resultados desta redução do objeto de trabalho. Muitos profissionais tendem a considerar tudo o que não diz respeito às doenças como uma demanda “excessiva”, algo que violentaria o seu “verdadeiro” papel profissional. A Clínica Ampliada, no entanto, não desvaloriza nenhuma abordagem disciplinar. Ao contrário, busca integrar várias abordagens para possibilitar um manejo eficaz da complexidade do trabalho em saúde, que é necessariamente transdisciplinar e, portanto, multiprofissional. Trata-se de colocar em discussão justamente a fragmentação do processo de trabalho e, por isso, é necessário criar um contexto favorável para que se possa falar destes sentimentos em relação aos temas e às atividades não-restritas à doença ou ao núcleo profissional. A proposta da Clínica Ampliada engloba os seguintes eixos fundamentais: A Clínica Ampliada convida a uma ampliação do objeto de trabalho para que pessoas se responsabilizem por pessoas. A proposta de Equipe de Referência e Apoio Matricial (ver adiante nesta cartilha) contribui muito para a mudança desta cultura. Poder pensar seu objeto de trabalho como um todo em interação com seu meio é uma das propostas e desafios aqui colocados. É certo que o diagnóstico de uma doença sempre parte de um princípio universalizante, generalizável para todos. Mas esta universalidade é verdadeira apenas em parte. 1. Compreensão ampliada do processo saúde-doença Busca evitar uma abordagem que privilegie excessivamente algum conhecimento específico. Cada teoria faz um recorte parcialmente arbitrário da realidade. Na mesma situação, pode-se “enxergar” vários aspectos diferentes: patologias orgânicas, correlações de forças na sociedade (econômicas, culturais, étnicas), a situação afetiva, etc., e cada uma delas poderá ser mais ou menos relevante em cada momento. A Clínica Ampliada busca construir sínteses singulares tensionando os limites de cada matriz disciplinar. Ela coloca em primeiro plano a situação real do trabalho em saúde, vivida a cada instante por sujeitos reais. Este eixo traduzse ao mesmo tempo em um modo diferente de fazer a clínica, numa ampliação do objeto de trabalho e na busca de resultados eficientes, com necessária inclusão de novos instrumentos. cas lho 4. A transformação dos “meios” ou instrumentos de traba- Os instrumentos de trabalho também se modificam intensamente na Clínica Ampliada. São necessários arranjos e dispositivos de gestão que privilegiem uma comunicação transversal na equipe e entre equipes (nas organizações e rede assistencial). Mas, principalmente, são necessárias técnicas relacionais que permitam uma clínica compartilhada. A capacidade de escuta do outro e de si mesmo, a capacidade de lidar com condutas automatizadas de forma crítica, de lidar com a expressão de problemas sociais e subjetivos, com família e com comunidade etc. 2. Construção compartilhada dos diagnósticos e terapêuti- 5. Suporte para os profissionais de saúde A complexidade da clínica em alguns momentos provoca sensação de desamparo no profissional, que não sabe como lidar com essa complexidade. O reconhecimento da complexidade deve significar o reconhecimento da necessidade de compartilhar diagnósticos de problemas e propostas de solução. Este compartilhamento vai tanto na direção da equipe de saúde, dos serviços de saúde e da ação intersetorial, como no sentido dos usuários. Ou seja, por mais que frequentemente não seja possível, diante de uma compreensão ampliada do processo saúde-doença, uma solução mágica e unilateral, se aposta que aprender a fazer algo de forma compartilhada é infinitamente mais potente do que insistir em uma abordagem pontual e individual. A clínica com objeto de trabalho reduzido acaba tendo uma função protetora - ainda que falsamente protetora – porque “permite” ao profissional não ouvir uma pessoa ou um coletivo em sofrimento e, assim, tentar não lidar com a própria dor ou medo que o trabalho em saúde pode trazer. É necessário criar instrumentos de suporte aos profissionais de saúde para que eles possam lidar com as próprias dificuldades, com identificações positivas e negativas, com os diversos tipos de situação. A principal proposta é que se enfrente primeiro o ideal de “neutralidade” e “não-envolvimento” que muitas vezes coloca um interdito para os profissionais de saúde quando o assunto é a própria subjetividade. A partir disto, a gestão deve cuidar para incluir o tema nas discussões de caso (Projeto Terapêutico Singular) e evitar individualizar/culpabilizar profissionais que estão com alguma dificuldade - por exemplo, enviando sistematicamente os profissionais que apresentam algum sintoma para os serviços de saúde mental. As dificuldades pessoais no trabalho em saúde refletem, na maior parte das vezes, problemas do processo de trabalho, baixa grupalidade solidária na equipe, alta conflitividade, dificuldade de vislumbrar os resultados do trabalho em decorrência da fragmentação, etc. 3. Ampliação do “objeto de trabalho” As doenças, as epidemias, os problemas sociais acontecem em pessoas e, portanto, o objeto de trabalho de qualquer profissional de saúde deve ser a pessoa ou grupos de pessoas, por mais que o núcleo profissional (ou especialidade) seja bem delimitado. As organizações de saúde não ficaram imunes à fragmentação do processo de trabalho decorrente da Revolução Industrial. Nas organizações de saúde, a fragmentação produziu uma progressiva redução do objeto de trabalho através da excessiva especialização profissional. Didatismo e Conhecimento 26 Técnico em Enfermagem retificação A seguir, veremos algumas situações concretas. Nas doenças crônicas ou muito graves isto é muito importante, porque o resultado sempre depende da participação da pessoa doente e essa participação não pode ser entendida como uma dedicação exclusiva à doença, mas sim uma capacidade de “inventar-se” apesar da doença. É muito comum, nos serviços ambulatoriais, que o descuido com a produção de vida e o foco excessivo na doença acabem levando usuários a tornarem-se conhecidos como “poliqueixosos” (com muitas queixas), pois a doença (ou o risco) torna-se o centro de suas vidas. Três casos concretos Caso 1 Um serviço de hematologia percebeu que, mesmo tendo disponível toda a tecnologia para o diagnóstico e o tratamento dos usuários com anemia falciforme, havia um problema que, se não fosse levado em conta, não melhoraria a anemia desses usuários. Essa doença acomete principalmente a população negra que, na cidade em que o serviço funcionava, tinha poucas opções de trabalho. O serviço percebeu que o tratamento ficaria muito limitado caso o enfoque fosse estritamente hematológico, pois a sobrevivência dos usuários estava ameaçada pela composição da doença com o contexto em que os sujeitos se encontravam. Era necessário criar novas opções de trabalho para esses usuários do serviço, uma vez que, apenas com o tratamento convencional, não seria possível obter resultados satisfatórios. A equipe então se debruçou sobre o problema e propôs buscar ajuda em escolas de computação, com a ideia de oferecer cursos para os usuários com anemia falciforme que o desejassem, criando assim novas opções de trabalho e melhorando a expectativa de vida. O serviço buscou aumentar a autonomia dos usuários, apesar da doença. Além disto, ao perceber que as consequências atuais da doença tinham determinantes culturais, sociais e econômicos muito relevantes, criou ações práticas para atuar neste âmbito: iniciou conversas na cidade com movimentos sociais diretamente interessados no tema, buscando atuar junto com estes movimentos, com o poder público municipal e com outros serviços de saúde. O serviço de saúde “abriu a roda” (método da inclusão) para que problemas e soluções em relação à anemia falciforme pudessem ser mais coletivos. Houve uma ampliação da compreensão do processo saúdedoença e uma ação em direção ao compartilhamento desta compreensão. O objeto de trabalho do serviço de saúde se ampliou. Buscou diagnosticar não somente os limites e problemas, mas também as potencialidades dos usuários doentes e da comunidade. A Clínica Ampliada exige dos profissionais de saúde, portanto, um exame permanente dos próprios valores e dos valores em jogo na sociedade. O que pode ser ótimo e correto para o profissional pode estar contribuindo para o adoecimento de um usuário. O compromisso ético com o usuário deve levar o serviço a ajudá-lo a enfrentar, ou ao menos perceber, um pouco deste processo de permanente construção social em que todos influenciam e são influenciados. Caso 3 Ao olhar o nome no prontuário da próxima paciente que chamaria, veio-lhe à mente o rosto e a história de Andréia, jovem gestante que pedira “um encaixe” para uma consulta de “urgência”. Com 23 anos, ela estava na segunda gestação, porém não no segundo filho. Na primeira vez que engravidara, ela perdera a criança no sexto mês. Estela, obstetriz experiente, também fizera o pré-natal na primeira gestação e pôde acompanhar toda a frustração e tristeza da jovem após a perda. Com o prontuário na mão, abriu a porta do consultório e procurou o rosto conhecido. Fez um gesto sutil com a cabeça acompanhado de um sorriso, pensando ou dizendo de forma inaudível: “Vamos?”. Mal fechou a porta e já ouviu Andréia dizer, contendo um choro: “Ele não está se mexendo”. Quase escapou de sua boca uma ordem para que ela se deitasse imediatamente para auscultar o coração do bebê com o sonar. Olhou nos olhos de Andréia e, tendo uma súbita certeza do que estava acontecendo, disse: “Vamos deitar um pouco na maca?”. Enquanto a ajudava a deitar-se, ainda olhou para o sonar, confirmando a convicção de que não o usaria... pelo menos não ainda. Andréia se surpreendeu quando ela disse: “Feche os olhos e respire fundo”. Pegou a mão fria de Andréia, apertou entre as suas e colocou-a sob a sua mão, ambas sobre a barriga. Respirou fundo e procurou se colocar numa postura totalmente atenta, concentrando-se no instante. Agora eram ali duas mulheres, reinventando o antigo compromisso de solidariedade e sabedoria feminina para partejar a vida. Quanto tempo se passou? Não saberia dizer. O suficiente para que ele começasse a se mexer com movimentos fortes e vigorosos dentro da barriga, sacudindo as mãos das mulheres e derrubando lágrimas da mãe. O que aconteceu foi que Estela pôde mediar uma “conexão”, possibilitar uma vivência que estabeleceu uma conversa silenciosa entre mãe e filho e permitiu a Andréia aprender a conhecer e utilizar a sua própria força e lidar com o medo ao atravessar o “aniversário” de uma perda. Caso 2 O compositor Tom Jobim certa vez foi perguntado por que havia se tornado músico. Bem-humorado, ele respondeu que foi porque tinha asma. “Como assim?”, perguntou o entrevistador. “Acontece que estudar piano era bem mais chato do que sair com a turma, namorar”, explicou-lhe o músico. “Como eu ficava muito em casa por causa da asma, acabei me dedicando ao piano”. Algumas sugestões práticas A escuta Significa, num primeiro momento, acolher toda queixa ou relato do usuário mesmo quando aparentemente não interessar diretamente para o diagnóstico e tratamento. Mais do que isto, é preciso ajudá-lo a reconstruir e respeitar os motivos que ocasionaram o seu adoecimento e as correlações que o usuário estabelece entre o que sente e a vida – as relações com seus convivas e desafetos. Ou seja, perguntar por que ele acredita que adoeceu e como ele se sente quando tem este ou aquele sintoma. O exemplo de Tom Jobim mostra que as pessoas podem inventar saídas diante de uma situação imposta por certos limites. A Clínica Ampliada propõe que o profissional de saúde desenvolva a capacidade de ajudar cada pessoa a transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não a impeça de viver outras coisas na sua vida. Didatismo e Conhecimento 27 Técnico em Enfermagem retificação Quanto mais a doença for compreendida e correlacionada com a vida, menos chance haverá de se tornar um problema somente do serviço de saúde. Assim o usuário poderá perceber que, senão nas causas, pelo menos nos desdobramentos o adoecimento não está isolado da sua vida e, portanto, não pode ser “resolvido”, na maior parte das vezes, por uma conduta mágica e unilateral do serviço de saúde. Será mais fácil, então, evitar a infantilização e a atitude passiva diante do tratamento. Pode não ser possível fazer uma escuta detalhada o tempo todo para todo mundo a depender do tipo de serviço de saúde, mas é possível escolher quem precisa mais e é possível temperar os encontros clínicos com estas “frestas de vida”. Se esta não tiver flexibilidade, quando percebe que o usuário não obedeceu às suas recomendações, é bem possível que se irrite com ele, fazendo cobranças que só fazem com que o usuário também se irrite com a equipe, num círculo vicioso que não é bom para ninguém. A culpa paralisa, gera resistência, além de poder humilhar. É mais produtivo tentar construir uma proposta terapêutica pactuada com o usuário e com a qual ele se corresponsabilize. O fracasso e o sucesso, dessa forma, dependerão tanto do usuário quanto da equipe e a proposta poderá ser mudada sempre que necessário. Mudar hábitos de vida nem sempre é fácil, mas pode se constituir numa oferta positiva para viver experiências novas e não significar somente uma restrição. Atividade física e mudanças alimentares podem ser prazerosas descobertas. Mas atenção: não existe só um jeito saudável de viver a vida. Vínculo e afetos Tanto profissionais quanto usuários, individualmente ou coletivamente, percebendo ou não, depositam afetos diversos uns sobre os outros. Um usuário pode associar um profissional com um parente e vice-versa. Um profissional que tem uma experiência ruim com a polícia não vai sentirse da mesma forma ao cuidar de um sujeito que tem esta profissão. Não significa, de antemão, uma relação melhor ou pior, mas é necessário aprender a prestar atenção a estas sensações às vezes evidentes, mas muitas vezes sutis. Isto ajuda a melhor compreender-se e a compreender o outro, aumentando a chance de ajudar a pessoa doente a ganhar mais autonomia e lidar com a doença de modo proveitoso para ela. Diálogo e informação são boas ferramentas Se o que queremos é ajudar o usuário a viver melhor, e não a torná-lo submisso à nossa proposta, não façamos das perguntas sobre a doença o centro de nossos encontros. Não começar pelas perguntas tão “batidas” (comeu, não comeu, tomou o remédio, etc.) ou infantilizantes (“Comportouse?”) é fundamental para abrir outras possibilidades de diálogo. Outro cuidado é com a linguagem da equipe com o usuário. Habituar-se a perguntar como foi entendido o que dissemos ajuda muito. Também é importante entender sua opinião sobre as causas da doença. É comum que doenças crônicas apareçam após um estresse, como falecimentos, desemprego ou prisão na família. Ao ouvir as associações causais, a equipe poderá lidar melhor com uma piora em situações similares, ajudando o usuário a ampliar sua capacidade de superar a crise. As pessoas não são iguais e reagem diferentemente aos eventos vividos. Além de interesses, existem forças internas, como os desejos (uma comida especial, uma atividade importante) e também forças externas – a cultura, por exemplo – que influenciam sobre o modo de viver. Apresentar os possíveis riscos é necessário, de modo que o usuário possa discutí-los e negociar com a equipe os caminhos a seguir. A Clínica Ampliada traduz-se numa ampliação do objeto de trabalho e na busca de resultados eficientes, com inclusão de novos instrumentos. Nesse processo, a Equipe de Referência é muito importante, porque a relação de cada membro da equipe com o usuário e familiares é singular, permitindo que as possibilidades de ajudar o sujeito doente se multipliquem. Sem esquecer que, dentro da própria equipe, estes sentimentos inconscientes também podem ser importantes na relação entre os profissionais da equipe. Muito ajuda quem não atrapalha Infelizmente, o mito de que os tratamentos e intervenções só fazem bem é muito forte. Entretanto, ocorre com relativa frequência o uso inadequado de medicações e exames, causando graves danos à saúde e desperdício de dinheiro. Os diazepínicos e antidepressivos são um exemplo. Aparentemente, muitas vezes, é mais fácil para os profissionais de saúde e também para os usuários utilizarem esses medicamentos do que conversar sobre os problemas e desenvolver a capacidade de enfrentá-los. O uso abusivo de antibióticos e a terapia de reposição hormonal são outros exemplos. Quanto aos exames, também existe uma mitificação muito forte. É preciso saber que muitos deles trazem riscos à saúde e limites, principalmente quando são solicitados sem os devidos critérios. A noção de saúde como bem de consumo (“quanto mais, melhor”) precisa ser combatida para que possamos diminuir os danos. Os motivos e as expectativas das pessoas quando procuram um serviço de saúde precisam ser trabalhados na Clínica Ampliada para diminuir o número de doenças causadas por tratamento inadequado e para não iludir as pessoas. Doença não pode ser a única preocupação da vida Muitas doenças têm início em situações difíceis, como processos de luto, desemprego, prisão de parente, etc., e a persistência dessas situações pode agravá-las. É importante, nesses casos, que a equipe tenha uma boa capacidade de escuta e diálogo, já que parte da cura ou da melhora depende de o sujeito aprender novas formas (menos danosas) de lidar com as situações agressivas. A ideia de que todo sofrimento requer uma medicação é extremamente difundida, mas não deve seduzir uma equipe de saúde que aposte na capacidade de cada pessoa experimentar lidar com os revezes da vida de forma mais produtiva. Evitar a dependência de medicamentos é essencial. Aumentar o interesse e o gosto por outras coisas e novos projetos também é. A vida é mais ampla do que os meios que a gente vai encontrando para que ela se mantenha saudável. O processo de “medicalização da vida” faz diminuir a autonomia e aumenta a dependência ou a resistência ao tratamento, fazendo de uma interminável sucessão de consultas, exames e procedimentos o centro da vida. Culpa e medo não são bons aliados da Clínica Ampliada Quando uma equipe acredita que um jeito de viver é o certo, tende a orientar o usuário a ter um tipo de comportamento ou hábito. O usuário pode encontrar dificuldade em seguir “as ordens”, ter outras prioridades ou mesmo discordar das orientações da equipe. Didatismo e Conhecimento 28 Técnico em Enfermagem retificação A medicação deve ser encarada como se fosse um pedido de tempo numa partida esportiva: permite uma respirada e uma reflexão para continuar o jogo. Mas o essencial é o jogo e não sua interrupção. A intenção é possibilitar a troca de saberes e de práticas em ato, gerando experiência para ambos os profissionais envolvidos. A discussão de casos e formulação de Projetos Terapêuticos Singulares consiste na prática de reuniões nas quais participam profissionais de referência do caso em questão, seja de um usuário ou um grupo deles, e o apoiador ou equipe de Apoio Matricial. Na atenção básica, geralmente, os casos elencados para esse tipo de discussão são aqueles mais complexos. Já em hospitais e serviços especializados, muitas vezes são feitos projetos terapêuticos singulares para todos os casos. A ideia é rever e problematizar o caso contando com aportes e possíveis modificações de abordagem que o apoio pode trazer e, daí em diante, rever um planejamento de ações que pode ou não incluir a participação direta do apoio ou de outros serviços de saúde da rede, de acordo com as necessidades levantadas. A clínica compartilhada na saúde coletiva A relação entre os serviços de saúde e os sujeitos coletivos também pode ser pensada como uma relação clínica. Como construir práticas de saúde neste campo, mais dialogadas, menos infantilizantes, mais produtoras de autonomia, menos produtoras de medo e submissão acrítica? Talvez uma pergunta adequada seja: o quanto nossas práticas de saúde coletiva precisam do medo e da submissão para funcionar? A Política Nacional de Combate à Aids pode nos ensinar alguma coisa sobre o assunto, na medida em que procura os movimentos sociais (sujeitos coletivos) como parceiros de luta no combate à doença. As campanhas baseadas no medo foram substituídas há muito tempo por campanhas mais instrutivas e que apostam na vida e na autonomia das pessoas. Estas são, talvez, as principais características de ações de saúde coletiva ampliadas: buscar sujeitos coletivos como parceiros de luta pela saúde, em vez de buscar perpetuar relações de submissão. Este compromisso nos obriga a buscar as potências coletivas, evitar a culpabilização, estar atentos às relações de poder (macro e micropolíticas). Para que se realize uma clínica adequada, é preciso saber, além do que o sujeito apresenta de “igual”, o que ele apresenta de “diferente”, de singular. Num serviço hospitalar, pode-se definir a Equipe de Referência como o conjunto de profissionais que se responsabiliza pelos mesmos usuários cotidianamente. Por exemplo, um certo número de leitos em uma enfermaria a cargo de uma equipe. Esta mesma equipe pode ter profissionais que trabalhem como apoiadores, quando fazem uma “interconsulta” ou um procedimento com usuários que estão sob a responsabilidade de outra equipe. A diferença do apoio e da interconsulta tradicional é que o apoiador faz mais do que a interconsulta: ele deve negociar sua proposta com a equipe responsável. Ou seja, é de responsabilidade da Equipe de Referência entender as propostas, as implicações e as interações que o diagnóstico e a proposta do apoiador vão produzir. Nessa proposta, não é possível transferir a responsabilidade dos “pedaços” do usuário por especialidades. As unidades de urgência e emergência também podem adotar a mesma lógica interna de divisão por equipes de referência em relação aos leitos de observação ou de espera para internação. Estas equipes deverão encontrar formas de lidar com as trocas de plantão sem perder o seguimento e tentando construir projetos terapêuticos. Durante o dia, é recomendável dispor de profissionais com contratos de diaristas para poder acompanhar os frequentadores assíduos e os internados de forma mais eficaz e constituir, de fato, uma equipe multiprofissional. No entanto, mesmo quando há esta inserção horizontal de profissionais no serviço é necessário trocar plantões. Estes momentos podem ser valorizados para a construção de projetos Terapêuticos Singulares. As Equipes de Referência nas unidades de urgência deverão se responsabilizar pelos usuários que as procuram, devendo buscar formas de contato com as unidades internas do hospital. Enquanto um usuário aguarda uma internação no “pronto-socorro”, ele deve ser considerado como de responsabilidade da Equipe de Referência da urgência, para evitar que o paciente fique abandonado no vácuo das unidades hospitalares. Há também os contratos com as unidades externas do hospital: as equipes de atenção básica ou de um serviço de especialidade precisam saber – não somente por meio do usuário – que um paciente sob sua responsabilidade está usando assiduamente uma unidade de urgência ou apresentou uma complicação de um problema crônico. É preciso criar novas formas de comunicação na rede assistencial a partir do Apoio Matricial. Hospitais e serviços de especialidade Equipe de Referência e Apoio Matricial O conceito de Equipe de Referência é simples. Podemos tomar como exemplo a equipe multiprofissional de Saúde da Família, que é referência para uma determinada população. No plano da gestão, esta referência facilita um vínculo específico entre um grupo de profissionais e certo número de usuários. Isso possibilita uma gestão mais centrada nos fins (coprodução de saúde e de autonomia) do que nos meios (consultas por hora, por exemplo) e tende a produzir maior corresponsabilização entre profissionais, equipe e usuários. As Equipes de Referência e Apoio Matricial surgiram como arranjo de organização e de gestão dos serviços de saúde como forma de superar a racionalidade gerencial tradicionalmente verticalizada, compartimentalizada e produtora de processo de trabalho fragmentado e alienante para o trabalhador. Nesse sentido, a proposta de Equipes de Referência vai além da responsabilização e chega até a divisão do poder gerencial. As equipes transdisciplinares devem ter algum poder de decisão na organização, principalmente no que diz respeito ao processo de trabalho da equipe. Não há como propor humanização da gestão e da atenção sem propor um equilíbrio maior de poderes nas relações entre os trabalhadores dentro da organização e na relação da organização com o usuário. Há muitas possibilidades de operacionalização de Apoio Matricial. Vamos destacar duas modalidades que tendem a carregar consigo toda a potência desse arranjo: o atendimento conjunto e a discussão de casos/formulação de Projetos Terapêuticos Singulares. O atendimento conjunto consiste em realizar uma intervenção tendo como sujeitos de ação o profissional de saúde e o apoiador matricial em coprodução. Realizar, em conjunto com o apoiador ou equipe de apoio matricial, uma consulta no consultório, na enfermaria, no pronto socorro, no domicílio, ou em outro espaço; coordenar um grupo; realizar um procedimento. Didatismo e Conhecimento 29 Técnico em Enfermagem retificação As dificuldades no trabalho em saúde refletem baixa grupalidade solidária na equipe, alta conflitividade, dificuldade de vislumbrar os resultados do trabalho. estão em posição privilegiada, do ponto de vista epidemiológico, para perceber tendências sanitárias e dificuldades técnicas. O Apoio Matricial convida estes serviços a utilizar este privilégio com responsabilidade e competência pedagógica, assumindo um papel na qualificação e construção da rede assistencial. Em relação à rede de especialidades, como funciona o princípio da Equipe de Referência? Da mesma forma. Os centros de especialidade passam a ter “dois usuários”: os seus usuários propriamente ditos e as Equipes de Referência da atenção básica, com a qual estes usuários serão compartilhados. Um grande centro de especialidade pode ter várias equipes de referência locais. O “contrato de gestão” com o gestor local não pode ser mais apenas sobre o número de procedimentos, mas também sobre os resultados. Um centro de referência em oncologia, por exemplo, vai ter muitos usuários crônicos ou sob tratamento longo. Os seus resultados podem depender também da equipe local de Saúde da Família, da capacidade desta de lidar com a rede social necessária a um bom pós-operatório, ou do atendimento adequado de pequenas intercorrências. A equipe especialista poderia fazer reuniões com a equipe local, para trocar informações, orientar e planejar conjuntamente o projeto terapêutico de usuários compartilhados que estão em situação mais grave. Quem está na atenção básica tem um ponto de vista diferente e complementar ao de quem está num centro de referência. A equipe na atenção básica tem mais chance de conhecer a família a longo tempo, conhecer a situação afetiva, as consequências e o significado do adoecimento de um deles. O centro de especialidade terá uma visão mais focalizada na doença. Um especialista em cardiologia pode tanto discutir projetos terapêuticos de usuários crônicos compartilhados com as equipes locais como trabalhar para aumentar a autonomia das equipes locais, capacitando-as melhor, evitando assim compartilhamentos desnecessários. A proposta dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família (Nasf) pode ser entendida como uma proposta de Apoio Matricial. Se o contrato do profissional de nutrição, por exemplo, não for de Apoio Matricial, sua ação em consultas individuais será segmentada e ele não dará conta da demanda. Por outro lado, se ele aprender a fazer o apoio, poderá compartilhar os seus saberes para que as equipes na atenção básica, sob sua responsabilidade, sejam capazes de resolver os problemas mais comuns. Este nutricionista participaria das reuniões com as equipes para fazer projetos terapêuticos singulares nos casos mais complicados, ou faria atendimentos conjuntos, como referidos acima. A atenção individual pode ocorrer, mas não deve se configurar na principal atividade do nutricionista. Evidentemente, para que isso aconteça, o profissional que faz apoio deve adquirir novas competências pedagógicas e o contrato com o gestor deve ser muito claro. A proposta de Equipe de Referência exige a aquisição de novas capacidades técnicas e pedagógicas tanto por parte dos gestores quanto dos trabalhadores. É um processo de aprendizado coletivo, cuja possibilidade de sucesso está fundamentada no grande potencial resolutivo e de satisfação que ela pode trazer aos usuários e trabalhadores. Projeto Terapêutico Singular O Projeto Terapêutico Singular é um conjunto de propostas de condutas terapêuticas articuladas, para um sujeito individual ou coletivo, resultado da discussão coletiva de uma equipe interdisciplinar, com Apoio Matricial se necessário. Geralmente é dedicado a situações mais complexas. No fundo, é uma variação da discussão de “caso clínico”. Foi bastante desenvolvido em espaços de atenção à saúde mental como forma de propiciar uma atuação integrada da equipe valorizando outros aspectos além do diagnóstico psiquiátrico e da medicação no tratamento dos usuários. Portanto, é uma reunião de toda a equipe em que todas as opiniões são importantes para ajudar a entender o sujeito com alguma demanda de cuidado em saúde e, consequentemente, para definição de propostas de ações. O nome Projeto Terapêutico Singular, em lugar de Projeto Terapêutico Individual, como também é conhecido, nos parece melhor porque destaca que o projeto pode ser feito para grupos ou famílias e não só para indivíduos, além de frisar que o projeto busca a singularidade (a diferença) como elemento central de articulação (lembrando que os diagnósticos tendem a igualar os sujeitos e minimizar as diferenças: hipertensos, diabéticos etc.). O Projeto Terapêutico Singular contém quatro movimentos: 1) Definir hipóteses diagnósticas: este momento deverá conter uma avaliação orgânica, psicológica e social que possibilite uma conclusão a respeito dos riscos e da vulnerabilidade do usuário. O conceito de vulnerabilidade (psicológica, orgânica e social) é muito útil e deve ser valorizado na discussão. A equipe deve tentar captar como o sujeito singular se produz diante de forças como as doenças, os desejos e os interesses, assim como também o trabalho, a cultura, a família e a rede social. Ou seja, tentar entender o que o sujeito faz de tudo que fizeram dele, procurando não só os problemas, mas as potencialidades. É importante lembrar de verificar se todos na equipe compartilham das principais hipóteses diagnósticas, e sempre que possível aprofundar as explicações (por que tal hipótese ou fato ocorreu?). 2) Definição de metas: uma vez que a equipe fez os diagnósticos, ela faz propostas de curto, médio e longo prazo, que serão negociadas com o sujeito doente pelo membro da equipe que tiver um vínculo melhor. Os motivos e as expectativas das pessoas precisam ser trabalhados na Clínica Ampliada para diminuir o número de doenças causadas por tratamento inadequado. 3) Divisão de responsabilidades: é importante definir as tarefas de cada um com clareza. Uma estratégia que procura favorecer a continuidade e articulação entre formulação, ações e reavaliações e promover uma dinâmica de continuidade do Projeto Terapêutico Singular é a escolha de um profissional de referência. Não é o mesmo que responsável pelo caso, mas aquele que articula e “vigia” o processo. Procura estar informado do andamento de todas as ações planejadas no Projeto Terapêutico Singular. É importante para a humanização porque, se os serviços e os saberes profissionais muitas vezes “recortam” os pacientes em partes ou patologias, as Equipes de Referência são uma forma de resgatar o compromisso com o sujeito, reconhecendo toda a complexidade do seu adoecer e do seu projeto terapêutico. Didatismo e Conhecimento 30 Técnico em Enfermagem retificação Aquele que a família procura quando sente necessidade. O que aciona a equipe caso aconteça um evento muito importante. Articula grupos menores de profissionais para a resolução de questões pontuais surgidas no andamento da implementação do Projeto Terapêutico Singular. Pode ser qualquer componente da equipe, independente de formação. Geralmente se escolhe aquele com modo de vinculação mais estratégico no caso em discussão. “condenados”, seja por si mesmos, como no caso de um alcoolista, seja pela estatística, como no caso de uma patologia grave. Se esta participação do usuário é importante, é necessário persegui-la com um mínimo de técnica e organização. Não bastam o diagnóstico e a conduta padronizados. Nos casos de “prognóstico fechado”, ou seja, de usuários para os quais existem poucas opções terapêuticas, como no caso dos usuários sem possibilidade de cura ou controle da doença, é mais fácil ainda para uma equipe exi mir-se de dedicar-se a eles, embora, mesmo nesses casos, seja bastante evidente que é possível morrer com mais ou menos sofrimento, dependendo de como o usuário e a família entendem, sentem e lidam com a morte. O Projeto Terapêutico Singular, nesses casos, pode ser importante como ferramenta gerencial, uma vez em que constitui um espaço coletivo em que se pode falar do sofrimento dos trabalhadores em lidar com determinada situação. A presunção de “não-envolvimento” compromete as ações de cuidado e adoece trabalhadores de saúde e usuários, porque, como se sabe, é um mecanismo de negação simples, que tem eficiência precária. O melhor é aprender a lidar com o sofrimento inerente ao trabalho em saúde de forma solidária na equipe, ou seja, criando condições para que se possa falar dele quando ocorrer. Diante dessa tendência, é importante no Projeto Terapêutico Singular uma certa crença de que a pessoa tem grande poder de mudar a sua relação com a vida e com a própria doença. A herança das revoluções na Saúde Mental (Reforma Psiquiátrica), experimentando a proposta de que o sujeito é construção permanente e que pode produzir “margens de manobra”, deve ser incorporada na Clínica Ampliada e no Projeto Terapêutico Singular. À equipe cabe exercitar uma abertura para o imprevisível e para o novo e lidar com a possível ansiedade que essa proposta traz. Nas situações em que só se enxergavam certezas, podem-se ver possibilidades. Nas situações em que se enxergavam apenas igualdades, podem-se encontrar, a partir dos esforços do Projeto Terapêutico Singular, grandes diferenças. Nas situações em que se imaginava haver pouco o que fazer, pode-se encontrar muito trabalho. As possibilidades descortinadas por este tipo de abordagem têm que ser trabalhadas cuidadosamente pela equipe para evitar atropelamentos. O caminho do usuário ou do coletivo é somente dele, e é ele que dirá se e quando quer ir, negociando ou rejeitando as ofertas da equipe de saúde. 4) Reavaliação: momento em que se discutirá a evolução e se farão as devidas correções de rumo. É simples, mas alguns aspectos precisam ser observados: a) A escolha dos casos para reuniões de Projeto Terapêutico Singular: na atenção básica a proposta é de que sejam escolhidos usuários ou famílias em situações mais graves ou difíceis, na opinião de alguns membros da equipe (qualquer membro da equipe pode propor um caso para discussão). Na atenção hospitalar e centros de especialidades, provavelmente todos os pacientes precisam de um Projeto Terapêutico Singular. b) As reuniões para discussão de Projeto Terapêutico Singular: de todos os aspectos que já discutimos em relação à reunião de equipe, o mais importante no caso deste encontro para a realização do Projeto Terapêutico Singular é o vínculo dos membros da equipe com o usuário e a família. Cada membro da equipe, a partir dos vínculos que construiu, trará para a reunião aspectos diferentes e poderá também receber tarefas diferentes, de acordo com a intensidade e a qualidade desse vínculo além do núcleo profissional. Defendemos que os profissionais que tenham vínculo mais estreito assumam mais responsabilidade na coordenação do Projeto Terapêutico Singular. Assim como o médico generalista ou outro especialista pode assumir a coordenação de um tratamento frente a outros profissionais, um membro da equipe também pode assumir a coordenação de um Projeto Terapêutico Singular frente à equipe. c) Tem sido importante para muitas equipes na atenção básica e centros de especialidades reservar um tempo fixo, semanal ou quinzenal, para reuniões exclusivas do Projeto Terapêutico Singular. Em hospitais, as reuniões geralmente têm que ser diárias. d) O tempo de um Projeto Terapêutico Singular: o tempo mais dilatado de formulação e acompanhamento do Projeto Terapêutico Singular depende da característica de cada serviço. Serviços de saúde na atenção básica e centros de especialidades com usuários crônicos têm um seguimento longo (longitudinalidade) e também uma necessidade maior da Clínica Ampliada. Isso, naturalmente, significa processos de aprendizado e transformação diferenciados. Serviços com tempo de permanência e vínculo menores farão Projetos Terapêuticos Singulares com tempos mais curtos. O mais difícil é desfazer um viés imediatista. Muitas informações essenciais surgem no decorrer do seguimento e a partir do vínculo com o usuário. A história, em geral, vai se construindo aos poucos, embora, obviamente, não se possa falar de regras fixas para um processo que é relacional e complexo. e) Projeto Terapêutico Singular e Mudança: quando ainda existem possibilidades de tratamento para uma doença, não é muito difícil provar que o investimento da equipe de saúde faz diferença no resultado. O encorajamento e o apoio podem contribuir para evitar uma atitude passiva por parte do usuário. Uma pessoa menos deprimida, que assume um projeto terapêutico solidário como projeto em que se (re)constrói e acredita que poderá ser mais feliz, evidentemente tende a ter um prognóstico e uma resposta clínica melhor. No entanto, não se costuma investir em usuários que se acreditam Didatismo e Conhecimento Uma anamnese para a Clínica Ampliada e o Projeto Terapêutico Singular A concepção de Clínica Ampliada e a proposta do Projeto Terapêutico Singular convidam-nos a entender que as situações percebidas pela equipe como de difícil resolução são situações que esbarram nos limites da clínica tradicional. É necessário, portanto, que se forneçam instrumentos para que os profissionais possam lidar consigo mesmos e com cada sujeito acometido por uma doença de forma diferente da tradicional. Se todos os membros da equipe fazem as mesmas perguntas e conversam da mesma forma com o usuário, a reunião de Projeto Terapêutico Singular pode não acrescentar grande coisa. Ou seja, é preciso fazer as perguntas da anamnese tradicional, mas dando espaço para as ideias e as palavras do usuário. Exceto quando ocorra alguma urgência ou dúvida quanto ao diagnóstico orgânico, não é preciso direcionar demais as perguntas e muito menos duvidar dos fatos que a teoria não explica (“Só dói quando chove”, por exemplo). Uma história clínica mais completa, sem filtros, tem uma função terapêutica em si mesma, na medida em 31 Técnico em Enfermagem retificação que situa os sintomas na vida do sujeito e dá a ele a possibilidade de falar, o que implica algum grau de análise sobre a própria situação. Além disso, esta anamnese permite que os profissionais reconheçam as singularidades do sujeito e os limites das classificações diagnósticas. A partir da percepção da complexidade do sujeito acometido por uma doença, o profissional pode perceber que muitos determinantes do problema não estão ao alcance de intervenções pontuais e isoladas. Fica clara a necessidade do protagonismo do sujeito no projeto de sua cura: autonomia. A partir da anamnese ampliada, o tema da intervenção ganha destaque. Quando a história clínica revela um sujeito doente imerso em teias de relações com as pessoas e as instituições, a tendência dos profissionais de saúde é de adotar uma atitude “apostólica” ou infantilizante. Elas têm importância terapêutica, pois possibilitam a associação de aspectos muito singulares da vida com o projeto terapêutico; • Procurar avaliar se há negação da doença, qual a capacidade de autonomia e quais os possíveis ganhos secundários com a doença. Na medida em que a conversa transcorre é possível, dependendo da situação, fazer estas avaliações, que podem ser muito úteis na elaboração do projeto terapêutico; • Procurar perceber a chamada contratransferência, ou seja, os sentimentos que o profissional desenvolve pelo usuário durante os encontros; procurar descobrir os limites e as possibilidades que esses sentimentos produzem na relação clínica. Existem muitas pessoas e instituições falando na conversa entre dois sujeitos. O profissional está imerso nestas forças. Perceber a raiva, os incômodos, os rótulos utilizados (bêbado, poliqueixoso, etc.), ajuda a entender os rumos da relação terapêutica, na medida em que, ato contínuo, pode-se avaliar como se está lidando com estas forças. Num campo menos sutil, é importante também analisar se as intenções do profissional estão de acordo com a demanda do usuário. O profissional pode desejar que o sujeito use preservativo e não se arrisque com DST ou uma gravidez indesejada; o sujeito pode estar apaixonado. O profissional quer controlar a glicemia; o sujeito quer ser feliz. Enfim, é preciso verificar as intenções, as linhas de força que interferem na relação profissional-usuário, para produzir algum caminho comum; O processo de “medicalização da vida” faz diminuir a autonomia e aumenta a dependência ou a resistência ao tratamento. Propomos que não predomine nem a postura radicalmente “neutra”, que valoriza sobremaneira a não-intervenção, nem aquela, típica na prática biomédica, que pressupõe que o sujeito acometido por uma doença seja passivo diante das propostas. Outra função terapêutica da história clínica acontece quando o usuário é estimulado a qualificar e situar cada sintoma em relação aos seus sentimentos e outros eventos da vida (modalização). Exemplo: no caso de um usuário que apresenta falta de ar, é interessante saber como ele se sente naquele momento: com medo? Conformado? Agitado? O que melhora e o que piora os sintomas? Que fatos aconteceram próximo à crise? Isso é importante porque, culturalmente, a doença e o corpo podem ser vistos com um certo distanciamento e não é incomum a produção de uma certa “esquizofrenia”, que leva muitas pessoas ao serviço de saúde como se elas estivessem levando o carro ao mecânico: a doença e o corpo ficam dissociados da vida. Na medida em que a história clínica traz para perto dos sintomas e queixas elementos da vida do sujeito, ela permite que haja um aumento da consciência sobre as relações da “queixa” com a vida. Quando a doença ou os seus determinantes estão “fora” do usuário, a cura também está fora, o que possibilita uma certa passividade em relação à doença e ao tratamento. O que chamamos de história “psi” em parte está misturado com o que chamamos de história clínica, mas aproveitamos recursos do campo da saúde mental para destacar aspectos que nos parecem essenciais: • Procurar descobrir o sentido da doença para o usuário; respeitar e ajudar na construção de relações causais próprias, mesmo que não sejam coincidentes com a ciência oficial. Exemplo: por que você acha que adoeceu? É impressionante perceber as portas que essa pergunta abre na Clínica: ela ajuda a entender quais redes de causalidades o sujeito atribui ao seu adoecimento. Em doenças crônicas como a diabetes, quando a sua primeira manifestação está associada a um evento mórbido, como um falecimento familiar ou uma briga, as pioras no controle glicêmico estarão muitas vezes relacionadas a eventos semelhantes (na perspectiva do sujeito acometido pela diabetes). Ao fazer esta pergunta, muitas vezes damos um passo no sentido de ajudar o sujeito a reconhecer e aprender a lidar com os “eventos” de forma menos adoecedora; • Procurar conhecer as singularidades do sujeito, perguntando sobre os medos, as raivas, as manias, o temperamento, seu sono e sonhos. São perguntas que ajudam a entender a dinâmica do sujeito e suas características. Didatismo e Conhecimento Não há como propor humanização da gestão e da atenção sem um equilíbrio maior de poderes nas relações entre os trabalhadores e na relação com o usuário. • Procurar conhecer quais os projetos e desejos do usuário. Os desejos aglutinam uma enorme quantidade de energia das pessoas e podem ou não ser extremamente terapêuticos. Só não podem ser ignorados; • Conhecer as atividades de lazer (do presente e do passado) é muito importante. A simples presença ou ausência de atividades prazerosas é bastante indicativa da situação do usuário; por outro lado, conhecer os fatores que mais desencadeiam transtornos no usuário também pode ser decisivo num projeto terapêutico. São questões que em um número muito razoável de vezes apontam caminhos, senão para os projetos terapêuticos, pelo menos para o aprofundamento do vínculo e da compreensão do sujeito; • Fazer a “história de vida”, permitindo que se faça uma narrativa, é um recurso que pode incluir grande parte das questões propostas acima. Com a vantagem de que, se os fatos passados não mudam, as narrativas podem mudar, e isto pode fazer muita diferença. Como esta técnica demanda mais tempo, deve ser usada com mais critério. Muitas vezes, requer também um vínculo e um preparo anterior à conversa, para que seja frutífera. Várias técnicas de abordagem familiar, como o “ecomapa”, “rede social significativa” entre outras, podem enriquecer esta narrativa. O importante é que estes são momentos que possibilitam um autoconhecimento e uma compreensão do momento vivido atualmente no contexto de vida de cada um. Então, muito mais do que o profissional conhecer a vida do usuário, estamos falando de o usuário poder se reconhecer diante do problema de saúde, com a sua história. Por último, em relação à inserção social do sujeito, acreditamos que as informações mais importantes já foram ao menos aventadas no decorrer das questões anteriores, visto que o usuário falou da sua vida. No entanto, nunca é demais lembrar que as questões relativas às condições de sobrevivência (moradia, alimentação, saneamento, renda, etc.) ou da inserção do sujeito em instituições poderosas - religião, tráfico, trabalho – frequentemente estão entre os determinantes principais dos problemas de saúde e sempre serão fundamentais para o projeto terapêutico. 32 Técnico em Enfermagem retificação A partir de todo este processo, chega-se a uma proposta, que deve começar a ser negociada com o usuário. Se oobjetivo é que o projeto seja incorporado pelo usuário, essa negociação deve ser flexível, sensível às mudanças de curso e atenta aos detalhes. É importante que haja um membro da equipe que se responsabilize por um vínculo mais direto e acompanhe o processo (coordenação). Geralmente, esta pessoa deve ser aquela com quem o usuário tem um vínculo mais positivo. Para que as reuniões funcionem, é preciso construir um clima favorável ao diálogo, em que todos aprendam a falar e ouvir, inclusive críticas. O reconhecimento de limites, como dissemos, é fundamental para a invenção de possibilidades. Mas é preciso mais do que isso: é preciso que haja um clima de liberdade de pensar “o novo”. O peso da hierarquia, que tem respaldo não somente na organização, mas também nas valorizações sociais entre as diferentes corporações, pode impedir um diálogo real em que pensamentos e sentimentos possam ser livremente expressados. A reunião de equipe A proposta de Equipe de Referência exige a aquisição de novas capacidades técnicas e pedagógicas tanto por parte dos gestores quanto dos trabalhadores. É preciso reconhecer que a forma tradicional de fazer gestão (CAMPOS, 2000) tem uma visão muito restrita do que seja uma reunião. Para que a equipe consiga inventar um projeto terapêutico e negociá-lo com o usuário, é importante lembrar que reunião de equipe não é um espaço apenas para que uma pessoa da equipe distribua tarefas às outras. Reunião é um espaço de diálogo e é preciso que haja um clima em que todos tenham direito à voz e à opinião. Como vivemos numa sociedade em que os espaços do cotidiano são muito autoritários, é comum que uns estejam acostumados a mandar e outros a calar e obedecer. Criar um clima fraterno de troca de opiniões (inclusive críticas), associado à objetividade nas reuniões, exige um aprendizado de todas as partes e é a primeira tarefa de qualquer equipe. Algumas questões disparadoras que as equipes de saúde podem utilizar para começar a praticar a formulação do Projeto Terapêutico Singular em grupo e a problematizar a sua relação com os usuários: Quem são as pessoas envolvidas no caso? • De onde vêm? Onde moram? Como moram? Como se organizam? • O que elas acham do lugar que moram e da vida que têm? • Como lidamos com esses modos de ver e de viver? Qual a relação entre elas e delas com os profissionais da equipe? De que forma o caso surgiu para a equipe? Qual é e como vemos a situação envolvida no caso? • Essa situação é problema para quem? • Essa situação é problema de quem? • Por que vejo essa situação como problema? • Por que discutir esse problema e não outro? • O que já foi feito pela equipe e por outros serviços nesse caso? • O que a equipe tem feito com relação ao caso? • Que estratégia/aposta/ênfase têm sido utilizadas para enfrentar o problema? • Como este(s) usuário(s) tem/têm respondido a essas ações da equipe? • Como a maneira de agir, de pensar e de se relacionar da equipe pode ter interferido nessa(s) resposta(s)? • O que nos mobiliza neste(s) usuário(s)? • Como estivemos lidando com essas mobilizações até agora? • O que os outros serviços de saúde têm feito com relação ao caso? Como avaliamos essas ações? Projeto Terapêutico Singular e gestão As discussões para construção e acompanhamento do Projeto Terapêutico Singular são excelentes oportunidades para a valorização dos trabalhadores da equipe de saúde. Haverá uma alternância de relevâncias entre os diferentes trabalhos, de forma que, em cada momento, alguns membros da equipe estarão mais protagonistas e criativos do que outros (já que as necessidades de cada usuário variam no tempo). No decorrer do tempo, vai ficando evidente a interdependência entre todos na equipe. A percepção e o reconhecimento na equipe desta variação de importância é uma forma importante de reconhecer e valorizar a “obra” criativa e singular de cada um. O espaço do Projeto Terapêutico Singular também é privilegiado para que a equipe construa a articulação dos diversos recursos de intervenção dos quais ela dispõe, ou seja, faça um cardápio com as várias possibilidades de recursos disponíveis, percebendo que em cada momento alguns terão mais relevância que outros. Dessa forma, é um espaço importantíssimo para avaliação e aperfeiçoamento desses mesmos recursos (“Por que funcionou ou não funcionou esta ou aquela proposta?”). A que riscos (individuais, políticos, sociais) acreditamos que essas pessoas estão expostas? Que processos de vulnerabilidade essas pessoas estão vivenciando? • O que influencia ou determina negativamente a situação (no sentido da produção de sofrimentos ou de agravos)? • Como essas pessoas procuram superar essas questões? • O que protege ou influencia positivamente a situação (no sentido da diminuição ou superação de sofrimentos ou de agravos)? • Como essas pessoas buscam redes para ampliar essas possibilidades? • Como os modos de organizar o serviço de saúde e as maneiras de agir da equipe podem estar aumentando ou diminuindo vulnerabilidades na relação com essas pessoas? Outra importante utilidade gerencial dos encontros de Projeto Terapêutico Singular é o matriciamento com (outros) especialistas. À medida que a equipe consegue perceber seus limites e suas dificuldades - e esta é uma paradoxal condição de aprendizado e superação - ela pode pedir ajuda. Quando existe um interesse sobre determinado tema, a capacidade de aprendizado é maior. Portanto, este é, potencialmente, um excelente espaço de formação permanente. Por outro lado, é um espaço de troca e de aprendizado para os apoiadores matriciais, que também experimentarão aplicar seus saberes em uma condição complexa, recheada de variáveis com as quais nem sempre o recorte de uma especialidade está acostumado a lidar. Este encontro é mais fecundo quando há um contrato na rede assistencial sobre a existência de Equipes de Referência e Apoio Matricial. Didatismo e Conhecimento 33 Técnico em Enfermagem retificação Que necessidades de saúde devem ser respondidas nesse caso? O que os usuários consideram como suas necessidades? Quais objetivos devem ser alcançados no Projeto Terapêutico Singular? Quais objetivos os usuários querem alcançar? Que hipóteses temos sobre como a problemática se explica e se soluciona? Como o usuário imagina que seu “problema” será solucionado? Que ações, responsáveis e prazos serão necessários no Projeto Terapêutico Singular? Com quem e como iremos negociar e pactuar essas ações? Como o usuário e sua família entendem essas ações? Qual o papel do(s) usuário(s) no Projeto Terapêutico Singular? O que ele(s) acha de assumir algumas ações? Quem é o melhor profissional para assumir o papel de referência? Quando provavelmente será preciso discutir ou reavaliar o Projeto Terapêutico Singular? Sugere-se que a convocação seja logo após o gestor assumir o cargo, subsidiando a construção do Plano Municipal de forma mais adequada aos anseios e necessidades da população. Além dos Conselhos e Conferências, os gestores das três esferas de governo (federal, estadual e municipal) instituíram espaços de negociação e definição de pactos acerca dos assuntos da gestão da saúde. Trata-se da Comissão Intergestores Tripartite (CIT ), no âmbito nacional, e nos estados as Comissões Intergestores Bipartites (CIB), com representações dos municípios e do estado. Estas Comissões são também lugares importantes de exercício de gestão compartilhada e participativa, muito embora reúnam gestores, os quais então definem de forma mais corresponsabilizada os encargos sanitários. A participação social, no entanto, não pode estar restrita a essas instâncias formalizadas para a participação cidadã em saúde. Esta deve ser valorizada e incentivada no dia-a-dia dos serviços do SUS, nos quais a participação tem sido ampliada gradativamente. Mesmo os trabalhadores de saúde ainda participam pouco das decisões sobre os rumos das unidades em que trabalham. Pode-se atribuir isto ao fato de que lhes pareça uma atuação difícil, complexa ou dificultada tanto por excesso de burocracia quanto por uma gestão centralizadora e pouco participativa. Uma gestão mais compartilhada, portanto mais democrática, nos serviços de saúde, no cotidiano das práticas de saúde, que envolvem as relações, os encontros entre usuários, sua família e rede social com trabalhadores e equipes de saúde, necessita alterações nos modos de organização do trabalho em saúde. Ou seja, que se alterem os processos de definição das tarefas, responsabilidades e encargos assumidos pelos trabalhadores. Tradicionalmente, os serviços de saúde organizaram seu processo de trabalho baseando-se no saber das profissões e das categorias (as coordenações do corpo clínico ou médico, da enfermagem, dos assistentes sociais, etc.) e não em objetivos comuns. Na verdade esse tipo de organização não tem garantido que as práticas dos diversos trabalhadores se complementem, ou que haja solidariedade no cuidado, nem que as ações sejam eficazes no sentido de oferecer um tratamento digno, respeitoso, com qualidade, acolhimento e vínculo. Isso tem acarretado falta de motivação dos trabalhadores e pouco incentivo ao envolvimento dos usuários nos processos de produção de saúde (corresponsabilização no cuidado de si). Por isso, a gestão participativa é um valioso instrumento para a construção de mudanças nos modos de gerir e nas práticas de saúde, contribuindo para tornar o atendimento mais eficaz/efetivo e motivador para as equipes de trabalho. A cogestão é um modo de administrar que inclui o pensar e o fazer coletivo, sendo portanto uma diretriz ético-política que visa democratizar as relações no campo da saúde. Para a realização dos objetivos da saúde (produzir saúde; garantir a realização profissional e pessoal dos trabalhadores; reproduzir o SUS como política democrática e solidária) é necessário incluir trabalhadores, gestores e usuários dos serviços de saúde em um pacto de corresponsabilidade. A gestão participativa reconhece que não há combinação ideal prefixada desses três pontos, mas acredita que é no exercício do próprio fazer da cogestão que os contratos e compromissos entre os sujeitos envolvidos com o sistema de saúde vão sendo construídos. O modelo de gestão que a Política Nacional de Humanização propõe é centrado no trabalho em equipe, na construção coletiva (planeja quem executa) e em espaços coletivos que garantem que o poder seja de fato compartilhado, por meio de análises, decisões e avaliações construídas coletivamente. BRASIL. MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO E GESTÃO DO SUS. GESTÃO PARTICIPATIVA E COGESTÃO. BRASÍLIA: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009. (SÉRIE B. TEXTOS BÁSICOS DE SAÚDE). Cogestão: o fazer coletivo de um SUS solidário O Sistema Único de Saúde (SUS) tem como um de seus princípios definidos na Constituição Federal a participação social, na perspectiva de democratizar a gestão da saúde. Esta gestão, no entendimento da Política Nacional de Humanização da Atenção e Gestão do SUS (HumanizaSUS), não é exercida apenas no âmbito do sistema e serviços de saúde, mas também diz respeito ao cuidado em saúde. Para operacionalizar a participação social, a Lei nº 8.142, de 28 de dezembro de 1990, orienta sobre a formação dos Conselhos de Saúde nos âmbitos nacional, estadual e municipal. Estes conselhos são compostos por trabalhadores e gestores de saúde (50% dos conselheiros, sendo 25% para cada segmento) e os restantes 50% são compostos por usuários do sistema. As representações dos usuários e dos trabalhadores no Conselho Municipal, Estadual e Nacional de Saúde devem ter legitimidade e compromisso político com seus representados. Desta forma, para garantir esta legitimidade, sua atuação deveria ser precedida por consulta sobre os interesses de sua comunidade. Ainda segundo a Lei nº 8.142, as Conferências Nacionais de Saúde são espaços estratégicos de participação social. Independente da convocação nacional, os municípios podem e devem realizar suas conferências visando avaliar a saúde no município e propor diretrizes para a organização do sistema e das práticas de saúde de sua população. Didatismo e Conhecimento 34 Técnico em Enfermagem retificação Por exemplo, ao desempenharem seus papéis, os gestores orientam-se por metas que são apresentadas como propostas para os colegiados. Estas devem ser analisadas, reconstruídas e combinadas. Também os usuários e seus familiares, assim como os profissionais em suas equipes, têm propostas que serão apreciadas pelo colegiado e resolvidas de comum acordo. Por isso, os colegiados são espaços coletivos tanto dos gestores e dos trabalhadores da saúde quanto dos usuários. Espaços em que há discussão e tomada de decisões no seu campo de ação de acordo com as diretrizes e contratos definidos. A implementação das diretrizes do SUS deve, ao mesmo tempo, garantir motivação, estimular a reflexão e aumentar a autoestima dos profissionais, bem como o fortalecimento do empenho no trabalho, criatividade na busca de soluções e aumento da responsabilidade social. Pressupõe, também, interação com troca de saberes, poderes e afetos entre profissionais, usuários e gestores. Para promover a gestão participativa, ou seja, maior democratização nos processos de decisão, vários caminhos podem ser adotados. Para tanto, dispositivos/arranjos estão sendo implementados nos múltiplos espaços de gestão do SUS, Brasil afora, com bons resultados. O trabalho humano é composto por contradições, apresentandose, ao mesmo tempo, como espaço de criação e de repetição; espaço de exercício da vontade e ação pelo constrangimento de outrem; trabalho para si e trabalho demandado do outro, encarnado em sujeitos e coletivos que portam necessidades (sempre sócio-históricas). Assim, é ilusão pensar que se trabalharia sempre a favor dos interesses e das necessidades dos agentes imediatos do trabalho. Trabalhar resulta, pois, da interação de elementos paradoxais, os quais determinam tanto a sua realização como sentido, quanto como alienação para seus agentes. Uma nova gestão do trabalho nas organizações de saúde precisa reconhecer a indissociável relação entre trabalho livre e trabalho estranhado e apontar exatamente aí inovações que permitam – no caso da área da Saúde – ampliar a capacidade de produção de saúde e, ao mesmo tempo, ampliar a realização dos trabalhadores (trabalho dotado de sentido). As organizações de saúde como espaço do exercício da gestão Os estabelecimentos de saúde são organizações profissionais compostas por sujeitos que detêm coeficientes ampliados de autonomia (de ação, de agir deliberado), o que faz com que a gestão sofra constrangimentos para a sua ação. A grande diversidade de sujeitos na composição do trabalho em saúde é definida, entre outros, pelo objeto, objetivos estratégicos, missão e posição do serviço na rede de cuidados. De outra parte, as organizações de saúde dependem, em alguma medida, da relação que estabelecem entre si para a obtenção de seus resultados, requisitando intercâmbios definidos e mediados pelos objetos de que se ocupam e pelas responsabilidades que contraem no sistema de saúde. Além disso, as organizações de saúde produzem distintos graus de vinculação com sua clientela, estabelecendo com ela processos de contratualização, os quais definem corresponsabilizações. Por fim, as organizações de saúde têm distintas densidades e composições tecnológicas entendidas como saberes (na forma de conhecimento, práticas e/ou equipamentos), sendo que alguns deles predominam na execução de suas atividades. Essas características das organizações de saúde determinam que elas se apresentem como realidades diversas e plurais, compondo com outras organizações um extenso mosaico de serviços e uma rede de múltiplas conexões. Além disso, as organizações de saúde são complexas, pois lidam com objetos complexos (riscos e doenças); são compostas por uma grande diversidade/variabilidade tecnológica; e constituídas por sujeitos que detêm autonomia (capacidade de agir com grau de liberdade ampliado), que é exercida de forma desigual, pois seus agentes internos acumulam poder de forma desigual, fazendo com que coexistam distintas produções e experimentações subjetivas. Dessa forma, a gestão das organizações de saúde se apresenta como tarefa hipercomplexa. A Política Nacional de Humanização e a Gestão Participativa: definindo os termos Uma aposta radical do HumanizaSUS é a democratização da gestão, que implica na ampliação do grau de transversalização entre os sujeitos envolvidos na trama do cuidado em saúde. Ao serem implementadas, as diretrizes da Política Nacional de Humanização provocam uma alteração na correlação de forças na equipe e desta com os usuários e sua rede social, o que favorece a produção/ampliação da corresponsabilização no processo de cuidado. O que é gestão? Uma primeira aproximação Podemos conceituar a gestão em saúde como a capacidade de lidar com conflitos, de ofertar métodos (modos de fazer), diretrizes, quadros de referência para análise e ação das equipes nas organizações de saúde. Além disso, a gestão é um campo de ação humana que visa à coordenação, articulação e interação de recursos e trabalho humano para a obtenção de fins/metas/objetivos. Trata-se, portanto, de um campo de ação que tem por objeto o trabalho humano que, disposto sob o tempo e guiado por finalidades, deveria realizar tanto a missão das organizações como os interesses dos trabalhadores. Por que é necessária a gestão? A gestão se faz necessária, entre outros, por não haver previamente coincidência entre as finalidades da organização e interesses e desejos dos trabalhadores. Uma das tarefas da gestão é, portanto, construir coincidências entre os interesses e necessidades dos trabalhadores, a disposição de meios e os fins da organização. Não sendo necessária nem previamente estas coincidências, a gestão tem por objeto os conflitos derivados desta discrepância. Como tem sido realizada a gestão nas organizações de saúde? Os processos tradicionais de gestão do trabalho – modos de organizar e realizar a gestão do trabalho humano – entenderam que o trabalhador se submete ao trabalho para realizar os interesses dos proprietários mediante, de um lado, a necessidade de trabalhar, Assim, a gestão toma por objeto o trabalho humano e lida com uma multiplicidade e diversidade de interesses que nele se atravessam. Didatismo e Conhecimento 35 Técnico em Enfermagem retificação como condição sine qua non de sua reprodutibilidade e, de outro, o exercício do controle de suas vontades. Por muito tempo esta tradição tratou de produzir o entendimento (cultura, ideologia) de que os trabalhadores não tinham condição de conduzir seu próprio trabalho, pela simples falta de capacidade de gestão, ou seja, de condução da organização. É claro que esta produção (interessada) tratava de isolar os trabalhadores em postos de execução, cuja definição encontrava-se em níveis técnicos intermediários, responsáveis então pela formulação, planejamento, controle e avaliação. Nessa lógica, o trabalho seria realizado mediante a ação não-espontânea dos trabalhadores, que necessitariam de supervisão, controle, estímulos (financeiros, morais, etc.) para produzir, para realizar as tarefas. Esta lógica (taylorista, fordista) ainda permanece no cotidiano do trabalho contemporâneo, em que pese um conjunto de novas teorias e metodologias que surgiram no decorrer do século XX. Esta premissa, contudo, não pode ser justificadora do trabalho imposto como foi pela tradição taylorista-fordista, até porque nela a imperiosa questão da reprodução privada do capital é central: o trabalho é o elemento da produção de mais-valia, logo a gestão é instrumento essencial da reprodução do capital. Uma nova gestão do trabalho nas organizações precisa reconhecer a indissociável relação entre trabalho livre e trabalho estranhado e apontar, exatamente aí, inovações que permitam – no caso da área da Saúde – ampliar a capacidade de produção de saúde, ao mesmo tempo que ampliar a realização dos trabalhadores. Mas como fazer isto? Experimentação da gestão no SUS Estas questões não podem ser tratadas fora do contexto político-institucional do Sistema Único de Saúde (SUS), que é um produto da Reforma Sanitária Brasileira. A experiência brasileira de reorganização do sistema público de saúde, na trajetória dos 20 anos do SUS (considerando como marco inicial a promulgação da Constituição Federal de 5 de outubro de 1988), acumulou uma série de avanços, tanto na reorganização do sistema de serviços e na introdução de novas políticas de saúde (Pasche et al., 2006), como na produção de modificações no padrão de morbi-mortalidade da população brasileira. Todavia, em que pesem os avanços, muitos são ainda os desafios que permanecem na agenda sanitária nacional, cujo enfrentamento requisita e impõe como condição a produção de um novo pacto sanitário nacional que permita a introdução de inovações nas formas de organização e de gestão do sistema de saúde brasileiro. A produção de mudanças necessita da composição de uma agenda política, que deve dialogar com muitos interesses de vários setores sociais e, nesta medida, permitir o alargamento dos espaços de debate, a ampliação da participação da sociedade e a transparência no processo de discussão, que são condições essenciais para a consolidação de um sistema público e democrático. Este novo pacto nacional, entre outros, deveria incluir como tema prioritário a reconstrução das práticas de saúde – o que remete, necessariamente, ao tema da recomposição e reorganização dos processos de trabalho. Isto, por sua vez, reclama que se coloque em tela o tema do trabalho em saúde reposicionando-se o campo e os instrumentos de gestão, de modo que se apresentem como método e espaço de intervenção (CAMPOS , 2003) dotado de capacidade de produzir sujeitos aptos a imprimir mudanças nos modos de cuidar e nos modos de gerir. De outro lado, o desafio de mudança nas práticas de saúde requer a utilização de métodos que guiem e dêem suporte a este intento, sem o qual mudanças mais substantivas terão dificuldades de serem implementadas e sustentadas. A Política Nacional de Humanização, uma das inovações no SUS (Pasche et al., 2006), propõe como método a inclusão, a qual se apresenta como uma “tríplice inclusão” (BRASIL, 2007a). Incluir sujeitos, coletivos e a perturbação que estas inclusões produzem nos processos de gestão. Assim, mudanças nos modos de cuidar e de se fazer gestão decorreriam da “produção de plano e ação comum” entre sujeitos, guiados pelo pressuposto ético de produzir saúde com o outro. O que produz esta concepção de trabalho no trabalhador? Em primeiro lugar, uma produção subjetiva, forjada sobre a incapacidade de realização, produz uma “infantilização” dos trabalhadores. A isto se agrega a renúncia em participar de processos de criação, transformando o trabalho em lugar de repetição, de produção em série, de realização daquilo que foi pensado em outro lugar. A consequência imediata disto é a diminuição/destituição do sentido do trabalho, que tende, então, a ser realizado de forma mecânica, repetitiva e desconectada de um processo global de produção: produzem-se partes, cujas conexões não são sabidas. Assim, a fragmentação dos processos de trabalho tende a manter os trabalhadores em posição sempre defasada ao todo da tarefa, cujo sentido não é conhecido. Alienação, renúncia, trabalho como repetição, não como espaço de criação. Trabalho como constrangimento à vontade humana. Trabalho destituído de sua potência instituinte. Trabalho mortífero! A que se presta a gestão não-democrática? Nesta tradição, a gestão, em tese, cumpre a função de manter a organização produzindo e em funcionamento. Espaço de acionamento dos meios, do trabalho humano (então chamados recursos humanos – RH) para os fins da organização. Espaço de controle, de submissão e de renúncia do trabalhador. Qual sentido de gestão tem sido adotado pela Política Nacional de Humanização? A Política Nacional de Humanização entende que o trabalho é elemento substantivo da criação do homem, que cria a si e ao mundo. A autoria do mundo é condição para a construção de si. Como então, no trabalho da saúde, avançar para uma outra gestão do trabalho – e, por consequência, das organizações? Ampliando o conceito de gestão: cogestão O trabalho sempre será uma mistura de espaço de criação com repetição; espaço de exercício da vontade com constrangimento; trabalho para si e trabalho demandado do outro, encarnado em sujeitos e coletivos que portam necessidades (sempre sócio-históricas). Assim, é ilusão pensar que se trabalharia sempre a favor dos interesses e necessidades dos agentes imediatos do trabalho. Didatismo e Conhecimento 36 Técnico em Enfermagem retificação Campos (2000) apresenta um método de gestão para coletivos, o qual é denominado de Método Paideia. Este método também pressupõe a inclusão de alteridades nos espaços de gestão, os quais se tornam complexos e contraditórios, requisitando, portanto, modos de geri-los, de conduzi-los, pois estão ocupados agora por sujeitos que portam distintos desejos, interesses e necessidades. Gastão Campos constrói, então, um método que pode ser apresentado como a criação de espaços coletivos para o exercício da cogestão considerando a análise de demandas multivariadas, oferta de quadros de referência para sua compreensão (produção de textos) e a construção e contratação de tarefas (corresponsabilização), considerando não só a função primária da organização de saúde (produzir saúde), mas também a produção de sujeitos (função secundária das organizações). Assim, o espaço da gestão a partir da experiência brasileira passa a ser compreendido também como exercício de método, uma forma e um modo de fazer as mudanças na saúde, considerando a produção de sujeitos mais livres, autônomos e corresponsáveis pela coprodução de saúde. Estas condições tomam expressão na forma de arranjos e dispositivos, os quais criam um sistema de cogestão, viabilizando a constituição de espaço-tempo para o exercício da gestão compartilhada, cogestão, cogoverno. A inclusão de novos sujeitos nos processos de gestão traria como efeito a ampliação da implicação e corresponsabilização cuidado, uma vez que as definições, na forma da produção de tarefas, seriam coletivas, ou seja, derivadas de pactos entre os sujeitos, e não de imposições sobre eles. De outra parte, maior implicação e uma produção mais compartilhada de responsabilidades resultaria em mais e melhor produção de saúde, uma vez que a vontade de fazer estaria ampliada, reafirmando pressupostos éticos no fazer da saúde. Política de Humanização e gestão democrática como reinvenção das organizações para a emergência da diferença O trabalho nas sociedades contemporâneas, sob a égide do capital, instrumentalizou a ação do homem para a produção de mercadorias e realização de mais-valia. Isto foi possível, entre outros motivos, pelas disciplinarização e controle do trabalho e do trabalhador, tarefa que coube à gestão do trabalho. Este processo produziu forte alienação, fazendo com que o trabalho perdesse sentido, pois além de estritamente relacionado à produção de lucro (trabalhador como recurso humano), expropriou os trabalhadores da decisão sobre a organização dos processos de trabalho. A história mostra que os trabalhadores não sofreram esta organização do trabalho sem resistências, as quais, ao lado de outros fatores, impuseram mudanças sucessivas na lógica da organização do trabalho desde o final do século XIX. Contudo, resta sempre a questão de que o trabalho no regime do capital é sempre meio para a produção de mais-valia e, então, ajustes nos modos de gestão estarão sempre condicionados a esta que é uma marca irremovível deste regime. No campo da saúde, a alienação no trabalho causa efeitos destrutivos, pois a produção de saúde depende da qualidade do encontro com o outro, encontro que é decorrente das formas de relação e dos processos de intercessão entre sujeitos. Esta questão tem apontado para a necessidade de reorganizar o trabalho em saúde na perspectiva de produzir sentido para quem o executa. Sem este sentido não se reduz a alienação, ou seja, não se consegue reposicionar os sujeitos na relação para a produção de contratos de corresponsabilização no cuidado. De outra parte, o trabalho – em que pesem as discussões estabelecidas desde o final do século passado no contexto da globalização, do qual emergiram questões sobre a “crise do trabalho” no contemporâneo – se apresenta como uma importante linha de força na produção de sujeitos, na determinação dos modos de subjetivação. Isto quer dizer que a reinvenção da arquitetura de poder nas organizações e a reconstrução dos processos de trabalho interferem substantivamente nos modos de subjetivação. Talvez esta seja uma razão bastante forte para repensar as organizações de saúde. Reinventar a gestão e os modos como se organizam a rede de atenção e as ofertas de cuidado implica, de um lado, a deflagração de um processo cultural, que por sua vez requer a produção de novas relações entre sujeitos e de novos processos institucionais. De outro lado, esta reinvenção requer a reestruturação das organizações, dos estabelecimentos de saúde, que necessitam de uma nova arquitetura capaz de propiciar e fomentar novos modos de circulação de poder e de produção de subjetividade, capazes então de fomentar a construção de inovações nas práticas de saúde (PASCHE, 2005). Cogestão, ampliação das tarefas de gestão: ir além de manter as organizações funcionando A gestão não é um lugar ou um espaço, campo de ação exclusiva de especialistas. Todos fazem gestão! Tomar a gestão como um método implica também na adição de outras funções para a gestão, para além de ser um espaço substantivo que permite a organização de saúde operar no tempo. No Brasil tem sido comum a expressão cogestão, cujo prefixo “co” designa duas inclusões, as quais alargam conceitualmente o que se entende por gestão. Em primeiro lugar, cogestão significa a inclusão de novos sujeitos nos processos de gestão (análise de contexto e problemas; processo de tomada de decisão). Assim, ela seria exercida não por poucos ou alguns (oligo-gestão), mas por um conjunto mais ampliado de sujeitos que compõem a organização, assumindo-se o predicado de que “todos são gestores de seus processos de trabalho”. De outra parte, a idéia de cogestão recompõe as funções da gestão que, além de manter a organização funcionando, teria por tarefas: • Analisar a instituição, produzir analisadores sociais – efeitos da ação político-institucional que trazem em si a perturbação, germe necessário para a produção de mudanças nas organizações. Assim, a gestão é concebida como um importante espaço para a problematização dos modelos de operar e agir institucional; • Formular projetos, que implica abrir-se à disputa entre sujeitos e grupos, os quais disputam os modos de operar e os rumos da organização. Dessa forma, a gestão é também um espaço de criação; • Constituir-se como espaço de tomada de decisão, portanto lugar substantivo de poder, entendido como capacidade de realização, força positiva, criadora; • Ser um espaço pedagógico, lugar de aprender e de ensinar; espaço de aculturação, de produção e socialização de conhecimentos. O prefixo “co”, nesta perspectiva, indica para o conceito e a experimentação da gestão um duplo movimento: a adição de novas funções e adição de novos sujeitos. Como introduzir novos sujeitos no processo decisório e quais benefícios isto traria para a produção de saúde? A inclusão de novos sujeitos nos processos decisórios das organizações de saúde, para se concretizar como prática de gestão, necessita da construção de condições políticas e institucionais efetivas. Didatismo e Conhecimento 37 Técnico em Enfermagem retificação Reinventar os modos de governar as instituições – portanto, de recriá-las para uma nova expressão da correlação de forças – é um exercício de aprimoramento da democracia institucional. Isto exige, entre outros, a formulação de arranjos e processos que permitam o partilhamento de interesses e a produção de novas contratualidades nas diferenças dos sujeitos. Para tanto, há de se lançar mão de conceitos ampliados de gestão, de sujeito, de subjetividade e de grupos, que permitam a compreensão e operação concreta de novos contratos (PASCHE, 2005). Cogestão expressa, ao mesmo tempo, inclusão de novos sujeitos nos processos decisórios e alteração das tarefas da gestão, que incorpora também função de análise institucional, de contextos e da política, função de formulação, portanto de exercício crítico-criativo e função pedagógica, que Gastão Campos (2000) vai denominar de Função Paideia. E isto requer e exige o exercício ampliado de gestão, que deixaria de ser uma “oligo-gestão” (gestão de poucos) para uma cogestão (que inclui novos sujeitos). A Política Nacional de Humanização denomina este movimento metodológico como “método da tríplice inclusão”. Assim, o contato com a diferença vai exigir que as instituições passem a lidar e não a evitar os conflitos; aliás, as organizações e seu processo de gestão ampliado passam a produzir perturbações, pois o encontro entre as diferenças propicia a emergência de tensões advindas da relação entre sujeitos que portam diferentes desejos, interesses e necessidades. Isto requer, além de método, a introdução de estratégias de suporte para as equipes como, por exemplo, a oferta de apoio institucional. A reorganização da arquitetura das organizações deveria produzir unidades de produção (UP), onde equipes de referência se constituiriam para lidar com seus objetos complexos. Estas unidades de produção e equipes de referência são conceitos e ferramentas basilares para a reorganização das práticas de gestão e de saúde porque, a partir do estabelecimento de contratos internos (nas equipes e nas organizações a que pertencem), estabeleceriam acordos com outras equipes e serviços – fundando, assim, possibilidades concretas de reorganizar a rede de atenção à saúde, sem o qual não se garante o cuidado longitudinal. Assim, a produção de contratos entre equipes e serviços é uma das funções da gestão, tarefa sem a qual não se ampliam as estratégias de corresponsabilização. A reinvenção organizacional, tanto no sentido da instauração de espaços coletivos para a concertação e pactuação de interesses como da reconstrução das linhas de poder, que implica o redesenho organizacional, é condição necessária para o intento de fazer com que as organizações de saúde se aproximem o mais possível da realização do objetivo de produzir saúde (função e tarefa primária) e sujeitos mais autônomos e livres, condição para a construção mais partilhada de processos de corresponsabilização. Reinventar a gestão requer novas relações entre sujeitos e novos processos institucionais. Mas o exercício da gestão ampliada e compartilhada para a produção de mudanças nas organizações de saúde requer vontade política, provisão de condições concretas e método, sem o qual se corre o risco de se transformar a cogestão apenas em um exercício discursivo. É nesta perspectiva que a própria gestão se apresenta como um método, pois ela tanto pode se prestar ao exercício do controle dos sujeitos (processos de assujeitamento), como pode ser um importante espaço de reinvenção do trabalho, produzindo sentido desde pressupostos éticos – como, por exemplo, a base doutrinária do SUS (equidade, universalidade, integralidade e participação cidadã). Reinventar as organizações pressupõe alterar o modo de produção e fluxos de poder. Em geral, as organizações de saúde (que são realidades hipercomplexas) têm uma disposição centralizadora do poder, fomentando processos de comunicação pouco transversais e colocando em relação apenas os iguais. Em outras palavras: o exercício da comunicação se dá entre os pares (chefes com chefes, médicos com médicos, enfermeiros com enfermeiros, e assim por diante), dificultando a emergência de processos instituintes. Dessa forma, a organização se reproduz, pois se mantém sustentada sobre linhas de forças que apenas reverberam aquilo que já está instituído. Uma nova arquitetura deveria permitir a ampliação da superfície de contato entre as pessoas, possibilitando o encontro das diferenças. Esta orientação se sustenta pelo argumento de que os objetos com que os trabalhadores lidam são complexos (risco de adoecer e doenças), o que exige ação interdisciplinar. A ação interdisciplinar necessita da organização de espaços para o encontro e composição nas diferenças para arranjar formas de intervenção que articulem os diferentes territórios de saberes e práticas. Sem esta articulação o trabalho deixa de ter transversalidade, apresentando-se tão-somente como realidade multidisciplinar. O fomento e a organização de rodas é uma diretriz da cogestão. Colocar a diferença em contato para que se produzam movimentos de desestabilização nos acúmulos até então obtidos (sempre insatisfatórios) e produzir mudanças nas práticas de gestão e de atenção. Instituições mais abertas aos movimentos de mudança são uma contraprodução no campo da gestão tradicional, sempre temerosa da emergência do conflito e das perturbações, porque produzem ruídos. Todavia, instituições mais permeáveis e porosas têm maior capacidade de lidar com as instabilidades e com a emergência de contextos de crise, pois estão preparadas e dispostas a acionar a inteligência coletiva de seus integrantes. Didatismo e Conhecimento Arranjos e dispositivos para o exercício da cogestão Para fins didáticos, a Política Nacional de Humanização distingue arranjos/dispositivos de cogestão em dois grupos: O primeiro grupo diz respeito à organização do espaço coletivo de gestão que permita o acordo entre desejos e interesses tanto dos usuários quanto dos trabalhadores e gestores. O segundo grupo refere-se aos mecanismos que garantam a participação ativa de usuários e familiares no cotidiano das unidades de saúde. Estes devem propiciar tanto a manutenção dos laços sociais dos usuários internados quanto a sua inserção e a de seus familiares nos projetos terapêuticos e acompanhamento do tratamento. Almejam, portanto, a participação do usuário, sua família e rede social, na perspectiva de garantir os direitos que lhes são assegurados e também o avanço no compartilhamento e corresponsabilização do tratamento e cuidados em geral. Organização de espaços coletivos de gestão para a produção de acordos e pactos entre usuários, trabalhadores e gestores Grupos de Trabalho de Humanização (GTH) – Coletivos organizados, participativos e democráticos que se destinam a empreender uma política institucional de resgate dos valores de universalidade, integralidade e aumento da equidade na assistência e demo38 Técnico em Enfermagem retificação cratização da gestão, em benefício dos usuários e dos profissionais de saúde. Constituído por lideranças representativas do coletivo de profissionais em cada equipamento de saúde, tem como atribuições: difundir os princípios norteadores da humanização; pesquisar e levantar os pontos críticos do funcionamento do serviço; promover o trabalho em equipe multi e interprofissional; propor uma agenda de mudanças que possam beneficiar os usuários e os profissionais de saúde; estabelecer fluxo de propostas entre os diversos setores das instituições de saúde, a gestão, os usuários e a comunidade; melhorar a comunicação e a integração do serviço com a comunidade. A pactuação de metas se dá em três grandes eixos: a) ampliação do acesso, qualificação e humanização da atenção; b) valorização dos trabalhadores, implementação de gestão participativa; c) garantia de sustentabilidade da unidade. Esses contratos devem ter acompanhamento e avaliação sistemática em comissões de trabalhadores, usuários e gestores. Contratos Internos de Gestão – Contrato pode ser entendido como um pacto, um acordo entre duas ou mais partes que se comprometem a cumprir o que foi decidido. Contratos Internos de Gestão são acordos técnico-políticos entre unidades/equipes que compõem um serviço de saúde, estimulando as interfaces e a corresponsabilização por meio da constituição de redes de trabalho e de compromisso. Eles representam a reorganização nos processos de trabalho nas unidades – que, a partir de diretrizes e objetivos claros, se materializam em metas, planos de ação e indicadores, voltados para mudanças nas práticas de atenção e fortalecimento da gestão compartilhada e participativa. Os Contratos Internos de Gestão representam acordos e pactos entre unidades e equipes de saúde derivados de movimentos intensivos e extensivos de análise e discussão coletiva, sendo potentes mecanismos para garantir a sustentabilidade de mudanças na lógica da organização do trabalho e da gestão. Além disto, os Contratos Internos de Gestão rompem com os modos fragmentados de pensar e agir nas organizações, construindo e fomentando redes de conversação, de troca e cooperação. Colegiados Gestores de Hospital, de Distritos Sanitários e Secretarias de Saúde – Compostos por coordenadores de áreas/ setores, gerentes (dos diferentes níveis da atenção), secretário de saúde, diretores e, no caso do hospital, todos os coordenadores das unidades de produção. Dentre outras, tem como atribuições: elaborar o Projeto Diretor do Distrito/Secretaria/Hospital; constituir-se como espaço de negociação e definição de prioridades, definir os investimentos, organizar os projetos das várias unidades, construir a sistemática de avaliação, prestar contas aos Conselhos Gestores e administrar imprevistos. Colegiado Gestor da Unidade de Saúde – Tem por atribuições: elaborar o Projeto de Ação; atuar no processo de trabalho da unidade; responsabilizar os envolvidos; acolher e encaminhar as demandas dos usuários; criar e avaliar os indicadores; sugerir e elaborar propostas e criar estratégias para o envolvimento de todos os membros e equipes do serviço. Na atenção básica, o Colegiado é composto por representantes das Equipes de Atenção Básica/Saúde da Família, contemplando trabalhadores dos níveis superior, médio e elementar. No caso das unidades de saúde com mais de uma Equipe de Saúde da Família, orienta-se que todas elas estejam representadas no Colegiado da Unidade, por meio de um profissional de nível superior, um Agente Comunitário de Saúde e um representante dos trabalhadores com formação técnica/auxiliar (enfermagem, odontologia ou outro). Ressalta-se que a Equipe de Saúde da Família, por si só é um “coletivo organizado de trabalhadores”. De configuração multiprofissional, comporta-se como uma instância colegiada, exercitando a sua potencialidade de se fazer integrada e participativa em seu cotidiano de trabalho. Em hospitais e serviços especializados conformam-se os Colegiados de Unidades de Produção, entendidos como unidades/serviços que reúnem equipes multiprofissionais em torno de um objeto específico e comum de trabalho, levando em conta os diferentes eixos dos cuidados, como, por exemplo, a Unidade de Produção de Saúde da Criança (voltada para esse público). Câmara Técnica de Humanização – Fórum proposto para agregar instâncias/serviços/sujeitos com o objetivo de compartilhar experiências do/no campo de políticas/ações de humanização, compondo redes e movimentos de cogestão. Pode-se constituir por intermédio de representações institucionais formalizadas ou com sujeitos interessados nas discussões e encaminhamentos acerca de planos de trabalho e avaliação de experiências. Seu método de funcionamento é pautado no mapeamento e ajustes contínuos das iniciativas à luz dos princípios e diretrizes da Política Nacional de Humanização. Seu caráter pedagógicoformativo é conferido pelas análises coletivas e destaque de indicadores do processo de implementação e seus alcances,podendo servir como referência para outros serviços. Dispositivos para fomento da participação ativa de usuários, familiares e redes sociais no cotidiano de serviços de saúde • Equipe de Referência; • Projeto Terapêutico Singular; • Direito a acompanhante em consultas, realização de exames e em internações; • Visita aberta; • Espaços de escuta qualificada de usuários e trabalhadores: ouvidoria, gerência de agenda aberta, etc. Equipe de Referência – Organização do trabalho em equipe na qual um conjunto de trabalhadores que comungam do mesmo espaço de trabalho/atuação interagem para a definição de encargos sanitários considerando núcleos e campos de competências e responsabilidades. Direito a acompanhante nas consultas, realização de exames e internações – O direito do usuário a acompanhante nos serviços de saúde garante, de um lado, o exercício de um direito fundamental da pessoa que é o de contar, em uma situação de fragilidade, com alguém de sua rede social e afetiva que pode “negociar” com traba- Mesa de Negociação Permanente – As Mesas de Negociação Permanente são fóruns paritários que reúnem gestores e trabalhadores a fim de tratar dos conflitos inerentes às relações de trabalho. A criação destes mecanismos se insere no contexto de democratização das relações de trabalho, nas quais a participação do trabalhador é entendida como fundamental para o exercício dos direitos de cidadania visando à melhoria da qualidade dos serviços de saúde e ao fortalecimento do SUS. As mesas possibilitam a construção conjunta de um plano de trabalho e de uma agenda de prioridades das questões a serem debatidas e pactuadas entre gestores públicos, prestadores e trabalhadores da Saúde. Contratos de Gestão – Firmados entre as unidades de saúde e as instâncias hierárquicas de gestão como, por exemplo, unidades de saúde ambulatoriais e hospitais, com o distrito sanitário e/ou com o nível central da Secretaria de Saúde. Didatismo e Conhecimento 39 Técnico em Enfermagem retificação lhadores e equipes processos de cuidado e proteger o usuário contra práticas indevidas (derivadas do preconceito, de discriminações, etc.) que levam ao descuidado, ao descompromisso e à baixa produção de saúde. De outro lado, o acompanhante, quando efetivamente envolvido pela equipe, pode vir a ser aliado importante nos processos terapêuticos, ampliando a eficácia e a extensão da rede social no processo de corresponsabilização no cuidado. aumento do grau de corresponsabilização. A construção de contratos terapêuticos entre sujeitos não pode ser entendida, por outro lado, como ação que não deriva de embate produzido na tensa relação que se estabelece entre sujeitos que ocupam distintas posições nas relações de saúde, ou seja, usuários e trabalhadores da saúde. Projetos terapêuticos são, pois, resultantes de acordos possíveis e necessários entre ofertas e demandas, tomados tanto como as experiências da vida prática dos usuários como dos saberes e experiência clínica dos trabalhadores e equipes de saúde. Visita aberta – É um dispositivo que garante, no maior tempo possível, a presença da rede sociofamiliar dos usuários internados, de forma a assegurar o elo entre o usuário do hospital, sua rede social e os demais serviços da rede de saúde. A visita aberta amplia o grau de corresponsabilização no cuidado, possibilita a participação do familiar na construção de projetos terapêuticos; amplia o grau de comunicação entre os envolvidos no cuidado; ressignifica o lugar do hospital como estratégia e espaço de produção de saúde, que não se fecha sobre si mesmo, mas inclui outras dinâmicas e agentes no cuidado de saúde. Família Participante, Grupo de Pais, Grupo Focal – Estratégias de inclusão de usuários e trabalhadores nos vários espaços dos serviços de saúde. Destinam-se tanto para a captação de percepções e avaliações em face das ações de gestão e cuidado em saúde como para constituição em espaços de circulação de informações de saúde, com vistas à produção de autonomia, protagonismo e emancipação dos sujeitos. Apêndice Gerência com agenda aberta – Estratégia para interação com a rede sociofamiliar do usuário e com trabalhadores e equipes de saúde. Mecanismo sistemático de “atendimento” do usuário e de sua rede sociofamiliar e dos trabalhadores, destinando “espaço” e tempo da agenda de gestores (trabalhadores em cargos de gestão) para interagir com estes sujeitos, buscando construir em tempo oportuno soluções coletivas para necessidades de saúde e de trabalho. Alguns conceitos de referência tomados pela Política Nacional de Humanização para a produção de novos modos de gestão do trabalho e dos processos de cuidado em saúde: Coletivo organizado para a produção • Toda organização é um coletivo que se organiza para produzir bens e/ou serviços; • Assim, todo serviço, equipe, unidade de saúde, etc. é um coletivo que se organiza para produzir saúde; • Conceitos subjacentes: coletivo; produção e finalidades da organização e do trabalho em saúde. Ouvidoria – Instrumento de ausculta da avaliação que fazem os usuários e sua rede sociofamiliar da experiência que tiveram com serviços e trabalhadores da saúde. Além disto, ouvidorias captam também manifestações dos trabalhadores da saúde acolhendo questões referentes às condições e processos de trabalho, garantindo o retorno e encaminhamento em tempo acordado dos problemas identificados. A ouvidoria é um dispositivo de humanização da saúde porque permite a discussão de processos de trabalho, dos quais emergem os problemas e situações conflitivas que são sintomas, manifestações dos modos de organização do trabalho nos serviços de saúde. Não se trata, desta forma, de um mecanismo de culpabilização ou punição de trabalhadores e gestores, mas de construção de medidas coletivas para o enfrentamento de problemas e situações apontados por usuários e trabalhadores. As ouvidorias devem promover ações para assegurar a preservação dos aspectos éticos, de privacidade e confidencialidade em todas as etapas do processamento das informações decorrentes; assegurar aos cidadãos o acesso às informações sobre o direito à saúde e às relativas ao exercício desse direito; acionar os órgãos competentes para ações pertinentes frente a atos ilegais ou indevidos e omissões, no âmbito da saúde. Por fim, as informações das ouvidorias permitem a realização de estudos e pesquisas visando à produção do conhecimento e subsidiam a formulação de políticas de gestão do SUS. Sistema de cogestão – Ampliação da democracia nas organizações de saúde: Trabalho como espaço de produção de sujeitos mais livres, autônomos e capazes de contrair responsabilidades. • Nova arquitetura, novo arranjo da organização que permite o exercício do cogoverno; • Partilhamento do processo decisório e de responsabilidades sem renúncia de interesses e desejos; • Aproximação entre política (gestão) e clínica, ou da gestão da saúde com a produção de saúde; • Todo sistema de saúde, cada um de seus componentes, podem ser cogovernados. Espaços coletivos – Exercício partilhado do poder como mecanismo de corresponsabilização. • Arranjos promotores de encontros das pessoas nos coletivos, nas organizações; • Produção de lugar e tempo nas organizações (com existência formal); • Conselhos, colegiados de gestão, rodas e mesmo encontros informais (estímulo à comunicação lateral e horizontal). Projeto Terapêutico Singular (PTS ) – O Projeto Terapêutico Singular é um instrumento de organização e sistematização do cuidado construído entre equipe de saúde e usuário, considerando singularidades do sujeito e a complexidade de cada caso. No Projeto Terapêutico Singular, a identificação das necessidades de saúde, a discussão do diagnóstico e a contratação do cuidado são compartilhados, o que leva a um aumento da eficácia dos tratamentos, pois a ampliação da comunicação traz o fortalecimento dos vínculos e o Didatismo e Conhecimento Unidade de Produção (UP) – Desfragmentação das organizações e dos processos de trabalho; objeto e objetivos comuns definem processos de corresponsabilização. • Nova concepção para a organização do trabalho nos coletivos organizados para a produção; 40 Técnico em Enfermagem retificação Responsabilidade Sanitária – Responsabilização: quem faz o quê e sob quê condições. • Responsabilização exige que se visualize com clareza quem é o cuidador / responsável pelo caso (não é necessariamente o médico); • Atenção básica – entrada preferencial do usuário na rede – constitui-se no plano substantivo da responsabilização; • Mesmo no esgotamento do núcleo de competências da equipe de atenção básica, sua responsabilidade, não cessa (integralidade, corresponsabilização e gestão clínica compartilhada na rede). • Objetos e objetivos definem unidades de produção; • Articulação do processo de trabalho e de cada trabalhador a partir de objetivos comuns; • Horizontalização da organização: diminuição do distanciamento entre governantes e governados; • Agilidade no processo de trabalho: espaços de análise e contratação de tarefas e responsabilidades. Equipes de Referência • Reorganização do processo e da gestão do trabalho; • Enfrentamento da lógica de que todos cuidam de todos quando, de fato, ninguém é responsável por ninguém; • Composição e articulação do trabalho a partir de núcleos de competências e responsabilidades, considerando uma série de princípios e diretrizes da atenção à saúde. Resolubilidade • Capacidade de resolver problemas; • Para o sistema ser equânime e universal, é imprescindível uma rede básica com alta performance. Isto implica, entre outros, que se ofertem de forma articulada ações referentes às três tarefas substantivas da rede básica: – Clínica ampliada (demanda programada e vínculo); – Vigilância da saúde (saúde pública); – Acolhimento (pronto atendimento de demanda não programada). Apoio Matricial Especializado – Integração em rede de serviços e práticas de saúde, tomando por referência uma equipe/profissional de referência. • Unidades de produção, equipes de referência, etc. necessitam de apoio técnico especializado para aumentar sua capacidade de resolver problemas (apoio, retaguarda, referências, etc.); • Localização: pode se localizar diretamente nos serviços ou compor serviços com esta finalidade; • Natureza: dimensão técnica (ligada às atividades clínicas e de saúde pública); dimensão política (ligada às atividades de gestão, bem como comunicação e educação em saúde). Projeto Terapêutico Singular • Adscrição de clientela exige processos de discriminação positiva de clientela; • Projeto Terapêutico Singular ajuda a equipe interdisciplinar a priorizar o trabalho, organizando-o a partir do acionamento dos diversos núcleos de competência; • O caso é da equipe, e na equipe há corresponsabilização e compartilhamentos; • Elemento singular de produção de vínculo, responsabilização e aumento da resolutividade. Adscrição flexível de clientela: território – responsabilização e vínculo • Todo/toda cidadão/cidadã tem direito a uma equipe que cuide dele/dela; • Atuação da equipe/unidade de produção a partir de recorte (construção) territorial, concomitante ao compromisso pelo cuidado efetivado por meio de contrato de gestão (com usuários e gestores). Vínculo – Responsabilização sanitária; ampliação da capacidade de contrair responsabilidade. • Elemento estruturante da clínica, pois permite a produção de contrato de cuidado; • Transferência positiva que resulta na produção de confiança e cumplicidade. Trabalho em equipe – Núcleo e Campo de Responsabilização e Competências (NCRC) • Ação interdisciplinar é uma exigência se o objetivo é qualificar o trabalho em saúde. Contudo, como se definem as tarefas de responsabilidade de cada um? • NCRC: conceito-ferramenta que permite à equipe enfrentar e potencializar as diferenças entre seus membros; • Campo: define responsabilidades e competências comuns à maioria dos membros da equipe; • Núcleo: práticas/ações privativas de cada ambiente, organização e nível de percepção e interação de cada equipe; • Resultam de definições do processo de construção de uma grupalidade. Assim, não são estáticas, mas mutantes às produções coletivas. Ampliação da Clínica – Clínica Ampliada – Clínica do Sujeito • Ampliada em quê? Considera a complexidade do sujeito e do processo de adoecimento (nas conexões, muitas vezes ocultas, entre o biológico, o subjetivo e o social); • Pressupõe trabalho em equipe: clínica interdisciplinar; • Em oposição à clínica degradada, reduzida à tecnologia da queixa-conduta. Acolhimento Autonomia (relativa) do sujeito • Capacidade/coeficiente de acolhida/acatamento das demandas e necessidades como pressuposto básico do contrato entre unidade de saúde/equipes e usuário e sua rede sociofamiliar; • Pressuposto – rede básica (complexa) é a porta de entrada preferencial do sistema: sistema de porta aberta + aumento da capilaridade pelo aumento das ofertas terapêuticas (consultas, atividades de grupos, procedimentos de ambulatório, visitas, atividades comunitárias e intersetoriais etc.). Didatismo e Conhecimento • Autonomia como capacidade de agir deliberado, produzido pelas capacidades de cada um, de seus desejos, interesses e necessidades; • Relativa porque toda autonomia resulta também da confluência de elementos e definições de outros planos, desde o inconsciente, passando pelo acaso, indo até o plano das determinações socioeconômicas, políticas e culturais; 41 Técnico em Enfermagem retificação • Resulta, assim, de um plano singular entre a vontade do sujeito e as forças que sobre ele agem no plano da História. • Não é o mesmo que supervisão, que em geral atua de forma verticalizada e se vincula ao exercício do poder normativo (que ensina a fazer, pois sabe como “fazer certo” versus fazer junto a partir das especificidades locais). Reformulação da saúde pública – Ação intersetorial e afirmação do sujeito. • A saúde pública tradicional se firmou como resultante do positivismo, espelhado na bacteriologia e nas práticas de controle sobre o sujeito e ambientes; • A nova saúde pública deve, sem relegar os conhecimentos da ciência, atuar considerando os sujeitos e não sobre eles. Isto implica, entre outros, na utilização da ciência e do poder do Estado para uma atuação mais pedagógica e afirmativa da condição de sujeito. COFEN. RESOLUÇÃO Nº 240, DE 30 DE AGOSTO DE 2000. APROVA O CÓDIGO DE ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM. RESOLUÇÃO COFEN Nº 240/2000 Lidando com as contradições constitutivas da gestão ou sobre a dialética entre oferta e demanda Revogada pela Resolução Cofen Nº 311/2007 • A gestão lida com contradições insolúveis, entre as quais: autonomia e controle; liberdade de ação profissional e necessidades sociais; interesses dos trabalhadores e interesses dos gestores, das organizações de saúde, da sociedade; especialização do trabalhador e generalista; • Contradições constitutivas: não se resolve, lida-se com elas; • Ofertas de gestão como suporte (conceitos, ferramentas, projetos, etc.) deveriam ser contrabalançadas pelo processamento/inclusão na agenda de demandas a quem estas ofertas se destinam; • Demandas se produzem em qualquer relação: gestor x trabalhador; governo x sociedade; usuário x equipe, etc.; • Espaços coletivos: criam ambiente para manifestação e tratamento de demandas. RESOLUÇÃO COFEN Nº 311/2007 Aprova a Reformulação do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. O Conselho Federal de Enfermagem - COFEN, no uso de sua competência estabelecida pelo art. 2º, c.c. a Resolução COFEN-242/2000, em seu art. 13, incisos IV, V, XV, XVII e XLIX; III; CONSIDERANDO o resultado dos estudos originais de seminários realizados pelo COFEN com a participação dos diversos segmentos da profissão; Espaços de fala e escuta protegida • Lidar com as contradições e diferenças e a partir delas produzir compromissos e novos contratos: isto requer arranjos e dispositivos; • Discutir e processar temas temidos, não-ditos, e a partir daí contratar tarefas, sem com isto indispor-se com o outro, requer a instituição de espaços protegidos, ou seja, lugar/tempo – com ou sem apoio institucional – cujas regras/contratos permitem realizar críticas, identificar insuficiências e apontar contradições sem que isto signifique um “crime mortal” e a exposição a represálias. CONSIDERANDO o que consta dos PADs COFEN nos 83/91, 179/91, 45/92, 119/92 e 63/2002; CONSIDERANDO a deliberação do Plenário em sua 346ª ROP, realizada em 30, 31 de janeiro de 2007. RESOLVE: Arranjos e dispositivos Art. 1º Fica aprovado o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem para aplicação na jurisdição de todos os Conselhos de Enfermagem. • Reorganizar as instituições para que delas seja possível a construção de novas relações, mais democráticas, mais representativas do conjunto dos sujeitos, requer a obra de reinventar/recriar as organizações; • Arranjos: estruturas – perenidade, mais cristalizadas, estáveis; • Dispositivos: instrumentos, processos, etc. capazes de dar início ou de disparar processos. Por isto são eventuais, muitas vezes efêmeros. Art. 2º Todos os Profissionais de Enfermagem deverão conhecer o inteiro teor do presente Código, acessando o site www. portalcofen.gov.br; www.portalenfermagem.gov.br e requerê-lo no Conselho Regional de Enfermagem do Estado onde exercem suas atividades. Art. 3º Este Código aplica-se aos profissionais de Enfermagem e exercentes das atividades elementares de enfermagem. Apoio Institucional - Articular a produção da tarefa com o exercício analítico de pertencer a uma grupalidade que produz tarefas. • A gestão dos espaços coletivos requer, muitas vezes, a mediação de um terceiro, um agente externo capaz de prestar apoio ao grupo, combinando suporte com manejo; Didatismo e Conhecimento CONSIDERANDO a Lei nº. 5.905/73, em seu artigo 8º, inciso Art. 4º Este ato resolucional entrará em vigor a partir de 12 de maio de 2007, correspondendo a 90 (noventa) dias após sua publicação, revogando a Resolução COFEN nº. 240/2000. 42 Técnico em Enfermagem retificação Rio de Janeiro, 08 de fevereiro 2007 O Profissional de Enfermagem participa, como integrante da equipe de saúde, das ações que visem satisfazer as necessidades de saúde da população e da defesa dos princípios das políticas públicas de saúde e ambientais, que garantam a universalidade de acesso aos serviços de saúde, integralidade da assistência, resolutividade, preservação da autonomia das pessoas, participação da comunidade, hierarquização e descentralização político. O Profissional de Enfermagem respeita a vida, a dignidade e os direitos humanos, em todas as suas dimensões. O Profissional de Enfermagem exerce suas atividades com competência para a promoção da saúde do ser humano na sua integridade, de acordo com os princípios da ética e da bioética. Dulce Dirclair Huf Bais COREN-MS Nº 10.244 Presidente Carmem de Almeida da Silva COREN-SP Nº 2.254 Primeira-Secretária CÓDIGO DE ÉTICA DOS PROFISSIONAIS DE ENFERMAGEM PREÂMBULO A Enfermagem compreende um componente próprio de conhecimentos científicos e técnicos, construído e reproduzido por um conjunto de práticas sociais, éticas e políticas que se processa pelo ensino, pesquisa e assistência. Realiza-se na prestação de serviços à pessoa, família e coletividade, no seu contexto e circunstâncias de vida. O aprimoramento do comportamento ético do profissional passa pelo processo de construção de uma consciência individual e coletiva, pelo compromisso social e profissional configurado pela responsabilidade no plano das relações de trabalho com reflexos no campo científico e político. A Enfermagem Brasileira, face às transformações sócio-culturais, científicas e legais, entendeu ter chegado o momento de reformular o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (CEPE). A trajetória da reformulação, coordenada pelo Conselho Federal de Enfermagem com a participação dos Conselhos Regionais de Enfermagem, inclui discussões com a categoria de Enfermagem. O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem está organizado por assunto e inclui princípios, direitos, responsabilidades, deveres e proibições pertinentes à conduta ética dos profissionais de Enfermagem. O Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem leva em consideração a necessidade e o direito de assistência em Enfermagem da população, os interesses do profissional e de sua organização. Está centrado na pessoa, família e coletividade e pressupõe que os trabalhadores de Enfermagem estejam aliados aos usuários na luta por uma assistência sem riscos e danos e acessível a toda população. O presente Código teve como referência os postulados da Declaração Universal dos Direitos do Homem, promulgada pela Assembléia Geral das Nações Unidas (1948) e adotada pela Convenção de Genebra da Cruz Vermelha (1949), contidos no Código de Ética do Conselho Internacional de Enfermeiros (1953) e no Código de Ética da Associação Brasileira de Enfermagem (1975). Teve como referência, ainda, o Código de Deontologia de Enfermagem do Conselho Federal de Enfermagem (1976), o Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem (1993) e as Normas Internacionais e Nacionais sobre Pesquisa em Seres Humanos [Declaração Helsinque (1964), revista em Tóquio (1975) e a Resolução 196 do Conselho Nacional de Saúde, Ministério da Saúde (1996)]. CAPÍTULO I DAS RELAÇÕES PROFISSIONAIS DIREITOS Art. 1º -Exercer a Enfermagem com liberdade, autonomia e ser tratado segundo os pressupostos e princípios legais, éticos e dos direitos humanos. Art. 2º – Aprimorar seus conhecimentos técnicos, científicos e culturais que dão sustentação a sua prática profissional. Art. 3º -Apoiar as iniciativas que visem ao aprimoramento profissional e à defesa dos direitos e interesses da categoria e da sociedade. Art. 4º -Obter desagravo público por ofensa que atinja a profissão, por meio do Conselho Regional de Enfermagem. RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 5º -Exercer a profissão com justiça, compromisso, eqüidade, resolutividade, dignidade, competência, responsabilidade, honestidade e lealdade. Art. 6º – Fundamentar suas relações no direito, na prudência, no respeito, na solidariedade e na diversidade de opinião e posição ideológica. Art. 7º Comunicar ao COREN e aos órgãos competentes, fatos que infrinjam dispositivos legais e que possam prejudicar o exercício profissional. PROIBIÇÕES Art. 8º -Promover e ser conivente com a injúria, calúnia e difamação de membro da Equipe de Enfermagem, Equipe de Saúde e de trabalhadores de outras áreas, de organizações da categoria ou instituições. Art. 9º – Praticar e/ou ser conivente com crime, contravenção penal ou qualquer outro ato, que infrinja postulados éticos e legais. PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS Art. 10 - Recusar-se a executar atividades que não sejam de sua competência técnica, científica, ética e legal ou que não ofereçam segurança ao profissional, à pessoa, família e coletividade. A Enfermagem é uma profissão comprometida com a saúde e qualidade de vida da pessoa, família e coletividade. O Profissional de Enfermagem atua na promoção, prevenção, recuperação e reabilitação da saúde, com autonomia e em consonância com os preceitos éticos e legais. Didatismo e Conhecimento Art. 11 - Ter acesso às informações, relacionadas à pessoa, família e coletividade, necessárias ao exercício profissional. 43 Técnico em Enfermagem retificação PROIBIÇÕES RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 26 -Negar Assistência de Enfermagem em qualquer situação que se caracterize como urgência ou emergência. Art. 12 - Assegurar à pessoa, família e coletividade assistência de Enfermagem livre de danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência. Art. 27 – Executar ou participar da assistência à saúde sem o consentimento da pessoa ou de seu representante legal, exceto em iminente risco de morte. Art. 13 -Avaliar criteriosamente sua competência técnica, científica, ética e legal e somente aceitar encargos ou atribuições, quando capaz de desempenho seguro para si e para outrem. Art. 28 - Provocar aborto, ou cooperar em prática destinada a interromper a gestação. Parágrafo único -Nos casos previstos em Lei, o profissional deverá decidir, de acordo com a sua consciência, sobre a sua participação ou não no ato abortivo. Art. 14 – Aprimorar os conhecimentos técnicos, científicos, éticos e culturais, em benefício da pessoa, família e coletividade e do desenvolvimento da profissão. Art. 29 - Promover a eutanásia ou participar em prática destinada a antecipar a morte do cliente. Art. 15 -Prestar Assistência de Enfermagem sem discriminação de qualquer natureza. Art. 30 - Administrar medicamentos sem conhecer a ação da droga e sem certificar-se da possibilidade dos riscos. Art. 16 -Garantir a continuidade da Assistência de Enfermagem em condições que ofereçam segurança, mesmo em caso de suspensão das atividades profissionais decorrentes de movimentos reivindicatórios da categoria. Art. 31 - Prescrever medicamentos e praticar ato cirúrgico, exceto nos casos previstos na legislação vigente e em situação de emergência. Art. 17 -Prestar adequadas informações à pessoa, família e coletividade a respeito dos direitos, riscos, benefícios e intercorrências acerca da Assistência de Enfermagem. Art. 32 - Executar prescrições de qualquer natureza, que comprometam a segurança da pessoa. Art. 33 - Prestar serviços que por sua natureza competem a outro profissional, exceto em caso de emergência. Art. 18 -Respeitar, reconhecer e realizar ações que garantam o direito da pessoa ou de seu representante legal, de tomar decisões sobre sua saúde, tratamento, conforto e bem estar. Art. 34 - Provocar, cooperar, ser conivente ou omisso com qualquer forma de violência. Art. 19 -Respeitar o pudor, a privacidade e a intimidade do ser humano, em todo seu ciclo vital, inclusive nas situações de morte e pós-morte. Art. 35 - Registrar informações parciais e inverídicas sobre a assistência prestada. Art. 20 -Colaborar com a Equipe de Saúde no esclarecimento da pessoa, família e coletividade a respeito dos direitos, riscos, benefícios e intercorrências acerca de seu estado de saúde e tratamento. SEÇÃO II DAS RELAÇÕES COM OS TRABALHADORES DE ENFERMAGEM, SAÚDE E OUTROS DIREITOS Art. 36 - Participar da prática profissional multi e interdisciplinar com responsabilidade, autonomia e liberdade. Art. 21 -Proteger a pessoa, família e coletividade contra danos decorrentes de imperícia, negligência ou imprudência por parte de qualquer membro da Equipe de Saúde. Art. 37 - Recusar-se a executar prescrição medicamentosa e terapêutica, onde não conste a assinatura e o número de registro do profissional, exceto em situações de urgência e emergência. Parágrafo único – O profissional de enfermagem poderá recusar-se a executar prescrição medicamentosa e terapêutica em caso de identificação de erro ou ilegibilidade. Art. 22 -Disponibilizar seus serviços profissionais à comunidade em casos de emergência, epidemia e catástrofe, sem pleitear vantagens pessoais. Art. 23 -Encaminhar a pessoa, família e coletividade aos serviços de defesa do cidadão, nos termos da lei. RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 24 – Respeitar, no exercício da profissão, as normas relativas à preservação do meio ambiente e denunciar aos órgãos competentes as formas de poluição e deterioração que comprometam a saúde e a vida. Art. 38 - Responsabilizar-se por falta cometida em suas atividades profissionais, independente de ter sido praticada individualmente ou em equipe. Art. 25 – Registrar no Prontuário do Paciente as informações inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar. Art. 39 - Participar da orientação sobre benefícios, riscos e consequências decorrentes de exames e de outros procedimentos, na condição de membro da equipe de saúde. Didatismo e Conhecimento 44 Técnico em Enfermagem retificação Art. 40 - Posicionar-se contra falta cometida durante o exercício profissional seja por imperícia, imprudência ou negligência. Art. 54 - Apor o número e categoria de inscrição no Conselho Regional de Enfermagem em assinatura, quando no exercício profissional. Art. 41 - Prestar informações, escritas e verbais, completas e fidedignas necessárias para assegurar a continuidade da assistência. Art.55 – Facilitar e incentivar a participação dos profissionais de enfermagem no desempenho de atividades nas organizações da categoria. PROIBIÇÕES Art. 42 - Assinar as ações de Enfermagem que não executou, bem como permitir que suas ações sejam assinadas por outro profissional. PROIBIÇÕES Art. 56 – Executar e determinar a execução de atos contrários ao Código de Ética e às demais normas que regulam o exercício da Enfermagem. Art. 43 - Colaborar, direta ou indiretamente com outros profissionais de saúde, no descumprimento da legislação referente aos transplantes de órgãos, tecidos, esterilização, fecundação artificial e manipulação genética. Art. 57 – Aceitar cargo, função ou emprego vago em decorrência de fatos que envolvam recusa ou demissão de cargo, função ou emprego motivado pela necessidade do profissional em cumprir o presente código e a legislação do exercício profissional. SEÇÃO III DAS RELAÇÕES COM AS ORGANIZAÇÕES DA CATEGORIA Art. 58 – Realizar ou facilitar ações que causem prejuízo ao patrimônio ou comprometam a finalidade para a qual foram instituídas as organizações da categoria. DIREITOS Art. 44 - Recorrer ao Conselho Regional de Enfermagem, quando impedido de cumprir o presente Código, a legislação do Exercício Profissional e as Resoluções e Decisões emanadas pelo Sistema COFEN/COREN. Art. 59 - Negar, omitir informações ou emitir falsas declarações sobre o exercício profissional quando solicitado pelo Conselho Regional de Enfermagem. Art. 45 -Associar-se, exercer cargos e participar de Entidades de Classe e Órgãos de Fiscalização do Exercício Profissional. SEÇÃO IV DAS RELAÇÕES COM AS ORGANIZAÇÕES EMPREGADORAS Art. 46 – Requerer em tempo hábil, informações acerca de normas e convocações. DIREITOS Art. 47 – Requerer, ao Conselho Regional de Enfermagem, medidas cabíveis para obtenção de desagravo público em decorrência de ofensa sofrida no exercício profissional. Art. 60 - Participar de movimentos de defesa da dignidade profissional, do seu aprimoramento técnicocientífico, do exercício da cidadania e das reivindicações por melhores condições de assistência, trabalho e remuneração. RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 48 - Cumprir e fazer os preceitos éticos e legais da profis- Art. 49 - Comunicar ao Conselho Regional de Enfermagem, fatos que firam preceitos do presente Código e da legislação do exercício profissional. Art. 61 - Suspender suas atividades, individual ou coletivamente, quando a instituição pública ou privada para a qual trabalhe não oferecer condições dignas para o exercício profissional ou que desrespeite a legislação do setor saúde, ressalvadas as situações de urgência e emergência, devendo comunicar imediatamente por escrito sua decisão ao Conselho Regional de Enfermagem. Art. 50 - Comunicar formalmente ao Conselho Regional de Enfermagem fatos que envolvam recusa ou demissão de cargo, função ou emprego, motivado pela necessidade do profissional em cumprir o presente Código e a legislação do exercício profissional. Art. 62 - Receber salários ou honorários compatíveis com o nível de formação, a jornada de trabalho, a complexidade das ações e responsabilidade pelo exercício profissional. são. Art. 52 - Colaborar com a fiscalização de exercício profissional. Art. 63 - Desenvolver suas atividades profissionais em condições de trabalho que promovam a própria segurança e a da pessoa, família e coletividade sob seus cuidados, e dispor de material e equipamentos de proteção individual e coletiva, segundo as normas vigentes. Art. 53 – Manter seus dados cadastrais atualizados, e regularizadas as suas obrigações financeiras com o Conselho Regional de Enfermagem. Art. 64 - Recusar-se a desenvolver atividades profissionais na falta de material ou equipamentos de proteção individual e coletiva definidos na legislação específica. Art. 51 - Cumprir, no prazo estabelecido, as determinações e convocações do Conselho Federal e Conselho Regional de Enfermagem. Didatismo e Conhecimento 45 Técnico em Enfermagem retificação Art. 65 - Formar e participar da comissão de ética da instituição pública ou privada onde trabalha, bem como de comissões interdisciplinares. Art. 80 - Delegar suas atividades privativas a outro membro da equipe de Enfermagem ou de saúde, que não seja Enfermeiro. CAPÍTULO II DO SIGILO PROFISSIONAL DIREITOS Art. 66 - Exercer cargos de direção, gestão e coordenação na área de seu exercício profissional e do setor saúde. Art. 81 – Abster-se de revelar informações confidenciais de que tenha conhecimento em razão de seu exercício profissional a pessoas ou entidades que não estejam obrigadas ao sigilo. Art. 67 - Ser informado sobre as políticas da instituição e do Serviço de Enfermagem, bem como participar de sua elaboração. Art. 68 - Registrar no prontuário e em outros documentos próprios da Enfermagem informações referentes ao processo de cuidar da pessoa. RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 82 -Manter segredo sobre fato sigiloso de que tenha conhecimento em razão de sua atividade profissional, exceto casos previstos em lei, ordem judicial, ou com o consentimento escrito da pessoa envolvida ou de seu representante legal. § 1º Permanece o dever mesmo quando o fato seja de conhecimento público e em caso de falecimento da pessoa envolvida. § 2º Em atividade multiprofissional, o fato sigiloso poderá ser revelado quando necessário à prestação da assistência. § 3º O profissional de Enfermagem intimado como testemunha deverá comparecer perante a autoridade e, se for o caso, declarar seu impedimento de revelar o segredo. § 4º O segredo profissional referente ao menor de idade deverá ser mantido, mesmo quando a revelação seja solicitada por pais ou responsáveis, desde que o menor tenha capacidade de discernimento, exceto nos casos em que possa acarretar danos ou riscos ao mesmo. RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 69 – Estimular, promover e criar condições para o aperfeiçoamento técnico, científico e cultural dos profissionais de Enfermagem sob sua orientação e supervisão. Art. 70 - Estimular, facilitar e promover o desenvolvimento das atividades de ensino, pesquisa e extensão, devidamente aprovadas nas instâncias deliberativas da instituição. Art. 71 - Incentivar e criar condições para registrar as informações inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar. Art. 72 – Registrar as informações inerentes e indispensáveis ao processo de cuidar de forma clara, objetiva e completa. Art. 83 – Orientar, na condição de Enfermeiro, a equipe sob sua responsabilidade sobre o dever do sigilo profissional. PROIBIÇÕES Art. 73 – Trabalhar, colaborar ou acumpliciar-se com pessoas físicas ou jurídicas que desrespeitem princípios e normas que regulam o exercício profissional de Enfermagem. PROIBIÇÕES Art. 74 -Pleitear cargo, função ou emprego ocupado por colega, utilizando-se de concorrência desleal. Art. 84 - Franquear o acesso a informações e documentos a pessoas que não estão diretamente envolvidas na prestação da assistência, exceto nos casos previstos na legislação vigente ou por ordem judicial. Art. 75 – Permitir que seu nome conste no quadro de pessoal de hospital, casa de saúde, unidade sanitária, clínica, ambulatório, escola, curso, empresa ou estabelecimento congênere sem nele exercer as funções de Enfermagem pressupostas. Art. 85 - Divulgar ou fazer referência a casos, situações ou fatos de forma que os envolvidos possam ser identificados. CAPÍTULO III DO ENSINO, DA PESQUISA E DA PRODUÇÃO TÉCNICOCIENTÍFICA DIREITOS Art. 76 - Receber vantagens de instituição, empresa, pessoa, família e coletividade, além do que lhe é devido, como forma de garantir Assistência de Enfermagem diferenciada ou benefícios de qualquer natureza para si ou para outrem. Art. 86 - Realizar e participar de atividades de ensino e pesquisa, respeitadas as normas ético-legais. Art. 77 - Usar de qualquer mecanismo de pressão ou suborno com pessoas físicas ou jurídicas para conseguir qualquer tipo de vantagem. Art. 87 – Ter conhecimento acerca do ensino e da pesquisa a serem desenvolvidos com as pessoas sob sua responsabilidade profissional ou em seu local de trabalho. Art. 78 – Utilizar, de forma abusiva, o poder que lhe confere a posição ou cargo, para impor ordens, opiniões, atentar contra o pudor, assediar sexual ou moralmente, inferiorizar pessoas ou dificultar o exercício profissional. Art. 88 – Ter reconhecida sua autoria ou participação em produção técnico-científica. RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 79 – Apropriar-se de dinheiro, valor, bem móvel ou imóvel, público ou particular de que tenha posse em razão do cargo, ou desviá-lo em proveito próprio ou de outrem. Didatismo e Conhecimento Art. 89 – Atender as normas vigentes para a pesquisa envolvendo seres humanos, segundo a especificidade da investigação. 46 Técnico em Enfermagem retificação RESPONSABILIDADES E DEVERES Art. 90 - Interromper a pesquisa na presença de qualquer perigo à vida e à integridade da pessoa. Art. 105 – Resguardar os princípios da honestidade, veracidade e fidedignidade no conteúdo e na forma publicitária. Art. 91 - Respeitar os princípios da honestidade e fidedignidade, bem como os direitos autorais no processo de pesquisa, especialmente na divulgação dos seus resultados. Art. 106 – Zelar pelos preceitos éticos e legais da profissão nas diferentes formas de divulgação. PROIBIÇÕES Art. 92 - Disponibilizar os resultados de pesquisa à comunidade científica e sociedade em geral. Art. 107 – Divulgar informação inverídica sobre assunto de sua área profissional. Art. 93 - Promover a defesa e o respeito aos princípios éticos e legais da profissão no ensino, na pesquisa e produções técnico-científicas. Art. 108-Inserir imagens ou informações que possam identificar pessoas e instituições sem sua prévia autorização. Art. 109 – Anunciar título ou qualificação que não possa comprovar. PROIBIÇÕES Art. 94 - Realizar ou participar de atividades de ensino e pesquisa, em que o direito inalienável da pessoa, família ou coletividade seja desrespeitado ou ofereça qualquer tipo de risco ou dano aos envolvidos. Art. 110 – Omitir, em proveito próprio, referência a pessoas ou instituições. Art. 111 – Anunciar a prestação de serviços gratuitos ou propor honorários que caracterizem concorrência desleal. Art. 95 - Eximir-se da responsabilidade por atividades executadas por alunos ou estagiários, na condição de docente, Enfermeiro responsável ou supervisor. CAPÍTULO V DAS INFRAÇÕES E PENALIDADES Art. 96 - Sobrepor o interesse da ciência ao interesse e segurança da pessoa, família ou coletividade. Art. 112 - A caracterização das infrações éticas e disciplinares e a aplicação das respectivas penalidades regem-se por este Código, sem prejuízo das sanções previstas em outros dispositivos legais. Art. 97 – Falsificar ou manipular resultados de pesquisa, bem como, usá-los para fins diferentes dos predeterminados. Art. 113 - Considera-se Infração Ética a ação, omissão ou conivência que implique em desobediência e/ou inobservância às disposições do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Art. 98 - Publicar trabalho com elementos que identifiquem o sujeito participante do estudo sem sua autorização. Art. 114 - Considera-se infração disciplinar a inobservância das normas dos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem. Art. 99 – Divulgar ou publicar, em seu nome, produção técnico-científica ou instrumento de organização formal do qual não tenha participado ou omitir nomes de co-autores e colaboradores. Art. 115 - Responde pela infração quem a cometer ou concorrer para a sua prática, ou dela obtiver benefício, quando cometida por outrem. Art. 100 - Utilizar sem referência ao autor ou sem a sua autorização expressa, dados, informações, ou opiniões ainda não publicados. Art. 116 - A gravidade da infração é caracterizada por meio da análise dos fatos do dano e de suas conseqüências. Art. 117 - A infração é apurada em processo instaurado e conduzido nos termos do Código de Processo ético das Autarquias dos Profissionais de Enfermagem. Art. 101 – Apropriar-se ou utilizar produções técnico-científicas, das quais tenha participado como autor ou não, implantadas em serviços ou instituições sob concordância ou concessão do autor. Art. 102 – Aproveitar-se de posição hierárquica para fazer constar seu nome como autor ou co-autor em obra técnico-científica. Art. 118 - As penalidades a serem impostas pelos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem, conforme o que determina o art. 18, da Lei n°5.905, de 12 de julho de 1973, são as seguintes: I -Advertência verbal; II -Multa; III -Censura; IV -Suspensão do Exercício Profissional; V -Cassação do direito ao Exercício Profissional. § 1º -A advertência verbal consiste na admoestação ao infrator, de forma reservada, que será registrada no Prontuário do mesmo, na presença de duas testemunhas. CAPÍTULO IV DA PUBLICIDADE DIREITOS Art. 103 – Utilizar-se de veículo de comunicação para conceder entrevistas ou divulgar eventos e assuntos de sua competência, com finalidade educativa e de interesse social. Art. 104 – Anunciar a prestação de serviços para os quais está habilitado. Didatismo e Conhecimento 47 Técnico em Enfermagem retificação § 2º -A multa consiste na obrigatoriedade de pagamento de 01 (um) a 10 (dez) vezes o valor da anuidade da categoria profissional à qual pertence o infrator, em vigor no ato do pagamento. §3º -A censura consiste em repreensão que será divulgada nas publicações oficiais dos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem e em jornais de grande circulação. § 4º -A suspensão consiste na proibição do exercício profissional da Enfermagem por um período não superior a 29 (vinte e nove) dias e será divulgada nas publicações oficiais dos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem, jornais de grande circulação e comunicada aos órgãos empregadores. § 5º -A cassação consiste na perda do direito ao exercício da Enfermagem e será divulgada nas publicações dos Conselhos Federal e Regional de Enfermagem e em jornais de grande circulação. II -Causar danos irreparáveis; III -Cometer infração dolosamente; IV -Cometer a infração por motivo fútil ou torpe; V -Facilitar ou assegurar a execução, a ocultação, a impunidade ou a vantagem de outra infração; VI -Aproveitar-se da fragilidade da vítima; VII -Cometer a infração com abuso de autoridade ou violação do dever inerente ao cargo ou função; VIII -Ter maus antecedentes profissionais. CAPÍTULO VI DA APLICAÇÃO DAS PENALIDAES Art. 124 - As penalidades previstas neste Código somente poderão ser aplicadas, cumulativamente, quando houver infração a mais de um artigo. Art.119 - As penalidades, referentes à advertência verbal, multa, censura e suspensão do exercício profissional, são da alçada do Conselho Regional de Enfermagem, serão registradas no prontuário do profissional de Enfermagem; a pena de cassação do direito ao exercício profissional é de competência do Conselho Federal de Enfermagem, conforme o disposto no art. 18, parágrafo primeiro, da Lei n°5.905/73. Parágrafo único -Na situação em que o processo tiver origem no Conselho Federal de Enfermagem, terá como instância superior a Assembléia dos Delegados Regionais. Art. 125 - A pena de Advertência verbal é aplicável nos casos de infrações ao que está estabelecido nos artigos: 5º a 7º; 12 a 14; 16 a 24; 27; 30; 32; 34; 35; 38 a 40; 49 a 55; 57; 69 a 71; 74; 78; 82 a 85; 89 a 95; 98 a 102; 105; 106; 108 a 111 deste Código. Art. 126 - A pena de Multa é aplicável nos casos de infrações ao que está estabelecido nos artigos: 5º a 9º; 12; 13; 15; 16; 19; 24; 25; 26; 28 a 35; 38 a 43; 48 a 51; 53; 56 a 59; 72 a 80; 82; 84; 85; 90; 94; 96; 97 a 102; 105; 107; 108; 110; e 111 deste Código. Art. 120 -Para a graduação da penalidade e respectiva imposição consideram-se: I -A maior ou menor gravidade da infração; II -As circunstâncias agravantes e atenuantes da infração; III -O dano causado e suas conseqüências; IV -Os antecedentes do infrator. Art. 127 - A pena de Censura é aplicável nos casos de infrações ao que está estabelecido nos artigos: 8º; 12; 13; 15; 16; 25; 30 a 35; 41 a 43; 48; 51; 54; 56 a 59 71 a 80; 82; 84; 85; 90; 91; 94 a 102; 105; 107 a 111 deste Código. Art. 128- A pena de Suspensão do Exercício Profissional é aplicável nos casos de infrações ao que está estabelecido nos artigos: 8º; 9º; 12; 15; 16; 25; 26; 28; 29; 31; 33 a 35; 41 a 43; 48; 56; 58; 59; 72; 73; 75 a 80; 82; 84; 85; 90; 94; 96 a 102; 105; 107 e 108 deste Código. Art.121 -As infrações serão consideradas leves, graves ou gravíssimas, segundo a natureza do ato e a circunstância de cada caso. § 1º - São consideradas infrações leves as que ofendam a integridade física, mental ou moral de qualquer pessoa, sem causar debilidade ou aquelas que venham a difamar organizações da categoria ou instituições. § 2º -São consideradas infrações graves as que provoquem perigo de vida, debilidade temporária de membro, sentido ou função em qualquer pessoa ou as que causem danos patrimoniais ou financeiros. § 3º -São consideradas infrações gravíssimas as que provoquem morte, deformidade permanente, perda ou inutilização de membro, sentido, função ou ainda, dano moral irremediável em qualquer pessoa. Art.129 - A pena de Cassação do Direito ao Exercício Profissional é aplicável nos casos de infrações ao que está estabelecido nos artigos: 9º, 12; 26; 28; 29; 78 e 79 deste Código. CAPITULO VII DAS DISPOSIÇÕES GERAIS Art. 130 - Os casos omissos serão resolvidos pelo Conselho Federal de Enfermagem. Art. 131 - Este Código poderá ser alterado pelo Conselho Federal de Enfermagem, por iniciativa própria ou mediante proposta de Conselhos Regionais. Parágrafo único - A alteração referida deve ser precedida de ampla discussão com a categoria, coordenada pelos Conselhos Regionais. Art. 122 -São consideradas circunstâncias atenuantes: I -Ter o infrator procurado, logo após a infração, por sua espontânea vontade e com eficiência, evitar ou minorar as conseqüências do seu ato; II -Ter bons antecedentes profissionais; III -Realizar atos sob coação e/ou intimidação; IV -Realizar ato sob emprego real de força física; V -Ter confessado espontaneamente a autoria da infração. Art. 132 O presente Código entrará em vigor 90 dias após sua publicação, revogadas as disposições em contrário. Rio de Janeiro, 08 de fevereiro de 2007. Art. 123 - São consideradas circunstâncias agravantes: I -Ser reincidente; Didatismo e Conhecimento 48 Técnico em Enfermagem retificação Para dar conta de suas responsabilidades, a atenção básica se vale de tecnologias relacionais de elevada complexidade, ou seja, lida com problemas altamente complexos do cotidiano das pessoas – que dizem respeito aos modos de viver, sofrer, adoecer e morrer no mundo contemporâneo – utilizando poucos equipamentos. Precisa dos múltiplos saberes e práticas desenvolvidas por toda uma equipe de profissionais de saúde na relação com os sujeitos “usuários”. Os espaços da atenção básica favorecem encontros que podem ser produtivos entre os profissionais de saúde e entre estes e a população usuária do SUS. Para isso, é necessário considerar o diálogo, a convivência e a interação do que cada um traz, por meio das diversas formas de comunicação, dos costumes, dos saberes, dos corpos, das crenças, dos afetos, das expectativas e necessidades. BRASIL.MINISTÉRIO DA SAÚDE. SECRETARIA DE ATENÇÃO À SAÚDE. POLÍTICA NACIONAL DE HUMANIZAÇÃO DA ATENÇÃO E GESTÃO DO SUS. O HUMANIZASUS NA ATENÇÃO BÁSICA. BRASÍLIA: MINISTÉRIO DA SAÚDE, 2009. (SÉRIE B. TEXTOS BÁSICOS DE SAÚDE). Atenção Básica: espaço privilegiado na construção de um SUS humanizado Para dar conta de suas responsabilidades, a atenção básica lida com problemas altamente complexos do cotidiano das pessoas utilizando poucos equipamentos. Esta cartilha convida gestores, trabalhadores e usuários a refletir, dialogar e reinventar as práticas individuais e coletivas nos modos de produzir atenção e gestão na atenção básica do Sistema Único de Saúde (SUS). Nestes anos de construção, o SUS avança em diversos cantos do país, nos territórios vivos onde as pessoas moram e a vida acontece, onde atuam as equipes de saúde, nos serviços e na comunidade. Experiências bem-sucedidas demonstram a potência do SUS e as possibilidades de qualificar a atenção e a gestão. Essas experiências e sua repercussão para gestores, trabalhadores e usuários são frutos de encontros com espaços para trocas, escuta qualificada, respeito à diversidade e às necessidades específicas, individuais e coletivas. A Política Nacional de Humanização da atenção e gestão do SUS - HumanizaSUS (2003) considera que sujeitos sociais, atores concretos e engajados em práticas locais, quando mobilizados, são capazes de, coletivamente, transformar realidades, transformandose a si próprios neste mesmo processo (BENEVIDES; PASSOS, 2005). O HumanizaSUS aposta que é possível construir vínculos entre os diversos profissionais nas equipes e com usuários para produzir graus crescentes de autonomia e corresponsabilidade. Aposta na criação coletiva de saídas e na atuação em rede. O HumanizaSUS surge atrelado ao compromisso de uma efetivação real do Sistema Único de Saúde, partindo do reconhecimento do “SUS que dá certo”. E, no âmbito da atenção básica, temos experiências expressivas de aumento do acesso aos serviços de saúde e de uma melhor qualidade do cuidado. O Ministério da Saúde, através da Política Nacional de atenção básica – PNAB (2006) caracteriza este nível de atenção como um conjunto de ações de saúde, nos âmbitos individual e coletivo, que abrange a promoção e a proteção da saúde, a prevenção de agravos, o diagnóstico, o tratamento, a reabilitação e a manutenção da saúde - ações que devem ser desenvolvidas por meio do exercício de práticas gerenciais e sanitárias democráticas e participativas, sob forma de trabalho em equipe, e dirigidas a populações de territórios bem delimitados, pelas quais assume a responsabilidade sanitária, considerando a dinamicidade existente nos lugares em que vivem essas populações. A saúde, compreendida como direito universal, indica que cada pessoa tem direito de acesso a uma equipe de atenção básica que lhe cuide, com capacidade de se corresponsabilizar pelos problemas individuais e coletivos de saúde e de intervir sobre os mecanismos de produção de doenças. A adscrição de pessoas/famílias/áreas às equipes e o acompanhamento ao longo do tempo facilitam a criação de vínculo terapêutico. Didatismo e Conhecimento É um desafio superar a percepção – presente ainda em parte dos gestores, profissionais de saúde e população – da atenção básica como ação simples ou serviço menor, que qualquer um faz (CUNHA, 2005). Entre os profissionais de saúde esta percepção decorre, em grande medida, de uma formação profissional centrada no espaço hospitalar e no modelo da biomedicina. Isto tem dificultado a compreensão de que a atenção básica tem uma grande complexidade, demandando conhecimentos e práticas diferentes da atenção produzida em outros locais. A atenção básica deve estar conectada aos outros serviços do sistema de saúde, que devem lhe dar retaguarda e apoio, mas responsabilizar-se pelo seguimento dos casos ao longo do tempo, fazendo a gestão compartilhada dos casos mais complicados, que demandem outras tecnologias, sempre que necessário. Este tipo de seguimento facilita a criação e manutenção do vínculo terapêutico. A pactuação clara de responsabilidades entre os diferentes serviços no sistema de saúde, a interação entre as equipes e a cogestão dos recursos existentes num dado território podem ampliar grandemente as possibilidades de produção de saúde. A diversidade de situações vivenciadas na atenção básica requer, ainda, a atuação articulada com os movimentos sociais e outras políticas públicas, potencializando a capacidade de respostas para além das práticas usualmente desenvolvidas pelos serviços de saúde. A atenção básica é também considerada um lugar privilegiado de ensino-aprendizagem, um campo de práticas a ser consolidado e continuamente transformado a partir das experimentações concretas, inclusive pelo ensino formal (ensino técnico, de graduação e pós-graduação). O encontro ensino-serviço deve ser processualmente estreitado, com ganhos para a rede de saúde e instituições de ensino. Esta é uma proposição da Política de Educação Permanente do Ministério da Saúde (2004, 2007). Inserir os alunos das várias profissões da saúde precocemente na atenção básica; atenuar o ensino centrado no hospital; diminuir a fragmentação disciplinar; trabalhar a responsabilização, o trabalho multiprofissional e interdisciplinar na equipe, o vínculo; articular ações individuais e coletivas e assumir ao longo dos anos de formação a cogestão do cuidado em rede são exemplos de iniciativas que podem ser significativas no processo de desenvolvimento das competências dos futuros profissionais da saúde, docentes e trabalhadores, contribuindo com a ampliação da resolutividade da atenção básica. 49 Técnico em Enfermagem retificação O Ministério da Saúde tem apontado como prioridade a expansão e qualificação da atenção básica por meio da Estratégia de Saúde da Família, bem como tem investido na formulação e implementação de políticas neste sentido. A Política Nacional de Práticas Integrativas e Complementares – PNPIC (2007), a Política Nacional de Promoção da Saúde – PNPS (2006), o Pacto pela Vida, em Defesa do SUS e de Gestão (2006) e a criação dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família – NASF (2008) são exemplos de políticas coerentes com esta macroprioridade. Existe, portanto, um grande esforço na construção de modelos de atenção à saúde que priorizem ações de melhoria da qualidade de vida dos sujeitos e dos coletivos. Para a prática de uma Clínica Ampliada, é imprescindível a criação de vínculos entre usuários, famílias e comunidade com a equipe local de saúde e com alguns profissionais que lhe sirvam de apoio e de referência técnica. Esta construção de vínculos deve partir de movimentos tanto dos usuários quanto da equipe. Por parte do usuário, a criação de vínculo será favorecida quando ele acreditar que a equipe poderá contribuir de algum modo para a sua saúde e sentir que esta equipe se corresponsabiliza por esses cuidados. Do lado do profissional e da equipe, a base do vínculo é o compromisso com a saúde daqueles que a procuram ou são por ela procurados, é o quanto aquela pessoa o afeta. O vínculo se estabelece quando esses movimentos se encontram. O vínculo será terapêutico quando contribuir para que graus crescentes de autonomia – modo de “andar” a própria vida – sejam alcançados. É um desafio superar a percepção da atenção básica como ação simples ou serviço menor, que qualquer um faz. Ter espaço para compartilhar os incômodos e potencialidades pode contribuir para tornar o trabalho mais prazeroso, efetivo e resolutivo. Apesar deste esforço, o SUS tem inúmeros desafios a enfrentar para consolidar seus princípios e avançar como política pública universal e equânime, acessível e resolutiva. Entre eles, podemos destacar a questão do financiamento insuficiente do setor saúde, a não-priorização efetiva dos investimentos na atenção básica, a precarização do trabalho em muitos lugares, os modos de se produzir a atenção e gestão. Várias estratégias podem ser adotadas pela equipe de atenção básica para favorecer a construção de vínculos, responsabilização e resolutividade. Seguem alguns exemplos: • Identificar famílias e pessoas que requerem atenção especial, seja no cadastramento das famílias, no olhar dos agentes comunitários de saúde, nas visitas domiciliares ou em outras atividades na comunidade. Isto pode ocorrer a partir da necessidade explicitada ou identificada no “encontro” com pessoas em situação ou risco de violência, pessoas com deficiência, portadores de transtornos mentais e outros; • Destacar, no atendimento cotidiano da demanda, as pessoas que merecem atenção especial – atenção a ser definida a partir do risco/vulnerabilidade, e não por ordem de chegada; • Qualificar a atenção a partir de um projeto terapêutico para cada situação: marcar retornos periódicos, agendar visita domiciliar, solicitar apoio de outros profissionais, combinar atendimento em grupo ou outras práticas que potencializem o cuidado; • Identificar pessoas em situação de transtorno ou adoecimento em função de discriminação de gênero, orientação/identidade sexual, cor/etnia ou estigma de certas patologias; • Considerar especificidades das populações quilombolas, indígenas, assentadas, ribeirinhas, povos da floresta e presidiários, dentre outras; • Garantir o cuidado aos grupos de pessoas com maior vulnerabilidade em função de agravo ou condição de vida para os quais já existem programas estruturados (prénatal, imunização, hipertensão e diabetes, hanseníase, tuberculose, etc.); • Trabalhar em articulação com outros níveis de atenção/especialidades, policlínicas, hospitais, maternidades, Centro de Apoio Psicossocial (Caps), Centro de Referência em Saúde do Trabalhador (Cerest), urgências, Centro de Especialidades Odontológicas (CEO), apoio diagnóstico, fortalecendo a rede de saúde local. • Estabelecer parcerias também com outros setores, como escolas, creches, universidades, centros de assistência social e outras instituições/equipamentos sociais da região e organizações do movimento social/comunitário; • Estimular e possibilitar que a equipe conheça, discuta e avalie os diversos relatórios com os dados produzidos, periodicamente, para que estes gerem informação útil no sentido de apoiar o planejamento, o monitoramento e a avaliação e compartilhá-los com a população. Por exemplo: cobertura vacinal, cobertura de aleitamento materno, mortalidade materna e infantil, início precoce do pré-natal, número de casos de doenças transmissíveis, etc. Como? Por onde? Que tensões e possibilidades podemos criar? Sendo tantos os desafios, como transformar as práticas que desenvolvemos? Como diminuir a fragmentação e lidar com as pessoas em sofrimento ou portadoras de necessidades em vez de só tratar da doença? Como diminuir a assimetria de poderes/saberes entre os profissionais e trabalhar em equipe? Como incluir os “usuários” como sujeitos de suas próprias vidas, portadores de saberes, de possibilidades? Como trabalhar na atenção básica para atender às demandas/necessidades da comunidade levando em conta também os interesses dos trabalhadores da saúde e dos gestores? Como lidar com os anseios e desejos de cada um destes atores que se comunicam, trocam experiências e buscam por respostas continuamente? Uma das apostas que a Política Nacional de Humanização faz, a partir de experiências concretas, é a de que é possível construir uma “zona de comunidade”, um “comum” entre os distintos interesses dos gestores, trabalhadores e usuários (TEIXEIRA, 2005). Para que esta construção se dê, é preciso criar espaços coletivos, espaços de encontro entre as pessoas. Um espaço pode ser o próprio ato de um atendimento no serviço de saúde, de uma visita à casa de uma determinada família, da realização de um grupo ou uma oficina de planejamento, uma reunião do Conselho Local de Saúde, uma roda de conversa temática, etc. É nestes encontros, onde as pessoas conversam, que os problemas podem e devem aparecer, ser analisados e enfrentados. É nestes espaços que se pode construir corresponsabilidade e aumentar o grau de autonomia de cada um. A Política Nacional de Humanização aposta que alguns modos de organizar os processos de trabalho em saúde – alguns “arranjos” – facilitam o enfrentamento dos problemas e potencializam a produção de saídas criativas e singulares em cada contexto. Aponta algumas diretrizes a serem colocadas como nossa “utopia”, que estarão sempre por serem alcançadas, nunca prontas, sempre mais à frente. São elas: o Acolhimento, a Clínica Ampliada, a Cogestão, a Produção de Redes, a Valorização do Trabalho e do Trabalhador da Saúde. Didatismo e Conhecimento 50 Técnico em Enfermagem retificação O Sr. Anésio, de 74 anos, era muito conhecido pela equipe de Saúde da Família. Sempre comparecia à unidade com suas queixas, provocando uma sensação de impotência na equipe: estava medicado com as drogas usualmente prescritas, sua pressão arterial estava controlada, mas o quadro depressivo vinha se mantendo inalterado. A equipe não sabia mais o que fazer. Um dia a equipe resolveu “pôr o caso na roda” e chamou uma psicóloga para apoiar a discussão. O grupo percebeu que o Sr. Anésio demandava atenção frequente e que os medicamentos não estavam dando conta de suas necessidades. Um agente comunitário de saúde lembrou que o Sr. Anésio se sentia muito só. Alguém sugeriu uma visita à casa dele, na expectativa de que este encontro pudesse dar novas pistas ao seu seguimento. Na visita domiciliar, o grupo visitante percebeu que o Sr. Anésio sentia mesmo muita solidão. Descobriu também que ele havia sido marceneiro durante muitos anos e que tinha muita habilidade com a madeira. Quando contava suas histórias, quando mostrava sua obra, seus olhos brilhavam muito. Havia vida latente ali. As pessoas que participaram da visita voltaram com outra visão sobre o “cidadão Anésio”. Chamaram os outros da equipe, a psicóloga da Saúde Mental, e compartilharam o que sentiram. Na conversa, uma possibilidade apareceu: “Estamos num bairro onde há tantos adolescentes vagando por aí sem ocupação, com poucas atividades. Será que o Sr. Anésio toparia ensinar o que sabe a alguns meninos? Será que alguns meninos topariam aprender marcenaria”? O Sr. Anésio topou, alguns meninos toparam e a ideia se concretizou. A varandinha da casa do Sr. Anésio foi transformada numa escola-marcenaria, cheia de barulho e vida. E o Sr. Anésio foi melhorando: as queixas diminuíram, as visitas à unidade básica de saúde já não se repetiam tanto quanto antes. A equipe concluiu com o Sr. Anésio que ele precisava muito de convivência com outras pessoas. Sentir-se útil, produtivo, incluído na sua comunidade, contribuindo com ela de alguma maneira. Ele tinha conseguido ressignificar sua vida naquele momento. Gradativamente, a oficina cresceu: os agentes comunitários de saúde ajudaram a arranjar ferramentas e sucata de madeira. Um usuário doou o maquinário de uma oficina de carpintaria. Em outra reunião da equipe, o caso foi compartilhado e as pessoas perceberam que deviam existir muitos “Anésios” na comunidade. Pessoas solitárias, algumas usando antidepressivos, frequentando bastante a unidade, com muita vida latente e, talvez, saberes que também pudessem ser compartilhados com outros. A partir de então, iniciaram um mapeamento de potencialidades naquele que parecia um território tão-somente problemático. E descobriram muitas, muitas pessoas que sabiam diferentes coisas e tinham o desejo de conviver com outros, de compartilhar seus saberes, de se integrar a diferentes fazeres. E agora, o que fazer? A equipe da unidade básica de saúde conseguiria contribuir nestas articulações com a comunidade? A equipe, com o mapeamento que fez, percebeu muitas potencialidades e resolveu buscar apoios externos à unidade para viabilizar novas ações. Acionaram o Conselho Gestor Local e organizaram várias frentes de trabalho. Foram ao distrito de saúde, ao serviço de Saúde Mental, às escolas, às secretarias de Cultura, de Obras, de Desenvolvimento Social. Visitaram também entidades da comunidade (grupos de jovens, de mulheres, times de futebol, associações de bairro, etc.), sempre buscando estabelecer conexões, ampliar a rede. Essas estratégias de organização do serviço potencializam a construção de vínculos a partir da prioridade de casos singulares, em que parte da agenda da equipe é definida pelo acompanhamento de famílias e pessoas ao longo do tempo e outra parte é definida pelos imprevistos, pelas pessoas que chegam com alguma demanda e pelos projetos de saúde coletiva construídos com a comunidade. Dentro desses imprevistos, é fundamental que a atenção básica se responsabilize pelo acolhimento e cuidado aos usuários em quadros agudos ou crônicos agudizados, cuja complexidade seja compatível com este nível de atenção. Uma pessoa cadastrada/acompanhada em uma unidade de saúde da atenção básica que tem hipertensão arterial, por exemplo, quando acometida por uma crise hipertensiva deve ser atendida inicialmente pela equipe desta unidade, que conhece sua história pregressa e atual, faz seu acompanhamento ao longo do tempo, tem seu prontuário, etc. Se o caso demandar ações realizadas por outros serviços, é desejável que se faça esta avaliação e a classificação de risco e se iniciem as intervenções necessárias com os recursos que a unidade tem para então compartilhar a atenção com outro serviço, sem abrir mão da responsabilidade pela continuidade do seguimento. Quando, nestas circunstâncias, o usuário tem apenas a unidade de emergência como possibilidade de acesso – por falta de vagas na agenda da equipe de atenção básica ou por outros fatores – será atendido por uma equipe que não o conhece: nem a sua história e nem a proposta terapêutica adotada. Nestes serviços, frequentemente, é feita nova prescrição, que nem sempre coincide com os medicamentos disponíveis na rede, por exemplo. É necessário, portanto, aumentar a capacidade de resposta da equipe de atenção básica incorporando tecnologias simples, porém resolutivas, como sala de observação ou para hidratação, sutura, medicação injetável, etc. Também é necessário que se amplie a interação entre os diferentes serviços quando for necessário compartilhar o atendimento da mesma pessoa, definindo as responsabilidades de cada um e a coordenação do caso clínico. No processo de construção de vínculos, responsabilização e resolutividade da atenção básica são muitos os desafios encontrados, que podem ser impulsionadores de novos arranjos de trabalho, novas formas de gestão, novas perspectivas de olhar para a saúde, de reformular o conceito saúde-doença, de integrar o usuário no sistema de modo ativo e de valorizar os trabalhadores, ajudando-os a encontrar maneiras singulares de produzir saúde, enfrentar circunstâncias que podem ser transformadoras para o cotidiano. Um caso concreto A Política Nacional de Humanização, como política transversal que aposta na construção coletiva para mudar a realidade, vem propondo caminhos a partir de experiências concretas de um SUS que dá certo. Convidamos você a discutir os dispositivos e o modo de fazer da Política Nacional de Humanização a partir de uma situação frequente no cotidiano dos serviços de saúde. O caso que narraremos a seguir foi vivenciado por uma equipe de Saúde da Família e pela equipe de Saúde Mental do Centro de Saúde Paranapanema, do Distrito Sul de Campinas (SP). Ele é narrado conforme a percepção de um destes atores. A história ocorreu no contexto de implementação do Projeto Paideia de Saúde da Família, quando muitos profissionais se re-encantaram com a inclusão dos agentes comunitários de saúde, com a reorganização do processo de trabalho e as produções coletivas que puderam ser inventadas. Didatismo e Conhecimento 51 Técnico em Enfermagem retificação O esforço foi grande. Foi difícil alugar uma casa para desenvolver uma parte das atividades. Dentro da própria equipe de saúde havia resistências: muitos não compreendiam que a unidade básica de saúde poderia se ocupar de outras ações além das tradicionais consultas, vacinas, curativos, etc. Enfrentados alguns destes problemas, foi possível alugar um espaço e nasceu o Portal das Artes. No espaço, foram organizadas várias atividades: além da marcenaria, vieram cursos de artesanato, de línguas, atividades lúdicas, de relaxamento, musicais, etc. O lugar passou também a servir de ponto de articulação para outras atividades no território, como organização de partidas de futebol. Vários profissionais de saúde das unidades próximas passaram a realizar no Portal das Artes atividades distintas daquelas que faziam no cotidiano da unidade básica de saúde, sentindo mais prazer no seu trabalho. A maioria das atividades era realizada por usuários-professores para usuários-aprendizes. Dessa maneira, o Portal das Artes virou de fato um “portal”, dando passagem a outro modo de olhar e cuidar das pessoas portadoras de sofrimento, apostando na potência de cada um. A iniciativa abriu espaço para que os trabalhadores da saúde pudessem, também, fazer o que gostavam, além de entrar nas relações profissionais de uma maneira mais afetiva. Quem está na atenção básica tem um ponto de vista diferente e complementar ao de quem está num outro tipo de serviço ou é de uma área especializada do conhecimento. A equipe tem mais condições de conhecer as famílias ao longo do tempo, a situação afetiva, o significado e a repercussão do sofrimento/adoecimento para esta população. O especialista tem, no geral, uma outra abordagem. Assim, estes distintos profissionais e serviços podem promover discussões ricas e produtivas para a construção de projetos terapêuticos para os usuários e comunidade. Ao lado disso, este processo contribui para aumentar a autonomia das equipes e dos trabalhadores, produzindo trocas de saberes que os qualificam. Esta aproximação pode também evitar encaminhamentos desnecessários e facilitar/qualificar o processo de contrarreferência, ao estimular contato direto entre referência e apoio, entre generalista e especialista. À constituição de rede de especialistas que apóiam o trabalho de equipes de atenção básica damos o nome de Apoio Matricial, que possui duas dimensões: suporte assistencial e suporte técnico-pedagógico. À medida que as equipes de um serviço se vinculam a outras que lhe dão apoio, conseguem produzir deslocamentos de saberes para todos os implicados, aumentando o grau de resolutividade dos serviços. Ganham os generalistas e ganham os especialistas, já que são portadores de distintos saberes pelos lugares que ocupam. Esta troca, além de enriquecedora para os profissionais de saúde, costuma ser impactante para a atenção ao usuário, favorecendo a responsabilização e o vínculo. Quem está na atenção básica tem mais condições de conhecer as famílias ao longo do tempo, a situação afetiva, o significado e a repercussão do sofrimento/adoecimento. O encontro entre usuário e profissional, uma escuta qualificada, faz com que diminua a distância entre o que é prescrito pelos profissionais e o que é realizado pelos usuários. Fato comum nas unidades básicas de saúde, os trabalhadores que foram personagens deste caso perceberam que chegaram ao limite: que tudo foi realizado, proposto e o problema de saúde do usuário não foi resolvido. Cada um já tinha feito o que era possível fazer. Mas e se fizessem juntos? Ter espaço para compartilhar os incômodos e potencialidades pode contribuir para tornar o trabalho mais prazeroso, efetivo e resolutivo. A reunião de equipe pode ser um momento propício para os mais diversos encontros: discussão de casos, revisão de condutas, elaboração de projetos terapêuticos, educação continuada, planejamento de ações. É um espaço onde cada um pode acolher o outro e também ser acolhido. É espaço de valorização das reflexões, de trocas, de criação de redes de apoio, espaço que permite a cada um sentir-se sujeito de sua história individual e da equipe. Na reunião de equipe, pode-se também fazer o fechamento dos inúmeros relatórios normalizados e, principalmente, utilizar os dados produzidos para conhecer melhor o território, avaliar o trabalho realizado, planejar, organizar as informações a serem compartilhadas com a comunidade. O exercício da clínica é muito mais do que diagnosticar doenças, pois as pessoas não se limitam aos agravos a sua saúde. Existem, portanto, limites numa prática clínica centrada na doença, pois esta leva à suposição de que basta o diagnóstico para definir o tratamento, a resolução das queixas relatadas ou não expressadas ou os sinais que o usuário apresenta. Para que se realize uma Clínica Ampliada, adequada à vivência de cada indivíduo diante de um agravo à saúde, é preciso identificar, além do que o sujeito apresenta de igual, o que ele apresenta de diferente, de singular. Considerar, inclusive, um conjunto de sinais e sintomas que somente nele se expressam de determinado modo. Com isso, abrem-se inúmeras possibilidades de intervenção e é possível propor tratamentos (construir um projeto terapêutico) mais resolutivo e contar com a participação das pessoas envolvidas. É comum encontrar nos serviços de saúde usuários com foco excessivo na doença e que às vezes se tornam conhecidos como “poliqueixosos” (sempre com muitas queixas): a doença, sua vulnerabilidade ou o risco tornam-se o centro de suas vidas. A Clínica Ampliada propõe que o profissional de saúde acolha as demandas e apóie os usuários para desenvolver a capacidade não só de combater as doenças, mas de transformar-se, de forma que a doença, mesmo sendo um limite, não impeça as pessoas de viver outras dimensões da vida, desenvolver a capacidade de “inventar-se” e reinventar novas saídas apesar da doença, reconhecendo o que se tem de potência. Quando o atendimento do profissional de saúde se dá no domicílio (visita) é interessante que este ato da entrada no espaço particular daquela pessoa/família – com sua história, seus valores, suas crenças, seus hábitos – possa ser uma oportunidade especial para o maior conhecimento desta pessoa/família, para o estreitamento das O modo de gestão da Política Nacional de Humanização é centrado no trabalho em equipe, na construção coletiva (planeja quem executa) e em colegiados que garantem o compartilhamento do poder, a coanálise, a codecisão e coavaliação – em uma palavra: a cogestão. A ideia de que a gestão é uma tarefa coletiva, e não somente uma atribuição de especialistas ou detentores de “cargos”, nos leva à conclusão de que areunião de equipe, com espaço e tempo programados, pode constituir-se numa potente estratégia para a qualificação da equipe, troca de saberes e deslocamento de poderes, tanto entre os profissionais como entre estes e os usuários. Esta atitude facilita a resolução dos problemas e promove o protagonismo e valorização dos trabalhadores. Didatismo e Conhecimento 52 Técnico em Enfermagem retificação É possível construir um “comum” entre os distintos interesses dos gestores, trabalhadores e usuários. relações, para a identificação dos modos de “andar” a vida daquelas pessoas, com suas facilidades e dificuldades, buscando ampliar o diálogo entre profissionais e estas pessoas. Mesmo quando se trabalha com questionários e/ou roteiros para ações específicas – numa ação de controle de Aedes aegypti, por exemplo – é possível uma proximidade para além da rotina instituída ou de uma conduta meramente burocrática. Não há como falar em saúde desconsiderando os sujeitos concretos nas suas vidas concretas. Assim, falar em território/ambiente saudável somente pode se dar em referência a pessoas reais. Somente pode ser pensado se inserirmos a saúde das pessoas que vivem nestes espaços. As ações coletivas vêm apresentando um enorme potencial de transformação na prática das equipes de atenção básica quando se supera o velho modelo verticalizado, onde o profissional de saúde dá aula sobre temas variados e os usuários assistem desinteressadamente como “moeda de troca” para poder receber a sua medicação mensal, por exemplo. A Política Nacional de Humanização aposta na grupalidade, na potência de afetar e sermos afetados na prática clínica, individual e coletiva. Essas afetações produzidas nas conversações entre pessoas facilitam ou dificultam a criação de vínculo. É produtivo construir com os usuários rodas de conversa onde exercitamos a lateralidade: conversação, trocas entre profissionais e usuários no cotidiano da unidade. Propiciar espaços para ouvir o outro “ao lado”, e não como quem está acima ou abaixo. Saber de suas dificuldades e de sua vida, partilhar com os demais as formas que cada um encontrou para lidar com os problemas - de saúde ou não. Esclarecer dúvidas, lidar com o inesperado das perguntas. Estando ali no limite de cada um, onde as trocas acontecem, incentivando práticas que estimulam o conviver, seja nas rodas, nas caminhadas, nas atividades lúdicas, etc. ações com as pessoas, reconhecendo os problemas e os recursos que ali existem, pode estabelecer conexões que potencializem as redes de solidariedade na própria comunidade. Também amplia as possibilidades de o SUS atuar com outras políticas públicas e com as organizações da comunidade. Ampliar gradativamente a participação nos processos de decisão é apostar na possibilidade de ampliar a motivação, a autoestima, a capacidade reflexiva e inventiva de cada trabalhador, gestor e usuário na construção da cidadania. Este é apenas um exemplo com começo, meio e continuidade. Cada território, cada equipe, cada população usuária tem suas especificidades e suas possibilidade de se reinventar. As ações coletivas vêm apresentando um enorme potencial de transformação na prática das equipes de atenção básica quando se supera o velho modelo verticalizado. Nas unidades básicas de saúde, parte dos problemas que os usuários relatam não se encaixa num diagnóstico biomédico - não tendo, portanto, sucesso terapêutico com a medicalização ou execução de procedimentos. São comuns os casos de “sintomas vagos e difusos”, sintomas físicos e/ou psíquicos múltiplos, que geram sofrimento nas pessoas e sobrecarregam os serviços de saúde, sem um diagnóstico anátomo-patológico correspondente. Estas pessoas precisam de uma abordagem que identifique este sofrimento e que propicie a construção de um Projeto Terapêutico Singular para aquela situação de vida e de saúde específicas. O encontro entre usuário e profissional, uma escuta qualificada, faz com que diminua a distância entre o que é prescrito pelos profissionais e o que é realizado pelos usuários em relação a dietas, uso de medicamentos, exercícios, etc. Frequentemente não se leva em conta o desejo, o interesse ou a compreensão das pessoas. Pouco se considera, também, a possibilidade concreta que têm os usuários para seguir a prescrição, se assim lhes interessar e desejar (condição financeira, situação de vida, de trabalho, familiar, etc). É por isso que é necessário trabalhar com a ideia de ofertas e não apenas com restrições resultantes dos problemas de saúde, ou seja, ofertar algumas possibilidades para que o usuário possa decidir conjuntamente e se corresponsabilizar com os resultados. A relação de vínculo terapêutico na atenção básica, que pode se construir no tempo, com o seguimento dos casos, pode facilitar a identificação de objetos de investimento – coisas/situações que dão prazer, estimulam recriação da vida, potencialidades – que cada pessoa tem para além do sofrimento/doença. Uma pessoa pode ser idosa, portadora de hipertensão arterial, ter artrose, dificuldades econômicas e ainda assim ter potência, mesmo que latente, para ressignificar sua vida. Isto a define como singular: igual a alguns, em uma certa medida, mas, diferente de todas as outras pessoas idosas que também são portadoras de hipertensão arterial, de artrose, etc. Cada um enfrenta singularmente os desafios e mobiliza também de modo singular sua capacidade de convivência e de superação dos problemas de saúde. Desta maneira, uma abordagem coconstruída no sofrimento e apesar dele pode gerar transformações que signifiquem graus crescentes de autonomia para esta pessoa e sua rede social. O sucesso e a viabilidade do SUS dependem de uma rede de produção de saúde com capacidade para resolver problemas. Que tanto promova saúde quanto previna riscos e cuide de doenças e da reabilitação de pessoas com problemas. Essa é uma aposta da Política Nacional de Humanização na ampliação do objetivo das ações da atenção básica: produzir saúde é fazer promoção, prevenção, cura e reabilitação. É fazer clínica e saúde coletiva compartilhadas entre sujeitos. É produzir sujeitos, trabalhadores e usuários com mais autonomia e força para decidir como caminhar suas vidas. Didatismo e Conhecimento O convite está feito! Está feito o convite para reinventar as formas de ser e fazer saúde, de promover a vida, tratar as doenças, reabilitar as pessoas, incluir as diferenças, aproveitar oportunidades, ser feliz e fazer feliz - porque não há felicidade sozinho, a gente existe no encontro com o outro. Está feito o convite para, na busca incessante deste re-encantamento com o SUS concreto, colocar em questão os processos de trabalho em cada local, com as pessoas encarnadas que ali vivem, aquelas que podem disparar movimentos transformadores da realidade. Estamos convidando você que hoje é gestor, mas que é trabalhador e usuário do Sistema Único de Saúde; estamos convidando você que é usuário e amanhã pode ser gestor ou trabalhador da saúde; estamos convidando você que é trabalhador/usuário/gestor do seu próprio trabalho a ampliar a participação nos processos de decisão, a descobrir possibilidades que os motivem, aumentem a autoestima, a capacidade reflexiva e inventiva de cada um na construção da cidadania. Estamos convidando a todos e a cada um para fazer a diferença na produção de um Sistema Único de Saúde para todo brasileiro e para qualquer um. Um SUS possível! 53 Técnico em Enfermagem retificação ANOTAÇÕES ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ——————————————————————————————————————————————————— ——————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— ———————————————————————————————————————————————————— Didatismo e Conhecimento 54